Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
189/11.3TBFUN.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTITULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -  A questão da propriedade da quantia de depósito bancário é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos (solidária, conjunta ou mista, consoante for acordado).

- A presunção de contitularidade em partes iguais do dinheiro depositado, embora se não encontre genericamente afirmada na lei para os casos de depósitos bancários com pluralidade de titulares, pode retirar-se do regime definido pelos artigos 512º e 516º do Código Civil, relativos às “obrigações solidárias”. Dele resulta que, em caso de pluralidade de credores solidários, “nas relações entre si, presume-se que os (…) credores solidários comparticipam em parte iguais (…) no crédito”.

-   Esta presunção pode ser ilidida nos termos do art.º 350.º do Código Civil.

         (sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

                        I-RELATÓRIO

M... veio propor ação declarativa de condenação, com processo sumário, contra M..., pedindo que seja declarado o direito da herança de M..., como titular dos depósitos efetuados nas contas a prazo e à ordem no banco B..., sediada no Funchal, bem como que a ré seja condenada a restituir à herança de M... o valor de 12 709,02 euros que levantou das contas referidas, valor acrescido de juros desde a data dos levantamentos até integral pagamento.

  Subsidiariamente, pede que seja a ré condenada a pagar à mencionada herança a referida quantia, a título de indemnização por danos, com juros; ainda, e subsidiariamente, pede que seja a ré condenada a pagar à herança em causa a referida quantia pelo empobrecimento, com juros.

                        Alega, em síntese, que no dia 26 de Março de 2009, faleceu M... A  autora figura como herdeira na respetiva escritura de habilitação de herdeiros. A falecida era cliente depositante do banco B... agência do Funchal. A falecida detinha, em Março de 2009, doze depósitos a prazo e que totalizavam o montante global de 23.043,43 euros. Na conta depósito à ordem nº 190002203127710, detinha a falecida o montante de 2.374,61 euros; além dela, partilhava a titularidade desta conta a Ré, M...

                         A falecida ..., irmã da autora e a ré viveram juntas durante anos. A falecida dedicava-se à realização de bordados por conta de outrem; auferindo retribuições pelos trabalhos realizados e fazendo durante anos poupanças que depositou nas identificadas contas, chegando a realizar pequenos empréstimos à família quando esta a si recorria. Com a morte de M... a Ré, não obstante ter consciência de que os fundos não lhe pertenciam, tomou partido da co-titularidade que partilhava com a falecida nas contas desta e ordenou levantamentos e transferências das contas a prazo e à ordem, tendo ficado os respetivos saldos com zero euros. Apesar de ser a primeira titular das contas, a ré sabia que a totalidade dos valores depositados e seus rendimentos não lhe pertenciam e que apenas figurava como primeira titular por ser a morada da sua casa que figurava no banco.

    A Autora interpelou a Ré para que esta procedesse à devolução das referidas quantias, o que até hoje não aconteceu.
 Regularmente citada, contestou a ré, no essencial, excecionando a ilegitimidade da autora, impugnando alguns dos factos alegados pela autora e apresentando a sua versão dos mesmos.

A Autora respondeu, pugnando pela improcedência da excepção deduzida.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a referida excepção da ilegitimidade.

Decorridos todos os trâmites legais foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência,                         “declarou que a herança de M... é titular de metade dos valores que estavam depositados nas contas bancárias do BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA, com os  n.ºs 19000220312 e 190002203127710, à data da morte daquela” “condenou a ré a restituir à autora a quantia de 12.709 euros, acrescida de juros de mora vencidos e  vincendos, à tava legal de 4%, desde a data da citação para a presente acção e até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada com a sentença proferida, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões de recurso:

A – A conta bancária identificada nos autos era uma conta solidária, sendo co-titulares a ora Apelante e a falecida, M....

B – Essa conta foi sempre movimentada, com depósitos e levantamentos apenas pela ora Apelante, já que a falecida, M..., nunca a movimentou, nem com depósitos, nem com levantamentos.

 C – A falecida, M..., vivia com a ora Apelante, sendo esta quem geria a casa e comprava a comida e produtos de limpeza e recebia daquela, mensalmente, uma quantia que foi variando no tempo, destinada à sua comparticipação nas despesas da casa.

D – Após a reforma, acordaram que esta quantia passasse a corresponder ao valor da pensão da M..., entregando esta, mensalmente, à ora Apelante, o respectivo vale de correio, para que esta o levantasse e utilizasse naquelas despesas.

E – A ora Apelante, de posse do vale de correio, depositava-o na sua conta bancária, tendo a falecida participado como co-titular nessa conta apenas para possibilitar o depósito desse vale.

F – Nos depósitos solidários, o direito de cada co-titular poder movimentar a conta sozinho não se confunde com a propriedade dos fundos depositados.

G – Na conta solidária, deve presumir-se que os seus titulares comparticipam em partes iguais no depósito, sempre que da relação jurídica não resulte que são diferentes as suas partes ou que só um deles é titular – art. 516º do Cód. Civil.

  H – Nos termos do nº 2 do art. 350º do Cód. Civil, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário.

I – De uma correcta análise crítica de prova produzida se conclui que os fundos depositados na referida conta bancária pertenciam exclusivamente à ora Apelante, pelo que esta nada deve restituir à herança da falecida Maria Zita da Silva Vieira.

  Nestes termos e nos de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e absolvendo-se totalmente a ora Apelante, como é de Justiça.

  Nas suas contra alegações, a Apelada pugnou pela confirmação da sentença recorrida.

  Cumpre apreciar e decidir:

   II-OS FACTOS

   Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1-No dia 26.03.2009, faleceu M..., no estado de solteira e com última residência habitual na Rua ... (alínea A) da matéria de facto assente).

2- Consta da habilitação notarial de herdeiros, exarada a 18.09.2009, que a falecida M... não deixou descendentes bem ascendentes vivos, tendo deixado como únicos herdeiros os seus seis irmãos germanos, entre os quais a aqui autora M... (alínea B) da matéria de facto assente).

3- A falecida M... e a aqui ré M... eram co-titulares de conta bancária no B..., com o nº 19000220312, que apresentava, em 27.02.2009 um saldo no depósito à ordem de € 2.374,61 (conta nº 190002203127710), e um saldo de depósito à ordem de € 23.043,43, no total de € 25.418,04 (alínea C) da matéria de facto assente).

4- A falecida M... e a aqui ré M..., viveram e coabitaram na mesma casa durante muitos anos (alínea D) da matéria de facto assente). 

  5- A M... dedicava-se à realização de trabalhos de bordados por conta de outrem, atividade de que auferia rendimentos (alínea E) da matéria de facto assente).

6- Das suas poupanças chegou a realizar empréstimos a seus familiares quando esta a si recorria (alínea F) da matéria de facto assente).

  7-A aqui ré, após o falecimento da M... procedeu ao levantamento e ou transferência bancária dos saldos das contas à ordem e a prazo, mencionados em 3. utilizando tais saldos como sendo seus (alínea G) da matéria de facto assente).

8-A falecida M..., por ter sido expulsa de casa por seu pai, foi acolhida pela ré, em casa desta, passando a partilhá-la, desde então e até ao decesso da M....

9-E repartindo entre si as despesas inerentes.

   10-A falecida M... considerava a ré e os seus dois filhos como sua verdadeira família.

  11-Antes de se reformar a M... entregava à ré, mensalmente, parte do seu ordenado, destinado à sua comparticipação nas despesas da casa.

  12-Porque a M... não gostasse dos trabalhos e lida da casa, estes ficaram sempre a cargo da ré.

  13. Sendo a ré quem cozinhava todas as refeições, fazia a limpeza da casa, incluindo o quarto da falecida, lavava e passava a roupa incluindo igualmente a da M....

14-Era a ré quem pagava a renda da casa, comprava a comida e todos os produtos de limpeza.

15-E era para pagamento destas despesas que a falecida M... entregava, mensalmente, uma quantia que foi variando.

 16.Quando se reformou a falecida continuou a trabalhar em casas de bordados, fazendo estampagens.

 17-E então combinaram que a falecida entregaria à ré o valor da sua pensão de reforma, para comparticipação das mencionadas despesas, ficando para si, gerindo-o, com o que auferia da atividade de estampagem, com o que comprava a sua própria roupa, calçado, gastos no “café”, ofertas a sobrinhos e afilhados e mesmo para emprestar dinheiro a irmãos.

  18-Foi para que a reforma da falecida M... pudesse ser depositada em conta, que ela e a ré decidiram abrir a conta no B... em nome das duas.

  19.E era nessa conta que mensalmente, o vale de correio relativo à reforma da falecida era entregue à ré e por esta depositado na mencionada conta depósito.

  20-Nessa conta, a ré depositava também “dinheiro seu: o que recebia de trabalhos que fazia, as comparticipações de seus filhos para despesas da casa.

21-Tal conta nunca foi movimentada pela falecida M..., nem com depósitos nem com levantamentos.

22-E era a ré quem, livremente, fazia todos os depósitos e levantamentos na mesma.

23-Apenas uma vez, há cerca de 3 ou quatro anos, em que a ré se encontrava em Lisboa e sua filha ficou a gerir a casa, precisou de levantar dinheiro e então pediu à falecida M... que fosse com ela ao Banco para assinar o talão de levantamento, preenchendo sua filha o talão e assinando-o a falecida.

24-As contas referidas em 3. são solidárias.

   Factos não provados:

 -  Os saldos das contas mencionadas na alínea 3. pertenciam na sua totalidade à falecida M....

 - Sendo o exclusivo produto das suas poupanças e do rendimento do seu trabalho e pensão de reforma.

 - A ré apenas figurava como primeira titular dessas contas bancárias por ser sua a morada da casa que figurava no banco.

  -  O referido em 8. ocorreu quando a ré tinha 23 anos de idade.

 - Era também para pagamento do trabalho da ré que a falecida M... pagava, mensalmente a quantia referida em 15., quantia essa que foi variando ao longo dos anos.

  -  Apesar de em nome de ambas, a conta referida em 19. pertencia apenas à ré.

  -  Nesta conta a ré depositava também “todos os seus dinheiros”.

      III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa conhecer são as seguintes:

Saber a quem pertencia o dinheiro que se encontrava depositado nas contas bancárias em questão e se a Ré tem a obrigação de devolver o respectivo montante.

  Como resulta da matéria provada, as referidas contas são solidárias.

    Assim, como é sabido, qualquer dos titulares pode mobilizar os respectivos fundos depositados sem necessidade de intervenção dos demais titulares.

   Ora, uma questão é a da propriedade do dinheiro depositado – ou, melhor dizendo, do direito à sua restituição – e outra questão distinta e independente é o regime de movimentação dos depósitos (solidária, conjunta ou mista, consoante for acordado).

Portanto, para se apurar a quem pertencia o dinheiro depositado nas contas em apreço não releva saber quem é que movimentava ou não, as mesmas contas.

   Como se diz e bem na sentença recorrida, a solidariedade releva tão-somente, nas relações externas entre os titulares da conta e o banco, não tendo a faculdade de movimentação a ver com a propriedade das quantias depositadas.

                        Porém nas relações internas, o art.º 516.º do Código Civil estabelece a presunção de que os credores solidários participam no crédito em partes iguais, presunção legal aplicável nas contas solidárias, mas não nas conjuntas pois aí não pode qualquer delas exigir o crédito já que, nesse caso, o tipo de depósito exige a intervenção de todos os titulares.

Não sendo ilidida esta presunção legal, embora qualquer titular possa movimentar sozinho a conta, o co-titular que retirar quantias é responsável perante os outros pelos direitos destes.

Ora, no caso em apreço, também é evidente que a presunção legal da compropriedade dos bens depositados não foi ilidida., como poderia ter sido nos termos do art.º 350.º do Código Civil.

  Mas não tendo sido ilidida a presunção legal, impõe-se concluir que a falecida e a Ré eram proprietárias de 50% das quantias depositadas.

                        Assim, sendo, não pode deixar de se concluir, como concluiu a sentença recorrida que metade dos valores das contas em causa pertencem à herança da falecida M..., devendo a Ré restituir à herança metade dos valores dessas contas, cujos saldos levantou.

  Improcedem, as conclusões da Apelante, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida que deve manter-se.

            IV-DECISÃO

            Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a Apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pela Apelante.

            Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015

            Maria de Deus Correia

            Maria Teresa Pardal

            Carlos de Melo Marinho