Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
355/14.0GLSNT.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
CRIME CONSUMADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - A técnica dos tipos plurais utilizada pelo art. 21.º do DL n.º 15/93, não deixa grande espaço para a verificação de crimes tentados nesta área, perante a variedade de condutas descritas a cobrir como consumadas a esmagadora maioria das actuações que, de outra forma, traduziriam actos preparatórios.
- O eixo central, em que assenta a matéria de facto considerada provada, não tem como enfoque primeiro a destinação final de cedência remunerada de produtos estupefacientes a terceiros, mas antes, a sua introdução em Estabelecimento Prisional, ainda que logicamente associada a uma intenção lucrativa futura, sendo que, para a maioria das modalidades de acção típicas previstas no art. 21.º, o respectivo tipo penal prescinde daquela destinação.
- Verifica-se formalmente a condição da al. h) do art.º 24º, a qual não tem em vista apenas a repressão da introdução daqueles produtos para “tráfico” em sentido estrito, mas sim toda e qualquer introdução dos mesmos em estabelecimento prisional, haja-se em vista que aquele é um espaço que “se destina à reeducação para o direito e a preparar os reclusos para uma futura reintegração social e para conduzirem as suas vidas de modo responsável e sem a prática de novos factos típicos e ilícitos.
- As quantidades de 4,699g. de cocaína, 95,688g. de canábis e 6,655g. de heroína não podem ser consideradas quantidades despiciendas de produtos estupefacientes, conceito que terá de ser interpretado em função do condicionamento específico do meio em que se fez introduzí-lo, o qual consabidamente, nunca poderá assumir as grandezas do meio livre.
- A destinação para cedência remunerada a terceiros (aqui também presente) constitui uma das forma mais desvaliosas de acção, e como tal, a implicar maior ilicitude para a respectiva detenção e introdução, pelo que se conclui que os arguidos praticaram, sob a forma de co-autoria material, um crime consumado de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.ºs 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/94, de 22/01.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:

I - 1.) No Juízo Central Criminal de Sintra (J2), Comarca de Lisboa Oeste, foram os arguidos AP e JM, com os demais sinais, submetidos a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo disposto nos art.ºs 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A, I- B e I-C, anexas a este diploma.

Mais foi requerido que o segundo fosse condenado como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º, do Código Penal.

Efectuado o julgamento e proferido o respectivo acórdão veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte:

Condenar a arguida AP como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al.ª h), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma, em conjugação com os artigos 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de quatro anos e três meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, sujeito a regime de prova.

Condenar o arguido JM como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al.ª h), do D. Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma, em conjugação com os artigos 22.º e 23.º, do Código Penal, como reincidente, na pena de cinco anos e nove meses de prisão.

I - 2.) Inconformados com o assim decidido, recorreram quer o Ministério Público quer o arguido JM para esta Relação, desta forma sintetizando as razões da sua discordância:

I – 2.1.) Recorrente Ministério Público:

1.ª - Não existe prova alguma de que foi o arguido a solicitar a entrega de produto estupefaciente. Com efeito, conforme referiu a arguida, tal como vem aliás, plasmado na motivação de facto deste acórdão, foi a mesma quem, por necessidade de pagar a renda disse ao arguido que iria fazer algo arriscado, tendo-lhe depois confidenciado que iria introduzir droga e que este lhe respondeu ser arriscado.

2.ª - Não existe nenhum facto provado que comprove que o arguido tenha solicitado, ou pedido, ou combinado com a arguida a entrega a ele próprio de produto estupefaciente.

3.ª - Também se provou que o arguido tinha sobre esse facto um conhecimento cujos contornos não foram apurados (sobre esta prova basta atentar no que foi referido na motivação de facto do acórdão recorrido).

4.ª - Também não foi feita prova de que sendo o arguido o destinatário do estupefaciente este o destinava à cedência a outros reclusos. Aliás, o acórdão teve essa dificuldade referindo mesmo que o arguido cederia o produto apreendido a reclusos.

5.ª - O arguido ainda que estivesse ciente de que ia receber estupefaciente, o que é certo é que pelas condições de reclusão, nenhum acto praticou no fornecimento do mesmo à arguida, não participou na obtenção e transporte do estupefaciente pela mesma, não participou em qualquer circunstância, em qualquer acto relativo àquele estupefaciente.

6.ª - Quando muito teria o arguido a expectativa de vir receber estupefaciente. Esse conhecimento e expectativa não têm sequer idoneidade para ser considerados como actos preparatórios para os efeitos do art.º 21.º do Código Penal.

7.ª - Não existe nenhum elemento de prova que possa sustentar a afirmação de que o arguido ia receber o estupefaciente e o ia ceder a outros reclusos. É uma afirmação não sustentada na prova. Só por mera dedução se pode afirmar. A mera dedução também não está demonstrada nem pelas regras da experiência comum, as quais têm igualmente de ser lógicas e demonstráveis.

8.ª - Também foi ainda dado como provado que, como contrapartida de transporte de estupefaciente para o interior do EP, seria entregue à arguida AP montante monetário não apurado.

9.ª - Na situação dos autos não vislumbramos em que moldes estes os co-autores se pagam entre si. É que se havia um conluio entre os arguidos, como afirma o acórdão, não faz sentido que a arguida recebesse contrapartida apenas pelo transporte, aliás, essa questão nem se colocaria pois cada co-autor tinha o seu papel.

10.ª - A afirmação deste facto só faz sentido quando enquadrada na versão da arguida de que foi um terceiro que a convenceu a introduzir o estupefaciente mediante contrapartida monetária não apurada pelo “transporte” para o interior da prisão.

11.ª - Daí que, existindo um enorme erro na apreciação da prova, deve o arguido JMser absolvido.

12.ª - A arguida AP(tal como o arguido JM) encontra-se acusada de ter cometido crime de tráfico de estupefacientes, na forma agravada, designadamente por força do disposto no artigo 24º h) do Dec. Lei nº 15/93, segundo o qual as penas previstas no artigo 21º são aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se a infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.

13.ª - Refere o acórdão recorrido que se provou que “conhecendo o carácter ilícito da sua conduta a arguida detinha (mas agiram em co-autoria) e ambos os arguidos destinavam a cocaína, heroína e haxixe a ser cedida a terceiros. Assim encontra-se preenchido o tipo base do art.º 21.º do DL 15/93 de 22 de janeiro. (…) no art.º 24.º enumeram-se circunstâncias agravantes da medida das penas em particular e no que interessa ao caso, a da al.h) relativa à prática do facto em estabelecimento prisional, entendendo-se que a mesma não é de aplicação automática. (…) no entanto, visando os arguidos ceder o produto estupefaciente pelos demais reclusos, mediante contrapartidas monetárias, o que não vieram a fazer, porquanto parte do produto estupefaciente foi desde logo apreendido no parlatório, aquando da revista á arguida e p demais encontrava-se na mala da arguida, para ser transportado para o interior do EP no dia seguinte, estamos perante uma tentativa”

14.ª - Ou seja, o que o acórdão nos quer dizer é que estamos perante a prática de um crime na sua dimensão base, e em simultâneo perante a tentativa de uma agravante desse mesmo crime.

15.ª - Também nos diz o acórdão no parágrafo seguinte que afinal se tratam de dois crimes diferentes, um crime é o previsto no art.º 21.º e outro crime é o que contém a agravante, ou seja, o crime previsto no art.º 24.º. Diz assim: “assim, estamos perante um caso de concurso de crimes impróprios ou aparente, a não justificar a punição por ambos os crimes – um de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos do art.º 21.º n.º1 e art.º 24.º al .h) do DL 15/93 de 22.1 e art.º 22.º e 23.º do Código Penal e um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do art.21.º, n.º1 do DL 15/93 de 22.01”.

16.ª - Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, ali designado como crime dominante é punido com pena de 1 a 10 anos de prisão. O crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21.º ali designado por crime dominado é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão. Donde, conclui o acórdão, “considerando que se apenas tivesse sido praticado o crime de tráfico de estupefacientes por detenção de droga, o ilícito dominado seria mais severamente punido do que aquele que, para além do ilícito dominado, realizou também o dominante, em termos de sanção a pena deverá ser a do crime dominado, ou seja, de prisão entre 4 a 12 anos”

17.ª - Ou seja, o acórdão recorrido considera que os arguidos praticaram um crime na forma tentada e deveriam ser condenados pela pena do crime que tentaram, porém, devido às regras da punição da tentativa como a sanção seria mais leve do que a prevista para o crime que praticaram efectivamente devem ser punidos pelo que tem a pena mais severa. Cometem um crime mas são punidos por outro com a pena mais severa.

18.ª - Há um erro manifesto na interpretação do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

19.ª - A previsão desta norma refere-se unicamente a agravantes do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º21.º e não a um crime autónomo ainda que designado por aparente.

20.ª - Sendo certo que, em termos de vertente objectiva do tipo, não existe qualquer dúvida de que a arguida APrealizou uma conduta subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes.

21.ª - Abstractamente considerando, a agravante da al. h) do art.º 24.º encontra-se verificada, dado que resultou demonstrado que a mesma quisera deter as substâncias estupefacientes em causa com o propósito de as introduzir no Estabelecimento Prisional de Sintra, local onde então cumpria pena de prisão o arguido JM.

22.ª - Mas tanto seria admitir que as circunstâncias que podem agravar a moldura do crime de tráfico de estupefacientes, previstas no artigo 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, são de funcionamento automático, isto sem ter em conta a globalidade dos factos praticados de modo a aferir se aquelas circunstâncias estão ou não preenchidas no caso concreto, o que de todo não sufragamos.

23.ª - O Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, desenhou, no seu art. 21º, um tipo base de tráfico de estupefacientes, tendo aditado a este circunstâncias relativas à ilicitude (e não à culpa), que agravam – artigo 24º - ou que o atenuam – artigo 25º - a pena prevista para o tipo base. O artigo 21º dirige-se, pois, aos casos de média e grande dimensão, o artigo 24º aos casos de excepcional gravidade, e o artigo 25º aos de pequena gravidade.

24.ª - Considerando a natureza e a quantidade de produto concretamente apreendida nos autos à arguida, que se destinava a dar entrada no Estabelecimento Prisional, pese embora a gravidade da acção, julgamos não poder comparar as respectivas condutas às situações de excepcional ilicitude contempladas pelo legislador no artigo 24º do Dec. Lei nº 15/93.

25.ª - Com efeito, a agravante consagrada na alínea h) do artigo 24º pressupõe que a venda de produtos estupefacientes no interior de um estabelecimento prisional é particularmente perigosa, desde logo porque o infractor para a realizar teve que vencer barreiras especialmente exigentes, estando a promover a actividade de tráfico num meio onde ela deve ser especialmente reprimida.

26.ª - A agravante de que os arguidos estão acusados já considera que sendo o tráfico cometido num meio onde deve ser reprimido, se está no âmbito de uma actividade particularmente perigosa.

27.ª - Mas se assim é, e reiterando-se que a conclusão de que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta infracção justifica a especial agravação, ponderando o que já acima se referiu quanto à natureza e quantidade de produto estupefaciente efectivamente apreendido, sempre se consideraria ser mediana a ilicitude dos factos, o que afasta necessariamente a aplicação do tipo agravado do artigo 24º.

28.ª - A questão que de seguida se nos coloca é a de saber se, estando verificada abstractamente uma circunstância qualificativa, ainda que afastando-se o crime agravado, o agente terá de ser punido pelo tipo base do artigo 21º ou se poderá mesmo ser apreciada a sua conduta à luz do tipo privilegiado do artigo 25º já mencionado.

29.ª - Neste preceito prevê o legislador comportamentos em que a ofensa ao bem jurídico – ou a potencialidade dessa ofensa – tem gravidade menor do que aqueles a que se refere o artigo 21º, de tal modo que existe uma diminuição da ilicitude, a qual pode ter como fonte, entre outros, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade dos produtos. Será, uma vez mais, a imagem global do facto, em confronto com a ilicitude subjacente às respectivas molduras, que vai determinar a punição atenuada.

30.ª - Ora, se quanto à conduta da arguida é possível concluir estarmos na presença de um tráfico de quantidades diminutas, desde logo porque foram efectivamente diminutas as quantidades de cocaína, heroína e de haxixe que lhe foram apreendidas.

31.ª - No que se refere à componente subjectiva do tipo em análise, quer do art. 21º, quer do art. 25º, exige-se o dolo para que o tipo seja plenamente preenchido. É o ensinamento que se retira do disposto no artigo 13º do Código Penal (subsidiariamente aplicável aos diplomas penais avulsos, como é o caso da vulgarmente designada Lei da Droga), segundo o qual só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

32.ª - Constam do artigo 14º do Código Penal as situações em que o legislador considera existir dolo, havendo sempre que verificar-se quer o elemento intelectual quer o elemento volitivo do mesmo.

33.ª - No caso em apreço, ficou assente que a arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e que conhecia os elementos objectivos do tipo do crime de tráfico de estupefacientes e actuou com intenção de o realizar, agiu, pois, com dolo directo – art. 14º, nº 1, do Código Penal.

34.ª - A condenação da arguida nos termos do acórdão recorrido, manifesta erro notório na apreciação da prova e erro notório na interpretação do art.º 24.º do DL 15/93 de 22.01.

35.ª - Deveria a arguida ter sido condenada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes na forma privilegiada prevista no art.º 25.º do DL 15/93 de 22.01 em pena de prisão não superior a 3 anos.

36.ª - Concordamos que estão presentes circunstâncias que fundamentam a suspensão da execução da pena, tal como veem descritas no acórdão recorrido que não nos merece censura nesta parte.

37.ª - Termos em que, deve o presente recurso ter provimento.

I - 2.2.) Recorrente JM:

1.ª - O Recorrente foi condenado como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al.ª h), do D. Lei n.° 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma, em conjugação com os artigos 22.º e 23.º, do Código Penal e punido como reincidente, na pena de cinco anos e nove meses de prisão.

2.ª - O Tribunal deu como provado no ponto 1. que o Recorrente “No dia 15 de Março de 2014, pela manhã, a arguida AP, acompanhada do filho de 3 anos de idade, dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de Sintra com o intuito de visitar o seu companheiro, o arguido JMe levar-lhe produto estupefaciente que o mesmo lhe tinha solicitado para o próprio e para outros reclusos.”

3.ª - Igualmente no ponto 6., 7. e 8. deu como provado que:
6. “O arguido JMcederia o produto apreendido a reclusos mediante contrapartidas monetárias não apuradas”.
7. Como contrapartida desse transporte de estupefaciente para o interior do EP seria entregue à arguida AP, montante monetário não apurado.
8. Os arguidos APe JMconheciam as características e natureza das substâncias em causa e sabiam que não a podiam deter naquela quantidade, encomendar, transportar, receber e ceder a outras pessoas, nomeadamente para o interior do Estabelecimento Prisional, mas fizeram-no em conjugação de esforços e intentos com vista à obtenção de proveitos económicos por parte de ambos.”

4.ª - Conforme melhor consta no douto Acórdão (página 5, segundo parágrafo), o tribunal atendeu que “Ora, sendo o arguido conhecedor do universo do tráfico de estupefacientes, estando à data a cumprir uma pena de prisão precisamente por ter cometido crime dessa natureza, conhecendo os meandros do Estabelecimento Prisional, temos de concluir que tinha conhecimento que a arguida iria introduzir a droga, aliás, agindo os dois em conjunto, pois só com o seu apoio a droga poderia introduzi-la no circuito do estabelecimento prisional (nosso sublinhado), tirando-a das cuecas que tinha vestidas (o arguido teria de estar de vigia e/ou tentar ocultar os seus movimentos), dando-lha directamente ou colocando no recipiente do lixo.
Assim, concluímos que os arguidos agiram sempre de comum acordo e com a activa colaboração e entreajuda dos dois tentariam introduzir a droga no E. P.

5.ª - Formulando a sua convicção nas declarações da arguida, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

6.ª - Salvo o devido respeito, o tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto, em relação aos mesmos não foi produzida prova, pois,

7.ª - Não ficou provado que o Recorrente, em conjugação de esforços com a arguida, pretendesse fazer entrar dentro do E. P. 4,699g cocaína - cloridrato para venda no meio prisional.

8.ª - Não obstante, e admitindo que o recorrente, por mera hipótese, tivesse pedido à arguida para esta lhe levar os produtos estupefacientes apreendidos supra aludidos,

9.ª - O Tribunal a quo considerou erroneamente e sem prova, somente por convicção, que o produto seria para o Recorrente traficar dentro do estabelecimento prisional.

10.ª - Aliás, sendo o recorrente toxicodependente, conforme ficou provado nos autos, e caso existisse prova de que o recorrente actou de facto em conjugação de esforços com a arguida, o Tribunal a quo não considerou a possibilidade do produto se destinar ao próprio consumo do Recorrente.

11.ª - Pois, como foi provado pelo Tribunal a quo, o Recorrente era consumidor de estupefacientes, nomeadamente, do mesmo tipo das que foram apreendidas à arguida.

12.ª - Desta forma, o Tribunal a quo violou, entre outros:
i. o art. 32.º, n.º 2 (princípio in dúbio pro reo), da CRP;
ii. os arts. 97.º, n.º 5; 127°; 340; 365.º, n.º 3 e 374.º, n.º 2, todos do CPP.

13.ª - Por outro lado, do texto do acórdão recorrido resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do n.° 2, do art.° 410.º do CPP.

14.ª - Pelo que, admitindo por mera cautela que o Recorrente tentou traficar estupefaciente, tal actividade, apesar do local, deveria ser considerada tráfico de menor gravidade enquadrando os factos, jurídico-penalmente, no art.° 25°, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na forma tentada, sendo de aplicar uma pena que não exceda os cinco anos de prisão e que deverão ser suspensa na sua execução.

Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que, deve ser dado provimento ao presente Recurso sendo, a douto Acórdão revogado e substituído por outro que absolva o Arguido ora Recorrente do crime em que foi condenado.

No entanto, admitindo, por mera hipótese, que o Recorrente tivesse tentado traficar estupefacientes, em conluio com a arguida, para o interior do E.P., tal actividade deve ser considerada tráfico de menor gravidade, devendo ser aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução.

I - 3.) Não foram aparentemente apresentadas respostas aos recursos apresentados.

II - Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto veio a emitir emitiu douto parecer por via do qual veiculou o seu entendimento em como os recursos apresentados não merecerem provimento, sem prejuízo de conceder uma pequena redução na pena imposta ao arguido JM.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais
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Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) Como se tem por consensual, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações, o que entre nós define o objecto dos recursos.
No caso em apreço, julgamos poder identificar as questões suscitadas à apreciação deste Tribunal pela forma seguinte:

No recurso interposto pelo Ministério Público:

- Existência de erro de julgamento na matéria de facto atinente ao arguido JM, que como tal, deverá ser absolvido;
- Incorrecta qualificação jurídica da conduta apurada da arguida AP.

No recurso interposto pelo arguido JM:

- Erro de julgamento relativamente à matéria de facto considerada provada sob os pontos 6 a 8;
- Se se verifica o vício de insuficiência da matéria de facto provada;
- Se a conduta deveria ser considerada como tráfico de menor gravidade;
- Se será de aplicar-lhe uma pena que não exceda os cinco anos de prisão suspensa na sua execução.

III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a matéria de facto que se mostra definida:

Factos Provados:

1. No dia 15 de Março de 2014, pela manhã, a arguida AP, acompanhada do filho de 3 anos de idade, dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de Sintra com o intuito de visitar o seu companheiro, o arguido JM e levar-lhe produto estupefaciente que o mesmo lhe tinha solicitado para o próprio e para outros reclusos.
2. Cerca das 11h00, quando já se encontrava no parlatório do Estabelecimento Prisional, a arguida APfoi abordada pelos guardas prisionais, que suspeitaram que a mesma trouxesse produto estupefaciente dissimulado com vista a introduzi-lo no Estabelecimento Prisional.
3. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foram encontradas e apreendidas à arguida, em concreto dissimulado junto das cuecas na zona da barriga, um saco contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4,699g.
4. Na sequência dessa apreensão foi a arguida transportada para o Subdestacamento da GNR de Sintra.
5. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foram encontrados e apreendidos à arguida, em concreto dissimulado dentro da mala que trazia e que ficara guardada no cacifo do Estabelecimento Prisional, num lenço tipo echarpe, de cor verde, um saco de plástico contendo 10 embalagens em forma de “bolotas”, de canábis (resina) com o peso líquido de 95,688g e heroína com o peso líquido de 4,655g, cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4,699g.
6. O arguido JM cederia o produto apreendido a reclusos mediante contrapartidas monetárias não apuradas.
7. Como contrapartida desse transporte de estupefaciente para o interior do EP seria entregue à arguida AP, montante monetário não apurado.
8. Os arguidos AP e JM conheciam as características e natureza das substâncias em causa e sabiam que não a podiam deter naquela quantidade, encomendar, transportar, receber e ceder a outras pessoas, nomeadamente para o interior do Estabelecimento Prisional, mas fizeram-no em conjugação de esforços e intentos com vista à obtenção de proveitos económicos por parte de ambos.
9. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
10. Mais sabiam os arguidos que se encontravam num Estabelecimento Prisional, que se destina à reeducação para o direito e a preparar os reclusos para uma futura reintegração social e para conduzirem as suas vidas de modo responsável e sem a prática de novos factos típicos e ilícitos.
11. O arguido JM já sofreu as seguintes condenações:
a) Um crime de maus tratos a cônjuge, por factos de 18.01.2005, sentença de 20.10.2005, transitada em julgado em 14.11.2005, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho em favor da comunidade;
b) No âmbito do NUIPC 2/10.9PEBRR, Tribunal Judicial da Moita foi condenado por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no artigo 21.º, do D. Lei n.º 15/93, de 22-01, por factos de 18.01.2005, acórdão de 20.07.2011, transitado em julgado em 13 de Fevereiro de 2012;
c) No âmbito do NUIPC 2/10.9PEBRR o arguido JM encontrou-se privado da liberdade entre 16 de Junho de 2010 a 31 de Janeiro de 2013 e ininterruptamente desde 15 de Julho de 2013, tendo saído em liberdade em 29 de Novembro de 2015.
d) Um crime de condução sem habilitação legal, por factos de 23.11.2016, sentença de 25.11.2016, transitada em julgado em 09.01.2017, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, sujeita a regime de prova;
12. O arguido trabalha como pedreiro e aufere mensalmente € 650,00.
13. Vive com a arguida, o filho em comum, de 7 anos e a mãe.
14. O arguido presta apoio à mãe, pessoa doente e com grandes limitações físicas.
15. Tem o 9.º ano de escolaridade.
16. Tem outros dois filhos, de 13 e 11 anos de idade, de outra relação.
17. O Certificado do Registo Criminal da arguida APnão averba qualquer condenação.
18. A arguida tem o 9.º ano de escolaridade.
19. Está desempregada desde há 2 anos.

Factos não provados:

a) Em Dezembro de 2013, a arguida AP, dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de Sintra com o intuito de visitar o seu companheiro, o arguido JM e levar produto estupefaciente que o mesmo lhe tinha solicitado para o próprio e para outros reclusos.
b) Nessa altura - Dezembro de 2013 - a arguida logrou a entrega ao seu companheiro de 5 “bolotas” de haxixe, não tendo sido no entanto detectada a introdução de tal produto no interior do EP e a entrega do mesmo ao arguido JM por parte dos serviços prisionais.
c) Como contrapartida dos transportes de estupefaciente para o interior do EP foram entregues quantias monetárias à arguida AP quer nas visitas que fazia ao seu companheiro quer através de depósitos efectuados na sua conta bancária.

Importa conhecer também a fundamentação em que justifica o veredicto de facto atrás materializado:

A arguida admitiu ter entrado na zona do parlatório com a cocaína que lhe foi apreendida, escondida na zona das cuecas. Já a heroína e o haxixe encontravam-se no interior da sua mala, que ficara guardada no cacifo do Estabelecimento Prisional. Quanto à origem e destino a dar a esses produtos, de forma manifestamente evasiva referiu que numa anterior visita ao arguido, seu companheiro, no exterior do E.P. uma desconhecida ter-lhe-á proposto fazer entrar no E.P. produto estupefaciente, o que aceitou pois necessitava de dinheiro para pagar a renda da casa, mas não lhe foi dito, em concreto, quanto receberia, nem o que fazer ao produto, quando já se encontrasse no interior do Estabelecimento Prisional. Assim, nessa manhã um indivíduo entregou-lhe o produto estupefaciente, colocou a cocaína nas cuecas e iria colocá-la no recipiente do lixo existente junto à mesa onde se sentaria com o arguido, pois noutras visitas teria visto fazerem o mesmo e pensou ser o local mais adequado. Deixou a heroína e o haxixe no interior da sua mala para introduzir no Estabelecimento Prisional no dia seguinte, aquando da sua nova visita ao arguido. Primeiro referiu que o arguido desconhecia que levava consigo o produto estupefaciente e após já disse que antes da visita disse ao arguido que iria introduzir droga, ao que este respondeu-lhe ser arriscado. Por sua vez o arguido, após as declarações da arguida referiu que esta ter-lhe- ia telefonado dizendo que iria fazer algo para obter dinheiro para a renda da casa e era arriscado. Ambos os arguidos declararam que o arguido JM é consumidor de produtos estupefacientes.
Ora, sendo o arguido conhecedor do universo do tráfico de estupefacientes, estando à data a cumprir uma pena de prisão precisamente por ter cometido crime dessa natureza, conhecendo os meandros do Estabelecimento Prisional, temos de concluir que tinha conhecimento que a arguida iria introduzir a droga, aliás, agindo os dois em conjunto, pois só com o seu apoio a droga poderia introduzi-la no circuito do estabelecimento prisional, tirando-a das cuecas que tinha vestidas (o arguido teria de estar de vigia e/ou tentar ocultar os seus movimentos), dando-lha directamente ou colocando no recipiente do lixo. Assim, concluímos que os arguidos agiram sempre de comum acordo e com a activa colaboração e entreajuda dos dois tentariam introduzir a droga no E.P.
A testemunha JS, Cabo da GNR do Subdestacamento de Sintra, transportou a arguida do Estabelecimento Prisional até o Subdestacamento da GNR, em Sintra, local onde a Guarda do Posto da GNR de Colares, RE, efectuou nova revista à arguida, tendo sido encontrado o haxixe e heroína, que estariam escondidos na mala da arguida.
A testemunha AC, Guarda Prisional do E.P. de Sintra, à data dos factos encontrava-se na zona do parlatório, a efectuar revista às visitas, quando, ao revistar a arguida, apercebeu-se que esta trazia escondida no corpo, junto à zona abdominal, um saco com o que lhe pareceu ser produto estupefaciente. A arguida encontrava-se acompanhada pelo filho e ia visitar o arguido, seu companheiro, o que, aliás, costumava fazer com alguma regularidade.
As declarações dos arguidos e depoimentos das testemunhas foram conjugados e concatenados criticamente, com os demais elementos de prova: o auto de notícia, de fls. 3 a 7, quanto à data dos factos, o auto de apreensão, de fls. 10, a folha de suporte fotográfico, de fls.12 e 13, a informação do Ministério da Justiça, de fls. 79 e 80, os documentos bancários, de fls. 82 a 94, o exame toxicológico, de fls. 75 e 76.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos valorou-se os respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos e a certidão do NUIPC 2/l0.9PEBRR, de fls. 291 a 317 e no que tange à factualidade relativa à sua situação pessoal, económica e financeira, as respectivas declarações, as quais, nesta parte, aparentaram credibilidade.
Já a convicção do tribunal no que se refere aos factos considerados como não demonstrados resultou da ausência de elementos de prova suficientes para convencerem da sua verificação, uma vez que a prova produzida não permitiu confirmá-lo.
A testemunha JT, apenas logrou esclarecer ter efectuado um depósito de € 50,00, numa conta bancária, a pedido de um amigo que estaria preso no Estabelecimento Prisional de Sintra, depósito esse que corresponde ao documento bancário de fls. 84, efectuado na conta bancária da arguida. No entanto, em face das declarações negatórias da arguida, não se pode concluir que os depósitos e transferências bancárias que os documentos bancários, juntos aos autos, expressam, seriam para pagamento de produto estupefaciente que em Dezembro de 2013, a arguida APfez entrar no Estabelecimento Prisional de Sintra, mais concretamente, de 5 “bolotas” de haxixe, não tendo sido no entanto detectada a sua introdução de tal produto no interior do EP, pelo que se considerou tal factualidade como não provada.

III - 3.1.1.) Passando de imediato a apreciar o recurso interposto pelo Ministério Público, no que concerne à discordância que manifesta em relação à matéria de facto que conduziu à condenação do arguido JM, percorridas as conclusões, mas também a motivação apresentadas, não vemos que o respectivo Senhor Magistrado, tendo em vista a aparente impugnação manifestada, haja observado, enquanto tal, os requisitos legalmente previstos no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, para o efeito.

É certo que na motivação não deixa de referir que foi dado como provado:

- Que JM havia solicitado à arguida que lhe levasse produto estupefaciente para si e para outros reclusos;
- Que o arguido cederia o produto apreendido a reclusos mediante contrapartidas monetárias não apuradas;
- Como contrapartida de transporte de estupefaciente para o interior do EP seria entregue à arguida AP, montante monetário não apurado.
- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foram encontrados e apreendidos à arguida, em concreto dissimulado dentro da mala que trazia consigo e que ficara guardada no cacifo do EP, num lenço tipo echarpe, de cor verde, um saco de plástico contendo 10 embalagens em forma de “bolotas”, de canábis (resina) com o peso líquido de 95,688gr e heroína com o peso líquido de 4,655gr, cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4,699gr.

Ora ainda que esta alusão possa ser entendida como a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, pelo menos em relação ao último, não vemos que em face do depoimento consignado do elemento da GNR, testemunha JS, do auto de notícia com que abrem os autos, das fotografias de fls. 12 e 13, e respectivos exames toxicológicos, tal enunciação se mostre disputável…
Pelo que aquela equivalência não é unívoca.

Dir-se-á: Mas nas conclusões, de forma conjugada com a respectiva argumentação, é possível identificar quais os trechos factuais realmente objecto de dissídio.
Até podemos aceitar que sim.

Só que nessa sede logo lhe encontramos um outro reparo decisivo. Sem prejuízo da materialização daquele criticismo acabar por confluir maioritariamente para o argumento genérico de que “não foi produzida prova”, certo é que o Colectivo, na sua fundamentação, não deixa de efectuar largo uso, por exemplo, das declarações da própria Arguida.

E o que deixou consignado a esse propósito, em termos de recensão, não é correcto, no sentido de fiel ao que afirmou?

É que se é - e não se espere que num crime desta natureza exista uma exuberância da prova declarativa ao nível dos seus implicados -, importa não esquecer que mesmo no domínio da impugnação em sentido próprio, não basta uma diferente interpretação dos meios de prova para que aquela ganhe procedência.
É necessário que as concretas provas invocadas (a especificar em ambos os segmentos do recurso) imponham decisão diversa da recorrida (cfr. art. 412.º, n.º3, al. b).

O que sempre demandaria algum esforço na sua concretização e transcrição.

III - 3.1.2.) Se o ângulo que se quer perspectivar para essa apreciação é o da “visão da prova”, numa eventual correspondência com o vício de erro notório, referido na conclusão 34.ª, então, sempre diremos, que perante a fundamentação exarada no acórdão, o Digno Recorrente não nos consegue convencer que alguém, no caso, até companheira de um recluso, sem uma qualquer forma de combinação prévia, sabendo os riscos que corria com essa sua conduta, se apresente a introduzir produto estupefaciente num Estabelecimento Prisional, e que tendo afirmado que o ia colocar no recipiente do lixo existente junto da mesa onde o arguido se sentaria no parlatório, este, para mais conhecedor do universo do tráfico, fosse alheio a essa situação.

Não se entra com droga na cadeia para depois se improvisar a quem a entregar – isso não logra qualquer sentido.

Sendo que no caso da mesma ser bem-sucedida, até já estava guardada outra para ser introduzida no dia seguinte, em nova visita ao Arguido.

Pelo que para nós, existiu acordo com o mesmo para esse efeito (a Arguida acabará por admitir que aquele sabia que iria transportar o produto, o que seria supérfluo se na realidade nada tivesse a ver com a situação), da mesma maneira que era o Arguido em questão o seu destinatário primeiro, sem prejuízo da afectação posterior que lhe viesse a conferir.

Note-se, que no universo das respectivas possibilidades (e no seu recurso aquele apenas o pode naturalmente “sugerir” sob pena de se comprometer), não se afasta a hipótese, de numa parte, também se destinar ao seu consumo.
Ora como é que uma droga cuja finalidade seria também de afectação pessoal pode prescindir do concreto tipo de adição do respectivo consumidor?

Por norma não se é consumidor cumulativo e indistincto de canábis, heroína e cocaína.
Sendo que a Recorrida não deixará de confirmar que aquele o era apenas da primeira.

Igualmente, segundo a nossa perspectiva, a sua cedência a terceiros é conclusão que não se desautoriza.

Desde logo, uma vez mais, em função das próprias declarações da Arguida, a qual veio admitir ter acedido nessa actuação por necessitar de dinheiro para pagar a renda da casa.
Se todo o produto fosse para o consumo do companheiro, por aí naturalmente não se geraria qualquer ganho.
Logo, só a sua distribuição a terceiros, por forma remunerada (e não o mero transporte), o podia reproduzir de modo mais pleno.

E basta conferir a variedade dos produtos apreendidos, a englobar as três substâncias de uso mais corrente, para se ter um índice objectivo daquela afectação futura.

Porque forma e em que exactos termos aquele pagamento se faria, é questão para a qual não temos resposta.

A acusação alegou que numa introdução anterior, verificada em Dezembro de 2013, havia sido efectivado nas vistas e por depósitos realizados na conta bancária da Arguida.
Porém, o Tribunal considerou tal factualidade como não provada.

Mas repete-se: “se era para pagar a renda”, forçosamente alguma vantagem patrimonial foi oferecida em termos de contrapartida.

Concede-se que em todo este processo apreciativo, não se deixa também de fazer apelo a juízos de inferência (aquilo a que o Digno Recorrente designa de “deduções”).
Mas como seguramente saberá, a intervenção da prova indirecta não constitui metodologia proibida ao nível do Direito probatório.

III – 2.) O que acabamos de dizer, vale essencialmente também para a invocação crítica que a este propósito é operada pelo Arguido JM.

Não deixam de existir diferenças formais: Assim, nas conclusões, há uma referência expressa aos factos provados sob os n.ºs 1, 6, 7, 8, ainda que, por exemplo, em relação à primeira parte do primeiro, pareça não existir verdadeira impugnação (não é verdade que no dia 15 de Março de 2014, pela manhã, a Arguida foi visitar o seu companheiro, acompanhada do filho, ao EP de Sintra?).

Igualmente, na motivação, é possível agora constatar a existência de transcrições de excertos das declarações de ambos os Arguidos.

Ainda assim, na nossa perspectiva, sem prejuízo da possibilidade abstracta que é sugerida, da intervenção de outra(s) pessoa(s), não emprestamos às declarações da Arguida AP um valor muito especial.
Esta naturalmente sabe da situação penalmente melindrosa do seu companheiro e das consequências legais desta situação, pelo que há limites para o que poderá referir.
Não deixará de admitir o que não pode refutar.

Quiçá, o seu melhor contributo em termos de confissão, será a admissão de que a droga que havia ficado no cacifo era para ser entregue no dia seguinte, aquando da visita de domingo, a afirmação de que o seu companheiro sabia que era transportadora de produto estupefaciente, e depois, quase no seu final, o “pensar” (só isso) que seria ele quem iria apanhar a droga do caixote.

Mas todo o discurso relativo à identificação positiva e objectiva da tal pessoa que em condições que também não precisa, haveria de a ir buscar e proceder à sua distribuição e comercialização interna, é caracterizada por uma manifesta vacuidade.
Da mesma forma que permanecem sem resposta as questões relativas à “forma” como a mesma faria chegar até si o dinheiro necessário para pagar a rendas de casa em atraso.

E na versão que veio sustentar a julgamento, até terá entrado nesta actuação, objectivamente grave, sem saber afinal qual o pagamento ou remuneração que haveria de receber…
O que não deixa de ser surpreendente.

Porém, não estamos a ver que terceiro (já que não conhecia qualquer outro recluso naquele EP), haveria de ir vasculhar num caixote do lixo não adjacente à sua mesa (sítio de colocação que admite não ter combinado com ninguém), numa sala sujeita a vigilância (pelo menos nas horas de visita), para mais quando não há uma indicação mínima das características físicas e identificativas dessa pessoa, da forma como saberia da chegada do produto ou do modo como haveria de operar a sua recolha.

Já o Arguido estava efectivamente ciente de tal ocorrência (ainda que coloque as conversas sobre isso havidas num outro contexto), tinha os conhecimentos necessários para se movimentar em tal actividade, uma ligação pessoal à Arguida, a proximidade e oportunidade para recolher ou receber aquele produto.
Sendo que as entregues seriam sempre feitas nas visitas à sua pessoa.

Donde, secundarmos o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto quando afirma no seu parecer, que é totalmente contrário à experiência comum, que a Arguida, nas condições indicadas, fosse entregar os produtos a uma qualquer outra pessoa, ficando aquele alheio a essa actividade, sem nada querer ou intervir nesse processo.

Nesta conformidade concluiremos, que nem a impugnação dirigida nem a indicada experiência comum colocam no domínio do erro de julgamento, a leitura probatória efectuada pelo Tribunal de I.ª Instância.

Quanto muito, haverá que retirar do ponto de facto provado sob o n.º 5, a menção final “com o peso líquido de 4,699g”, pois que, ao que tudo indica, corresponderá a um lapso.

III – 3.) Em relação ao vício de insuficiência da matéria de facto que se mostra alegada, por referência à al. a) do n.º 2 do art. 410.º do Cód. Proc. Penal, não vemos que o mesmo se patenteie.

De harmonia com a Doutrina que temos por habitual citar, aquele verifica-se “quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.

Ainda que esta asserção nos possa remeter para uma ideia de insuficiência probatória, a verdade é que, como logo se afirma, “a insuficiência da matéria de facto há-de ser de tal ordem que patenteie a impossibilidade de um correcto juízo subsuntivo entre a materialidade fáctica apurada e a norma penal abstracta chamada à respectiva qualificação, mas apreciada na sua globalidade e não em meros pormenores, divorciados do contexto em que se descreve a sucessão de factos imputados ao agente” (neste sentido, cfr. Simas Santos e Leal Henriques, no Código de Processo Penal Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, pág. 737).

Pelo que neste sentido, traduz basicamente uma desconformidade entre a matéria considerada provada e a necessária para o enquadramento jurídico que o Tribunal tenha, ou devesse efectuar.

Seja como for, no caso vertente, não existe falta de investigação enquanto tal. Com a proficiência ou não que se lhe queira emprestar, a prova existente é a que foi produzida, não se apontando outra ou diferentes incidências que importasse apurar.

Por outro lado, anote-se, o vício em causa não se refere à prova, mas antes à matéria de facto provada (cfr. art. 410.º, n.º2, al. a), do Cód. Proc. Penal).

Com efeito, o vício de insuficiência “… nada tem a ver com insuficiência de prova (se não é feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá então um erro na apreciação da prova) nem com insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida (em que também há erro já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta cfr. Ac. do STJ de 04/11/98, no recurso n.º 1415/97, 3.ª Secção).

No fundo, o que existe, é uma divergência sobre a apreciação da prova produzida.
Mas para a solucionar, o meio processual idóneo, é a impugnação, que no caso não se revelou positiva.

III – 3.4.) Violação do princípio in dubio pro reo, também não a constatamos.

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2011, no processo n.º 01.1JBLSB.L1.S1 “a violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado (…) em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, só se verifica quando, seguindo o processo decisório evidenciado na motivação da decisão, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido.”

Ora o Colectivo de Sintra, em relação à matéria de facto que ajuizou como provada, não evidenciou qualquer dúvida com as características indicadas.
Para aquilo que não encontrou prova, simplesmente considerou-o não provado.

III – 3.5.1.) No que concerne ao enquadramento jurídico que foi efectuado pelo Juízo Central Criminal de Sintra, o qual, basicamente veio apontar para a prática, por parte dos Arguidos, da co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, discordamos, com efeito, do entendimento perfilhado.

Relembre-se que a este propósito, o acórdão recorrido deixou referido, entre o mais, o seguinte:

“ (…) no caso dos autos, provou-se que, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, a arguida detinha (mas agiram em co-autoria) e ambos os arguidos destinavam a cocaína, heroína e haxixe a ser cedida a terceiros. Assim, encontra-se preenchido o tipo base do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93. Acresce que, no tocante ao indicador de ilicitude, atendendo à quantidade de haxixe, cocaína e heroína apreendidos e variedade de produto estupefaciente, a imagem global do facto não nos transporta para uma conduta de ilicitude diminuída e, como tal, subsumível à figura penal do tráfico de menor gravidade.
Destarte, incorreram os arguidos na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.°, n.º l, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal.
No artigo 24.º enumeram-se as circunstâncias agravantes da medida das penas, em particular e no que interessa ao caso, a da alínea h) relativa à prática do facto em estabelecimento prisional, entendendo-se que a mesma não é de aplicação automática (neste sentido cfr. Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2006, proferido no Processo 05P3790).
No entanto, visando os arguidos ceder o produto estupefaciente pelos demais reclusos, mediante contrapartidas monetárias, o que não vieram a fazer, porquanto parte do produto estupefaciente foi desde logo apreendido no parlatório, aquando da revista à arguida e o demais encontrava-se na mala da arguida, para ser transportado para o interior do Estabelecimento Prisional no dia seguinte, estamos perante uma tentativa.
Assim, estamos perante um caso de concurso de crimes impróprio ou aparente, a não justificar a punição por ambos os crimes – um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos do artigo 21.º, n.º 1 e artigo 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01 e artigos 22.º e 23.º, do Código Penal e um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01 - antes a justificar a punição pelo ilícito dominante, levando para a determinação da medida da pena o ilícito dominado (neste sentido o acórdão do STJ, de 13.11.2014, publicado na Colectânea de Jurisprudência, T.III, p. 207).

Obviamente ressalvada o muito respeito pela diferença de posições, mormente pela veiculada neste último aresto (relatado pela Exm.ª Sr.ª Conselheira Helena Moniz), que ao que tudo indica, sustentará doutrinariamente a posição assumida pelo Colectivo, ainda assim, não temos deste problema a mesma leitura.

Do nosso ponto de vista, na ortodoxia da Doutrina e Jurisprudência prevalecente neste domínio, a técnica dos tipos plurais utilizada pelo art. 21.º do DL n.º 15/93, não deixa grande espaço para a verificação de crimes tentados nesta área.
Não que, com isso queiramos significar que tal figura seja teoricamente impossível.
Conhecemos, aliás, alguns exemplos concretos de decisões judiciais nesse sentido.

Mas perante a variedade de condutas descritas a cobrir como consumadas a esmagadora maioria das actuações que de outra forma traduziriam actos preparatórios, julgamos que aquela continuará a ser a interpretação preferível.
Não temos aqui que exacerbar a questão da venda a terceiros, pois que o facto provado sob o n.º 1, por exemplo, também não afasta a do consumo próprio.

Julgamos assim, que contrariamente ao que parece ter sido entendido, o eixo central em que assenta a matéria de facto considerada provada não tem como enfoque primeiro a tal destinação final de cedência remunerada de produtos estupefacientes a terceiros, mas antes, à sua introdução no respectivo Estabelecimento Prisional, ainda que logicamente associada a uma intenção lucrativa futura.

Porém, para a maioria das modalidades de acção típicas previstas no art. 21.º, o respectivo tipo penal, prescinde daquela destinação.

No caso que temos presente, a droga foi detida, transportada e feita transitar até ao interior do E.P de Sintra.

É verdade que a cocaína não chegou efectivamente às mãos do Arguido, da mesma forma que os demais produtos estupefacientes estavam ainda num cacifo daquele Estabelecimento, dentro da mala da Recorrente.

Mas pelo menos as modalidades de acção acima indicadas ficaram perfeitamente consumadas.

Reconduzidos assim ao entendimento que poderíamos classificar “clássico”, a referida intenção final não deixa de relevar?
Obviamente que sim.

Desde logo, porque se a qualificação do art. 24.º do DL n.º 15/93, não é automática, então aquele não deixa de ser um elemento relevante para esse funcionamento, para além do que, deverá ser levado em conta na medida pena.

III – 3.5.2.) Ora no caso sub-judice, entendemos precisamente que aquela agravante é de operar.

Não só porque se verifica formalmente a condição da respectiva al. h), a qual, note-se, não tem em vista apenas a repressão da introdução daqueles produtos para “tráfico” em sentido estricto, mas sim toda e qualquer introdução dos mesmos, haja-se em vista que aquele é um espaço que “se destina à reeducação para o direito e a preparar os reclusos para uma futura reintegração social e para conduzirem as suas vidas de modo responsável e sem a prática de novos factos típicos e ilícitos” (nesse sentido bem, facto provado sob o n.º 10).

Depois, porque ao contrário do sustentado pelo Ministério Público em I.ª Instância, para além dos mesmos assumirem uma variedade manifesta, julgamos que não estamos perante quantidades não despiciendas de produtos estupefacientes.
É que, como julgamos ser óbvio, este é um conceito que terá de ser interpretado em função do condicionamento específico do meio em que se fez introduzí-lo, o qual consabidamente, nunca poderá assumir as grandezas do meio livre.

Ainda assim, temos 4,699g. de cocaína, 95,688g. de canábis e 6,655g. de heroína.

Finalmente, porque a tal destinação para cedência remunerada a terceiros (aqui também presente) constitui uma das forma mais desvaliosas de acção, e como tal, a implicar maior ilicitude para a respectiva detenção e introdução.

Nesta conformidade, entendemos que os arguidos praticaram, sob a forma de co-autoria material, um crime consumado de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.ºs 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/94, de 22/01.

Para esta convolação, consideramos não existirem obstáculos processuais à sua concretização, uma vez que o crime em referência é o que consta exactamente da acusação e mostra-se conhecida pelos arguidos (cfr. art.ºs 358.º, n.º 3, e 424.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).

III – 3.6.) A este ponto reconduzidos, fica já em grande parte adiantada a nossa resposta à questão subsequente colocada por qualquer dos Recorrentes: A de saber se a conduta apurada em relação a ambos não deveria antes ser subsumida dentro dos limites previsivos do art. 25.º do DL n.º 15/93.

Como já se mostra registado nos autos, o crime de tráfico de menor gravidade, traduz “uma forma privilegiada dos crimes dos arts. 21.º (tráfico e outras actividades ilícitas) e 22.º (percursores) do mesmo Diploma, crime que tem como pressuposto específico, a existência de uma considerável diminuição da ilicitude do acto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade as plantas, substâncias ou preparações” (cfr. Ac. do STJ, de 30-11-2000, no Proc. 2736/00).

Nessa perspectiva, o que decisivamente se terá que aferir, é se no caso, a “imagem global do facto” que se consegue extrair da matéria considerada como provada, encontra na moldura penal do art. 21.º uma resposta justa ou proporcional, ou se, pelo contrário, circunstâncias existem, designadamente por referência aos citados elementos normativos já apontados (os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade e quantidade das plantas...), de modo a revelar uma intensidade da ilicitude muito menor à pressuposta por aquela norma, e como tal, a justificar uma punição que logicamente lhe fique aquém”.
Sendo que para essa indagação, “nenhum daqueles factores é por si só decisivo e preponderante, e nada impede que outros, não expressamente tipificados, possam igualmente potenciar esse mesmo “privilegiamento”.

Ora por aqui logo se vê, que o mesmo se reporta às condutas previstas nos art.ºs 21.º e 22.º do mesmo diploma, e não às do art. 24.º

Por alguma razão o será.

Do nosso ponto de vista, a resposta a conferir a essa restrição, não será alheia à constatação de que não se mostra logicamente muito compatível que uma determinada circunstância justifique a agravação de um crime pelo aumento da ilicitude implicado no mesmo, e se acabe por concluir, que afinal, existe uma diminuição considerável daquela última em relação ao mesmíssimo tipo.

No limite, poder-se-á aceitar que em função das circunstâncias concretas do caso, a agravação não se opere.
Mas como já conferimos, não foi essa a conclusão a que aportamos.

III – 3.7.) A este ponto reconduzidos, ficamos então confrontados com uma situação algo atípica em termos de medida da pena.

Em função da agravação preconizada pelo proémio do mencionado art. 24.º, o crime em presença é punido com prisão de 5 a 15 anos (acréscimo de um quarto em relação aos mínimo e máximo legal contemplado no art. 21.º).

Como o Ministério Público, no seu recurso, em relação à Arguida AP, defende que a mesma praticou um crime de tráfico de menor gravidade, que não deve ser condenada em pena de prisão superior a três anos e nada tem a opor à suspensão da respectiva execução, julgamos que perante a alteração jurídica introduzida (o crime passa a consumado), o princípio da reformatio in pejus impede que lhe seja agora aplicada sanção diferente da já cominada em I.ª Instância.

E como defende também a absolvição do Arguido JM, por maioria de razão, a que lhe foi imposta também não pode ser agravada.

Diminuída, tal como o sugere o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, julgamos também que não.
Cinco anos é o limite o mínimo cominado à infracção, sendo que, entre o mais, o Arguido foi considerado reincidente.

Logo, de harmonia com o estatuído no art. 76.º, n.º1, do Cód. Penal, aquele é aumentado de mais um terço.

O que importa desde logo um acréscimo de 20 meses…

Nesta conformidade:

IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos mencionados, acorda-se pois nesta Secção e Relação:

A) Em negar provimento aos recursos interpostos quer pelo Ministério Público quer pelo Arguido JM.

B) Julgar os mesmos incursos na prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime consumado de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.ºs 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/94, de 22/01, e em função do princípio da proibição da reformatio in pejus, condená-los nas penas já aplicadas no acórdão proferido em I.ª Instância.

Pelo seu decaimento, e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, ficará o Arguido condenado no pagamento de 3 (três) UCs de taxa de justiça, ex vi dos art.ºs 513.º e 514.º do Cód. Proc. Penal, e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

O Ministério Público mostra-se isento de custas.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator o 1.º signatário.