Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4579/14.1T8FNC.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ARRENDAMENTO
COMPROPRIETÁRIO
HERANÇA INDIVISA
CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:

I – Da conjugação do disposto nos arts 2079º, 1024º/1 e 2091º/1 CC, parece resultar que o regime da administração da herança indivisa por parte do cabeça de casal constitui um regime especial, em função do qual, o mesmo pode, por si só, outorgar em contrato de arrendamento até seis anos, só o não podendo fazer sem o consentimento dos demais herdeiros no referente a arrendamento por prazo superior, não se aplicando, por isso, no tocante à administração da herança indivisa por parte do cabeça de casal o disposto no nº 2 do art 1024º.
II – De todo o modo, a «não validade» a que este nº 2 do art 1024º CC se refere, diz respeito meramente às relações internas entre os comproprietários, não estando em causa a validade do contrato em face do locatário.
III – O contrato de locação de estabelecimento, rege-se fundamentalmente pelas cláusulas neleestipuladas e subsidiariamente pelos princípios gerais das obrigações e pelas regras típicas do contrato que mais se lhe assemelha, que é o contrato de locação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

           

I – Vera, cabeça de casal na herança de José, intentou a presente acção declarativa comum contra Pita, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 6.710,00, a título de retribuições vencidas, desde o dia 1 de Fevereiro até ao dia 15 de Julho de 2014, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação, assim como a restituir-lhe os utensílios integrantes do estabelecimento locado discriminados no artº 14º da petição inicial apresentada, em bom estado de conservação, ou, se a respectiva restituição em espécie já não for possível no referido estado, o valor correspondente, a liquidar ulteriormente, acrescido de juros, desde a citação.

Alegou para o efeito que, em documento escrito e assinado a 30/10/2011, intitulado de “Contrato de Cessão de Exploração”, ela,, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, José, e o R., declararam titular “a cessão de exploração do estabelecimento comercial de bar restaurante denominado Vasco da Gama”, instalado em determinado prédio urbano no Funchal, sendo que nos termos desse contrato a cessão envolveu “todos os elementos constitutivos do estabelecimento, designadamente o direito à ocupação do local, e todos os móveis, máquinas e demais equipamentos que se encontrem no estabelecimento e que foram objecto do inventário elaborado em trinta de Outubro de 2011”. Equipamentos que deviam ser “devolvidos, findo o contrato, em bom estado de conservação, salvas as deteriorações inerentes ao seu uso prudente”. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, a contar de 1/12/2011, e mediante a retribuição mensal de € 1.200,00 (e depois de € 1.000,00), acrescida do IVA, com vencimento no dia um do mês a que respeitasse, a pagar na residência da A. Segundo esta, o R. não pagou as retribuições referentes ao mês de Fevereiro de 2014 e seguintes, pelo que, por carta registada e com aviso de recepção de 26/6/2014, recebida pelo R. no dia seguinte, lhe comunicou a resolução imediata do contrato, com fundamento na mora no pagamento das retribuições desde e relativa ao mês de Fevereiro de 2014. Na mesma carta, solicitou-lhe a restituição voluntária do estabelecimento, com todos os respectivos bens integrantes, em bom estado de conservação e funcionamento, até ao dia 15/7/2014. O R. restituiu o estabelecimento nesse dia, mas não pagou as retribuições em causa, nem restituiu alguns utensílios que a A. enumera.

O R. contestou, arguindo a ilegitimidade da A. por a mesma ter intentado a  acção em nome próprio e não enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido, José, nos termos do qual celebrou o contrato em apreço, e pugnou ainda pela nulidade do contrato de cessão de exploração por a celebração do mesmo extravasar os poderes de administração do cabeça-de-casal. Defende que uma vez que liquidou € 1.200,00 de caução, ao montante alegadamente em dívida deverá ser abatida esta quantia e que entregou todos os utensílios enumerados pela A. E deduziu reconvenção, nos termos da qual pede que a A. seja condenada a pagar-lhe a quantia de €13.500,00 por benfeitorias realizadas no estabelecimento comercial. Para tanto alegou que foi autorizado pela A. a proceder a tais benfeitorias, tendo então efectuado uma limpeza profunda do imóvel, rectificado e reparado os esgotos, arranjado o problema eléctrico existente, pintado as paredes, reparado as instalações de gás e colocado duas portas de ferro.

A A. replicou respondendo às excepções e à reconvenção deduzida, pedindo, a final, que o R. seja condenado como litigante de má fé.

 Foi determinado que se notificasse a A. para atribuir um valor aos bens cuja restituição requer, assim como se notificasse o R. para vir responder ao pedido de litigância  de má fé e prestar esclarecimentos quanto ao valor das benfeitorias indicado.

A A. veio atribuir o valor de € 3.290,00 aos bens cuja restituição requer.

O Tribunal convidou a A. a esclarecer a qualidade em que instaurou a acção, a que a mesma acedeu apresentando petição inicial aperfeiçoada, na qual passa a pedir a condenação do R. a pagar à herança que representa  a quantia acima mencionada e a restituir à herança que representa os utensílios também acima referidos. Esta petição  foi objecto de contraditório.

Realizada audiência prévia, procedeu-se à tentativa de conciliação e esclareceram-se alguns pontos nos termos exarados na acta – fls. 81 e 82 – tendo a A. requerido o prazo de dez dias para suscitar o incidente de intervenção principal provocada dos restantes herdeiros da herança aberta por óbito de José, ou para que os mesmos requeiram a sua intervenção, juntando procuração e ratificando todo o processado.

Vieram Gonçalves, requerer a sua intervenção principal espontânea, aquele na qualidade de sucessor de José, que, após contraditório, foi admitida.

Na prossecução da audiência prévia, admitiu-se a reconvenção deduzida, proferiu-se despacho saneador fixou-se o objecto do processo e os temas da prova.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional parcialmente improcedente, condenando o R. a pagar à herança aberta por óbito de José a quantia de €5.510,00, correspondente à subtracção do valor da caução prestada (€1.200,00) ao montante total das retribuições em atraso (€6.710,00), e a restituir à herança aberta por óbito de José, 1 caixa com 30 copos de licor, Ref.2153XIL04, 107 copos de vinho pequenos sem pé, com a Ref. 20425CLI4, 3 caixas com 24 taças de canja brancas, 6 caixas com o total de 36 copos de vinho New Port de 19cl e 24 copos de água New Port;  para o caso de não ser possível a restituição (total ou parcial) dos bens descritos,  condenou o R. a pagar à referida herança aberta, o valor correspondente aos bens em falta, a liquidar em sede de execução de sentença, tendo absolvido a herança aberta por óbito de José do pedido de indemnização por benfeitorias, deduzido pelo R.

    II – Do assim decidido, apelou o R. que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:

A) Foi o Recorrente condenado a pagar à herança aberta por óbito de José a quantia de € 5.510,00;

B) Bem como, a restituir à herança aberta por óbito de José 1 caixa de 30 copos de licor, 107 copos de vinho pequenos sem pé, 3 caixas de 24 taças de canja brancas, 6 caixas com o total de 36 copos de vinho New port de 19 cl e 24 copos de água New Port.

C) O Recorrente não pode concordar com esta decisão infundada e não provada;

D) Foi reconhecida a outorga de um documento escrito, no Funchal no dia 30 de Outubro de 2011, intitulado “contrato de cessão de exploração”;

E) Entende o Recorrente que a Autora não tinha legitimidade para outorgar individualmente aquele contrato de cessão de exploração, dado que a Autora na qualidade de cabeça de casal apenas podia exercer os poderes de mera administração.

F) Esses poderes não abrangem os poderes para celebrar por si só, na posição de locadora ou cedente um contrato de cessão de exploração.

G) A Autora extravasou os meros poderes de administração que a lei lhe confere, dado que o direito de outorgar o referido contrato apenas podia ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros, o que não sucedeu.

H) O contrato deveria ter sido considerado nulo ou ineficaz em relação a si pelo douto Tribunal a quo;

I) Ficou assente que o Recorrente pagou à Autora a título de caução o valor de € 1.200,00 na data da assinatura do contrato.

J) Erradamente, se desconsiderou a efetiva devolução dos utensílios e bens enumerados no inventário.

K) A testemunha Marisa afirmou que foram deixados copos e louça entre outros bens, no referido estabelecimento comercial.

L) A testemunha Sofia referiu igualmente que a contagem daqueles bens foi da responsabilidade de Denis e que terá ocorrido “alguns dias depois da entrega do estabelecimento à Autora”,

M) Denis confirmou a versão da testemunha Sofia quando referiu que fez a verificação no final do mês de Julho de 2014.

N) Jamais foram comunicados ao ora Recorrente a falta destes bens ou utensílios;

O) Entende o Recorrente ter ficado provado a entrega dos bens e utensílios, de acordo com os fundamentos e provas acima identificadas.

P) No contrato analisado foi adicionada uma cláusula referente a obras, desconhecida pelas partes

Q) As partes não tinham conhecimento do facto do Recorrente não estar autorizado a realizar obras no espaço locado.

R) A Autora chegou mesmo a reconhecer não ter sido falada nem discutida entre as partes a referida cláusula, demonstrando esse desconhecimento referenciado pelo Recorrente;

S) Ficou provado que na altura da outorga do contrato não estavam a ser contabilizadas quaisquer obras, o que se mostrou falso.

T) A necessidade das obras foi constatada à posteriori, quando o Recorrente tomou posse do imóvel.

U) As testemunhas provaram que era necessário proceder, à reparação da canalização e dos esgotos devido ao entupimento dos esgotos e ao problema dos maus cheiros, à reparação do grave problema existente na parte elétrica em todo o estabelecimento comercial, nomeadamente na cozinha, o que se prendia com o facto de todo espaço se encontrar em curto-circuito e colocar em risco e perigo as pessoas que lá trabalhavam.

V) Foi ainda necessário arranjar dois portões de ferro, bem como pintar e reparar as paredes do estabelecimento.

W) Ficou provado que as obras e intervenções realizadas pelo Recorrente eram absolutamente necessárias para que o Recorrente pudesse abrir o estabelecimento.

X) Entendeu o Tribunal a quo que jamais ficou provado em sede de julgamento, o valor orçamentado para as obras e reparações.

Y) Provou-se que o ora Recorrente teve de recorrer à ajuda financeira e de mão-de-obra de amigos, entre os quais um eletricista, um canalizador e um pintor para a concretização de todas as obras.

Z) Ficou ainda provado em sede de audiência de julgamento que caso tivesse contratado uma empresa para proceder às ditas reparações o Recorrente teria despendido uma verba avultada, praticamente incomportável para a sua situação financeira.

AA) As obras foram realizadas e foram aceites pela Autora que não nunca as contestou.

BB) As obras são visíveis e encontram-se patentes no estabelecimento locado.

CC) Tratando-se de benfeitorias necessárias e úteis que não podem ser levantadas, entende o Recorrente ter direito a ser indemnizado pelas mesmas tendo em conta as obras e trabalhos realizados pelo mesmo.

 DD) Deveria a reconvenção ter sido totalmente provada, devendo-se operar a correspondente compensação pela indemnização ao Recorrente a título de benfeitorias necessárias e úteis na quantia de € 13.500,00.

EE) O Recorrente tinha o direito a ser indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

FF) A cláusula sexta do contrato, não foi efetivamente acordada entre as partes mas também porque a mesma prevê a exclusão de indemnização relativamente a certas e determinas obras que foram identificadas.

GG) Esta teria de ser considerada uma cláusula manifestamente abusiva e excessiva e viola o princípio da boa-fé e do princípio da confiança.

HH) Atenta a confissão da Autora e do Recorrente no que concerne à realização de obras que acrescentaram valor ao locado, dúvidas não poderiam subsistir quanto à fundamentação e pedido constante da reconvenção.

II) Considera o Recorrente que o Tribunal a quo tomou uma decisão que se mostra, salvo melhor opinião, incorrecta e alheada aos pedidos formulados.

            A A. e os intervenientes não produziram contra alegações.

III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) A Autora Vera é Cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito do seu marido, José, ocorrido a 27 de Julho de 1989.

2) Consta de fls. 5 verso e 6 dos presentes autos, documento escrito, assinado no Funchal a 30 de Outubro de 2001, intitulado “Contrato de Cessão de Exploração”, no qual a Autora Vera, na qualidade de Cabeça-de-casal é aí identificada como primeira outorgante, e o Réu, como segundo outorgante, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê:

«(…) Foi dito que titulam a cessão de exploração do estabelecimento comercial de bar restaurante denominado “Vasco da Gama”, instalado no prédio urbano à Estrada do Livramento, n.º93, Funchal, pertencente à mencionada herança e inscrito na matriz da freguesia do Imaculado Coração de Maria, sob o artigo 1650º do qual ocupa todo o rés-do-chão (ao nível da estrada), o terraço, sótão, a cave com cerca de 16,92 metros quadrados, dividido em 1 escritório e 2 vestiários, 1 duche e espaço aberto e ¾ do parque de estacionamento, tendo entrada pela parte frontal direito do prédio porta- 93 C.

 Primeira. – A cessão é feita pelo prazo de cinco anos, renovável por períodos de um ano e seguintes, com início no dia um de Dezembro de dois mil e onze.(…)

Segunda. – O preço da cessão será pago em prestações mensais, no dia e mês a que respeitarem, acrescida de IVA, da responsabilidade do cessionário, na residência da cedente, nos termos seguintes:

A) – Desde Dezembro de 2011 a Dezembro de 2012, 1.200,00 (mil e Duzentos Euros) mensais

 B) – De Dezembro de 2012 a Dezembro de 2013, 1.300,00 (mil e Trezentos Euros) mensais.

C) – De Dezembro de 2013 a Dezembro de 2014, 1400,00 (mil e Quatrocentos Euros) mensais.

D) – A partir de Dezembro de 2014, 1500,00 (mil e quinhentos Euros).(…)

Sexta. – O cessionário é autorizado a proceder às obras de remodelação da copa do bar, das prateleiras da cozinha, do sistema luminoso da sala e da pintura geral das instalações. No entanto essas obras ou outras que o cessionário faça, autorizadas ou não, não serão indemnizáveis, mas poderão ser levantadas no fim do contrato se o puderem ser, sem detrimento para o estabelecimento e prédio.

Sétima. – A cessão envolve todos os elementos constitutivos do estabelecimento, designadamente o direito à ocupação do local e de todos os móveis, máquinas e demais equipamentos que se encontrem no estabelecimento e que foram objecto do inventário elaborado em trinta de Outubro de dois mil e onze.

Oitava. – Todos os aludidos equipamentos deverão ser devolvidos, findo o contrato, em bom estado de conservação, salvas as deteriorações inerentes ao seu prudente uso(…)».

3) Consta de fls. 7 verso e 8 do processo, documento escrito, denominado «Aditamento ao contrato de cessão de exploração celebrado em 30/10/2013», datado de 01 de Outubro de 2013, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê:

«(…) e que pelo presente aditamento, as partes acordam que a renda a aplicar no ano de 2013 a 2014, tal como prevê a alínea c) da cláusula segunda a vigorar durante esse período é de reduzida excepcionalmente para o valor de 1.000,00€ (mil euros) acrescidos do imposto de IVA à taxa legal aplicável, mantendo-se o restante clausulado em vigor(…)».

4) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Junho de 2014, recebida pelo Ré no dia seguinte, a Autora Vera comunicou a este a resolução imediata do contrato referido em 2) e 3), com fundamento na falta de pagamento das retribuições desde o mês de Fevereiro de 2014, solicitando ainda a restituição voluntária do estabelecimento, com todos os respectivos bens integrantes, em bom estado de conservação e funcionamento, até ao dia 15 de Julho de 2014.

5) O Réu restituiu o estabelecimento a 15 de Julho de 2014.

6) Encontravam-se no estabelecimento alguns utensílios dos constantes do inventário elaborado em trinta de Outubro de dois mil e onze.[1]

7) O estabelecimento objecto do contrato descrito em 2) e 3) é da propriedade da herança aberta por óbito de José.

8) O Réu entregou à Autora Vera €1.200,00 (mil e duzentos euros) a título de caução.

9) O Réu procedeu a uma limpeza profunda do estabelecimento comercial identificado em 2).

10) O Réu procedeu à rectificação e reparação dos esgotos, resolvendo o problema dos maus cheiros.

11) O Réu resolveu o problema do risco de curto-circuito existente na parte eléctrica na cozinha.

12) O Réu reparou e pintou as paredes de todo o espaço comercial.

13) O Réu arranjou o portão da rua e adaptou um portão pequeno que a Autora forneceu, para colocar na esplanada.

O tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:

A) O Réu pagou as retribuições referentes ao mês de Fevereiro de 2014 e seguintes.

B) O Réu devolveu os utensílios enumerados em 6).

C) O Réu reparou as instalações de gás.

D) As obras e reparações descritas de 9) a 14) foram orçamentadas no valor de €25.067,03 (vinte e cinco mil e sessenta e sete euros e três cêntimos).

IV – Considerando o teor da decisão recorrida e as conclusões das alegações do apelante, são as seguintes as questões a decidir no presente recurso, constituindo o seu objecto: se  Vera, enquanto cabeça de casal da herança do marido, não tinha legitimidade para outorgar no contrato de locação de estabelecimento em causa nos autos e se essa falta de legitimidade implica a nulidade do mesmo; se procede a impugnação da matéria de facto nos termos que o apelante a pretende; se a cláusula constante do contrato referente às obras – 6 ª – não foi acordada entre as partes e se constitui uma cláusula abusiva e excessiva; se, em todo o caso, se devia admitir a indemnização do R. em função das obras a que se referem os pontos 9 a 13 da matéria de facto com fundamento no enriquecimento sem causa.

Na sentença recorrida analisou-se a questão dos poderes da representante da herança para nessa qualidade dar em locação o estabelecimento comercial integrante da mesma, concluindo-se pela validade do contrato.

Disse-se para o efeito: 

«A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, cabe ao cabeça de casal, e são objecto da administração do cabeça de casal que seja cônjuge herdeiro todos os bens hereditários (artigo 2087º, n.º 1, do Código Civil). Competem-lhe, pois, os poderes normais de mera administração, isto é, utilizar todos os meios conservatórios em relação ao património hereditário.

Importa, porém, verificar qual é o âmbito legal dos actos de administração do património hereditário por parte do cabeça de casal da herança indivisa no que concerne aos contratos de locação em geral.

A este propósito, estabelece a lei que a locação constitui para o locador um acto de administração ordinária, salvo se for celebrado por prazo superior a seis anos (artigo 1024º, nº 1, do Código Civil).

Em consequência, tem o próprio cabeça de casal, no caso de herança indivisa, legitimidade substantiva para outorgar no contrato de locação em geral que não tiver prazo superior a seis anos (artigo 2079º do Código Civil).

O contrato celebrado entre as partes tinha um prazo de cinco anos – cláusula primeira.

 Assim sendo – e uma vez que o contrato de locação de estabelecimento é regulado pelas convenções das partes, e, subsidiariamente, pelas disposições do contrato de locação e de arrendamento que com ele se não mostrem incompatíveis e, na sua falta, pelas regrais gerais dos contratos - a Autora tinha legitimidade substantiva para outorgar o contrato descrito nos autos».

 Acrescentou ainda a Exma Juíza a quo a estas considerações, que ainda que as mesmas não conduzissem à validade do contrato nos termos expostos, sempre a invocação da nulidade do contrato por falta de poderes de representação da cabeça-de-casal por parte do R., depois de quatro anos desde a celebração do contrato e depois de ter usado o locado por mais de dois anos, constituiria abuso de direito, julgando, consequentemente, improcedente a excepção de ilegitimidade substantiva da referida Vera para celebrar o contrato, entendendo-o “totalmente válido”.

            Sem prejuízo do afirmado pela 1ª instância - que se subscreve – parece-nos pertinente chamar a atenção para a problemática que a possível aplicação do disposto no nº 2 do art 1024º CC à comunhão hereditária pode implicar para a situação dos autos, sendo porventura à sombra dessa norma – que não chegou, no entanto, a invocar - que o R. apelante pretenderá a nulidade do contrato.

Referiu-se, “possível aplicação” na medida em que, salvo melhor opinião, poderá a mesma não se mostrar líquida.

Com efeito, o Código Civil reporta-se à matéria da administração da herança  nos arts 2079º a 2096º, todos eles integrados no Capitulo VIII - Administração da herança , iniciando-o – art 2079º - pela afirmação de que «a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal». De facto, o cabeça de casal é um administrador, referindo o art 2087º, sob a epígrafe “Bens sujeitos à administração do cabeça de casal”, que ele administra os bens próprios do falecido e,  tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal, apenas exceptuando no seu nº 2, os bens dados em vida pelo autor da sucessão, que continuam a ser administrados pelo donatário. Por sua vez, do nº 1 do art 1024º CC resulta genericamente o que, em matéria de legitimidade para dar de arrendamento, deverá constituir, por um lado, acto de (mera) administração e por outro, acto de disposição, estipulando-se que «a locação constitui para o locador um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrado por prazo superior a seis anos». Donde se segue que o cabeça de casal pode dar em arrendamento bens integrantes da herança que administra, posto o arrendamento em causa não exceda o prazo superior a seis anos. Dispõe, por seu lado, o art 2091º/1 que «fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros».

  Excluindo esta norma «os casos declarados nos artigos anteriores», onde se inclui o art 2087 [2], exclui também da regra que enuncia –  a de que os direitos (substantivos e processuais) relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros - os actos de (mera) administração da herança, do que se segue que o cabeça de casal, sem consentimento dos demais herdeiros, poderá arrendar até cinco anos.

Do conjunto destas disposições parece resultar que o regime da administração da herança indivisa por parte do cabeça de casal constitui um regime especial, em função do qual o cabeça de casal pode, por si só, outorgar em contrato de arrendamento até seis anos, só o não podendo fazer sem o consentimento dos demais herdeiros, no referente a  arrendamento por prazo superior, não se aplicando, por isso,  no tocante à administração da herança indivisa por parte do cabeça de casal o disposto no nº 2 do art 1024º.

Esta norma dispõe: «O arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é valido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato, o seu assentimento».

O entendimento da 1ª instância, embora não o referindo expressamente, é certamente tributário do ponto de vista que acabou de se explanar.

Este ponto de vista não parece, porém, dominar na jurisprudência, na qual,  evidenciando-se que «as normas relativas à compropriedade são aplicáveis a todas as situações de indivisão, designadamente à herança indivisa, por se tratar de um património autónomo indiviso» [3], se aplica à administração da herança por parte do cabeça de casal a referida norma do nº 2 do art 1024º CC.

Nunca a norma em causa nas suas redacções antecedentes teve uma leitura unívoca, e com a redacção actual, decorrente da L6/2006 de 27/2 – que «operou um retrocesso formalista»[4] ao exigir que o assentimento dos restantes comproprietários relativamente àquele que outorgou no contrato de arrendamento seja feito por escrito (ainda que antes ou depois daquele arrendamento), – porventura, ainda a terá menos.

Com efeito, este «retrocesso» analisa-se, no essencial, na exclusão do assentimento dos restantes consortes se poder afirmar de forma implícita ou tácita  (resultante, por exemplo, «do percebimento da quota parte que cabe ao consorte na renda paga pelo locatário»[5]) como se vinha admitindo, pelo menos relativamente a arrendamentos que não estivessem formalmente sujeitos a escritura pública.

Por isso, mais do que nunca, do nosso ponto de vista, faz sentido que se restrinja a «não validade» a que tal norma se refere, meramente às relações internas entre os comproprietários, não estando em causa a validade do contrato em face do locatário.

 Pires de Lima /Antunes Varela, entendendo embora que se trata de nulidade, invocando a propósito o art 294º, consideram que esta nulidade «está sujeita a um regime especial», em função da possibilidade da confirmação e do facto de «só ser invocável pelos consortes não participantes no acto».

Pereira Coelho [6]  refere tratar-se de uma nulidade de regime misto que «só pode ser invocada pelos outros comproprietários e pode ser sanada mediante confirmação, mas não está sujeita a prazo», mais referindo que a norma em causa não se inspira em normas de interesse e ordem pública cuja violação importe por si a nulidade total do acto, antes contendo uma norma especial que se destina unicamente a acautelar os direitos dos outros consortes do prédio, de tal modo que, «aquele que abusivamente deu de arrendamento coisa que não lhe pertencia na totalidade, não pode pedir a declaração de nulidade do acto, uma vez que  a invalidade deste não foi estabelecida no seu interesse mas na dos demais consortes, porventura prejudicados com tal acto»;   considera ainda que a nulidade em causa também «não pode ser declarada oficiosamente  pelo tribuna , dado que o disposto no nº 2 do art 1024 não se inspira em razoes de interesse e ordem pública, mas apenas visa a defesa dos direitos dos demais consortes, não importando por si só a nulidade de tal acto».

Já Vaz Serra [7] entende que a sanção para a falta de consentimento dos restantes comproprietários é a da mera ineficácia, referindo: «O arrendamento feito por um comproprietário sem o assentimento dos outros é tão “nulo” ou “anulável” (em relação aos demais comproprietários) como (em relação ao proprietário ou outros comproprietários) a venda de uma coisa alheia ou a venda, por um dos consortes, da coisa comum ou de parte dela: em qualquer destes casos, o vício do negócio jurídico, na relação com o titular ou titulares do direito está no facto de o negócio não ser celebrado com o assentimento do titular do direito ou de todos os titulares do direito, pelo que o acto é ineficaz em relação a este ou estes, como res inter alios acta que é».

Posição que Pires de Lima/Antunes Varela rejeitam, entre o mais, afirmando: «A solução adoptada neste art 1024º - a da não validade do arrendamento – obedeceu a razões ponderosas. Não interessa, na verdade, aos consortes que o acto não autorizado seja ineficaz em relação a eles, enquanto o arrendatário detiver o prédio e pagar as rendas ao consorte administrador. O que lhes interessa é pôr termo ao arrendamento, obter o despejo do prédio, ou se se quiser, por termo àquela situação de facto. Ora isto não se consegue com a posição puramente passiva inerente à ineficácia, mas somente com a destruição activa do acto mediante uma acção judicial, e a mais adequada para este efeito é a da nulidade, ao funcionar como pressuposto ou antecedente da acção de despejo».

Manuel Januário Gomes [8], não obstante estas críticas, após extensa análise do preceito e exposição dos vários entendimentos doutrinários [9], adopta o entendimento de Vaz Serra, referindo: «Em relação aos restantes comproprietários ou consortes, o contrato de arrendamento não produz efeitos. Eles são completamente estranhos ao acto, podendo desconhece-lo: o contrato é, em relação a eles, res inter alius acta , aliis non prodest nec nocet».

Mais relevante, no entanto, para a situação dos autos, é a circunstância deste autor colocar em evidência que «o contrato celebrado entre o consorte-locador e o arrendatário não está ferido de nulidade como o poderia fazer crer uma apressada transposição do nº 2 do art 1408º para o art 892º. (…) a disposição de coisa alheia através da locação não é nula nem sequer anulável, é antes plenamente válida».

Acrescentando: «Se assim é, face ao arrendamento de coisa alheia, por maioria de razão o será, neste caso, em que o comproprietário dispõe de quota-parte na comunhão. Ele obriga-se a proporcionar ao locatário o gozo temporário da coisa, mediante retribuição, incorrendo em responsabilidade para com este se o não fizer (art 1034º e 798º)».

Aqui chegados – e visto que, no que aos autos respeita, não está em causa qualquer dissenso do filho da R. relativamente à locação de estabelecimento, tanto mais que interveio espontaneamente na acção, conjugando nela a mesma posição da mãe, cabeça de casal na herança – há que concluir que ainda que se partilhe o entendimento de que é aplicável a norma do nº 2 do art 1024º ao arrendamento feito pelo cabeça de casal relativamente a prédio incluído na herança – no que, como acima se evidenciou, se tem dúvidas - sempre o contrato em causa nos autos – não exactamente de arrendamento, mas de locação de estabelecimento, que se rege fundamentalmente pelas cláusulas nele estipuladas e subsidiariamente pelos princípios gerais das obrigações e pelas regras típicas do contrato que mais se lhe assemelha, que é o contrato de locação[10] - no que se refere às relações do R. com herança de José, será de se ter como válido, improcedendo, pois, a apelação no aspecto em apreço.

Em sede de impugnação da matéria de facto depreende-se, apesar da forma pouco precisa utilizada pelo apelante para tal impugnação, que «os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», correspondem aos pontos referidos em B), C) e D) da matéria de facto considerada não provada na 1ª instância.

Consequentemente, entende o apelante que se deverá dar como provado que devolveu os utensílios enumerados em 6); que reparou as instalações de gás; e que as obras e reparações descritas de 9) a 14) foram orçamentadas no valor de € 25.067,03.

È sabido que «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição», para além dos «concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», al a) do nº 1 do art 640º CPC e a que acima já se fez referência, e da «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas» - al c) do mesmo preceito - «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida» - al b) do nº 1 do invocado art 640º, sendo que, como se refere no nº 2 do mesmo preceito, nesse caso («no caso previsto na al b) do número anterior), observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ora o impugnante, a respeito do cumprimento destes ónus só procedeu, e  escassamente, à referida especificação no que se reporta à matéria de facto tida como não provada na acima assinalada  al A), concretamente,  no que se reporta ao facto de ter devolvido os utensílios enumerados em 6) .

No tocante à matéria de facto não provada referente ao ponto D) -  que as obras e reparações descritas de 9) a 14) foram orçamentadas no valor de €25.067,03- em lado algum, isto é, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, procedeu à indicação  com exactidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso ou, alternativamente, procedeu à transcrição de excertos da prova testemunhal que considerasse relevantes para aquele efeito. Na verdade, não chegou sequer, previamente,  a concretizar que meios probatórios imporiam a decisão de “provado” no tocante a esse ponto da matéria de facto.

Também no que se reporta à matéria de facto não provada referente ao  ponto C) - que  reparou as instalações de gás – mais uma vez, em lado algum, isto é, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, procedeu à indicação com exactidão das passagens da gravação em que se deveria fundar a prova desse facto ou, alternativamente, procedeu à transcrição de excertos da prova testemunhal que considerasse relevantes para tal efeito. Na verdade, também não chegou  previamente  a concretizar que meios probatórios imporiam a decisão de “provado” a esse ponto da matéria de facto.

   As (poucas) considerações que faz para, aparentemente, justificar o seu ponto de vista probatório no referente ao ponto C) e D) da dita matéria de facto tida como não provada, têm em vista, não essa prova, mas uma outra que não estava em causa  –  a de que a cláusula 6ª não foi negociada.

A consequência para o não cumprimento do assinalado ónus é a rejeição do recurso na respectiva parte, o que implica a improcedência da impugnação da matéria de facto referentemente àqueles dois pontos da mesma.

Resta, pois, saber se dos depoimentos que o apelante convoca para o efeito – o de Marisa - ou de outros que o tribunal tenha por curiais para esse efeito, resultou com suficiente concludência que ele, R./apelante,   devolveu os utensílios que a A. refere como não tendo sido restituídos no art 14º da petição. 

Tal como o tribunal da 1ª instância o evidenciou na fundamentação da decisão da matéria de facto, os depoimentos de parte, quer o do R., quer o da A., foram pouco isentos, cada um deles respondendo essencialmente em função do seu interesse na acção, sem o escamotear.

A prova do facto que está em referência – ter o R. devolvido à herança os utensílios que são enumerados no art 14º da petição – cujo ónus cabia ao R. -  verdadeiramente só seria alcançável se este tivesse tido o cuidado de antes de entregar o estabelecimento ter convocado a R. ou o seu filho para a verificação dessa entrega. Na verdade, o R. estava já em litígio com a cabeça de casal da herança, como o demonstra a circunstância do envio da carta registada pela mesma resolvendo o contrato, pelo que nesse contexto impunha-se-lhe aquele cuidado. E o mesmo tinha consciência dessa exigência, pois que no seu depoimento referiu que «a D. Vera conferiu com a namorada do Denis… estava tudo ok». Sucede que nenhuma das testemunhas confirmou a presença da “D. Vera” nessa conferência, e essa circunstância é por si suficiente para abalar a credibilidade de R. e das suas testemunhas. Assim, Sofia, referiu ter feito a referida conferência, mas com o namorado. Acresce ainda que as várias testemunhas não confluíram relativamente ao momento dessa conferência -  Sofia referiu que a mesma ocorreu «no dia da entrega à tarde”. Já o Denis, confirmando ter feito com a Sofia a dita conferência, situou-a «alguns dias depois da saída … no final do mês de Julho». Por sua vez, a testemunha Mariza limitou-se a dizer que ficaram copos e louça no estabelecimento, sem que no entanto, o tenha feito com a precisão que a prova exigia, limitando-se no fundo a assinalar que o que foi levado era do R..

Mantém-se, pois, o facto em apreciação como não provado.

E em consequência, naturalmente, o que foi decidido a esse respeito na 1ª instância.

Em lado algum da contestação produzida nos autos, sequer relativamente à segunda petição neles apresentada, o R. fez menção de que a clausula 6ª não tivesse sido negociada ou/e constituísse uma cláusula abusiva e excessiva.

Está em causa a cláusula segundo a qual «O cessionário é autorizado a proceder às obras de remodelação da copa do bar, das prateleiras da cozinha, do sistema luminoso da sala e da pintura geral das instalações. No entanto essas obras ou outras que o cessionário faça, autorizadas ou não, não serão indemnizáveis, mas poderão ser levantadas no fim do contrato se o puderem ser, sem detrimento para o estabelecimento e prédio».

 Como é sabido e abundantemente referido, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, isto porque o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação – o tribunal ad quem produz um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo.

Só assim não é relativamente a questões de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado.

Ora, a questão da não negociação da cláusula em apreço nada tem de conhecimento oficioso e a do carácter abusivo ou excessivo da mesma, ainda que porventura pudesse colocar-se na fronteira dessa oficiosidade, não prescindiria nunca da introdução na acção de factos que permitissem tal conclusão, o que não sucedeu minimamente. 

A presença - naturalmente, válida -  no contrato da cláusula em referência, constitui o motivo em função do qual não é devida ao R. qualquer indemnização como foi evidenciado na sentença recorrida, quando nela se diz: «Assim, desde logo, entende-se que o descrito em a) corresponde a um acto necessário e inerente à exploração do estabelecimento comercial, pelo que não constitui uma benfeitoria em si, resultando das regras da experiência comum que qualquer comerciante diligente procederá a esse tipo de limpeza sempre que tome posse de um estabelecimento. Para além do mais, este acto beneficiou apenas e tão só o Réu na medida em depois da dita limpeza de fundo, ficou mais de dois anos no bar/restaurante. Quanto à alínea d), encontra-se expressamente previsto no contrato que o Réu poderia proceder à pintura do estabelecimento, mas às suas custas. Assim, nesta parte, não existem dúvidas que Autora e Réu acordaram que aquela não teria de pagar por esse acto. No demais (alíneas b), c) e e)), julga-se que o contrato aqui em apreço também bloqueou qualquer possibilidade de pagamento de indemnização por parte da herança (que a Autora representa) quanto a qualquer benfeitoria que o Réu realize, necessária ou não. Com efeito, ao assinar um contrato que refere que as obras indicadas “ou outras que o cessionário faça, autorizadas ou não, não serão indemnizáveis,” o Réu concordou renunciar ao direito à indemnização. Renúncia esta válida ao abrigo do princípio da liberdade contratual».

O enriquecimento sem causa postula um enriquecimento à custa de outrem, mas sem causa justificativa.

 Trata-se esta ausência de “causa justificativa”, como o põe em evidência Menezes Leitão[11], de um conceito indeterminado, para preenchimento do qual se diz que o enriquecimento não terá causa justificativa quando segundo os princípios legais não haja razão de ser para ele [12]; quando segundo o sistema jurídico, deve pertencer a outrem e não ao efectivo enriquecido [13]; quando inexistam normas que determinem a manutenção do enriquecimento [14]. Para Menezes Leitão há apenas que «averiguar se no âmbito das relações jurídicas entre enriquecido e empobrecido, existe alguma situação que legitime a manutenção do enriquecimento na esfera do enriquecido, como por exemplo, um contrato celebrado, a posterior aprovação da conduta, ou uma permissão legal de ingerência».

Ora, manifestamente, na situação dos autos, o enriquecimento da herança em função das benfeitorias implicadas nas obras a que se reportam os factos 10 a 13, resulta legitimada em função, precisamente, da referida cláusula 6ª do contrato.

Improcede também neste aspecto a apelação.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 8 de Junho de 2017

                 Maria Teresa Albuquerque                                      

                  Jorge Vilaça

                   Vaz Gomes

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[1] -Na sentença consta neste ponto da matéria de facto a seguinte expressão: «entre outros, encontravam-se no estabelecimento os seguintes utensílios:». Limitámo-nos a conferir o sentido adequado a esse ponto de facto em face do alegado no art 14 da p i e do constante da acima assinalada cláusula 7ª do contrato
[2] - Neste sentido, Pires de Lima/Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol III , anotação ao art 2087º
[3] - Ac STJ 22/5/2002 (Salvador da Costa), Ac STJ 30/10/2012 (Mário Mendes); Ac RP 8/5/2012 (Cecília Agante)  
[4] -  Pinto Furtado «Manual de Arrendamento Urbano», Vol I, 4ª ed actualizada, p 370
[5] Pires de Lima/Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol II , anotação ao art 1024º
[6]-  «Lições de Direito ao Arrendamento», 1976, p 83
[7] - RLJ ano 100º, pag 202 e ano 103º- 56 nota 2
[8] - «Constituição da Relação de Arrendamento Urbano», 1980, 287/288
[9] - Que aqui se foi acompanhando nas considerações feitas acima
[10] - Ac STJ de 16/2/1967,-in RLJ ano 100º, p 259 anotado por Vaz Serra e Antunes Varela
[11] - «Direito das Obrigações», I, 5ª ed, p 451 a 453
[12] - Assim,  Galvão Telles, «Obrigações», p 200, Pires de Lima/Antunes Varela, «Código Civil Anotado», Antunes Varela, «Obrigações»,  I,  487 
[13]-  Leite Campos , ROA 42 (1982) p 43

[14] - Antunes Varela, «Obrigações» I, 482 e ss, Carlos Mota Pinto, «Direito das Obrigações»,  1973, 350 e ss