Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
90/15.1PILRS.L1-9
Relator: VITOR MORGADO
Descritores: PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONTRAORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
CÓDIGO DA ESTRADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I)- O princípio constitucional da igual­dade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não impede a lei ordinária de efetuar distinções de tratamento, desde que estas se mostrem materialmente fundadas ou com justificação objetiva e racional.

II)- Não são, por isso, inconstitucionais os artigos 188º e 189º do Código da Estrada, que autonomizaram, com fundamento razoável, os prazos de prescrição das contraordenações rodoviárias relativamente aos do Regime Geral das Contraordenações.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

Em processo comum com intervenção de tribunal singular, o Ministério Público acusou L..., nascido em 15/04/1994, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível, pelo artigo 292°, nº 1, do Código Penal, e com a correspondente pena acessória de proibição de conduzir nos termos do artigo 69°, nº 1, alínea a), do Código Penal, de dois crimes de injúria agravada, previsto e punível pelos artigos 181°, 184°, por referência ao artigo 132°, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, e uma contraordenação muito grave, prevista e sancionada pelo artigo 4°, nº 1 e 3, por referência ao artigo 146°, alínea I) e 147°, nº 1 e 2, todos do Código da Estrada.

Tendo o arguido requerido a abertura de instrução, foi pronunciado pelos mesmos factos e ilícitos imputados na acusação.

Posteriormente, no que respeita aos crimes de injúria pelos quais o arguido vinha acusado, os ofendidos desistiram da queixa oportunamente apresentada, que o arguido aceitou e foi declarado extinto o procedimento criminal

A final da audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu:

a) Condenar o arguido pela autoria do crime de condução de veículo em estado de embriaguez de que vinha acusado/pronunciado, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete). que perfaz o montante total de €420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 (três) meses, nos termos do artigo 69°, nº 1, alínea a), do Código Penal;

c) Condenar o arguido, pela autoria da contraordenação muito grave de que vinha acusado/pronunciado, na coima de €700 (setecentos) euros e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 (três) meses, nos termos do disposto nos artigos 147°, nº 2, do Código da Estrada.

                                                      *

Com tal decisão não se conformou, no entanto, o arguido, que interpôs o presente recurso, em que formulou as seguintes conclusões

« I. A lei, nos artigos 41º e 71º do Código Penal, estabelece como limite para a pena a culpa.

II. A pena concreta, ou sanções acessórias, deverão, pois, fixar-se entre um limite mínimo e um limite máximo adequados à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.

III. A aplicação de qualquer pena, assim como de sanções acessórias, tem desde logo em vista a proteção de bens jurídicos e a Reintegração social do agente, pelo que as finalidades de aplicação da pena (e respetivas sanções acessórias) residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e tanto quanto possível na reinserção do agente na comunidade, surgindo a defesa da ordem jurídico-penal como finalidade primeira a prosseguir.

IV. In casu, a prevenção geral afigura-se pouco elevada atenta a ausência de quaisquer danos corporais que se tenham verificado.

V. No que respeita à prevenção especial de socialização é de considerar a circunstância do arguido se encontrar bem inserido socialmente.

VI. Por conseguinte e com vista a garantir a satisfação das finalidades preventivas, a pena deverá situar-se no mínimo da moldura, não podendo o Tribunal abstrair o facto de existir um concurso de crime e contraordenação e, portanto, cumulando as duas, ponderar uma sanção justa e equilibrada, tanto ao nível da coima e da multa como da sanção acessória.

VII. Ponderando todas estas circunstâncias, entende-se adequada e proporcional, e, no que à sanção acessória de proibição de conduzir diz respeito, pelo período mínimo.

VIII. O mesmo se diga quanto à multa, que deverá situar-se pelo mínimo.

IX. A inibição de condução, para o Recorrente, significa a impossibilidade de trabalhar e, portanto, obter rendimentos de subsistência.

X. Pelo exposto a sanção acessória de inibição de condução deverá situar-se no mínimo.

XI. Por outro lado, o montante total de coima e multa ultrapassa largamente os critérios estabelecidos no artigo 47° nº 2 do Código Penal.

XII. De referir ainda que, as normas do Código da Estrada respeitantes à prescrição (artigos 188° e 189°) e que estabelecem um prazo de prescrição superior ao previsto no Regime Geral das Contraordenações, são inconstitucionais por violação dos Princípios da proporcionalidade e igualdade (artigo 12° e 13° da Constituição da República Portuguesa).

XIII. De facto as contraordenações financeiras ou ambientais seguem o RGCO e têm (via-regra) uma grande complexidade, sendo, porém, o tratamento dos artigos 188° e 189° do Código da Estrada materialmente inconstitucional, ao estabelecer prazos alargados sem qualquer fundamento atendível, pelo que não devem ser aplicados prazos acrescidos.

XIV. De facto e nestes termos, a presente contraordenação prescreve, nos termos do artigo 27º, no prazo de um ano.

XV. Assim, deve ser conhecida a prescrição da contraordenação, pois os citados artigos são materialmente inconstitucionais, não existindo qualquer razão válida para tratar de maneira diferente contraordenações que nada têm de excecional, especial, sendo, aliás, simples a matéria.»

Terminou o arguido o seu recurso pedindo a revogação da sentença impugnada.

                                                      *

O Ministério Público respondeu ao recurso, resposta que condensou da seguinte forma:

«1 - O arguido cometeu um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal.

2- O arguido não tem antecedentes criminais, a sua TAS não é elevada (1,27 g/l), sendo o seu grau de ilicitude médio.

3 - Atuou com dolo direto.

4 - Está inserido familiar e socialmente e confessou parcialmente os fatos, ou seja, apenas quanto ao crime e não quanto à contraordenação.

5 – Atendendo a que a moldura abstrata da pena é de prisão até um ano ou multa até 120 dias, foi-lhe fixada uma pena perto do meio, ou seja, 60 dias de multa e uma taxa de 7,00 euros, tendo-se em atenção a sua situação económica referida na sentença.

6 – Quanto á pena acessória, foi a mesma fixada também perto do mínimo legal, que é 3 meses.

7 – No que respeita à contraordenação, é punida com coima de 500,00 a 2.500.00 euros e, quanto à sanção acessória, tem a duração mínima de 2 meses e máxima de 2 anos.

8 – Ora, temos a atender o facto de que, além de o arguido não ter confessado os factos, ainda percorreu alguma distância a fugir à autoridade, só tendo vindo a parar por motivos alheios à sua vontade – obras na via de circulação.

9 – Foi, assim, o quantitativo da coima fixado perto do mínimo legal, bem como a sanção acessória.

10 – Pretender-se que a coima aplicada, bem como o período da inibição fosse pelo mínimo legal implicaria não existir qualquer diferença caso o arguido tivesse confessado os factos, ou, pese embora, desrespeitado a ordem de paragem, se tivesse arrependido e parasse logo após, em vez de só o ter feito por não ter tido mais oportunidade de fuga.

11 - O tribunal ponderou todos os fatores a que atendeu na determinação da medida da pena, respeitando assim os critérios estabelecidos no artigo 71º, 72º e 73º do Código Penal.

12 - Ponderando as circunstâncias expostas e considerando a atinente moldura penal abstrata, afigura-se-nos razoável e justa a pena aplicada ao arguido, não tendo sido violada qualquer norma legal.

13 - O douto acórdão recorrido não nos merece qualquer censura, pois que respeitou os critérios expressos nos artigos 71°, 72° e 73° do Código Penal.

14 - Teve em atenção, nomeadamente, a forma do dolo, a intensidade do mesmo.

15 - Não foi assim violada qualquer norma legal, pelo que bem decidiu o tribunal, aplicando a pena correta e justa ao arguido.

16 - Alega o ora recorrente que as supracitadas normas são inconstitucionais por violarem o princípio da igualdade, na medida em que sujeitam as contraordenações estradais a prazos de prescrição diferentes, maior do que o prazo estabelecido no RGCO.

17 – Ora, o princípio da igualdade expresso no artigo 13º da CRP consagra que todos os cidadãos têm direito ao mesmo tratamento, uma vez que têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo ser discriminados em razão de sexo, raça, ascendência, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual;

18 - Assim, para situações iguais, tem de existir tratamento igual;

19 - Acontece que, no caso, não se trata de situações iguais, na medida em que as contraordenações estradais são diferentes das restantes e, por isso, são alvo de um diploma específico, no caso o Código da Estrada;

20 - Está em causa a situação rodoviária e a segurança das pessoas e, por tal, temos um diploma específico, sendo que, de acordo com o princípio da subsidiariedade expresso no artigo 30º do Código de Processo Penal, a lei especial afasta a lei geral;

21 - Por conseguinte, os prazos para a prescrição são os que constam no Código da Estrada e não no RGCO;

22 - Não se verifica qualquer inconstitucionalidade, nem está, assim, prescrita a contraordenação, pelo que não assiste qualquer razão ao ora recorrente.»

Conclui o Ministério Público que, pelos fundamentos que expôs, deverá ser considerado improcedente o presente recurso, mantendo-se inteiramente a decisão recorrida.

                                                      *

Já nesta instância de recurso, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que, aderindo ao argumentário da resposta, sustentou que a decisão sob recurso não merece qualquer censura.

                                                      *

Cumpre decidir.

                                                      *

II- FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ([1]), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Depois de se reproduzir a matéria de facto em que assentaram as partes da fundamentação de direito e dispositiva da sentença recorrida, importa apreciar as principais questões a resolver, que são as de saber:

- se a determinação das penas (principal e acessória) aplicadas obedeceu ao justo e legal critério ou se merece correção;

- se o alargamento do prazo de prescrição do procedimento para as contraordenações estradais relativamente ao prazo geral é materialmente inconstitucional, e se, em caso de inconstitucionalidade, aplicando o prazo de prescrição comum do RGCO, deve ser julgado extinto o procedimento contraordenacional, eliminando-se a condenação em coima e sanção acessória;

- se a determinação das sanções (principal e acessória) aplicadas pela contraordenação obedeceu ao justo e legal critério ou se merece correção.

                                                      *

A matéria de facto fixada pela 1ª instância

«a) Factos provados

1) No dia 07 de fevereiro de 2015, pelas 00h45m, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula xx-xx-xx, pela Rua Alfredo Vitorino da Costa, em São João da Talha, acompanhado de P..., após ter ingerido bebidas alcoólicas.

2) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se uma viatura da PSP em patrulhamento, estando no seu interior os agentes C… e T…, que ao avistar o arguido acionaram os sinais luminosos e deram ordem de paragem para efetuar fiscalização rodoviária.

3) O arguido não imobilizou a viatura prosseguindo a sua marcha imprimindo mais velocidade ao veículo.

4) A PSP moveu-lhe perseguição, e, por diversas vezes, foram-lhe feitos sinais para o arguido imobilizar a viatura.

5) O arguido apenas imobilizou a viatura na Rua de Santa Justa, em São João da Talha, quando se deparou com a sinalização de obras o que o impediu de prosseguir.

6) O arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,38 g/l, sendo o valor apurado após dedução do erro máximo admissível de 1,27 g/1.

7) O arguido conhecia as características da referida viatura e do local onde conduzia, sabendo também que tinha ingerido bebidas alcoólicas e decidiu conduzir a viatura nessas circunstâncias, na via pública e desrespeitando as regras de segurança rodoviária.

8) O arguido quis não obedecer à ordem de paragem por forma a evitar a fiscalização por parte dos agentes de autoridade.

9) Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente e sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou:

10) O arguido não tem antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nem contraordenações averbadas no seu Registo Individual de Condutor.

11) O arguido confessou os factos referidos em 1, 6, 7 e 9.

12) O arguido exerce profissionalmente o cargo de operador de máquina, auferindo mensalmente a quantia de € 500,00.

13) Vive sozinho numa casa pertença dos avós, e não paga qualquer montante pela mesma.

14) Como habilitações literárias possui o 10° ano de escolaridade.

15) Tem como despesas fixas mensais os encargos decorrentes com o pagamento da água luz e TV, no montante de € 120,00

      *

A) O crime cometido e a medida das respetivas penas principal e acessória

O recorrente não põe minimamente em causa que tenha perpetrado o crime previsto no artigo 292º do Código Penal, aí declarado punível com pena de multa até 120 dias ou pena de prisão até 1 ano.

Também não põe em causa que em face dos critérios legais para escolha da pena estabelecidos no artigo 70º do Código Penal, se tenha dado preferência à pena de multa – como o fez o tribunal recorrido – por esta “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Sustenta apenas que tanto a pena principal como a acessória deveriam ser fixadas nos seus mínimos.

A pena de multa prevista no Código Penal é uma consequência jurídica da prática de um facto criminoso, surgindo como uma reação criminal de carácter pecuniário.

Tanto na sua determinação, como na sua execução, deve atender-se às finalidades de aplicação de qualquer pena, que consistem, como determina o artigo 40º do Código Penal, na proteção dos bens jurídicos violados e na reintegração do condenado na sociedade, estando os critérios da sua determinação estabelecidos no artigo 71º, nº 1, do mesmo diploma ([2]).

Tal indica que a pena, enquanto instrumento político-criminal de proteção de bens jurídicos, possui, como escopo essencial, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral positiva, cuja graduação deve ser condicionada pela culpa ([3]).

Simultaneamente, dever-se-á, ainda, observar, enquanto fim específico da uma pena de multa, o de sujeitar o condenado, atenta a sua situação económico-financeira, aos sacrifícios e encargos decorrentes da respetiva aplicação, como se infere do disposto no nº 2 do artigo 47º do Código Penal ([4]).

Isto traduz-se em que a pena de multa se assume como uma reação criminal cujas finalidades são idênticas às das demais penas, mas que deve ser aferida em função da capacidade económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais ([5]).

Dos termos dos artigos 40º e 71º do Código Penal, decorrem três regras básicas:

· a primeira é a da necessidade de a sociedade manter a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada (prevenção geral positiva);

· a segunda é a de que se deverão ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido em sociedade (prevenção especial);

· a terceira é a de que a culpa constitui um limite indispensável da pena, na medida em que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do artigo 40º do Código Penal).

Perante isto, podemos dizer que a pena serve principalmente para a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Em primeiro lugar, merecem destaque as apontadas razões de prevenção geral, uma vez que são sobejamente consabidas as consequências trágicas, entre nós, da sinistralidade automóvel e a contribuição decisiva do consumo excessivo de álcool para que Portugal ocupe um lugar de destaque, pela negativa, comparativamente com a grande maioria dos restantes países europeus.

No caso concreto, as necessidades preventivas gerais são, pois, acentuadas.

Por outro lado, o arguido encontra-se suficientemente bem inserido a nível social e familiar e não cometeu qualquer crime ou contraordenação que tenham sido anteriormente sancionados.

Assim, as necessidades de prevenção especial são, concretamente, pouco intensas.

Sendo a culpa verificada mediana – pois, desde logo, o crime do artigo 292º do Código Penal pode ser cometido por negligência e o arguido agiu com dolo – não se mostra por tal sorte diminuída que implique a impossibilidade de o arguido ser condenado para além do mínimo legal.

Acresce a necessidade de ponderar que a estatuição punitiva está muito longe de apresentar uma equivalência entre os limites superiores das penas de multa (até 120 dias) e de prisão (até um ano), surgindo aquela pena de multa como cabida apenas aos casos de menor gravidade.

Deste modo, o grau de culpa presente no caso concreto não se mostra apto a condicionar rigidamente o tribunal a uma lógica que parta do suposto de que toda a amplitude punitiva se contém dentro da moldura da pena de multa.

Por fim, dir-se-á que a razão diária mínima da multa está reservada para os casos de máxima carência de rendimentos e bens, que, apesar de tudo, o caso não evidencia.

Nem se diga, como faz o arguido na conclusão XI do seu recurso – misturando institutos de naturezas notoriamente diversas – que “(…) o montante total de coima e multa ultrapassa largamente os critérios estabelecidos no artigo 47° nº 2 do Código Penal”. Com efeito, este preceito não tem qualquer aplicação em sede de fixação de medida da coima, que não tem como matriz o sistema dos dias de multa e que, por isso mesmo, não admite conversão em prisão subsidiária.

No que se refere à pena acessória de proibição de conduzir prevista no nº 1 do artigo 69º do Código Penal, nenhum reparo pode merecer a sua fixação no caso concreto, visto que o Tribunal recorrido condenou no seu mínimo legal (3 meses).

Entendemos, pois, que nenhuma censura há a fazer às penas principal e acessória aplicadas pela 1ª instância, pelo que esta vertente (criminal) do recurso interposto pelo arguido terá, consequentemente, que improceder.

      *

B) Contraordenação conexa: a alegada inconstitucionalidade do artigo 188º/1 do Código da Estrada e a prescrição

Sustenta o arguido que as normas do Código da Estrada respeitantes à prescrição (artigos 188° e 189°) e que estabelecem prazos de prescrição superiores aos previstos no Regime Geral das Contraordenações, “são inconstitucionais por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (artigos 12° e 13° da Constituição da República Portuguesa)”.

Argumenta, para tanto, que “as contraordenações financeiras ou ambientais seguem o RGCO apesar de terem (por via de regra) uma grande complexidade, não havendo fundamento substancial para que os artigos 188° e 189° do Código da Estrada estabeleçam prazos mais alargados de prescrição”.

Assim, sendo materialmente inconstitucionais os citados artigos do Código da Estrada, a presente contraordenação mostrar-se-ia prescrita pelo decurso do prazo de um ano previsto no artigo 27º, alínea c) do RGCO.

É deveras singular esta alegação, a mais do que um título.

Desde logo, parece-nos haver manifesto lapso por parte do arguido ao invocar o artigo 12º da CRP, ao que parece para significar uma suposta violação do princípio da proporcionalidade.

Ora, ao que julgamos saber e decorre da sua própria epígrafe, este preceito constitucional consagra o princípio da universalidade e não o da proporcionalidade. Deste, encontramos eco no artigo 18º, nº 2, 2ª parte, da Lei Fundamental, onde é assumido, em sentido lato, como princípio da proibição do excesso, desdobrável em três subprincípios: o da adequação (ou idoneidade), o da exigibilidade (ou da necessidade ou da indispensabilidade) e o da proporcionalidade stricto sensu (equilíbrio entre os meios legais restritivos e os fins a obter) ([6]).

Mas não é este, tanto quanto vislumbramos, o princípio que o recorrente pretende ter sido violado, pois parece ressumar da sua alegação um fundo basicamente comparatístico, que só poderia encontrar eventual amparo numa pretendida violação do princípio da igualdade expresso no artigo 13º da CRP.   

Confessamos nunca termos visto defender a inconstitucionalidade do artigo 188º do Código da Estrada com base na alegada simplicidade das contraordenações estradais face às de outros sectores que são objeto do sancionamento do direito de mera ordenação social. É que, na verdade, a “complexidade” constitui um atributo vago, transversal e sem potencialidade distintiva dos diversos sectores de atividade humana regulados (também) pelo direito sancionatório contraordenacional.

Ainda assim, sempre diremos que é conhecido que o princípio constitucional da igual­dade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não impede a lei ordinária de efetuar distinções. Proíbe, outrossim, o legislador de adotar medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – mormente, disparidades de tratamento assentes em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas,  exemplificativamente, no nº 2 do artigo 13º da Constituição (diferenciações baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação  económica ou condição social) –, isto é, disparidades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Em suma, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo do legislador ordinário, traduz‑se na ideia geral de proibição do arbítrio ([7]).

Ora, neste contexto, não vemos como possa considerar‑se que a norma do artigo 188º, nº 1, do Código da Estrada, ao estabelecer um prazo prescricional para as contraordenações estradais supostamente mais longo do que o previsto para as contraordenações em geral, se traduza numa desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável ou material bastante dos arguidos em processos de contraordenação por infrações rodoviárias em comparação com os arguidos em outros processos de contraordenação.

Trata-se de uma opção legislativa fundada em compreensíveis razões de prevenção de lesão dos bens jurídicos mais importantes nas sociedades atuais, em que o incremento generalizado da utilização de veículos em estradas e ruas exponencia a criação de riscos para a vida e para a integridade física das pessoas que nelas circulam, ao que acresce a dificuldade da punição atempada da violação das regras de circulação rodoviária, dada a massificação e a dispersão geográfica da sua ocorrência.

Mostra-se, assim, totalmente infundada a invocação de inconstitucionalidade da norma do artigo 188º do Código da Estrada.

Porém, ainda que assim não se entendesse – ironia das ironias – nenhum proveito poderia advir para o recorrente da aplicação das regras gerais estabelecidas para a prescrição pelo RGCO.

Com efeito, a contraordenação aqui em causa é abstratamente punível com coima de € 500 a € 2500, sendo certo que, de acordo com o disposto no artigo 27º, alínea b), do RGCO – onde se contemplam as contraordenações a que sejam aplicáveis coimas de montante igual ou superior a € 2493,99 e inferior a € 49.879,79 – seria de 3 anos o prazo para a sua prescrição… E assim, em vez do encurtamento do prazo da prescrição pretendido pelo recorrente, teríamos o seu alongamento por mais 1 ano!

Improcede, assim, fragorosa aparatosa mente a exceção de prescrição alegada pelo arguido.

                                                      *

C) A medida das sanções aplicadas à contraordenação

Embora de forma pouco clarividente, pode entender-se que o recorrente impugna também a medida das sanções (principal e acessória) aplicadas pela contraordenação de desobediência à ordem de paragem que lhe foi feita pelos agentes da PSP.

Assim, parece dar a entender que deveria ter sido sancionado pelos mínimos de coima e de inibição de conduzir.

Porém, não se nos afigura que tenha razão.

Com efeito, as circunstâncias em que ocorreu o desacatamento da ordem policial apontam para um grau de ilicitude e de culpa que não se compagina com a punição mais branda dentro da variação típica das sanções em causa. O arguido não só teve plena consciência de estar a desobedecer à ordem de paragem, como persistiu com essa sua atitude para além de tudo o que se mostra razoável, ao ser perseguido pelo carro patrulha (em que foi acionada toda a sinalização visual e sonora) por diversas ruas, só se detendo por motivos independentes da sua vontade (obras na via onde circulava, que obstaculizaram o prosseguimento da fuga).

Este contexto não só implica um elevado grau de culpa, como projeta um necessário reflexo reforçador das necessidades de prevenção. Pode dizer-se, aliás, que – ressalvada a diferente natureza das infrações cometidas e as distintas regras das respetivas punições – se mostra bastante mais defensável, em concreto, a aproximação aos mínimos das penas (principal e acessória) aplicadas ao crime, do das sanções aplicadas à contraordenação.

Não merece, assim, qualquer censura a medida das sanções aplicadas à contraordenação cometida, pelo que, também nesta vertente, não merece provimento o recurso do arguido.

                                                      *

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido L..., assim confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4,5 U.C.s a taxa de justiça.

*

Lisboa, 28 de setembro de 2017

Vítor Morgado

Maria do Carmo Ferreira

______________________________________________________


[1] Tal decorre, desde logo, de uma atenta interpretação do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Para os quais remete o nº 1 do artigo 47º, especificamente quanto à pena de multa.
[3]  Ver, na doutrina portuguesa: Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, páginas 72-73; “Sobre o estado atual da doutrina do crime”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, página 22; Maria Fernanda Palma, “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, página 26, onde se enunciam as finalidades de punição deste artigo 40º.
[4] Ver, por exemplo, o acórdão da Relação de Évora de 3/9/ 2004, proferido no processo n.º 2565/03-1, relatado por Fernando Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt, onde se exarou: “A pena de multa tem de representar uma censura do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada e deve ser doseada de modo a que represente um sacrifício real para o condenado…”.
[5] Veja-se, na doutrina, Figueiredo Dias, obra citada na nota 3, páginas 118 a 123 e 127 e seguintes; na jurisprudência, o acórdão do S.T.J. de 2/10/1997, in C.J./S.T.J., tomo 3, páginas 183 e ss..
[6] Sobre esta consagração e sua clássica tripartição, ver J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, páginas 392-393.
[7] Neste sentido, vejam-se, por todos – relativamente ao caso, de certo modo análogo, constituído pelo alargamento e uniformização do prazo de prescrição das contraordenações fiscais –, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 186/90, 187/90 e 188/90, (publicados no Diário da República, II Série, de 12 de setembro de 1990), 302/97, proferido no processo nº 275/96, relatado por Alves Correia, (in Diário da República, II Série, nº 138, de 18 de junho de 1997), e 213/98, de 4/3/1998, proferido no processo nº 212º/97, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 39, página 317.