Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1355/17.3T8OER-A.L2-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: FIADOR
INTERPELAÇÃO
CITAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 Não havendo estipulação contratual em contrário, devem os fiadores ser interpelados para lhes poder ser exigido o pagamento da totalidade das prestações em dívida.

2 Ou seja, para poder ser exigido ao fiador o pagamento da totalidade das prestações antecipadamente vencidas por incumprimento de uma das prestações pelo devedor principal é necessária a sua prévia interpelação.

3 E a interpelação dos fiadores pode considerar-se realizada com a citação para a execução, dessa forma se afastando a regra do artº 782º do CC fazendo funcionar o regime do artº 781º do CC.
No entanto, no que tange à mora, os juros apenas poderão ser contados a partir da data da citação

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

IRELATÓRIO.

1–Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que contra eles (e outro) move Banco, SA, vieram os co-executados, FP e, MBP, deduzir oposição à execução, por meio de embargos, pugnando pela respectiva procedência e consequente extinção da execução e, subsidiariamente, se determine que o exequente apenas pode reclamar dos fiadores as prestações que se forem vencendo nos termos estipulados no contrato.

Alegaram, em síntese, que constituíram-se fiadores de seu filho em dois contratos de mútuo para compra de habitação própria. Por razões diversas, deixaram de contactar com o seu filho, apenas agora, com a execução, souberam que ele incumpriu o contrato e que procedeu à entrega do imóvel em dação em cumprimento, ficando ainda em dívida pela quantia de 33 302€. Ignoram como foi feita a avaliação do imóvel e a fixação do remanescente em dívida. Jamais foram interpelados para procederem ao pagamento da dívida; se tivessem tido conhecimento do incumprimento pelo devedor teriam tido a possibilidade de pagar mensalmente as prestações dos mútuos.

Por toda a operação de dação em cumprimento ter sido realizada à sua revelia, não podem sub-rogar-se nos direitos do credor.

A perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações não se estende ao fiador; e mesmo que tivesse ocorrido afastamento da regra do artº 782º do CC o fiador deveria ter sido interpelado para por termo à mora a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações.

Como nunca foram interpelados para por termo à mora, não respondem pelos juros.

2–O exequente contestou.

Afirma que os fiadores foram interpelados por cartas de 14/08/2005, 13/02/2014, 15/05/2014 e 30/05/2014, para que procedessem ao pagamento dos montantes em incumprimento dos contratos de mútuo de que se constituíram fiadores, conforme documentos que junta.

Por outro lado, a citação para a acção executiva vale como interpelação.

Não têm razão, os embargantes, ao invocarem a impossibilidade de sub-rogação, visto que em face do disposto no artº 644º do CC ficam sub-rogados nos direitos do credor na medida em que por eles seja satisfeito.

3–Foi declarada não escrita a petição de embargos quanto à executada MBP.

4–Por despacho datado de 23/11/2018 foi determinada a notificação do embargado para juntar aos autos, em 10 dias, documentos comprovativos da expedição/recepção das cartas cujas cópias juntou com a contestação, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 590º nº 2, al. c) do CPC.

5–Em 10/12/2018, o embargado solicitou a concessão de novo prazo de 10 dias.

Foi indeferida a concessão de novo prazo ao embargado.

6–Após a realização de audiência prévia, foi proferido saneador/sentença, que julgou procedentes os embargos à execução e a declarou extinta.

7–Interposto recurso dessa sentença, por acórdão deste colectivo de 14/05/2020, foi decidido anular o sanedor/sentença, ordenado que os autos prosseguissem os seus termos com a realização da audiência prévia, enunciação dos termos do litígio e temas de prova, pronúncia sobre meios de prova e designação da audiência final.

8–Realizada audiência final, com data de 24/09/2021 foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos à execução e, em consequência declarou extinta a execução.

9–Inconformada com a sentença, a exequente embargada interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

a)-Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. (…) que julgou “os embargos procedentes e declara-se extinta a execução relativamente aos embargantes.”

b)-Primeiro, cumpre desde logo rectificar a douta sentença, porquanto a mesma olvidou que já havia sido declarada não escrita a petição de embargos quanto à executada MBP com a consequente extinção da instância de embargos de executado quanto a si, por impossibilidade superveniente da lide, mediante despacho de 23/11/2018.

c)-Depois, na perspectiva do Recorrente, a reapreciação/reponderação da matéria de facto contestada conduzirá a diferente conclusão quanto procedência dos embargos de executado.

d)-Para efeitos do disposto no artigo 640.º do Código do Processo Civil, o Recorrente não se conforma com a resposta dada à matéria de facto, designadamente ao seguinte facto provado:

“4- A embargada não informou os embargantes dos factos supra.”

e)-E ao seguinte facto não provado:

6- A embargada enviou aos embargantes cartas em 14-VIII-05 (fls 24v e 25v), 13-II-14 (fls 26v-27, e 28v-29), 15-V-14 (fls 30v-31, e 32v-33), e 30-V-14 (fls 34v a 36).”

f)-Depois as conclusões alcançadas quanto às questões de direito analisadas nos autos padecem, salvo devido respeito, de manifesto erro.

g)-Veja-se então: os documentos juntos com os n.ºs 1 a 8 com a contestação, que correspondem à cópia das cartas datadas 14.08.2005, 13.02.2014, 15.05.2014 e 30.05.2014, expedidas para o Embargante e outra para que estes, procedessem ao pagamento dos montantes então em incumprimento, por conta dos contratos de mútuo que serviram de base à presente execução, careciam de ter sido valorados de forma diferente pelo douto tribunal a quo.

h)-Tanto mais que, estes documentos – entre todos, os documentos junto com os n.ºs 2, 4, 5 e 8 - não foram objecto de qualquer impugnação por parte do embargante.

i)-Pelo que, careciam, pois, de ter sido dados como provados - artigos 374.º n.º 1 e 376.º n.ºs 1 e 2 todos do Código Civil.

j)-Resultando, destes, a interpelação de ambos os fiadores, desde logo o embargante FP, para proceder ao pagamento do incumprimento – cfr. documentos juntos à contestação com os nºs 5 a 7.

k)-O meio de prova – documental - supra elencado, aponta, assim, em sentido oposto ao da douta sentença recorrida, devendo alterar-se a decisão da matéria de facto – cfr. artigo 342.º do Código Civil.

l)-Tal como o depoimento de NL prestado na audiência de discussão e julgamento de 10/09/2021 – a qual esclareceu que, as cartas foram efectivamente enviadas. Que, só por o terem sido enviadas é que se encontram digitalizadas no sistema informático do banco. Que, não consta sequer, do referido sistema, uma qualquer tentativa de reenvio, o que reforça a segurança na expedição das mesmas, nem a devolução daquelas, o que a acontecer ficaria registado. E que, do mesmo sistema constam, inclusivamente, interacções com o embargante, com vista ao pagamento da dívida.

m)-Pelo que, e numa primeira síntese, deve proceder o presente recurso, sendo alterada a decisão sobre a matéria de facto, restringindo-a, desde logo, ao embargante, considerando-se se Provado o facto 6) dos factos não provados e, Não Provado, o facto 4 dos factos provados.

n)-Decidiu, ainda, a douta sentença ora recorrida, não considerar interpelados os fiadores para regularização do incumprimento verificado; Cremos que mal.

o)-Desde logo, reitera-se tudo o já supra alegado quanto à impugnação da matéria de facto, resultando manifesto que o Exequente, aqui Recorrente, designadamente por cartas datadas de 14.08.2005, 13.02.2014, 15.05.2014, 30.05.2014, interpelou os fiadores, nomeadamente o aqui Embargante para que estes, procedessem ao pagamento dos montantes então em incumprimento, por conta dos contratos de mútuo que serviram de base à presente execução, cfr. Docs. 1 a 8 juntos com a contestação.

p)-Isto é, o Recorrente demonstrou, à saciedade, de acordo com o artigo 342.º do CC, ter efectuado a interpelação válida e eficaz do Recorrido, à luz do artigo 224.º do Código Civil.

q)-De todo o modo, o que apenas por cautela e mero dever de patrocínio se concede, a omissão da interpelação apenas teria impacto no plano da constituição em mora e nas respectivas consequências: situação que sempre se verificaria, no limite, com a citação para presente a acção executiva.

r)-Donde que, e por mero dever de patrocínio, a interpelação pretendida resultaria sempre dos próprios autos, como vem defendendo a generalidade da Jurisprudência e Doutrina.

s)-A douta sentença em recurso, ao assim não concluir, violou, designadamente, o artigo 610.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil que preceitua que quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.

t)-Ao assim não decidir, a douta sentença recorrida violou, o disposto nos artigos 342.º, 374.º n.º 1, 376.º n.ºs 1 e 2, 627.º e 634.º do Código Civil, e no artigo 610.º n.º 2 alínea b) do Código Processo Civil.

u)-Em conclusão, merece provimento o recurso interposto nos autos, carecendo de ser alterada a decisão da matéria de facto, restringindo-a, desde logo, ao embargante (cfr. o despacho de 23/11/2018), considerando-se Provado o facto 6) dos factos não provados, e Não Provado o facto 4) dos factos provados e a douta sentença revogada e substituída por outra que considere improcedentes os embargos de executado e ordene o prosseguimento da execução, também contra o executado fiador, embargante.

NESTES TERMOS,

Deve ser o presente recurso considerado procedente e, em consequência ser alterada a decisão da matéria de facto, restringindo-a, desde logo, ao embargante (cfr. o despacho de 23/11/2018), considerando- se Provado o facto 6) dos factos não provados, e Não Provado o facto 4) dos factos provados e a douta sentença revogada e substituída por outra que considere improcedentes os embargos de executado e ordene o prosseguimento da execução contra todos os executados.

10-Não foram apresentadas contra-alegações.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações (caso as haja) em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:

a)-A Limitação dos embargos ao co-executado FP.

b)-A Impugnação da Matéria de Facto;

c)-A revogação da sentença, com a pretendida improcedência dos embargos e o consequente prosseguimento da execução.

Vejamos estas questões.

Previamente, importa considerar a factualidade decidida pela 1ª instância.

***

2-Matéria de Facto.

É a seguinte a matéria de facto recebida da 1ª instância:

Factos Provados:

1–Em 13-I-04 exequente e executados outorgaram a escritura de compra e venda com mútuo e hipoteca e fiança junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

2–Em 13-I-04 exequente e executados outorgaram a escritura de mútuo com hipoteca e fiança junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

3–Em 25-II-09 foi celebrada escritura de Dação em Cumprimento e Renúncia de Hipoteca junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – ficando em dívida a quantia de 33.302,20€, relativa aos dois contratos supra.

4–A embargada não informou os embargantes dos factos supra.

5–O 1º executado deixou de pagar as prestações em 10-V-14.

Factos não provados

6–A embargada enviou aos embargantes cartas em 14-VIII-05 (fls 24v e 25v), 13-II-14 (fls 26v-27, e 28v-29), 15-V-14 (fls 30v-31, e 32v-33), e 30-V-14 (fls 34v a 36).

***

3As Questões Enunciadas.

3.1- A limitação dos embargos ao co-executado FP.

Na alegação a exequente/embargada/apelante salienta que a sentença ora sob impugnação, ao decidir Pelo exposto, julgam-se os embargos procedentes, e declara-se extinta a execução relativamente aos embargantes.”, não teve em conta que já havia sido declarada extinta a instância de embargos quanto à co-executada e inicialmente co-embargante, MBP e, por isso, não podia a sentença estender a decisão de procedência a quem (já) não é embargante.

Pois bem, entendemos que a apelante/embargada tem razão quanto a esta questão.

Na verdade, se bem que na petição de embargos à execução constem, inicialmente, como embargantes, os co-executados FP e, MBP, a verdade é que, por despacho datado de 23/11/2018 (conclusão de 22/10/2013) foi decidido:

Nos termos do disposto no artigo 570.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, convidou-se a embargante MBP a vir, no prazo de 10 (dez) dias, a proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, dado o indeferimento do apoio judiciário por si requerido.

(…)

Pelo que fica dito, tendo presente o disposto no artigo 570.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, dá-se por não escrita a petição inicial de embargos quanto à mesma e, consequentemente declara-se extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide quanto à mencionada embargante — cf. artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.”

E essa decisão não foi objecto de impugnação; pelo que transitou em julgado, tendo como consequência, a co-executada MBP, deixado de ser embargante e, por isso, não podia a sentença de embargos considerar que a procedência dos embargos e a consequente extinção da execução se estendia a essa co-executada.

Por conseguinte, a decisão final que vier a ser tomada em sede deste recurso, terá em conta essa realidade subjectiva processual.

***

3.2- A Impugnação da Matéria de Facto.

A apelante/embargada impugna a decisão sobre a matéria de facto pretendendo que seja considerado provado o ponto 6º dado como não provado e, se dê como provado o teor das cartas enviadas ao embargante e, dado como não provado o ponto 4º dos factos provados.

Invoca, para o efeito, o teor das mencionadas cartas, não impugnadas pelo embargante, bem como o depoimento testemunhal de NL de que, segundo ele, resulta o efectivo envio das cartas ao embargante.

Vejamos.

A sentença sob recurso fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto do seguinte modo:

O Tribunal julgou a matéria de facto conjugando o teor da documentação junta aos autos (supra indicada) com o do depoimento produzido em audiência por NL (funcionária da embargada desde 1-VIII-02, nos “serviços de recuperação”) – que, não tendo enviado qualquer carta (ponto 6), explicou que o “sistema informático gera em automático correspondência”, cuja “cópia fica digitalizada no sistema” (o que não se compreende: para quê digitalizar um documento criado digitalmente, e que não contém assinaturas autógrafas?); mais declarou que não tem (no sistema informático) registo de qualquer devolução – mas seria mais útil se tivesse registo do envio (e digitalização dos envelopes enviados).”

Será de manter a decisão da 1ª instância?

Pois bem, em primeiro lugar, quanto à pretensão de ser dado como provado o conteúdo das cartas.

Relativamente ao embargante Fernando, verifica-se que o embargado, ora apelante, juntou com a contestação aos embargos quatro cartas, datadas de 14/08/2005, de 13/02/2014, de 15/05/2014 e, de 30/05/2014. Nessas cartas consta como destinatário “FPe como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº …”. Ora, essas cartas nunca foram impugnadas quanto ao respectivo conteúdo nem quanto à morada de destino: o embargante apenas afirmou nunca ter sido notificado, ou seja, apenas impugnou ter recebido essas cartas.

Se foi ou não interpelado é questão jurídica, como se referiu no acórdão deste colectivo proferido nos autos a 14/05/2020: “…não se podem confundir os conceitos jurídicos (não) notificação”, (invocada pelo embargante) e interpelação (invocada pelo embargado) com o facto material envio da carta (e respectivo conteúdo); será esse facto material, envio da carta (e respectivo conteúdo), que permitirá (depois) concluir se, em termos jurídicos, os fiadores foram ou não interpelados. Aliás, é conhecido o conceito de interpelação: o acto através do qual o credor intima o devedor para que cumpra, rectius, realize a prestação devida. Portanto, face à falta de impugnação do conteúdo das cartas juntas, o (único) facto relevante que permitirá concluir pela realização da “interpelação” ou falta dela é a demonstração do enviodas cartas, já que os destinatários, respectivas moradas e conteúdos não foram impugnados.”

Temos, pois, que deve ser feita referência, na matéria de facto, aos elementos essenciais dessas cartas.

Concretamente:

-Carta datada de “14/08/2005”, tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº…; como assunto, “Regularização do empréstimo 124…; dela constando que “…Este contrato de empréstimo, do qual V. Exa. é Fiador, encontra-se, à data presente, um montante total de incumprimento, incluindo juros de mora/penalização, de 973,73€…” (…) “…solicitamos o pagamento do montante em dívida até 22/08/2005.”

- Carta datada de “13/02/2014” tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº…; como assunto, “Regularização do contrato 124…”; dela constando que “Este contrato de Reestruturação S/Hipo, do qual é Fiador, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 272,18€ calculado à data de 21/02/2014…” (…) “…solicitamos o pagamento do montante em incumprimento.”

- Carta datada de “15/05/2014” tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº 7…; como assunto, “Regularização do contrato 124…”; dela constando que “Este contrato de Reestruturação S/Hipo, do qual é Fiador, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 286,46€ calculado à data de 23/05/2014…” (…) “…solicitamos o pagamento do montante em incumprimento.”

- Carta datada de “30/05/2014” tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº 7…; como assunto, “Regularização do contrato 124…”; dela constando que “Vimos …comunicar que o contrato CH – Regime Geral de que é fiador, se encontra já em fase de Contencioso.” (…) “…verificamos que a situação de incumprimento não foi regularizada. “ (…) “…a que seja efectuado o valor em incumprimento de 286,77€, calculado à data de 09/06/2014, o contrato em epígrafe considera-se imediatamente denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado. Assim, a partir dessa data, será exigido o pagamento da totalidade do seu valor em dívida acrescido de juros vencidos, vincendos e despesas incorridas. “ (…) “…caso não seja pago o montante em dívida no prazo acima indicado…se recorrerá à via judicial, para cobrança coerciva do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo acima mencionado.”

Quanto ao ponto 4º dos Factos Provados.

A embargada/apelante pretende que o ponto 4º dos factos provados seja considerado não provado.

Terá razão?

Recordemos o teor desse ponto de facto:

“4-A embargada não informou os embargantes dos factos supra.”

Ora, este ponto 4º está relacionado com o ponto 3 que considerou provado:

3- Em 25-II-09 foi celebrada escritura de Dação em Cumprimento e Renúncia de Hipoteca junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – ficando em dívida a quantia de 33.302,20€, relativa aos dois contratos supra.”

Portanto, o que no ponto 4º foi dado como provado é que o embargante/executado nunca foi informado pela exequente/credora sobre a realização da escritura de Dação em Cumprimento em consequência da qual a dívida ficou reduzida a 33 302,20€.

Poder-se-á dar esse facto como não provado?

Entendemos que não, por duas razões.

Primeira razão.

A não informação da realização da escritura de dação em cumprimento e do remanescente em dívida de 33 302,20€ foram alegados pelo embargante nos pontos 5 e 6 da petição de embargos, respectivamente 5- Só agora teve conhecimento que o executado PP procedeu à entrega do imóvel ao exequente celebrando uma dação em cumprimento” e, “6- Nenhum dos fiadores esteve presente ou foram informados desta escritura.”

Pois bem, apesar de a exequente/embargada ter dito que impugnava, além de outros, os pontos 5 e 6 da petição de embargos, a verdade é que fê-lo de modo genérico, limitando-se a escrever no ponto 9º da contestação aos embargos São falsos e/ou consistem num desvio à verdade pelo modo como vêm formulados os factos vertidos nos artigos …5 e 6…da douta petição de embargos e que, nessa medida, expressamente se impugnam.”; sendo certo que, em rigor, motivadamente, apenas se limitou a impugnar a (alegada) falta de interpelação para pagamento e, a questão da (alegada) impossibilidade de sub-rogação do fiador.

Ora, como bem ensina o Prof. Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 421) Por outro lado, a circunstância de ser o exequente embargado a ter de provar a causa de pedir da pretensão executiva …mostra que a respectiva demonstração decorrente do título executivo não substitui a prova proprio sensu desses factos constitutivos, antes apresentando a “força probatória da mera aparência”…Pelo contrário, cabe-lhe fazer a prova dos factos impugnados ou dos factos constitutivos da pretensão….

Ora, no caso dos autos, a exequente/embargada não demonstrou/provou que informou o fiador/embargante da realização da escritura de dação em cumprimento nem o informou do remanescente em dívida de 33 302,20€.

Portanto, só por aqui se concluiria não haver fundamento para alterar a decisão da 1ª instância quanto ao ponto 4º dos factos provados.

Segunda razão.

Em rigor, a embargada/apelante não indicou quaisquer meios de prova que, segundo ela, pudesse, levar à modificação do ponto 4º dos factos provados.

Quando se fala em impugnação da matéria de facto pretende-se significar um juízo de discordância com a decisão do julgador acerca de determinado facto. E, para poder alcançar esse desiderato importa que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. No fundo, impõe-se que o impugnante convença o tribunal ad quem que, perante aqueles meios de prova, o resultado do juízo probatório deveria ter sido outro. Não basta expressar a mera discordância com o que foi decidido.

Por outro lado, como é sabido, em matéria de impugnação da matéria de facto, importa ter presente os ónus que o CPC impõe no artº 640º, a cargo do recorrente, quando pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto. Impõe-se ao recorrente, sob pena de rejeição, que:

i)-especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

ii)-especifique os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

iii)-indique a resposta que, no seu entender, deve ser dada às questões de facto impugnadas (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs).

Ora, como se referiu, neste caso, no que toca ao ponto 4º dos factos provados, o embargado/apelante não indicou especificamente quais os meios de prova que, em seu entender determinavam uma diferente decisão quanto àquele ponto de facto.

Assim, também por esta segunda razão se conclui que não pode ser alterada a decisão da 1ª instância quanto ao ponto 4º dos factos provados.

Quanto ao ponto 6º dado como não provado.

A embargada/apelante pretende se dê como provado o ponto 6º invocando para o efeito o teor das cartas datadas de 14/08/2005, de 13/02/2014, de 15/05/2014 e, de 30/05/2014 cujo envio ao embargante, segundo ela, foi confirmado pela testemunha NL.

Recordemos o teor do ponto 6º dado como não provado:

6- A embargada enviou aos embargantes cartas em 14-VIII-05 (fls 24v e 25v), 13-II-14 (fls 26v-27, e 28v-29), 15-V-14 (fls 30v-31, e 32v-33), e 30-V-14 (fls 34v a 36)

Haverá fundamento para alterar a decisão da 1ª instância quanto a este ponto de facto?

Entendemos que sim.

Em primeiro lugar, como se referiu o acórdão deste colectivo, de 14/05/2020, “ …o envio (da carta) pode ser provado por outros meios de prova que não (apenas) o registo da carta ou sequer o aviso de recepção, mormente, por confissão (maxime,judicial provocada) ou por prova testemunhal - pense-se no depoimento testemunhal da pessoa que enviou a carta, ou da testemunha que esclareça o mecanismo ou modo de funcionamento do envio de cartas do género.”

Pois bem, no caso em apreço, verifica-se que as cartas têm como destinatário o embargante, ora apelado, para a morada que corresponde à da citação desse executado para a execução e, à morada que ele fez constar da procuração forense, bem como à morada que indicou à Segurança Social para efeito de Apoio Judiciário.

Por outro lado, a testemunha NL, esclareceu o sistema de envio das cartasaos devedores para lhes dar a conhecer a mora no pagamento de prestações e para lhes solicitar os respectivos pagamentos. Na verdade, esclareceu ela o funcionamento do sistema informático usado pelo banco para o envio de cartas aos clientes e garantes no caso de atrasos nos pagamentos e solicitação desses pagamentos em débito; e explicou que o sistema informático gera automaticamente o envio de cartas e guarda uma cópia dessa carta o que demonstra o envio. Mais esclareceu que, se houver erro, o sistema informático regista esse erro e reenvia novamente as cartas. E esclareceu que o mesmo sucede se ocorrer devolução da correspondência. Mais referiu, como reforço do envio das cartas, que o fiador contactou o banco dizendo que ia falar com o filho e que iria pagar.

Portanto, desse depoimento conjugado com o destinatário e morada constante das cartas, somos a entender que deve aceitar-se que as cartas foram enviadas. Não nos parecendo que seja viável a objecção/dúvida feita pela 1ª instância, para considerar não provado o envio das cartas, ao referir que para quê digitalizar um documento criado digitalmente, e que não contém assinaturas autógrafas?); mais declarou que não tem (no sistema informático) registo de qualquer devolução – mas seria mais útil se tivesse registo do envio (e digitalização dos envelopes enviados)”. Efectivamente, o sistema informático usado pelo banco “prescinde” de intervenção humana directa para o envio das cartas e, está concebido para guardar cópia da carta enviada e, não se vislumbra a necessidade de guardar envelopes porque o remetente e o destinatário estão expressos nas próprias cartas.

Assim sendo, altera-se o ponto 6º, que passa a considerar-se provado, com a seguinte redacção:

6º- A embargada enviou ao embargante as cartas datadas de 14/08/2005, de 13/02/2014, de 15/05/2014 e, de 30/05/2014.

A que acresce o ponto 6º-A com o seguinte teor:

6ºA-Consta dessas cartas:

i)-Carta datada de “14/08/2005”, tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº 7…”; como assunto, “Regularização do empréstimo 124…”; dela constando que “…Este contrato de empréstimo, do qual V. Exa. é Fiador, encontra-se, à data presente, um montante total de incumprimento, incluindo juros de mora/penalização, de 973,73€…” (…) “…solicitamos o pagamento do montante em dívida até 22/08/2005.”

ii)-Carta datada de “13/02/2014” tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº 7…”; como assunto, “Regularização do contrato 124…”; dela constando que “Este contrato de Reestruturação S/Hipo, do qual é Fiador, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 272,18€ calculado à data de 21/02/2014…” (…) “…solicitamos o pagamento do montante em incumprimento.”

iii)-Carta datada de “15/05/2014” tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº 7,…”; como assunto, “Regularização do contrato 124…”; dela constando que “Este contrato de Reestruturação S/Hipo, do qual é Fiador, encontra-se com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 286,46€ calculado à data de 23/05/2014…” (…) “…solicitamos o pagamento do montante em incumprimento.”

iv)-Carta datada de “30/05/2014” tendo como destinatário “FP” e, como morada de destino “Av. 25 de Abril, nº 7,…”; como assunto, “Regularização do contrato 124…”; dela constando que “Vimos …comunicar que o contrato CH – Regime Geral de que é fiador, se encontra já em fase de Contencioso.” (…) “…verificamos que a situação de incumprimento não foi regularizada. “ (…) “…a que seja efectuado o valor em incumprimento de 286,77€, calculado à data de 09/06/2014, o contrato em epígrafe considera-se imediatamente denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado. Assim, a partir dessa data, será exigido o pagamento da totalidade do seu valor em dívida acrescido de juros vencidos, vincendos e despesas incorridas. “ (…) “…caso não seja pago o montante em dívida no prazo acima indicado…se recorrerá à via judicial, para cobrança coerciva do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo acima mencionado.”

***

3.3-A revogação da sentença, com a improcedência dos embargos e o consequente prosseguimento da execução.

A embargada/apelante pretende a revogação da sentença em termos de ser julgada a improcedência dos embargos e se ordenar o prosseguimento da execução.

E fá-lo defendendo, a título principal, a improcedência total dos embargos e o consequente prosseguimento da execução pelas quantias de capital e juros vencidos (e vincendos) constantes do requerimento inicial executivo; e, subsidiariamente,a improcedência parcial dos embargos com o consequente prosseguimento da execução pela quantia de capital constante do requerimento executivo e juros de mora contados desde a citação para a execução.

Vejamos se tem razão, ou em que termos tem razão.

Pois bem, antes de entramos propriamente na questão jurídica, importa elencar um conjunto de factos, com relevância para a decisão do recurso que, de resto, resultam das escrituras juntas à execução e que já havia sido dados como provados na 1ª sentença.

E são esses os seguintes factos:

1.–No dia 13 de Janeiro de 2004, foi celebrada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, mediante a qual, o então, “Banco … S.A.”, concedeu um empréstimo a PP no montante de €114.000,00, destinado à aquisição da fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “N”, que constitui o 5º andar, esquerdo, com um espaço na garagem e uma arrecadação no sótão, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua…, em Linda-A-Velha, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número 3…inscrito na matriz sob o artigo 7… urbano, valor e a reembolsar em 30 anos, em 360 prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 05.02.2004.

2.–Em garantia do bom pagamento da quantia mutuada acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais, o mutuário constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma adquirida, a favor do então “Banco…S.A.”.

3.–Por seu turno, os executados FP e MLP declararam constituir-se “fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco, em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do referido Banco e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a todas e quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor”.

4.–Mais declararam que “a fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma, imputável ao indicado devedor”.

5.Do documento complementar anexo à mencionada escritura e que faz parte integrante da mesma consta, para além do mais, na cláusula 9ª “As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar- se-ão imediatamente exigíveis em caso (…) de incumprimento por parte do mutuário de quaisquer obrigações dele decorrentes (…)”.

6.–No mesmo dia, 13 de Janeiro de 2004 foi celebrada escritura de mútuo com hipoteca e fiança, mediante a qual o então “B…S.A.”, concedeu um empréstimo ao mutuário PP no montante de €50.000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros anteriormente assumidos pelo primeiro outorgante e à aquisição de equipamento para a sua residência, a liquidar em 30 anos, em 360 prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 05 de Fevereiro de 2004.

7.– Em garantia do bom pagamento da quantia mutuada acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais, o mutuário constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma adquirida, a favor do então “Banco …S.A.”.

8.–Por seu turno, os executados FP e MLP declararam constituir-se “fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco, em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do referido Banco e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a todas e quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor”.

9.–Mais declararam que “a fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma, imputável ao indicado devedor”.

10.–Do documento complementar anexo à mencionada escritura e que faz parte integrante da mesma consta, para além do mais, na cláusula 8ª “As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar- se-ão imediatamente exigíveis em caso (…) de incumprimento por parte do mutuário de quaisquer obrigações dele decorrentes (…)”.

11. No dia 25 de Fevereiro de 2009 foi celebrada escritura de Dação em Cumprimento e Renúncia de Hipoteca, mediante a qual, para pagamento de parte da dívida decorrente dos empréstimos supra referidos, que ascendia, nessa data, ao montante global de €179.802,20, procedeu-se ao pagamento de parte da 146.500,00, valor atribuído à fracção autónoma dada de hipoteca ao Banco, através da dação em cumprimento parcial, continuando o mutuário devedor do remanescente, no montante de €33.302,20.

12.–Nessa mesma data e escritura, a procuradora do então “Banco…S.A.”, declarou renunciar, em nome da sua representada, às hipotecas registadas a seu favor, autorizando os respectivos cancelamentos.

15–O executado PP deixou de efectuar o pagamento das prestações acordadas e ainda em dívida, em 10.05.2014.

16.–Os executados FP e MLP foram citados para a execução em 30.05.2017, em Linda-A-Velha.

Considerando esta factualidade bem como aquela que foi fixada acima, vejamos então se há fundamento para revogar a sentença de embargos.

A sentença sob recurso fundamentou a sua decisão de improcedência dizendo:

Demonstrada a falta de interpelação para pagamento da dívida (remanescente) emergente dos contratos (ponto 6), não há dúvida que os embargantes não se encontravam em mora quando foram citados.

A exequente alega que a dívida se tornou totalmente exigível (CC 781º) na data do incumprimento (10-V-14 – ponto 5), mas tal afirmação contraria a alegada carta de 30-V-14, onde é pedido o pagamento de 286,77€ (prestações 122 e 123, vencidas em 10-IV e 10-V-14) até 9-VI-14. (…) … pelo que não houve ainda perda do benefício do prazo para os fiadores (uma vez que os contratos se mantêm em vigor), nos termos do artigo 782º do Código Civil.

Não sendo exigível a totalidade das prestações vincendas (nem juros moratórios, conforme se referiu supra), a execução deve ser extinta.

Será assim?

A primeira questão que se coloca é a de saber se o embargante/fiador foi interpelado pela embargada/exequente. O mesmo é dizer se se pode considerar que mediante as cartas remetidas ao fiador/embargante se pode considerar que ele foi interpelado para cumprir/pagar a quantia de capital em dívida – 26 682,29€ - cujo pagamento coercivo é solicitado na execução.

Recordemos que, como se referiu no acórdão proferido nos autos a 14/05/2020, a interpelação é o acto através do qual o credor intima o devedor para que cumpra, rectius, realize a prestação devida.

Ora, no caso em apreço, em nenhuma das quatro missivas a exequente credora intimou o fiador para pagar aquela quantia.

Na verdade, a carta de 14/08/2005 mostra-se irrelevante para a execução na medida em que é de data muito anterior à escritura de dação em cumprimento de que resultou, no essencial, o capital em dívida.

Na carta de 13/02/2014, enviada após aquela escritura de dação em cumprimento, a credora informa o fiador estar em dívida 272,18€ e pede o respectivo pagamento.

Na carta de 15/05/2014, a credora informa o fiador que esta em dívida a quantia de 286,46€ e solicita o respectivo pagamento.

Na missiva de 30/05/2014, a credora informa o fiador que se não for pago o valor de 286,77€ em incumprimento, se considera o vencimento antecipado e, será exigido o pagamento da totalidade do valor em dívida acrescido de juros.

Para se analisar a questão importa ter presentes os artigos 781º e 782º do CC.

Assim:

Artigo 781.º - (Dívida liquidável em prestações)

Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

“Artigo 782.º (Perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados e terceiros)

A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.

Em termos simples, resulta do artº 781º do CC que faltando o devedor ao cumprimento de uma das prestações o credor pode exigir-lhe (interpelá-lo de acordo com o artº 805º nº 1) o cumprimento das prestações, ou seja, a totalidade da obrigação.

Do artº 782º decorre que a perda do benefício do prazo pelo devedor, em resultado (além do mais) da aplicação do artº 781º, não se comunica automaticamente, entre outros, ao fiador (terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia).

Assim, para poder ser exigido ao fiador o pagamento da totalidade das prestações antecipadamente vencidas por incumprimento de uma das prestações pelo devedor principal é necessária a sua prévia interpelação.

Ora, o vencimento e exigibilidade da obrigação são realidades distintas.

Vencimento é o momento em que a obrigação deve ser cumprida e, o que resulta do artº 781º do CC é, precisamente, o vencimento de todas as prestações na falta de realização de uma delas.

Já a exigibilidadereconduz-se à qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação ao devedor (Cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 230).

Em face do devedor (principal) a perda do benefício do prazo tornou a quantia que faltava saldar do empréstimo em obrigação pura, permitindo que o credor possa exigi-la pela totalidade, embora não se vença enquanto o credor não interpelar o devedor.

Ora, como se refere no acórdão do STJ, de 11/03/2021 (Fernando Baptista) “…se a aludida interpelação é exigida para o devedor principal, por maioria de razão o é para os fiadores…. Ou seja, não havendo estipulação contratual em contrário, devem os fiadores ser interpelados para lhes poder ser exigido o pagamento da totalidade das prestações em dívida.

Ora, como vimos, no caso dos autos, o fiador não foi interpelado para pagar a totalidade da dívida que resultou do vencimento antecipado da totalidade das prestações.

E terá essa falta de interpelação como consequência a inexigibilidade da quantia em dívida como defendeu o fiador/embargante e foi decidido pela 1ª instância?

Entendemos que não.

Embora a jurisprudência não se mostre pacífica acerca da questão, salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que a interpelação dos fiadores pode considerar-se realizada com a citação para a execução, dessa forma se afastando a regra do artº 782º do CC fazendo funcionar o regime do artº 781º do CC (Cf., entre outros, acórdãos do STJ, de 11/03/2021 (relator, Conselheiro Fernando Baptista, tendo como adjuntos, os Conselheiros Abrantes Geraldes e Tomé Gomes); de 14/10/2021, (relator, Conselheiro Fernando Baptista, tendo como adjuntos, os Conselheiros Vieira e Cunha e Abrantes Geraldes); que expressamente decidiu “A ausência de comunicação/interpelação aos fiadores não afasta, porém, a relevância da posterior citação destes para a execução, considerando-se realizada a necessária interpelação admonitória dos fiadores com essa citação, dessa forma afastando a regra do artigo 782.º e fazendo funcionar o regime do artigo 781.º, com exigibilidade, a partir da citação, de todas as prestações em dívida e devidas até ao final dos prazos dos contratos, contando-se os juros moratórios, apenas, a partir daí”. (cf., ainda, Acórdão da Relação de Évora, de 11/02/2021 (Tomé de Carvalho).

No entanto, no que tange à mora, os juros apenas poderão ser contados a partir da data da citação.

Deste entendimento decorre que, no caso dos autos, em relação ao fiador embargante, somente a partir da sua citação para a execução poderá ser-lhe exigido o pagamento de juros sobre a quantia de capital em dívida, de 26 682,29€, correspondente ao somatório da totalidade das prestações em dívida.

Assim, o recurso procede parcialmente.

***

IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, julgam os embargos à execução parcialmente procedentes em relação ao embargante fiador FP, ordenando o prosseguimento da execução quanto a ele pela quantia de capital de 26 682,29€, acrescida de juros de mora, estes contados desde a citação ocorrida a 30/05/2017.

Custas na acção e no recurso na proporção de 9/10 para o embargante (que beneficia de apoio judiciário) e de 1/10 para a exequente embargada.

Lisboa, 07/04/2022

(Adeodato Brotas)

(Octávia Viegas)

(Maria de Deus Correia)