Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9679/19.9T8LSB.L1-1
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
DELIBERAÇÕES
NULIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A análise da questão em causa nos autos, reconduzível à nulidade enquadrável na alínea b) do n.º 1 do art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais, feita a título oficioso, não foi precedida do contraditório, pois as partes não foram convidadas a pronunciar-se sobre esta nova perspetiva de abordagem da questão em litígio e, perante os elementos que constam dos autos, não se pode considerar que fosse exigível que tivessem suscitado tal questão ou que os apelantes não ignorassem que a questão podia ser conhecida a título oficioso pelo tribunal.
II. Verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito, suscitada oficiosamente e que ditou o fim da acção, a sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
F… intentou contra C …S.A. ou CVM; M… S.A. e R… a presente acção pedindo:
a) Serem declaradas nulas ou anuladas as deliberações do administrador único da 1ª Ré e 3º Réu, tomadas no dia 26 de Abril de 2019 e lavrada em acta notarial perante a Senhora Notária Sofia Henriques, nos termos da qual decidiu convocar e reunir a assembleia geral da sociedade 2ª Ré e assim proceder à destituição do Autor do cargo de administrador e nomear em sua substituição RC…;
b) Serem declaradas nulas ou anuladas as deliberações da assembleia geral da sociedade 2ª Ré, tomada no dia 26 de abril de 2019 e lavrada em ata notarial perante a Senhora Notária Sofia Henriques, nos termos das quais foi o Autor destituído e nomeado em sua substituição RC…;
c) Serem declarados nulos e ordenado o cancelamento dos registos de destituição e nomeação de administradora lavrados na Conservatória do Registo Comercial sob as apresentações AP. 51/20190429 e AP. 52/20190429, respectivamente; 
d) Para o caso destes pedidos não procederem, deve a destituição do Autor, levada a cabo em deliberação da 2ª Ré, ser declarada infundada e sem justa causa, condenando-se a dita 2ª Ré ao pagamento ao Autor da quantia de € 27.981,00 (vinte e sete mil novecentos e oitenta e um euros), acrescidos de juros de mora a contar da presente data, até pagamento integral e à taxa legal;
e) Serem em tal caso todos os Réus condenados no pagamento da quantia de € 435.260,00 (quatrocentos e trinta e cinco mil duzentos e sessenta euros), acrescidos de juros de mora a contar da presente data, até pagamento integral e à taxa legal;
f) Serem os RR. condenados em custas e procuradoria.
Alegou para tanto e em síntese que, sob o pretexto de uma putativa “justa causa” para destituição- que é falsa, por inventada - o 3º Réu reuniu às ocultas uma assembleia geral da 2ª Ré, onde interveio como representante da 1ª Ré, para assim e ali fabricar uma destituição do Autor e manteve essa deliberação escondida até hoje, porventura para que passassem os prazos para impugnação judicial das mesmas.
Porém, os votos assim conjurados são abusivos pois que objetivamente se destinam a conceder o benefício a um dos administradores, que também é accionista e a um terceiro, sempre em detrimento manifesto do Autor. Além disso foram tomados em má fé, com dolo intenso e altamente censurável e também com notória violação de preceitos relativos ao respectivo procedimento, pois o Autor não foi sequer ouvido nem convocado para essas putativas reuniões.
 As deliberações em causa violam também os mais elementares deveres imperativos de gestão da sociedade de acordo com os critérios de um gestor ordenado e criterioso.
 A presente acção tem também por objeto a obtenção da compensação pelos danos causados por essa destituição sem justa causa, caso a destituição não seja julgada procedente. 
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Citados os RR., apresentaram contestação invocando, em resumo;
Entenderem os Réus que o primeiro pedido deduzido pelo mesmo nos presentes autos – que sejam declaradas nulas ou anuladas as deliberações do administrador único da 1.ª Ré e 3.º Réu, tomadas no dia 26 de Abril de 2019 – é insuscetível de poder ser apreciado por este Tribunal, porquanto seria necessário o esgotamento prévio da via intra-societária de anulação da deliberação social nos termos do art.º 412.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
Invocam a ilegitimidade ativa quanto ao pedido de anulação das deliberações tomadas em assembleia geral da 2.ª Ré que determinaram a sua destituição do cargo de administrador e, consequentemente, a nomeação de RC... em sua substituição, atento o disposto pelo art.º 59º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais;
Suscitam a incompetência absoluta do juízo de comércio para conhecer dos pedidos de indemnização subsidiariamente formulados pelo autor;
Defendem-se por impugnação, nomeadamente quanto à inexistência de justa causa e ao carácter não abusivo das deliberações.
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O A. veio apresentar réplica, tendo tal articulado sido admitido por despacho proferido nos autos, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos actos processuais.
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Foi realizada audiência prévia, onde se tentou a conciliação das partes, sem sucesso.
Na mesma, considerou a Juiz a quo que, analisados os vários articulados e embora invocadas várias exceções, tendo as mesmas sido respondidas na Réplica, os autos estavam em condições de ser proferida decisão de mérito em Saneador, pelo que concedeu a palavra aos Mandatários para proferirem as suas alegações, o que fizeram.
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Foi proferido Saneador –Sentença nos autos onde se decidiu julgar procedente a excepção de incompetência material, declarando-se o Juízo de Comércio materialmente incompetente para conhecer os pedidos subsidiários e, em consequência, absolveu-se os Réus dos pedidos subsidiários (alíneas d) e e); julgar o A. parte legítima, improcedendo assim a excepção de ilegitimidade activa; após o que se proferiu a seguinte decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo:
a) o juízo de comércio materialmente incompetente para conhecer os pedidos subsidiários e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos subsidiários;
b) a presente acção procedente e em consequência:
i. declaro nulas as deliberações do administrador único da Ré M…, S.A. tomadas no dia 26 de Abril de 2019, nos termos da qual decidiu convocar e reunir a assembleia geral da sociedade Ré M…, S.A. e proceder à destituição do Autor do cargo de administrador e nomear em sua substituição RC...;
ii. declaro nulas as deliberações da assembleia geral da sociedade 2.ª Ré, tomada no dia 26 de Abril de 2019, nos termos das quais foi o Autor destituído e nomeado em sua substituição RC...;
iii. determino dos registos de destituição e nomeação de administradora lavrados na Conservatória do Registo Comercial sob as apresentações AP. 51/20190429 e AP. 52/20190429, respectivamente”.
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É desta sentença, na parte em que julgou o A. parte legitima e a procedência da acção, que recorrem os RR., formulando as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo entendeu que a decisão adoptada pelo Administrador Único da C…SA de reunir a Assembleia Geral da M…SA seria nula pelo facto de a nomeação e destituição de Administradores não ser matéria da competência do órgão de gestão, mas ao invés, da competência exclusiva da Assembleia Geral.
B. Nem o Recorrido invocou a nulidade das referidas decisões/ deliberações sociais com fundamento de que o Administrador Único da C…SA carecia de poderes para destituir e nomear os Administrador da M…SA, nem as Recorrentes configuraram esse desfecho como possível.
C. Por outro lado, o Tribunal a quo não conferiu a qualquer das Partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a argumentação jurídica invocada na sentença, assim violando o artigo 3.º, n.º 3 do CPC, o que constitui uma omissão de uma formalidade obrigatória por lei.
D. A sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, o que necessariamente implica a sua revogação para todos os legais efeitos.
E. No mais, a decisão do Tribunal a quo de declaração de nulidade da decisão do Administrador Único da C…SA. com fundamento de que a reunião da Assembleia Geral da M…SA não seria matéria da sua competência é inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 20º da CRP, mais especificamente por violação do direito ao contraditório.
F. O artigo 412.º, n.º 1 do CSC aponta no sentido de necessidade de recurso a um mecanismo intra-societário prévio de impugnação da deliberação/ decisão do Conselho de Administração/ Administrador Único, estabelecendo duas opções apenas: a declaração de nulidade ou anulação pelo Conselho de Administração ou a declaração de nulidade ou anulação pela Assembleia Geral.
G. Por esse motivo, ao declarar que a decisão do Administrador Único é judicialmente impugnável o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 412.º, n.º 1 do CSC, devendo, por conseguinte, ser a mesma revogada e julgada procedente a excepção peremptória de inimpugnabilidade judicial directa.
H. Por outro lado, é errada a decisão do Tribunal a quo quanto à legitimidade activa do Recorrido para os pedidos de anulação das deliberações da Assembleia Geral da M…SA que formula.
I. A interpretação que o Tribunal a quo fez do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais implica a confusão entre as esferas jurídicas da C.V.M. e da M…SA e não encontra qualquer apoio na letra ou espírito da lei, devendo, por isso, ser revogada.
J. Os artigos 501.º a 504.º do CSC definem quais os precisos termos em que os limites das esferas jurídicas das sociedades dominante e dominada devem ser atenuados; a contrario, tudo o que não estiver especialmente previsto nos artigos 501.º a 504.º do CSC deve regular-se em conformidade com as demais disposições do CSC e independentemente da relação de domínio total.
K. Se nenhuma referência é, no âmbito do disposto nos artigos 501.º a 504.º ex vi artigo 491.º do CSC, feita aos regimes de anulação de deliberações sociais (maxime, à legitimidade activa para propositura das acções de anulação), devem aplicar-se as regras previstas nos artigos 58.º e 59.º do CSC.
L. Além disso, o propósito da interpretação extensiva (interpretação que o Tribunal a quo entende ter feito do referido artigo 59.º, n.º 1 do CSC) é esclarecer o pensamento do legislador que possa ter sido imperfeitamente expresso na letra da lei.
M. O alargamento do escopo de pessoas com legitimidade para a propositura de uma acção de anulação de deliberações sociais aos sócios da sociedade dominante extravasa os limites da interpretação extensiva, constituindo, ao invés, uma aplicação analógica do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CSC que, considerando a ausência de qualquer lacuna do legislador, se afigura inadmissível.
N. A extensão da legitimidade activa aos sócios da sociedade dominante não é necessária para garantir a impugnabilidade das decisões de sócia única da sociedade dominada, uma vez que decorre expressamente do artigo 59.º, n.º 1 do CSC que a arguição judicial da anulabilidade de uma deliberação social pode também ser arguida pelo seu órgão de fiscalização.
O. Ao declarar a legitimidade do Autor para peticionar a anulação das decisões de sócia única da …SA, em cujo capital social aquele não participa, o Tribunal a quo violou art.º 59.º do CSC, devendo, por conseguinte, tal decisão ser revogada.
P. O entendimento do Tribunal a quo subjacente à declaração de nulidade da decisão do Administrado Único da C…SA assenta na confusão entre as esferas jurídicas da C…SA e da M…SA, já que parte do pressuposto de que as decisões de destituição e nomeação de Administradores foram adoptadas pelo Administrador Único da C…SA no exercício das suas funções de gestão, quando, na verdade, foram adoptadas pela Assembleia Geral da M…SA.
Q. Admitir sem mais que os sócios da sociedade-mãe possam deliberar sobre a destituição e nomeação de órgãos sociais da sociedade-filha contrariaria a distribuição de competências entre as diversas sociedades do grupo, que apenas deve ser afastada em circunstâncias excepcionais.
R. O exercício dos direitos sociais inerentes às participações totalitárias de capital detidas pela sociedade-mãe nas sociedades-filhas compete aos respetivos órgãos de administração e representação social (artigos. 405.º, 406.º e 408.º do CSC), cabendo aos mesmos o exercício dos direitos de voto inerentes às participações detidas por aquela acionista nestas sociedades.
S. Nenhum motivo existe para que a decisão de reunir a Assembleia Geral da M…SA adoptada pelo Administrador Único da C…SA (accionista única daquela) e, consequentemente, as decisões de nomeação e destituição de Administradores adoptadas no seio daquela Assembleia Geral padeçam de qualquer vício.
T. Ao declarar a nulidade da a decisão do Administrador Único da C…SA de realizar uma Assembleia Geral universal da M…SA para destituir o Recorrido e para nomear um Administrador em substituição do mesmo, declarando, consequentemente nulas as decisões de nomeação e destituição de Administradores adoptadas no seio daquela Assembleia Geral, o Tribunal a quo incorreu num claro na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 390.º n.º 2, 391.º, n.º 1, 403.º, n.º 1, 405.º e 501.º a 504.º, todos do CSC, normas que, consequentemente, violou.
U. Pelo que a decisão sub judice no que respeita às alegadas nulidades da decisão do Administrador Único da C…SA de reunir a Assembleia Geral da M…SA e da decisão de sócia única desta última não poderá deixar de ser revogada para todos os legais efeitos.
V. Não podendo, de igual modo, deixar de ser revogada a decisão em crise no que respeita à procedência do pedido formulado pelo Recorrido quanto ao cancelamento dos registos de destituição e nomeação de administradora lavrados na Conservatória do Registo Comercial sob as apresentações AP. 51/20190429 e AP. 52/20190429, que é mera decorrência das antecedentes.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, consequentemente:
a) Ser a sentença recorrida declarada nula e inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. d) do CPC e 20.º, n.º 4 da CRP;
Caso assim não se entenda,
b) Ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a excepção peremptória de inimpugnabilidade judicial directa da decisão do Administrador Único da C….SA;
Caso assim não se entenda,
c) Ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a excepção peremptória de ilegitimidade activa do Recorrido;
Em qualquer caso,
d) Ser revogada a decisão sub judice e, em sua substituição, ser proferido Acórdão que julgue totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo Recorrido e, consequentemente, absolva as Recorrentes dos mesmos.”
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O A. apresentou contra-alegações e requereu a ampliação do objecto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1) A sentença em recurso deve ser mantida na sua íntegra, não só por se achar proferida em respeito da melhor interpretação e aplicação do direito aos factos do litígio, mas fundamentalmente porque repara uma chocante situação de manifesto abuso de direito, má fé e dolo intenso que se apreende imediatamente quando se constata que os RR. reuniram “à socapa”, para fabricar uma putativa “justa causa” de destituição do Autor e para nomear a filha do outro sócio, irmão do Autor, com quem este divide em partes iguais o controlo do Grupo de sociedades dos autos;
2) Quanto aos fundamentos do recurso, começando pela (a) questão da nulidade da sentença por ser "decisão surpresa", tal questão (se é que se pode chamar de “questão”) foi levantada pelo Autor (arts. 156º, 160º, 161º e, com mais acuidade, 164º e 165º da petição inicial), uma vez que este invocou justamente a falta de poderes ou falta de legitimidade do 3º Réu para praticar actos (decisões ou deliberações) dos autos; não era, portanto, uma questão totalmente nova, embora tivesse sido decidida na sentença em recurso fazendo uso de fundamentação ligeiramente distinta; além do mais, as Apelantes pronunciaram-se sobre a mesma e estavam obrigadas a prever que a decisão do tribunal poderia ser no sentido que foi tomado;
3) Seja como for, não se trata verdadeiramente de uma "questão de direito" (no sentido do nº 3 do art. 3º do Código de Processo Civil) mas antes de fundamento ou argumentação (ligeiramente) diverso do invocado pelo Autor; na verdade, as questões que o Autor levou a tribunal foram a nulidade e anulabilidade das deliberações dos autos; essas foram bem delimitadas, pelo conjunto de factos que foram alegados pelo Autor (e pela convocação do art. 411º do Código das Sociedades Comerciais) e foram bem resolvidas pela aplicação da lei a tais factos, fazendo a Juiz a quo bom uso do princípio "iura novit curia" (art. 5º, nº 3 do Código de Processo Civil);
4) Ora, "a decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspetivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento" - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2018 (Proc. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1);
5) (b) Quanto à inimpugnabilidade judicial directa da decisão do administrador da “C…SA”, não só as características concretas das sociedades dos autos levam à inexorável conclusão de que percorrer o caminho de convocação da assembleia geral seria uma pura perda de tempo--com risco de caducidade do direito de intentar a acção de anulação--como há razões abstractas e de princípio que levam a dispensar tal diligência prévia: desde logo, o art. 412º do Código das Sociedades Comerciais não "impõe" (não diz "deve"), antes faculta uma opção ("pode" é o que diz a letra da lei); entender da forma pretendida pelas Apelantes significaria conceder um direito de reacção directa e imediata através de uma providência cautelar mas nega-lo caso se se tratasse de uma acção definitiva, o que manifestamente não faz sentido; por outro lado, toda a moderna doutrina Portuguesa se manifesta no sentido de ser dispensável o recurso "interno" (estão neste campo Raúl Ventura, Pinto Furtado, Taveira da Fonseca, José Nuno Marques Estaca, J.M. Coutinho de Abreu, Ricardo Falcão, Paulo Olavo Cunha e Menezes Cordeiro) assim como é esse o entendimento pacífico da mais recente jurisprudência (ac. STJ de 21-02-2006, 9-5-2006, 9-01-2018, ac. Relação Porto 20-04-2004, ac. Relação de Coimbra de 9-1-2017, ac. Relação de Lisboa de 9-01-2017 e 15-12-2016);
6) (c) Quanto à ilegitimidade activa do Autor, assentam as Apelantes o seu discurso na circunstância de o Autor não ter essa legitimidade (tanto processual como substantiva) pois não é sócio da sociedade M…SA e, como tal, não pode invocar a anulabilidade das respectivas deliberações; o problema das Apelantes, contudo, é que o Autor configurou bem a sua demanda (para efeitos do disposto no art. 30º, nº 3 do Código de Processo Civil); por outro lado, as Apelantes esquecem-se que o Autor imputou a todas as deliberações dos autos vícios de nulidade (violação de preceitos legais imperativos, contrariedade aos bons costumes, abuso de direto, etc.), as quais podem ser conhecidas a qualquer momento e invocadas por qualquer pessoa (art. 286º do Código Civil); portanto, é mais que evidente que o Autor tem legitimidade processual e substantiva para peticionar a declaração de nulidade de todas as deliberações dos autos;
7) (d) Quanto à incompetência do administrador único da 1ª Apelante para deliberar / decidir a destituição de administrador e nomeação de administradora da 2ª Apelante, sociedade totalmente dominada por aquela, começa-se por se notar que não pode sofrer qualquer dúvida minimamente razoável que estão em causa dois núcleos de decisões / deliberações, sendo que o primeiro núcleo é necessariamente precedente do segundo; em primeiro lugar, estão em causa as decisões / deliberações do administrador único da sociedade dominante (a 1ª Apelante…) que decidiu reunir a assembleia geral da participada (2ª Apelante, …) e deliberar a destituição do Autor e nomeação da sua filha como administradora; em segundo lugar, estão em causa as deliberações da assembleia geral da participada (2ª Apelante, …) de destituição do Autor e nomeação da filha do administrador único da 1ª Apelante;
8) Nem poderia ser de outra forma uma vez que, para que a assembleia geral da sociedade participada pudesse validamente reunir e deliberar, imprescindível seria que quem representa o(s) sócio(s) nessa reunião viesse validamente mandatado para reunir e deliberar, o que pressupõe irremediavelmente uma decisão / deliberação do seu órgão de representação; existem, portanto, dois níveis de deliberações autónomas mas com uma ligação inextricável e dependente numa relação lógica e formal da cadeia de transmissão do processo deliberativo;
9) Depois e quanto ao cerne da decisão em recurso, bem andou o Tribunal recorrido ao considerar que os actos ali em causa (imputados ao administrador único da 1ª Apelante) não podem ser entendidos como acto de gestão que coubesse nas suas competências, antes requerendo que tal matéria tivesse sido submetida à assembleia geral da dita sociedade dominante;
10) Em sociedades com as particularidades como a dos autos, efectivamente existe um determinado núcleo de decisões que, embora à partida pudessem ser consideradas nos poderes do conselho de administração, devem no entanto ser reservadas à assembleia geral;
11) Para se compreender esta afirmação é necessário chamar à colação um conjunto de factos que, apesar de não considerados na sentença recorrida (mas juntamente com os factos considerados provados nessa decisão), devem ser agora levados em linha de conta pelo tribunal (arts. 574º, nº 2, 607º, nº 4 (2ª parte) e também 662º, nº 1, todos do Código de Processo Civil) uma vez que, tendo sido alegados pelo Autor e não tendo sido objecto de impugnação (genérica ou especificada sequer), devem ser considerados provados, por admitidos por acordo;
12) Tais factos são os que, sem prejuízo de melhor indicação abaixo para efeitos de ampliação do âmbito do recurso, constam dos arts. 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º (sem referência a "auto-proposto"), 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º, 133º, 134º, 135º, 136º, 137º, 138º, 139º, 140º, 141º e 143º, todos da petição inicial;
13) Deste conjunto de factos, podem-se extrair as seguintes ideias-chave:
• A 1ª Apelante (“…”) é uma sociedade gestora de participações sociais e detém a totalidade do capital social da 2ª Apelante (“operacional”);
• É detida em partes iguais (50% - 50%) por Autor e 3º Réu;
• A 2ª Apelante é a única participação social detida pela 1ª Apelante;
• A 2ª Apelante foi criada há mais de 40 anos pelo Pai do Apelado e do 3º Réu, com cunho eminentemente familiar e como forma de prover ao sustento e criação de riqueza para a família e de deixar um património para a família;
• A sua gestão assentava nessa base familiar e tinha em vista a prossecução do interesse da sociedade como forma de prolongamento da família;
• Como reflexo disso, a 2ª Apelante tinha originariamente 3 administradores (Autor, 3º Réu e seu Pai);
• Sempre foi prática da empresa e seus sócios que todas as decisões fossem tomadas e assumidas por todos os sócios, especialmente as mais relevantes para a sua vida, como operações relativas ao seu capital, instalações, desenvolvimento de linhas de negócio, e equipamentos necessários ao seu funcionamento;
• Sendo a repartição igualitária entre sócios um dos princípios estruturantes desta sociedade 2ª Apelante;
• Que não se alterou com a criação da C…SA que teve lugar no ano de 1995;
• E que também não se alterou com a venda da totalidade das acções representativas do capital social da M…SA à dita C…SA, ficando esta a deter a totalidade (100%) do capital daquela;
• Isto é, ficou perfeitamente assente e acordado entre todos os accionistas que o “modus faciendi” da actividade empresarial não se alteraria—como não alterou durante largos anos;
• os accionistas decidiram que os esforços e dedicação empresarial continuassem a produzir-se na sociedade “operacional”, a “M…SA”, ficando a “C…SA” com um papel meramente simbólico de detenção da integralidade do capital social dessa sociedade e com um papel de mera administração e gestão formal da sociedade “operacional”;
• a gestão “operacional” continuou a realizar-se “em baixo”, na participada e a administração da C…SA foi deixada a cargo de um só administrador (3º Réu);
• Tendo o Autor ficado com o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da 1ª Apelante;
• Porém, todo o figurino provindo da empresa “M…SA” manteve-se inalterado: todas as decisões, quer na “C…SA”, quer na “operacional MVC”, eram tomadas de comum acordo entre todos e todo o capital era detido em partes iguais;
• Como continuou a ser após a morte do Pai ….
14) É justamente este cariz vincadamente familiar e é todo este passado de mais de 40 anos que justifica e impõe que uma decisão de “substituição” de administradores (no fundo, a destituição do Autor e a nomeação da filha do 3º Réu) não possa ser encarada como uma simples e ordinária “decisão de gestão” da C…SA, antes tendo de ser levada ao colégio de accionistas da mesma C…SA;
15) Esta é uma solução que, em tese geral, é acolhida por toda a doutrina que se tem debruçado sobre o tema, começando pelo próprio autor citado pelas Apelantes (Engrácia Antunes), mas também João Dias Lopes, Madalena Perestrelo de Oliveira, António Menezes Cordeiro, Mariana Alves de Melo, e Diogo Costa Gonçalves (cfr. obras supra citadas), sendo também admitida não só no aresto citado na sentença em recurso mas no próprio acórdão do Supremo Tribunal de Justiça junto pelas Apelantes (cfr. pág. 16 do acórdão de 2 de Fevereiro de 2020);
16) Assumindo-se que “deverá ser reconhecido à assembleia geral dos accionistas da sociedade-mãe uma competência residual (art. 373º, nº 2, "in fine" do CSC) relativamente à tomada de decisão sobre determinadas matérias fundamentais relativas à vida das sociedades-filhas que possuam um impacto significativo sobre a estrutura patrimonial ou organizativa da empresa global do grupo e possam assim afectar gravemente, por via indirecta, o núcleo da posição de socialidade (...) dos próprios accionistas da sociedade-mãe”—cfr. José Engrácia Antunes, "Das deliberações do conselho de administração de uma SGPS no contexto de relações de grupo por domínio total", (DSR, ano 10, vol. 20 (2018), pág. 55 e 56), com sublinhados da responsabilidade do Apelado—restará saber que tipo de matérias são “estruturantes” ou afectem gravemente a posição de “socialidade” dos accionistas da sociedade-mãe;
17) A resposta parece evidente: deverá haver lugar a uma apreciação casuística, tudo dependendo do caso concreto e das forças que em cada momento estiverem a representar a estrutura de capital da “sociedade-mãe”;
18) Em qualquer dos casos, essa apreciação não pode ser separada da relevância fundamental que assumem os deveres fiduciários de lealdade a cargo dos administradores—cfr. João Dias Lopes, op. supra cit., assinalando que a relação de administração envolve um negócio fiduciário (relação uberrimae fidei), que implica uma lealdade qualificada e exige amplo dever de informação e comportamento com a máxima correcção por forma a não defraudar os accionistas;
19) O ponto é justamente este: quando esteja em causa uma interferência substancial nos direitos e nos interesses dos accionistas, a administração é excepcionalmente obrigada a requerer a aprovação da assembleia geral ainda que tal necessidade não esteja legalmente prevista, por decorrência dos princípios da boa fé e proibição de abuso de direito e também por respeito dos deveres fiduciários de lealdade de intensidade “particularmente densa” que impendem sobre os administradores;
20) Ora, não sofrem dúvidas que os actos praticados pelo 3º Réu (e, por decorrência, pelas Apelantes) causam irremediavelmente essa interferência substancial:
• um dos princípios estruturantes das sociedades dos autos assenta numa “repartição igualitária entre os sócios” (Autor e 3º Réu) e numa gestão repartida da sociedade “operacional”;
• assim o dita uma história e uma prática constante e consistente de mais de 40 anos, que não sofreu alteração por força da “divisão” do grupo em “sociedade operacional” / “sociedade C…SA”—o que só por si constitui um abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, proibido pelo art. 334º do Código Civil;
• os actos praticados pelo 3º Réu, como administrador único da 1ª Apelante, impondo assim a destituição do Autor, comprometem irremediavelmente esse equilíbrio estruturante porque privam o Autor da gestão efectiva de uma sociedade que é tanto sua como do 3º Réu, em partes iguais;
21) Por outro lado, não cabe dúvida minimamente aceitável que o dito 3º Réu, como administrador único da 1ª Apelante, está adstrito a deveres fiduciários de especial intensidade em face dos accionistas (neste caso, do Autor) que lhe impõe a observância de um dever de lealdade. Também não sofre qualquer dúvida que tal dever de lealdade foi absolutamente desbaratado pelo 3º Réu e administrador da 1ª Apelante; tais deveres têm, como é evidente, um correspectivo direito, que cabe ao Autor, por ter assegurada protecção das suas expectativas legítimas;
22) Acrescem outros factos da maior relevância: desde logo, está demonstrado pelos documentos juntos aos autos, foi alegado e não se encontra minimamente contestado, que no momento em que as deliberações foram tomadas, o mandato do administrador da 1ª Ré (e 3º Réu) já havia terminado!
23) Além disso: o 3º Réu (administrador da 1ª Ré) sabia que o seu cargo se encontrava a ser contestado pelo Autor, tanto assim que já haviam sido apresentadas propostas para nomeação de outro administrador!
24) Por outro lado: a participação que a 1ª Ré (…) detém na 2ª Ré (…) é o seu único activo!
25) Daí que tem de se fazer apelo à distinção—a que, aliás, a douta sentença recorre ao citar Engrácia Antunes—entre “matérias de gestão social” e “matérias de governo social”, para necessariamente se concluir que a destituição e nomeação de administradores cabe no âmbito da segunda categoria e, como tal, deve ser precedida da deliberação dos sócios em assembleia geral;
26) O Autor e Apelado tem o direito de ficar resguardado contra tais actos, que provocam uma distorção inaceitável:
• por um lado, porque têm na sua génese atitudes contrárias ao Direito na medida que frustram legítimas expectativas do sócio, constituem um abuso e apagam a história de mais de 40 anos da vida das sociedades em causa;
• por outro lado, porque produzem um efeito altamente nocivo que é o permitir a um acionista, que apenas detém 50% do capital da sociedade-mãe, que se auto-perpetue e controle o exercício das funções de administrador da sociedade participada (que é a “operacional” e que gera disponibilidades de caixa e lucros que permitem alimentar a miríade de despesas pessoais desse mesmo acionista em chocante contraste com a queda abrupta e inexorável das vendas com a consequente quebra nos resultados operacionais que se tem vindo a registar nos últimos exercícios já atingidos os valores negativos) em claro detrimento do outro, detentor de igual percentagem de capital;
27) De resto, a demais fundamentação apresentada pelas Apelantes não pode proceder.
Mais em concreto, juntam as Apelantes ao processo um aresto do Supremo Tribunal de Justiça que não pode ser replicado no presente caso; com efeito:
• na situação concreta do aresto de Fevereiro de 2020, o sócio Autor dessa acção era detentor de apenas 10% do capital social da “C…SA”;
• e o sócio maioritário era detentor de 60% da mesma sociedade;
• por outro lado e aparentemente, a deliberação do conselho de administração da “C…SA” de destituição do ali autor (que foi alvo da discussão no processo 3508/13.4TBBCL.G1.S1 e objecto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 2017, citado na sentença aqui em recurso), foi objecto de “renovação, com efeitos retroactivos” por deliberação da assembleia geral da dita SGPS de 11 de junho de 2018;
• finalmente e como se refere na pág. 16 do citado aresto, a “... questão da (in)competência do órgão da sociedade dominante não se mostra submetida à apreciação no âmbito deste recurso (...)” “Não estando assim em causa nestes autos a competência do conselho de administração da 2ª Ré, na qualidade de acionista única da 1ª Ré, para em nome daquela e em sua representação exercer as respectivas atribuições (competências deliberativas) na assembleia geral desta última (sociedade totalmente dominada) (...)”
• Ou seja, no caso junto pelas Apelantes, não se discutiu o tema central que nos ocupa neste recurso.
28) Termos em que a Apelação deve improceder na sua totalidade. Contudo, prevenindo a hipótese de assim não se entender, o Apelado vem requerer, ao abrigo do disposto no art. 636º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, que tenha lugar a ampliação do âmbito do recurso, requerendo que o Tribunal ad quem conheça de (1) fundamentos da acção que não foram decididos pelo Tribunal a quo, e (2) fundamentos que o Tribunal a quo decidiu em sentido contrário ao peticionado pelo Apelado;
29) Com efeito, o Autor imputou às deliberações dos autos os vícios de nulidade e anulabilidade:
- No caso das deliberações do administrador único da 1ª Ré (…), foram alegados os seguintes vícios:
1º) nulidade por abuso de poder e de direito, má fé, dolo intenso e contrariedade aos bons costumes (art. 167º e ss da p.i.);
2º) nulidade por violação de preceitos legais imperativos (art. 182º p.i.). Neste tocante e porque o Tribunal recorrido apreciou este fundamento com base na falta de poderes do administrador único para decidir / deliberar sobre a matéria dos autos, restam os fundamentos de violação dos deveres de cuidado e diligência (art. 186º p.i.) e a violação do dever de lealdade (art. 187º p.i.);
3º) anulabilidade por objectivamente constituir o exercício do direito de voto com o propósito de obter vantagens especiais para o 3º Réu e/ou para terceiros (art. 177º da p.i.);
- No caso das deliberações da 2ª Ré …:
1º) nulidade por abuso de direito, má fé, dolo intenso (arts. 203º e ss p.i.);
2º) nulidade por violação do direito ao contraditório, direito fundamental e estruturante em qualquer ordem jurídica e consequentemente violação de preceitos legais imperativos (art. 217º e ss p.i.);
3º) anulabilidade por falta de elementos de informação (“CV”) da administradora nomeada (art. 288º e ss p.i.);
30) Para conhecimento do âmbito deste recurso, desta forma ampliado, é necessário chamar à colação um conjunto de factos que devem ser considerados como provados, por admitidos por acordo, a que acima se aludiu mas que agora não podem deixar de ser reproduzidos por necessidade de cumprimento do disposto nos arts. 574º, nº 2, 607º, nº 4 (2ª parte) e também 662º, nº 1 e 636º, todos do Código de Processo Civil:
• A sociedade 2ª Ré “…” foi constituída em 1976 pelo Pai do Autor e do 3º Réu, …, tendo como actividades principais o comércio de peças e acessórios para veículos de duas rodas, bem como a comercialização destes e resulta da transformação em sociedade de uma empresa em nome individual iniciada há 80 anos por …MVC (art. 26º da petição inicial, sendo que todas as referências subsequentes nesta lista se entendem reportadas a tal articulado);
• A dita sociedade foi criada e mantida com cunho eminentemente familiar pelo Pai, como forma de prover ao sustento e criação de riqueza para a família e ser por isso mesmo um património a deixar para os seus filhos e gerações vindouras (art. 27º);
• A sua gestão, em termos orgânicos, assentava por isso nessa base familiar e na confiança mútua que a mesma deveria gerar (art. 28º);
• Tendo sempre em vista a prossecução do interesse da sociedade como forma de prolongamento da família (art. 29º);
• E de facto a sociedade assim prosperou, tendo chegado a avolumar um considerável montante de reservas e permitindo aos sócios, e em especial ao Pai, adquirir um conjunto de imóveis de relevante valor patrimonial (art. 30º);
• Também como reflexo desta estrutura familiar, a sociedade tinha três administradores—Pai, Autor e 3º Réu (cfr. certidão comercial permanente) (art. 46º);
• Sempre foi prática da empresa e seus sócios que todas as decisões fossem tomadas e assumidas por todos os sócios, especialmente as mais relevantes para a sua vida, como operações relativas ao seu capital, instalações, desenvolvimento de linhas de negócio, e equipamentos necessários ao seu funcionamento (como o sistema informático), etc. (art. 47º);
• Sendo a repartição igualitária entre sócios um dos princípios estruturantes desta sociedade “MVC” (art. 48º);
• Em suma, o quadro que acima se acaba de descrever corresponde ao do típico padrão de uma “empresa familiar” (art. 49º);
• Que não se alterou com a criação da “C…SA”, que teve lugar no ano de 1995 (cfr. certidão comercial permanente) (art. 50º);
• E que também não se alterou com a venda da totalidade das acções representativas do capital social da “MVC” à dita “C…SA”, ficando esta a deter a totalidade (100%) do capital daquela (art. 51º);
• Isto é, ficou perfeitamente assente e acordado entre todos os accionistas que o “modus faciendi” da actividade empresarial não se alteraria—como não alterou durante largos anos (art. 53º);
• Na verdade, os accionistas decidiram que os esforços e dedicação empresarial continuassem a produzir-se na sociedade “operacional”, a “MVC” (art. 54º);
• Ficando a “C…SA” com um papel meramente simbólico de detenção da integralidade do capital social da “MVC” (art. 55º);
• E, naturalmente, com um papel de mera administração e gestão formal da sociedade “operacional” (art. 56º);
• Tanto assim que a dita C…SA, embora tivesse chegado a ter no passado participações noutras empresas, todas elas detidas em partes iguais pelo 3º Réu e o Autor, actualmente tem apenas a participação social da “MVC”, a sociedade operacional (art. 57º);
• Contudo, a gestão “operacional” continuou a realizar-se “em baixo”, na participada - como era, aliás, natural (art. 58º);
• O capital social da “C…SA” era detido exclusivamente pelo Autor, 3º Réu e seu Pai (art. 59º);
• Em partes rigorosamente iguais (art. 60º);
• E a administração da C…SA foi deixada a cargo de um só administrador (“administrador único”) (art. 61º);
• No caso concreto, foi nomeado para administrador único o 3º Réu … (art. 62º, tendo sido eliminada a referência, contestada pelas Rés, de que o 3º Réu se havia “auto-proposto”, mas que também não é relevante para o caso);
• O Autor, porque confiava no seu irmão e porque não desejava entrar em conflito com o mesmo, aceitou tal designação (art. 63º);
• Tendo ficado com o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral (art. 64º);
• Porém, todo o figurino provindo da empresa “MVC” manteve-se inalterado (art. 65º);
• Todas as decisões, quer na “C…SA”, quer na “operacional MVC”, eram tomadas de comum acordo entre todos e todo o capital era detido em partes iguais (art. 66º);
• Como continuou a ser após a morte do Pai … (art. 67º);
• A partir da morte deste, o capital social passou a pertencer em exclusivo ao Autor e ao 3º Réu, em partes iguais (50% - 50%) (art. 68º);
• A partir desta altura, o capital social da “C…SA” (€ 50.000, representado por 5.000 acções com o valor nominal de € 10 cada) passou a ser distribuído da seguinte forma:
Autor … – 2.500 acções
3º Réu … – 2.500 acções (art. 69º);
• Esta é, aliás, a estrutura societária actual, na qual o Autor detém 2.500 acções com o valor nominal de € 10,00 cada, representativas de 50% do capital social da sociedade C…SA, que por sua vez detém a totalidade (100%) do capital social da “MVC” (art. 70º);
• Enfim, uma sociedade verdadeiramente “a meias” que se manteve intacta, como acontecera desde a criação da “MVC” (art. 71º);
• Até ao ano de 2013 (art. 72º);
• O Autor, na sua qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, convocou uma assembleia geral da sociedade “C…SA” (art. 121º);
• A dita reunião foi agendada para o dia 17 de Janeiro de 2019, pelas 11:00 horas, a realizar na sede social (art. 122º);
• Tendo ficado desde logo agendada 2ª data para o dia 5 de Fevereiro de 2019, pelas 11:00 horas (art. 123º)
• Como ordem de trabalhos constava:
Ponto Um – Discutir e deliberar sobre a nomeação dos órgãos sociais para o quadriénio 2019/2022;
Ponto Dois – Discutir e deliberar sobre outros assuntos do interesse para a sociedade. (art. 124º)
• Apesar de ter recebido a convocatória, o 3º Réu não compareceu na primeira data (art. 125º)
• Pelo que o Autor, como Presidente da Mesa da Assembleia, encerrou os trabalhos e decidiu que a reunião deveria ter lugar na segunda data agendada (art. 126º);
• Nessa data, considerou-se presente o 3º Réu (art. 127º);
• Nessa reunião, o Autor propôs a não recondução do 3º Réu como administrador da “C…SA” e que ele próprio fosse nomeado como administrador em sua substituição (art. 128º);
• O 3º Réu votou contra ambas as propostas, pelo que nenhuma delas vingou (art. 133º);
• Seja como for, o Autor voltou a convocar a reunião da Assembleia Geral da “C…SA” com a mesma ordem de trabalhos:
Ponto Um - Discutir e deliberar sobre a nomeação dos órgãos sociais para o quadriénio 2019/2022;
Ponto Dois – Discutir e deliberar sobre outros assuntos do interesse para a sociedade (art. 134º);
• Tal reunião foi convocada para o dia 30 de Abril de 2019, pelas 10:00, na sede da sociedade (art. 135º);
• Desta feita, o Autor organizou e disponibilizou os elementos de informação exigidos pelo Código das Sociedades Comerciais, juntamente com as correspondentes propostas de deliberação (art. 136º);
• Agora e mais uma vez representado por RC… e pelo Dr. Miguel de Almada, o 3º Réu “compareceu” à dita reunião (art. 137º);
• O Autor, na sua qualidade de acionista representado pelo seu mandatário e aqui subscritor, apresentou a proposta, acompanhada da fundamentação que entendeu adequada para a deliberação de nomeação de membros dos órgãos sociais (art. 138º);
• O Autor propôs a não recondução do 3º Réu e sua nomeação como administrador ou, caso esta última não fosse aceite, propôs a nomeação de R… como administrador (art. 139º);
• Para a Mesa da Assembleia Geral propôs a sua nomeação e a recondução do fiscal único (art. 140º);
• O representante do acionista 3º Réu votou contra todas as propostas, pelo que não foi nomeada nenhuma pessoa para os órgãos sociais (art. 141º e 143º);
• O 3º Réu sabia desde 14 de Dezembro de 2018 que o Autor pretendia a sua não recondução como administrador da C…SA—intenção esta que o Autor manifestou de forma clara e transparente (art. 143º);
• O 3º Réu não propôs a nomeação de ninguém para os órgãos sociais (art. 143º);
• Apenas em 8 de Maio de 2019 o 3º Réu comunicou ao Autor o teor das deliberações tomadas no dia 26 de Abril de 2019, já depois da assembleia geral da 1ª Ré realizada no dia 30 de Abril de 2019 (art. 143º, tal como admitido no art. 343º da contestação);
• RC… é filha do 3º Réu (…) – cfr. certidão de nascimento junta como doc. nº 4-A com a petição inicial;
31) Perante este quadro fáctico, a que naturalmente se somam os factos considerados provados na sentença sub judice pode concluir-se que:
32) As deliberações em causa do administrador único devem ser consideradas anuláveis, por constituir o exercício do direito de voto com o propósito de obter vantagens especiais para si ou para terceiros—cfr. nº 1, al. b) do art. 58º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável analogicamente por via do disposto no art. 411º do mesmo Código;
33) As deliberações em causa do administrador único são nulas por terem um conteúdo contrário aos bons costumes ou a preceitos legais imperativos, uma vez que:
• violaram o dever de cuidado e de diligência segundo um gestor criterioso e ordenado;
• violaram deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos seus trabalhadores, clientes e credores;
34) Tais deliberações são também uma manifestação egrégia de má fé e abuso de direito (incluindo na modalidade de venire contra factum proprium), violando a protecção das legítimas expectativas do Autor já que:
• violam aquilo que tem sido a essência da sociedade no que toca a uma repartição igualitária entre os sócios da “C…SA”, reflectida por sua vez em cargos igualitários de administração na sociedade “operacional” “MVC”;
• violam também a “história” de mais de 40 anos (!!!) de vida da sociedade, onde todas as decisões foram tomadas por acordo ou pelo menos com participação de todos os sócios;
• ao actuar da forma descrita, o 3º Réu—e por decorrência as 1ª e 2ª Rés— frustraram as legítimas expectativas do Autor, abusaram do direito e actuaram de forma contrária a comportamentos passados de sentido concludente: numa palavra, actuaram em manifesto venire contra factum proprium, o que é proibido e considerado nulo pelo disposto no art. 334º do Código Civil;
• foram assim excedidos de forma gritante os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito;
35) Cabe assim ao caso, como se disse, a al. c) do nº 1 do art. 411º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que as deliberações do administrador 3º R. são nulas ou no mínimo anuláveis, devendo por isso serem declaradas sem nenhum efeito;
36) As deliberações tomadas na assembleia geral da “M…SA” são também nulas: desde logo, porque tomadas com base em decisões / deliberações da administração da 1ª Apelante que são, por sua vez, nulas e / ou anuláveis; como tal, tem de se concluir que o administrador da 1ª Apelante e 3º Réu não se encontrava devidamente mandatado para ali reunir e deliberar;
37) Depois, porque se traduzem numa alteração, “à má fila”, na estrutura da sociedade, contendendo diretamente com os direitos dos sócios tal como estes haviam conformado a sociedade desde a sua criação;
38) Por outro lado, o Autor não foi convocado para a dita assembleia geral e deveria ter sido pois, tendo em vista a discussão de um tema em que se lhe imputa a acusação de fatos que pretendem significar “justa causa”, o mínimo que se poderia garantir é o direito de ser ouvido (cfr. Jorge Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, Vol. II, 3ª ed., pág. 599)—e ele não foi, dados os contornos evidentes de má fé em que as deliberações se produziram;
39) Mais, as deliberações em causa estão viciadas por constituírem um nítido voto abusivo: como se demonstrou acima e é uma evidência, com eles os Réus mais não quiseram que prejudicar o Autor e outorgar um benefício indevido a terceiro, no caso à filha do 3º Réu e administrador da sociedade;
40) Verifica-se, assim, que estas deliberações são nulas por violação do disposto nos arts. 56º, nº 1, al. d) do Código das Sociedades Comerciais e anuláveis por violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 58º do mesmo Código;
41) Em conformidade, devem assim conhecer-se dos fundamentos aqui invocados e, em qualquer dos casos, declararem-se nulas e de nenhum efeito as deliberações objecto desta acção;
42) Isto, para a hipótese remota de se julgar procedente o recurso de apelação, o que não se admite, uma vez que a sentença sub judice procedeu a uma interpretação correcta dos preceitos legais e a uma aplicação dos mesmos aos factos dos autos de uma forma irrepreensível;
43) Acima de tudo, a sentença em recurso constitui uma notável rectificação de uma situação perfeitamente anómala e altamente censurável, sob todos os pontos de vista;
44) Com efeito, a sentença em recurso chega a um resultado que, está o Apelado convicto, será mantido por V. Exas., Senhores Desembargadores, por isso corresponder à aplicação da mais nobre e elevada JUSTIÇA !!!”
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Por requerimento de 31.08.2020, o Autor veio requerer a rectificação do ponto b) iii) do dispositivo por do mesmo não constar que a determinação de cancelamento dos registos identificados, o que foi deferido.
*
A R. C… S.A. respondeu à ampliação do objecto do recurso, com as seguintes conclusões:
“1. A matéria da ampliação do objeto de recurso ora sob resposta vem alegada pelo Autor Recorrido nas suas contra-alegações, apresentadas na sequência do recurso interposto pelas Rés Recorrentes da DECISÃO RECORRIDA que pôs termo à ação.
2. Considerando a matéria da ampliação, conforme delimitado pelas conclusões do Autor Recorrido, resulta evidente os fundamentos de facto e de direito invocados pelo Autor Recorrido estão condenados a soçobrar.
AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
3. A ampliação do objeto do recurso quanto à matéria de facto não pode proceder, tendo em consideração os seguintes quatro fundamentos:
4. Em primeiro lugar, os factos que o Autor Recorrido pretende aditar à matéria de facto dada como provada na DECISÃO RECORRIDA não foram admitidos por acordo.
5. A fundamentação do Autor Recorrido é improcedente, na medida em que as Rés Recorrentes impugnaram genericamente os referidos artigos da p.i., no artigo 392. da sua Contestação.
6. Em todo o caso, os factos que o Autor Recorrido pretende aditar à matéria de facto dada como provada estão em oposição com a defesa das Rés Recorrentes no seu conjunto considerada, designadamente com a factualidade alegada no subcapítulo III., a) da Contestação (e, em particular, nos artigos 62. a 79., 88., 95. a 114. daquele articulado).
7. De resto, os factos alegados nos artigos 62.º, 125.º, 126.º, 127.º, 128.º, 133.º, 137.º, 138.º, 139.º, 140.º, 141.º e 143.º da p.i. dizem respeito a deliberações de sócios, pelo que apenas podem ser provados pelas respetivas atas, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, do CSC.
8. Assim, tendo as Rés Recorrentes cumprido o ónus de impugnação imposto no artigo 574.º, n.º 1 e 2, do CPC, não podem os factos em causa ser dado como provados por admitidos por acordo.
9. Em segundo lugar – e porque os factos que pretende aditar à factualidade provada da DECISÃO RECORRIDA não foram admitidos por acordo –, o Autor Recorrido incumpriu o ónus de indicar, nas motivações ou conclusões das suas contra-alegações, quais os concretos meios probatórios constantes dos autos em que fundamenta a sua impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
10. O Autor Recorrido também não especifica quais os factos alegados pelas Rés Recorrentes em que estas admitem por acordo os factos alegados pelo Autor Recorrido na sua p.i.
11. O que, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC impõe a imediata rejeição do requerimento de ampliação do objeto do recurso no que concerne a matéria de facto, sem possibilidade de sanação ou convite ao aperfeiçoamento, conforme é entendimento da nossa doutrina e jurisprudência.
12. Em terceiro lugar, a matéria de facto que o Autor Recorrido pretende aditar é irrelevante para efeitos da decisão a proferir nos presentes autos.
13. A única questão que seria relevante nos presentes autos, para efeitos da apreciação da validade da decisão do administrador único da CVM e da deliberação da M…SA, ambas de 26 de abril de 2019, é saber se a referida decisão e deliberação foram tomadas em violação de preceitos legais imperativos ou se são abusivas, nos termos do disposto nos artigos 56.º, 58.º e 411.º, do CSC.
14. Os factos que o Autor Recorrido pretende aditar à factualidade provada da Decisão Recorrida não estão diretamente relacionados com as deliberações impugnadas.
15. Por conseguinte, a pretensão do Autor Recorrido quanto à prova dos factos é inócua, porque, mesmo se fosse procedente, não permitiria alterar a apreciação de mérito e o sentido da decisão a proferir.
16. Em quarto lugar, a prova dos factos alegados nos artigos 28.º, 29.º, 30.º, 46.º, 47.º, 49.º, 53.º, 63.º, 71.º e 143.º da p.i. também não teria qualquer relevância uma vez que os factos em causa não são minimamente objetivos.
17. Em particular no que respeita aos “factos” 28.º, 29.º, 30.º, 46.º, 47.º, 49.º, 53.º, 63.º e 71.º, não correspondem estes a um facto objetivo sujeito a prova, mas sim a juízo valorativo ou conclusivo sobre factos (alegadamente ocorridos).
18. Seguindo o entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, impõe-se que os referidos factos não sejam dados como provados.
19. Pelo exposto, é forçoso concluir que o requerimento se afigura inútil e irrelevante para influir na apreciação do mérito da presente causa, pelo que o Tribunal da Relação sempre o teria de julgar improcedente.
AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO
20. A tese de Autor Recorrido quanto aos vícios da decisão do administrador único da CVM e da deliberação da assembleia geral da M…SA não resiste às questões de direito que lhe estão subjacentes.
21. Em todo caso e a título prévio, há que recordar que a DECISÃO RECORRIDA foi proferida em despacho saneador que pôs termo à causa, pelo que o processo terminou sem julgamento.
22. Significa isto que o Tribunal de recurso não tem à sua disposição elementos suficientes para proferir uma decisão de mérito relativamente às demais questões suscitadas pelo Autor Recorrido, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do CPC.
23. Pelo que, sendo revogada a DECISÃO RECORRIDA, e caso o Tribunal da Relação entenda apreciar as demais questões suscitadas pelo Autor Recorrido (sem conceder quanto à segunda parte), impõe-se que Tribunal recorrido mande baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 3, do CPC.
24. À cautela e a título subsidiário, para a hipótese de o Tribunal de recurso entender dispor de elementos suficientes para conhecer da pretensão do Autor Recorrido (novamente, sem conceder), assiste à CVM a faculdade de requerer o aditamento de factos à factualidade dada como provada na DECISÃO RECORRIDA, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC e em respeito pelo princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
25. Devem ser dados como provados os factos alegados nos artigos 322. e 323. da Contestação, os quais se encontram provados nos autos por elementos com força probatória plena.
26. Assim, requer-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que sejam aditados pelo Tribunal ad quem os factos supra referidos à matéria de facto provada, nos seguintes termos:
A filha do 3.º Réu vem exercendo o cargo de diretora da 2.ª Ré desde início de 2018 (facto parcialmente correspondente aos factos alegados no artigo 322. Da Contestação);
Este facto encontra-se provado pelos DOCS. 7, 8 e 9, da Contestação.
A filha do 3.º Réu: (i) demonstrou disponibilidade para o exercício do cargo; e (ii) manteve a remuneração que auferia antes da sua designação (facto correspondente ao facto alegado no artigo 323. da Contestação);
Este facto encontra-se provado pelo DOC. 2 da p.i. (certidão permanente e estatutos da M…SA) e DOCS. 7, 8 e 9, da Contestação.
27. A decisão do administrador único da CVM não enferma de qualquer vício.
28. Em primeiro lugar, o 3º R. era, à data da decisão em crise, o administrador único da CVM, funções que exerceu desde a cessação do seu mandato e até à nomeação, em 2 de janeiro de 2020, de administrador judicial no quadro da ação de nomeação e destituição de titulares de órgãos sociedades proposta pelo Autor Recorrido contra a CVM.
29. A norma do artigo 391.º, n.º 4, do CSC estabelece, de forma expressa, que o administrador nomeado se mantém em funções até nova designação ou nomeação judicial ou até o seu cargo cessar por força das causas previstas nos artigos 403.º ou 404.º, do CSC.
30. Situação que, no caso dos autos, foi atestada pela própria Notária que lavrou a ata da deliberação da M…SA, de 26 de abril de 2019 (cfr. facto 7. dado como provado na DECISÃO RECORRIDA).
31. A lei não estabelece qualquer limitação ao exercício das funções de administrador, ainda que estas ultrapassem o termo previsto para o mandato, pelo que tinha o administrador único 3º R. competência para tomar a decisão da CVM de 26 de abril de 2019, conforme, de resto, defende a nossa doutrina e jurisprudência.
32. Em segundo lugar, quanto à pretensa violação de deveres de cuidado, diligência e lealdade nos termos do artigo 64.º, do CSC, não resultou provado qualquer facto que permita sustentar a nulidade arguida pelo Autor Recorrido com este fundamento, ao abrigo do disposto no artigo 411.º, n.º 1, alínea c), do CSC.
33. Resulta dos factos provados 2. e 5. da DECISÃO RECORRIDA que a gestão da participação social da CVM na M…SA constitui o objeto primordial da atividade da CVM.
34. Compete, por isso, ao administrador único gerir as atividades da CVM, isto é, gerir as participações sociais que a CVM detém noutras sociedades (in casu, na M…SA), nos termos do artigo 405.º, do CSC.
35. Foi no quadro do exercício das suas competências legais e estatutárias que o administrador único da CVM tomou a decisão de convocar a assembleia geral da M…SA de 26 de abril de 2019, com a ordem de trabalhos indicada no facto provado 7. da DECISÃO RECORRIDA.
36. De resto, as deliberações tomadas na assembleia geral da M…SA de 26 de abril de 2019 estão devidamente fundamentadas, como resulta do facto provado 7. da DECISÃO RECORRIDA, pelo que a decisão de convocação da referida assembleia geral correspondeu a uma decisão de gestão totalmente legítima do administrador único da CVM.
37. Acresce que a violação dos deveres dos administradores previstos no artigo 64.º, do Código das Sociedades Comerciais (naturalmente, sem conceder), não determina, por si só, a nulidade da decisão por si tomada, ao abrigo do disposto no artigo 411.º, n.º 1, alínea c), do CSC.
38. Tratando-se, antes, de matéria respeitante à responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade e perante terceiros.
39. Não foi, assim, violado qualquer preceito legal imperativo que determine a nulidade da decisão do administrador único da CVM de 26 de abril de 2019, nos termos do artigo 411.º, n.º 1, alínea c), do CSC.
40. Em terceiro lugar, a decisão do administrador único da CVM de 26 de abril de 2019 não tem um conteúdo ofensivo dos bons costumes, pelo que improcede a invocada nulidade pelo Autor Recorrido com este fundamento, ao abrigo do artigo 411.º, n.º 1, alínea c), do CSC.
41. Ora, a decisão de convocar uma assembleia geral de uma sociedade participada, tendo em vista a destituição com justa causa de membro do conselho de administração e a designação de novo membro, em sua substituição nada tem de imoral ou de ilícito.
42. O conteúdo e o fim da decisão em crise são lícitos e legítimos, correspondendo ao exercício das competências legais e estatutárias do administrador único da CVM, pelo que a decisão em crise é plenamente válida.
43. Em quarto lugar, a pretensa anulabilidade da decisão do administrador único da CVM por constituir uma decisão abusiva, ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC, também não se verifica no presente caso.
44. Uma deliberação abusiva pressupõe o exercício do direito de voto com a intenção de obter vantagens especiais para o sócio votante ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios e, cumulativamente, que a deliberação seja apta à prossecução desse fim.
45. Não foi provada alega nem provada qualquer factualidade preencha nenhum dos requisitos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC.
46. Por um lado, a destituição do Autor Recorrido do cargo de membro do Conselho de Administração da M…SA encontra-se devidamente fundamentada nos termos constantes do facto provado 7. da DECISÃO RECORRIDA.
47. A simples circunstância de RC… ser filha do 3º R. não permite, por si só, demonstrar a existência de uma deliberação abusiva, tendo a decisão em causa sido tomada à luz de critérios de gestão ordenada e conscienciosa.
48. Por outro lado, a decisão em causa não confere qualquer vantagem especial ao 3º R. ou a RC…, nem houve qualquer intuito de prejudicar a sociedade.
49. De resto, a decisão do administrador único da CVM em causa nos autos jamais visou prejudicar a CVM, a M,…SA ou o Autor Recorrido, pelo que também não constitui uma deliberação emulativa.
50. É, assim, forçoso concluir que não se verificam, no caso concreto, os requisitos legais que determinam a nulidade ou a anulabilidade da decisão do administrador único da CVM, nos termos do artigo 411.º, n.º 1, alínea b) e artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC, estando a pretensão do Autor Recorrido condenada ao fracasso.
51. Por fim, também no que concerne a deliberação da Assembleia Geral da M…SA de 26 de abril de 2019 não se verificam quaisquer das pretensas nulidades e anulabilidades invocadas pelo Autor Recorrido.
52. A deliberação da Assembleia Geral da M…SA é lícita e corresponde ao exercício de um direito de voto legítimo da acionista única da sociedade, que, ao abrigo do disposto no artigo 403.º, n.º 1, do CSC, pode deliberar a destituição, a todo o tempo, dos administradores da sociedade.
53. De resto, as consequências da destituição com ou sem justa causa revestem, no essencial, natureza puramente indemnizatória e não impactam ao nível da validade da deliberação.
54. Acresce que a posição dominante na doutrina portuguesa defende que o administrador não tem direito ao contraditório em assembleia geral, até porque a decisão sobre a sua destituição pode ser tomada por qualquer das formas previstas no artigo 54.º do CSC.
55. A M…SA não estava, por isso, obrigada a garantir o direito ao contraditório do Autor Recorrido, inexistindo qualquer suporte legal para a interpretação do Autor Recorrido que a violação de tal direito importaria que a deliberação da Assembleia Geral em crise fosse nula.
56. Tal como não estava obrigada a informar o Autor Recorrido sobre o perfil e experiência a administradora designada na Assembleia Geral da M…SA de 26 de abril de 2019, considerando que o Autor Recorrido, enquanto administrador destituído, não é sujeito ativo do direito à informação, tal como expressamente previsto no artigo 289.º, n.º 1, do CSC.
57. Donde se conclui, uma vez mais, que a arguição da nulidade ou da anulabilidade da deliberação da Assembleia Geral da M…SA de 26 de abril de 2019 deverá improceder.
58. Assim, atentos os fundamentos já expostos, deve improceder, na íntegra, a requerida ampliação do objeto do recurso pelo Autor Recorrido, sendo a DECISÃO RECORRIDA revogada e substituída por outra nos termos pugnados nas alegações de Recurso das Rés Recorrentes.
Termos em que deve, em caso de procedência do recurso de apelação interposto pelas Rés Recorrentes:
a) Ser considerada improcedente, por não provada, a matéria abrangida na ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC; ou, caso assim não se entenda,
b) Ser liminarmente rejeitada, por incumprimento do ónus de impugnação, a ampliação do objeto do recurso quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC; e
c) Ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª Instância, a fim de se proceder ao julgamento da matéria abrangida na ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º, n.º 3, do CPC; e
d) Por fim, à cautela e a título subsidiário, em caso de eventual procedência da ampliação do objeto do recurso quanto à matéria de direito, deve ser considerada procedente o requerido aditamento dos factos à factualidade provada da Decisão Recorrida, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.”
*
A Ré M… S.A. (…), respondeu à ampliação do objeto do recurso, entendendo ter sido incumprido o ónus de impugnação pelo Recorrido; do elenco de factos que o Recorrido pretende incluir na matéria de facto tida como provada, factos há que foram especificamente impugnados, estando outros em clara contradição com os factos alegados na contestação e havendo outros ainda que dependem de prova documental – nomeadamente, atento o disposto no art.º 63, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), os que se referem às deliberações das assembleias gerais – pelo que, atento o disposto no n.º 2 do artigo 574.º, do CPC, não poderão os mesmos ser tidos por assentes por acordo; o Recorrido também pretende incluir na matéria de facto dada como provada, meras conclusões ou juízos de valor de carácter subjetivo, bem como alegações que não relevam para a decisão da causa, o que, naturalmente, não tem cabimento no referido acervo.
Sem conceder, invoca a inutilidade da ampliação do objeto do recurso quanto à matéria de facto por versar sobre factos irrelevantes para a decisão da causa.
Quanto aos fundamentos de invalidade invocados pelo Recorrido e não apreciados pelo Tribunal a quo, estes devem improceder.
*
O A. veio juntar Parecer elaborado por Jurisconsulto, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 651º do Código de Processo Civil).
Veio ainda responder à pronúncia das Recorrentes sobre a ampliação do objecto do Recurso, o que suscitou da parte das RR. um requerimento para a inadmissibilidade de tal resposta, o que foi efectivamente deferido por despacho de 12/10/2020 proferido nos autos, declarando não escritas tais declarações.
*
O recurso foi devidamente admitido como de apelação, com efeitos e modo de subida próprios.
Foi admitida a requerida ampliação do objecto do recurso e foi admitida a junção do Parecer em causa por despacho de 12/10/2020.
Determinou-se a baixa dos autos à Primeira Instância a fim de que a Juiz a quo se pronunciasse sobre a invocada nulidade, o que esta fez entendendo que a mesma não se verifica porquanto entendeu que a eventual violação do princípio do contraditório não configura qualquer nulidade da sentença.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
*
II. Questão a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto as questões a apreciar consistem em:
- Da nulidade da Sentença proferida;
- Da ilegitimidade (substantiva) do A.
- Dos fundamentos da nulidade das deliberações em causa;
- Subsidiariamente, na eventualidade da procedência do recurso, conhecer da requerida ampliação da matéria de facto.
*
III. Fundamentação de Facto:
Foi considerada assente na 1ª Instância a seguinte matéria de facto:
1. O Autor e o 3º Réu … são irmãos.
2. A Ré C… S.A. (1.ª Ré) é uma sociedade que tem como objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades.
3. O Autor e o 3º Réu … detêm cada um 50% do capital social da C… S.A.
4. A Ré M…, S.A. (2.ª Ré) é uma sociedade que se dedica ao comércio de venda de máquinas e acessórios.
5. A C… S.A. detém a totalidade do capital social da Ré M… S.A.
6. Nos termos do artigo 16.º do Estatuto da Ré M… S.A. o Conselho de Administração é composto por dois administradores.
7. Em 26 de Abril de 2019 foi lavrada acta notarial no Cartório Notarial de Sofia Henriques, com o seguinte teor:
“No dia vinte e seis de abril de dois mil e dezanove, pelas doze horas e quarenta e cinco minutos, no meu Cartório Notarial (…) perante mim, Sofia Henriques, respectiva Notária, reuniu a Assembleia Geral da sociedade comercial com a firma “M…A.” (…)
Estava presente:
1. [O 3º R.]… (…) na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da referida sociedade e de administrador único da sociedade comercial com a firma “C…” (…) 
A sessão foi presidida pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, 3º R. … (…)
O Presidente da Mesa verificou que a sociedade sua representada é a única acionista da sociedade “M… S.A.”, acima identificada, detendo a sua representada cento e cinquenta mil ações, com o valor nominal de setecentos e cinquenta mil euros.
Como representante da acionista única decidiu reunir, sem observância de formalidades previstas, ao abrigo do artigo cinquenta e quatro ex vi artigo a trezentos e setenta e três, número um, do Código das Sociedades Comerciais, e que a ata da mesma fosse lavrada por Notário, em instrumento avulso, nos termos do número seis do artigo sessenta e três do Código das Sociedades Comerciais, tendo manifestado a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre os seguintes pontos:
Ponto Um: Destituição, com efeitos a partir de vinte e seis de abril de dois mil e dezanove, de F… do cargo de membro do Conselho de Administração da Sociedade.
Ponto Dois: designação (para completar o mandato em curso), de RC…, para o exercício do cargo de membro do Conselho de Administração da Sociedade.
O Presidente da Mesa declarou validamente constituída a reunião em Assembleia Geral e aberta a respectiva sessão.
Dada a conexão entre os dois pontos, decidiu serem os mesmos apreciados e decididos em conjunto.
Considerando que:
a) Nos termos do Contrato de Sociedade o Conselho de Administração é composto por dois administradores;
b) O Conselho de Administração da Sociedade é composto actualmente pelos Senhores Drs. F… e R…;
c) Desde já há algum tempo, não existe qualquer intervenção construtiva, contributo, definição de directrizes ou trabalho prestado pelo Senhor Dr. F… na gestão da Sociedade, nomeadamente no que toca a:
- Apresentação de propostas para objectivos comerciais e estratégicos da sociedade;
- Análise da atividade, mercado e sector em que a sociedade se insere, bem como de eventos suscetíveis de originar potenciais riscos que possam pôr em cauda a continuidade da sociedade e intervenções ou sugestão de medidas a esse respeito;
- Análise e mensuração dos possíveis impactos de potenciais riscos r/ou de eventos inesperados, no seguimento da tomada de conhecimento dos mesmos e contributos quanto a possíveis soluções e alternativas, designadamente para recuperação de perdas de facturação;
- definição, acompanhamento e controlo da execução das medidas de gestão e de directrizes de administração e consequente avaliação da sua eficácia;
- Avaliação periódica das estratégias adotadas e apresentação das propostas de alteração que se mostrem necessárias;
d) O Senhor Dr. F… tem vindo a perturbar reiteradamente os trabalhadores da Sociedade, criticando e desvalorizando sem critério a situação actual da Sociedade e a continuidade da respectiva actividade, o que tem contribuído para destruir valor e para a criação de um sentimento de insegurança e desconforto dos trabalhadores;
e) O Senhor Dr. F… tem demonstrado diretamente a vários trabalhadores da Sociedade a sua indisponibilidade para a resolução de quaisquer situações que pudessem estar relacionadas com a continuidade da atividade da Sociedade, intitulando-se, junto dos mesmos, “administrador não executivo”, sem correspondência com as obrigações que assumiu quando foi eleito para o cargo;
f) O Senhor Dr. F… tem-se vindo a aproveitar, em benefício próprio, de bens da Sociedade e a utilizar, abusivamente, os poderes de que dispõe;
g) O Senhor Dr. F… requereu e viu ser-lhe deferida a passagem à situação de reforma, não tendo dado conhecimento de tal facto à Sociedade;
h) A gestão corrente da Sociedade tem vindo a ser assegurada pelo Senhor Dr. R…, com o auxílio da diretora da Sociedade, Senhora Dr.ª RC…, sem qualquer contributo válido ou construtivo do Senhor Dr. F… que recusa o diálogo a este respeito e, por várias vezes, manifestou o seu propósito de terminar a atividade, fechar e liquidar a Sociedade;
i) A manutenção do Senhor Dr. F… enquanto administrador representa uma contingência séria para o desenvolvimento presente e futuro da atividade da Sociedade para a preservação dos seus ativos, decide a acionista única:
a) destituir, com efeitos a partir do presente dia vinte e seis de abril de dois mil e dezanove, o Senhor Dr. F… do cargo de membro do Conselho de Administração da Sociedade.
b) designar (para completar o mandato em curso), a Senhora Dr.ª RC… (…) para o exercício do cargo de membro do Conselho de Administração da Sociedade, de forma a perfazer o número de administradores fixado no contrato.
Nada mais havendo a tratar, o Presidente da Mesa deu por terminados os trabalhos às treze horas e trinta e cinco minutos. (…)”.
*
A matéria de facto foi considerada provada por acordo das partes, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e tendo em consideração a certidão permanente das Rés, os estatutos da Ré M… S.A.  e a acta de fls. 53 a 56.
*
IV. Da nulidade da sentença.
Os RR. Recorrentes invocaram a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, o que necessariamente implica a sua revogação para todos os legais efeitos, alegando para tanto que o Recorrido não invocou na acção a nulidade das referidas decisões/ deliberações sociais com fundamento de que o Administrador Único da C.V.M. carecia de poderes para destituir e nomear os Administrador da M…SA nem as Recorrentes configuraram esse desfecho como possível; o Tribunal a quo não conferiu a qualquer das Partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a argumentação jurídica invocada na sentença, assim violando o artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o que constitui uma omissão de uma formalidade obrigatória por lei; alegam ainda que tal decisão é inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 20º da CRP, mais especificamente por violação do direito ao contraditório.
O Recorrido contrapõe que  a questão em causa foi por si suscitada, mais concretamente nos artigos 156º, 160º, 161º e, com mais acuidade, 164º e 165º da petição inicial, invocando que alegou a falta de poderes ou falta de legitimidade do 3º Réu para praticar actos (decisões ou deliberações) referidas nos autos; “não era, portanto, uma questão totalmente nova, embora tivesse sido decidida na sentença em recurso fazendo uso de fundamentação ligeiramente distinta”; além do mais, as Apelantes pronunciaram-se sobre a mesma e estavam obrigadas a prever que a decisão do Tribunal poderia ser no sentido que foi tomado.
Mais sustenta que não se trata verdadeiramente de uma "questão de direito" (no sentido do nº 3 do art.º 3º do Código de Processo Civil) mas antes de “fundamento ou argumentação (ligeiramente) diverso do invocado pelo Autor”; na verdade, as questões que o Autor levou a Tribunal foram a nulidade e anulabilidade das deliberações dos autos; essas foram bem delimitadas, pelo conjunto de factos que foram alegados pelo Autor (e pela convocação do art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais) e foram bem resolvidas pela aplicação da lei a tais factos, fazendo a Juiz a quo bom uso do princípio "iura novit curia" (art. 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil:
“Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Os vícios em causa respeitam às regras próprias da elaboração do acto jurisdicional, não se confundido com os erros de julgamento – de facto ou de direito – que conduzem à revogação da decisão.
São passíveis de nulidade, nos termos da disposição citada, as decisões que violem as regras específicas da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, reconduzindo-se a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” – conf. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Janeiro de 2014, pág. 734.
Vejamos se assim ocorreu.
No caso dos autos, o que vem invocado pelos Recorrentes é a violação do princípio do contraditório.
O princípio do contraditório constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte por ela afectada possa pronunciar-se sobre a mesma, como decorre do art.º 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil:
“Necessidade do pedido e da contradição
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”
Este princípio fundamental da Lei adjectiva radica no princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, o direito a um processo equitativo e justo e a tutela jurisdicional efectiva, que proíbem as situações de indefesa ou violações de princípios de igualdade ou proporcionalidade – art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do Acórdão 86/88 do Tribunal Constitucional, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º volume, p. 741 e ss, o direito de acesso aos Tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório.
Esta garantia, como decorre dos preceitos referidos, implica que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
Exemplo típico são as denominadas decisões surpresa, conceito que se tem vindo a densificar na jurisprudência, em termos de enquadrar no seu âmbito apenas aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos.
Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada”, conf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Ou, como se refere noutro Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, loc. cit: considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever.”
E ainda, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/7/2018, Proc. n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, invocado pelo Recorrido:Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (conf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 298/2005, de 7-6-2005, DR, II, de 28-7-2005, 10871).
 Porém, a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.”
Do exposto decorre que o exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida, visando obstar a que as partes se defrontem com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar ou com uma tramitação processual que escape ao modelo formal aplicável e não tenha sido submetida a pronúncia.
Em tais casos, o respeito pelo contraditório impõe audição específica das partes, único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão.
E deve ter-se ainda em consideração que, ainda que a apreciação da questão em causa se insira no âmbito de matérias de conhecimento oficioso do Tribunal tal circunstância não dispensa o Tribunal do exercício do prévio contraditório.
Só é legitimo dispensar a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:
- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”; conf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, pag. 10.
Feitas estas considerações, e revertendo à decisão proferida nos autos (em sede de Saneador-Sentença, note-se, pelo que  nem sequer as partes podiam ainda contar com a delimitação prévia do Objecto do Litígio nem com a definição de Temas de Prova), resulta que a mesma decidiu pela nulidade das deliberações do administrador único da [1ª Ré] - julga-se que aqui padece a decisão de um manifesto lapso de escrita, quando, em vez da 1ª R. se menciona na decisão a “sociedade Ré M… S.A.” - tomadas no dia 26 de Abril de 2019, nos termos da qual decidiu convocar e reunir a assembleia geral da sociedade Ré M…, S.A. e proceder à destituição do Autor do cargo de administrador e nomear em sua substituição RC…; bem como a nulidade das deliberações da assembleia geral da sociedade 2.ª Ré, tomada no dia 26 de Abril de 2019, nos termos das quais foi o Autor destituído e nomeado em sua substituição RC…; e consequentemente ordenou o cancelamento dos registos pertinentes entretanto efectuados.
Ora, lida a p.i., e mesmo atendendo em especial aos artigos desta referidos pelo Recorrido, resulta da mesma que o A. invocava como fundamento da nulidade o disposto pela alínea c) do art.º 411º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais: “Cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais imperativos”, sustentando o mesmo num conjunto de factos que, veja-se, constituem agora o objecto da ampliação de Recurso por este requerida, precisamente porquanto tal factualidade não veio a ser considerada pelo tribunal a quo.
Quanto a este fundamento da nulidade das deliberações, foi referido na sentença que: “Por outro lado, o conteúdo da deliberação não é ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados.”
E após esta consideração liminar, refere-se na sentença: “Resta saber se o conteúdo da deliberação não está por natureza sujeito a deliberação do conselho de administração.
E, após extensa fundamentação jurídica, com referência ao art.º 405º, n.º 2; artigo 54.º ex vi artigo 373.º; 491.º; 501.º a 504.º e as que por força destes forem aplicáveis; 503.º, n.º 1 e 431º, n.º2, todos do Código das Sociedades Comerciais, conclui-se: “Ora, nos termos do artigo 403.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, a destituição dos administradores é acto da competência da assembleia geral.
É certo que a destituição foi deliberada pela assembleia geral da sociedade dominada. Contudo, a destituição dos administradores da sociedade dominada não é um acto de gestão. Por conseguinte não é um acto da competência do Administrador Único da sociedade dominante. 
Assim, conforme decidido no mencionado acórdão “é da competência exclusiva das sociedades plurais, caso da Ré [sociedade dominante], a destituição de administrador, como impõe o artigo 403.º, n.º 1 do CSComerciais, cuja preterição a mesma Lei, no artigo 411.º, n.º 1, alínea b), comina com a nulidade”.
Deste modo, a deliberação do Administrador Único da Ré CVM… de realizar uma assembleia geral universal da Ré M…, S.A. para destituir o Autor é nula nos termos do 411.º, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais por o seu conteúdo não estar por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração. 
De igual modo quanto à deliberação de nomeação dos administradores.
Com efeito, fora dos casos de designação no contrato de sociedade, de nomeação judicial e de cooptação (estes dois como forma de suprir a falta de administradores), a nomeação de administradores é acto da competência da assembleia geral – artigo 391.º do Código das Sociedades Comerciais.
Por conseguinte também a deliberação do Administrador Único da Ré CVM de nomear RC… como administradora da Ré M… S.A. é nula por o seu conteúdo não estar por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração.
Acresce que, sendo o Conselho de Administração da Ré M... S.A. composto por dois administradores, sempre a deliberação de nomeação de um administrador em substituição de outro estaria dependente da validade destituição de um dos outros (não havendo renúncia ou falta).”
Após assim se ter concluído, o Tribunal a quo entendeu que a nulidade de tal deliberação do Administrador Único implica necessariamente a nulidade da deliberação da assembleia geral da Ré M…, S.A.
O A. invoca ter abordado na p.i. a questão em causa, pelo que, alega, não era uma questão totalmente nova, embora tivesse sido decidida na sentença em recurso fazendo uso de fundamentação “ligeiramente distinta”; e que não se trata verdadeiramente de uma "questão de direito" (no sentido do nº 3 do art. 3º do Código de Processo Civil) mas antes de fundamento ou argumentação (ligeiramente) diverso do invocado pelo Autor.
Ora, são estes os artigos da p.i. em questão:
“156.Quanto aos fundamentos da anulação: o administrador em causa, 3º Réu, tinha visto já caducado o seu mandato.
157. Na verdade, o administrador 3º Réu foi nomeado para o período 2015-2018 (cfr. certidão comercial permanente) pelo que esse mandato cessou em 31 de Dezembro de 2018.
158. É certo que, nos termos do disposto no nº 4 do art. 391º do Código das Sociedades Comerciais, embora nomeados por prazo certo, os administradores mantêm-se em funções até destituição, renúncia ou nomeação de novos administradores.
159.Contudo, como assinala a doutrina, enquanto não se produzir nova nomeação, os administradores cessantes deixam de ser administradores de direito e passam a ser meros administradores de facto.
160. Se assim é, como não pode deixar de ser, então haverá que concluir que os administradores de facto vêm o seu estatuto limitado ao que seja a prática de actos estritamente necessários à prossecução do interesse social e à salvaguarda do seu património e interesses de sócios, credores e trabalhadores (art. 64º do mesmo Código).
161. Os administradores meramente de fato estão limitados aos poderes de simples gestão corrente da sociedade.
162. E o que nunca poderão fazer é usá-los em má fé e contra os restantes sócios, tomando deliberações que tocam nos elementos fundamentais da sociedade.
163. Neste caso, como única participada que é, a “MVC” apresenta-se como a única fonte de réditos da “C…SA”: é o seu único activo.
164. Pelo que a definição da composição dos elementos de gestão da única participada é um dado crucial para a sobrevivência desta e, por consequência, para a sobrevivência dela própria, sociedade de gestão de participações sociais.
165. Não é, por isso, uma decisão que corresponda à gestão corrente, atendendo a este tipo concreto de grupo de empresas em que uma só sociedade é que faz parte da carteira da C…SA.
166. Portanto e desde logo, ao decidir unilateralmente a destituição de um administrador e nomeação de outra pessoa em sua substituição, o administrador e aqui 3º Réu extravasou o âmbito dos seus poderes.”
Sobre esta questão pronunciou-se a R., mas enquadrando-a exactamente tal como foi perspectivada pelo A.; como respeitante à caducidade do mandato, entendendo que tal questão não se colocava (invocando em abono os artigos 391º, n.º1; 354º; 403º e 404º do Código das Sociedades Comerciais) e concluindo que não se verificava, também com este fundamento, a nulidade invocada pelo A. – a do abuso de direito e que se reconduzia à alínea c) do n.º 1 o art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais, único fundamento, afinal, suscitado pelo A. na p.i. (veja-se em especial artigos 272 a 314 da contestação).
E, de facto, ao alegar como o fez no artigo 166 da p.i. o A. coloca a questão no âmbito do art.º 391º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais e da conclusão que deste extrai que os administradores meramente de facto estão limitados aos poderes de simples gestão corrente da sociedade, esta fundamentação jurídica não tem qualquer ponto de conexão com a exclusão da matéria em questão à competência/decisão da administração, prevista pela al. b) do art.º 411º, abordada em sede de Sentença.
Por seu lado, a contestação apresentada foca-se, para as refutar, na questão do voto abusivo que o Autor imputa ao 3º R. nos termos previstos pelo art. 58º, 1,al. c) e na violação dos deveres de cuidado e de lealdade previstos pelo art.º 64º imputações que, precisamente, partem do pressuposto, implicitamente assumido na alegação do A., de que o administrador único da C…SA titular da totalidade do capital da S.A. tem, em representação daquela, competência para decidir o sentido de voto para formação de deliberação de destituição e de nomeação do administrador desta.
Ou seja, a ausência de poderes legais do Administrador único da C…SA para decidir a destituição e nomeação de Administrador da sociedade subordinada, nunca foi equacionada, desde logo pelo autor, pelo que a ré não 'teve' que se defender - nem defendeu - dessa questão; logo, não pode contribuir para a sua discussão previamente à sua apreciação que, por isso, surge como decisão surpresa. Mais ainda tratando-se esta de solução que surge no âmbito da densificação doutrinária da lei (assente nos efeitos práticos do domínio total sobre as subordinadas, pois que a lei não prevê expressamente que nestes casos são os sócios da sociedade dominante - e não a sociedade dominada através da respetiva única sócia -  quem deliberam sobre matérias que a lei atribui exclusivamente à competência orgânica dos sócios).
Assim, pode concluir-se que a análise da questão em causa, reconduzível à nulidade enquadrável na alínea b) do n.º 1 do art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais, feita a título oficioso, não foi precedida do contraditório, pois as partes não foram convidadas a pronunciar-se sobre esta nova perspetiva de abordagem da questão em litígio e, perante os elementos que constam dos autos, não se pode considerar que fosse exigível que tivessem suscitado tal questão ou que os apelantes não ignorassem que a questão podia ser conhecida a título oficioso pelo tribunal.
Ainda que a questão constitua matéria de conhecimento oficioso, não se pode considerar que implicitamente decorria dos factos não impugnados e que se vieram a assentar, sendo expetável que a mesma pudesse ser apreciada oficiosamente, em virtude do Tribunal não estar vinculado às alegações de direito das partes, como decorre do art.º 5º do Código de Processo Civil.
Perante este vício, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico, sendo que a respeito desta nulidade, dois entendimentos se prefiguram.
Um que considera que a omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual (a este propósito leia-se o Acórdão da Relação do Porto de 2/12/2019, Proc. n.º 14227/19.8T8PRT.P1 e extensa jurisprudência e doutrina aí citadas).
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais” -  Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
Neste caso, entende-se que a violação do princípio do contraditório se integra na previsão do art.º 195º do Código de Processo Civil, nos termos do qual as nulidades processuais podem consistir na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei ou realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, sendo que no âmbito desta norma, as irregularidades aí previstas (não cabendo na previsão das nulidades principais, previstas nos artigos anteriores do Código de Processo Civil) só determinam a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º do Código de Processo Civil.
Tal coloca a questão da necessidade da arguição desta nulidade ter de ser feita em primeiro lugar junto do tribunal Recorrido, não sendo o recurso de apelação o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º do Código de Processo Civil.
Outra nova linha doutrinária e jurisprudencial tem defendido no entanto que a omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.
Neste sentido António Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pág. 26 e 27, onde pode ler-se: “(…) a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa.
A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso.
Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão. (…)
Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.”
Esta interpretação revela-se coerente com a atual concepção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” – conf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, pag. 125.
Finalmente, veja-se o que refere Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2020, Proc. n.º 496/13.0TVLSB.L1.S1, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=decis%C3%A3o+surpresa:
“A questão a resolver é a seguinte: uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC?
Segundo se pode imaginar, as dificuldades sentidas pela jurisprudência decorrem da circunstância de a decisão-surpresa resultar da omissão da audição prévia das partes e de, portanto, parecer que a ela está subjacente uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC. Há aqui, no entanto, uma confusão que importa procurar desfazer.
A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa).
Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência.
Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar.”
Pelo exposto, sendo que se adere a este entendimento, verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito, suscitada oficiosamente e que ditou o fim da acção, a sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
Declarando-se a nulidade da sentença devem os autos baixar ao Tribunal de 1ª instância, para se cumprir o contraditório em relação à concreta questão oficiosamente suscitada, da verificação da nulidade enquadrada na alínea b) do art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais, após o que será proferida a sentença ou eventualmente determinar-se o prosseguimento dos autos, atenta a fase processual em que a decisão foi proferida.
Deste modo, procedendo este fundamento do recurso interposto, inútil se torna conhecer por ora dos restantes fundamentos do Recurso.
*
As custas devidas pela interposição do Recurso são a cargo do Apelado, nos termos do art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
*
DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar nula a decisão Recorrida, devendo os autos baixar ao Tribunal de 1ª Instância, para se cumprir o contraditório em relação à concreta questão oficiosamente suscitada, da verificação da nulidade enquadrada na alínea b) do art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais, após o que o processo deverá prosseguir os seus termos.
Custas pelo Apelado.
Registe e notifique.

Lisboa, 9/2/2021
Vera Antunes (Relatora)
Amélia Rebelo (1ª Adjunta) – com declaração de Voto.
Maria Manuela Espadaneira Lopes (2ª Adjunta) – com Voto de vencida.
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Declaração de Voto
Subscrevo a posição que faz vencimento, de anulação da sentença recorrida com fundamento em excesso de pronuncia emergente da violação do contraditório pelo facto de, ao considerar que a matéria objeto das deliberações não está, por natureza, sujeita a deliberação do órgão de administração da sociedade dominante, convocou questão jurídica que não foi invocada ou equacionada nem pelo autor nem pela ré e, assim, ao decidir sem prévia submissão da questão à discussão das partes, fê-lo sem que os autos se mostrassem processualmente preparados ou aptos para o efeito.
Tendo em consideração que o busílis desta ação se centra na definição dos termos em que se forma o sentido do voto da sociedade dominante a exercer na sociedade dominada e, mais especificamente, o poder do Administrador único de sociedade dominante para, nessa qualidade e em representação desta, decidir a destituição e nomeação de Administrador de sociedade dominada), que tal matéria não é objeto de previsão legal expressa em sede de regulação das Sociedades em relação de grupo, e que as soluções jurisprudenciais surgem no âmbito da densificação doutrinária da lei (por referência à previsão  do art. 391º, nº 1 do CSC e aos efeitos práticos de uma relação de grupo de domínio total), não nos repugnaria a possibilidade de, convocando a regra da substituição (art. 665º, nº 1 do CPC), este coletivo conhecer do mérito do pedido por recurso a questão jurídica e a fundamentos legais (arts. 64º e 411º, nº 1, al. c) do CSC) invocados pelo autor (conforme se extrai dos arts. 147º, 148º, 166º in fine, 167º, 168º, e 182º a 187º da petição inicial), correspondente aquela ao abuso de direito do administrador único da acionista única da sociedade dominada para, nessa qualidade (de representante/administrador da sócia única), decidir e exercer o direito de voto no âmbito da assembleia de sócios da dominada para deliberação de destituição e nomeação de novo administrador desta (com interesse nesta matéria, Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Grupos de Sociedades, p. 150).

Amélia Sofia Rebelo
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Voto de Vencida
A aqui signatária não acompanha o sentido decisório e a fundamentação do Acórdão, porquanto, é meu entendimento que a sentença proferida pelo tribunal a quo não enferma de nulidade por excesso de pronúncia com fundamento em omissão do prévio exercício do contraditório.
Com efeito, conforme resulta dos factos alegados e provados, a R. C… S.A. detém a totalidade do capital social da Ré M… S.A., encontrando-se numa relação de domínio total.
O Autor e o 3º Réu… detêm cada um 50% do capital social da C… S.A.
O Autor peticionou que sejam declaradas nulas ou anuladas (i) as deliberações do administrador único da Ré C…S.A., tomadas no dia 26 de Abril de 2019, nos termos da qual decidiu convocar e reunir a assembleia geral da Ré M… S.A. e assim proceder à destituição do Autor do cargo de administrador e nomear em sua substituição RC… e (ii) as deliberações da assembleia geral da sociedade 2.ª Ré, tomada no dia 26 de Abril de 2019, nos termos das quais foi o Autor destituído e nomeado em sua substituição RC….
Alegou quanto ao que ora nos interessa e em síntese, que o administrador 3º Réu foi nomeado para o período 2015-2018, pelo que esse mandato cessou em 31 de Dezembro de 2018.
Diz que o mesmo, ao tempo das deliberações era um mero administrador de facto da sociedade, que apenas tinha poderes de simples gestão corrente e que ao decidir unilateralmente a destituição de um administrador e nomeação de outra pessoa em sua substituição, extravasou o âmbito dos seus poderes. Sustentou a nulidade da deliberação em causa com fundamento no disposto na alínea c) do artº 411º, nº1, do CSC.
Seguidamente invocou ainda factos tendentes a sustentar a nulidade das deliberações por abuso de poderes. 
Na sentença em recurso, o tribunal a quo, com base nos factos alegados e que resultaram provados, entendeu que a destituição dos administradores da sociedade dominada não é um acto de gestão e, por conseguinte, não é um acto da competência do Administrador Único da sociedade dominante, mas da Assembleia Geral.
Referiu que, nos termos do artigo 403.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, a destituição dos administradores é acto da competência da assembleia geral e concluiu que a deliberação do Administrador Único da Ré C…, S.A. de realizar uma assembleia geral universal da Ré M…, S.A. para destituir o Autor é nula nos termos do 411.º, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais por o seu conteúdo não estar por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração.
O entendimento de o juiz dever fazer actuar o princípio do contraditório, ao longo de todo o processo, nos termos do artº 3º nº 3 do CPC, não tem a virtualidade de limitar a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa a que continua a não estar sujeita às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conforme decorre do artº 5º nº 3 do CPC – trata-se de, previamente ao exercício da liberdade subsuntiva do julgador, dever facultar às partes a dedução de razões que considerem pertinentes perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, com que as partes não tenham razoavelmente podido contar.
Em primeiro lugar, importa ter presente o âmbito de aplicação do princípio do contraditório referido no artº 3º nº 3 do CPC/13.
O artº 3º nº 3 do CPC, quer na versão da Lei 41/2013, quer na versão anterior (Reforma de 95/96), diz que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Trata-se, neste preceito, da afirmação inequívoca, por parte do legislador, do princípio do contraditório: dever o juiz facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre questões que tenha de decidir de modo surpreendente, isto é, sobre casos e acerca de questões em que as partes não poderiam, de todo, contar com aquela decisão.
Simplesmente esse dever do juiz de “audição complementar” e correspondente direito das partes, não é absoluto: está, desde logo, limitado quer pela letra da lei, quer pelo seu espírito.
Com efeito, é a própria letra da lei que afirma que esse dever de prévia audição é dispensado nos “casos de manifesta desnecessidade”.
No que toca ao espírito da norma, há que atender à evolução do preceito. Assim, na redacção da norma que resultava do DL 329-A/95, estabelecia-se que a decisão pelo juiz de questões não suscitadas e debatidas pelas partes devia ser precedida da respectiva audição, quando as partes não tivessem tido a possibilidade de “agindo com a diligência devida” sobre elas se terem pronunciado.
Na redacção do preceito dada pelo DL 180/96, foi alterada aquela formulação legal, passando a dispensar-se a prévia audição, em “casos de manifesta desnecessidade”, em consonância, de resto, com o que estava estabelecido, em sede de nulidades, no artº 207º do CPC/95 e actualmente, no artº 201º CPC/13.
Desta evolução do preceito retira-se que não constituem decisões surpresa, geradoras de nulidade, os casos em que era previsível, com o mínimo de diligência pela parte, a possibilidade de o juiz proferir a decisão em determinado sentido.
Como bem sintetiza o Sr. Conselheiro Lopes do Rego (in Comentários ao CPC, vol. I, 2ª edição, pág. 34) «Em suma: não deverá, na nossa perspectiva, “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do preceito em análise, de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceito do artº 3º nº 3».
Por outro lado, é conhecido o brocardo latino iura novit curia (o tribunal conhece o direito) com consagração no actual artº 5º nº 3 do CPC/13 (anteriormente no artº 664º 1ª parte, do CPC/95).
De acordo com essa norma, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
No caso dos autos, foi o próprio autor quem alegou, concretamente na petição inicial, entre outros factos, que, “ao decidir unilateralmente a destituição de um administrador e nomeação de outra pessoa em sua substituição, o administrador e aqui
3º Réu extravasou o âmbito dos seus poderes”; e, os réus, inclusivamente, sustentaram na Contestação que era inteiramente fundamentada não só a decisão de convocação da assembleia geral da sociedade R. M…, mas também a deliberação nesta tomada de destituição do Autor. Invocaram que o R. administrador Único da Ré C…S.A. “mais não fez do que agir em cumprimento das suas obrigações, em consonância com os interesses daquela sociedade 1ª Ré, já que manter o Autor no cargo de administração, impactaria negativamente os seus resultados e a sua sustentabilidade, que dependem exclusivamente da atividade e dos resultados desenvolvidos pela 2ª Ré”.
O tribunal entendeu que se verificava a nulidade da deliberação do Administrador Único da Ré C… S.A. de realizar uma assembleia geral universal da Ré M…, S.A. por falta de poderes do mesmo, como o A. não deixou de alegar. Sustentou que in casu a falta de poderes se verifica porque o conteúdo da deliberação não está por natureza sujeito a deliberação do conselho de administração e, assim, decidiu pela nulidade nos termos da al. b) do nº 1 do artº 411º do CSC e não nos termos da al. c) do mesmo normativo.
Os factos que sustentam tal conclusão são os alegados pelo A. e a consequência jurídica extraída pelo tribunal a quo é exactamente a mesma que era peticionada.
A aplicação do princípio da não surpresa não pode impor ao julgador que informe previamente às partes sobre quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para a decisão da causa. O conhecimento geral da lei é presunção “jure et de jure.
Assim, não declararia a nulidade da sentença a fim de ser cumprido o contraditório relativamente ao enquadramento da nulidade da deliberação na alínea b) do art.º 411º do Código das Sociedades Comerciais.

Maria Manuela Espadaneira Lopes