Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22690/17.5T8SNT-A.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- O incidente de aprovação de plano de pagamentos não tem a estrutura de uma acção declarativa (no âmbito da qual são alegados os factos integrantes de determinado direito, face ao litígio existente em relação ao mesmo e carecido de tutela jurisdicional), antes assumindo a estrutura de uma troca de declarações de vontade tendentes à obtenção de um acordo, pelo que não faz sentido apelar, sem mais, ao exercício dos poderes/deveres de gestão processual do tribunal que decorrem do art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, já que os mesmos nunca se destinariam à obtenção de uma justa composição de um litígio em prazo razoável, através da correcta e completa aquisição da factualidade necessária ao conhecimento dos termos do conflito de interesses subjacente a tal litígio, mas apenas e tão só à prolação da decisão de homologação ou de não homologação do plano de pagamentos.

2- A utilização pelo legislador do vocábulo “pode”, conjugado com o vocábulo “oportunidade” e com o vocábulo “conveniente”, no nº 4 do art.º 256º do CIRE, conduz a afirmar que não se está perante um poder vinculado do tribunal, mas perante um juízo de oportunidade ou de conveniência, tratando‑se do uso de um poder discricionário, cuja omissão não corresponde à violação de qualquer direito do devedor.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Novo Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

C. e A. apresentaram plano de pagamento aos credores Banco Santander Totta, S.A., Banco Comercial Português, S.A., Novo Banco, S.A., Financeira El Corte Inglês Portugal, S.F.C., S.A. e Banco BNP Paribas Personal Finance, S.A., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 252º do C.I.R.E.
Citados os credores indicados, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 256º, nº 2, do C.I.R.E., o credor Banco Comercial Português veio manifestar a sua oposição ao plano de pagamentos apresentado (requerimento de 26/12/2017, constante de fls. 19v.), o credor Santander Totta veio informar que só votava favoravelmente o plano de pagamentos se “se mantiverem inalteráveis as condições contratualmente estabelecidas em relação a todos os contratos sobre os quais o ora Credor detém créditos” (requerimento de 22/12/2017, constante de fls. 17v.), e os credores Novo Banco e Financeira El Corte Inglês vieram corrigir as indicações relativas aos seus créditos (requerimentos de 21/12/2017 e de 27/12/2017)
Por transmissão electrónica de 22/1/2018 os devedores foram notificados “para, no prazo de 10 dias, a contar da presente notificação declarar se modifica ou não a relação dos créditos, só ficando abrangido pelo plano de pagamentos os créditos cuja existência seja reconhecida pelo devedor e apenas:
· Na parte aceite pelo devedor, caso subsista divergência quanto ao montante;
· Se for exacta a indicação feita pelo devedor, em caso de divergência quanto a outros elementos”.
Os devedores responderam a tal notificação por requerimento do mesmo dia 22/1/2018, aí requerendo “nos termos do artigo 256º, nº 3 e 4 do CIRE (…) a junção (…) de novo plano de pagamentos com relação de créditos modificada conforme manifestação dos credores”, e mais peticionando o suprimento da aprovação do credor Banco Comercial Português.
Os credores foram notificados deste requerimento, tendo o Santander Totta vindo aos autos declarar “votar desfavoravelmente o plano apresentado”, e tendo o Novo Banco declarado “que nada tem a opor ao plano apresentado”.
Seguidamente foi proferida decisão final (datada de 27/4/2018), com o seguinte teor:
Tendo em consideração que o plano de pagamentos apresentado não se encontra aceite por credores que representem mais de 2/3 do total dos créditos relacionados (face às recusas do Santander Totta e do BCP), declaro o referido plano como não aceite e, em conformidade, julgo extinto o presente incidente (art.ºs 257º e 258º do CIRE)”.
Os devedores recorrem desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A) Nos presentes, os recorrentes apresentaram um plano de pagamentos aos seus credores, nos termos dos artigos 251º e seguintes do CIRE, vindo a apresentar mais tarde um requerimento a solicitar o suprimento da aprovação do credor “Banco Comercial Português SA”, único credor que não tinha aderido ao plano, pois entendiam que, atenta a declaração do credor “Santander Totta SA”, o voto deste seria entendido como favorável.
B) Entretanto, certamente em virtude de lapso de análise quanto ao pagamento do seu crédito comum, o credor “Banco Santander Totta SA” ofereceu aos autos um requerimento em que veio informar “... votar desfavoravelmente o plano apresentado, uma vez que se pretende alterar as condições contratuais no contrato respeitante ao credito comum do ora Credor reclamante.”
C) Todavia, não só parece ter existido lapso de análise quanto ao pagamento do crédito comum conforme referido (pois os devedores expressamente declararam no plano o pagamento integral de acordo com as condições contratualizadas), como sobretudo, se encontram completamente ultrapassados quaisquer obstáculos ou divergências nessa matéria, na medida em que o referido crédito comum já se encontra até totalmente liquidado, conforme resulta do documento já junto aos autos.
D) Seria, pois, expectável que, sendo conferida aos devedores a possibilidade de apresentar plano modificado nos termos do disposto no artigo 256.º, nº 4 do CIRE em virtude das observações do credor “Banco Santander Totta SA”, o mesmo credor viesse votar favoravelmente, nos termos, aliás, em que já se havia inicialmente manifestado e que veio confirmar por requerimento apresentado nos autos a 10 de Maio de 2018, obtendo-se, por essa via, acordo quanto ao pagamento das dívidas.
E) Na verdade, dispõe o artigo 256.º do CIRE:
“(…)
4 - Pode ainda ser dada oportunidade ao devedor para modificar o plano de pagamentos, no prazo de cinco dias, quando tal for tido por conveniente em face das observações dos credores ou com vista à obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas.” - Negrito e sublinhado nossos.
F) Sucede que, ao invés de receberem a notificação prevista na norma supra referida como esperado, foram os recorrentes surpreendidos com a decisão de não homologação do plano de pagamentos, decisão essa de que se recorre.
G) Salvo melhor opinião de V. Exas, atenta a real possibilidade de vir a ser obtido acordo para pagamento das dívidas e ao abrigo do disposto no artigo 6.º do CPC e nos princípios da adequação formal e gestão processual a que certamente o Tribunal Superior aderirá, deveria ter sido possível que os devedores viessem a apresentar novo plano modificado (artigo 256.º, nº 4 do CIRE), com claros benefícios substanciais e processuais.
H) Na verdade, conferindo-se tal possibilidade (e de acordo até com a ulterior própria declaração do maior credor apresentada a 10 de Maio de 2018), seria previsível que o processo fosse extinto com uma decisão de homologação do novo plano por obter a conformação dos credores que representam uma proporção superior a 2/3, evitando-se que os autos prossigam com toda a tramitação, custos e delongas de um processo de insolvência, com consequências mais gravosas para todos os intervenientes processuais.
I) Conforme se pode ler no Acórdão do TRG de 19/06/2014 disponível em www.dgsi.pt, quanto ao reforço dos poderes deveres do Tribunal nas últimas alterações legislativas:
“(…) E mais do que isso, determina-se que ao juiz cabe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
A jurisprudência acolheu esta manifestação do princípio do dispositivo, na intenção de salvar a parte de uma intervenção menos feliz do seu mandatário, considerando que o poder de direcção do processo nos ditos termos constitui um verdadeiro poder-dever imposto pela lei (cf. Os PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL PORTUGUÊS, publicado em http://www.trp.pt/ficheiros/estudos).
(…) Foi esta inequivocamente a intenção do legislador, que, no preambulo do Dec-Lei 329-A/95 afirma a prioridade da realização da verdade material, através do reforço dos poderes do juiz, dirigida á plena realização daquele fim.
No que respeita ao Novo Código de Processo Civil, é evidente que se reforçou ainda mais o princípio do inquisitório. Como se refere na exposição de motivos o novo código “passa necessariamente por uma nova cultura judiciária, envolvendo todos os participantes no processo… centrado na análise e resolução das questões essenciais ligadas ao mérito da causa… . Importa-se para o processo comum o princípio da gestão processual… conferindo ao juiz um poder autónomo da direcção ativa de todo o processo. Ainda em consonância com o princípio da prevalência do mérito da causa sob meras questões de forma, em conjugação com o assinalado reforço dos poderes de direcção… e gestão processual toda a actividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de cisões que privilegiem a decisão de mérito … e evitar deficiências ou irregularidades adjectivas (…)”
J) Lê-se ainda do mesmo modo no Acórdão do TRL de 17/09/2015 disponível em www.dgsi.pt:
“(...) Tendo em conta que nos termos do art.º 17.º do CIRE que prevê a aplicação subsidiária das Normas do Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do Código de Insolvência, deve no caso concreto aplicar-se o disposto no art.º 6.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “cumpre ao Juiz (…) dirigir activamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (…) de forma a garantir a justa composição do litígio em prazo razoável”. Ou seja, a lei processual civil privilegia, claramente, o papel activo do juiz na busca da verdade material e de soluções justas e substantivas em detrimento das decisões formais determinadas pelos obstáculos de natureza adjectiva.(…)”
L) Acredita-se, pois, que foi errada a decisão do Tribunal sindicado ao recusar o plano de pagamentos apresentado, ao invés de permitir aos devedores a possibilidade de apresentação de novo plano de pagamentos, apelando-se ao disposto nos artigos 6.º, no artigo 256.º, nº 4 do CIRE, bem como aos princípios da adequação formal e gestão processual.
M) Com efeito, conforme se pode ler no Acórdão do TRE de 24/04/2013 disponível em www.dgsi.pt:
“(…) 6.1. Face a este regime legal, resultam inegáveis as vantagens para os devedores resultantes da aprovação do plano de pagamentos, ou, do suprimento dessa aprovação, tendo em conta que a insolvência que venha a ser decretada, na sequência da aprovação do plano, é uma insolvência “restrita”, se é correcto utilizar este termo, pois não tem as “normais” consequências da declaração de insolvência, desde logo, porque o devedor, apesar de ser declarado insolvente, não fica privado dos poderes de administração e de disposição do seu património, e as sentenças de homologação do plano de pagamentos e de declaração de insolvência, bem como a decisão de encerramento do processo (que ocorre com o trânsito em julgado daquelas sentenças), nem sequer são objecto de qualquer publicidade ou registo (cf. n.ºs 4 e 5 do artigo 259º do CIRE).
Efectivamente, como se diz no ponto 46 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, “(…) O incidente do plano abre caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (com apreensão de bens, liquidação, etc.), evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa.
Ou, como dizem Carvalho Fernandes/João Labareda: “(…) a eficácia da declaração de insolvência é, neste caso, significativamente mitigada. Desde logo, pelo conteúdo da sentença, mas também pelos seus efeitos (…) o devedor não fica privado da administração e disposição dos seus bens, ‘nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência’ segundo o CIRE. Não é também aberto o incidente de qualificação da insolvência, em nenhuma das suas modalidades, o que não deixa de constituir um benefício relevante para o devedor (…). Além disso, não pode também esquecer-se o regime estatuído no nº. 5 (a sentença não é objecto de qualquer publicidade ou registo)” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 830 e 831).
6.2. Deste modo, a decisão de suprimento da aprovação dos credores oponentes ao plano de pagamentos, prevista no artigo 258º do CIRE, reveste-se de particular importância para os devedores, pois dela depende a homologação, ou não, do plano de pagamentos e os efeitos da declaração de insolvência que venha a ser decretada, com as inerentes consequências na sua esfera pessoal e patrimonial (...)”
N) Acresce que, conforme resulta da anotação ao referido artigo 256.º do CIRE no “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, editado pela “Quid Juris, Sociedade Editora”, 2ª Edição de 2013, a pág. 941 pode ler-se:
7. Está longe de ser clara a articulação entre os nºs 3 e 4, quando este dispõe que pode ainda ser dada ao devedor a oportunidade de modificar o plano, no prazo de cinco dias. Está em causa saber quem dá a oportunidade, quando e por que modo.
Dado o papel relevante que ao tribunal é atribuído pelo art.º 258.º, em sede de aprovação do plano, há-de caber ao juiz a atribuição, ao devedor, dessa oportunidade.
O) Pese embora o elemento literal da norma suscitar equívocos em face da expressão “pode”, entendemos, salvo melhor opinião, que a mesma se enquadra precisamente no âmbito dos poderes-deveres do Tribunal.
P) Com efeito, já no anterior artigo 265.º do CPC e agora no novo artigo 411.º do mesmo diploma se prevê que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, reconhecendo-se, assim, verdadeiros poderes-deveres do julgador quanto a diligências que possam redundar na justa composição do litígio.
Q) In casu, face às observações do credor “Santander Totta” e com vista à obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas, acreditamos que existiria um verdadeiro poder-dever do Tribunal de conceder aos devedores a oportunidade de modificar do plano de pagamentos ao abrigo do nº 4 do artigo 256.º do CIRE.
R) Nos presentes, e segundo um juízo de razoabilidade e normalidade, tal concessão justificava-se – formalidade omitida com influência directa no exame e decisão da causa.
S) Entendemos ainda que o artigo 256.º, nº 4 do CIRE é também uma manifestação e corolário do poder de cooperação para a justa composição do litígio anteriormente previsto no artigo 266.º do CPC e agora objecto de redacção no artigo 7.º, nº 1 do CPC, sendo que também por tal via, a não concessão da oportunidade para modificação do plano de pagamentos restringe em absoluto a possibilidade de uma justa composição do litígio, face à concreta posição dos credores e à possibilidade de obtenção de acordo quanto ao pagamento com a apresentação de um novo plano de pagamentos.
T) A esse propósito da impossibilidade da justa composição do litígio por não ser facultada à parte a possibilidade de corrigir a sua alegação, pronunciou-se da seguinte forma o Acórdão do TRL de 18/01/2007 disponível em www.dgsi.pt:
“(…) Entendendo-se que, consagrando o princípio da cooperação processual, estabelece essa disposição, mais do que uma mera faculdade, um verdadeiro poder-dever do julgador, em ordem a obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 266º cit. dip.), sempre se imporia, assim que, previamente, fosse a A., ora agravante, convidada a colmatar o invocado vício da petição.(...)”
U) Apelando-se a V. Exas que, considerando as observações do maior credor (e mais tarde materializadas no requerimento apresentado a 10 de Maio de 2018), decidam que efectivamente deveria ter sido concedida (por se tratar de um poder/dever) aos devedores a oportunidade prevista no artigo 256.º, nº 4 do CIRE, possibilitando-se, dessa forma, que fossem evitadas todas as gravosas consequências que resultam da não aprovação do plano para todos os intervenientes, obtendo-se a conformação dos credores que representam mais de 2/3 dos créditos.
V) Entende-se que, face à real e não meramente hipotética possibilidade de o Tribunal a quo extinguir o processo com uma decisão de homologação do plano de pagamentos caso lhe fosse concedida a possibilidade prevista no artigo 256.º, nº 4 do CIRE, existiu uma verdadeira violação do artigo 6.º do CPC, conforme se depreende das seguintes transcrições disponíveis no e-book do Centro de Estudos Judiciários (Processo Civil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudência:
“(...) Este dever, previsto no artigo 6.º, do CPC, contribui para a simplificação processual na medida em que, determinando que o juiz deve “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere”, lhe dá poderes para “recusar o que for impertinente ou meramente dilatório” e para adotar “mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. Trata-se, por isso, de um poder‑dever ao qual o juiz deverá recorrer (ouvindo as partes) sempre que considere existir uma solução que simplifique e agilize o processo, garantindo a justa composição do litígio.(...)” –
Pág. 21
“(…) Entende-se que o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC 2013 não se reduz à aplicação perita das leis processuais, mesmo através da adequação formal, antes tem conteúdo autónomo que decorre do comando em que se consubstancia: o juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo em ordem a obter com eficiência a composição justa e célere do litígio. A autonomia da gestão do processo face à mera aplicação de normas processuais torna útil e adequado o recurso aos instrumentos da gestão considerando a missão do processo, a visão que decorre da conformação que lhe é dada pelo sistema jurídico, os valores que o enformam para definição da estratégia expressa em objetivos operacionais e ações. (...)” -Pág. 35
X) Atento todo o exposto, requer-se a V. Exa seja revogada a decisão de não aprovação do plano de pagamentos, substituindo-a por outra que possibilite aos apelantes apresentar novo plano de pagamentos ao abrigo do disposto nos artigos 256.º, nº 4 do CIRE e artigos 6.º e 7.º do CPC, de acordo com as observações constantes dos autos manifestadas pelos credores, tendente ao pagamento das suas dívidas.
Não foi apresentada qualquer alegação de resposta.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Novo Código de Processo Civil, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende-se com a violação do disposto no nº 4 do art.º 256º do CIRE pelo tribunal recorrido e suas consequências.
***
A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
***
Começam os devedores por defender que a posição do credor Santander Totta, expressa no requerimento de 22/12/2017, correspondia à aprovação do plano de pagamentos.
Como decorre do art.º 233º do Código Civil, a aceitação de uma proposta com aditamentos, limitações ou outras modificações, importa a rejeição da proposta. Mas se a modificação for suficientemente precisa, equivale a mesma a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração.
Por outro lado, e como decorre do art.º 238º do Código Civil, quando se revele necessária a redução a escrito do acordo de vontades, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Ou seja, independentemente do “lapso de análise” invocado pelos devedores, a posição assumida pelo credor Santander Totta no seu requerimento de 22/12/2017 mais não corresponde que a uma rejeição do plano de pagamentos apresentado por aqueles, assim equivalendo desde logo à recusa expressa a que alude a al. a) do nº 2 do art.º 257º do CIRE.
E tal recusa é reafirmada expressamente pelo credor Santander Totta, face ao novo plano de pagamentos apresentado pelos devedores em 22/1/2018.
Assim, e por esta via, não é possível afirmar, como fazem os devedores, que a posição do credor Santander Totta justificava a utilização do mecanismo previsto no nº 4 do art.º 256º do CIRE, sendo-lhes dada a oportunidade de modificar o plano de pagamentos. É que tal posição não faz antever uma posição favorável ao plano de pagamentos, mas antes uma posição de rejeição expressa e reiterada do mesmo. E sendo que a invocada posição do credor Santander Totta de 10/5/2018 é inócua para os efeitos deste recurso, por superveniente face à decisão impugnada (datada de 27/4/2018).
Continuam os devedores, defendendo que a possibilidade referida no mencionado nº 4 do art.º 256º do CIRE corresponde à utilização dos poderes/deveres de gestão processual a que alude o art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, na medida em que o convite aos devedores no sentido de modificar o plano de pagamentos, conduziria à justa composição do litígio em tempo razoável, designadamente permitindo que fosse declarada a insolvência com uma eficácia mitigada, com benefício para a posição dos mesmos.
Não se discorda das considerações tecidas a respeito do disposto no art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, designadamente no que respeita ao poder/dever do tribunal de concorrer para a justa composição do litígio, privilegiando a obtenção de uma decisão de fundo, em detrimento de uma decisão de forma, e designadamente convidando as partes a completar a alegação de factos necessários para a obtenção da referida decisão de fundo.
E, por isso, acompanha-se a jurisprudência citada, quer aquela do acórdão de 19/6/2014 do Tribunal da Relação de Guimarães, quer aquela dos acórdãos de 18/1/2007 e de 17/9/2015 deste Tribunal da Relação de Lisboa, quando prescreve o dever de intervenção do tribunal com vista ao suprimento das insuficiências de alegação de factos.
Só que tal jurisprudência não é aplicável ao caso concreto dos autos.
Com efeito, o incidente de aprovação de plano de pagamentos não tem a estrutura de uma acção declarativa, no âmbito da qual são alegados os factos integrantes de determinado direito, face ao litígio existente em relação ao mesmo e carecido de tutela jurisdicional. Antes assume a estrutura de uma troca de declarações de vontade tendentes à obtenção de um acordo.
Pelo que não faz sentido apelar, sem mais, ao exercício dos poderes/deveres de gestão processual do tribunal que decorrem do art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, já que os mesmos nunca se destinariam à obtenção de uma justa composição de um litígio em prazo razoável, através da correcta e completa aquisição da factualidade necessária ao conhecimento dos termos do conflito de interesses subjacente a tal litígio, mas apenas e tão só à prolação da decisão de homologação ou de não homologação do plano de pagamentos.
Do mesmo modo, não tem aqui aplicação a jurisprudência da decisão singular de 24/4/2013 do Tribunal da Relação de Évora, já que ali estava em causa tão só a admissão do recurso interposto pelos devedores, da decisão que indeferiu o pedido de suprimento do consentimento dos credores oponentes ao plano de pagamentos apresentado, tendo presente a inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art.º 258º do CIRE.
Ainda numa outra abordagem ao dever de gestão processual que emerge do art.º 6º do Novo Código de Processo Civil, convocam os devedores o disposto no art.º 411º do Novo Código de Processo Civil.
Todavia, importa não esquecer que o princípio do inquisitório tem como campo de aplicação a actividade instrutória, ou seja, a produção da prova necessária à verificação dos factos controvertidos. Ou, dito de outra forma, devendo o tribunal privilegiar a obtenção de uma decisão de fundo, em detrimento de uma decisão de forma, e carecendo essa decisão de fundo de factos que a sustentem, deve o tribunal pugnar pela obtenção da prova dos mesmos, afastando os obstáculos que se coloquem às partes e que as impedem de obter a referida prova.
Ora, no caso dos autos não está em causa a necessidade de obtenção de prova que as partes não consigam obter, pela singela razão que não está em causa o julgamento de qualquer factualidade controvertida.
É que, como já acima se deixou implícito, o incidente de aprovação de plano de pagamentos não pressupõe nem prevê um litígio, entendido o mesmo como conflito de interesses a ser dirimido jurisdicionalmente, já que assume a estrutura de uma troca de declarações de vontade tendentes à obtenção de um acordo. E não carecendo da verificação de factualidade tendente à declaração de um qualquer direito alegado pelos devedores, escapa à lógica do princípio do inquisitório e ao seu campo de aplicação processual.
Entendem ainda os devedores que o tribunal estava vinculado a dar-lhes a oportunidade de modificar o plano de pagamentos, ordenando a notificação para os efeitos do referido nº 4 do art.º 256º do CIRE, mesmo depois de terem sido notificados nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do art.º 256º do CIRE e de terem apresentado novo plano de pagamentos.
É certo que a articulação dos nº 3 e 4 do art.º 256º do CIRE não é fácil, como referem os devedores, citando a doutrina de Carvalho Fernandes e João Labareda.
Mas tendo presente as regras de interpretação que decorrem do art.º 9º do Código Civil, e sobretudo a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, parece não haver dúvidas que a modificação do plano de pagamentos a que alude o nº 4 não se confunde com a modificação da relação de créditos a que alude o nº 3.
Também parece não haver dúvidas que a modificação a que alude o nº 3 corresponde a um direito potestativo dos devedores, face à posição assumida pelos credores, enquanto a modificação a que alude o nº 4 carece de ser autorizada pelo tribunal, não passando de uma faculdade conferida aos devedores.
Todavia, o elemento determinante para afastar a tese dos devedores resulta da própria literalidade do referido nº 4, quando refere que “pode ainda ser dada oportunidade ao devedor para modificar o plano de pagamentos (…) quando tal for tido por conveniente em face das observações dos credores”. É que a utilização do vocábulo “pode”, conjugado com o vocábulo “oportunidade” e com o vocábulo “conveniente”, conduz decisivamente a afirmar que não se está perante um poder vinculado do tribunal, mas perante um juízo de oportunidade ou de conveniência. Ou seja, trata-se do uso de um poder discricionário, cuja omissão não corresponde à violação de qualquer direito do devedor.
Acresce que, no caso concreto dos autos, são os próprios devedores que, notificados nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do art.º 256º do CIRE, ou seja, para modificar a relação de créditos, vêm “nos termos do artigo 256º, nº 3 e 4 do CIRE requerer a junção (…) de novo plano de pagamentos com relação de créditos modificada conforme manifestação dos credores”. Ou seja, antecipando-se a um possível convite do tribunal, e aproveitando o direito de apresentar relação de créditos modificada, de acordo com a posição dos credores relativamente aos créditos relacionados, vieram os devedores apresentar novo plano de pagamentos, assim esgotando a previsão do referido nº 4.
Pelo que menos sentido fazia, ainda, o tribunal recorrido ordenar a notificação dos devedores para modificar o plano de pagamentos, em face das observações dos credores, já que tinha sido exactamente em face das observações dos credores (incluindo a posição do credor Santander Totta) que os devedores apresentaram um novo plano de pagamentos.
E como da letra e do espírito do referido nº 4 do art.º 256º do CIRE não se retira que a possibilidade de modificação do plano de pagamentos decorra da segunda pronúncia de qualquer credor (permitida nos termos do nº 5 do mesmo art.º 256º), mas da pronúncia originária (a que alude o nº 3 do mesmo art.º 256º), não faz sentido a posição defendida pelos devedores, no sentido do tribunal recorrido estar obrigado a notificá-los para os termos do nº 4 do art.º 256º do CIRE, depois dos mesmos terem tomado essa iniciativa de apresentar novo plano de pagamento, nos termos do referido preceito legal.
Pelo que, face ao acima exposto, há que afirmar a improcedência das conclusões do recurso dos devedores, não havendo que fazer qualquer censura à decisão recorrida.

DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes (sem prejuízo do diferimento do seu pagamento, nos termos do art.º 248º do CIRE).

Lisboa, 20 de Setembro de 2018

António Moreira

Magda Geraldes

Farinha Alves