Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
201/15.7T8CSC.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
NULIDADE
PROVA
REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.–Mesmo que não tenha existido nenhum depoimento de que resulte a comprovação positiva de determinado facto, o tribunal pode relevar outros factos indiciários para formar a sua convicção sobre a verificação daquele, como consequência lógica, plausível e provável, valorando esses indícios de acordo com as regras da experiência comum e em função da sua livre convicção.

2.–É nula, por violação do disposto nos artigos 15.º e 19.º alínea c) da LCCG, a cláusula contratual geral, inserida num contrato de crédito ao consumo, que reconheça ao mutuante o direito de, no caso de mora do devedor no pagamento das prestações acordadas, exigir do mutuário o pagamento antecipado dos juros remuneratórios futuros a par do capital mutuado».

(Sumário elaborado pelo relator nos termos do art.º 663º nº7 do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


O Banco ……, S.A., anteriormente denominado Banco ……, S.A., intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra Ana Sofia ………., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €17.878,29, acrescida de juros vencidos de €1.694,66 e vincendos, contados desde 17 de janeiro de 2015 até integral pagamento, à taxa anual de 13,784%, e de imposto de selo à taxa de 4% sobre os juros.

Para tanto alegou ter celebrado um contrato de crédito ao consumo com a R., destinado à aquisição pela mesma de veículo automóvel, nos termos do qual emprestou a esta €19.250,00, a pagar em 93 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira vencida em 10 de junho de 20111 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. Como a R. não teria pago as prestações desde a 36.ª, vencida em 10 de maio de 2014, nem as restantes 58, todas no valor de €313,35, sendo a última de €225,02, a A. resolveu o contrato, comunicando-lhe a perda de benefício de prazo.

Citada a R. veio contestar não reconhecendo o crédito peticionado, invocando não ter celebrado o alegado contrato e que nunca teve o uso do veículo. Para mais, o mesmo veio a ser apreendido pelo Banco, que procedeu à sua venda por €10.189,18, não concordando assim com o valor do crédito e dos juros reclamados. Sem prejuízo, requereu a intervenção provocada de sua irmã que seria a pessoa que assumiu a responsabilidade pelo crédito em causa.

O A. veio deduzir oposição ao incidente de intervenção de terceiro, aproveitando para espontaneamente responder à contestação, admitindo que o veículo foi apreendido e vendido, tendo o valor assim obtido sido imputado aos juros e encargos, liquidando as prestações 14.ª a 35.ª, subsistindo o crédito tal como reclamado na petição inicial, pugnando assim e, em suma, pela improcedência das exceções alegadas.

Por despacho de fls 166 a 167, foi indeferido o incidente de intervenção provocada e, dispensando a realização de audiência prévia e a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, saneou o processo, admitindo os meios de prova requeridos.

Finda a produção de prova, na sequência de audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que condenou a R. no pedido.

Não se conformando com essa sentença, dela apelou a R., formulando no final as seguintes conclusões:
1.ª– A 2 de Maio de 2017 foi a ora recorrente notificada da douta sentença no âmbito do processo acima mencionado proferida julgar procedente a ação e em consequência condenar a Ré, ora recorrente, no pedido do Autor, da quantia de € 17.878,29 (dezassete mil oitocentos e setenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento e de imposto de selo. Decisão com o qual a Ré não pode conformar-se.
2.ª– O Tribunal a quo concluiu o seguinte: “Da conjugação das declarações de parte da R. com as da testemunha José M... F... e com regras de experiência comum, deu o Tribunal como assente ter sido a R. a assinar o contrato dos autos, já que não se afigura curial ter a R. assinado documentos importantes para a concessão de um crédito a sua irmã, sem que tivesse consciência do que estava a assinar.
3.ª– Contudo, o Tribunal a quo não indica a parte das declarações da Autora ou a parte do testemunho em que baseou a sua decisão, para concluir no sentido que tenha sido a Autora a assinar o contrato.
4.ª– O que se compreende, já que afinal nada do que foi dito pela Autora ou pela testemunha, por si arrolada, podia fazer o Tribunal concluir no sentido que fez.
5.ª– Tal como compreende que o Tribunal a quo, não tivesse justificado a sua decisão em provas apresentadas pelo Autor, sujeito processual que tinha o ónus da prova, porque aquele simplesmente não logrou fazer qualquer prova que tivesse sido a Ré a assinar o contrato.
6.ª– Limitou-se a juntar o contrato como prova documental, cuja perícia à letra veio inconclusiva!
7.ª– As testemunhas arroladas pelo Autor confirmaram que não estiveram presentes no ato da assinatura do contrato.
8.ª– E que portanto não podiam comprovar se efetivamente tinha sido a Ré a assinar o contrato.
9.ª– Por sua vez, a Ré em sede de declarações e em resposta às questões colocadas respondeu sob juramento, não ter celebrado com o Autor nenhum contrato de crédito, tão pouco para financiar a aquisição do veículo automóvel com a matrícula ... ...-... ...-... ....
10.ª– Mais referiu ter assinado, a pedido da irmã, uma proposta de crédito simples, sem associação a veículo mas que presumiu que a proposta acabou por não prosseguir pois nenhuma documentação lhe foi solicitada.
11.ª– Mais confirmou nunca ter estado nas instalações do Autor nem tão pouco conhecer o Sand Moto Power Car Comércio de Viaturas Lda. indicado no contrato, que o Autor juntou aos autos, como o fornecedor do veículo acima mencionado.
12.ª– Também logrou provar nunca ter circulado com o veículo automóvel, que foi dado como facto assente.
13.ª– E que só teve conhecimento que o veículo acima mencionado estava no seu nome quando o seu companheiro em conversa com um promotor de seguros estranhou que ele tivesse dito que a Ré agora tinha um “grande carro”;
14.ª– Onde se veio a saber que o seguro estava no nome da irmã da Ré e que era aquela que circulava com o veículo.
15.ª– Face ao supra exposto não se concebe com que fundamentos o Tribunal conclui que a Ré assinou o contrato, quando a Autora não logrou provar nada nesse sentido.
16.ª– Por sua vez, o Tribunal a quo entendeu por bem condenar a Ré também no pagamento de juros remuneratórios associados às prestações vencidas e não pagas ao abrigo do contrato de mútuo: “Relativamente à exigência de juros remuneratórios, tendo as partes acordado nos mesmos, e não existindo qualquer nulidade em tal convenção, entende-se assistir razão ao A., assim se indeferindo a exceção deduzida.”
17.ª– O que, salvo melhor entendimento se discorda.
18.ª– Na verdade, tem sido entendimento que o 781.º CC aplica-se apenas ao capital, e sendo os juros remuneratórios uma obrigação duradoura que se vence pelo decurso de tempo e se ainda não venceu, não se constitui, e por isso não pode ser exigida.
19.ª– Assim, pugna-se que a Ré a ser condenada, apenas devia tê-lo sido no valor correspondentes às prestações vencidas e não pagas até à resolução do contrato e após essa resolução ter operado, apenas no capital das prestações vincendas.
20.ª– Ora a resolução do contrato ocorreu em 10.05.2014.
21.ª– Sucede que o Autor, peticionou que fossem pagas todos os juros remuneratórios previstos no contrato, incluindo o das prestações vincendas que nem se chegaram a vencer, já que com a resolução do contrato, o que se venceu foi todo o capital em dívida aquela data.
22.ª– Assim não pode proceder quando o Autor peticiona a quantia de €17.878,29, porquanto nesse valor estão contabilizados juros remuneratórios sobre prestações que não se chegaram a vencer pois o contrato já estava resolvido.
Em conformidade, concluiu dever ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença e substituindo-a por outra que absolva a Ré do pedido, ou caso assim não entenda, que absolva a Ré do valor peticionado a título de juros remuneratórios.

Por seu turno, o R. apresentou contra-alegações concluindo que a sentença recorrida não viola quaisquer disposições legais, devendo, portanto, improceder inteiramente as conclusões formuladas nas alegações de recurso da Ré e ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

II–QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Saber se não deve ser julgado por provado que a R. assinou o contrato dos autos;
b) Saber se não podem ser contabilizados juros remuneratórios na convenção que estabelece o vencimento antecipado das prestações vincendas, por semelhança ao estabelecido no Art. 781º do C.C..

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.– O A., no exercício da sua atividade comercial, concedeu à R., por contrato de mútuo datado de 27 de Abril de 2011 e com destino, segundo informação então prestada pela R., à aquisição de um veículo automóvel de marca ……., modelo …….. 2.0 CRD SXT, com a matrícula …...-…...-…..., a quantia de €19.250,00, com juros à taxa nominal inicial de 10,863% ao ano, indexada à Euribor a 90 dias, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 96 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Junho de 2011 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, sem prejuízo de o número de prestações poder ser superior ou inferior em função do acréscimo ou decréscimo da taxa de juro inicialmente acordada em função da variação da taxa Euribor;
2.– De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela R. para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efetuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária, logo indicada pelo A.;
3.Conforme também expressamente acordado, a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data do respetivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja o valor de € 313,35 cada;
4.– Mais foi acordado entre o A. e a R. que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 9,784% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 13,784%;
5.– Atentas as atualizações da taxa Euribor o prazo do contrato foi reduzido de 96 para 93 prestações, sendo o valor da 93ª e última de €225,02;
6.– Das prestações referidas, a R. não pagou a 36ª prestação e seguintes, num total de 58, vencida a primeira em 10 de Maio de 2014, vencendo-se então todas do montante cada uma de € 313,35 e a última de €225,02;
7.– O A. dirigiu carta à R., comunicando-lhe a perda do benefício do prazo contratual;
8.– O total das prestações em débito pela R. ao A., em relação ao contrato dos autos ascende a € 17 878,29;
9.– A R. assinou vários documentos a pedido de sua irmã com vista à concessão de um crédito;
10.– A R. nunca utilizou o veículo automóvel referido em 1.;
11.– Em 22 de Março de 2012, a R. providenciou pela entrega do veículo ao A.;
12.– O veículo foi vendido em 2 de Maio de 2012 por €10 600,00, sendo a este valor abatidas a comissão de venda e despesas cobradas pela leiloeira, bem como a comissão de recuperação de veículo devida ao A.;
13.– Conforme acordado o A. procedeu ao pagamento dos valores em dívida pela R. com referência ao contrato de mútuo dos autos, debitando para esse efeito €3.193,11 do saldo de conta corrente onde lançou o valor líquido obtido com a venda do veículo;
14.– Em 25 de Junho de 2012, remeteu à R. carta onde, além do mais, a informou sobre a imputação à respetiva dívida do valor obtido com a venda e a data de vencimento da prestação seguinte do contrato que se mantinha em vigor;
15.– A R. recebeu a carta referida e, em 05/07/2012, contactou a delegação de Lisboa do A. e solicitou a renegociação do contrato de mútuo dos autos com o envolvimento do valor remanescente obtido com a venda referida;
16.– A R. foi informada dos termos gerais em que o A. se dispunha a concretizar a renegociação solicitada e que remeteria para a morada da R. um aditamento ao contrato de mútuo dos autos através do qual se operaria a referida renegociação;
17.– O aditamento referido foi elaborado e remetido à R. por correio simples, acompanhado de carta datada de 06/07/2012, sem que a R. tenda respondido ou formalizado junto do A. a renegociação do contrato de mútuo;
18.– O remanescente valor creditado em conta corrente da R. após as operações 12., foi sendo debitado mensalmente para pagamento das prestações do contrato de mútuo em causa, sendo desta forma liquidadas as prestações 14ª a 35ª, vencidas entre 10/07/2012 e 10/04/2014.

Tudo visto, cumpre apreciar.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1.–Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
A recorrente sustenta a sua discordância da decisão recorrida, em matéria de impugnação da matéria de facto, na circunstância do tribunal a quo não indicar em que segmento das declarações de parte da R., ou da testemunha José M... F..., baseou a sua decisão para concluir que a R. assinou o contrato. Realçando que a prova pericial incidente sobre o contrato foi inconclusiva, as testemunhas da A. não estiveram presentes no momento da assinatura do contrato e a R. respondeu em sede de declarações de parte que não celebrou qualquer contrato de crédito com a A., embora tenha assinado, a pedido da irmã, uma proposta de crédito simples, sem associação a veículo, mas que assumiu que a proposta acabou por não prosseguir, pois nenhuma documentação lhe foi solicitada. Também declarou que nunca usou o veículo automóvel a que se refere o contrato de crédito, mas que veio a saber que esse veículo estava em seu nome, era usado pela sua irmã, que tinha feito seguro desse automóvel.
O Recorrido veio defender que a Recorrente não especificou os concretos factos que considera incorretamente julgados, nem aponta os meios de prova que impunham decisão diversa, nem tão pouco a decisão diversa que, no seu entender deveria ser proferida.
No entanto, é evidente do sentido das alegações de recurso que a Recorrente põe em causa os factos de onde decorre que a R. assinou o contrato de crédito dos autos, pretendendo que esses factos sejam dados por não provados.
É certo que da matéria de facto dada por provada não consta explicitado que «a R. assinou o contrato de crédito dos autos». Mas consta do ponto 9. dos factos provados que: «9. A R. assinou vários documentos a pedido de sua irmã com vista à concessão de um crédito». Sendo que, depois, é dado também como provado o acordo que determinou a concessão de crédito ao consumo para aquisição de um veículo automóvel, com todas as obrigações constantes do escrito de fls 31 a 33, como resulta dos pontos 1. a 4. dos factos provados. Portanto, não pode oferecer dúvida de que são estes os factos pretendidos impugnar pela Recorrente.
A decisão recorrida fundamentou o julgamento deste segmento da matéria de facto do seguinte modo: «Da conjugação das declarações de parte da R. com as da testemunha José M... F... e com regras de experiencia comum, deu o Tribunal como assente ter sido a R. a assinar o contrato dos autos, já que não se afigura curial ter a R. assinado documentos importantes para a concessão de um crédito a sua irmã, sem que tivesse consciência do que estava a assinar. Acresce que não logrou a R. esclarecer o Tribunal os motivos pelos quais o A. detinha todos os seus elementos de identificação, sem que os mesmos lhes tivessem sido fornecidos. Por outro lado, face ao carácter inconclusivo da perícia efetuada, não atendeu o Tribunal à mesma.» (cfr. fls 238).
A Recorrente invoca quais os meios de prova que impunham decisão diversa, porque no caso concreto, sustenta que em parte alguma das declarações de parte da R. ou das testemunhas ouvidas em audiência poderia a decisão recorrida sustentar a convicção do Tribunal. Portanto, é na ausência de depoimentos confirmativos do dado por provado que a Recorrente sustenta a sua discordância com a conclusão a que o tribunal chegou.
Efetivamente, se não houvesse um único depoimento positivo que consubstanciasse a prova de um facto, não é preciso evidenciar nenhum segmento desse meio de prova de que resulte o contrário do dado por provado. A ausência de prova é autossuficiente. Justifica-se por si mesma, sem necessidade de maiores considerações.
Mas, ainda assim, a apelante não ficou só por aqui, pois logo de seguida vem alegar – em termos genéricos, é certo – aspetos das declarações de parte e da razão de ciência das testemunhas, que no seu entender deveriam levar a conclusão diversa relativamente ao facto em causa.
Ora, é para nós claro que foram precisamente esses aspetos de caráter genérico que levaram o Tribunal a quo a decidir como decidiu.
O Tribunal não fundou a sua convicção na “literalidade” das declarações de parte da R. ou da testemunha José M... F..., que vive em união de facto com a R. há mais de 9 anos (cfr. fls 234).
O Tribunal discorreu do teor das declarações da R. e do seu companheiro que aquela certamente assinou o contrato de crédito dos autos a pedido da sua irmã. Isto porque, quer a R., quer a testemunha, referiram que a primeira assinou vários documentos, a pedido da irmã, com vista a esta obter um crédito, só que acrescentam que se destinava à reparação de um barco.
A sequência dos factos é assim que a R. assinou documentos a pedido da irmã para que esta pudesse ter acesso a um crédito, sendo que logo de seguida a irmã passou a andar com o carro a que se reporta o contrato de crédito dos autos. O que permite a conclusão, com algum grau de probabilidade e verosimilhança, que os documentos que a R. assinou, aparentemente para fazer um favor à sua irmã, possam ser o contrato dos autos. Depois, recorrendo às regras de experiência comum, o Tribunal a quo concluiu não acreditar que a R. não tivesse consciência do que estava a assinar.
Não estamos assim perante uma situação de pura ausência de prova, mas sim perante a convicção do tribunal, fundada em factos indiciários que lhe foram apresentados em audiência final, que permitiram à Mm.ª Juíza concluir que a R. assinou o contrato a que os autos se reportam.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.5.2016 (Relatado pela Venerandíssima Desembargadora, adjunta no presente acórdão: Maria Amélia Ribeiro, Proc. n.º 1393/08) que: «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».
No Acórdão da Relação do Porto de 6.3.2017 (Relator: Miguel Morais, Proc. n.º 632/14), afirma-se que: «tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do art. 607º, nº 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
«Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
«Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do n.º 1 do art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»
No caso, a Recorrente não conseguiu desmontar a falta de racionalidade do iter decisório, que nos parece lógico, coerente e justificado em face das regras de experiência comum, retirando da admissão feita pela R. de que assinou documentos a pedido da sua irmã para esta poder aceder a crédito, para concluir que entre esses documentos estava o contrato de crédito a que os autos se reportam e que, portanto, a R. assumiu o favor, de que agora muito se arrepende, de ficar na posição de devedora perante o banco financiador da operação.
A dificuldade estava assim em a R., perante a admissão desse facto indiciário, conseguir fazer crer ao Tribunal que a circunstância do contrato de crédito ao consumo aparecer assinado com o seu nome ser o resultado duma “burla” da sua irmã.
Parece evidente que a Mm.ª Juiz ao proferir a decisão sobre a matéria de facto entendeu como pouco razoáveis e inverosímeis as justificações apresentadas pela R., considerando que o esforço feito para demonstrar que a R. não assinou o contrato teve o efeito contrário do pretendido, adensando a convicção sobre a probabilidade séria de ter sido a R. a assiná-lo.
Julgamos, deste modo, que a prova produzida, apreciada no seu conjunto e devidamente contextualizada, não impunha necessariamente uma decisão diversa sobre os factos dados por provados, improcedendo assim a apelação quanto à impugnação da matéria de facto.

2.–Da inclusão dos juros remuneratórios no vencimento antecipado das prestações relativas a obrigação fracionada.
Assentes assim os factos, verificamos que, mesmo que aparentemente em resultado dum favor feito à sua irmã, a R. celebrou o contrato de crédito ao consumo destinado à aquisição de veículo automóvel, tal como o mesmo é regulado pelo Dec.Lei n.º 133/2009 de 2/6, vinculando-se ao cumprimento das obrigações que dele para si emergiam (Art. 406º n.º 1 do C.C.).
Entre essas obrigações está a principal de restituição da quantia mutuada, acrescida dos juros remuneratórios e demais encargos, em prestações mensais, tal como convencionado.
Nos termos do Art. 20.º do mencionado Dec.Lei n.º 133/2009, é estabelecido que: «1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
“a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10 % do montante total do crédito;
“b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
“2 - A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.»
No caso, depois de verificado um incumprimento prolongado, que inclusivamente levou à entrega do veículo para a aquisição do qual havia sido solicitado o crédito, ficaram por cumprir as prestações 36.ª e seguintes.
Por falta de cumprimento das prestações convencionadas, o A. remeteu a carta de 2 de dezembro de 2014 (cfr. doc. de fls 39), dando conta que não tinham sido liquidas as prestações 36.ª à 43.ª, vencidas entre 10/5/2014 a 10/12/2014, concedendo um prazo suplementar de 20 dias para liquidação da dívida, acrescida de juros, e tendo comunicado à R. a perda de benefício do prazo.
Da cláusula 8.ª, alínea a), das condições gerais do contrato a que os autos se reporta consta que: «O(s) Mutuário(s) ficará(ão) constituído(s) em mora no caso de não efetuar(em), aquando do respetivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação.»
Na alínea b) da mesma cláusula 8.ª resulta que: «Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banco Mais poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas, como expressamente fica acordado, desde que por escrito em carta simples dirigida ao(s) Mutuário(s) para a(s) morada(s) constante(s) do contrato lhes conceda um prazo suplementar de 15 dias de calendário para proceder(em) ao pagamento das prestações em atraso acrescidas da indemnização devida pela mora, com expressa advertência de que tal falta de pagamento neste novo prazo suplementar implica o dito vencimento por perda de benefício do prazo.»
Em face disto, a sentença recorrida considerou que eram devidos os juros remuneratórios peticionados, ao contrário do sustentado pela R. na sua contestação, daí resultando o seguinte: «Relativamente à exigência de juros remuneratórios, tendo as partes acordado nos mesmos, e não existindo qualquer nulidade em tal convenção, entende-se assistir razão ao A., assim se indeferindo a exceção deduzida.» (cfr. fls 238 verso).
A Recorrente continua a sustentar nas suas alegações não poder ser condenada no pagamento de juros remuneratórios associados às prestações vencidas e não pagas ao abrigo do contrato de mútuo, porque o Art. 781.º do C.C. aplica-se apenas ao capital. Isto, porque os juros remuneratórios só se vencem pelo decurso de tempo e se ainda se não venceram, essa obrigação não chega a constituir-se, não podendo ser exigida.
Em abono da sua tese apela ao entendimento expedido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 25-03-2009, no qual se conclui: «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao Art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.»
Mais entende que o estabelecimento de cláusula contrária no contrato de mútuo não afasta a mesma conclusão, devendo manter-se a mesma interpretação jurisprudencial, porquanto sendo os juros um rendimento do capital, a obrigação respetiva está intrinsecamente dependente da obrigação de capital, sendo determinada em função do seu montante, da sua duração e da taxa legal ou convencionada aplicável. Por natureza é uma obrigação temporária que vai nascendo ou surgindo à medida do decurso do próprio tempo (Vaz Serra, Obrigações de Juros, in BMJ, n.º 55, 162), visto no caso dos juros remuneratórios assumir ou ter como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo (Ac. S.T.J. de 12/09/2006, Proc. n.º 2338/06).
A tal acresce o caráter sinalagmático dos juros remuneratórios, como contraprestação pela cedência do capital durante um período de tempo que não se verifica com o vencimento antecipado das prestações vincendas e exigibilidade da dívida correspondente.
Nessa medida, entende a Recorrente que só poderia ser condenada no valor correspondentes às prestações vencidas e não pagas até à resolução do contrato e, após essa resolução ter operado, apenas no capital das prestações vincendas, sendo que, no caso, a resolução do contrato ocorreu em 10/05/2014.
O recorrido entende dever prevalecer o acordo constante da cláusula 8.ª al. b) do contrato de crédito, cuja redação é posterior ao Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça e acomoda-se à jurisprudência aí expressa, pois no mesmo é dito expressamente nas suas conclusões que: «10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781 do C. Civil”.
Depois invoca a existência de jurisprudência que defende que a razão de ser do Art. 781º do C.C. prende-se com a perda de confiança que o não cumprimento produz no mutuante quanto ao cumprimento futuro da obrigação de restituição do capital, assistindo às partes liberdade contratual para convencionarem regime diferente do Art. 781º do C.C..
Cita assim o Ac. da R.L. de 4/5/2013 (Proc. n.º 1916/12.7TBPDL.L1) e Ac. R.P. de 4/07/2013 (Proc. n.º 1098/10.9TNNF.P1), onde se considerou e decidiu o seguinte: «Perante a fundamentação do acórdão uniformizador, a A., como resulta dos autos, alterou a cláusula em questão. Que, agora, tem a seguinte redação: "a falta de pagamento de uma prestação na data do respetivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes prestações, incluindo os juros remuneratórios e demais eventuais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas condições particulares" - cláusula 7ª, al. b), das Condições Gerais.
«Assim, e não obstante se concordar inteiramente com a fundamentação daquele acórdão uniformizador, neste caso, terá de se concluir que as partes, efetivamente, acordaram de forma diferente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual- artigo 405° do C.Civil. Ou seja, estipularam que, em caso de vencimento imediato das prestações, nos termos do disposto no art.781° do C.Civil, tal implica a obrigação de pagamento, não só do capital incorporado nas prestações em dívida, mas também dos juros remuneratórios nas mesmas incorporados.»
«E sendo tal cláusula válida - o disposto no art. 781 ° do C.Civil não constitui uma norma imperativa e aquela cláusula do contrato não vem posta em causa – os R.R. estão vinculados a cumprir o acordado – artigo 406°, nº 1 do C.Civil.».
Cumprirá apreciar os argumentos assim contrapostos, partindo inevitavelmente do próprio teor do acórdão uniformizador de jurisprudência cuja atualidade é posta em causa.
O acórdão começa por referir que se propõe responder à seguinte questão jurídica: «Num contrato de mútuo oneroso comercial e no âmbito do crédito ao consumo, vencidas todas as prestações em razão da falta de alguma delas, por acionamento da respetiva cláusula pelo mutuante, são ou não devidos, além do capital ainda em dívida, os juros remuneratórios que estavam incluídos nas mesmas prestações, respeitantes a prazo que ainda não tenha decorrido no momento do vencimento antecipado E logo de seguida conclui que a resposta a esta questão é negativa, correspondendo a essa conclusão a interpretação jurisprudencial final a que chegou.

Justifica esse entendimento nos seguintes termos:
«Atentemos, desde logo, que estamos perante um contrato de mútuo oneroso (art.ºs 1142º e 1145º do C. Civil) mútuo bancário (já que realizado por uma instituição de crédito ou parabancária, artº1º do Dec. Lei nº 344/78) dito de crédito ao consumo (art.º 2º do Dec. Lei nº 359/91 de 25/10) e no qual o banco aqui recorrente, no exercício da sua atividade própria, concedeu ao recorrido um “empréstimo” de € 12.460,00, com a finalidade de aquisição de uma viatura automóvel. Contrato esse de adesão como transparece do próprio documento, já que contendo um enunciado de cláusulas gerais “Condições Gerais“, pré elaboradas e destinadas a ser propostas a destinatários indeterminados que as deverão subscrever em bloco sem possibilidade de as alterar e de “ Condições Específicas” que poderão já ser objeto de alguma negociação, ainda que limitada por evidente desigualdade do mutuário com a instituição de crédito mutuante.
«Estamos, pois, perante um contrato sujeito à disciplina do Dec. Lei nº446/85 de 25/10, vulgo LCCG (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais)
Nos termos do nº4 al. b) das ditas “Condições Gerais“ do contrato, o empréstimo será reembolsado em prestações mensais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento se encontram estabelecidas nas “Condições Específicas”. No mesmo número mas na al. c) menciona-se que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro.
Consta, ainda, do nº 8, al. b) das ditas “Condições Gerais” que a falta de pagamento de uma prestação na data do respetivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.

«Ora o art.º 781º do Código Civil estabelece que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de pagamento de uma delas, implica o imediato vencimento das demais.”
«Não se trata esta de uma norma imperativa, pelo que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405º do Código Civil, regra mínima de funcionamento do mercado. O que no caso, manifestamente não acontece.»

É assim com base neste trecho do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, que depois se reflete na conclusão 10, que o Recorrido sustenta que as partes podem convencionar regra diversa do Art. 781º do C.C., afastando os pressupostos de facto em que assenta a interpretação aí expedida.

Mas o acórdão prossegue na sua fundamentação explicitando:
«Não se duvida que o conteúdo da cláusula supra leva a que se tenha por assente que a falta de pagamento pelo R. da 6ª prestação das 60 acordadas implicou o vencimento das restantes como a A. pretende.
Mas o que constitui aqui a “quaestio“ a resolver é como interpretar a dita cláusula, no sentido de saber se o vencimento imediato das prestações por pagar, devem ou não incluir os juros remuneratórios convencionados, previamente calculados pelo mutuante e nelas incorporadas ou apenas a dívida do capital.

«É unanimemente reconhecido que os juros (que estão no cerne do contrato de mútuo, seja civil, seja comercial ou bancário) são frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital cujo montante varia em função dos fatores seguintes: o valor do capital devido; o tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e a taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª ed., pp. 28/29 e Correia das Neves, “Manual dos Juros” p. 23).
«Distinguem-se os juros quanto à sua fonte entre legais e convencionais, sendo os primeiros aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a sua atribuição em consequência do diferimento na realização de uma prestação, funcionando ainda supletivamente sempre que as partes estipulem a sua exigência, mas sem fixarem a taxa, e os segundos os que têm a sua taxa estipulada pelas partes, dentro dos limites
legalmente estabelecidos.
Porém, releva sobretudo para o que estamos a discutir, a classificação dos juros no tocante à sua função ou finalidade económica e social entre juros remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios.

«Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência.
«Os juros compensatórios destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado.
«Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor.
«E por último, os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor (v. Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. I, 5ª ed., Almedina, pp. 160 e163).
«Mas outras classificações são possíveis como a que distingue entre os juros compensatórios e compulsórios, conforme pretendam respetivamente repor a degradação do capital devido ou incitar o devedor ao pagamento e a que separa os juros em civis e comerciais ou bancários, como explana Menezes Cordeiro no seu Manual de Direito Bancário, 3ª ed. p. 535.
«Visam, portanto, os juros remuneratórios, aqui concretamente em causa em remunerar (retribuir) o capital e preencher em termos económicos a diferença entre o facultar desse capital, no caso por uma instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito, em determinado momento e vir a dispor dele só depois.
«Ora, ponto é saber, se com a perda de benefício do prazo dessa restituição e por força da exigibilidade imediata do capital pelo credor, facultado pelo art.º 781º acima citado e transcrito, seja diretamente aplicável no contrato de mútuo por vontade das partes, seja indiretamente com base em cláusula de teor idêntico, passando a faltar o diferimento no tempo entre a privação do capital e a sua recuperação pelo credor, se prevalece ou não a obrigação por parte do devedor de pagar os juros remuneratórios relativamente ao espaço temporal não decorrido como consequência da antecipação de vencimento. E a resposta não pode deixar de ser negativa.
«Como acentuam, na generalidade, os acórdãos acima identificados, os juros quaisquer que sejam, são ou constituem um rendimento do capital, logo a obrigação respetiva está intrinsecamente dependente de uma obrigação de capital, ou para sermos mais expressivos, não se concebem sem uma obrigação de capital, como refere Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., 751.
«Na mesma linha ensina Menezes Cordeiro (op. cit., 529) que a inerente obrigação – de juros pressupõe uma outra a de capital sendo por esta determinada, como já vimos em função do seu montante, da sua duração e da taxa legal ou convencionada aplicável.
«Sem ela, repete-se, a obrigação de juros não pode constituir-se, dispondo depois de constituída, de alguma autonomia (art.º 561º do Código Civil), mas mantendo ambas forte conexão, sendo além do mais, uma obrigação por sua própria natureza temporária que vai nascendo ou surgindo à medida do decurso do próprio tempo, (Vaz Serra, Obrigações de Juros, in BMJ, nº55, 162) visto no caso dos juros remuneratórios assumir ou ter como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo (neste sentido, em especial, o ac. deste Supremo de 12/09/2006, proc. n.º 2338/06).
«Como atrás se viu, a cláusula estabelecida no contrato de que a omissão do pagamento de uma das prestações levava ao vencimento das restantes segue o preceituado naquele art.º 781º. Só que representando os juros, rectius, os juros remuneratórios, a contraprestação pela cedência do capital durante um período de tempo, assumindo mesmo carácter além de retributivo, sinalagmático, como dito na douta e bem elaborada sentença da 1ª instância, no caso o lapso de tempo do mútuo, será então de concluir que a obrigação de juros só deve perdurar enquanto não houver vencimento antecipado das prestações vincendas e exigibilidade da dívida correspondente.
«Como se diz a este respeito no ac. deste Supremo de 6/02/2007, acima referenciado: “…os juros remuneratórios abrangidos pelas prestações convencionadas são calculados tendo em conta a tempo de duração do contrato e o seu cumprimento, um certo programa contratual Com a antecipação do vencimento resultante da falta de pagamento de uma das prestações, logo se vê que os juros remuneratórios calculados para todo o período de vigência do contrato, não encontram correspondência ou proporcionalidade com o tempo decorrido até à exigibilidade do pagamento do capital, por perda do benefício do prazo e a natureza retributiva indexada ao tempo que apenas encerram”.
«Quer isto dizer, como se referiu noutro acórdão deste Supremo Tribunal proferido no proc. n.º 224/08 -1ª que “o A. mutuante, ao ter provocado o vencimento da totalidade das prestações em falta, tornando exigível (o restante) capital em falta, seja face à cláusula indicada, seja com fundamento no disposto no art.º 781º não poderá exigir os juros remuneratórios englobados nas prestações vincendas. Somente poderá exigir o capital mutuado e os juros remuneratórios incluídos nas prestações vencidas”.
«Ou seja, vencida a obrigação de capital, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do mesmo capital. E por isso, o vencimento automático estipulado no contrato aqui documentado não se aplica a prestações de juros e, logo, às que correspondem nas prestações do capital mutuado a esses mesmos juros, por estes, previamente calculados em proporção ao tempo que efetivamente tenha decorrido, deixariam de corresponder – sem o decurso do tempo à retribuição que por natureza, constituem. (cfr. igualmente o ac. deste Supremo de 10/07/2008, no proc. n.º 1267/08).
«Demais, ficou logo devidamente esclarecido na sentença da 1ª instância, em interpretação acolhida no acórdão recorrido, que um declaratário normal, colocado na posição do R e nos termos gerais da teoria da impressão do destinatário, consagrada no art.º 236º, n.º 1 do C. Civil, a que faz apelo implícito o art.º 10º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - não deixaria de entender a cláusula em foco no sentido supra, ou seja, a de que a falta de pagamento duma prestação, com a inerente perda do benefício do pagamento escalonado no tempo do capital emprestado não implicaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim da duração prevista do contrato, sendo que ainda nela se observou que se a cláusula fosse considerada ambígua, sempre prevaleceria o sentido mais favorável ao aderente, nos termos do disposto no nºs 1 e 2 do art.º 11º deste último diploma.
«Essa posição tem, de resto, sido sufragada na interpretação de cláusulas idênticas em contratos similares, como se pode ver do ac. acima listado de 14/11/2006 e proc. n.º 2718, merecendo a nossa inteira concordância.
«E nem se diga, em contrário, que constam do contrato em apreço as especificações sobre o número das prestações e o seu montante, pois tal não implica necessariamente que o aderente se considerasse vinculado ao seu pagamento, em caso de acionamento da dita cláusula, tanto mais que do documento que o corporiza igualmente consta o montante do empréstimo e a taxa de juros contratada, tudo, de resto, resultando de imposições legais quanto à comunicação ao mutuário dos elementos que lhe permitam saber os pagamentos que tem de efetuar e quando os tem de efetuar como observado em resposta a conclusões idênticas do recorrente (conclusões 21º a 24º) no ac. proferido no proc. n.º 3198/08, 7ª secção.
«Logo, não há aqui que confundir os normativos reguladores do mútuo oneroso com a aplicabilidade do regime previsto no art.º 781º; o mútuo oneroso que é a regra do mútuo comercial (art.º 395º do C. Comercial) pressupõe a disponibilidade do capital e deixando o capital de estar disponível, com a exigibilidade imediata ao mutuário da sua totalidade, cessa o direito ao recebimento dos juros correspondentes.
«Não se está assim a ver, que peque este entendimento por desconforme com o direito ou com a “boa razão“, constituindo como que um prémio ao devedor relapso, um incentivo ao incumprimento, sendo, sim, inaceitável que pretendendo o mutuante usufruir as vantagens da imediata recuperação do capital disponibilizado ao mutuário, através do mecanismo do art.º 781ºdo C. Civil por referência a cláusula com idêntica redação, pretenda igual e concomitantemente que este lhe pague o rendimento do mesmo, preço do seu diferimento no tempo, situação por ele próprio feita cessar.
«Importa, de todo o modo, não deixarmos da analisar entre o argumentado nas conclusões da minuta, uma a uma, as questões postas em abono da tese que não obteve vencimento nas instâncias.
Alude o recorrente que a lei expressamente prevê (art. 1147º do Código Civil) que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento, pelo que seria errado, injusto ou despropositado pretender-se que, em caso de incumprimento, não ter ele que pagar os mesmos juros (remuneratórios) por inteiro. No entanto, são situações que não se equivalem.

«Como já dito e explicado em vários acórdãos deste Supremo, num dos casos é o mutuário quem unilateral e antecipadamente impõe o cumprimento ao mutuante, ao passo que no outro e que corresponde à situação dos autos é o mutuante que toma a iniciativa da exigibilidade imediata do capital, sendo certo que podia não utilizar esse expediente, ficando a aguardar o decurso do alegado prazo contratual.
«Argumenta, também, o recorrente que o “custo total do crédito” no que concerne ao crédito ao consumo (regulado pelo Dec. Lei nº 359/91 de 21 /09 que procedeu à transposição das Diretivas do Conselho das Comunidades Europeias nºs 87/102/CEE de 22/12 /1986 e 90/88 de 22/02/ 1990) engloba o montante do empréstimo, os juros acordados e as restante despesas e encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse o montante global desde logo achado e calculado que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar (art.ºs 2º al. b) d) e e) e art.º4º do referido diploma) logo reforçando ainda mais aquilo que se explicitara ou seja, tal como no mútuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fracionada em prestações engloba o capital e a respetiva remuneração, sendo esta, pois, a obrigação “ab initio” do beneficiário do crédito. Mas não é assim, ainda que a consideração dessa taxa anual efetiva global (TAEG) prevista no indicado diploma e preceito tenha sido incluída na fundamentação do acórdão deste Supremo certificado nos autos para sustentar tal posição e por traduzir ela o “custo total” do crédito ao consumo, por via dos riscos elevados a este normalmente associados, riscos que, anote-se, são próprios das operações bancárias e parabancárias em geral e do sistema financeiro em que se inserem e atuam e que se minimizam e acautelam, em regra, com vários tipos de garantias. Não se discute que existe um “custo total” do crédito, mas como referido no nº3 do art.º 4º do sobredito diploma, o seu cálculo e disseminação pelas prestações é efetuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e de que as respetivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionadas.
«No caso, com a exigibilidade imediata da dívida por falta de pagamento de uma prestação e como se anota no já citado acórdão de 9/12/2008, deixa de se verificar o pressuposto de que o montante mutuado o será pelo período de tempo assinalado, ou seja, nas palavras do sobredito acórdão “(…) exigindo o mutuante o capital antecipadamente (por virtude da dita cláusula ou em razão do disposto no art.º 781º) não deverá receber em relação ao período antecipado, a remuneração do capital. Para evitar que isto suceda bastará ao mutuante não usar da diligência de fazer vencer todas as prestações em falta, aguardando o decurso do prazo convencionado da execução contratual”.
«O recorrente traz, igualmente, à liça a questão da capitalização dos juros para justificar, como diz, a capitalização dos juros remuneratórios.
Independentemente do recorrente ser uma instituição de crédito (sociedade financeira de aquisições a crédito e tendo como objeto o exercício ente outras da atividade de concessão de crédito ao consumo) e logo podendo capitalizar juros (anatocismo) conforme os “usos bancários” essa questão não se coloca na temática em análise. Como resulta da leitura da norma apontada do art.º 560º do C. Civil e segundo a qual, em regra, “para que os juros vencidos produzam juros é necessário convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros a partir da notificação feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de descapitalização” para se colocar o problema da admissibilidade dessa capitalização dos juros remuneratórios, seria necessário também que se vencessem antecipadamente, por falta de pagamento de uma prestação, aqueles que corresponderiam às prestações subsequentes, o que manifestamente não sucede (v. também neste sentido, para responder a idêntica objeção do Banco recorrente os acórdãos deste Supremo de 31/10/2006, proc. n.º 2972/06,6ª e de 27/11/ 2008, proc. n.º 3198/08.»

«Mas diga-se que esta questão foi, igualmente, escalpelizada na sentença da 1ª instância, referindo o Juiz que o recorrente confundia a capitalização de juros com a génese e o vencimento destes, não podendo falar-se de uma capitalização de juros que, no fim de contas, se não chegaram a vencer.»

Fica assim claro que a justificação do entendimento jurisprudencial decorrente deste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não ficou pela mera consideração de salvaguarda da possibilidade das partes poderem estabelecer disposição diversa, no quadro da liberdade contratual. O que estava subjacente à interpretação dada ao Art. 781º do C.C., ou de qualquer cláusula que, por semelhança ao mesmo, estabelecesse o vencimento antecipado das prestações vincendas, era a própria natureza dos juros remuneratórios.

A natureza acessória ou dependente da obrigação de juros relativamente à obrigação de capital foi fundamental para a interpretação assim ajuizada.

O mesmo acórdão sistematiza esse ponto nas suas conclusões, quando aí refere que: Os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumprem a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital (cfr. conclusão 2 do acórdão); A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital (cfr. conclusão 3); Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do acionamento do mecanismo previsto no art.º 781.º do C. Civil (cfr. conclusão 4); Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem (cfr. conclusão 5); Caso opte pela perceção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no art.º 781º do Código Civil, por direta referência â lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato (cfr. conclusão 6); Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada (cfr. conclusão 7).

Portanto, os juros remuneratórios não são devidos em caso de antecipação do capital das prestações a que os mesmos se referem, porque não decorreu o tempo referente à disponibilidade financeira do capital que justifica o nascimento da obrigação correspondente.

Então mas, apesar disso, as partes não podem estabelecer consequência diversa da que resulta diretamente da aplicação do Art. 781º do C.C., no quadro da liberdade contratual?

A questão é antes de mais a de saber se estamos perante o exercício dum direito que verdadeiramente se encontre no âmbito da livre disponibilidade das partes.

É sempre difícil partirmos do pressuposto da liberdade contratual, quando em causa estão contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais que não são objeto de negociação prévia, sendo assim pré-elaboradas por uma única parte, o mutuante, limitando-se a contraparte a elas aderir, sem possibilidade de discutir o seu conteúdo.

Evidentemente que, respeitados os limites impostos pelo Art. 20º do Dec.Lei n.º 133/2009 de 2/6, a resolução do contrato de crédito ao consumo e a exigibilidade do capital decorrente da perda de benefício do prazo, são perfeitamente legítimas. Mas esta norma nada estabelece relativamente a juros remuneratórios.

Assim, os limites ao exercício da “liberdade contratual” no quadro dos contratos de adesão, com recurso a cláusulas contratuais gerais, serão os que resultam da aplicação do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 (daqui em diante LCCG). Relembrando aqui desde já que, nos termos do Art. 12º desse diploma, as cláusulas proibidas por disposições dessa lei são nulas, sendo que as nulidades são de conhecimento oficioso (Art. 286º do C.C.), não estando o juiz sujeito nessa matéria às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (Art. 5.º n.º 3 do C.P.C.).

Ora, entre as cláusulas relativamente proibidas, consta da al. c) do Art. 19º da LCCG, as que «consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir».

De referir que o controlo da validade do conteúdo das cláusulas contratuais gerais é feito em termos objetivos, mas abstratos, tendo em atenção a procura dum adequado equilíbrio de interesses, na consideração da razoabilidade do modelo global encontrado, sendo de afastar as situações que potenciam prejuízos inadequados ou propiciam desequilíbrios significativos das prestações.

Como referem Almeida Costa e Menezes Cordeiro (in “Clausulas Contratuais Gerais”, pág. 46): «o juízo valorativo não se realiza tomando por referência os vários contratos “uti singuli”, mas a partir das cláusulas – em si próprias e encaradas no respetivo conjunto – para eles abstratamente predispostas», tendo em atenção a sua «compatibilidade e adequação ao ramo ou sector de atividade negocial a que pertencem».

No mesmo sentido Almeno de Sá (in Ob. Loc. Cit., pág. 260) refere que: «na ponderação aqui pressuposta, não são os interesses individuais dos predisponentes que diretamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Torna-se, por isso, essencial a consideração da situação de interesses contratual - típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio individual realizado».

Ou ainda José Manuel de Araújo Barros (in “Clausulas Contratuais Gerais”, pág. 226): «O apelo ao critério do “quadro negocial padronizado” tem em vista o excluir das circunstâncias a considerar na avaliação da boa ou má-fé do predisponente, aquelas são as próprias de cada um dos indivíduos que vieram a aderir ao contrato».

Ora, a nosso ver, a cláusula 8.ª al. b) do contrato dos autos, ao fazer incluir os juros remuneratórios no efeito antecipatório do vencimento das prestações vincendas, por força da perda de benefício de prazo, tem um efeito económico que, em abstrato, é igual ao enriquecimento sem causa, porquanto impõe ao consumidor/mutuário o pagamento duma parte da prestação vincenda que estava dependente do vencimento da prestação de capital e do tempo da disponibilidade financeira a ela relativa. Nessa medida, se se antecipa o cumprimento de todas as prestações de capital vincendas, o decurso do tempo que justificaria a exigibilidade do juro remuneratório deixa de se verificar. Pelo que, é exigida uma prestação (juro remuneratório) sem causa que lhe esteja subjacente (decurso do tempo relativo à disponibilidade de determinada prestação de capital). Em conformidade, a cláusula em causa estabelece uma penalização para o consumidor relativamente a uma situação em que há ausência de dano efetivo. O que constitui uma violação direta e flagrante do disposto na al. c) do Art. 19º da L.C.C.G., não sendo de esperar que um consumidor, com o mínimo de discernimento e se dispusesse de verdadeira capacidade negocial, pudesse concordar com semelhante disposição negocial.

De harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, esta cláusula pode provocar uma “desproporção sensível” que justiça considerarmos que estamos perante uma cláusula penal desproporcionada ao dano (Vide: Almeida Costa e Menezes Cordeiro – in “Cláusulas Contratuais Gerais”, Coimbra, 1986, pág.s 46/47).

Não somos os únicos que chegámos a esta conclusão, pois no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/6/2017 (Relator: Jorge Leal, Proc. n.º 71/15.5T8MFR.L1-2) pode ler-se no sumário: «É nula, por violação do disposto nos artigos 15.º e 19.º alínea c) da LCCG, a cláusula contratual geral, inserida num contrato de crédito ao consumo, que reconheça ao mutuante o direito, no caso de mora do devedor no pagamento das prestações acordadas, de exigir do mutuário o pagamento antecipado (a par do capital mutuado) dos juros remuneratórios futuros».

Para além deste, no mesmo sentido, veja-se os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 11.9.2012 (Processo 3203/11.9TBFUN.L1-7), de 06.11.2012 (Processo 1834/12.9TJLSB.L1-7); de 07.02.2013 (Processo 10/11.2 TBAGH.L1-2); da Relação do Porto de 10.11.2015 (Processo 1060/15.5T8PVZ.P1); de 25.10.2016 (Processo 455/16.1T8VFR.P1); o Acórdão da Relação de Guimarães de 14.4.2016 (Processo 20/14.8T8FAF.G1); os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 29.5.2012 (Processo 2715/11.9TBACB.CV1) e de 13.11.2012 (Processo 67/12.9T2VGS.C1); e os Acórdãos da Relação de Évora, de 13.02.2014 (Processo 1665/11.3TBCTX.E1) de 12.02.2015 (Processo 341/13.7TBVV.E1) de 08.9.2016 (Processo 431/12.3TBBJA.E1) e de 09.3.2017 (Processo 6589/15.2T8STB.E1) – todos consultáveis na internet, base de dados do IGFEJ.

Sendo a cláusula 8.ª al. b) do contrato dos autos nula, na parte que reconhece ao banco mutuante o direito de exigir do mutuário o pagamento antecipado dos juros remuneratórios futuros a par do capital mutuado, o A. na ação só poderia reclamar o vencimento antecipado do capital com referência à data de 10/5/2014, acrescido de juros moratórios e da cláusula penal de 4% incidente sobre os juros. O que, no caso, seria no valor de 13,784%, a que acresceria ainda o respetivo imposto de selo.
O capital mutuado foi de €19.250,00 (cfr. doc. a fls 29 e 31).
O seu pagamento foi fracionado em 93 prestações.
A R. deixou de pagar desde a prestação n.º 36, vencida em 10/5/2014.
Ficaram por pagar 57 prestações.
Logo o capital que venceu antecipadamente foi de €11.798,39 (€19.250,00 : 93 x 57).
Deverá assim a R. ser condenada no pagamento do capital de €11.798,39, acrescidos de juros de mora, com a penalização convencionada de 4%, à taxa total de 13,784%, contados desde 10/5/2014 até integral pagamento, bem como no correspondente imposto de selo incidente sobre os juros.
É com esta fundamentação que entendemos julgar parcialmente procedente a apelação.

V–DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a)–Julgamos improcedente a impugnação da matéria de facto provada.

b)–Julgamos revogar parcialmente a sentença recorrida, substituindo a decisão condenatória no pedido, pelo julgamento da procedência parcial da ação, condenado a R. a pagar ao A. a quantia de €11.798,39, a título de capital em dívida, acrescida de juros de mora convencionados, com a penalização igualmente convencionada de 4%, à taxa total de 13,784%, contados desde 10/5/2014 até integral pagamento, bem como no correspondente imposto de selo incidente sobre os juros assim contabilizados.

c)– Absolvemos a R. do demais pedido.

– Custas por apelante e apelado, na proporção de 2/3 para a primeira e 1/3 para o segundo (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 17 de outubro de 2017


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)                            
(Dina Monteiro)