Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7688/16.9T8SNT-I.L1-1
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: INSOLVÊNCIA
VENDA
LEILÃO ELECTRÓNICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2020
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.A opção pela venda em Leilão a que alude a Portaria 282/2013 é preferencial, mas não “tendencialmente obrigatória”.
2.Podendo a Administradora de Insolvência optar por outra das modalidades de venda previstas pelo art.º 811º do Código de Processo Civil, fundamentando tal opção, e ouvindo previamente o credor hipotecário, e juntas as Condições Gerais de Venda por escrito.
3.Tendo Tribunal a quo sufragado a opção da Administradora de Insolvência, não invocando os Recorrentes quaisquer argumentos a este respeito que afastem tal fundamento, é de manter a decisão recorrida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório:
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Por sentença proferida em 24/11/2016 foi declarada a insolvência de C….e de M…, requerida pelo credor D…. - Sucursal em Portugal, S.A., tendo sido nomeada AI M….
Tendo a AI comunicado aos autos que havia posto em venda os bens que constituem a massa insolvente, mediante leilão electrónico a efectuar por empresa de leilões, vieram os insolventes requerer a imediata suspensão do Leilão Electrónico em Curso – entre 1 a 31 de Outubro de 2019 – e, simultaneamente, que fosse determinada a venda dos bens imóveis através do leilão electrónico a que se refere a Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015.
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Por despacho de 17/10/2019 foi indeferido o requerido, por se entender carecer de fundamento.
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Dessa decisão interpuseram recurso os insolventes, formulando as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso de apelação interposto do despacho proferido pelo tribunal “a quo” que decidiu não suspender o leilão electrónico efectuado neste apenso, para venda dos bens móveis e imóveis apreendidos à ordem da massa insolvente.
II. Os insolventes discordam da fundamentação jurídica vertida no despacho de que se recorre pelo Tribunal “a quo”. De facto,
III. O artigo 17º, nº 1, do CIRE prevê que “O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil, em tudo quanto não contrarie este código”.
IV. O artigo 164º, nº 1, do CIRE, sob a epígrafe Modalidades de alienação determina que “O Administrador de Insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
V. A redacção do nº 1, do artigo 164º foi introduzida pelo Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março.
VI. O nº 1, do artigo 164º do CIRE é uma norma abrangente, que não distingue entre a venda de bens móveis, nos quais se incluem direitos, e a venda de bens imóveis.
VII. O Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, previu nos seus artigos 811º e seguintes, as modalidades de venda possíveis, consignando expressamente no seu artigo 837º, sob a epigrafe Venda em leilão eletrónico o seguinte: “Exceto nos casos referidos nos artigos 830º e 831º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão electrónico, nos termos a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça”.
VIII. Os artigos 830º e 831º do CPC, não se aplicam ao caso concreto, pelo que, no âmbito do presente recurso, estará em causa a interpretação e aplicação do seguinte extracto da norma contida no artigo 837º, nº 1, do CPC, a saber: “… a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão electrónico, nos termos a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça” a este apenso aos autos de insolvência.
IX. Assim, este artigo, vem estabelecer uma modalidade preferencial de venda relativamente aos bens imóveis e móveis penhorados, em detrimento de outras consignadas no C.P.C., a saber, o leilão electrónico.
X. Quanto ao leilão electrónico, porém, remete o legislador para o leilão electrónico a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça, o que não corresponde ao uso indiscriminado do leilão electrónico regulado no artigo 15º do mencionado Decreto-Lei nº 155/2015, de 10 de Agosto.
XI. Contrariamente, o leilão a que se refere o artigo 837º, nº 1, do CPC, refere-se ao que está previsto na Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015.
XII. O qual, além do mais, estabelece que o leilão electrónico é promovido através da plataforma e-leilões, gerida pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e directamente fiscalizada pelo Ministério da Justiça.
XIII. A interpretação dos artigos já anteriormente transcritos terá de ser efectuada de acordo com o artigo 9º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe Interpretação da lei, determina o seguinte:
XIV. “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
XV. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
XVI. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
XVII. No Código Civil anotado (Volume I, de Pires de Lima e Antunes Varela), podemos ler, em anotação ao artigo 9º do Código Civil o seguinte:
XVIII. “Afasta-se, assim, dos exageros dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o nº 1 do artigo 9º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no nº 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que mandar atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).”
XIX. O artigo 837º do Código de Processo Civil corresponde, ainda que com algumas alterações, ao artigo 907º-B, do “velho” Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-Lei nº 229/2008, de 20 de Setembro, o qual previa, sob a epígrafe Venda em leilão electónico, o seguinte:
XX. 1 - Excepto nos casos referidos nos artigos 902.º e 903.º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é sempre feita em leilão electrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça:
a) Quando, ouvidos o executado, o exequente e os credores com garantia sobre os bens a vender, estes não se oponham no prazo de cinco dias;
b) Nos casos referidos nas alíneas d) e e) do artigo 904.º e no n.º 3 do artigo 907.º, quando o agente de execução entenda preferível a venda em leilão electrónico à venda por negociação particular ou à venda por propostas em carta fechada.
XXI. 2 - As vendas referidas neste artigo são publicitadas, com as devidas adaptações, nos termos dos n.os 2, 3 e 5 do artigo 890.º
XXII. 3 - À venda em leilão electrónico aplicam-se as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na portaria referida no n.º 1.»
XXIII. O elemento histórico do artigo, diz-nos, pois, que era pretensão do legislador que a venda por leilão electrónico, regulado por portaria, fosse sempre utilizado, em detrimento das restantes modalidades de venda previstas no CPC, sempre que estivesse em causa a venda de bens imóveis ou móveis penhorados.
XXIV. Assim, o adjetivo “preferencialmente” ínsito na redacção do nº 1, do artigo 837º do actual Código de Processo Civil, tem que ser interpretado de acordo com o espírito do legislador, o qual é, inquestionavelmente, o de dar prioridade ou prevalência à venda dos bens imóveis, no âmbito do processo executivo, na modalidade de leilão electrónico definido em portaria por membro do governo responsável pela área da justiça.
XXV. Todavia, poderíamos agora, como fez o Tribunal “a quo”, fazer tábua rasa deste entendimento e pugnar que o artigo 164º, nº 1, do CIRE afasta a previsão do artigo 837º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual, deste modo, apenas se aplicaria ao processo executivo.
XXVI. Ora, com o devido respeito por entendimento diferente, que é muito, não podemos concordar com o mesmo.
XXVII. Efectivamente a previsão contida no artigo 164º do CIRE tem que ser interpretada de acordo com o nº 1, do artigo 17º do mesmo diploma legal, o qual determina que o processo de insolvência e de recuperação da recuperação da empresa é regulado pelo Código de Processo Civil.
XXVIII. Só não se aplicará o CPC se o CIRE tiver norma especifica o regime previsto no Código de Processo Civil.
XXIX. A previsão contida, quer no artigo 907º-A do anterior Código de Processo Civil, quer no actual artigo 837º do Novo Código de Processo Civil foram introduzidas posteriormente à data de entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, o que impõe ao intérprete, nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, uma interpretação actualista da norma.
XXX. Assim, e no entendimento dos insolventes, o disposto no artigo 164º, nº 1, do CIRE deve ser interpretado do seguinte modo: o administrador de insolvência deve na modalidade de venda de bens escolher aquela mais adequada, de entre as definidas no Código de Processo Civil, no âmbito do processo executivo; se alguma norma no Código de Processo Civil dispuser concretamente sobre a modalidade de venda de algum tipo de bens e se não existir norma especial, no CIRE, que a contrarie, deve ser aquela modalidade a preferencialmente escolhida pelo Administrador de Insolvência, no âmbito deste processo. O afastamento de uma norma com a natureza daquela contida no nº 1, do artigo 837º do Código de Processo Civil, só pode ser afastada pelo Administrador de Insolvência, fundamentadamente.
XXXI. De facto, não podemos entender que a faculdade conferida pelo legislador ao Administrador de Insolvência, quando prevê que o mesmo pode optar por uma modalidade de venda, é a consignação de um poder arbitrário do mesmo.
XXXII. As leis que regem um Estado de Direito Democrático não consignam poderes arbitrários, o que violaria o artigo 3º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
XXXIII. Donde, concluam os Insolventes que a venda dos bens imóveis apreendidos à ordem da massa insolvente e cuja venda foi promovida através de leilão electrónico regulado nos termos do disposto na regulado no artigo 15º do mencionado Decreto-Lei nº 155/2015, de 10 de Agosto, deveriam ter sido vendidos em leilão electrónico – de aplicação tendencialmente obrigatória – previsto no artigo 837º, nº 1, do CPC e regulado pela Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015.
XXXIV. Ainda no entendimento dos Insolventes, o afastamento da aplicação do regime jurídico previsto no nº 1, do artigo 837º do CPC só poderia ter sido afastado, caso o Administrador de Insolvência afaste por decisão factual ou juridicamente fundamentada a sua aplicação.
XXXV. É que, efectivamente, vários argumentos são favoráveis à aplicação do regime contido no artigo 837º, nº 1, do CPC, todos vertidos no requerimento que apresentaram os insolvente ao Tribunal “a quo” e que sinteticamente são os seguintes:
XXXVI. Não há lugar ao pagamento de comissões devidas à e-leiloes, mas apenas ao pagamento de uma taxa mínima de utilização da plataforma; contrariamente a sociedade leiloeira de cariz particular solicita o pagamento de uma comissão de 5% ou 10%, consoante se trate da venda de bens imóveis ou móveis.
XXXVII. A venda de bens móveis e imóveis, através da modalidade de leilão electrónico nos termos previstos no nº 1, do artigo 837º do CPC visa garantir a transparência destas compras e vendas, tantas vezes efectuadas com base em regras estabelecidas entre particulares, e que eram desconhecidas dos tribunais, essencialmente.
XXXVIII. Daí que esteja formalmente previsto, nos termos já acima melhor concretizados, a faculdade do Ministério da Justiça auditar a plataforma desenvolvida pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução.
XXXIX. Por último, a garantia da identidade dos licitantes, não é igual, nos dois regimes legais, aferindo-se, também, neste particular, a vantagem para todos os intervenientes do leilão e sujeitos processuais pela escolha da modalidade de venda por leilão electrónica prevista no artigo 837º, nº 1, do CPC.
XL. Donde, além daquela que se crê ser a obrigação imposta ao Administrador de Insolvência pela aplicação do artigo 837º, nº 1, do Código de Processo Civil, também se acredita que aquele não teria argumentos factuais jurídicos e fácticos para afastar, no caso concreto, a aplicação de tal regime legal.
XLI. Ao decidir como decidiu, isto é, admitindo a preterição de uma formalidade prevista na lei, e que no caso concreto pode influir no exame ou decisão da causa, o objecto do despacho é nulo, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 195º do CPC, nulidade que se invoca, com as legais consequências.
Face ao exposto, requer-se a V.Exas. a prolação de acórdão que revogue o despacho de que se recorre, e, em consequência:
1) Declare que a interpretação conjugada dos artigos 17º, nº 1, 164º, nº 1, determina que no âmbito do processo de insolvência a venda de bens móveis penhorados e imóveis seja efectuada nos termos previstos no artigo 837º, nº 1 do CPC, conjugado com a Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015.
2) Mais, se declare que o afastamento deste regime, cuja aplicação preferencial é prevista pelo legislador, seja invocada previamente a tal decisão, de forma fundamentada, pelo administrador de insolvência.
3) Em consequência,
4) Se declare, ao abrigo do disposto no artigo 195º, nº 1, in fine do Código de Processo Civil nulo o despacho de que se recorre, tudo com as suas legais consequências, isto é, sejam declarados anulados todos os actos praticados após a prolação do despacho de que ora se recorre, nos termos do nº 2, do invocado artigo 195º do Código de Processo Civil.”
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Contra-alegou o credor D….., concluindo como se segue:
“i. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 17/10/2019, que indeferiu a pretensão dos Insolventes, em ver suspenso o Leilão Eletrónico que se encontrava a decorrer e simultaneamente que a venda fosse promovida através do Leilão Eletrónico a que se refere a Portaria 282/2013 de 29 de Agosto.
ii. Os Recorrentes não se conformando com a decisão proferida, vem alegar, em suma, que a Sra. Administradora de Insolvência, não deveria ter optado pela venda do imóvel, apreendido para a Massa Insolvente, através de Leilão Eletrónico a realizar por Leiloeira, mas que, deveria ter escolhido a modalidade de venda através do Leilão Eletrónico a que se refere a Portaria 282/2013 de 29 de Agosto, alegando ainda, que, o regime previsto no art. 837º, nº 1 do CPC, prevalece sobre o disposto no art. 164º do CIRE, não podendo a Sra. Administradora de Insolvência, optar pela modalidade de venda de Leilão Eletrónico a realizar por Leiloeira.
iii. Contudo, não pode a pretensão dos Recorrentes proceder, pois, entende o Credor Reclamante, que o tribunal a quo, decidiu bem, pelo que, deverá manter-se na íntegra a decisão recorrida, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
iv. A Sra. Administradora de Insolvência, após ouvidos os credores, optou pela venda por leilão eletrónico, através de uma Leiloeira, tendo os Insolventes, aqui Recorrentes, reclamado da decisão da Sra. Administradora de Insolvência, através do requerimento, datado de 10/10/2019, pugnando pela venda através de leilão eletrónico, através da plataforma e-leilões, pretensão, veio a ser indeferida, por douto despacho proferido em 17/10/2019.
v. O art. 812º do CPC, ex vi art. 17º do CIRE, dispõe que: “Se o executado, exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso”, pelo que, tendo o Tribunal, indeferido a pretensão dos Insolventes, aqui Recorrentes de ver alterada a modalidade de venda, não podem agora os mesmos, agora recorrer da decisão proferido pelo Tribunal a quo, sendo que desta não cabe recurso.
A não se entender assim, mas sem prescindir, sempre ser dirá que,
vi. Dispõe o artigo 164º, n.º 1, do CIRE, que “o administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
vii. No processo de insolvência, optando o Administrador de Insolvência, pela venda por leilão eletrónico, pode recorrer para o efeito, ao portal e-leilões, mas tal não significa, no entanto, que seja obrigatório que a venda seja efetuada através da plataforma e-leilões, não existindo no CIRE qualquer menção que implique semelhante conclusão, sendo certo que ao Administrador de Insolvência é conferida a possibilidade de optar pela modalidade e modo de venda.
viii. No caso, tendo a Senhora Administradora de Insolvência optado, no âmbito das competências que a lei lhe confere, pela venda dos bens que integram a massa insolvente por meio de leilão eletrónico a realizar por estabelecimento de leilão, sem que tal opção acarrete maiores custos para a massa insolvente do que qualquer outra modalidade de venda e sem que o credor hipotecário tenha manifestado oposição à mesma e não estando demonstrado que da mesma decorra um qualquer afastamento/desinteresse de potenciais interessados, podendo existir, como refere a Senhora Administradora de Insolvência, vantagens, no que concerne à celeridade e eficácia da venda, no recurso a tal entidade, entende-se inexistir qualquer impedimento legal ou de facto para a sua realização e que imponha seja proferida decisão de sustação de tal venda, concluindo o Tribunal a quo, pelo indeferimento da pretensão dos Insolventes.
ix. O art. 164º do CIRE, é uma norma específica em relação ao que dispõe o Código de Processo Civil, nomeadamente o art. 837º do CPC, sem contudo, ser uma norma contrária a este, sendo que, ambos, preveem, como modalidade preferencial de venda dos bens, o leilão eletrónico, embora o CIRE não imponha que a venda seja feita através da plataforma e-leilões, regulada pela Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, ficando a decisão a cargo da Sra. Administradora de Insolvência.
x. Cabe, em última análise à Sra. Administradora de Insolvência, escolher a modalidade de venda, que mais se adequa à situação, tendo esta optado, pela modalidade que o CIRE prevê como preferencial – o leilão eletrónico – embora através de uma leiloeira, que, segundo a fundamentação da Sra. Administradora de Insolvência, e no estrito cumprimento do disposto no CIRE, «atendendo às características dos bens e consequentemente, do valor de avaliação dos mesmos, com a intervenção da Leiloeira, haverá uma ampla divulgação, suscetível de desencadear a atenção de investidores institucionais e de consumidores finais, sendo toda esta intervenção assegurada sem quaisquer encargos para a massa insolvente, não obstante a Leiloeira suportar todos os custos de promoção e divulgação».
xi. A Sra. Administradora de Insolvência, no âmbito das competências que a lei confere à mesma, e sem qualquer prejuízo para a Massa Insolvente, optou pela modalidade preferencial consagrada no CIRE, escolhendo uma vertente que permite uma maior divulgação e publicitação da venda, sem que, com isso, advenha algum custo ou encargo extra, para a Massa Insolvente.
xii. Acresce ainda que, os Recorrentes, não reclamaram do valor de venda fixado de €1.079.500,00, tendo o leilão terminado, com diversas propostas superiores ao valor mínimo, com a proposta vencedora no valor de € 1.230.000,00.
xiii. Em última instância, sempre se dirá, que o pretendido pelos Recorrentes, levaria à anulação da venda, que alcançou todos os objetivos, tendo o imóvel obtido propostas, por valor superior ao valor mínimo fixado.
xiv. Considerando o acima exposto, deverá manter-se na íntegra a douta decisão proferida pelo tribunal a quo, que indeferiu a pretensão dos Insolventes de suspensão da venda e alteração da venda por leilão eletrónico, através da plataforma e-leilões.”
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II. Da Admissibilidade do Recurso.
Foi proferida decisão liminar sobre esta questão, pelo que nada mais há a referir.
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III. Questão a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º  n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto resulta que a questão a apreciar consiste em saber se é de anular a venda com recurso a Leiloeira ou se é de manter a mesma.
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IV. Fundamentação de facto:
1. Por sentença proferia em 24/11/2016 foi declarada a insolvência de Cl… e de M.., requerida pelo credor D…t - Sucursal em Portugal, S.A., tendo sido nomeada AI M…. e sem que fosse nomeada comissão de credores.
2. Em 8/1/2017 a AI junta aos autos um primeiro Auto de Apreensão de Bens, onde constam sete participações sociais, Auto esse substituído por outro no dia 14/5/2018, onde, para além de participações sociais, consta a apreensão de bens imóveis, com o seguinte teor:
VERBA UM(….);VERBA DOIS(….);VERBA TRÊS(…)VERBA QUATRO-Fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na (….)VERBA CINCO(…);VERBA SEIS(…);VERBA SETE (….); VERBA OITO(….);VERBA NOVE(….);VERBA DEZ(…); VERBA ONZE(…..)
3. Sobre a VERBA QUATRO mostram-se registadas duas hipotecas a favor do credor D… Sucursal em Portugal, S.A., pela Ap. 3466 de 24/5/2010, convertida em definitiva pela Ap. 2219 de 31/5/2010 e pela Ap. 3465 de 24/5/2010, convertida em definitiva pela Ap. 2118 de 31/5/2010.
4. Em 23/9/2019 a AI junta aos autos catálogo do leilão dos bens apreendidos, com data de início de 01/10 e término a 31/10, que serão alienados na modalidade de leilão eletrónico pelo valor base constante do mesmo, a levar a cabo pela Sociedade Leilosoc.
5. Das Condições Gerais de Venda Electrónica consta, para o que aqui interessa, o seguinte:
“A) Registo no Portal de Leilões Leilocsoc
1. Os licitantes deverão proceder ao registo no site da Leilocsoc market Partnes onde devem constar todos os elementos de identificação e contacto necessários, nomeadamente nome, morada, número do B.I. ou Cartão de Cidaão e número de Contribuinte;
2. Deve também indicar os dados de facturação.
3. O licitante assume a veracidade dos dados introduzidos e a responsabilidade decorrente de tal acto.
4. Depois de finalizar o registo, será solicitada a confirmação da conta de email indicada no registo prévio. A confirmação é imprescindível para validar o email solicitado e ser-lhe permitido licitar. (…)
D) Funcionamento do Leilão Electrónico (…)
11.1 Valor da venda: valor a partir do qual se considera o bem vendido, sendo adjudicado ao licitante com a maior licitação. (…)
E) Comissões pelos Serviços Prestados
15. Ao valor da venda acresce uma comissão pelos serviços prestados pela Leilosoc (…) e IVA respectivo, nomeadamente:
a) 5% no caso de bens imóveis e IVA respectivo;
b) 10% no caso de bens móveis e IVA respectivo;
c) Casos específicos serão indicados nas condições específicas do leilão e/ou na área de informação dedicada ao leilão eletrónico e/ou ao produto em concreto.
16. Em caso de adjudicação de um ou mais bens, o licitante será contactado após o términus do leilão, de forma a proceder ao pagamento da comissão, dos bens e respectivo levantamento. (…)
Dando-se aqui por reproduzidas as demais condições juntas aos autos com o requerimento da AI de 23/9/2019.
6. Na sequência do requerimento da AI de 23/9/2019, os insolventes requereram a notificação da mesma para indicar a modalidade da venda; o fundamento da escolha da modalidade da venda e o fundamento para o afastamento das restantes modalidades de venda, designadamente a prevista no art.º 837º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
7. A AI veio referir o seguinte:
1ª Antes de mais, conforme consta dos autos, a venda dos bens apreendidos será efetuada mediante leilão eletrónico entre 1 e 31 de Outubro;
2ª A aqui Administradora Judicial, dando cumprimento às exigências de celeridade e de eficácia que o quadro legal impõe, tratou de agilizar o procedimento de venda, sempre na ótica da frutificação dos ativos apreendidos e, nessa sequência, da promoção dos interesses dos credores;
3ª Dando cumprimento ao disposto no art. 164 nº 2 do CIRE auscultou-se o credor hipotecário, D…., acerca da modalidade da venda e acerca do valor base fixado.
4ª Deste modo, este informou que a VERBA QUATRO do auto de apreensão, deveria ser alienada através de abertura de propostas em carta fechada ou leilão eletrónico, indicando como valor base o montante de €1.270.000,00 (um milhão duzentos e setenta mil euros);
5ª Assim, após ter auscultado o credor, a Administradora Judicial, no âmbito estrito dos poderes que a Lei lhe confere, perfeitamente consignado no artigo 164.º do CIRE optou, pela modalidade indicada, mas através de estabelecimento de leilão;
6ª Isto, promovendo os interesses da massa insolvente, com o objetivo de otimizar e frutificar a liquidação do património daquela;
7ª Por outro lado, prevê o nº 1 do art. 164 do CIRE que “o administrador de insolvência procede à alienação dos bens, preferencialmente, através de venda em leilão eletrónico”.
8ª Ora, desta norma resultam duas conclusões, nomeadamente que é ao Administrador da Insolvência que tem competência para escolha da modalidade da venda, dando preferência à venda através de leilão eletrónico, sem indicar a plataforma através da qual deverá a venda ser feita. (….)
(….)
10ª E, nessa sequência – também no uso dos poderes legalmente outorgados –, escolheu a entidade responsável pela promoção da referida modalidade de venda;
(….)
14ª Assim sendo, a Administradora Judicial, dando cumprimento à preferência pela modalidade da venda que impõe a lei e o credor hipotecário, decidiu a venda de todos os bens pelo leilão eletrónico, através de estabelecimento de leilão, isto porque:
 Atendendo às características dos bens e consequentemente, do valor de avaliação dos mesmos, com a intervenção da Leiloeira, haverá uma ampla divulgação, suscetível de desencadear a atenção de investidores institucionais e de consumidores finais;
 Sendo toda esta intervenção assegurada sem quaisquer encargos para a massa insolvente, não obstante a Leiloeira suportar todos os custos de promoção e divulgação;
 Portanto, a Administradora Judicial atua sem precipitações, mas com a consciência de que a inércia instalada a ninguém aproveitava, sempre com o objetivo firme de proteger e rentabilizar os ativos apreendidos;
 Sendo esse o objetivo específico da venda encetada;
CONCLUSÕES
Face ao exposto, é inegável que a venda dos bens apreendidos será efetuada através de leilão eletrónico, conforme determinado no art. 164 nº 1 do CIRE, pelo que o recurso à leiloeira será apenas uma mais-valia à maximização do produto da venda, desonerando a massa insolvente de quaisquer custos inerentes à divulgação da venda dos bens, para angariação de investidores para a aquisição dos bens.
8. Em 10/10/2019 os insolventes vêm responder à AI, concluindo como segue:
Face ao que fica anteriormente exposto e, cumulativamente, ao facto da lei estabelecer a venda de bens imóveis através de leilão electrónico, através do e-leilões, aplicável ao processo de insolvência nos termos da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015 e os Insolventes terem demonstrados as vantagens decorrentes dessa escolha, que no seu modesto entendimento, não foi demonstrada pela Exma. Sra. A.I., requer-se, e face à circunstância do leilão electrónico estar actualmente em curso – Entre 1 a 31 de Outubro de 2019 – que seja, com urgência, prelado despacho a determinar a imediata suspensão do Leilão Electrónico em Curso, e simultaneamente, seja determinada a venda através dos bens imóveis, através do leilão electrónico a que se refere a Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015.
9. Em 17/10/2019 foi proferido o seguinte despacho:
Tendo a Sr. AI comunicado aos autos que havia posto em venda os bens que constituem a massa insolvente, mediante leilão electrónico a efectuar por empresa de leilões, vieram os insolventes requerer imediata suspensão do Leilão Electrónico em Curso – entre 1 a 31 de Outubro de 2019 – e, simultaneamente, seja determinada a venda através dos bens imóveis, através do leilão electrónico a que se refere a Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015.
Para tanto e em suma, alegam que a tal venda, por ser sujeita a comissões para o eventual comprador mais elevadas do que os custos inerentes à venda por meio do portal e-leilões, pode afastar potenciais interessados, com custos para a massa e respectivos credores, não sendo, ainda, a identificação e registo dos utilizadores sujeita, nesse tipo de leilão, às mesmas regras aplicáveis nesse portal e que garantem a fiabilidade das informações fornecidas pelos seus utilizadores.
Acrescentam que o facto da lei estabelecer a venda de bens imóveis através de leilão electrónico, através do e-leilões, aplicável ao processo de insolvência nos termos da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015 e os Insolventes terem demonstrados as vantagens decorrentes dessa escolha, que no seu modesto entendimento, não foi demonstrada pela Exma.Sra. A.I.
O credor hipotecário, notificado, nada disse.
A Senhora AI pronunciou-se no sentido de ter optado por tal modalidade de venda, no âmbito das suas competências, atendendo aos princípios da celeridade e eficácia da liquidação, tendo de tal opção dado conhecimento ao credor hipotecário que à mesma não se opôs.
Acrescenta que, «atendendo às características dos bens e consequentemente, do valor de avaliação dos mesmos, com a intervenção da Leiloeira, haverá uma ampla divulgação, susceptível de desencadear a atenção de investidores institucionais e de consumidores finais, sendo toda esta intervenção assegurada sem quaisquer encargos para a massa insolvente, não obstante a Leiloeira suportar todos os custos de promoção e divulgação».
Decidindo
Prescreve o artigo 164º, n.º 1, do CIRE, que o administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão electrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
No processo de insolvência, optando o AI pela venda por leilão electrónico, pode recorrer para o efeito, ao portal e-leilões.
Tal não significa, no entanto, que seja obrigatório que venda efectuada por meio de leilão electrónico, quando o AI opte pela venda por essa modalidade de venda, tenha de ser efectuada por meio da plataforma e-leilões.
Inexiste no CIRE qualquer menção que implique semelhante conclusão, sendo certo que ao AI é conferida a possibilidade de optar pela modalidade e modo de venda,
No caso, tendo a Senhora AI optado, no âmbito das competências que a lei lhe confere, pela venda dos bens que integram a massa insolvente por meio de leilão electrónico a realizar por estabelecimento de leilão, sem que tal opção acarrete maiores custos para a massa insolvente do que qualquer outra modalidade de venda e sem que o credor hipotecário tenha manifestado oposição à mesma e não estando demonstrado que da mesma decorra um qualquer afastamento/desinteresse de potenciais interessados, podendo existir, como refere a Senhora AI, vantagens, no que concerne à celeridade e eficácia da venda, no recurso a tal entidade, entende-se inexistir qualquer impedimento legal ou de facto para a sua realização e que imponha seja proferida decisão de sustação de tal venda.
Assim, por falta de fundamento, indefere-se o requerido.
Notifique.
*
V. O Direito:
Com o presente Recurso pretendem os Recorrentes que se declare nulo o despacho de que se recorre, ao abrigo do disposto no artigo 195º, nº 1, in fine do Código de Processo Civil, e consequentemente sejam declarados anulados todos os actos praticados após a prolação desse despacho, nos termos do nº 2, do invocado artigo 195º do Código de Processo Civil, nomeadamente as diligências de venda dos bens.
Fundamentam tal pretensão na interpretação conjugada dos artigos 17º, nº 1 e 164º, nº 1, do CIRE que determina que no âmbito do processo de insolvência a venda de bens móveis penhorados e imóveis seja efectuada nos termos previstos no artigo 837º, nº 1 do Código de Processo Civil, conjugado com a Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11 e o despacho da Ministra da Justiça 12624/2015, publicado no DR, II série, de 9 de Novembro de 2015, ou seja, preferencialmente pelo Leilão Electrónico aí previsto e que o afastamento deste regime, cuja aplicação preferencial é prevista pelo legislador, seja invocada previamente a tal decisão, de forma fundamentada, pelo administrador de insolvência, considerando os Requerentes que tal fundamento inexiste.
Vejamos se assim ocorre.
Dispõe o artigo 164.º do CIRE, para o que aqui interessa, que:
“1 - O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada. (…)”
Pela Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, com as redacções que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas pelas Portarias 267/2018, de 20/09, 349/2015, de 13/10 e 233/2014, de 14/11, procedeu-se, nos termos do seu art.º 1.º, n.º 1, i) e j), à regulamentação da publicitação da venda dos bens penhorados através de anúncio eletrónico e dos termos da venda em leilão eletrónico de bens penhorados.
Entendeu o legislador, como consta do Preâmbulo de tal diploma, que “Passa agora a estar igualmente regulamentada a venda de bens penhorados em leilão eletrónico. As vantagens do leilão eletrónico são claras, permitindo obter a máxima transparência do ato de venda e criar as condições para a valorização máxima dos bens, ao mesmo tempo que se obtém maior celeridade na tramitação. São, por esta via, beneficiados todos agentes processuais e a generalidade dos potenciais interessados na aquisição dos bens, à semelhança do que tem sucedido nas execuções fiscais”, o que está em consonância com a preferência por este meio prevista no art.º 164º, n.º 1 do CIRE.
Nos termos do art.º 20º da Portaria 282/2013, “Entende-se por «leilão eletrónico» a modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”;  definindo o art.º 21º as regras gerais, que são as que seguem:
“1 - A entidade gestora da plataforma eletrónica, a qual é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, disponibiliza a todos os interessados, em sítio da Internet de acesso público definido nas regras do sistema, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão eletrónico bem como as regras do sistema.
2 - A plataforma eletrónica mencionada no artigo anterior dispõe de um módulo de acesso restrito a utilizadores registados no sistema, no qual se processa a negociação dos bens a vender em leilão eletrónico, estando permanente e publicamente visível em cada leilão o preço base dos bens a vender, o valor da última oferta e o valor de venda efetiva dos bens leiloados.
3 - Só podem efetuar ofertas de licitação no leilão eletrónico regulado na presente portaria utilizadores que se encontrem registados, após autenticação efetuada de acordo com as regras do sistema.
4 - As regras do sistema regulam o processo de registo referido no número anterior, devendo assegurar a completa, inequívoca e verdadeira identificação de cada uma das pessoas registadas como utilizadores da plataforma a que alude o artigo anterior.
5 - A cada utilizador registado são fornecidas credenciais de acesso constituídas por um nome de utilizador e uma palavra-chave pessoais e intransmissíveis, que permitam a sua autenticação na plataforma referida no artigo anterior.”
A publicidade a dar à venda está regulada no art.º 19º deste mesmo diploma, nos seguintes moldes:
“1 - A venda dos bens penhorados é publicitada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 817.º do Código de Processo Civil, através de anúncio na página informática de acesso público, na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt.
2 - O anúncio contém:
a) A identificação do processo de execução;
b) O nome do executado;
c) A identificação do agente de execução;
d) As características do bem;
e) A modalidade da venda;
f) O valor para a venda;
g) O dia, hora e local de abertura das propostas;
h) O local e horário fixado para facultar a inspeção do bem;
i) Menção, sendo caso disso, ao facto de a sentença que serve de título executivo estar pendente de recurso ou de oposição à execução ou à penhora.
3 - O anúncio deve ainda conter quaisquer outras informações relevantes, designadamente ónus ou encargos que incidam sobre o bem, e que não caduquem com a venda, bem como, sempre que possível, fotografia que permita identificar as características exatas do bem e o seu estado de conservação.
4 - A publicação dos anúncios é efetuada de forma a que não seja possível a sua indexação a motores de busca.”
As “regras do sistema” previstas na parte final do art.º 20º e no n.º 1 do art.º 21º da Portaria 282/2013 foram definidas pelo Despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, que define como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologa as regras do sistema aprovadas por essa entidade e estabelece, em Anexo, as regras do sistema www.e-leiloes.pt, desenvolvida e administrada pela Câmara dos Solicitadores.
Para a decisão da questão que agora nos ocupa, há que ter em consideração ainda o que dispõe o art.º 55.º do CIRE, que preceitua sobre as funções e seu exercício do Administrador da Insolvência, nomeadamente, com relevo para o caso dos autos:
“(…) 3 - O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão. (…)”.
Feito este enquadramento legal da questão em causa, há que dele retirar desde logo as seguintes conclusões:
É ao AI que compete a opção pela modalidade da venda dos bens apreendidos em sede de processo de insolvência, sendo que não há dúvida que a lei estabelece como regime preferencial o leilão electrónico regulado pela Portaria 282/2013.
No entanto, é lícito ao AI optar por outra modalidade de venda, nomeadamente, pelas que estão previstas para o processo de execução, nos termos do art.º 811º do Código de Processo Civil.
Tal opção não é discricionária e obedece a determinados pressupostos e requisitos.
Desde logo, o previsto pelo art.º 164º, n.º 2 do CIRE; o credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada.
No caso dos autos, e sendo o caso relativamente à verba n.º 4, tal audição mostra-se efectuada pela AI, não tendo o credor feito qualquer oposição à modalidade de venda determinada pela AI.
Devia ainda a AI, nos termos do n.º 3 do art.º 55º do CIRE, uma vez que não existe comissão de credores no presente caso, ter obtido prévia concordância da Juiz a quo.
Tal não ocorreu nos autos, mas veio a ser proferido despacho, mediante a reclamação que foi apresentada pelos insolventes e de que agora recorrem, de concordância com a opção levada a cabo pela AI.
Deste modo, julga-se que se mostra sanada a irregularidade em causa mediante a aprovação pela Juiz da modalidade de venda determinada pela AI, nos termos do disposto pelo art.º 6º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o art.º 17º do CIRE.
Resta apreciar se ocorre fundamento para a opção pela AI da modalidade de venda em causa.
Antes de mais, convém relembrar que é à AI quem, em primeiro lugar, compete efectuar a opção pela modalidade de venda (mostrando-se verificada, como vimos, a audição do credor hipotecário e a aprovação judicial, na falta da comissão de credores).
Com a aprovação do CIRE o legislador pretendeu ampliar a desjudicialização do processo de insolvência, conferindo latos poderes ao administrador, entre os quais os que se reportam à liquidação do património apreendido para a massa e repartição pelos credores, sem prejuízo dos deveres de fiscalização do Juiz que a Lei impõe (como é o caso do n.º 3 do art.º 55º e o art.º 58º do CIRE).
A este propósito referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 259: “Os poderes do Administrador têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios: corresponde-lhe, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode, como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (cfr. artigo 59º, in fine). Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores. É a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem. E a essa mesma luz será apreciado o seu procedimento e, correspondentemente, medida a sua responsabilidade.”
A actuação do administrador deve pautar-se de acordo com as regras estatutárias que se lhe impõe.
Assim, nos termos do Estatuto do Administrador Judicial, Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (EAJ), e para o que aqui importa, o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo estatuto e pela lei – conf. art.º 1º.
O art.º 12º do EAJ prevê um conjunto de deveres aos quais o administrador judicial está sujeito, dos quais se destacam os seguintes:
“1 - Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes.
2 - Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados. (…)
11 - Ao subcontratar qualquer entidade nos processos para os quais é nomeado, designadamente para efeitos de alienação de ativos, o administrador judicial deve celebrar com o subcontratante um contrato escrito no qual, expressamente, se definam, entre outros, o objeto contratual e os deveres e os direitos que assistem a ambas as partes. (…)”.
Revertendo ao caso dos autos, mostra-se junto pela AI as Condições de Venda celebradas com a Leiloeira em causa.
Os Recorrentes não põem em causa o valor atribuído ao bem.
Em sede de alegações de recurso enumeram um conjunto de circunstâncias que, em seu entender, levariam à aplicação do Leilão Electrónico previsto pela Portaria 282/2013.
Ora, que este regime tem características que levaram a que o legislador o erigisse como preferencialmente aplicável, tal é ponto assente, como supra referido.
A questão que se coloca, e que os Recorrentes não invocam, é se inexiste fundamento ou se o mesmo é de tal forma descabido, que levasse a que se anulasse a venda em causa.
Efectivamente, a AI, para além de ter juntado as Condições Gerais de Venda, como se lhe impunha, sustenta a sua opção “ (…) atendendo às características dos bens e consequentemente, do valor de avaliação dos mesmos, com a intervenção da Leiloeira, haverá uma ampla divulgação, suscetível de desencadear a atenção de investidores institucionais e de consumidores finais;
 Sendo toda esta intervenção assegurada sem quaisquer encargos para a massa insolvente, não obstante a Leiloeira suportar todos os custos de promoção e divulgação;
 Portanto, a Administradora Judicial atua sem precipitações, mas com a consciência de que a inércia instalada a ninguém aproveitava, sempre com o objetivo firme de proteger e rentabilizar os ativos apreendidos;
 Sendo esse o objetivo específico da venda encetada”.
Tais argumentos mereceram a tutela da Juiz a quo.
E em lado nenhum do Recurso interposto os Recorrentes impugnam tais fundamentos, limitando-se a remeter para as regras de funcionamento definidas pela Portaria 282/2013 e pelo Despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro.
Especificamente quanto ao aspecto da cobrança apenas da taxa mínima de utilização da plataforma, não sendo cobrada comissão de venda, ao contrário da venda pela qual a AI optou, esta é paga pelo licitante, a acrescer ao valor da venda, não sendo descontado desta, revertendo assim o valor da venda para a Massa Insolvente.
Nos termos legais supra referidos, que não se vislumbra que a AI desconheça, nem que não tenha feito a ponderação destas condições de venda, tendo considerado, face ao argumento invocado, que a opção que tomou é a mais favorável para a liquidação e não tendo os Recorrentes invocado factos concretos que permitam pôr em causa a decisão da AI, nomeadamente quando esta sustenta que com recurso à Leiloeira haverá uma ampla divulgação, suscetível de desencadear a atenção de investidores institucionais e de consumidores finais; Sendo toda esta intervenção assegurada sem quaisquer encargos para a massa insolvente, não obstante a Leiloeira suportar todos os custos de promoção e divulgação; julga-se que a decisão proferida será de manter.
Nestes termos, considerando que a opção pelo Leilão a que alude a Portaria 282/2013 é preferencial, mas não “tendencialmente obrigatória”, como invocam os Recorrentes; sendo lícito à AI optar por outra das modalidades de venda previstas pelo art.º 811º do Código de Processo Civil; tendo a mesma ouvido previamente o credor hipotecário; tendo juntado as Condições Gerais de Venda por escrito; tendo a Juiz a quo sufragado tal opção; indicando a AI o motivo da preferência e não invocando os Recorrentes quaisquer argumentos a este respeito que afastem tal fundamento, o recurso interposto terá de improceder, sendo de manter o despacho recorrido.
*
VI. Das Custas.
Vencidos na causa, são os Apelantes responsáveis pelo pagamento das custas do Recurso – art.º 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e mantêm-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos Apelantes.

Lisboa, 28/1/2020
Vera Antunes
Amélia Rebelo (Vencida, nos termos da fundamentação infra)
Maria Manuela Espadaneira Lopes
______________________________________________________________________________________________________________
Discordando do entendimento que fez vencimento no presente acórdão, em obediência ao disposto no art. 663º, nº 1 do CPC profere-se declaração de voto (vencido) nos seguintes termos:
Julgaria o recurso procedente com fundamento em ausência de devida e cabal justificação e, assim, por ausência de fundamento legal para a realização da venda através de contratação de terceiro – estabelecimento de leilões -, com preterição da modalidade de venda dos bens por recurso à plataforma eletrónica e-leilões prevista pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de agostomáxime relativamente à verba nº 4 – imóvel sito em Cascais -, mas também às verbas 5 a 11 (participações sociais em sociedades com sede em Cascais e Amadora).
Com os seguintes fundamentos (parcialmente coincidentes com os expostos no voto de vencido que emitimos relativamente à posição que fez vencimento no acórdão desta secção de 11.12.2019, proferido em conferência no âmbito do processo nº 3472/12.7TBTVD-D.L1):
A) Os poderes-deveres que ao Administrador Judicial são conferidos visam a satisfação de interesses que não são próprios, correspondendo-lhes, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode, como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, cumprindo, antes de mais, os normativos legais reguladores da sua concreta atividade em cada processo (de mediação, de gestão, ou de liquidação). Neste contexto, e conforme expressamente emana da lei, as despesas e os encargos com a liquidação têm de ter-se por razoáveis, razoabilidade a aferir em função de critérios de adequação e de utilidade por referência aos fins a que a dita atividade se destina: obter a máxima satisfação dos interesses dos credores da insolvência à custa do património do devedor. O que, para além de em qualquer circunstância constituir a prática ideal e devida, mais se justifica pelo fato de não ser o Administrador da Insolvência, mas sim a massa insolvente enquanto património de afetação à satisfação das dívidas da massa e das dívidas da insolvência (ou, na pior e muito frequente hipótese, o erário publico), a suportar as despesas da concreta atividade que em cada processo o Administrador da Insolvência realiza.
B) Por referência à modalidade da venda
1. Com interesse para a questão sub iudice prevê o art. 837º do Código de Processo Civil (CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) que:
 1 - A venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - As vendas referidas neste artigo são publicitadas, com as devidas adaptações, nos termos dos n.os 2 a 4 do artigo 817.º,
3 - À venda em leilão eletrónico aplicam-se as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na portaria referida no n.º 1.
Em sede de considerações/motivações para as opões legais tomadas em vários aspetos das ações executivas cíveis regulamentados pela Portaria  nº 282/2013, de 29 de Agosto, designadamente, a venda de bens penhorados em leilão eletrónico, no introito daquele diploma o legislador entendeu, e assim consignou, que As vantagens do leilão eletrónico são claras, permitindo obter a máxima transparência do ato de venda e criar as condições para a valorização máxima dos bens, ao mesmo tempo que se obtém maior celeridade na tramitação. São, por esta via, beneficiados todos agentes processuais e a generalidade dos potenciais interessados na aquisição dos bens, à semelhança do que tem sucedido nas execuções fiscais.
Entre outros, o Despacho n.º 12624/2015 de 9 de novembro da Ministra da Justiça, que definiu como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologou as regras do sistema aprovadas por essa entidade, teve como pressupostos que [IV]. Mostra-se premente a disponibilização da solução de leilão eletrónico que agilize o processo de venda, modalidade que o CPC determina como preferencial;//V. Impõe-se criar uma solução que, com custos reduzidos para as partes, assegure a total transparência e independência do ato da venda, criando condições para a maximização do valor dos bens, a fim de beneficiar todos os agentes processuais (subl. nossos). Pelo mesmo despacho mais se considerou dever [a]ssegurar-se que esta plataforma poderá ser utilizada para a realização de leilões no contexto de outros processos, estando preparada para acolher a atividade de outros profissionais, como sejam os administradores judiciais e os oficiais de justiça que atuem como agentes de execução (…)., propósito ali concretizado pelo art. 17º, nº 1 que, sob a epígrafe Utilização da plataforma no âmbito de outros processos, prevê que [A] plataforma www.e-leiloes.pt pode ainda ser utilizada em processos distintos dos previstos no n.º 2 do artigo 1.º ou noutros âmbitos em que se justifique a utilização de uma plataforma de leilões eletrónicos, designadamente (…): c) Processos de insolvência.
Sob a epigrafe Modalidades da alienação, o art. 164º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), onde antes previa que O administrador da insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente., com a redação introduzida pelo Decreto Lei nº 79/2017 de 30.06, passou a prever que O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente. (subl. nossos).
Sob a epígrafe Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil prevê o art. 17º, nº 1 do CIRE que Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.
2. Da conjugação das normas e considerações legais citadas e, se mais não fosse, tão só por força da remissão expressamente prevista pelo art. 17º do CIRE, dúvidas não subsistem que o leilão eletrónico para o qual a nova redação do art. 164º do CIRE pretende remeter corresponde ao previsto pelo art. 837º, nº 1 do CPC que, por sua vez, remete para o regulamentado pelas supra referidas Portaria nº 282/2013 e Despacho n.º 12624/2015.
3. Dúvidas também não subsistem que, no leque das várias e possíveis modalidades de cumprimento e execução da venda - e no pressuposto óbvio de que a otimização dos bens penhorados/apreendidos através da obtenção do melhor preço que por eles o mercado está disposto a pagar também depende do montante total dos encargos para o efeito associados -, o legislador (do processo de execução singular e do processo de execução universal) considerou a plataforma eletrónica e-leilões prevista pela Portaria nº 282/2013 como a mais apta/idónea a, num processo sem opacidade e externamente controlável, cumprir a visada e desejada consulta direta do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correta interceção do binómio económico da lei da oferta e da procura, viabilizando, deste modo, uma decisão adequada a garantir a reparação do direito de crédito em questão no processo executivo, com custos reduzidos.
4. No contexto das citadas considerações e normas legais, materialmente refletidas no confronto entre o teor do art. 164º, nº 1 do CIRE e a alteração que lhe foi introduzida pelo Decreto Lei nº 79/2017, somos de entender que a inclusão da expressão preferencialmente não concede ao Administrador da Insolvência a liberdade/discricionariedade de conformação pressuposta pelo despacho recorrido e pelo acórdão que fez vencimento; antes impõe a sua articulação com a exigência legal de o Administrador da Insolvência justificar a sua opção por qualquer das [outras] modalidades admitidas em processo executivo em detrimento daquela que constitui a opção do legislador. Dito de outro modo, impondo-lhe antes de mais a conformação com a opção do legislador, o caráter facultativo que resulta da menção preferencialmente depende de o Administrador da Insolvência apresentar uma cabal e concreta justificação para a opção por outra modalidade de venda. Na ausência dessa justificação, a venda através da plataforma e-leilões não se apresenta como opção, mas como obrigação.
5. Ainda que da opção pela desjudicialização do processo tenha resultado uma maior amplitude dos poderes-deveres e da concomitante responsabilidade do Administrador da Insolvência perante os credores, não o foi com obliteração do poder-dever de fiscalização da legalidade pelo juiz, sob pena de o art. 58º do CIRE constituir norma sem conteúdo por inconsequente na sua aplicação. No pressuposto, que se impõe, de que no exercício das suas funções a lei não atribui nem reconhece ao Administrador da Insolvência um qualquer poder arbitrário de agir como bem entender, mais se impõe pressupor que o poder de decidir sobre a modalidade e os termos da venda surge necessariamente enquadrado no dever de atuar em conformidade com os normativos legais que regulam a atividade de liquidação em cada decisão e em cada ato em que esta se consubstancia e, consequentemente, atribuindo ao órgão Juiz da Insolvência o poder-dever de fiscalizar, o legislador não só lhe reconhece ‘legitimidade’ como lhe ‘impõe’ o dever de intervir e apreciar a nulidade processual decorrente da ausência de fundamentação dela extraindo as legais consequências. É que, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2017, e sob a égide do princípio constitucional da proibição da indefesa, A tutela jurisdicional deve ser efectiva, e não o é quando a lei assegura, mas de forma colateral, a “protecção” de direitos, quando a parte, que se considera prejudicada em processo pendente, argui perante o Juiz, a existência de vícios processuais que contendem com o seu direito.(…) O processo de insolvência, que o legislador quis célere e desjudicializado, não pode erigir tais valores em objectivos em si mesmos, com prejuízo dos interesses que nele se jogam. A celeridade, a desburocratização, a desjudicialização e os amplos poderes do administrador da insolvência, no incidente de liquidação da massa insolvente, não devem ser interpretados de forma a excluir o papel imparcial e soberano do Juiz, relegando-o para um papel secundário de mero controlo, ou no limite, nem sequer lhe consentindo que possa apreciar a irregularidade do negócio em que interveio o administrador da insolvência.(…) Efectivamente, “no balanceamento ou ponderação de interesses” do credor, alegadamente lesado, no seu interesse patrimonial, e as exigências de “simplificação, celeridade e desjudicialização”, que não permitem directa e imediata sindicância judicial de actos violadores da lei, fazem pender, desproporcionalmente, o equilíbrio processual e substantivo, não sendo compagináveis com aquele princípio constitucional – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 12.5.2015, Processo nº110/2015, I Série do Diário da República de 8. 6.2015. [1]
6. Transpondo o exposto para a densidade de fundamentação da opção por outra modalidade que não o leilão eletrónico, significa que o poder-dever de fiscalização judicial da referida opção passa precisamente pela sindicância da justificação apresentada para a preterição daquela que é a opção do legislador, sem que isso importe concluir por uma qualquer substituição da opção do Administrador da Insolvência pela opção do Juiz, posto que a opção pela plataforma e-leilões constitui a opção do legislador sempre que a opção por outra modalidade de venda não se apresenta cabal e concretamente justificada. Justificar a opção por outra modalidade de venda é um dever do Administrador da Insolvência que apenas pode considerar-se cumprido se invocar ou explanar factos dos quais seja possível retirar que, no confronto com o leilão eletrónico da plataforma e-leilões, o recurso a estabelecimento de leilão oferece maiores garantias de otimização da massa insolvente (que o mesmo é dizer, ofertas de maior valor com menores encargos ou, o que na perspetiva do interesse dos credores vale o mesmo, que a final, a diferença entre o valor possível de venda e os encargos com a mesma gerados proporcione acrescidas disponibilidades do produto da massa para distribuição pelos credores).
7. Neste segmento, não cumpre o dever de justificação/fundamentação, o recursos a chavões genéricos que, pela sua vaguidade, são indistintamente aplicáveis a qualquer venda e em qualquer processo, como por exemplo, a afirmação, sem mais, que o recurso a empresa leiloeira assegura melhores resultados, sem que se diga porquê, ou, tal como ocorre in casu, com a mera referência à natureza, valor e até localização dos bens, pois que a justificação por referência a esses critérios só fica cumprida se responder ao ‘porquê?’ dessas natureza, valor e localização dos bens não aconselharem o recurso ao leilão da portaria (ainda que a resposta facilmente se intua relativamente a bens imóveis sitos em zonas do país em que se pressuponha reduzidos ou escassos hábitos de acesso a informação cibernética e a serviços eletrónicos, bem como relativamente a bens móveis de natureza e afetação muito específicos, como por exemplo, um navio, que pressupõe uma potencial carteira de clientes igualmente muito específica e individualizada).
8. O facto de a opção do Administrador da Insolvência contar com a concordância do credor hipotecário, ou mesmo até da comissão de credores, não invalida nem preclude o poder-dever de sindicância judicial da mesma e até ao duplo grau de jurisdição, através da apreciação da bondade da concreta justificação apresentada, por constituir este requisito legal da admissibilidade da opção por outra modalidade de venda que não aquela que é a opção do legislador. E assim se nos afigura impor-se porque, na multiplicidade de interesses em concurso no processo de insolvência, não pode olvidar-se que cada credor mantém o seu, e em seu exclusivo benefício, que é o de obter a máxima satisfação do seu crédito (seja pela via da liquidação, seja pela via da recuperação do devedor). Ora, os credores que em primeira linha vão beneficiar do produto da venda, que em regra correspondem aos credores hipotecários, na realidade estão preocupados e processualmente empenhados em garantir o pagamento do seu créditos, pelo que na prática é-lhes irrelevante - nem interessará - propor um valor de venda superior ao necessário para o efeito (que inclui custas e encargos do processo), pelo que são os demais credores, as mais das vezes os credores comuns mas também os privilegiados 'gerais', que ficam ‘desprotegidos’ e que demandam a tutela do poder-dever de fiscalização judicial (tal qual como é exercido em sede de sentença de homologação ou de recusa de homologação de plano de recuperação aprovado pela maioria legal exigida). Ora, nessa tutela, salvo exceções concreta e cabalmente justificadas, o e-leilões é considerada pelo legislador – e por isso deverá sê-lo pelo aplicador – como uma excelente medida para otimizar e canalizar para o universo dos credores o máximo do produto da massa, sendo que, no campo das hipóteses, a venda dos bens pelo valor maior que o universo do mercado está disposto a pagar, in extremis, até pode permitir remanescente para entregar ao devedor. E se se admite que a amplitude do conhecimento que nesta matéria é permitida ao juiz impõe que conheça das objeções que à modalidade da venda sejam colocadas pelo credor hipotecário ou pela comissão de credores, não existe fundamento legal para diferenciar igual poder-dever quando as objeções – que no caso se nos afiguram certeiras – são invocadas pelos próprios devedores.
9. Acresce que o que no âmbito da atividade das empresas de leilões é comummente designado de leilão eletrónico, não corresponde senão a venda em estabelecimento de leilão, divulgada por meios eletrónicos, sem as garantias de ‘universalidade’ do leilão eletrónico previsto pela Portaria e, bem assim, como sem a possibilidade do respetivo controlo/auditoria externa.
10. Finalmente, é uma falácia dizer que o custo da leiloeira não é suportado pela massa insolvente, mas sim pelo adquirente. Na verdade, trata-se de um valor que quem adquire está disposto a pagar, independentemente de o ser a título de preço ou a título de comissão. Quando apresenta proposta de aquisição o comprador sabe quais as obrigações que condicionam a sua aceitação, designadamente, o pagamento da comissão anunciada em benefício do estabelecimento de leilão, custo que influi na sua decisão. Se decide que está disposto a gastar o valor máximo de €1.050.000,00 para adquirir o bem, é-lhe indiferente o destino dado ao valor que para esse efeito despende (se os € 1.050.000,00 são totalmente recebidos pela vendedora, ou se os €50.000,00, que correspondem a 5% da anunciada comissão, são pagos à leiloeira). Se, em comparação com o leilão eletrónico, a opção pela contratação de leiloeira assenta numa maior aptidão desta para alcançar uma maior otimizaçao da massa ao ponto de compensar essa 'perda' de percentagem de preço para a massa, isso tem que ser justificado, e não apenas com a lacónica menção à natureza dos bens (pois que todos são ou urbanos ou rústicos), ou ao seu valor (que todos terão, independentemente do seu montante).
C) Por referência à contratação de terceiros
11. Ainda que a contratação de terceiros (leiloeira) para coadjuvação na liquidação (art. 55º do CIRE) e a decisão sobre a modalidade de venda (art. 164º, nº 1 do CIRE) constituam questões juridicamente distintas, é facto incontornável que se fundem na sua apreciação na precisa medida em que a opção pela modalidade de venda através de estabelecimento de leilão pressupõe necessariamente a contratação de terceiros, sendo que, na realidade, o único fundamento para a não autorização da contratação de terceiros será o facto de a coadjuvação não se justificar. Como urgirá suceder quando na ausência de concretas circunstâncias ou condicionantes se entende não se justificar a contratação de leiloeira para cumprir a venda, quer porque esta constitui o cerne das funções do Administrador da Insolvência liquidatário que, para o efeito tem ao seu dispor uma plataforma de uso preferencial e não surge cabalmente justificado o seu detrimento em 'benefício' de uma leiloeira, quer porque a cumulação da comissão desta com a remuneração variável que ao Administrador da Insolvência é sempre devida por referencia única e exclusivamente por referência ao resultado da liquidação (portanto, independentemente da concreta atividade por ele exercida e do concreto ‘esforço’ e empate de tempo nela acometida), não deixa de constituir uma duplicação de remuneração pela mesma atividade (venda dos bens).
12. Com efeito, dispõe o art. 55º, nº 1, al. a) do CIRE que, Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir, preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente, das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram; acrescentando o nº 3 que O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
13. Prevendo o art. 22º da Lei nº 22/13 de 26.02, em consonância com o art. 60º do CIRE, que O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas, daqui resulta, por um lado, que a atividade de liquidação da massa insolvente é da competência - poder/dever – do Administrador da Insolvência e, por outro, que a retribuição legalmente definida e devida ao Administrador da Insolvência (fixa e variável) tem como pressuposto, sinalagmático/retributivo, a atividade funcional que legalmente lhe é acometida.
14. Em matéria de coadjuvação, e no pressuposto de que para tanto foi autorizado, prevê o art. 12º, nº 11 da Lei nº 22/13 de 26.02 que Ao subcontratar qualquer entidade nos processos para os quais é nomeado, designadamente para efeitos de liquidação de ativos, o administrador judicial deve celebrar com o subcontratante um contrato escrito no qual, expressamente, se definam, entre outros, o objeto contratual e os deveres e direitos que assistem a ambas as partes., norma esta que visa precisamente assegurar a transparência e fiscalização dos atos pelos demais órgãos da insolvência e todos os interessados.
14. Para além de assim resultar, justifica-se que o Administrador da Insolvência não possa livre ou discricionariamente delegar em terceiros o cumprimento da atividade que legalmente lhe compete cumprir, e onerar a massa insolvente com os encargos daí decorrentes, sob pena de duplicação de retribuições a cargo da massa insolvente. Com efeito, sem prejuízo da estrutura logística através da qual exerça a atividade de Administrador Judicial, a nomeação para o cargo de Administrador da Insolvência não lhe confere poderes unilaterais para contratar e delegar em terceiros o cumprimento das funções que legalmente lhe são acometidas e inerentes ao dito cargo, estando para o efeito sujeito ao que a respeito dispõe o supra citado nº 3 do art. 55º do CIRE, cujo âmbito reporta à materialidade das funções atribuídas ao Administrador da Insolvência para prossecução do objeto insolvencial, no que consiste a atividade que legalmente lhe está acometida e da qual é matriz as diligências para venda dos bens da massa insolvente, como atividade intrinsecamente incluída no acervo das funções a executar por mão própria do Administrador da Insolvência, salvo razões objetivas que justifiquem a coadjuvação através da contratação de terceiros (nesse sentido, acórdão da Relação do Porto de 20.06.2017 proferido no processo nº 1079/11.5T2AVR-G-P1 disponível na página da dgsi).
15. Acresce a este o argumento que dá mote ao presente voto vencido: a plataforma e-leilões, ferramenta de trabalho desenvolvida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução para realização da venda de bens através de leilão electrónico aprovada pelo Despacho n.º 12624/2015 (Diário da República, 2.ª série -- N.º 219 -- 9 de novembro de 2015) e que foi alargada aos Administradores da Insolvência a partir de 06 de abril de 2017 através de protocolo assinado entre aquela ordem, o Ministério da Justiça, a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) e a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ) e, conforme já referido, constitui a via preferencial de venda legalmente prevista, já que é muito menos dispendiosa (sujeita ao pagamento de uma taxa de colocação no leilão no valor máximo de cerca de € 40,00 mais IVA), assegura expansão geográfica na publicitação/promoção da venda, e maior transparência no cumprimento das vendas ao abrigo de processos judiciais; impondo aquela norma aos Administradores da Insolvência que justifiquem porque é a que ela não recorrem.
Em síntese:
I – A venda por recurso ao leilão eletrónico previsto pelo art. 164º do CIRE corresponde ao previsto pela Portaria nº 282/2013 de 29 de agosto, e este corresponde ao critério da opção do legislador.
II – A opção por distinta modalidade de venda não constitui um ato discricionário do Administrador da Insolvência, pelo que não cumpre a lei quando decide pela realização da venda através de qualquer outra modalidade ou leilão que não o previsto pela Portaria, exceto se esta modalidade não se revelar a mais adequada, mas o que se impõe seja concretamente justificado, requisito que não é cumprido com referências generalistas que não concretizam nem as vicissitudes dos bens, nem as dos potenciais compradores que justifiquem distinta modalidade de venda..
III - Se claramente a plataforma e-leilões constitui a opção do legislador, sob pena de conduzir a letra morta despida de qualquer jus imperi, impõe-se admitir a sindicância judicial (e até ao segundo grau de jurisdição) de distinta opção do Administrador da Insolvência através da sindicância da justificação que para o efeito apresenta.
IV - Na prática a tutela dos interesses dos interessados, maxime dos credores comuns, que são pagos depois de todos os outros e no grosso dos casos já nada há para distribuir por eles, só conta mesmo com o poder-dever de fiscalização da atividade do Administrador da Insolvência pelo juiz.

Lisboa, 28.01.2020
Amélia Sofia Rebelo
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[1] Proc.1182/14.0T2AVR-H.P1, relatado por Fonseca Ramos, que decidiu pela manutenção da decisão da primeira instância, ali proferida pela signatária (disponível na página da dgsi).