Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
942/06.0TBCSC.L2-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ACESSÃO
BOA-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–O conceito de boa-fé a valorar para efeito de acessão, impunha que os AA. desconhecessem ab initio que o terreno em causa fosse alheio, o que não se verifica.
II–Desde logo, porque as autorizações dadas pelo Estado partiram sempre do pressuposto de que o imóvel em causa estava implantado no domínio público e que não havia ofenda de direitos de terceiro.
III–Daí que as construções feitas pelos AA. não foram de má-fé, logo, não têm o ónus de pagar as despesas respeitantes à remoção do edificado.
IV–Circunstancialismo esse que prejudica qualquer outro direito dos AA., nomeadamente, o também alegado direito de superfície.

(Acordam elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.



RELATÓRIO:


Na qualidade de HERDEIROS DE ANTÓNIO ... ...:
- NÉLIDA ... VASQUES, viúva, residente na Rua José Falcão, nº 59, 3º Dto. Lisboa.
- ANTÓNIO PEDRO ... ..., casado, economista, residente na Av. Fontes Pereira de Melo, nº 42ºA, Lisboa.
- NUNO PAULO ... ..., casado, economista, residente na Rua Major Neutel de Abreu, nº 3, 3º Frente, Lisboa.
Na qualidade de HERDEIROS DE MANUEL ... ...:
- MARIA DEL ROSÁRIO ... ..., viúva, residente na Alameda Afonso Henriques, 56, 2º Esq. Lisboa.
- LUÍS MIGUEL ... ..., casado, empresário, residente na Rua Manuel Teixeira Gomes, nº 53, 8º Dto. Carnaxide.
- RUI MANUEL ... ..., divorciado, residente na Alameda Afonso Henriques, 56, 2º Esq. Lisboa.
- ... - Sociedade Revendedora de Mariscos Lda., Pessoa Colectiva nº 500 518 513, com sede na Rua Barros Queirós, 31, 2.2, 1100 - 076 Lisboa.

Vieram intentar a presente acção declarativa de condenação com forma ordinária, contra:
- QUINTA DA ..., SGPS SA, com sede na Quinta da ..., Casa da Quinta, nº 25, 2750 - 715 ...,

Pedindo:
- A condenação da R. a reconhecer que os AA., mediante o pagamento de €9.930,00 (nove mil, novecentos e trinta euros) são comproprietários, por via da acessão industrial imobiliária, da parcela de terreno onde se encontra edificado o Viveiro ..., parcela esta com a área total de 3.310,00 m2, sita no Lugar do ... ..., ..., concelho de ..., a qual confronta a Norte e Sul com Quinta da ... SGPS - SA, a Nascente com a EN 247 numa extensão de 61m e a Nascente com mar e Quinta da ... SGPS-SA;
- O cancelamento da inscrição registral em vigor relativamente à parcela supra referida e, consequentemente, proceder à desanexação de tal parcela do prédio registado sob o nº 08894 na 1ª Conservatória do Registo Predial de ...;
- A abster-se no futuro da prática de qualquer acto ou actividade que impeçam ou dificultam o livre acesso ao Viveiro;
- A demonstração da retirada de toda a vedação que cerca a parcela acima mencionada, bem como, proceder à reposição da estrada de acesso ao viveiro ao estado em que se encontrava antes da abertura das valas.

A título subsidiário peticionam que:
- A R., na qualidade de dona do referido terreno, seja condenada a pagar uma indemnização aos AA. pelo valor que as obras tinham ao tempo da incorporação, actualizada de acordo com as taxas de inflação, ou seja, no valor de €1.334.400,00 (um milhão, trezentos e trinta e quatro mil, mais quatrocentos euros).

Alegam para o efeito e, em resumo, que:
- Entre o primeiro trimestre de 1966 e Fevereiro de 1967, os donos da obra de construção, um viveiro de marisco denominado Viveiro ... que situam, foram os irmãos ANTÓNIO e MANUEL ... ... e, entre Março de 1967 e o segundo trimestre de 1968, o dono de obra da referida construção foi a ora A ....
- O viveiro ... foi considerado operacional no final de 1968 e desde logo a ... assumiu, na prática, a gestão e funcionamento do mesmo, muito embora, a respectiva concessão ainda figurasse em nome de ANTÓNIO A...L....
- Acordou-se com o Senhor ANTÓNIO A...L... que, este iria deixar caducar a concessão que lhe tinha sido atribuída pelo Estado, a fim de, com tal caducidade, a ... requerer a atribuição da nova concessão de exploração do viveiro ao Ministro da ..., atribuição que foi deferida por Despacho do Senhor Ministro da ... de 8/3/71.
- A Autora ..., desde 1971 e mediante concessão atribuída pelo Estado Português, encontra-se autorizada a explorar comercialmente esse viveiro de marisco denominado Viveiro ....
- A ..., desde 1971 passou a dispor de uma parcela com cerca de 3.310 m2, apta a servir o viveiro ... em termos da sua funcionalidade e operacionalidade, na convicção que estaria a utilizar terrenos do Domínio Público Marítimo, ao abrigo das licenças administrativas, plenamente convencidos que, ao realizarem a obra que realizaram, não estavam a violar o direito de propriedade de ninguém, pelo que, nesta mesma data, estavam ambos de total boa-fé.
- Por sentença judicial de 14/7/76, transitada, os anteriores possuidores do prédio tinham obtido a condenação do Estado a reconhecer ser tal prédio sua propriedade privada.
- No dia 20/10/05, a ... recebeu uma carta registada com aviso de recepção da Ré, na qual se invocava ser a Ré proprietária do terreno onde está instalado o Viveiro ....
- O prédio estéril e a capacidade construtiva do terreno é muito limitada e o DL 468/71, de 5 de Novembro passou a estabelecer uma servidão que garantia o acesso às águas e a passagem ao longo das águas, impedindo-se assim a existência de praias privativas.
- Em 1968, com as necessárias actualizações decorrentes da taxa de inflação, a parcela de 3.310,00 m2 do prédio descrito sob o nº 08894 na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., valeria a quantia de €9.930,00; o valor da edificação - o Viveiro ..., a preços de 1968, actualizados por via da taxa de inflação, vale a quantia de €1.334.400,00.
- O Viveiro ..., no contexto do prédio rústico descrito sob o nº08894, veio, à data da sua incorporação no prédio, a constituir uma unidade dotada de autonomia económica em relação ao prédio onde foi incorporado, porque em 1968, não existia no prédio qualquer outra actividade económica.
- A autonomia económica do Viveiro ... comporta não só a área de terreno onde o mesmo está implantado, mas também a área necessária às operações de carga e descarga de marisco e de transporte de água salgada, área com 3.310,00 m2.
- Pelo que a parcela, aquando do fraccionamento passou assim a confrontar a norte e a sul com o então domínio público marítimo (hoje Quinta da ... SGPS SA), nascente com a EN 247 numa extensão de 61 m e a poente com o mar e o domínio público marítimo (hoje Quinta da ... SGPS SA), confrontações essas que se mantêm atuais.
- No dia 23 de Dezembro de 2005, e sem qualquer aviso prévio, a Ré procedeu à instalação de uma vedação com rede de arame farpado em torno do Viveiro ..., abrindo duas valas na estrada pela qual se tinha acesso ao viveiro, com a afixação de cartazes de grandes dimensões publicitando a invocada qualidade de proprietária do terreno tal vedação tornou muito mais difícil o acesso pedonal ao viveiro, tendo ainda impossibilitado o seu acesso, em condições de segurança, das viaturas automóveis.
- Se o valor da coisa incorporada em relação à parcela de terreno onde foi construída, vale menos do que tal parcela, a coisa incorporada - viveiro, será adquirida pela Ré, mediante o pagamento por parte desta aos AA. de uma indemnização do valor que a coisa tinha à data da incorporação, actualizada de acordo com as taxas de inflação - €1.334.400,00.

A Ré contestou, deduzindo a excepção de ineptidão da petição inicial, invocando a má-fé dos Autores, impugnando e reconvindo.
- Negou, entre o mais, que a ... tenha a concessão e esteja autorizada a explorar o viveiro ...; que tenha havido qualquer espécie de fraccionamento e exista um lote de terreno; que este tivesse a área de 3.310 m2;
- Que os AA. não sabiam estar a lesar os direitos de terceiros;
- Que a R. tenha dificultado o acesso ao viveiro e a que ... esteja a sofrer prejuízos causados pela actuação da R.;
- Afirmou que se foram os irmãos ... que procederam à construção do edifício, estas reverteram para o Estado em 1969 e que não era viável a desanexação na data da construção do viveiro, porquanto o terreno não era destinado à agricultura mesmo nesse momento, por força de despachos que aprovaram o plano de urbanização da ... de 1957 e 1867 e plano de pormenor de 1968.

Em reconvenção:
- Que seja reconhecida e declarada a titularidade do direito de propriedade da parcela de terreno onde se encontra implantado o edifício do viveiro, e demais edificações, assim como da restante parcela de terreno que circunda o referido edifício;
- E os AA. condenados a desocupar e entregar à R. o terreno onde se encontra edificado o viveiro ..., bem como a parcela de terreno circundante, por onde se acede a pé ou em veículo;
- Os AA. condenados a entregar à R. o edifício do viveiro ..., a fim de esta tomar posse do terreno;
- Ordenada a demolição do edifício, a fim de repor a situação anterior, incluindo a requalificação ambiental de toda a área ocupada:
- Os AA. condenados a pagar à R. uma indemnização correspondente ao valor necessário à demolição, reposição e requalificação, que se estima em €750.000,00;
- Os AA. condenados pagar à R. a indemnização no valor de €2.151.500,00 caso proceda a pretensa aquisição do direito de propriedade por via da acessão;
- Mais pediu que todos os AA. e os representantes da ... sejam condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização à R..

Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência da excepção dilatória; bem como, pela falta de razão da Ré ao invocar a excepção de reversão do viveiro para o Estado.

Saneados os autos procedeu ao julgamento da causa e foi proferida a seguinte SENTENÇAPARTE DECISÓRIA:

“-…-

Decisão
Por todo o exposto:
- Julga-se a acção improcedente e em consequência absolve-se a Ré do pedido, na totalidade.
- Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e parcialmente improcedente e em consequência:
a)-Condenam-se os Reconvindos a reconhecer a titularidade do direito de propriedade da parcela de terreno onde se encontra implantado o edifício do viveiro e demais edificações, (melhor descrito na matéria de facto provada, que se encontram no interior do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... com o nº 08894/030417) e declara-se a titularidade da Ré sobre a titularidade do direito de propriedade sobre essa parcela de terreno e bem assim como da restante parcela de terreno que circunda o referido edifício.
b)-Condenam-se os Reconvindos a desocupar e entregar à Reconvinte o terreno onde se encontra edificado o viveiro ..., bem como a parcela de terreno circundante, por onde se acede a pé ou em veículo.
c)-Condenam-se os Reconvindos a entregar à R. o edifício do viveiro ..., a fim de esta tomar posse do terreno.
d) Absolvem-se os Reconvindos de todo o demais peticionado.
Custas pelos Autores e Ré, sendo os primeiros na proporção de 4/5 e a segunda de 1/5.
-…-”

Desta sentença vieram os AA. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I)-Pese embora a matéria de fado dada como provada, o Meritíssimo Tribunal "a quo" entendeu não estarem reunidos os requisitos que possibilitam a aquisição por acessão, razão pela qual os Autores, ora Apelantes não podem conformar-se com a douta sentença proferida.
II)-Na situação "subjudice" encontra-se em causa a acessão industrial imobiliária e, mais concretamente, aquela que é prevista pelo Artº1340º do Código Civil, ou seja, a construção de obra em terreno alheio.
III)-Os dois requisitos essenciais da acessão que se referiram decorrem claramente da matéria de facto que foi dada como provada: (i) das alíneas ZZ), BBB) a KKK), YYY) a MMM) do relatório constante da douta decisão resulta inequívoco que os ora Apelantes construíram o viveiro de mariscos em causa nestes autos e que suportaram os custos, quer dessa construção, quer dos materiais utilizados; (ii) da alínea C) do relatório de fado constante da douta decisão resulta inequívoco que a obra foi realizada em terreno alheio, tendo sido reconhecido que o prédio onde se encontra implantado o viveiro é propriedade privada desde 1811.
IV)-Em relação à propriedade do prédio onde foi feita a incorporação haverá que salientar que existe douta sentença que reconheceu, como se reitera, ser este propriedade privada desde 1811.
V)-Deste modo, não é a partir apenas do trânsito em julgado da douta sentença descrita na alínea C) do relatório de facto constante da douta decisão que o prédio passou a ser propriedade privada, pois, para todos os efeitos jurídicos, essa propriedade já existia desde 1881.
VI)-E, por isso, aquando da incorporação o terreno era inequivocamente privado e a licença que autorizou a construção do viveiro e que pressupunha que esse terreno seria domínio público marítimo, constituía acto nulo e que nenhum efeito poderia ter.
VII)-Desta forma, não se compreende como pode a douta sentença ter entendido que existia da parte dos Apelantes uma autorização que constituía relação jurídica susceptível de impedir a aquisição por acessão.
VIII)-Pese embora não resulte da formulação legal, tem vindo a ser entendido por parte da doutrina, que"a aquisição por acessão é sempre subordinada (...) à falta (...) de um título que dê, de per si, a origem e disciplina da situação criada."(Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado, Vol. II, pag.163).
IX)-Não obstante e ainda que se pugnasse pela posição jurídica em questão, esta não poderia impedir, o direito de acessão dos Apelantes, porquanto e como se apontou, a construção do viveiro foi por estes realizada sem qualquer título, uma vez que, na data em que lhes foi concedida a licença para tal a entidade licenciadora não era titular do terreno.
X)-De qualquer modo, a construção jurídica a que se fez referência destina-se sobretudo, a permitir a distinção entre as situações em que se aplica o regime das benfeitorias e aquelas em se aplica o regime da acessão.
XI)-Ora, o "regime das benfeitorias (...) deve ceder sempre que esteja em causa uma situação de acessão, podendo esta ocorrer nos casos em que exista uma relação prévia com a coisa, a menos que esta exclua a aplicação do seus regime (...) tal não sucede se, no entanto, se a lei se limitar a regular o regime das benfeitorias" (Menezes Leitão, "Direitos Reais", pags.239 e 240).
XII)-Pelo que é inquestionável que, ainda que tivesse sido válida a licença concedida, esta não determinaria a aplicação do regime das benfeitorias à construção edificada no local licenciado.
XIII)-Uma outra posição doutrinária e jurisprudencial existe que entende dever ser restringida a acessão quando não tenha ocorrido uma alteração substancial da coisa na qual tenha ocorrido a incorporação.
XIV)-Essa construção jurídica destina-se, também a permitir a distinção entre as situações em que se aplica o regime das benfeitorias e aquelas em que se aplica o regime da acessão, sendo certo que nos autos em questão, não se pode aplicar o regime das benfeitorias.
XV)-Entendeu, porém, o Meritíssimo. Tribunal "a quo" que a benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas, porquanto a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.
XVI)-Em resultado deste entendimento, acrescenta o Meritíssimo. Tribunal "a quo" um novo pressuposto material ao regime da acessão industrial imobiliária, "que a obra não tenha sido efectuada à luz de um regime específico, válido e aplicável, que una o dono de obra ao imóvel e afaste expressamente o regime da acessão. Que não exista uma relação jurídica que vincula a pessoa à coisa beneficiada com regime que afaste a acessão".
XVII)-Ora, este novo pressuposto apenas revelaria para os casos em que existam dúvidas entre benfeitorias e a acessão, sendo que tal questão não se levanta nos presentes autos.
XVIII)-O pressuposto aditado pelo Mº Tribunal "a quo", da inexistência de uma relação jurídica, ainda que inválida, para que possa adquirir-se por acessão não tem consagração legal nem jurisprudencial.
XIX)-Aliás, a ser assim mal se compreendia que a acessão pudesse ter lugar quando o autor da incorporação"desconhecia que o terreno era alheio", pois, essa possibilidade abrange situações em que o título onde se funda a ocupação do terreno é inválido.
XX)-Entendeu ainda o Mº Tribunal "a quo" que os Apelantes tinham o seu direito limitado pela autorização concedida que era limitada e que por isso não poderiam ter a expectativa de adquirir o terreno.
XXI)-Ora, analisados os pressupostos antes mencionados para onde se remete, verifica-se que não é requisito da acessão a expectativa do autor da obra, sementeira ou plantação, em vir adquirir a propriedade do bem.
XXII)-Com efeito, o referido pressuposto apenas é relevante para efeitos de aquisição da propriedade por usucapião, tal como prevista no artigo 1287° do Código Civil.
XXIII)-Pelo que, não sendo a expectativa de aquisição um dos pressupostos da acessão industrial imobiliária, jamais poderia o Tribunal "a quo" vir a indeferir a pretensão dos Apelantes com base nesse argumento.
XXIV)-Aliás, importa desde já referir que os Apelantes nunca tiveram a expectativa de virem adquirir a propriedade do bem, porquanto os mesmos entendiam, erroneamente, que o terreno em causa pertencia ao domínio público marítimo, desconhecendo por completo quem era o real proprietário do mesmo.
XXV)-Mas essa ausência de expectativa não afasta o direito de adquirir por acessão, tanto mais que é inquestionável que, face à dimensão da construção e aos seus custos, a pretensão dos Apelantes era efectivamente a de que a licença se mantivesse por período bastante longo, como usa acontecer com as licenças com a natureza daquela que está em causa.
XXVI)-Aliás, o direito de propriedade não é o único que pode adquirir-se por acessão, pois, "não é (...) restrita à aquisição de propriedade, podendo pela mesma via serem adquiridos outros direitos reais"(Menezes Leitão, obra citada, pag.238).
XXVI)-Ora, mesmo que se considerasse que a expectativa dos Apelantes não seria a de adquirir a propriedade do terreno, sempre teria que admitir-se que estes teriam a expectativa de constituir sobre esse terreno um direito real menor, como o de superfície.
XXVII)-Ou seja, a existir tal pressuposto, sempre a aquisição teria a de ser a do direito real menor mais próximo da expectativa criada pelo título inexistente, e esse, seria o direito de superfície atento âmbito da licença concedida e a definição desse direito.
XXVIII)-Não podendo estar em causa a boa-fé dos Apelantes, como se admite na douta sentença, que é objecto de recurso.
XXIX)-A situação "sub judice" preenche todos os pressupostos legais exigidos para aplicação do regime da acessão industrial, considerando-se como tais os previstos no artigo 1340° do Código Civil.
XXX)-Outra questão e que levou também o Mº Tribunal "a quo" a indeferir a pretensão dos Apelantes é a de saber se o valor da obra é inferior ou não ao do prédio antes dessa obra.
XXXI)-Esse, porém, não é dos pressupostos que determinam a aplicação do regime da acessão, sendo, outrossim, elementos que determinam as consequências da aplicação desse regime e que constam nos números 1 a 3 do Artº1340º do Código Civil.
XXXII)-Nos termos dessa disposição legal, e mais concretamente, do seu nº 1, se o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio foram maior do que aquele que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele.
XXXIII)-Ora, ainda que o terreno em causa ainda não tivesse um valor, o Artº1340º do Código Civil apenas determina como requisito da acessão que o valor das obras para a totalidade do prédio seja superior ao valor que este tinha antes.
XXXIV)-Está apurado o valor da edificação a preços de 1968 e que decorre da alínea RRRR) do relatório dos factos constante da douta sentença, pelo que, qualquer que fosse o valor do terreno sempre a edificação lhe trouxe uma mais-valia correspondente a esse valor demonstrado nos autos.
XXXV)-E, por essa razão, o requisito exigido encontra-se demonstrado nos autos, nada mais sendo ónus dos Apelantes demonstrar, pois, nenhum outro pressuposto se exige como decorre dos doutos arestos antes citados.
XXXVI)-Demonstrados os pressupostos acessão, incumbiria à Apelada, por ser facto que lhe aproveita na medida em daí decorre o seu direito indemnizatório, demonstrar qual o valor do terreno.
XXXVII)-A falta dessa demonstração não pode impedir a aquisição por acessão por parte dos Apelantes, exigindo apenas que, procedente esse pedido, à Apelada incumba a fixação desse valor indemnizatório que lhe cabe em incidente de liquidação posterior, em que não sendo possível tal liquidação seja fixado através da equidade (Artºs.564º e 566º do Código Civil).
Termos em que deverá a douta sentença ser revogada e ser alterada a resposta ao artigo 28º da base instrutória, sempre e ainda que assim não seja deverá douta sentença ser revogada e a presente acção ser julgada procedente, com o que fará JUSTIÇA.

QUINTA DA ..., S.G.P.S., S.A., R./Reconvinte, notificada do recurso interposto pelos AA./Reconvindos, veio responder alegando, em suma, que:

- Os dois factos constitutivos, cumulativos, do direito que os AA. em particular a A. ..., se arrogam titulares não estão por si demonstrados:
a.-O da boa-fé, ou seja, o desconhecimento de que estivessem a construir em terreno alheio ou, se se preferir, em terreno que lhes pertencia, são os próprios AA. a assumir que não só sabiam que o terreno lhes não pertencia como que pensavam que estavam a construir em terreno do domínio público marítimo; sabiam também que os direitos que o Estado lhes conferia eram precários, para se manterem tinha que ser pedida a sua renovação anual e pagas as taxas respectivas; e que não teriam direito a qualquer indemnização pela cessão de licença de exploração além de que poderiam ser obrigados a demolir a edificação
b.-O de o valor do terreno anterior à edificação ser inferior ao da edificação.

- Não poderia, pois, deixar de ser julgada improcedente a acção, como o foi na sentença recorrida.
- Dizem os AA. que não entendem como é que na sentença se pode ter"entendido que existia da parte dos Apelantes uma autorização que constituía relação jurídica susceptível de impedir a aquisição por acessão".

- Isto porque, segundo os Apelantes, sendo o terreno em causa considerado privado desde 1811, a licença que autorizou a construção do viveiro em domínio público marítimo seria nula e de nenhum efeito.
- Pasme-se com a argumentação dos Apelantes: pretendem anular a relevância das licenças que serviram e base à sua argumentação para lhes conferir direitos de aquisição, à boleia de uma sentença de 1976 que reconheceu a propriedade privada à antecessora da Apelada e que assim, desse modo, lhes conferiria os direitos que alegam ser titulares.
- E naturalmente que para recorrerem a esta argumentação os Apelantes tiveram que omitir o requisito essencial da aquisição industrial imobiliária que é a boa-fé do incorporante.
- Os AA. Apelantes nunca puderam, de modo algum, pensar, vislumbrar sequer, que estariam a incorporar algo em prédio que lhes pertencesse, fosse por se tratar de domínio público marítimo, fosse porque as licenças eram precárias e que a sua caducidade implicaria a perda de qualquer direito sobre benfeitorias e até a obrigação de demolir o que tivessem edificado.
- Mas, segundo a argumentação dos AA., em 2005, constatando que a propriedade seria da Apelada, então, teriam passado a ser proprietários por terem incorporado edifício em terreno alheio.
- É, de facto, extraordinária a desfaçatez.
- Nem a nova legislação sobre "barrigas de aluguer" permite ir tão longe na ideia de que "quem faz filhos em mulher alheia perde-lhe o tempo e o feitio".
- Repare-se apenas, porque tal bastará para fazer cair a argumentação dos Apelantes, que os acórdãos do STJ de 9fev12 e de 25nov04, invocados e transcritos parcialmente por aqueles, destacam, coincidentemente como requisito da acessão: "que o interventor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica)"; "a boa fé do autor da incorporação".
- E também o acórdão do STJ de 6jul06, faz constar como requisito da acessão que a incorporação tenha sido "de boa-fé".
- Não foi, nem é, manifestamente, o caso dos AA./Apelantes.
- Para não falar dos demais requisitos, como seja o de a obra ter trazido maior valor ao prédio incorporado, o que, como já referido, os AA/apelantes não lograram provar.
- Não interessa se os AA. sabiam que o local pertencia ao domínio público ou se ficaram a saber que era propriedade privada.
- O que interessa é o momento em que o acto é praticado e a situação psicológica do agente incorporante.
- Ora, os AA. sabiam que o terreno não era seu. Ponto final. Parágrafo.
- No mais, e realçando-se que os AA./Apelantes não impugnam a decisão sobre a matéria de facto, limitam-se os AA./Apelantes a distorcer a realidade fáctica dada como provada e como não provada, sem que tal exercício possa ser tido em consideração.
- Não só se encontra demonstrada, ab initio, a ausência do requisito essencial "boa-fé" dos AA./Apelantes, como os mesmos não se desincumbiram do seu ónus probatório, não conseguindo provar os demais requisitos da acessão industrial imobiliária que invocam para pretensamente ser reconhecida a sua aquisição do direito de propriedade sobre o terreno da R./Apelada.
Termos em que se requer seja o presente recurso julgado improcedente.
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-Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
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APRECIANDO E DECIDINDO.
Thema decidendum
- Em função das conclusões do recurso, temos que:
Os AA. pugnam pela revogação da sentença recorrida e consequente, reconhecimento da sua propriedade do terreno em causa, por acessão.
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- Apuraram-se os seguintes FACTOS:
A)-Proveniente da matéria de facto assente, (com coincidência na letra que os elenca).
A)-Mostra-se descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... com o nº 08894/030417 o prédio rústico sito no Lugar do ... Raso, Estrada Nacional nº 247, constituído por uma parcela de terreno predominantemente rochoso e estéril com a área de 46.062 M2, a confrontar do norte com Abano-Empreendimentos Turísticos, AS; Sul ... Raso - Sociedade de Empreendimentos Turísticos AS; Nascente Estrada Nacional nº 247, numa extensão de 520 m e poente com o mar – Oceano Atlântico, nele se integrando uma parcela de terreno situada no patamar do rochedo, denominada "sítio da Laginha", Ponta do Navio, nas arribas.
B)-Pela apresentação nº17/2003-04-17 foi inscrita no registo Predial a aquisição do prédio referido em J. a favor da Quinta da ..., SGPS, por divisão de coisa comum com ... Raso-Sociedade de empreendimentos Turísticos; Guia - Sociedade de Construções e
C)-Por sentença proferida em 14 de Julho de 1976 pelo 11º Juízo Cível da Comarca de Lisboa no processo nº 4455 foi reconhecido ser o prédio referido em A) propriedade privada desde 1811, constando tal sentença de fls. 188 a 208, na qual consta de fls. 1833 v e 1834 desses autos que"os factos provados ressalta que a autora e os ante possuidores da propriedade "..." tem possuído esta, desde a sentença de 9-10-1811 com os limites e confrontações aí fixados, sendo tais limites o mar e as arribas do mar. Por outro lado, a autora tem a seu favor a presunção do registo a partir de 17-07-89 (...) sendo certo que tal registo menciona como confrontações o mar. (...) resulta para a autora uma presunção que os réus não ilidiram". Termina essa sentença com a seguinte decisão: “Julga-se procedente e provada a acção e assim decide-se que a propriedade denominada "..." incluindo a parte que fica abaixo da estrada que vai de ... para o ..., desde o farol da Guia até terrenos da Crismina tem as confrontações constantes das decisões judiciais números 9484 e 9485 da Conservatória do registo Predial de ... (...) pertence à autora Sociedade Comercial Financeira, Limitada, hoje transformada em Turmar - sociedade de Empreendimentos Turísticos, AS, e que deve ser reconhecido pelo Réu Estado e pelos RR (...)".
D)-Por despacho do Senhor Ministro da ... de 20-08-64, foi autorizada a instalação do depósito de lagostas e lavagantes - Viveiro ... - conforme ofício de o8-09-64 da Capitania do Porto de ...enviado à Direcção da Hidráulica do Tejo (ver fls. 65 dos autos).
E)-A comissão do Domínio Público Marítimo, pelo seu Parecer de 28/7/64, entendeu que podia ser permitido pelo Ministério da ... o estabelecimento de depósito fixo de lagostas e lavagantes vivos nas condições requeridas por António A...L.... (Doc. 10).
F)-Por ofício de 25/8/64 dirigido pela Direcção-Geral das Pescarias do Ministério da ... à Capitania do Porto de ... foi informado que o Ministro da ... tinha deferido o requerimento de António A...L... e em que este pedia para estabelecer um depósito fixo de lagostas e lavagantes no sítio da Lajinha, a denominar Viveiro ... (Doc. 11).
G)-Por ofício da Capitania do Porto de ... de 8/9/64 dirigido à Direcção da Hidráulica do Tejo comunicou-se que o Ministro da ..., pelo seu despacho de 20/8/04, tinha concordado com a informação da Direcção das Pescarias referida no artigo anterior (Doc. 12).
H)-Na sequência dessa autorização António A...L... requereu à entidade administrativa a emissão de licença para construção do viveiro, tendo sido concedido pela Direcção dos Serviços Hidráulicos do Ministério das Obras Públicas através da licença de obras nº 671/1965 de 19-08-65 (ver fls. 66 a 69 dos autos).
I)-Posteriormente, em nome de António A...L... foram emitidas mais três licenças por parte dessa Direcção: licenças nºs 388/1966, 627/1969 e 865/1970 (ver fls. 71 a 73 dos autos principais).
J)-Pelo referido António A...L... foi requerido o licenciamento da obra de construção do viveiro “...”, apresentando a memória descritiva e justificativa que consta de fls. 764 dos autos de procedimento cautelar, licenciamento este que lhe foi deferido em 28-05-65 tendo a licença sido emitida pela Câmara Municipal de ... em 18-10-65 (ver docs. de fls. 74 a 99 dos autos).
K)-Todas estas licenças foram requeridas por António A...L... a pedido dos requerentes António ... ... e Manuel ... ..., pois que em 1965 só portugueses podiam requerer a concessão de exploração de depósitos de lagostas e lavagantes e os referidos António ... ... e Manuel ... ... eram de nacionalidade Espanhola.
L)-Os irmãos António e Manuel ... ..., juntamente com Rui Manuel ......, Luís Miguel ... ..., Anita Miguel ... ... e António Pedro ... ... constituíram uma sociedade comercial cujo objecto social consiste na exploração de viveiros de marisco, a ... Sociedade Revendedora da Marisco, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Franca de Xira em 17-05-67 (ver certidão de fls. 162 e ss. dos autos de procedimento cautelar).
M)-Atendendo a que a ... era uma sociedade comercial constituída segundo a lei Portuguesa e com capital social maioritariamente Português (Doc. 19), acordou-se então com o Senhor António A... L... que, este, iria deixar caducar a concessão que lhe tinha sido atribuída pelo Estado, a fim de, com tal caducidade, a ... requerer a atribuição da nova concessão de exploração do viveiro ao Ministro da ....
N)-Tendo tal concessão caducado em 31/12/69 nos termos do então em vigor "Regulamento da Pesca das Lagostas e Lavagantes", conforme ofício de 16/2/70 do Capitão do Porto de ....
O)-A ..., solicitou, então, ao Ministro da ... em 21-07-70 que lhe fosse concedida a concessão do viveiro ..., tal e qual como o mesmo se encontrava desde a sua construção - cfr. doc junto aos autos principais com o nº 22 a fls. 101.
P)-O que foi deferido por despacho do Senhor Ministro da ... de 08-03-71, tendo a Capitania do Porto de ... lavrado o respectivo termo de concessão (docs. nºs 23 e 24 dos autos principais).
Q)-Pela Comissão do Domínio Público marítimo do Ministério da ... foi proferida a 05-01-71 a decisão que consta de fls. 225 e 226 na qual consta, para além do mais, que: "A ..." Sociedade Renovadora de Mariscos Limitada (...) requereu em 2 de Janeiro de 1970 ao Ministro da ... a concessão de um outro depósito já construído, denominado "Viveiro ..." localizado no sítio da Lajinha, Ponte do Navio, nas arribas junto ao farol do ... Raso (...) Depois de tudo visto e ponderado, esta comissão do domínio público Marítimo é levada a reconhecer o seguinte: (...) b) O viveiro agora pretendido pela "..." foi construído ao abrigo de uma concessão dada a António A...L... (...) Aquela concessão caducou em virtude do mesmo António A...L... não a ter renovado (...) e) as autoridades a quem foram solicitados pareceres são unânimes em opinar deferimento da pretensão (...) V- Nesta conformidade a Comissão do Domínio Público marítimo é de parecer que deve ser deferida a pretensão da sociedade Revendedora de marisco – ... – para que lhe seja dada a concessão do "viveiro da ...", desde que naquele viveiro sejam efectuadas pela firma requerente as convenientes beneficiações e sejam observadas as prescrições legais que interessam a tais construções (...)” - (ver fls. 225 a 227 dos autos de procedimento cautelar).
R)-Pela Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos foi emitida em 10-08-1970 a licença n.2 865/7o a António A...L... na qual consta, além do mais que"a presente licença requerida para (...) manutenção de um depósito fixo para mariscos, denominado "Viveiro ..." e de um muro de alvenaria para suporte de terras, tudo situado no ... Raso, "Lajinha". Em terreno do domínio público marítimo (...) Ficando o seu titular sujeito às seguintes condições: 1º-a obra será mantida em harmonia com o respectivo projecto e segundo as indicações da fiscalização destes serviços; 2º-a obra será somente utilizada para viveiro de mariscos e suporte de terras, fim que não pode ser alterado sem prévia autorização superior; 3º-esta licença é concedida a título precário, sem prejuízo de direitos de terceiros e com a condição expressa de que se por razões de interesse público, incluído a execução de planos de urbanização superiormente aprovados, ou as navegação e flutuação, for necessário desfazer ou alterar a obra a que ela se refere, o seu titular não terá direito a indemnização alguma, nos termos do regulamento dos serviços hidráulicos e mais legislação aplicável; 4.°-esta licença é válida pelo prazo de cinco anos, a contar de 19 de Agosto de 1970 e poderá ser prorrogada por iguais períodos e nas mesmas condições se o seu titular assim o requerer com antecedência mínima de trinta dias do seu    termo e ao estado convier (...). 5º- pela ocupação da área de 327, o m2 de terreno do domínio público marítimo , representada na planta do projecto será paga anualmente a quantia de 2.616$00 (...). 6º-desde que a prorrogação não seja requerida ou a licença tenha de ser considerada caduca por razões diferentes das que constam da condição terceira, as obras executadas reverterão, sem direito a qualquer indemnização, a favor do estado, que delas disporá como entender, bem como do terreno ocupado (...) 13º- a presente licença apenas permite a manutenção da construção nas condições em que foi anteriormente licenciada, não podendo, portanto, o seu titular proceder a quaisquer obras de remodelação ou ampliação(...)" - cfr. fls. 234 a 236 dos autos de procedimento cautelar.
S)-A pedido da ..., António A...L... requereu à Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos que fosse transferida para a ... a última licença emitida para ocupação do terreno com o nº 865/70, o que foi deferido em 05-02-73, conforme ofícios então dirigidos pela Direcção Geral dos Portos ao António A...L... e à ... (ver docs. de 25 a 27 dos autos principais).
T)-O Capitão do Porto de ... em 28-11-1970 remeteu à Direcção das Pescas e do domínio Marítimo uma comunicação cujo teor consta de fls. 238 e 239 informando que, em 31-1269 caducou a concessão do depósito fixo de Lagostas e lavagantes - viveiro ...-atribuída a António A...L....
U)-Em 30/12/73, a Direcção-Geral de Portos emitiu a favor da A. ... a licença para ocupação de terrenos do domínio público marítimo - licença nº150/73.
V)-Licença esta que anulava e substituía a anterior licença nº865/70, de 10 de Agosto de 1970.
X)-Até 1991, a Direcção-Geral de Portos licenciou sucessivamente à ... a utilização de terrenos supostamente integrados no domínio público marítimo, conforme as licenças juntas como Docs. 2 a 22.
Y)-Foi ao abrigo do art.17º do DL 309/93, de 2 de Setembro, que veio a ser emitida a licença de uso privativo de domínio público, a licença nº 3/94, por parte do ICN - Parque Natural Sintra ..., licença esta que, nos termos do seu art.1º, se manteria válida até à entrada em vigor do respectivo POOC.
W)-A Capitania do Porto de ... ao 21 de Fevereiro de 2003 remeteu à Direcção Geral das Pescas e Aquicultura os termos da vistoria anual realizada em 18-02-03 aos Depósitos Fixos de lagostas e lavagantes - cfr. doc. de fls. 69 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Z)-Nessa sequência a Direcção Geral das Pescas e Aquicultura renovou, em 12-03-03, a licença de exploração do depósito de crustáceos - Viveiro ... para o ano de 2003 concedida à ... (ver fls. 70 e 72).
AA)-A 07-04-03 a ... requereu ao Director Geral das Pescas e Aquicultura a renovação da concessão para o ano de 2004 (ver fls. 74).
BB)-Em 30-12-03 a Capitania do Porto de ... remeteu o pedido de renovação da concessão para o ano de 2004 à Direcção geral das Pescas (ver fls. 75).
CC)-Aos 9-3-04 foi lavrado Termo de Vistoria Anual ao depósito fixo de Lagostas e lavagantes “...” pela comissão de vistorias, sendo de parecer que fosse emitida licença (ver fls.77).
DD)-A Direcção Geral das Pescas e Aquicultura decidiu renovar a licença de exploração para o ano de 2004 (ver fls. 79 e 8o).
EE) No dia 23-06-06 a Capitania do Porto de ... emitiu a licença nº995/2005 concedendo à requerente ... licença para a prática do comércio de marisco durante o ano de 2006 (ver fls. 82).
FF)-A Direcção Geral das Pescas, em 04-02-94, deferiu o pedido de renovação da concessão ao depósito "..." para os anos de 1992 a 1994 (ver fls. 215 a 219 dos autos de procedimento cautelar).
GG)-A Direcção-Geral das Pescas em 30-12-91 deferiu o pedido de renovação da concessão para laboração do depósito fixo de lagostas e lavagantes denominado "..." para o ano de 2001 (ver fls. 212 a 214 dos autos de procedimento cautelar).
HH)-A 20-11-1991 a Direcção Geral de Portos remeteu à Euronova, AS, um ofício cuja cópia consta de fls. 220 dos autos de procedimento cautelar, no qual consta, além do mais, que:"quanto aos pareceres que têm sido emitidos por esta Direcção - Geral para as renovações de concessões de viveiros para a zona, tem-se alertado para o facto de ter sido reconhecido como privada toda a orla marítima entre o farol da Guia e a Ribeira da Crismina e tem-se acautelado os cessionários que deverão munir-se de autorização dos proprietários dos terrenos"(ver fls. 220 e 221).
II)-Por ofício de 14-01-91 endereçado pela Direcção dos Serviços de Exploração da Direcção - Geral de Portos ao Capitão do Porto de ... a mesma alerta que: "esses serviços que, à excepção do viveiro "Pedra Chã" (...), todos os restantes viveiros encontram-se em terrenos reconhecidos como privados, pelo que os concessionários deverão munir-se das necessárias autorizações dos proprietários dos terrenos para laboração"(ver fls. 222 dos autos de procedimento cautelar).
JJ)-Em 06-10-05 a Direcção Geral das Pescas enviou uma carta à requerida com o teor que consta de fls. 224 dos autos de procedimento cautelar na qual escreve que: "reportando-nos aos depósitos de crustáceos denominados "Pesca Verde " e ..." somos a informar que esta Direcção Geral não renovará quaisquer licenças de exploração relativamente aos quais não esteja comprovada a posse do título que habilite os titulares dos depósitos em causa (…)".
KK)-A ... requereu ao Director Geral das Pescas a renovação da concessão do depósito fixo de Lagostas e lavagantes vivos denominado Viveiro ... para os anos de 1988, 2002, 2004 (ver fls. 229 a 231 dos autos de procedimento cautelar).
LL)-A requerente ... solicitou licença de exploração do Viveiro ... e renovação da concessão para os anos de 1982, 1984, 1989 e 1990 (cfr. docs. de fls. 242 a 250).
MM)-Em 1978 a ... requereu uma vistoria para determinar o volume de tanques em efectiva laboração para efeitos de cobrança das taxas devidas, alegando que, o depósito que tem o volume de 970 m3 está actualmente muito reduzido na sua laboração, dada a falta de marisco (ver doc. de fls. 26o dos autos de procedimento cautelar).
NN)-Em 1981 a ..., no requerimento de licença de exploração para o ano de 1982, indicou que o volume era de 29 m3 (ver doc. junto a fls. 261 dos autos de procedimento cautelar).
OO)-Em Janeiro de 1984, ao requerer licença de exploração para o ano de 1984 indicou como volume 133 m3, tendo sido objecto de vistoria que concluiu pelo volume de 132,28 M3 os tanques em laboração, existentes no 2º piso (ver fls. 262).
PP)-A ... enviou à Direcção Geral de Pescas e Agricultura os mapas de registo de actividade que constam de fls. 653 a 666 dos autos de procedimento cautelar relativamente ao ano de 2005.
QQ)-A ... apresentou na Direcção Geral das Pescas e Aquicultura os mapas de registo de actividade referentes aos anos de 2000 a 2005 que constam de fls. 680 a 691 e 1000 a 1072 dos autos de procedimento cautelar.
RR)-Pelo Ministério da Defesa Nacional-...-Capitania do Porto de ... foram efectuadas vistorias ao Viveiro "..." com vista ao seu licenciamento aos 04-01-96; 30-01-97; 16-02-98, 18-02-99, 20-02-00, 20-02-01, conforme consta de fls. 476 a 483 dos autos.
SS)-Pela capitania do Porto de ... foi emitida em 23-06-05 a licença nº 995/2005 concedendo à requerente ... licença para "Viveiro ..." comércio de marisco vivo durante o ano de 2006 para a prática do comércio de marisco, a qual se mostra assinada por Escrivã Ass. Adm. Esp., conforme consta de fls. 1074 dos autos.
TT)-Pela capitania do Porto de ... foram emitidas as licenças nºs. 6161; 0122 e 0147 para a ... explorar o Viveiro ... durante os anos de 2000 a 2002 (cfr. docs. de fls. 1077 a 1080 dos autos).
UU)-Pela Direcção Geral de Pescas e Aquicultura foram renovadas as licenças de exploração do Viveiro ... para os anos de 1999; 2000; 2001 e 2003 e 2004, conforme docs. de fls. 1082 a 1085 dos autos de procedimento cautelar.
VV)-Por despacho proferido pelo Capitão do Porto de ... em 09-03-06 foi declarada a nulidade da licença nº 995/05 de 23-06-05 para o ano de 2006 relativamente ao Viveiro ... conforme consta de fls. 487 e 488 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzi-lo.
XX)-A ..., Lda. enviou em 13 de Março de 2006 ao Capitão do Porto de ... uma carta cujo teor consta de fls. 494 informando que não obstante o despacho referido em NN) a exploração do viveiro ... está regularizada face ao D. Regulamentar 14/00 de 21-09 e por isso continuarão a explorar o Viveiro ....
YY)-A requerente ... enviou em 02-03-06 ao Director Geral das Pescas e Aquicultura uma carta cujo teor consta de fls. 495 e 496 informando que para si a licença de exploração do viveiro ... continua em vigor e que propôs a acção ordinária a que estes autos estão apensos contra a requerida.
WW)-A R. requereu à Câmara Municipal de ... processo de licenciamento do projecto de um restaurante e sala de dança denominado de “... Raso" no lugar onde se encontra implantado o Viveiro ... (ver fls. 323 a 475).
ZZ)-Encontra-se construído um viveiro de marisco denominado ... e que constitui um depósito fixo de lagostas e lavagantes vivos, localizado no patamar do rochedo denominado sítio da Laginha, Ponta do Navio, nas arribas junto ao farol do ... Raso, Concelho de ....
AAA)-No Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2003, DR, 1ª Série, B, nº144, de 25/6/03, de acordo com o seu artigo 48º, nº 5, e Anexo VII, do seu regulamento, não está prevista a demolição do Viveiro ..., prevendo-se antes associar ao mesmo funções de cariz cultural, de modo a constituir um ponto turístico de interesse neste troço da orla costeira em virtude do viveiro se encontrar integrado de forma interessante no enquadramento natural envolvente.
BBB)-Sob o ponto de vista construtivo, o depósito fixo de lagostas e lavagantes está localizado sobre os rochedos, com uma parte do seu pé direito integrado na própria rocha, possuindo 5 pisos, sendo que, quatro deles, foram escavados na própria rocha, encontrando-se pois ao nível do subsolo.
CCC)-No primeiro piso encontram-se instalados 9 tanques de água para depósitos de marisco e a casa das máquinas.
DDD)-No segundo piso encontram-se instalados u tanques de água para depósitos de mariscos.
EEE)-No terceiro piso encontram-se igualmente instalados 14 tanques de água para marisco.
FFF)-No quarto piso encontram-se instalados, para além de 7 tanques para marisco.
GGG)-O quinto piso é o único piso visível do exterior, dado constituir o piso de entrada para o viveiro, estando aí localizados 2 tanques e filtros, laboratório, escritório e casa de arrumos.
HHH)-O abastecimento de água do mar ao viveiro faz-se por via de um tubo de ferro galvanizado fixo às rochas, munido de chupador.
III)-Aquando da construção do Viveiro, a partir do paredão do piso construído à superfície e em frente ao mar, numa extensão de cerca de 40 metros, foi também construído, transitada há longos anos, os anteriores possuidores do prédio tinham obtido a condenação do Estado a reconhecer ser tal prédio sua propriedade privada.
JJJ)-À data do início da sua construção – no primeiro trimestre de 1966, houve a preocupação de integrar completamente o viveiro na paisagem envolvente.
KKK)-Tendo daí resultado a edificação descrita em TT) e ZZ) pelo que as respectivas telas finais foram apresentadas na Câmara Municipal de ... em 28/8/68.
LLL)-O Viveiro ... foi considerado operacional no final de 1968.
MMM)-No passado dia 20/10/05, a A. ... recebeu uma carta registada com aviso de recepção da Ré Quinta Da ..., carta essa acompanhada de uma certidão do registo predial e na qual se invocava ser a ora R proprietária do terreno onde está instalado o Viveiro ....
NNN)-E mais aí era dito que o terreno onde está instalado o Viveiro ... teria sido objecto, desde 1977, de uma ocupação apelidada de abusiva e ilícita por parte da Autora em conjugação de esforços com algumas entidades administrativas.
OOO)-Com a referida carta foi junta uma certidão emitida pela 1ª Conservatória do Registo Predial de ... e na qual se verifica que se encontra registado em favor da R. Quinta Da ... a propriedade do prédio descrito sob o nº 08894, prédio esse onde está construído o Viveiro ... desde 1968.
PPP)-Com data de 27/10/05, a Ré voltou a enviar à Autora ... uma nova carta registada com a/r, juntando cópia de uma carta enviada à Direcção-Geral das Pescas e Aquacultura em 6/10/05, carta última esta onde se afirmava que, por sentença judicial de 14/7/76,transitada ao longo dos anos, os anteriores possuidores do prédio tinham obtido a condenação do Estado a reconhecer ser tal prédio sua propriedade privada.
QQQ)-Pela citada carta de 27 de Outubro e tal como já tinha acontecido com a carta de 20 de Outubro, a Autora ... era intimada a abster-se de actos que lesassem o invocado direito de propriedade.
RRR)-Os serviços do Estado entendiam que, o ora prédio descrito sob o nº08894 na 14 Conservatória do Registo Predial de ... referido em A), fazia parte do domínio público marítimo - ver pág. 4 do Parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo de 28/7/64.
SSS)-O António ... ... faleceu no dia 14 de Julho de 2001, sendo seus herdeiros a Autora Nélida ... Vasques enquanto cônjuge Sobrevivo, e os seus filhos também Autores António Pedro ... ... e Nuno Paulo ... ... (doc. 36).
TTT)-O Manuel ... ... faleceu no dia 30 de Dezembro de 2004, sendo seus herdeiros a Autora Maria del Rosário ... ... enquanto cônjuge sobrevivo e os seus filhos, também Autores Rui Manuel ...... e Luís Miguel ... ....
UUU)-Entre 2000 e 2004, o Sub-Director Geral das Pescas renovou as licenças de exploração do depósito fixo de crustáceos ... (Docs. 26 a 29).
VVV)-O que levou a ora A. ... a intentar no TAF de Sintra uma acção administrativa comum contra o Ministério da Agricultura, das Pescas e do Desenvolvimento Rural - acção declarativa de simples apreciação e na qual se pede que a jurisdição administrativa, pelos factos e razões jurídicas aí referidas, reconheça ser válida a licença de exploração emitida em favor da ... e cuja última renovação ocorreu em Dezembro de 2004 construção - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 7º
XXX)-João P...G..., economista, e avaliador imobiliário, a pedido da requerente ..., efectuou o relatório de avaliação de fls. 34 a 40, relativamente ao viveiro ... e à parcela de terreno identificada no ponto 2. desse relatório, no qual refere em conclusão que"o valor da parcela do terreno em avaliação reportado a 1968 é de 166,00 euros e sucessivamente actualizado pela taxa de inflação conduz-nos ao valor actual de 9.930,00 euros. O valor da construção em avaliação repostado a 1968 é de 22.250,00 euros e sucessivamente actualizado pela taxa de inflação é de 1.334.400,00 euros".

B)-Proveniente das respostas à Base Instrutória/BI.
YYY)-No quarto piso encontram-se instalados os filtros e um espaço para montagem de um monta-cargas - proveniente do artigo da base instrutória: 2º
ZZZ)-Entre o início da obra - primeiro trimestre de 1966 e até Fevereiro de 1967, os verdadeiros donos da obra de construção do Viveiro ..., foram os irmãos António e Manuel ... ..., os quais tudo fizeram para a realização desta obra - proveniente do artigo da base instrutória: 4º
AAAA)-Para a realização da obra de construção do Viveiro ... os referidos irmãos contratando técnicos e empreiteiro - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 5º
BBBB)-Suportando totalmente as despesas com o pagamento de taxas pela emissão das licenças - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 6º
CCCC)-E as despesas com a aquisição de materiais de construção - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 7º
DDDD)-procedendo ao pagamento de honorários de projectistas e de engenheiros - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 8º
EEEE)-E pagando ainda as facturas apresentadas pelo empreiteiro contratado para a execução da obra - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 9º
FFFF)-O qual, se reportava unicamente a estes cidadãos espanhóis, de quem recebia ordens e instruções e não ao António A...L... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 10º
GGGG)-A partir de Fevereiro de 1967 e até ao segundo trimestre de 1968, a obra de construção do Viveiro ... passou a ser totalmente suportada pela ora a ... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 11º
HHHH)-Pagando esta todas as despesas com a realização da obra, compra de materiais, pagamento de honorários de projectistas e engenheiros e do próprio empreiteiro - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 12º
IIII)-Assumindo esta, na prática, a gestão e funcionamento do Viveiro ... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 13º
JJJJ)-Entre o primeiro trimestre de 1966 e o segundo trimestre de 1968, o António A...L... não teve qualquer intervenção na obra de construção do Viveiro ... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 14º
KKKK)-Limitando-se a assinar qualquer documento que lhe fosse pedido pelos irmãos ... ... ou pela ... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 15º
LLLL)-O António A...L... nunca se considerou dono da obra então em curso - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 16º
MMMM)-Toda a família ... ... e todos os profissionais que colaboraram na construção do Viveiro ..., sempre reconheceram que os verdadeiros donos da obra eram, inicialmente, os irmãos ... ... e, posteriormente, a ... e não o António A...L... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 17º
NNNN)-À data da conclusão da construção do Viveiro, no segundo trimestre de 1968, quer os irmãos ... ... quer a ... estavam perfeitamente convictos que não estavam a lesar o direito de propriedade de um terceiro - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 21º
OOOO)-Os AA só tiveram conhecimento da sentença judicial proferida em 14/7/76, após terem recebido a carta que foi enviada à ... em 27/10/05 - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 22º
PPPP)-No prédio referido em A), não é possível realizar qualquer actividade agrícola - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 23º
RRRR)-O valor da edificação "Viveiro ...", a preços de 1968, é equivalente a Euros 17.457,93 (dezassete mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e noventa e três cêntimos) - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 29º
SSSS)-O "Viveiro ..." para funcionar como unidade económica autónoma dentro do prédio rústico descrito na alínea A) dos factos assentes necessita não só da área de terreno em que está implantado, mas também de uma área para operações de carga e descarga de marisco e transporte de água salgada, num total de cerca de 3.310 m2 - proveniente das respostas aos seguintes artigos da base instrutória: 31º, 33º e 34º
TTTT)-Esta área confronta por todos os lados com o prédio descrito na alínea A) dos factos assentes - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 35º
UUUU)-Em 1968 não existia no prédio descrito na alínea A) dos factos assentes outra actividade económica além do "Viveiro ..." - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 32º
VVVV)-Em Dezembro de 2005, sem qualquer aviso prévio, a Ré instalou uma vedação com rede de arame farpado em torno do Viveiro ... - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 36º
WWWW)-Abrindo duas valas na estrada pela qual se tinha acesso ao viveiro - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 37º
XXXX)-Com a afixação de cartazes de grandes dimensões publicitando a invocada qualidade de proprietária do terreno - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 38º
YYYY)-Tal vedação tornou muito mais difícil o acesso pedonal ao viveiro, tendo ainda impossibilitado o seu acesso, em condições de segurança, das viaturas automóveis da  A. ..., com a abertura das referidas valas, a R apenas deixou ficar no terreno uma abertura que não oferece as ditas condições de segurança às viaturas automóveis que aí se dirigem para operações de carga e descarga - proveniente da resposta aos seguintes artigos da base instrutória: 39º, 40º e 41º
ZZZZ)-Entre 1971 e 2005, que a ..., ao abrigo das licenças administrativas, designadamente, as emitidas pela Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura, exerce no Viveiro ... a sua actividade comercial de depósito e venda de marisco vivo - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 43º
AAAAA)-A Autora ... esteve convicta, até momento concreto não apurado, que estava a utilizar terrenos do domínio público marítimo - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 44º
BBBBB)-A Autora ... não tem licença para explorar o viveiro de marisco denominado viveiro ... desde Dezembro de 2005 - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 54º
CCCCC)-Parte do equipamento do Viveiro ... encontra-se degradado - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 55º
DDDDD)-Demolir o "Viveiro ..." e repor a situação existente à data anterior à sua construção seria necessário despender Euros 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) - proveniente da resposta ao seguinte artigo da base instrutória: 70º
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QUESTÃO DE FACTO:
Alegam os recorrentes/AA. que a resposta negativa dada ao artº28º da BI devia ser alterada para: “Provado que o terreno não tinha à data da edificação qualquer valor de mercado.”
E alicerçam essa sua pretensão no relatório pericial (complemento) e em factos dados como assentes que permitiriam essa conclusão.

- Que dizer?

Com todo o respeito pelo alegado neste particular, não assiste razão aos recorrentes/AA.
Como foi consignado pelo Tribunal recorrido, na fundamentação das respostas dadas à factualidade então controvertida“as duas perícias são absolutamente inconclusivas em termos de valores”pelo que“vistos esses meios de prova (incluindo a perícia complementar) e não se dispondo de outros suficientemente seguros, as respostas apenas podem ser negativas”.
Concordando-se com este juízo valorativo, não podemos deixar de confirmar a resposta negativa ao artº28º da BI - cfr. decisão de facto de fls.1512 a 1520, em especial fls.1517 e 1518 (7º Volume).
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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QUESTÃO DE DIREITO:

Como sabemos, a acessão é uma causa de aquisição do direito de propriedade.
Nos termos do artº1325º do CC consiste na união ou incorporação, em coisa de que é titular certa pessoa, de outra coisa pertença de pessoa diferente.
A acessão pode ser por razões naturais (artº1327º CC) ou industrial imobiliária que é a invocado in casu.
Este tipo de acessão comporta dois sub-institutos:
1–A união ou confusão.
2–A especificação (por ex.: coisas móveis/artºs.1336º a 1338º CC).
Estamos na presença do primeiro sub-instituto, em que duas coisas são unidas ou confundidas, por acção do homem - para maior desenvolvimento doutrinal, Luís Carvalho Fernandes, in, Lições de Direitos Reais, 4ª edição, Quid Juris, em especial pags.323 a 333.
Precisando, está em causa a construção em terreno alheio pelo que o regime aplicável é o estabelecido nos artºs1340º a 1341º do CC.
Segundo o artº1340º do CC:
(Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa fé em terreno alheio)
1.-Se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
2.-Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do artigo 1333º.
3.-Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.
4.-Entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.

Por sua vez, o artº1341º do CC dispõe que:
(Obras, sementeiras ou plantações feitas de má fé em terreno alheio)
- Se a obra, sementeira ou plantação for feita de má-fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Definido o quadro legal em que nos vamos mover, importa sindicar os seguintes fundamentos de Direito aduzidos na sentença objecto de recurso:
“-…-
Questões a decidir
A questão central nestes autos, no que toca á acção, é saber se os RR. adquiriram o direito de propriedade sobre o imóvel por acessão, no essencial, se levaram a ... obras, de boa-fé ou má-fé, sujeitas ao regime da acessão.
No que toca à reconvenção, se estes estão obrigados à demolição do viveiro e à entrega aos Reconvintes da parcela de terreno no estado em que se encontrava, e ao pagamento de uma indemnização pecuniária.
Da acessão
Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia (artigo 1325º do Código Civil).
Dentro dos vários tipos de acessão, interessa apenas aqui a industrial (por facto do homem) imobiliária (Artigo 1326º nºs 1 e 2 do Código Civil).
Nesta pretende-se resolver o conflito de direitos entre o dono da obra e o dono do solo, traduzindo-se numa forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade.

E regulam esta matéria os artigos 1340º e 1342º do Código Civil da forma que se reproduz:
- Se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do artigo 1333º CC.
Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.
Entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Se a obra, sementeira ou plantação for feita de má-fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

São, assim, requisitos para que a acesso para que esta opere a favor do dono da obra ou plantação, nos termos do artigo 1340º do Código Civil, expressamente previstos nesta norma:
1-a união e incorporação a um prédio pertencente a alguém de outra coisa que não lhe pertence, por outrem,
2-que essa incorporação se traduza numa ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio com impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através dessa união e do seu valor (formação de um todo único entre o terreno e a obra)
3-que seja maior valor da obra relativamente ao do terreno
4-a boa fé do autor da incorporação.
Cf. neste sentido, Acórdãos STJ no processo o5B1524, datado de 22-06-2005, sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt na data da prolação desta.
Neste esclarece-se, quanto à boa-fé: "Não agindo de boa-fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio, a boa-fé exigida para este efeito consiste, conforme n° 4 do mesmo artigo 1340°, em o autor da obra desconhecer que o terreno era alheio ou em a incorporação ter sido autorizada pelos donos do terreno, e deve existir no momento da construção. Na falta de autorização expressa, a autorização pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem, ou seja, em situações em que a autorização resulta de um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação, como é, por exemplo, o caso de um contrato translativo nulo por falta da forma legal."
Ainda quanto à boa-fé, salienta-se no Acórdão STJ no processo 45/1999.L1.S1 de 09-02-2012, quanto ao caso em que esta resulta da autorização prestada pelo dono do terreno: "Importa ainda ter presente o alcance dessa autorização, a qual pode ser condicionada ou limitada pelo dono do terreno. E, se o for, há que ter necessariamente em conta essas restrições. Com efeito, a permissão dada por alguém a um terceiro para levantar no seu terreno uma obra, para criar ali um novo valor económico com materiais desse terceiro, permissão essa que se supõe incondicionada, é bem diferente, da autorização dada com determinada finalidade. Compreende-se que assim, seja, já que a aquisição do direito de propriedade por acessão traduz uma derrogação do princípio geral consagrado na expressão latina "superfícies solo cedit" estando, por isso, mesmo sujeita a requisitos legais particularmente exigentes."

Por outro lado, no Acórdão do STJ no processo 1219/07.9TBPMS.CI.S1, datado de 20-06-2013, esclarece-se que"não se pode, porém, pensar que todas as situações de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diferentes desencadeiam a aplicação do regime jurídico da acessão. Ou, dito de outro modo, nem todas as situações de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diferentes desencadeiam a aplicação do regime jurídico da acessão. Com efeito, não é só a submissão ao regime do negócio jurídico celebrado que pode determinar a não aplicação das regras da acessão em casos em que ocorre a verificação dos requisitos desta. Também o regime próprio de um direito ou o facto de a lei determinar simplesmente a aplicação de outra disciplina normativa pode arredar o funcionamento da acessão”.

Há um grupo de casos em que titulares de direitos, reais ou de crédito, têm o poder de actuar materialmente sobre uma coisa corpórea alheia, podendo resultar do exercício desse poder a união de coisas pertencentes a proprietários distintos e que a lei portuguesa não submete às regras da acessão, mas sim ao regime das benfeitorias(artigos 1273º a 1275º).

Dentro deste grupo, encontramos o possuidor (artigos 1273º a 1275º), o comproprietário (artigo 1411º), o usufrutuário (artigo 1450º), o usuário e morador usuário (artigo 1450º, ex vi do artigo 1490º), o locatário (artigo 1406º, nº 1) e o comodatário (artigo 1138º nº 1).

Conforme decorre do exposto, o regime de acessão só se aplica à hipótese de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários quando não haja um outro regime que regule especificamente a situação.

Uma união de coisas realizada por uma das partes de um contrato cujas regras a regulam ou por uma das figuras jurídicas enquadradas naquele grupo de casos, a que fizemos referência, nomeadamente por um possuidor, não é regulada pelas regras da acessão, ou seja, a acessão só opera quando a união ou mistura de coisas propriedade de diferentes donos não seja regulada por outro regime específico.

O Direito português apresenta uma dificuldade substancial de distinção entre acessão e benfeitorias. Na verdade, as benfeitorias podem consistir num melhoramento que se traduz na união ou mistura de uma ou mais coisas noutra (a coisa beneficiada). Coloca-se então o problema de saber que regime jurídico se aplica, se o das benfeitorias, (artigos 1273° a 1275°) ou se o regime jurídico da acessão. O novo código afastou o problema, desde que deixou de confundir no mesmo preceito uma benfeitoria feita por um possuidor com uma acessão.

A benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas.

A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.

Acrescenta-se, assim, um outro requisito a esta forma de aquisição, tudo no âmbito da acessão industrial imobiliária, de que aqui (só) se trata:
- Que a obra não tenha sido efectuada à luz de um regime específico, válido e aplicável, que una o dono da obra ao imóvel e afaste expressamente o regime da acessão.
- Que não exista uma relação jurídica que vincula a pessoa à coisa beneficiada com regime que afaste a acessão.
Com outra tónica, mas no mesmo sentido, tirando o destaque na inexistência da relação jurídica, de se estar perante uma simples detenção ou similar e colocando-a na exigência de uma situação tradicional de posse – cf. Acórdão STJ no processo 45/1999•LI.Si de 09-02-2012: "Para que surja o direito à indemnização por benfeitorias realizadas em terreno alheio torna-se necessário que aquele que as realiza aja na qualidade de possuidor. Não existindo qualquer vínculo possessório entre o benfeitor e a coisa onde os melhoramentos foram efectuados, a incorporação de materiais próprios em terreno alheio, o autor da incorporação não tem direito a ser indemnizado pela obra que haja realizado em terreno alheio."

Completando e reunindo este conjunto de requisitos acrescenta, de forma contundente, o Acórdão STJ no processo 45/1999.LI.S1 de 09-02-2012: "Constituem requisitos da acessão industrial imobiliária: que a incorporação realizada resulte de um acto voluntário do interventor na feitura de uma obra, sementeira ou plantação; que os materiais utilizados pertençam ao interventor/autor da incorporação; que da incorporação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação adicione valor (económico e    substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação; que o interventor tenha agido de boa fé (psicológica); e que actue potestativamente de modo a formular uma pretensão de adquirir para si o direito de propriedade da coisa que sofreu a sua intervenção."
Por outro lado, ainda há que considerar que"a constituição de direitos reais, nos quais se inclui obviamente o direito de propriedade, só pode incidir sobre coisas individualizadas (coisas certas e determinadas) e autonomizadas - Direitos Reais do Prof. Henrique Mesquita, págs. 12/13".

Pelo que se exige que os prédios a adquirir sejam pelo menos autonomizáveis (se perante um prédio rustico que este seja passível de fraccionamento) - neste sentido também o Acórdão 20-05-2014 de n430/00.8TVPRT.P1.S1: "Em concreto, a acessão não deve ser reconhecida, como forma originária de aquisição do direito de propriedade, se os recorrentes não se muniram de uma certidão, nem facultaram qualquer justificação para essa sua omissão, impossibilitando o tribunal de aferir da conformidade do dito destaque com as regras que regulam as operações de fraccionamento para fins urbanísticos".

Acrescenta-se, também, o seguinte requisito:
- Que a mesma verse sobre coisas individualizadas.

Feita esta análise de jurisprudência do nosso Supremo Tribunal, concluem-se que,aos requisitos constantes do capítulo do Código Civil dedicado à acessão, há que atentar noutros resultantes das restantes normas e princípios do sistema jurídico português, supra enunciados.
E assim, cumpre agora olhar para os factos provados, verificando-se o que resulta e se pode concluir dos mesmos, à luz destes considerandos.
O viveiro foi construído pelos irmãos ..., nos finais dos anos 60 (o pedido foi formulado em 1964, tendo o então putativo proprietário (Estado) autorizado António Amaral Louro a efectuar essa obra.
António A...L... agiu a pedido desses irmãos, porquanto a concessão apenas podia ser deferida a portugueses.
A partir de 1967 e até ao segundo semestre de 1968 a obra foi suportada pela Autora ....
Nessa data os irmãos ... e a Autora ... estavam convictos que não lesavam a propriedade de terceiro.
Basta, para improceder o pedido principal, sendo todos os requisitos supra enunciados para a aquisição por acessão do dono da obra, cumulativos, verificar se existe algum (ou alguns) que manifestamente se não verificam.
Ora, destes, resulta à saciedade que não se verificam os correspondentes à não aplicabilidade de um regime específico que afaste a acessão, a relação entre o valor da obra e do terreno, bem como a autonomização da parcela em causa.

Vejamos.

Dúvidas não há que os irmãos ... e a ... sempre souberam que o terreno não lhes pertencia, mas sim a terceiro (embora em erro quanto à sua identidade pelo menos durante algum tempo)
Pensaram, sim, que agiam no âmbito de uma autorização dada pelo que consideravam ser o dono da obra, autorização esta, aliás, dada a terceiro (António L...), não aos próprios, mas que desta forma não lesavam o direito de propriedade de um terceiro (Alínea NNNN) da matéria de facto provada)
Mas mesmo que se ultrapasse tal questão (não tinham a autorização para a realização do viveiro, mas tão só, depois, para a sua exploração), tal autorização apresentava as limitações que constam da alínea R) da matéria de facto assente, não abarcando a possibilidade de adquirir o imóvel por acessão - atento o domínio público marítimo em causa - nem, tão pouco, nas múltiplas situações ali elencadas, direito a qualquer indemnização.
Enfim, o seu direito está restringido pela autorização concedida, como visto supra, aqui muito limitada.
Mesmo que se assim não fosse, os princípios básicos da boa-fé operam aqui no que toca ao direito que os Autores se arrogam, limitando-o, se mais não fosse, pelo abuso de direito: se aquando da construção, os donos da obra não tinham qualquer expectativa de vir a beneficiar da acessão, mercê do tipo de autorização que lhes foi dada e do tipo de propriedade.
E assim, cumpre agora olhar para os factos provados, verificando-se o que resulta e se pode concluir dos mesmos, à luz destes considerandos.
O viveiro foi construído pelos irmãos ..., nos finais dos anos 60 (o pedido foi formulado em 1964, tendo o então putativo proprietário (Estado) autorizado António A...L... a efectuar essa obra.
António Amaral L... agiu a pedido desses irmãos, porquanto a concessão apenas podia ser deferida a portugueses.
A partir de 1967 e até ao segundo semestre de 1968 a obra foi suportada pela Autora ....
Nessa data os irmãos ... e a Autora ... estavam convictos que não lesavam a propriedade de terceiro.
Basta, para improceder o pedido principal, sendo todos os requisitos supra enunciados para a aquisição por acessão do dono da obra, cumulativos, verificar se existe algum (ou alguns) que manifestamente se não verificam.
Mas como se viu, o pedido falece por outras razões: essencialmente, por não ser aqui aplicável o regime da acessão, porque não tinham qualquer expectativa de adquirir o terreno.
E também aqui a boa-fé impediria este desiderato: consta da licença de 1970 (alínea R) que esta era concedida a título precário, sem prejuízo de direitos de terceiros e ainda que não haveria qualquer indemnização pelas obras, que reverteriam a favor do Estado, se a licença caducasse.
Ora, se ao obterem as licenças para a utilização das obras os Autores (ou quem representam) não tinham qualquer expectativa de virem a ser indemnizados pelas mesmas, mas perder o seu valor em todos os casos enunciados naquela licença (e que abarcam a sua não prorrogação, necessidade de desfazer a construção por razões de interesse público e caducidade da licença por qualquer outra razão).
Também este pedido improcede.

Da reconvenção

Por seu turno, pede a Ré:
a)-que seja reconhecida e declarada a titularidade do direito de propriedade da parcela de terreno onde se encontra implantado o edifício do viveiro, e demais edificações, assim como da restante parcela de terreno que circunda o referido edifício e;
b)-os AA. condenados a desocupar e entregar à R. o terreno onde se encontra edificado o viveiro ..., bem como a parcela de terreno circundante, por onde se acede a pé ou em veículo.
c)-os AA. condenados a entregar à R. o edifício do viveiro ..., a fim de esta tomar posse do terreno;
d)-ordenada a demolição do edifício, a fim de repor a situação anterior, incluindo a requalificação ambiental de toda a área ocupada;
e)-os AA. condenados a pagar à R. uma indemnização correspondente ao valor necessário à demolição, reposição e requalificação, que se estima em €750.000;
- do reconhecimento da propriedade e da entrega (alíneas a) a c) do pedido)
Ora, dispõe o artigo 1341º do Código Civil que se a obra, sementeira ou plantação for feita de má-fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Como se viu não se apurou a má-fé dos Autores na realização da obra - a mesma foi feita ao abrigo de licença concedida pelo Estado, que arrogava que esta se situava em propriedade do seu domínio, convictos que não lesavam o direito de terceiros (alínea NNNN) da matéria de facto provada).
Não está integrada a previsão do artigo 1341º do Código Civil.
Por outro lado, não se aplica aqui, como se viu, o regime da acessão, porquanto existiu à data outro regime que regulou estas obras.
A esse regime, é, no entanto, alheia a Ré reconvinte, pessoa colectiva de direito privado que litiga contra outro privado e a quem se lhe não transmitem os direitos que caberiam ao Estado.
Há aqui que aplicar o regular regime da violação do direito de propriedade, reconduzido nos artigos 1311º e 1312° do Código Civil.
Não se apurando a aquisição originária do direito de propriedade pelos Autores, mediante a acessão ou outra, nem um direito de gozo sobre o imóvel, que se mantenha, conclui-se, sim, pelo direito da Reconvinte sobre o terreno, que mais não fosse pela presunção decorrente do registo.
Resolvida a questão da propriedade e não provando os Autores que a coisa lhe pertence, que tem sobre a coisa outro direito real que justifique a sua posse ou que detém a coisa por virtude de direito pessoal de gozo, procede o pedido de restituição.
Nos termos do artigo 1312º do Código Civil, o esbulhador tem que proceder á restituição da coisa, a qual é efectuada á sua custa.
- da demolição e indemnização (alíneas d) e e) do pedido
"Rigo...mente, a indemnização compreende apenas as medidas ou providências destinadas a reparar o prejuízo sofrido por outrem, com exclusão do que seja a mera realização específica do direito. A entrega judicial ao credor da coisa que lhe é devida ou a restituição coerciva da coisa ao dono que dela foi desapossado não constituem, rigo...mente, uma indemnização."Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1991, P476.
Quanto á obrigação de indemnização, estipula o artigo 562° do Código Civil que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Assim, rege no nosso Direito Civil o princípio da reposição natural quanto à indemnização, sendo dever do lesante repor a situação no estado anterior à lesão, atendendo-se ao dano real ou concreto.
Assim, a demolição peticionada corresponde à indemnização em espécie pelos danos que a ocupação e construção do viveiro causaram ao legítimo proprietário, aqui reconvinte.
Sendo certo que o artigo 1312º do Código Civil dispõe que o esbulhador tem que proceder á restituição da coisa, a qual é efectuada á sua custa, abarca esta norma as despesas da entrega, não o custo da reparação do bem ocupado, com a reposição do mesmo no estado em que se encontrava antes desta (A propósito deste artigo 1312° do Código Civil, que abarca a simples restituição - entrega- da coisas, não a sua reposição do estado original, os Autores ora citados limitam a sua aplicação aos casos em que se verifica a má-fé do possuidor: cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, 1987, "A coisa reivindicada pode estar nas mãos de um possuidor de boa-fé, com título legítimo de aquisição...Nestes casos, embora as despesas processuais devam seguir regras próprias, a restituição não tem que ser feita à custa do demandado").
Assim, há que verificar se se encontram no caso todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana para apurar da obrigação dos Reconvindos a colocar o bem no estado inicial, com destruição das obras e requalificação do prédio.
Em consequência, aplicam-se aqui, os princípios gerais que regem a responsabilidade civil, ou seja, a obrigação de alguém (lesante) reparar os danos que causou (ao lesado).
Esta pode assumir tanto a modalidade de responsabilidade contratual, quando provém da"falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei", como a modalidade de responsabilidade extracontratual, também designada de delitual ou aquiliana (com origens na Lex Aquilia), quando resulta da "violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem".
No entanto, no essencial, são os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela da violação de um contrato ou de um outro tipo de ilícito: o ato ilícito, a culpa, o dano, o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, sendo estes os pressupostos traduzidos no artigo 483° do Código Civil, norma base neste instituto.
-…-
Isto posto, volvemos ao caso concreto.
Apurada a ilicitude (ocupação de prédio da propriedade de outrem e alteração da sua morfologia, sem o consentimento daquele), falta-nos a culpa: os Reconvindos agiram no âmbito de uma autorização dada pelo Estado, o qual se arrogou a propriedade do imóvel, situado no âmbito do que seria do domínio público da orla marítima. Não se vê que se possa imputar aos Autores qualquer falta ao dever de diligência no sentido de apurar se quem lhes deu a autorização era efectivamente o proprietário: por um lado, atenta a especial natureza daquele que se arrogava a propriedade, por outro, considerando a localização do imóvel.
Improcedem os pedidos indemnizatórios.
Da litigância de má-fé
-…-
Nenhuma má-fé processual se encontra nos autos, não obstante as vicissitudes ocorridas com os peritos.
Não sendo o direito uma ciência exacta, comportando diversas interpretações, não pode a mera improcedência de recursos ou da posição tomada por qualquer das partes ser suficiente para se sequer se presumir essa ilícita forma de litigar.
-…-
Improcede a condenação de qualquer uma das partes como litigante de má-fé.
-…-”

Como se constata a sentença recorrida fez uma criteriosa aplicação das regras aplicáveis ao caso em estudo e que, inicialmente, explicitámos do ponto de vista doutrinal e legal.
A nível jurisprudencial o instituto da acessão foi tratado desenvolvidamente no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça/STJ, de 7-4-2011 (relator: Conselheiro Moreira Alves/publicitado in www.gdsi.pt), nestes termos:
“-…-
Estamos assim perante a figura da ACESSÃO que se verifica sempre, que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que lhe não pertencia (Art.1325º do CC). Trata-se, pois, como ensina Cunha Gonçalves, de um direito em virtude do qual o proprietário de uma coisa adquire a propriedade de outra, que se une ou incorpora àquela e não lhe pertencia.
É, portanto, uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos factos respectivos (Art.1317º), isto é, ao momento da união ou da incorporação.
Por outro lado, como é pacífico na doutrina e jurisprudência, tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação material das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa, que assim, terão de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente.
Como diz António Carvalho Martins (Acessão – Coimbra Editora – 19) é necessária “a união inseparável de duas ou mais coisas pertencentes a donos diversos…; esta inseparabilidade deve ser entendida no sentido económico e não no material, porque a separação, embora possível, destruiria ou danificaria gravemente a coisa principal”.
Mas continua o referido autor “... esta inseparabilidade é uma condição necessária, mas não suficiente, do funcionamento da acessão. Nunca se verifica acessão sem união inseparável, mas a inversa não é verdadeira. Pode, nomeadamente, a solução encontrar-se na destruição de coisa acedida, como acontece na hipótese dos arts. 1334º e 1341º (se a união for realizada de má fé)”.
Na hipótese do art.1340º, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art.1343º, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se porém, em terreno alheio.
(…)
Outra questão importante que se discute na doutrina é a de saber se a aquisição da propriedade por via da acessão é automática ou potestativa, isto é, se opera por efeito directo da incorporação ou depende da manifestação de vontade do beneficiário da acessão, embora, uma vez exercido o direito, os seus efeitos retroajam ao momento da união das coisas, tal como acontece com a sucessão por morte (que retroage à data da abertura da sucessão embora a aquisição dependa da aceitação).
(Cf. art. 1317º do CC que, como diz Oliveira Ascensão, fixa o momento jurídico e não o momento fáctico da aquisição).
A posição tradicional da doutrina, de que são exemplo A. Varela e P. Lima (C.C. anotado) pronuncia-se pela tese da aquisição automática.
Em anotação ao art.1340º - nota 7 – dizem os citados autores:“Dizendo a lei que o autor da incorporação adquire a propriedade do solo (n.º 1) e que o dono do terreno adquire a obra, sementeira ou plantação (n.º 3), vê-se que não se trata de uma simples presunção de aquisição...mas de um princípio imperativo, tal como no direito romano. Qualquer deles adquire automaticamente, ipso jure, desde o momento da incorporação (art.1317º alínea d)), o direito ao todo. Não se exige um negócio jurídico, nem qualquer manifestação de vontade”.
-…-
A tese potestativa é defendida entre outros pelo Prof. Oliveira Ascensão (cof. obra citada e Direitos Reais – edição de 1978) e pelo Prof. Menezes Cordeiro (Direitos Reais – ed. de 1979 – vol. II).
É verdade que o art.1340º diz que adquire a propriedade do prédio onde incorpora a obra (e não que pode adquirir como refere o art.1343º, onde a aquisição potestativa não oferece dúvidas), mas também é certo que só adquire a propriedade do solo “pagando o valor que o prédio tinha antes das obras” o que significa, evidentemente, que se não pagar a indemnização não adquire a propriedade do solo.
Como salienta Oliveira Ascensão há, portanto, uma reciprocidade entre a aquisição por acessão e o pagamento da indemnização o que não se concilia com a imperatividade e automatismo da aquisição, uma vez que nestes casos, a contrapartida traduzir-se-ia na obrigação de pagar independentemente da vontade.
(…)
De resto de diversas normas se infere o carácter facultativo da cessão (cf. arts1339º, 1340º, 1343º, 1333º nºs 2 e 3, 1334º, 1335º e 1341º) cujas previsões não teriam sentido se a aquisição fosse automática.
Concluímos, assim, que a acessão, entre nós, tem carácter potestativo, necessitando para se operar a aquisição da manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos.
Por outro lado, para que opere o mecanismo de aquisição previsto nos artºs.1340º e 1343º do CC torna-se necessário que a incorporação da obra em terreno alheio seja levada a ... de boa-fé pelo autor da incorporação.
Trata-se de conceito de boa-fé psicológico (e não meramente ético ou moral) à semelhança do que acontece no âmbito possessório, nos termos do art.1260º do C.C. que não se pretendeu afastar.
De acordo com o n.º 4 do art.º 1340º, entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Como é óbvio e não oferece dúvida, a boa-fé deve existir no momento da incorporação e durante ela.
Finalmente, as diversas soluções previstas no art.º 1340º, dependem do valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio, quando comparado com o valor do prédio antes das obras.
Assim, tal valor acrescentado, “é dado pela diferença entre o valor da nova realidade económica resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes” (cf. Estudo do Exmo. Conselheiro Quirino Soares, publicado na C.J./S.T.J. – 1996 – I – pág. 11 a 30).
Diferentemente, na hipótese do art.º 1343º, a aquisição a que tem direito o construtor, não depende da consideração de qualquer valor acrescentado.
Postas estas prévias considerações, importa agora aplicar os princípios expostos à factualidade disponível nos autos.
-…-
Não podia, por conseguinte, reconhecer-se à Ré o direito de aquisição na base do art.1343º do C.C..
Podia, no entanto, reconhecer-se tal direito ao abrigo do regime geral da acessão previsto no art.1340º.
Só que a Ré não provou todos os requisitos do direito que invoca.
Desde logo, teria de provar que as obras efectuadas no terreno do A. lhe acrescentaram um valor superior ao valor do prédio antes delas.
-…-
Não estando provada tal factualidade é claro que a Ré não demonstrou, como devia, ter o direito a que se arroga, faltando desde logo o requisito essencial que justifica o direito de acessão tal como o caracteriza o artº1340º do C.C..
E não haverá qualquer dúvida, que, no caso, nunca seria possível reconhecer o direito à Ré e remeter para liquidação posterior a determinação dos valores em causa, porque é o próprio reconhecimento do direito que depende da prévia determinação do valor que a obra tiver trazido à totalidade do prédio, quando comparado com o valor que o prédio tinha antes da incorporação da obra.
Se aquele for maior do que este, é o autor de incorporação que tem direito de adquirir a propriedade, se for menor a obra pertencerá ao dono do terreno, se forem iguais os valores, abrem-se licitações entre ambos.
Quer dizer, não se trata aqui de quantificar uma indemnização devida em função do prévio reconhecimento de um direito, trata-se, sim, de apurar valores que funcionam como condição necessária do reconhecimento do próprio direito.
Portanto, não serão necessárias maiores considerações para se concluir pela procedência da revista do A. no que respeito ao pedido de restituição do prédio livre de pessoas e coisas, visto que improcede o pedido reconvencional e não existe qualquer abuso de direito na formulação de tal pedido, como já decidiu a Relação com trânsito (quanto a esse segmento do acórdão).
Todavia, ainda que de modo sucinto, sempre se dirá que nem sequer se verifica, também, o requisito da boa-fé.
Aceitando-se que o direito da acessão, como direito potestativo que é, se traduz num poder contido na propriedade, e que, por isso, pode ser transmitido a terceiro juntamente com a transmissão da obra, do edifício ou do terreno, nenhuma dúvida pode haver, no entanto, que a boa-fé exigida pelos artºs.1340º ou 1343º do C.C. se reporta sempre ao momento da incorporação, o que significa, que, embora transmitido o direito à Ré, há-de ser em relação à transmitente-construtora (incorporante) que a verificação deste requisito terá de ser averiguada.
Ora para esse efeito interessa ter em conta todo o circunstancialismo fáctico ocorrido antes da compra do posto de abastecimento pela Ré, ou seja, há que perceber e interpretar o relacionamento que se estabeleceu entre o A. e a construtora – durante todo o processo administrativo de licenciamento do aludido posto.
Tal circunstancialismo está descrito no acórdão recorrido a fls. 861, 862, 863 e 864, de modo que nos dispensamos de aqui o repetir, dando-o antes por reproduzido.
 (…)
Ora, para efeitos de acessão, a autorização do dono do terreno para a incorporação da obra, deve ser, salvo melhor opinião, uma autorização pura e simples, incondicionada e não uma autorização negociada com determinada finalidade ou condicionada à realização de certo negócio.
Quando condicionada nos termos referidos, a autorização para construir obra no terreno alheio está limitada pela realização do fim ou do negócio com vista dos quais foi concedida ao construtor.
Na ideia das partes estará, naturalmente, excluída a possibilidade de o construtor vir a adquirir o prédio ocupado por acessão imobiliária industrial, independentemente do fim aceite ou da realização do negócio que justificou a autorização.
Não se trata de renúncia prévia ao direito de acessão, mas sim da limitação da própria autorização, que não teria sido concedida se não fora aquela concreta finalidade ou a concretização daquele específico negócio.
(…)
Como se referiu inicialmente, o conceito de boa-fé a que se refere o Art.1340º e 1343º é o conceito psicológico, à semelhança do Art.1260º do C.C..
Daí que observe Quirino Soares no estudo já citado, a respeito do conceito de boa-fé definido no nº4 do Art.1340º “não quis o legislador neste capítulo dedicado à aquisição da propriedade, desviar-se da ideia de boa-fé que adoptou em matéria possessória (nº 1 do Art.º 1260º). Dizer-se que age da boa-fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois o mesmo que dizer que assim age (de boa-fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro”.
Ora, a S… no condicionalismo descrito, não podia ignorar que, na falta de concretização do negócio que justificou a autorização de construir no terreno do A., a sua intervenção nesse terreno necessariamente lesava o direito do A., como parece evidente.
Pensamos, assim, que no caso, apesar da autorização tácita do A., essa autorização foi condicionada à realização do negócio de compra e venda, tendo por objecto a parcela aqui em causa. Não tendo esse negócio sido concretizado, apesar de a S....... ter aceite pagar o preço fixado pelo A., a referida autorização não pode valer para efeito de considerar a S… como interventora de boa-fé, com vista à aquisição da parcela por acessão imobiliária.
Mas, se o S… não estava de boa-fé, nos termos acima referidos, não podia ter transmitido o direito potestativo (que não tinha) à Ré, que por isso não pode invocar o direito a que se arroga por falta do requisito da boa-fé, o qual, como se disse, radica necessariamente no interventor e não no terceiro a quem tenha transmitido a propriedade da construção.
Consequentemente falhará, também, o requisito da boa-fé, pelo que nem por via do mecanismo previsto no Art.1340º, nem pelo previsto no art.1343º, está a Ré em condições de obter a procedência do seu pedido (…).
-…-”
Não estando em discussão a natureza do direito que se quer exercer, retira-se do aresto acima transcrito parcialmente que o conceito de boa-fé a valorar para efeito de acessão, pressupõe que o “interventor” (AA) desconhecesse ab initio que o terreno em causa fosse alheio.
Ora, a prova carreada para os autos é esclarecedora e inquestionável no sentido de que os AA. sempre souberam que estavam a construir em terreno,primeiramente, considerado domínio público e mais tarde, por força, duma decisão judicial, que tal terreno era privado, desde o início do século xix (1811).
Não é consentâneo com o princípio da boa-fé invocar o aludido reconhecimento do terreno como sendo privado para daí extrair que a construção feita no mesmo terreno reúne os requisitos da acessão, sendo certo que pertencendo ao domínio público nunca os AA. o poderiam reivindicar.
Nunca os AA. tiveram a intenção ou admitiram poder ser seu o terreno em causa e o conceito de boa-fé a que aludem os artºs.1260º, conjugado com o artº1340º nºs 1 e 4 do CC, é essencialmente psicológico - neste sentido o Acordão do STJ, de 12-1-2017, publicitado em www.dgsi.pt(relator: Conselheiro Salazar Casanova).
Como refere Orlando Carvalho:“só existe acessão se o adjuntor não souber que o objecto é alheio” – vide, Direito das Coisas, Coimbra Editora, versão revista/2012, pags.292 e 293.
Acontece que as autorizações dadas pelo Estado partiram sempre do pressuposto de que o “Viveiro ...”estava implantado no domínio público e que não havia ofenda de direitos de terceiro, nomeadamente, o direito de propriedade de outrem.
Daí a sentença que estamos a sindicar defender, e bem, que as construções feitas pelos AA. não foram de má-fé, logo, não têm o ónus de pagar as despesas respeitantes à remoção do edificado.
E não foram feitas de má-fé, precisamente, porque foram realizadas ao abrigo das aludidas autorizações do Estado.
A falta deste requisito prejudica qualquer outro direito dos AA., mesmo de ordem menor, como é o caso do direito de superfície, igualmente, invocado.

- Tudo visto, não deve a apelação ser atendida.

DECISÃO:
- Assim e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação (...ª Secção) em julgar improcedente, in totum, o presente recurso e consequentemente, mantêm o decidido pelo Tribunal a quo.
- Custas pelos recorrentes/AA.



Lisboa 13-7-2017



Relator: Afonso Henrique C. Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Gonçalves