Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4961/17.2T8LSB-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
VENDA JUDICIAL
ANULAÇÃO DA VENDA
CADUCIDADE
RESTITUIÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1– A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido em execução no prazo de 30 dias ( art. 839/3 CPC) destina-se a evitar situações em que o adquirente do bem celebre negócios com terceiro, maxime, proceda à venda do bem adquirido, obstaculizando a sua restituição ao executado.

2– Afastada está a aplicação do art. 839/3 CPC ( prazo de 30 dias) quando, por razões não imputáveis ao executado, maxime interposição de recurso cujo veredicto foi o da declaração de nulidade da venda, o adquirente já tenha alienado o bem a terceiros estando, por isso, impedido de o restituir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A demandou B  [ Banco… S.A.]  e C pedindo a declaração de nulidade de todos os actos de disposição e oneração do imóvel sito na Travessa ….., nº, V..., em C..., descrito na Conservatória do Registo Predial da A... sob o nº .....9 da freguesia de C... e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia pelo art. 2....., desde 3/7/2009 até à data, declaração de nulidade de todos os registos que recaem sobre o imóvel supra identificado, desde 3/7/2009 até à presente data, em virtude da nulidade dos actos que os titulam e que seja reconhecida a propriedade do autor sobre o imóvel.

Alegou, para tanto, que foi proprietário do imóvel identificado no pedido, entre as datas de 7/12/2006.

No âmbito do processo 8317/06.4TBBRG, a correr termos no Tribunal de Braga, Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão,  o autor adquiriu a qualidade de executado, ex vi arts. 856/3, 859/2 e 860 CPC (LV).

Como consequência foi penhorado o imóvel identificado supra e deprecada a sua venda judicial.

A carta precatória foi distribuída ao 2º Juízo do Tribunal de Menores da comarca do Seixal.

No âmbito da deprecada, em 3/7/2009, realizou-se a abertura de propostas em carta fechada, tendo o B adquirido o imóvel por
€ 143.700,00.

Porém, em 30/6/2009, no processo 8317/06 (execução), em requerimento subscrito pelo exequente e pelo autor tinha sido requerida a suspensão da instância executiva, ex vi art. 882 CPC, em virtude das partes terem chegado a acordo.

No processo executivo foi proferido despacho, em 3/7/2009, que suspendeu a execução e ordenou a devolução da deprecada sem cumprimento.

A venda deprecada foi realizada numa altura em que a instância executiva estava suspensa pelo que é inválida.

Não obstante a invocação da sua invalidade tal pedido não foi provido tendo o autor apelado.

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, agravo 8317/06.4TBBRG-G, que transitou em julgado, em 30/9/16, a decisão proferida pelo tribunal a quo foi revogada e declarada nula a venda judicial efectuada no âmbito da deprecada (7171/08.6TBSXL) e a consequente transmissão ao B.

A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, ex vi art. 289 CC, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

Notificado o B, em sede de execução, este informou que procedeu à venda do imóvel a C.

Ora, não tendo o B adquirido a propriedade do imóvel a venda efectuada foi de bens alheios pelo que, ex vi art. 892 CC, a venda é nula.

Ainda que se considerasse ser C como terceiro de boa-fé, o que não sucedeu porquanto este foi informado pelo B de que a venda estava a ser disputada judicialmente, ex vi  art. 291/2 CC os direitos de terceiro não são reconhecidos se a acção tiver sido proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio.

O Banco réu na contestação, excepcionou a caducidade do direito invocado pelo autor, ex vi do art. 839/3 CPC, porquanto a restituição do bem deveria ter sido solicitada no prazo de 30 dias a contar da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra e se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço.

Tendo o acórdão do Tribunal de Guimarães que decretou a nulidade da venda e a declarou sem efeito, transitado em julgado, em 30/9/16 e a data da propositura da acção, 24/2/17, há muito que o prazo de 30 dias se mostrava ultrapassado.

Ultrapassado que foi o prazo o autor só tem direito a receber o preço e não já a restituição do imóvel.

O réu C excepcionou a caducidade do direito do autor, ex vi art. 291 CC, sustentando que o prazo de 3 anos há muito que se esgotou, tendo-se em atenção que o negócio primitivo, i. é, a aquisição do imóvel pelo B teve lugar, em 16/10/15.

Na resposta o autor pugnou pela improcedência das excepções, concluindo como na p.i.

Em sede de despacho saneador as excepções de caducidade foram julgadas improcedentes com fundamento na não aplicação do arts. 839/3 CPC, no que ao B respeita porquanto, o autor, na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, não podia pedir a restituição do imóvel ao B, credor nos autos de execução, uma vez que este tinha sido vendido ao réu C e, no que concerne ao réu C pela não aplicação do art. 291 CC uma vez que o prazo de 3 anos conta-se a partir da data em que o B lhe vendeu o imóvel e não da aquisição efectuada pelo Banco – fls. 126 e gs.
***

Inconformado, o B apelou formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª.- Na sua contestação veio o Réu Banco e ora Recorrente, invocar a exceção da caducidade do direito do Autor, alegando que em conformidade com disposto no artigo 839/3 CPC, a restituição do bem deveria ter sido pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, tendo previamente de reembolsar o Banco, o que não fez, pelo que o seu direito caducou.
2ª.- Efetivamente, o Banco vem suscitar a exceção da caducidade do direito do Autor, ao abrigo do referido artigo 839/3 CPC, invocando que o Acórdão foi proferido em 12.07.2016, foi devidamente notificado e transitou em julgado em 30.09.2016, conforme atesta a certidão do Acordão junta aos autos pelo Autor.
3ª.- Uma vez que a presente ação deu entrada em Tribunal em 24.02.2017, o prazo de 30 dias concedido pela lei após a decisão definitiva, estava manifestamente ultrapassado.
4ª.- Uma vez decorrido tal prazo de 30 dias, o vencedor, aqui Autor, não pode mais pedir a restituição dos bens, mas apenas tem direito a receber o preço.
5ª.- Tanto mais que, ao propôr a presente ação de reivindicação, não depositou o preço nem as despesas da compra, a que o adquirente Banco tinha direito, nos termos legais.

6ª.- Em sede de despacho saneador, veio o Tribunal “a quo” a julgar improcedente tal excepção, nos seguintes termos:
- “ No caso em apreço, este normativo não tem aplicação, pois, repare-se que o Autor, na sequência do Acórdão, não podia pedir a restituição do imóvel ao aqui Réu Banco, credor nos autos de execução, dado que o imóvel já não se encontrava na sua esfera jurídica, mas sim na esfera do Réu Humberto a quem o aqui Réu Banco havia vendido.
Nestes termos, veio o Autor propor, e em nosso entender, bem a presente acção”.

7ª.- É desta decisão que se recorre.

8ª.- O facto de o imóvel ter sido vendido a terceiro, não inviabiliza, nem desobriga o executado de requerer a restituição do bem, no prazo que está previsto na lei para esse efeito, e que é de 30 dias, a contar da decisão definitiva.

9ª.- A doutrina mostra-se unânime quanto ao carácter extintivo do direito à restituição do bem cuja venda foi anulada, caso o executado não peça a restituição do bem objecto da venda anulada no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, caso em que apenas terá direito ao preço (cfr. Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil anotado, Vol. 3º, 2003, pág. 613).

10ª.- Considerando embora o caso da alínea a) do nº 1 do artigo 909º do CPC de 1939, Alberto dos Reis, in Processo de Execução, Vol. II, 1985, pág. 435, ensinava que “tanto o direito à restituição como o direito ao preço podem e devem ser exercidos no próprio processo de execução; o executado pede a restituição dentro de 30 dias; o Juiz lavrará despacho condenando o comprador a restituir os bens, desde que seja embolsado previamente do preço e das despesas da compra”.

11ª.- A decisão judicial que determina a anulação do ato da venda e a restituição do preço e do IMT ao comprador não comprova a invalidade do negócio jurídico (cfr. artigo 43/1 1 do CRP). Será ainda necessário comprovar a prolação de uma outra decisão judicial que satisfaça o pedido de restituição do bem vendido.

No mesmo sentido, o Parecer R. P. 243/2007 DSJ-CT, do Instituto dos Registos e Notariado, “ A decisão judicial, proferida em incidente deduzido no respectivo processo executivo, que determinou a anulação da venda efectuada e a restituição do preço e do IMT ao comprador, nos termos do artigo 909/1 c) do CPC, é título manifestamente insuficiente para o cancelamento do registo de aquisição a favor do comprador, pelo que o pedido de cancelamento deste registo deverá ser recusado nos termos do artigo 69/1 b) do CRP.”

Em termos jurisprudenciais, é de referir o Acórdão proferido em 12.04.2012 pelo Supremo Tribunal Administrativo, processo  nº 0271/12, in www.dgsi.pt, a propósito da mesma questão de direito, o qual, no seu sumário, dispõe:
I– Encontrando-se o ato de venda anulado, como ato consequente, com fundamento no disposto no artigo 98/3 CPPT, a recorrente teria apenas que pedir a restituição do bem, como refere o nº 3 do artigo 909º do CPC;
II– O estabelecimento de um prazo curto para pedir a restituição do bem (15 dias, segundo o disposto no artigo 257/1 c) do CPPT ou de 30 dias segundo o estatuído no artigo 909/3 CPC), encontra justificação material em razões de interesse público ligadas à natureza do processo de execução, em especial, decorrente da necessidade de assegurar a protecção da estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé dos terceiros adquirentes.
III– Embora admitindo que em determinadas circunstâncias concretas tais prazos possam implicar a compressão desproporcionada dos direitos de defesa dos executados, no caso dos autos, considerando que a sentença que declarou nula a venda foi proferida em 03.07.2007 e que a recorrente apenas requereu a adopção de providências de execução em 08.04.2008, isto é, nove meses depois, não se afigura verificar compressão desproporcionada dos seus direitos, assistindo-lhe apenas o direito de receber o preço, segundo o disposto no 909/3 CPC.

12ª.- Como vimos, é entendimento doutrinal que o Juiz não deve dar por anulada a venda sem ouvir previamente os restantes interessados (exequente, credor que recebeu o preço da venda, comprador).
E que a decisão judicial que determina a anulação do ato da venda e a restituição do preço e do IMT ao comprador não comprova a invalidade do negócio jurídico; será ainda necessário comprovar a prolação de uma outra decisão judicial que satisfaça o pedido de restituição do bem vendido.

13ª.- A Jurisprudência do STA, no Acórdão já citado, de 12.04.2012, entende que apesar do prazo de 30 dias poder, em certas circunstâncias, implicar a compressão desproporcionada dos direitos de defesa dos executados, tal prazo (de 30 dias) para pedir a restituição do bem encontra justificação material em razões de interesse público ligadas à natureza do processo de execução, em especial, decorrente da necessidade de assegurar a protecção da estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé dos terceiros adquirentes.

14ª.- Não tendo o Autor exercido os direitos que lhe advieram pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no prazo que a lei lhe concedia para esse efeito, e que era de 30 dias a contar da decisão definitiva, não pode lançar mão da acção de reivindicação da propriedade do bem, como o fez, mas apenas tem o direito a receber o preço.

15ª.- Pelo que se verifica a caducidade do direito de propor tal acção, decorridos mais de 30 dias desde a decisão definitiva de anulação da venda.

16ª.- Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando o despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pelo ora Recorrente e o recorrente absolvido pedido, por se tratar de uma excepção peremptória – artigos 576/3 e 579 CPC.
***

Nas contra-alegações o autor pugnou pela confirmação da decisão.

Factos com interesse para a decisão constam do extractado supra.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC - a questão a decidir consiste em saber se há lugar ao decurso do prazo de caducidade para a propositura da acção, ex vi art. 839/3 CPC.

Vejamos, então.

Conforme as conclusões formuladas pela recorrente, a questão colocada é a de saber se, aquando da propositura da acção, já havia decorrido o prazo de caducidade, ex vi art. 839/3 CPC.

Sendo anulado o acto da venda nos termos do art. 195 (201 CPCV) a restituição dos bens tem de ser pedido no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço – art. 839/3 CPC (art. 909/1 CPCV).

A doutrina é unânime quanto ao carácter extintivo do direito à restituição do bem cuja venda foi anulada, caso o executado não peça a restituição do bem (objecto da venda anulada) no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva (recurso, embargos ou anulação/nulidade), sob pena de apenas ter direito ao preço, convalidando-se a venda - cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva; Coimbra Editora, 5ª edição (Depois da Reforma), 344/345.

Caso o executado não aja desta forma, ou seja, observando o preceituado no art. cit., a consequência é a da extinção do direito à restituição do bem vendido e, nessa medida, em caso de interposição da acção de reivindicação, o comprador que esteja na posse do bem poderá excepcionar, com êxito, a extinção do direito do reivindicante (caducidade).

Subjaz a esta norma a necessidade de assegurar a protecção e estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé dos terceiros adquirentes que só se poderão impor quando, antes do decurso desse prazo (30 dias), o comprador não tenha vendido o bem a terceiros (transmissão do bem adquirido em execução), implicando a perda da propriedade/posse do bem.

A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido em execução, atento o curto prazo de 30 dias, destina-se a evitar situações em que o comprador do bem celebre negócios com terceiros, maxime proceda à sua venda, obstaculizando a sua restituição ao executado.

Ora, in casu, a execução, na qual foi deprecada a venda judicial do imóvel, foi suspensa, tendo sido ordenada a devolução da carta precatória sem cumprimento, em 3/7/2009, sendo certo que nessa mesma data, o tribunal deprecado procedeu à venda do Imóvel ao B.

Interposto recurso pelo executado, a venda judicial efectuada no âmbito da deprecada, foi declarada nula por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, cujo trânsito ocorreu, em 30/9/16.

Daqui se extrai, que a nulidade da venda apenas teve lugar em 2016, ou seja, volvidos 7 anos após a venda judicial do imóvel (B /adquirente), como também, após a venda deste (imóvel) pelo Banco réu a terceiro (C).

Assim, ressalta à saciedade que afastada está a aplicação do art. 839/3 CPC porquanto, este brevíssimo prazo (30 dias) apenas se justifica se, nos 30 dias pressupostos da norma em causa, os bens vendidos se mantiverem na propriedade/posse do comprador dos mesmos na execução, in casu, o Banco B.

Acresce, tal como referido na sentença recorrida, que tendo em atenção que à data da decisão definitiva proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães (nulidade da venda), o Banco réu (adquirente do imóvel) já havia alienado a terceiro o imóvel que lhe fora vendido pelo que, não podia, nem estava em condições de restituir o imóvel.

Assim, não é, de todo, lícito que o autor, com direito à restituição, por motivo que não lhe é imputável, lhe seja imposto a convalidação da venda e ficasse limitado a haver, tão só, o preço - cfr. Ac. STJ de 20/12/17, relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt.

Destarte, improcede a excepção peremptória de caducidade falecendo a pretensão do apelante.
Concluindo:
1– A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido em execução no prazo de 30 dias (art. 839/3 CPC) destina-se a evitar situações em que o adquirente do bem celebre negócios com terceiro, maxime, proceda à venda do bem adquirido, obstaculizando a sua restituição ao executado.
2– Afastada está a aplicação do art. 839/3 CPC (prazo de 30 dias) quando, por razões não imputáveis ao executado, maxime interposição de recurso cujo veredicto foi o da declaração de nulidade da venda, o adquirente já tenha alienado o bem a terceiros estando, por isso, impedido de o restituir.
Pelo exposto,
acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.
Custas a cargo da apelante.


Lisboa,11/12/2018


(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)