Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1806/10.8TVLSB-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: PROVA PERICIAL
INCAPACIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – Após a reforma do processo civil, operada por via dos DL nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, o requerente de realização da segunda perícia passou a ter de alegar fundadamente as razões de discordância em relação à primeira perícia (artº 589 nº1 do C.P.C.), redacção que se manteve inalterada no actual código do processo civil (artº 487).

– Os procedimentos de avaliação da incapacidade no domínio laboral e em direito civil, são diferentes, sendo as pontuaçãos previstas na denominada “Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” não equivalentes à percentagem de incapacidade, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção (como sequela final da lesão), não podendo essa diferença por si só, servir de base para a realização de segunda perícia.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


N... intentou acção declarativa de condenação contra Companhia de Seguros ..., peticionando a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização global de € 187.901,50, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento, bem como uma indemnização ilíquida que se vier a fixar ulteriormente ou em execução de sentença, alegando a ocorrência de um acidente de viação, por culpa do segurado da R., em virtude do qual sofreu ferimentos, dos quais resultaram sequelas que lhe determinam uma incapacidade com tendência a agravar-se no tempo.

Tendo o A. requerido a realização de perícia médico-legal, elaborado o relatório médico-legal e notificado do mesmo, veio o A., no prazo de 10 dias previsto no artº 487 nº1 do C.P.C., apresentar o seguinte requerimento:
“O relatório médico-legal elaborado pelo IML atribuiu ao Autor um défice funcional permanente de 5 Pontos.
A quantificação do grau de incapacidade permanente em 5 Pontos entra em contradição com a que, relativamente às mesmas sequelas, foi atribuída no relatório médico-legal particular que instruiu a petição inicial (doc. nº 10)-21 pontos.
Para além disso, essa quantificação é também contraditada pelo grau de incapacidade permanente para o trabalho fixada na perícia médico-legal realizada no âmbito do processo de trabalho – 13,30%.
Ora, o relatório médico-legal não considerou sequelas de lesões meniscais, quando o deveria ter feito, sendo certo que a mesma implicava uma desvalorização de 4 pontos, que não foram considerados.
Para além disso nas demais lesões consideradas foi atribuído um coeficiente de desvalorização muito inferior ao previsto no relatório pericial que constitui o doc. nº 10 com a p.i.
Considerando que as lesões sofridas pelo Autor foram graves, sendo certo, além do mais, que a gravidade das mesmas está patente e devidamente evidenciada no relatório pericial, elaborado no âmbito do processo de acidente de trabalho - que atribuiu uma IPP de 13,30% - e é reforçada pelo relatório médico-legal junto com a p.i., constata-se que o relatório médico-legal elaborado pelo IML não reflecte, nem de longe nem de perto, o real défice funcional permanente, de que o A. ficou a padecer em consequência do sinistro dos autos.   
Considerando tudo o que se vem de expor e com vista ao cabal esclarecimento das questões, de índole técnica, vertidas no relatório pericial, requer-se muito respeitosamente a V.Exa., ao abrigo do disposto no art. 487º, nº1 do Cod. Proc. Civil, que se digne ordenar a realização de segunda perícia a levar a cabo em moldes colegais pelo IML.”
Notificada a R., veio esta alegar por um lado, que a Tabela de Avaliação do Direito Corporal em Direito Civil nada tem a ver com a Tabela de Avaliação em Direito do Trabalho, por outro, que um relatório particular não pode aferir da bondade do relatório do IML, mas antes o seu contrário, não existindo razões para a 2ª perícia.

Após foi proferido o seguinte despacho:
N..., autor nestes autos, veio requerer a realização de uma 2ª perícia, agora colegial, alegando que as lesões sofridas foram graves, como resulta do relatório pericial elaborado no âmbito do processo de acidente de trabalho e é reforçado pelo relatório médico-legal particular junto como documento 10 da petição, não tendo o relatório médico-legal elaborado pelo IML reflectido nem de longe, nem de perto o real défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer, em consequência do sinistro dos autos.      
Respondeu a ré conforme requerimento de fls. 967, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Vejamos.
Antes de mais, importa ter presente o disposto no artigo 388.º do CC quando define a prova pericial em função da sua finalidade e objecto, consignando que:
“A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (…)
Por sua vez, do n.º 3 do artigo 487º do CPC extrai-se que a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e como finalidade corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.
A lei exige que o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. Aliás, o preâmbulo do primeiro daqueles diplomas é bem claro, neste ponto, quando refere que “… uma segunda perícia … só terá lugar sob indicação de motivos concretos de discordância em relação aos resultados da primeira”.
E, nos seus comentários ao normativo em foco, Lebre de Freitas e outros observam que “quando a iniciativa desta (segunda perícia) é da parte, não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com a apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente”. 
Por sua vez, o acórdão do STJ, de 25-11-2004, refere: A expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. E sobre a razão de ser da exigência de tal requisito, nele se observa que: Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.
Em síntese, o requerente da segunda perícia tem o ónus de: 
a)- em primeira linha, especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda;
b)- depois, indicar os motivos justificativos de tal discordância, para que se possa aferir da utilidade ou conveniência da diligência requerida.
Em nosso entender o requerimento apresentado pelo autor não cumpre tal ónus, na medida em que se limita a afirmar que existe discordância entre o apurado em sede de relatório médico-legal elaborado pelo IML e o relatório médico-legal existente nos autos de  acidente de trabalho e bem assim com um relatório elaborado a título particular.
O autor não refere porque entende que os resultados deviam ser diferentes a não ser por remissão para dois anteriores relatórios, sendo que um deles teve de assentar num Tabela de Avaliação em Direito do Trabalho que que pouco tem que ver com a Tabela de Avaliação do dano corporal em Direito Civil, e outro é um relatório particular que foi elaborado a pedido do autor e em circunstâncias que o tribunal desconhece.
Como “indicação de motivos concretos de discordância em relação aos resultados da  primeira” afigura-se-nos manifestamente insuficiente.
Assim, e por isso, indefere-se a realização da pretendida 2ª perícia.”

Não se conformando com esta decisão, dela apelou o A. ora recorrente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“IV–Conclusões
1–Em 16 de Março de 2017, perante as conclusões apresentadas com o relatório  pericial apresentado aos autos, foi requerido pelo Recorrente a realização de uma 2ª  perícia ao imóvel em litígio nos termos do disposto no art.º 487º do Cód. Proc. Civil, por considerar que o primitivo relatório não fez a correcta avaliação do real défice funcional permanente de que o Recorrente ficou a padecer, em consequência do sinistro dos autos.
2–Pretensão que, no entanto, foi indeferida por despacho de 9 de Maio de 2017 com a fundamentação de que não havia sido cumprido o ónus que impende sobre o Requerente, para a realização de 2ª perícia.
3–Apesar de estar consagrado no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, no caso dos relatórios periciais, é comum e natural que o tribunal acompanhe na decisão final o juízo pericial emitido, por se tratar de um juízo técnico (dos peritos) e para o qual não dispõe de conhecimentos que possam concorrer com aqueles. Daí que, se torne de nuclear importância, à parte que se discorde e se sinta prejudicada com o relatório pericial apresentado, reclamar ou pedir prestação de esclarecimentos sobre aqueles, sempre que estes possam inquinar o conhecimento de toda a realidade/circunstâncias que cada caso apresente.
4–Em 3 de Março foi apresentado aos autos um relatório pericial sobre os danos decorrentes de um acidente de viação em que o Autor foi vítima. Das conclusões do relatório, a Sra. Perita um défice funcional permanente de 5 pontos. Sucede que, pela análise integral do relatório apresentado, constata-se que a avaliação feita omite algumas das sequelas de que o Autor/Recorrente padece e, além disso, valora incorrectamente alguns coeficientes para as lesões identificadas.
5–Por esse motivo, o Autor/Recorrente discorda das conclusões apresentadas nesse relatório uma vez que o entra em contradição com o que, relativamente às mesmas sequelas, foi atribuído no relatório médico-legal particular que instruiu a petição inicial (doc. n.º 10 junto com aquela), um total de 21 pontos. Além disso, a conclusão apresentada pelo Instituto de Medicina Legal contradita também o grau de incapacidade permanente para o trabalho fixada na perícia médico-legal realizada no âmbito do processo de acidentes de trabalho – 13,30%.
6–Pela análise integral do relatório apresentado pelo Instituto de Medicina Legal, constata-se que a quantificação do grau de incapacidade permanente sofrido omitiu e/ou desconsiderou alguns danos que poderiam, como podem, levar a uma conclusão totalmente distinta e mais próxima da realidade.
7–Para o efeito, o Autor/Recorrente identificou no requerimento apresentado concretamente os pontos não considerados ou incorrectamente avaliados, a saber:
a)- O relatório médico-legal não considerou as sequelas de lesões meniscais, quando o deveria ter feito, sendo certo que a mesma implicava uma desvalorização de 4 (quatro) pontos, que não foram considerados;
b)- Nas demais lesões consideradas foi atribuído um coeficiente de desvalorização muito inferior ao previsto no relatório pericial junto com a petição inicial.
8–O relatório pericial apresentado aos autos suscita ao Autor/Recorrente as mais sérias reservas quanto ao grau de desvalorização atribuído – sendo certo, que a gravidade das mesmas está patente e devidamente evidenciada noutros relatórios periciais, onde se pode concluir pelo confronto entre aqueles, que o relatório médico legal elaborado pelo Instituto de Medicina Legal não tem o rigor necessário e exigido para aferir o real défice funcional permanente de que o Autor ficou a padecer, em consequência do sinistro dos autos.
9–Embora os relatórios e as conclusões apresentadas nos relatórios citados, não vinculem o julgador por estarem, além do mais, sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, são no entanto uma referência a considerar uma vez que avaliam a mesma realidade. Perante uma discrepância tão gritante, a mesma deve ser valorada a favor do Autor, que sofre, e vai continuar a sofrer para o resto da sua vida das mazelas provocadas pelo identificado acidente de viação.
10–O Autor/Recorrente, no requerimento apresentado, indicou ainda os motivos justificativos de tal discordância, nomeadamente quando referiu que: “Considerando que as lesões sofridas pelo Autor foram graves, sendo certo, além do mais, que a gravidade das mesmas está patente e devidamente evidenciada no relatório pericial elaborado no âmbito do processo de acidente de trabalho – que atribuiu uma IPP de 13,30% - e é reforçada pelo relatório médico-legal junto com a p.i., constata-se que o relatório médico legal elaborado pelo IML não reflecte, nem de longe nem de perto, o real défice funcional permanente de que o Autor ficou a padecer, em consequência do sinistro dos autos.”
11–Posto isto, e salvo melhor opinião, o Autor/Recorrente, cumpriu integralmente os requisitos legais dispostos no art.º 487º do Cód. Proc. Civil, a que está adstrito para poder validamente requerer a realização da segunda perícia.
12–Como resulta do exposto, não se trata aqui de uma mera discordância quanto ao teor do relatório pericial, mas sim da existência de desconsiderações de danos sofridos na avaliação efectuada pelo Instituto de Medicina Legal, que tornam legítima a conclusão de que o mesmo não esclarece cabalmente os danos sofridos e não reflectem, por isso, o real défice funcional permanente de que o Autor ficou a padecer desde o sinistro para toda a sua vida.
13–De acordo com o preceituado no artigo 487º do Código de Processo Civil, pode ser requerida uma 2ª perícia (avaliação), desde que se alegue, fundadamente, as razões de discordância relativamente ao relatório apresentado. 
14–A desconsideração, ou omissão, pela Sra. Perita dos elementos fácticos apresentados fere necessariamente de inexactidão a conclusão que expressou no relatório da perícia.
15–O requerimento junto aos autos, que solicitou a realização de uma segunda perícia não se limitou a uma inconsequente e imotivada falta de resignação relativamente ao resultado do relatório apresentado, antes indicou logo os motivos da divergência – nomeadamente, a desconsideração das sequelas de lesões meniscais, que podia ter conferido diferentes conclusões ao relatório apresentado e que, ainda assim, foram liminarmente desconsideradas.
16–Estando demonstrada e fundamentada, como está, a discrepância das conclusões do relatório pericial apresentado aos autos, face aos demais relatórios já realizados, deveria o Exmo. Juiz a quo determinar a realização de uma segunda perícia ao sinistrado que respondesse cabalmente aos pontos mal avaliados ou totalmente desconsiderados pela Sra. Perita na primeira avaliação. 
17–Desta forma, fácil se torna concluir que o relatório pericial apresentado aos autos, está absolutamente inquinado face à realidade, pelo que, é absolutamente necessária uma nova avaliação de raiz que contemple todos os pontos que o  Autor/Recorrente enunciou no seu requerimento, bem como aqueles que a Sra. Perita considerou, ou não, incorrectamente.
18–Em face de tudo o quanto foi exposto, parece-nos, salvo melhor opinião, desadequado indeferir-se, como se indeferiu no despacho proferido em 9 de Maio de 2017, com a fundamentação de que o requerimento apresentado e respetiva fundamentação  “não cumpre tal ónus”, pelo que se requer novamente a realização de 2ª Perícia considerando tudo o quanto foi aqui exposto. 
19–Como tal, a decisão recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 487.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
20–Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que ordene a realização da 2.ª perícia, nos moldes requeridos pelo Autor.”

Não constam interpostas contra alegações pela recorrida.

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, a única questão a decidir é a seguinte:
a.- Da verificação dos requisitos necessários à admissibilidade de 2ª perícia médico-legal;

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório acima elaborado.
 
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Nos presentes autos está em causa a avaliação médico-legal do dano corporal, ou seja de lesões ou alterações que afectem a integridade física e psíquica de um indivíduo, matéria de consabida complexidade, não só pela necessidade de interpretação e valoração de sequelas, como do estabelecimento do nexo de causalidade entre os alegados factos e os danos ou lesões sofridos.
Para tentar obviar a alguma deste complexidade e subjectivismo na avaliação do dano corporal, quer em sede de acidente de trabalho quer no âmbito civil, optou o legislador pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades (constantes do DL n.º 352/2007, de 23.10), uma no âmbito laboral, dirigida à avaliação dos danos que afectam a capacidade do trabalhador para continuar a desempenhar de forma normal a sua actividade e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente (art.º 1), a denominada “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, outra para reparação do dano em direito civil, a “Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”/”Anexo II”, sendo que esta tabela tem um valor meramente indicativo, porquanto se admite que os peritos se afastem das pontuações nela previstas, vinculando-os apenas, quando isso suceda, a motivar as razões da divergência (art.º 2º, n.º 3, do mesmo DL).
A avaliação destes danos e nexo de causalidade entre o evento danoso e as alegadas sequelas dele resultantes está, por outro lado, cometida nos termos do artº 467 nº3 do C.P.C., aos serviços médico-legais ou peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, in casu ao IML.

Realizada perícia e produzido relatório médico-legal, notificado este às partes, têm estas dois caminhos de reacção ao seu dispor, em caso de discordância com o seu teor:
-a reclamação prevista no artº 485 do C.P.C., se entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas;
-a solicitação de realização de 2ª perícia, nos termos do artº 487 do C.P.C., alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
Esta segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
A reclamação prevista no artº 485 do C.P.C. e a segunda perícia prevista no artº 487 do C.P.C., têm objectivos diversos, visando a primeira que o(s) perito(s) que a elaborou(raram) a corrijam ou completem e a segunda que outros peritos corrijam a eventual inexactidão de que enferma o relatório pericial.
Dito isto, até à Reforma do processo civil, operada por via dos DL nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, o requerente de realização da segunda perícia não necessitava de justificar o seu pedido, nem de alegar quaisquer defeitos ou vícios ocorridos na primeira perícia, nem de indicar as razões por que julgava pouco satisfatório ou pouco convincente o resultado da primeira perícia.
Após aquela reforma e com vista a permitir ao juiz indeferir requerimentos de realização de segunda perícia, meramente dilatórios e impertinentes, sem que a necessária busca da verdade material o justificasse, passou o legislador a exigir, como condição para o deferimento do pedido de realização de segunda perícia, a alegação fundamentada das razões de discordância do requerente em relação à primeira perícia (artº 589 nº1 do C.P.C.)

Passou-se assim a exigir os seguintes requisitos:
“1– Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2– O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3– A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta”
Esta redacção permaneceu sem alterações no actual artº 487 do C.P.C., na redacção introduzida pela lei 41/2013.
A realização da segunda perícia não se configura, portanto, como puramente discricionária, ao sabor da vontade da parte, antes pressupõe que a parte alegue de modo fundamentado e concludente as razões pelas quais discorda do relatório pericial já produzido – ou, no caso de perícia colegial não unânime, do parecer maioritário que fez vencimento, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554; no mesmo sentido acórdão do TRG de 7/05/2013, proc. nº. 590-A/2002, acórdão do TRG de 17/01/2013, proc. nº. 785/06.0TBVLN-A, acórdão do T.R.Porto de 10/07/2013 proc. 1357/12.6TBMAI-A.P1; acórdão do T.R.Coimbra de 24/04/2012, proc. 4857/07.6TBVIS.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Como se refere no acórdão do STJ de 25/11/2004, proferido no proc. nº. 04B3648 (acessível em www.dgsi.pt e em CJ. STJ, Ano XII, Tomo III, pág. 123), citado na decisão recorrida, «[A] expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira».

Ora, do requerimento do A. resulta como alegados fundamentos para a realização da segunda perícia:
-a diferença dos graus de quantificação de incapacidade permanente, constantes de documento particular junto pelo A. aos autos (relatório médico), da incapacidade fixada no âmbito laboral e na agora fixada neste relatório;
-a suposta omissão de sequelas meniscais no referido relatório.

Face a este requerimento não se pode considerar que o pedido de realização de segunda perícia foi feito sem a invocação de qualquer fundamento, simplesmente como bem considera a sentença recorrida, os invocados não são suficientes nem idóneos à realização desta perícia, sendo invocados fundamentos genéricos e vagos, sem indicação precisa dos pontos em discórdia, por forma a delimitar o objecto da segunda e sem indicar os motivos desta discordância para que se possa aferir da utilidade ou conveniência da diligência requerida. (sic)

Denote-se que os procedimentos de avaliação da incapacidade no domínio laboral e em direito civil, são diferentes, sendo as pontuaçãos previstas na denominada “Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” não equivalentes à percentagem de incapacidade, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção (como sequela final da lesão).

No direito civil, a cada sequela é atribuída determinada pontuação (dentro de uma pontuação máxima global de 100 pontos), tendo em conta, designadamente, a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista físico e bio-funcional, pelo que referir-se que a incapacidade atribuída no âmbito laboral não correspondente à do direito civil, é pretender comparar realidades distintas.

Por outro lado, a eventual não consideração de lesões meniscais (o relatório refere na sua página 3, ter sido atribuída IPP de sequelas de meniscetomia, mas não ter registo de lesão meniscal, não tendo sido remetidos todos os elementos solicitados), ou a eventual incompletude do relatório, não dá origem a segunda perícia, mas antes à sua correcção.

Acresce que, qualquer prova pericial só pode e deve ser deferida se for útil à descoberta da verdade material e justa composição do litígio.

Neste caso, a realização de segunda perícia num processo com sete anos de pendência, num acidente ocorrido acerca de 11 anos, constituiria mais um factor dilatório, que as necessidades de determinação das sequelas sofridas pelo A. não impõem, nem justificam, porque já salvaguardadas nos autos pelo relatório médico-legal, podendo sempre serem solicitados esclarecimentos, correcções ou suprimento de omissões. 

Improcede pois a apelação interposta nos autos do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia médico-legal.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante, que decaiu no recurso.



Lisboa 09/11/2017



Cristina Neves                                  
Manuel Rodrigues                                 
Ana Paula A.A. Carvalho



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de
9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

Decisão Texto Integral: