Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
160/21.7T9FNC.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: INSTRUÇÃO
INADMISSIBILIDADE LEGAL
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente deve conter a descrição dos factos, por forma a que deles possam extrair-se todos os elementos constitutivos dos crimes imputados.
A rejeição do requerimento de abertura da instrução só pode ter lugar, de acordo com o que estabelece o art. 287º nº 3 do CPP, por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
A «inadmissibilidade legal», ocorrerá sempre que a instrução seja requerida pelo assistente e o respectivo requerimento não configurar uma verdadeira acusação (não contiver a identificação do arguido, ou não descrever os factos componentes do crime imputado ou se os factos descritos não constituem crime, nomeadamente), caso em que faltará o próprio objecto do processo.
Por isso que, uma instrução levada a cabo na sequência de um requerimento sem factos, por falta de objecto, será nula e legalmente inadmissível.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO:


Por despacho proferido em 16 de Janeiro de 2023, na instrução nº 160/21.7T9FNC do Juízo de Instrução Criminal do Funchal, Tribunal Judicial da Comarca da Madeira foi indeferida a instrução requerida pela assistente SPPOL.

A assistente interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
A.–Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente no seguimento da decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução, por entender o Tribunal a quo que se verifica uma situação de inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do n° 3, do artigo 287° do Código de Processo Penal.
B.–Considera o Tribunal a quo que “Por fim, estando em causa o requerimento apresentado pelo assistente deve obedecer aos requisitos estabelecidos nas als. b) e c), do n° 3, do art. 283º do Código de Processo Penal, ou seja, com “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, e a “indicação das disposições legais aplicáveis. ”
C.–Mais considerando que “Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se que, em detrimento do estabelecido na al. b), do n° 3, do art. 283°, aplicável por força do n° 2, do art. 287° do Código de Processo Penal, o assistente alega muito deficientemente os factos supríveis de integrar o tipo objetivo e subjetivo do ilícito pelo qual pretende a pronúncia dos denunciados.
Com efeito, no requerimento de abertura de instrução a assistente é prolixa no que respeita às razões da sua discordância com o despacho de arquivamento e à descrição do seu entendimento quanto à interpretação da Lei Sindical, mas no que respeita aos factos que concretamente cada um dos denunciados praticou e que integram o ilícito apenas por dedução se conseguirá definir os mesmos.
De igual modo, discorrendo sobre a atuação negligente não é percetível em que a mesma consistiria, para além de uma interpretação legislativa, sendo que nada é descrito quanto ao conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, não sendo percetível também a este nível, qual a atuação dos denunciados, tanto mais que um deles é Comando Regional da PSP.
Impõe-se, pois, concluir a assistente, no requerimento de abertura de instrução não formulou, como lhe competia (...) uma “acusação alternativa”.

D.Tiveram os presentes autos o seu início numa queixa-crime apresentada por JB em conjunto com o aqui Recorrente, queixa essa apresentada contra o Comando Regional da Madeira da PSP e FC, por entenderem os denunciantes que:
5.-Acontece que no dia 22/09/2020, o participante e ofendido JB colocou uma dispensa sindical não remunerada para o exercício da sua atividade sindical para os dias 02, 03 e 04 de Outubro do mesmo ano cumprindo, dessa forma, a comunicação prévia referida na Lei Sindical, nomeadamente 2 dias úteis de antecedência (...).
6.-Ou seja, o aqui participante e queixoso JB comunicou ao órgão ou serviço onde desempenha funções as datas e número de dias de que o mesmo necessitaria para o exercício das respetivas funções sindicais.
8.-Acontece que o ofendido JB veio a ser informado verbalmente pela Exma. Sra. Comandante de Esquadra Chefe Principal MB, de que o seu pedido iria ser indeferido, uma vez que não teria direito aos créditos sindicais porque o mesmo era apenas um delegado sindical e não um dirigente.
9.-Em 30/09/2020, foi o participante e ofendido JB efetivamente notificado através da Exma. Sra. Comandante da 1a Esquadra do Funchal (...) do indeferimento da dispensa sindical efectuado (...) com o motivo de que não reuniria as condições legais para o exercido do respetivo direito.
11.-Posto isto, resolveu o ofendido e participante JB enviar e-mail ao Exmo. Sr. Adjunto da Divisão Policial do Funchal Comissário RS a Lei Sindical em vigor, o Boletim de Trabalho e a Lista de Dirigentes que têm direito aos créditos não remunerados devidamente comunicados à Direção Nacional da PSP, no sentido de demonstrar que tinha todo o direito em gozar créditos de horas, não remunerado para o exercido da atividade sindical.
12.-Também no dia 30/09/2020, o aqui participante e ofendido JB efetuou uma informação interna, registada na 1a Esquadra do Funchal, sob o n° 4201/2020, demonstrando a sua legitimidade em gozar os créditos sindicais, esclarecendo, ainda que não era delegado sindical, mas sim dirigente, uma vez que exerce o cargo de secretário a nível nacional e de vice presidente na Direção Regional da Madeira do SPPOL
31.-Por tudo isto, o participado praticou factos com o propósito de impedir ou dificultar o exercício da atividade sindical por parte do ofendido, à revelia dos Dispositivos Legais e Constitucionais.
34.-Os factos descritos integram, necessariamente, um crime p.p pelo art. 405° e 407° do Cód. Trabalho. ”

D.Requerendo por isso o Recorrente que fosse instaurado procedimento criminal contra os denunciados, pela prática de um crime de violação da autonomia ou independência sindical, ou por ato discriminatório, p.p. pelos artigos 405° e 407° do Código do Trabalho.
F.Sucede, porém, que foi o inquérito arquivado pelo Ministério Público por considerar esta entidade que “Não sendo o demandante uma daquelas pessoas que tinha direito a crédito de horas, de acordo com a referida Ordem de Serviços, é forçoso concluir que não existiu qualquer ingerência ou tentativa de impedimento do exercido dos direitos sindicais do denunciante, tanto mais que tal como é referido pelas testemunhas inquiridas seria ES a poder beneficiar de tais créditos de horas, apenas tendo pretendido a sua substituição nos dias requeridos pelo denunciante. ”,
13.-“(...) de toda a conduta do arguido e do denunciado não nos parece que os mesmos tenham procurado impedir ou dificultar o exercido da atividade sindical do denunciante e da respetiva associação sindical, tendo, antes pelo contrário, fundamentado a sua prática na interpretação seguida pela DN da PSP, e que, segundo o denunciante e a testemunha, por si inquirida tem sido seguida das normas da Lei n° 14/2002.
Assim, e por não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime denunciado, determino o arquivamento do inquérito, nos termos do disposto no artigo 277°, n° 2 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da sua reabertura caso surjam factos ou novos elementos de prova. ”

G.Pelo que, em 21 de Outubro de 2022 foi requerida a abertura de instrução pelo aqui Recorrente, na qual referia que:
“7°
No inquérito foi provado que o denunciante JB pertence aos Órgãos Sociais  da SPPOL, conforme BTE que se juntou aos presentes autos em sede de inquérito.

Consequentemente, é-lhe conferido estatutariamente a competência executiva nacional e plenos poderes não delegados de representação da associação, em juízo e fora dele.

Logo, e contrariamente à Orientação Técnica, quer o denunciado Sr. Agente JB, quer o Sr. Agente Principal EN tinham à data, direito aos créditos Sindicais não remunerados, com a diferença que o Sr. Agente Principal EN, também possuía o direito aos créditos remunerados.
10°
Sendo esta a confusão que se encontra plasmado no douto despacho de arquivamento proferido, o direito a créditos sindicais remunerados e não remunerados.
Pelo que, com tal atuação cometeram um crime por violação da autonomia ou independência sindical, ou por ato discriminatório, previsto e punido pelos artigos 405°e407° do Código do Trabalho.”

H.Contudo, e, não obstante o por si requerido, foi o Recorrente notificado da inadmissibilidade da instrução e consequente rejeição do RAI por si apresentado, nos termos do n° 3 do artigo 287° do Código de Processo Penal.

I.Refere o Tribunal a quo que:
‘Por sua vez dispõe o n° 2, do art. 287° do mesmo diploma legal que o requerimento de abertura de instrução “deve conter, em súmula, as raspes de facto e de direito de discordância relativamente à (...) não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através duns e doutros se espera provar. ”
Por fim, estando em causa o requerimento apresentado pelo assistente, deve obedecer aos requisitos estabelecidos nas als. b) e c) do n° 3, do art. 283° do Código de Processo Penal, ou seja, com “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis. ”
Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se que, em detrimento do estabelecido na al. b), do n° 3, do art. 283°, aplicável por força do n" 2, do art. 287° do Código de Processo Penal, o assistente alega muito deficientemente os factos suscetíveis de integrar o tipo objetivo e subjetivo do ilícito pelo qual pretende a pronúncia dos denunciados. ”,
Impõe-se, pois, concluir a assistente, no requerimento de abertura de instrução não formulou como lhe competia (...) uma acusação alternativa. ”
Ora, em conformidade com o nº 3, do art. 287° do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução apenas pode ser rejeitado por extemporaneidade, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução. ”,
Um requerimento sem descrição dos factos que permitam preencher todos os elementos do crime, conduz a que a instrução seja inexequível — e assim a defesa do próprio arguido — sendo inadmissível nos termos e para os efeitos do já referido. ”

J.Ora mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
K.A instrução tem um caráter facultativo, e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
L.A instrução concretiza o princípio do contraditório na medida em que tem nela o requerente, aqui Recorrente, a possibilidade de contrariar os fundamentos - de facto ou de direito — que suportam a peça processual que encerra a fase do processo dominada por quem acusa.
M.O n° 2, do mencionado artigo 287° do C.P.P., fixa os requisitos que deve obedecer o requerimento de abertura de instrução, não estando sujeito a formalidades especiais, mas devendo conter as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n° 3, do artigo 283°.
N.Tal requerimento tem também de conter a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
O.Estão por isso excluídas da rejeição do requerimento questões de mérito do próprio requerimento, que nesse caso apenas podem levar a um indeferimento de diligências que tenham sido requeridas.
P.No caso concreto sempre se terá de considerar que o RAI apresentado pelo Recorrente observou os requisitos e formalidades supra indicados, na medida em que da análise do mesmo resulta que este fez constar as razões pelas quais não concorda com o despacho de arquivamento, descrevendo quais os concretos comportamentos dos denunciados que são suscetíveis de integrar a prática do crime que lhes imputou e indicou em sede de queixa-crime.
Q.O Tribunal a quo ao rejeitar o RAI por no seu entendimento se verificar uma omissão da descrição dos factos que permitam preencher todos os elementos do crime, considerando por isso que a instrução seja inexequível, e consequentemente considerando que o RAI sempre terá de ser inadmissível nos termos e para os efeitos do já referido n° 3, do artigo 283° do C.P.P., faz com que este órgão jurisdicional tenha antecipado um juízo de prognose, que nos termos da lei apenas poderá ocorrer no final da fase de instrução — nesse sentido vai o disposto no artigo 308° do C.P.P.,
R.Sendo que o Tribunal a quo considerou que no conceito de inadmissibilidade legal de instrução se inclua a omissão dos elementos previstos nas ais. b) e c), do n° 3, do artigo 283° do C.P.P., o que no nosso modesto entendimento será uma errada interpretação da lei.
S.Não resulta da letra do disposto no n° 2, do artigo 287° do C.P.P. que os elementos referidos nas als. b) e c), do n° 3, do artigo 283° do CPP são obrigatórios, pelo contrário, a letra da lei tem uma tónica meramente indicativa e ordenadora.
T.Sempre se terá de considerar que o Tribunal a quo ao subsumir o caso concreto a uma hipótese de inadmissibilidade legal do RAI faz uma incorreta e errada aplicação do direito, traduzindo tal interpretação uma antecipação ilegítima do juízo de prognose que se relega para o final da fase de instrução, durante a qual, em última análise da prova produzida e do eventual oferecimento de novos meios de prova terá, obrigatoriamente, lugar o debate instrutório, e apenas no terminus da mesma ocorrerá a comprovação judicial da decisão tomada no final do inquérito.
U.Resulta do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Recorrente que o mesmo faz uma análise crítica do enquadramento da matéria vertida na queixa-crime, demonstrando as razões da sua discordância sobre o despacho de arquivamento do RAI, retomando também a factualidade identificativa do tipo objetivo do crime e a sua autoria - veja-se nesse sentido o disposto artigos 2º, 3º, 4°, 7º, 8º, 9º, 11º, 12º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 21º, 22º, 23º, 24°, 25°, 26°, 27°, 28°, 29°, 30°, 31°, 32°, 34°, 36°, 37°, 39°, 40°, 41°, 42°, 43°, 44°, 45°, 47° do RAI.
V.Enunciando e descrevendo o tipo subjetivo e objetivo do crime em causa, bem como a sua autoria e culmina com o seguinte pedido: “Seja declarada a abertura de instrução e, consequentemente, produzida a prova indicada, devendo a final, ser proferido despacho de pronuncia. ”
W.Pelo que sempre se terá de concluir que o Recorrente construiu toda uma narração acusatória que está enquadrada no espaço, tempo e modo de como foram os factos praticados, e de quem foram os seus autores materiais.
X.Além da descrição do supra exposto, o Recorrente requereu também a produção acrescida de prova.
Y.Pelo que, face aos factos aqui demonstrados, sempre se terá de considerar que a decisão de que se recorre padece, salvo melhor entendimento, de falta de fundamento legal que possa sustentar que o RAI não está devidamente instruído de acordo com as exigências do disposto no n° 3, do artigo 283° do C.P.P.
Z.Do RAI resulta que o Recorrente narrou devidamente os factos que na sua opinião constituem indícios da prática dos crimes participados, e que mereciam uma investigação mais profunda e incisiva, tal como identificou devidamente os seus principais agentes, enquadrando os factos no tempo e no espaço.
AA.Em bom rigor, o RAI indica de forma exaustiva datas e factos concretizando de forma minuciosa a atuação ou omissão dos denunciados, repetindo por diversas vezes o que já tinha sido apresentado na queixa.
BB.Da mesma forma, o RAI descreve factos que integram os elementos constitutivos do crime em apreço e que se pretende ver imputados aos denunciados,
CC.Pelo que, em bom rigor não deveria o Tribunal a quo ter rejeitado a instrução por inadmissibilidade legal.
DD.Refere também o Tribunal a quo que “ (...) é impassível de ser sanado por aperfeiçoamento”, ora, não permitir esse aperfeiçoamento quando se entenda que o RAI é omisso ou insuficiente quanto aos factos narrados pelo Recorrente (como acontece no caso concreto), e quando resulta da própria lei que tal requerimento não carece de observância de formalismos legais e cujos fundamentos para a sua rejeição se encontram taxativamente indicados na lei e não se verificam no caso concreto, coarta de forma definitiva o acesso à Justiça pelo Recorrente que se vê assim impedido de ver provados o crime de que fora vítima, nomeadamente através da reavaliação das diligências que havia requerido em sede de RAI.
EE.Ao Recorrente não é dada qualquer oportunidade de provar os factos por si apresentados em sede de queixa-crime, sendo que ao ser rejeitado o requerimento de abertura de instrução, sem qualquer convite a um eventual aperfeiçoamento, vê-se impossibilitado de assegurar, ou pelo menos tentar assegurar, que os denunciados sejam julgados em Tribunal.
FF.Sempre se terá de considerar inconstitucional a interpretação de que a falta dos requisitos exigidos para a interpretação de recurso implica a sua rejeição liminar sem convite ao aperfeiçoamento também o deve ser relativamente ao RAI.
GG.Pois ao não ser assegurada ao Recorrente a possibilidade de aperfeiçoar o seu RAI e bem assim de serem as diligências probatórias por si requeridas realizadas, vê este vedado o seu direito de participar na Justiça, de aceder à mesma e de participar ativamente no âmbito do processo de forma a tentar que os arguidos/denunciados sejam devidamente julgados em sede de julgamento pelos factos que contra si praticaram.
HH.Consequentemente, a interpretação do disposto no n° 2, do artigo 287°, com referência às als. b) e c) do n° 3, do artigo 283° do C.P.P., segundo a qual não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do RAI delimita o objeto fático da pretendida instrução, violando de forma irremediável, os direitos constitucionais do Assistente, nomeadamente os consagrados nos artigos 2º, 3º, n°2, 20°, 32°, 202°, n°s 1 e 2, 20° e 221° da C.R.P., bem como os artigos 1º, 6º, n° 1, 8º, 9º, n°2, 10°, n° 1, 13° e 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecido que a argumentação do requerimento de abertura de instrução é idónea a questionar os elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime imputado aos denunciados e consequentemente ser reconhecido o direito do Recorrente à abertura de instrução.

Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta ao mesmo, na qual concluiu:
1.No RAI o próprio assistente admite que inexista responsabilidade criminal do denunciado e refere, reiteradas vezes, que a atuação em causa, consistiu numa errada interpretação da lei.
2.Não se vislumbra, no RAI, a descrição de concretos factos, localizados no espaço e no tempo e a sua imputação a concretas pessoas.
3.Pese embora se mencione a expressão “negligente”, em momento algum se refere que os agentes do facto representaram a violação de um dever objetivo de cuidado, nem se previram ou não o resultado.
4.O requerimento do assistente para abertura de instrução deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros se espera provar.
5.A estrita vinculação temática do Tribunal aos factos alegados no requerimento para abertura de instrução é uma consequência do princípio da estrutura acusatória do processo penal, prevenido no art. 32.°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa.
6.As deficiências do requerimento não podem ser supridas por iniciativa do Tribunal, designadamente mediante decisão que convidasse o assistente para o efeito. AFJ 7/2015.
7.A inobservância do preceituado no artigo 287.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, implica a sua nulidade, em obediência ao artigo 283°, n°3 b) e c), tornando, assim, legalmente inadmissível a abertura da instrução e obrigando, consequentemente, à sua rejeição em obediência ao preceituado no artigo 287.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, onde se dispõe que “o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução
8.Não podendo a Mma. JIC alterar ou criar por si a factualidade em falta, o que sempre consubstanciaria uma alteração substancial dos factos, que acarretaria a nulidade da decisão, nos termos do disposto no artigo 309°, n° l do CPP, nem podendo convidar o assistente a suprir as omissões, a admissão do RAI e subsequente realização de diligências de instrução redundaria na prática de atos inúteis.
9.Destarte, bem andou o Tribunal ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução nos termos em que o fez, devendo o presente recurso ser julgado improcedente.

Remetido o processo a este Tribunal da Relação de Lisboa, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, aderindo aos argumentos e conclusões da resposta do Mº. Pº.  em primeira instância.

Cumprido o preceituado no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, nos termos previstos no art. 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO

2.1.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).

Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).

Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.

Seguindo esta ordem lógica, as questões a decidir, são as seguintes:
Se a assistente narrou de forma suficiente e adequada os factos a que podem subsumir-se os elementos objectivos e subjetivos do tipo de crime aptos a fundamentar a aplicação de uma pena aos arguidos;
Se ao rejeitar o requerimento de abertura da instrução, o Tribunal fez um juízo de prognose antecipado, que apenas poderia ter ocorrido no final da fase de instrução;
Se os elementos referidos nas als. b) e c), do n° 3, do artigo 283° do CPP não são obrigatórios;
Se é inconstitucional a interpretação de que a falta dos requisitos exigidos no artigo 283° do CPP implica a rejeição liminar do RAI, sem convite ao aperfeiçoamento.

2.2.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar com interesse para a decisão do presente recurso são os seguintes:
Por decisão proferida em 28 de Setembro de 2022, o Mº. Pº. proferiu despacho de arquivamento do inquérito, por considerar não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática pelo arguido e/ou pelo denunciado Comando Regional da PSP do Funchal e FC, do crime tipificado no art. 407º do Código do Trabalho de violação de autonomia e independência sindicais (despacho com a referência Citius 52359892);

A assistente SPPOL veio em 20 de Outubro de 2022, requerer a abertura da instrução, tendo o correspondente requerimento o seguinte teor (transcrição):

I.DA CONSTITUIÇÃO COMO ASSISTENTE
O ora queixoso, porque é ofendido e está em tempo, vem nos termos do disposto no artigo 682 do Código de processo Penal, requerer a sua constituição como assistente nos presentes autos, juntando comprovativo de pagamento da respectiva taxa de justiça.

II.DA ABERTURA DE INSTRUÇÃO

O ora Queixoso apresentou queixa, contra o Comando Regional da PSP e FC, referindo que JB é agente da PSP e membro do sindicado, e que este requereu uma dispensa sindical não remunerada para o exercício da sua actividade sindical nos dias 2, 3 e 4 de Outubro de 2022, tendo este seu pedido vindo a ser indeferido, por aqueles serviços não entenderem que o mesmo reunia as condições legais para o exercício daquele direito.

O denunciante JB demonstrou, junto da PSP, que não era delegado sindical, mas sim dirigente, pelo que teria direito a faltar nos dias solicitados, o que lhe foi negado.

Tais factos integram, assim, a prática de um crime por violação de autonomia ou independência sindical, por acto discriminatório, previsto e punido pelo artigo 4052 e 4072 do Código do Trabalho.

Realizada a investigação, decidiu o douto tribunal arquivar os presentes autos afirmando que o denunciado não reunia as condições legais para o exercício do respectivo direito, e que quem poderia beneficiar do referido crédito de horas seria EN, e não JB.

Salvo o devido respeito, que é mui, discordamos em absoluto com tal arquivamento.
Vejamos,

No inquérito foi provado que o denunciante JB pertence aos Órgãos Sociais da Direção Nacional do SPPOL, conforme BTE que se juntou aos presentes autos em sede de inquérito.

Consequentemente, é-lhe conferido estatutariamente a competência executiva nacional e plenos poderes não delegados de representação da associação, em juízo e fora dele.

Logo, e contrariamente à Orientação Técnica, quer o denunciado Sr. Agente JB, quer o Sr. Agente Principal EN tinham à data, direito aos créditos Sindicais não remunerados, com a diferença que o Sr. Agente Principal EN, também possuía o direito aos créditos remunerados.
10º
Sendo esta a confusão que se encontra plasmado no douto despacho de arquivamento proferido, o direito a créditos sindicais remunerados e não remunerados.
11º
Efectivamente, o denunciante Sr. Agente JB não reúne as condições para usufruir de créditos remunerados, no entanto, tem direito a usufruir de créditos sindicais não remunerados, conforme melhor consta dos documentos já juntos aos autos.
12º
É patente na fundamentação do despacho de arquivamento a confusão entre o direito a créditos sindicais remunerados e não remunerados, sendo que in casu, o denunciante requereu despensa de créditos sindicais não remunerados.
13º
Leia-se então a fundamentação constante do despacho de arquivamento na parte que ora nos interessa: "Acresce que de acordo com os elementos juntos aos autos e de acordo com a Ordem de Serviço da DN/PSP nº 38, de 06.10.2022, com referência ao artigo 2º Dirigentes Sindicais do SPPOL, publicação da identidade dos dirigentes do Sindicato pela Ordem e Liberdade, com direito a créditos remunerados, verifica-se que o denunciante não reunia as condições legais para o exercício do respectivo direito."
13º
E continua: "Não sendo o denunciante uma daquelas pessoas que tinha direito a um crédito de horas, de acordo com a referida Ordem de Serviço, é forçoso concluir que não existiu qualquer ingerência ou tentativa de impedimento do exercício dos direitos sindicais do denunciante (....).
14º
Da transcrição realizada ao despacho de arquivamento, o ora queixoso, sindicato, apenas constata que existe uma clara confusão entre o que é pretendido pelo agente JB e fundamentação ali aposta, pois o agente requereu créditos não remunerados e a fundamentação do douto tribunal, refere créditos remunerados, o que não é o que está em causa.
15º
O Sr. Comandante de Divisão FC, nas suas declarações vem dizer que o denunciante iria substituir o Agente Principal EN, que estava indigitado inicialmente para a actividade sindical, o que corresponde à verdade.
16º
No entanto, também afirma que o denunciado, com esta substituição, pretendia usufruir das horas de crédito, que por direito pertenciam ao Sr. Agente Principal EN, facto que não corresponde à verdade.
17º
O crédito sindical colocado pelo denunciado é referente aos 33 créditos sindicais não remunerados que o próprio tem direito anualmente, e que se encontram plasmado já nos documentos junto aos autos, e não créditos remunerados.
18º
Por outro lado, não existe qualquer referência que o Crédito Sindical colocado pelo denunciado Agente JB, eram pertença do Sr. Agente Principal EN e que o mesmo pretendia usufruir deles.
19º
O denunciante, solicitou apenas e tão só os seus créditos não remunerados, créditos esses que tinha, e tem, direito para levar a cabo a actividade sindical agendada.
20º
Quanto à substituição de um dirigente por outro na realização da actividade sindical, é verdade que aconteceu.
21º
Essas substituições ocorrem internamente, e trata-se da gestão interna do próprio sindicato, em que não poderá haver qualquer ingerência por parte dos decisores da PSP nem esta gestão tem que estar expressa na Lei.
22º
As comunicações a que o sindicato se encontra obrigado a fazer à Direção Nacional na PSP, nos termos do disposto no artigo 13º nº 1 da Lei Sindical, nomeadamente de quais os dirigentes que têm direito aos dias remunerados, e não remunerados, foi cumprido.
23º
Pelo que, dúvidas inexistem de que foram cumpridas todas as formalidades para que o denunciante gozasse os créditos sindicais.
24º
Destarte ter pleno conhecimento, e ter inclusive na sua posse a listagem que refere os dirigentes sindicais, facto é que a Direção Nacional, nunca notificou o sindicato, informando de forma expressa, que os dirigentes indicados pelo aqui Requente, com o direito aos dias não remunerados, não tinham esse direito.
25º
A verdade é que com o escopo de evitar situações desta natureza voltem a ocorrer, o Sindicato já indagou junto da Direção Nacional, no intuito de apurar quais e quantos dirigentes têm direito aos dias não remunerados, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.
Sem condescender, ainda se dirá.
26º
Na Orientação Técnica da l/DRH/2020, da Direção Nacional é feita uma interpretação errada da nova Lei Sindical 14/2002 de 19 Fevereiro, alterada peia Lei 19/2019 de 18/07 como se passa a explicar.
27º
Conjugados os artigos 11º, 12º e 13º da Lei Sindical da PSP, contrariamente ao entendimento da Direção Nacional da PSP, é entendimento do ora Requerente, que os dirigentes do sindicato, in casu SPPOL – (…) , se enquadram nas condições do artigo 11º nº 1, pelo que têm direito ao 33 dias de crédito não remunerado, nos termos do artigo 12º nº 1, as quais contam como serviço efectivo.
28º
Entendemos, desta feita, que o artigo 11º nº l da Lei sindical da PSP indica quais os dirigentes que se encontram nas condições de poder usufruir dos 33 (trinta e três) dias de créditos sindicais não remunerados (condições que o denunciante possui), conjugado com o artigo 12º nº 1, do mesmo Diploma legal.
29º
Entende, ainda o ora Requerente, que o artigo 12 nº 2 constitui um reforço do artigo 12º nº 1, em que mediante o número de associados da estrutura sindical, os dirigentes que reúnam as condições do artigo 11º nº 1, cumulativamente podem também usufruir de 4 dias de créditos sindicais remunerados, para além dos 33 créditos não remunerados a que têm direito e com as restrições impostas pelo número de associados, nos termos do artigo 12º nº 2 al a) e al. b) e 12º nº 3 do mesmo Diploma.
30º
A Orientação Técnica paralisa, completamente, a actividade do sindicato, já que o ora Queixoso, segundo a interpretação que é feita à referida orientação e atendendo ao número de associados que possui, faz com que apenas dois dirigentes possuam condições para aceder aos créditos sindicais, o que torna esta interpretação da Lei Sindical completamente desprovida de sensatez.
31º
A aplicação desta Orientação Técnica da Direção Nacional da PSP, paralisou por completo as actividades sindicato.
32º
Ante tal indaga-se, como é que é possível uma estrutura síndical realizar as suas actividades sindicais do dia-a-dia, apenas com dois membros da direcção com possibilidade de aceder aos créditos sindicais remunerados e não remunerados?!
33º
Pois, não sabemos!
34º
Salvo melhor e douta opinião, cremos não ser possível um sindicato prosseguir com a sua actividade sindical, quando existe uma limitação dos membros que possam exercer a sua actividade, e mais que essa limitação advenha de estruturas completamente alheias ao próprio sindicato.
35º
Esclarece-se que na primeira versão da Lei Sindical da PSP 14/2002 de 19 Fevereiro, eram concedidos 4 dias de créditos sindicais remunerados, a todos os membros da Direção Nacional do sindicato, nos termos do Artigo 12º nº 2, os quais eram acumuláveis.
36º
Com as alterações na Lei Sindical, introduzidas peia Lei 19/2019 de 18/07, houve no espírito do legislador uma clara intenção de controlar os créditos sindicais, nomeadamente os créditos remunerados.
37º
Nas alterações introduzidas na Lei Sindical, para os membros da direcção terem direito aos créditos remunerados, exige-se que a estrutura sindical tenha um número entre 100 e 200 associados, podendo neste caso apenas 1 membro da direcção usufruir dos créditos remunerados, conforme o artigo 125º nº 2 al a).
38º
Nas associações sindicais com mais de 200 (duzentos) associados, podem beneficiar do crédito um membro da direcção por cada 200 (duzentos) associados ou fracção, conforme mencionado no artigo 12 nº 2 al b).
39º
No maior controle dos créditos sindicais, o legislador não teve qualquer intuito de paralisar as actividades do sindicato ou restringir direitos que se encontram constitucionalmente protegidos, daí ter introduzido a nuance dos 33 dias de créditos não remunerados, para os dirigentes que se encontrem nas condições prevista do artigo 119º nº 1, poderem utilizá-los nas actividades sindicais.
40º
Mesmo que não haja responsabilidade criminal por parte do decisor, que seguiu uma Orientação Técnica da responsabilidade da Direção Nacional da PSP, há com certeza responsabilidades a assacar por esta interpretação abusiva da Lei, que coarcta por completo as actividades do sindicato, negando não só as garantias plasmadas no artigo 22º nº 1 da Lei Sindical, como 0 próprio direito constitucional à liberdade sindical previsto no artigo 55s da Constituição da República Portuguesa.
41º
Pelo exposto, e para que a legalidade seja reposta deveria ser devolvido ao Denunciado o valor aplicado pela pena de multa, com a consequente cessação dos efeitos da pena aplicada.
42º
Por outro lado, deveria ser revogada a orientação técnica por conter uma interpretação contrária e abusiva da Lei, contrária ao espírito do legislador.
43º
Em face do supra exposto, cremos que dúvidas não existem que o denunciante reunia e reúne as condições legais para o exercício do respectivo direito, devendo ter-lhe sido concedida a dispensa sindicai não renumerada, facto que não sucedeu.
44º
Perante tal situação está necessariamente preenchido o conceito de negligência que o douto despacho pretende afastar.

45º
O artigo 15º do Código Penal refere expressamente que: "Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a)-Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b)-Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

46º
Os denunciados agiram de forma livre, voluntária e negligente, bem sabendo que, com a sua conduta, colocava em causa direitos sindicais.
47º
Pelo que, com tal actuação cometeram um crime por violação da autonomia ou independência sindical, ou por acto discriminatório, previsto e punido pelos artigos 405º e 407º do Código do Trabalho.
48º
Em face do exposto, a ora queixosa, vem requerer, a V. Exa., que seja declarada aberta a fase processual da instrução, com inquirição das testemunhas indicadas, e que, a final, seja proferido despacho de pronúncia.

III.MANIFESTAÇÃO DA INTENÇÃO DE DEDUZIR PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
O Queixoso, ao abrigo do disposto no artigo 75º do Código de Processo Penal, manifesta, desde já, a sua intenção de deduzir pedido de indemnização civil.
Termos em que e nos demais de direito requer a V. Exa.:
ISeja declarada a abertura de instrução e, consequentemente, produzida a prova indicada, devendo, a final, ser proferido despacho de pronuncia.
Meios de Prova
ATestemunhal
1.-Declarações da Assistente
2.- Testemunhas:
a) (…)
BDocumental -toda a prova junta ao processo (requerimento com a referência Citius 4925536);

O despacho recorrido que indeferiu a abertura da instrução requerida, tem o seguinte teor (transcrição integral):
O assistente SPPOL – (…) veio requerer a abertura da fase de instrução em face da prolação do despacho de arquivamento constante de fls. 88-93.
Alega que apresentou queixa, contra o Comando Regional da PSP e FC, referindo que JB é agente da PSP e membro do sindicado, e que este requereu uma dispensa sindical não remunerada para o exercício da sua actividade sindical nos dias 2, 3 e 4 de Outubro de 2022, tendo este seu pedido vindo a ser indeferido, por aqueles serviços não entenderem que o mesmo reunia as condições legais para o exercício daquele direito.
Refere que o denunciante JB demonstrou, junto da PSP, que não era delegado sindical, mas sim dirigente, pelo que teria direito a faltar nos dias solicitados, o que lhe foi negado.
Considera que tais factos integram, assim, a prática de um crime por violação de autonomia ou independência sindical, por acto discriminatório, previsto e punido pelo artigo 405° e 407° do Código do Trabalho.
Descreve que, realizada a investigação, decidiu o Ministério Público arquivar os autos afirmando que o denunciado não reunia as condições legais para o exercício do respectivo direito, e que quem poderia beneficiar do referido crédito de horas seria EN, e não JB, entendimento com o qual discorda.
Considera que no inquérito foi provado que o denunciante JB pertence aos órgãos Sociais da Direcção Nacional do SPPOL, conforme BTE que juntou aos autos em sede de inquérito e, consequentemente, é-lhe conferido estatutariamente a competência executiva nacional e plenos poderes não delegados de representação da associação, em juízo e fora dele, pelo que, contrariamente à Orientação Técnica, quer o denunciante Sr. Agente JB, quer o Sr. Agente Principal EN tinham à data, direito aos créditos Sindicais não remunerados, com a diferença que o Sr. Agente Principal EN, também possuía o direito aos créditos remunerados, sendo esta a confusão que se encontra plasmado no douto despacho de arquivamento proferido, o direito a créditos sindicais remunerados e não remunerados.
Afirma que, efectivamente, o denunciante Sr. Agente JB não reúne as condições para usufruir de créditos remunerados, no entanto, tem direito a usufruir de créditos sindicais não remunerados, conforme melhor consta dos documentos já juntos aos autos, sendo patente na fundamentação do despacho de arquivamento a confusão entre o direito a créditos sindicais remunerados e não remunerados, sendo que in casu, o denunciante requereu despensa de créditos sindicais não remunerados.
Transcreve o despacho de arquivamento, concluindo que do mesmo resulta que existe uma clara confusão entre o que é pretendido pelo agente JB e fundamentação ali aposta, pois o agente requereu créditos não remunerados e a fundamentação do douto tribunal, refere créditos remunerados, o que não é o que está em causa.
Mais alega que o Sr. Comandante de Divisão FC, nas suas declarações vem dizer que o denunciante iria substituir o Agente Principal EN, que estava indigitado inicialmente para a actividade sindical, o que corresponde à verdade, mas também afirma que o denunciado, com esta substituição, pretendia usufruir das horas de crédito, que por direito pertenciam ao Sr. Agente Principal EN, facto que não corresponde à verdade.
Menciona que o crédito sindical colocado pelo denunciado é referente aos 33 créditos sindicais não remunerados que o próprio tem direito anualmente, e que se encontram plasmado já nos documentos junto aos autos, e não créditos remunerados e, por outro lado, não existe qualquer referência que o Crédito Sindical colocado pelo denunciado Agente JB, eram pertença do Sr. Agente Principal EN e que o mesmo pretendia usufruir deles.
Mais alega que o denunciante, solicitou apenas e tão só os seus créditos não remunerados, créditos esses que tinha, e tem, direito para levar a cabo a actividade sindical agendada.
Aduz que, quanto à substituição de um dirigente por outro na realização da actividade sindical, é verdade que aconteceu, sendo que essas substituições ocorrem internamente, e trata-se da gestão interna do próprio sindicato, em que não poderá haver qualquer ingerência por parte dos decisores da PSP nem esta gestão tem que estar expressa na Lei e as comunicações a que o sindicato se encontra obrigado a fazer à Direcção Nacional na PSP, nomeadamente de quais os dirigentes que têm direito aos dias remunerados, e não remunerados, foi cumprido, pelo que, dúvidas inexistem de que foram cumpridas todas as formalidades para que o denunciante gozasse os créditos sindicais e destarte ter pleno conhecimento, e ter inclusive na sua posse a listagem que refere os dirigentes sindicais, facto é que a Direcção Nacional, nunca notificou o sindicato, informando de forma expressa, que os dirigentes indicados pelo aqui Requente, com o direito aos dias não remunerados, não tinham esse direito.
Afirma que com o escopo de evitar situações desta natureza voltem a ocorrer, o Sindicato já indagou junto da Direcção Nacional, no intuito de apurar quais e quantos dirigentes têm direito aos dias não remunerados, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.
Menciona que na Orientação Técnica da 1/DRH/2020, da Direcção Nacional é feita uma interpretação errada da nova Lei Sindical 14/2002 de 19 Fevereiro, alterada pela Lei 19/2019 de 18/07 pois, contrariamente ao entendimento da Direcção Nacional da PSP, é entendimento do requerente, que os dirigentes do sindicato, in casu SPPOL- (…), têm direito ao 33 dias de crédito não remunerado e cumulativamente podem também usufruir de 4 dias de créditos sindicais remunerados, para além dos 33 créditos não remunerados a que têm direito e com as restrições impostas pelo número de associados.
Considera que a Orientação Técnica paralisa, completamente, a actividade do sindicato, já que o queixoso, segundo a interpretação que é feita à referida orientação e atendendo ao número de associados que possui, faz com que apenas dois dirigentes possuam condições para aceder aos créditos sindicais, o que torna esta interpretação da Lei Sindical completamente desprovida de sensatez.
Crê não ser possível um sindicato prosseguir com a sua actividade sindical, quando existe uma limitação dos membros que possam exercer a sua actividade, e mais que essa limitação advenha de estruturas completamente alheias ao próprio sindicato.
Considera que com as alterações na Lei Sindical, introduzidas pela Lei 19/2019 de 18/07, houve no espírito do legislador um clara intenção de controlar os créditos sindicais, nomeadamente os créditos remunerados, sendo que nas alterações introduzidas na Lei Sindical, para os membros da direcção terem direito aos créditos remunerados, exige-se que a estrutura sindical tenha um número entre 100 e 200 associados, podendo neste caso apenas 1 membro da direcção usufruir dos créditos remunerados e nas associações sindicais com mais de 200 (duzentos) associados, podem beneficiar do crédito um membro da direcção por cada 200 (duzentos) associados ou fracção.
Refere que no maior controle dos créditos sindicais, o legislador não teve qualquer intuito de paralisar as actividades do sindicato ou restringir direitos que se encontram constitucionalmente protegidos, daí ter introduzido a nuance dos 33 dias de créditos não remunerados e mesmo que não haja responsabilidade criminal por parte do decisor, que seguiu uma Orientação Técnica da responsabilidade da Direcção Nacional da PSP, há com certeza responsabilidades a assacar por esta interpretação abusiva da Lei, que coarcta por completo as actividades do sindicato, negando não só as garantias plasmadas na Lei Sindical, como na Constituição da República Portuguesa.
Entende que para que a legalidade seja reposta deveria ser devolvido ao denunciado o valor aplicado pela pena de multa, com a consequente cessação dos efeitos da pena aplicada e, por outro lado, deveria ser revogada a orientação técnica por conter uma interpretação contrária e abusiva da Lei, contrária ao espírito do legislador.
Crê que dúvidas não existem que o denunciante reunia e reúne as condições legais para o exercício do respectivo direito, devendo ter-lhe sido concedida a dispensa sindical não renumerada, facto que não sucedeu e perante tal situação está necessariamente preenchido o conceito de negligência que o despacho de arquivamento pretende afastar.
Afirma que os denunciados agiram de forma livre, voluntária e negligente, bem sabendo que, com a sua conduta, colocava em causa direitos sindicais, pelo que com tal actuação cometeram um crime por violação da autonomia ou independência sindical, ou por acto discriminatório, previsto e punido pelos artigos 405.° e 407.° do Código do Trabalho.

Cumpre apreciar.

Dispõe o art. 286°, n.° 1 do Código de Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Por sua vez, dispõe o n.° 2 do art. 287.° do mesmo diploma legal que o requerimento de abertura da instrução “deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à (...) não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através duns e doutros, se espera provar”.
Por fim, estando em causa o requerimento apresentado pelo assistente, deve obedecer aos requisitos estabelecidos nas als. b) e c) do n.° 3 do art. 283.° do Código de Processo Penal, ou seja, com “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” e “a indicação das disposições legais aplicáveis”.
Em face deste enquadramento legal, torna-se patente que o requerimento de abertura de instrução apresentado por assistente deve conter uma verdadeira acusação alternativa, ou seja, tem de alegar de facto e de direito, em termos de apresentar a acusação que, na sua perspectiva, deveria ter sido proferida.
Assim, é necessária uma delimitação do campo factual sobre o qual a instrução há-de versar, ou seja, o assistente terá de indicar os actos de instrução que pretende realizar, os meios de prova que não tenham sido considerados em sede de inquérito e os factos que, através de uns e outros, espera provar e pelos quais gostaria de ver proferido um despacho de pronúncia.
Tem de enumerar e descrever os factos concretos que pretende imputar aos arguidos e que sejam integradores do crime ou crimes por que pretende vê-los pronunciados.
Se não são descritos factos ou o são deficientemente, sendo que apenas com o seu apuramento em sede de instrução é possível proferir um despacho de pronúncia, este redunda numa alteração substancial do requerimento nos termos da al. f) do n.° 1 do art. 1.° do Código de Processo Penal, e, como tal, nulo por força do n.° 1 do art. 309.° do mesmo diploma legal.
Por outro lado, tem de ser indicado o respectivo enquadramento legal, podendo ainda haver uma discussão normativa, assente, embora, numa factualidade concreta.
Só ante um requerimento elaborado nestes termos é que, caso o arguido seja pronunciado, não haverá lugar a nova acusação, uma vez que o requerimento do assistente actuou como tal.
Está uma forma de vinculação temática do Juiz de Instrução, no que tange à actividade de investigação e à própria decisão instrutória, como, de resto, decorre do disposto no n.° 1 do art. 303.° e no n.° 1 do art. 309.°, ambos do Código de Processo Penal.
No fundo, deparamo-nos com uma consequência da estrutura acusatória do processo penal e do princípio do contraditório, relacionando-se com as garantias de defesa do arguido, que assim se vê protegido contra o alargamento do objecto do processo, sendo capaz de organizar a respectiva defesa perante os factos de que é acusado.
Assim o estatuem o n.° 5 do art. 32.° da Constituição da República Portuguesa e o n.° 3 do art. 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se que, em detrimento do estabelecido na al. b) do n° 3 do art. 283°, aplicável por força do n.° 2 do art. 287.° do Código de Processo Penal, o assistente alega muito deficientemente os factos susceptíveis de integrar o tipo objectivo e subjectivo do ilícito pelo qual pretende a pronúncia dos denunciados.
Com efeito, no requerimento de abertura de instrução a assistente é prolixa no que respeita às razões da sua discordância com o despacho de arquivamento e à descrição do seu entendimento quanto à interpretação da Lei Sindical, mas no que respeita aos factos que concretamente cada um dos denunciados praticou e que integram o ilícito indicado apenas por dedução se conseguirá definir os mesmos.
De igual modo, discorrendo sobre a actuação negligente não é perceptível em que a mesma consistiria, para além de uma interpretação legislativa, sendo que nada é descrito quanto ao conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, não sendo perceptível também a este nível, qual a actuação dos denunciados, tanto mais que um deles é o Comando Regional da PSP.
Impõe-se pois concluir a assistente, no requerimento de abertura da instrução não formulou, como lhe competia, nas palavras do Professor Doutor Germano Marques da Silva, uma “acusação alternativa”.
Diferente seria já o caso de esta argumentação almejar o recurso ao estatuído nos arts. 278.° ou 279.° do Código de Processo Penal, pois no requerimento de intervenção hierárquica prevista no art. 278.° do Código de Processo Penal, é pedida uma apreciação do despacho proferido, cabendo ao superior hierárquico determinar a continuação das investigações ou dar indicação para acusar; e, na reabertura do inquérito, é indicada a existência de novos meios de prova que invalidam os fundamentos invocados pelo Ministério Público.
São situações, contudo, distintas da abertura da fase de instrução.
Ora, em conformidade com o n.° 3 do art. 287.° do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura da instrução apenas pode ser rejeitado por extemporaneidade, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução.
Um requerimento sem descrição dos factos que permitam preencher todos os elementos do crime, conduz a que a instrução seja inexequível - e assim, a defesa do próprio arguido -, sendo inadmissível nos termos e para os efeitos do já referido n.° 3 do art. 283°, aplicável ex vi n° 2 do art. 287.° do Código de Processo Penal.
Esta nulidade não se reduz, como resulta da análise que precede, a uma ausência de uma acusação em sentido formal, mas decorre da própria natureza do processo penal e do escopo da fase de instrução, é de conhecimento oficioso e é impassível de ser sanado por aperfeiçoamento - cfr., neste sentido, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 7/2005 publicado no Diário da República I-A de 4 de Novembro de 2005.
De resto, permitir o prosseguimento do processo sem o respectivo thema decidendum, ou seja, sem a pressuposta acusação conduziria necessariamente à nulidade da decisão instrutória nos termos do n.° 1 do art. 309.° do Código de Processo Penal.
Haveria, assim, a prática de actos inúteis e inconsequentes, e, como tal, ilegais à luz do princípio da limitação dos actos plasmado no art. 137.° do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4.° do Código de Processo Penal.
*
Por tudo o que ficou exposto e por inadmissibilidade legal da instrução, decido rejeitar o requerimento para o efeito apresentado pelo assistente, nos termos do n.° 3 do art. 287.° do Código de Processo Penal.
*
Não há lugar a tributação autónoma.
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Notifique.
Funchal, 16 de Janeiro de 2023
*

2.3.APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Nos termos do art. 286º do CPP, a instrução destina-se à comprovação judicial da decisão proferida pelo Mº. Pº., no final do inquérito, no sentido de submeter ou não a causa a julgamento.
A instrução não visa a demonstração dos factos integradores do crime, mas apenas a comprovação judicial decisão proferida pelo Mº. Pº., no final do inquérito, de deduzir acusação ou de arquivar em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º n° 1 do CPP) não se impondo «a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final». (…). «Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1994, vol. III , páginas 179 a 182).

Neste contexto, o grau de «possibilidade razoável» de condenação mencionado nos arts. 283º nº 2 e 308º nº 2 do CPP, tem de ser interpretado como «uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou, os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição» (Acs. da Relação de Coimbra de 28.06.2017, proc. 1772/15.3T9LRA.C1. No mesmo sentido, Ac. da Relação do Porto de 07.12.2016, proc. 866/14.7PDVNG.P1; Acs. da Relação de Coimbra de 23.05.2018, proc. 80/16.7GBFVN.C1 e de 26.06.2019, proc. 303/18.8JALRA.C1; Ac. da Relação de Guimarães de 27.05.2019, processo 134/17.2T9TMC.G1; Ac. da Relação de Lisboa de 04.07.2019, proc. 324/17.8PASNT.L1, in http://www.dgsi.pt).
Pese embora o requerimento de abertura de instrução não esteja sujeito a formalismos especiais, a verdade é que, por imperativo do art. 287º nº 2 do Código de Processo Penal, tem de conter, ainda que, por súmula, as razões de facto e de direito em que se estriba a discordância em relação à decisão tomada no final do inquérito. Sobretudo se essa decisão tiver sido, como foi, no caso vertente, de arquivamento. Até porque, além disso, são-lhe aplicáveis as normas contidas no art. 283º nº 3 als. b) e c) do mesmo diploma, por remissão do citado art. 287º nº 2.
Assim, a acusação deve conter e a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, designadamente, no que tange às circunstâncias de tempo, modo e lugar, em que os factos integradores do crime foram cometidos, à motivação da sua prática e grau de participação do agente, bem como todas as demais circunstâncias relevantes para a determinação da sanção e a indicação das disposições legais aplicáveis, nos termos das als. c) e b) do nº 3 do art. 283º do CPP, respectivamente.
Esta imposição legal é feita com a cominação expressa da nulidade para a omissão destes requisitos, a qual, por força das disposições conjugadas dos arts. 118º e 119º nº 1 do citado código é insanável e de conhecimento oficioso.
Porque é a acusação que delimita o objecto do processo e os poderes de cognição do Tribunal, de harmonia com o princípio do acusatório, o legislador comina com a sanção da nulidade, a omissão da descrição dos elementos constitutivos - objectivos e subjectivos - do crime imputado ao arguido.
Ora, o mesmo raciocínio terá de fazer-se para o requerimento de abertura da instrução.
É que, caso a decisão instrutória venha a ser de pronúncia, será ela que delimitará o objecto específico do processo com a correspondente vinculação temática do Tribunal, na fase da discussão e julgamento da causa, reflexo, justamente, da estrutura acusatória do processo penal.
O requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação alternativa ao arquivamento ou à acusação decididos pelo Ministério Público, já que é através desse requerimento que é formulada a pretensão de sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal.
Acusação essa que, «dada a divergência com a posição assumida pelo Mº. Pº. – vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial» e que, tal como sucede com acusação em sentido formal estrito, condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a própria decisão instrutória (Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 1994, pág. 125), porquanto, nos termos do art. 309º do Código de Processo Penal, a decisão instrutória que pronuncie o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura da instrução, é nula.
Mas não é apenas para garantir o cabal cumprimento do princípio do acusatório que a lei impõe esta concretização factual.
Trata-se, ainda, de garantir o princípio do contraditório e de assegurar as garantias de defesa do arguido (art. 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa). Se este não conhece, ou não tem como saber, por omissão da descrição das circunstâncias de tempo, modo e lugar e respectivo grau de participação que uma determinada conduta tipificada como crime lhe é imputada e as correspondentes normas legais que a qualificam como tal, fica, do mesmo modo, impedido de preparar a sua defesa e indicar os meios de prova que entender pertinentes, quer para a sua defesa, quer para o esclarecimento dos factos e o apuramento da verdade. (Frederico Isasca, in “Alteração Substancial dos Factos e a sua relevância no processo penal português”, Almedina, 1992, pág. 54; Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, I, Coimbra, 1974, pág. 145; Anabela Rodrigues, “O inquérito no Novo Código de Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 77, Mouraz Lopes, in Garantia Judiciária no Processo Penal, do Juiz e da Instrução, Coimbra Editora, 2000, fls. 69).
E o que é certo é que é das reais possibilidades de exercício do direito de defesa e ao contraditório que depende o cabal cumprimento dos princípios constitucionais a um processo justo e equitativo (art. 20º nº 4 da CRP) e da presunção de inocência do arguido (art. 32º nºs 1 e 5 da CRP) (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, p. 192).
Ora, ninguém pode defender-se daquilo que não conhece.
A rejeição do requerimento de abertura da instrução só pode ter lugar, de acordo com o que estabelece o art. 287º nº 3 do CPP, por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
A «inadmissibilidade legal», ocorrerá sempre que a instrução seja requerida em  outras formas de processo que não a do comum e a do abreviado (art. 286º nº 3); ou se for requerida por outras pessoas não o arguido ou assistente, ou se, ainda que requerida por estes, quando o fazem fora dos limites definidos pelo art. 287º nº 1 als. a) e b), ou se o requerimento do assistente não configurar uma verdadeira acusação (não contiver a identificação do arguido, ou não descrever os factos componentes do crime imputado ou se os factos descritos não constituem crime, nomeadamente), caso em que faltará o próprio objecto do processo.
Por isso que, uma instrução levada a cabo na sequência de um requerimento sem factos, por falta de objecto, será nula e legalmente inadmissível.
A não descrição dos «factos, ou descrever factos que não constituem crime, não pode deixar de conduzir […] à inadmissibilidade legal do RAI [requerimento para abertura da instrução] do assistente por falta de requisitos legais» (Vinício Ribeiro, em «Código de Processo Penal – Notas e Comentários», Coimbra Editora, 2.ª edição, 2011, pág. 794,. No mesmo sentido, Acs. da Relação de Évora de 13.07.2017, proc. n.º 203/14.0T9ENT.E1; da Relação de Lisboa de 18.09.2018, proc. 1910/17.1T9SNT.L1; Acs. do STJ de 12.03.2009, proc. n.º 3168-08; de 13.1.2011, proc. 3/10.0YGLSB.S1, de 07.02.2018, proc. 29/16.7TRLSB.S1. e de 11.09.2019, proc. 47/17.8YGLSB, in http://www.dgsi.pt).
«A decisão recorrida rejeitou o requerimento de abertura de instrução, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do art. 287.º, n.º 3, do CPP. Nesse sentido, argumentou-se: o requerimento de abertura de instrução não descreve os factos que poderiam integrar os crimes de denegação de justiça e prevaricação imputados pelo queixoso aos denunciados. Se, de acordo com o art. 309.º, n.º 1, do CPP, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento para abertura da instrução, a instrução nunca poderia levar a uma decisão de pronúncia, pelo que redundaria num acto inútil» (Ac. do STJ de 28.05.2014, processo 13/13.2YGLSB.S1 - 5.ª Secção, in  http://www.dgsi.pt).
«É de rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente sempre que o mesmo não contenha uma narração dos factos que permitam concluir que há indícios suficientes de estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de um certo tipo de crime, que não contenha quaisquer factos ou que contenha factos que não sejam integradores de qualquer tipo legal de crime, por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no art. 287.º, n.º 3 do CPP» (Ac. do STJ de 05.04.2017, processo n.º 16/16.5TRLSB.S1 – 3.ª Secção,  in http://www.dgsi.pt).
«Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, e por inutilidade, nos termos prevenidos no artigo 287.º n.º 3, do CPP, e 130.º, do CPC, o requerimento do assistente para abertura da instrução que deixe de arrolar a totalidade dos factos consubstanciadores do crime pelo qual pretende ver o arguido pronunciado, e sem que evidencie, a respeito, fundamento probatório bastante, sob pena de, em infração regras de economia e utilidade processuais, se fazer iniciar uma instrução que, à partida, inarredavelmente, só se pode ter por inconsequente» (Ac. do STJ de 22.10.2020, processo 2938/18.0T9PTM, in http://www.dgsi.pt).
Por imposição da estrutura acusatória do processo penal português e dos princípios constitucionais do processo justo e equitativo, em que assentam as garantias de defesa e o princípio do contraditório, não pode ser o tribunal a ir descobrir, na queixa, na acusação ou em qualquer outra peça processual que não seja o próprio requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente, quais serão os factos que este entende que foram praticados pelo arguido.
«[S]e o assistente requer instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver acusados. Aquilo que não está na acusação e no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito vasto. O juiz de instrução “não prossegue” uma investigação, nem se limitará a apreciar o arquivamento do MP, a partir da matéria indiciária do inquérito. O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão. Aliás, um requerimento de instrução sem factos, subsequente a um despacho de arquivamento, libertaria o juiz de instrução de qualquer vinculação temática.
«Teríamos um processo já na fase da instrução sem qualquer delimitação do seu objecto, por mais imperfeita que fosse, o que não se compaginará com uma fase que em primeira linha não é de investigação, antes dominada pelo contraditório.» (Souto de Moura, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, página 120).
«A exigência de rigor na delimitação do objecto do processo (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou), sendo uma concretização das garantias de defesa, não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a consagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo.
«De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.
«Cabe também sublinhar que não é sustentável que o juiz de instrução criminal deva proceder à identificação dos factos a apurar, pois uma pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo.
«Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efectiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.» (Ac. do Tribunal Constitucional nº 358/04, proferido no processo nº 807/2003 em 19 de Maio de 2004, in www.tribunalconstitucional.pt).
É, pois, o assistente quem tem de tomar posição expressa, clara e especificada sobre quais são os factos que pretende ver imputados ao arguido e as disposições legais aplicáveis, em sintonia com tais características do processo penal e princípios constitucionais aplicáveis.
No caso vertente, a assistente pretende que os denunciados sejam submetidos a julgamento, por factos que em seu entender, integram a prática de um crime de violação da autonomia e independência sindicais tipificado no art. 407º por referência ao art. 405º do Código do Trabalho, como toda e qualquer conduta de entidade, administrador, director, gerente ou qualquer trabalhador com cargo de chefia que seja adequada e suficiente para influenciar o modo de organização, de funcionamento, os processos de tomada de decisão das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores, bem como das suas formas de actuação em defesa dos interesses dos trabalhadores que representem, visando tutelar a sua plena liberdade e autonomia de constituição, organização e funcionamento e protegê-las contra tentativas abusivas de ingerência ou controle pelas entidades empregadoras ou pelas entidades públicas detentoras da tutela sobre certas actividades profissionais inseridas nas atribuições e competências do Estado.

O art. 405º nº 2 do Código do Trabalho descreve várias modalidades típicas de acção aptas à consumação do crime:
Promover a constituição, manter ou financiar o funcionamento de estruturas de representação coletiva dos trabalhadores, por quaisquer meios, seja pelos empregadores individualmente considerados ou através das suas empresas ou das suas associações;
Intervir por qualquer modo, na sua organização e gestão;
Impedir ou dificultar o exercício dos seus direitos.
De acordo com a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e respectivo Acompanhamento e com as Convenções (n.º 87 e nº 98) da OIT sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical,  todos os trabalhadores e empregadores têm o direito de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de nelas se filiarem, com vista a promover e defender os seus interesses, e o direito de negociar colectivamente entre si.
E devem poder fazê-lo livremente, sem a ingerência da outra parte ou do Estado.
A liberdade sindical é um direito humano fundamental e, conjuntamente com o direito de negociação colectiva, constitui um dos valores fundamentais da OIT e da democracia, já que os direitos de organização e de negociação colectiva são essenciais a uma boa governação do mercado de trabalho e a condições de trabalho dignas para todos os cidadãos.
Nessa conformidade, a Constituição da República Portuguesa  garante a liberdade sindical no seu art. 55º e no art. 56º consagra os direitos das associações sindicais e no domínio da contratação colectiva.
E é esta liberdade que também é protegida pela incriminação contida nos referidos arts. 405º e 407º do Código do Trabalho.
Trata-se de um crime doloso, na medida em que não está legalmente prevista a possibilidade de punição com fundamento na negligência, de harmonia com o princípio geral contido no art. 13º do Código Penal.
Ora, o dolo é integrado por um elemento intelectual e por um elemento volitivo.
O elemento intelectual materializa-se na representação pelo agente de todos os elementos que integram o tipo objetivo de ilícito e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável, o que, adaptado ao crime que em concreto está em discussão neste processo, implica o conhecimento do dever de sigilo inerente à profissão, no caso, o de segredo consagrado no art. 81º nº 3 do estatuto da ordem dos advogados, do carácter secreto ou confidencial da informação obtida acerca de outra pessoa no contexto do exercício da profissão e por causa dela.
O elemento volitivo, por seu turno, integra a especial direcção da vontade do agente à realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo – o dolo directo traduzido na intenção de realizar o facto, o dolo necessário que envolve a previsão do facto como consequência necessária da conduta e o dolo eventual que se concretiza na conformação da realização do facto como consequência possível da conduta.
A afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do facto e a afirmação do elemento volitivo do dolo requer que o agente tenha vontade livre e consciente de violar o seu dever segredo e de revelar informações secretas acerca de terceiros, agindo contra a vontade destes.
Assim sendo, para que pudesse dar-se como cometido o crime de violação de segredo que a assistente imputou ao arguido era necessário que da descrição factual vertida no requerimento de abertura da instrução constasse de forma explícita, precisa e concretizada, que o autor da acção conhecendo o carácter alheio da informação e a sua natureza confidencial, de forma livre e consciente, quis divulgá-la, ciente de que estava a agir contra a vontade do legítimo titular dessa informação e ciente da natureza proibida e punível da sua conduta, pela Lei penal.
De nada serve toda a argumentação expendida no recurso, mais concretamente nas conclusões H) a P) porque, nem o elemento subjectivo do tipo nas duas vertentes intelectual e volitiva é facto público e notório que não careça de alegação e prova, nem se presume, como muito bem refere a decisão recorrida e a descrição do elemento subjectivo do tipo foi totalmente omitida, sendo, pois, insuprível essa lacuna descritiva.
O requerimento de abertura de instrução que deve conter a descrição dos factos, por forma a que deles possam extrair-se todos os elementos constitutivos dos crimes imputados.
E não é o que sucede no requerimento de abertura da instrução rejeitado pela decisão recorrida.
Com efeito, do mesmo não consta nenhuma circunstância objectiva concreta apta a integrar os elementos intelectual e volitivo do dolo, nos termos em que o mesmo é indispensável à demonstração da prática de um crime de violação de segredo.  
De resto, nem sequer da própria consumação objectiva do tipo legal de crime imputado, pois que, como muito bem assinala a decisão recorrida, toda a argumentação exposta no RAI se centra, ou na confusão que o Mº. Pº. terá feito entre créditos sindicais remunerados e não remunerados, ou, em alternativa, aos erros de interpretação jurídica por parte dos denunciados, quanto à qualidade do denunciante de dirigente sindical como por ele pretendido, ou apenas de delegado sindical como interpretado pelos denunciados e, no mais, na exposição das razões da sua discordância em relação ao despacho de arquivamento.
Ora, divergências de interpretação da lei, mesmo que essa interpretação esteja errada não constituem crimes e o que é certo é que o requerimento de abertura de instrução não descreve um único comportamento imputável aos denunciados minimamente apto a integrar algum dos elementos constitutivos do tipo por que pretende vê-los pronunciados.
Por conseguinte, não podem ter-se como, minimamente cumpridas, as exigências legais de conteúdo do requerimento de abertura da instrução, o que a torna legalmente inadmissível, nos termos do nº 3 do citado art. 287º, sem que haja lugar a convite ao aperfeiçoamento, tal como resulta da jurisprudência fixada no Ac. do STJ de 12.05.2005, AUJ  nº 7/2005, «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º nº 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido» (DR 212 SÉRIE I-A, de 04.11.2005) e, mais recentemente do Ac. do Tribunal Constitucional nº  636/2011, proferido no processo n.º 121/2011 (D R 2.ª série, nº 19 de 26 de Janeiro de 2012) que não julgou «inconstitucional a norma contida conjugadamente nos nºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas).»
A decisão recorrida fez uma análise acertada do requerimento de abertura da instrução que é, efectivamente, legalmente inadmissível, pelo que, outra não poderia ter sido a solução, que a de indeferir a abertura da instrução.
Razões por que a decisão recorrida deverá ser integralmente confirmada.

III–DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas a cargo da assistente, fixando a Taxa de Justiça em 3 Ucs – art. 515º nº 1 al. b) e nº 2 do CPP.
Notifique.
*

Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente(art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Mmos. Juizes Adjuntos.



Tribunal da Relação de Lisboa, 24 de Maio de 2023



Cristina Almeida e Sousa
-Relatora-
Alfredo Costa
-Adjunto-
Rosa Vasconcelos
-Adjunta-