Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10125/20.0T8LRS.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
EXECUTORIEDADE DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A mera recusa da citação por não ter sido acompanhada da devida tradução, não permite dizer sem mais que a decisão tenha sido proferida à revelia do Requerido e que não lhe foi concedida a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria em discussão, atendendo ao teor da sentença proferida que revela desenvolvimentos posteriores, concretizados a 23/04/2019, no sentido de chamar o Requerido ao processo.
O contrário seria considerar a existência de uma falsidade na sentença proferida pelo Tribunal Francês, ao afirmar uma realidade inexistente, que os factos apurados nestes autos não permitem sequer confirmar.
Resta concluir que dos autos não resulta que a sentença que regulou as responsabilidades parentais das crianças tenha sido proferida sem que lhe tenha sido dada ao Requerido a oportunidade de apresentar previamente a sua defesa no processo que correu termos, não tendo o mesmo logrado provar os factos necessários a demonstrar o impedimento à executoriedade da sentença previsto na al. c) do art.º 23.º do Regulamento, no sentido de que não foi citado ou notificada do ato introdutório da instância ou ato equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa.
Além do mais, tal como se refere na sentença sob recurso, sempre estaria verificada a previsão da parte final do mencionado art.º 23.º al. c) do Regulamento, na medida em que os factos provados permitem dizer que o Requerido foi notificado da sentença que veio a ser proferida e dela não interpôs recurso, assim admitindo que a mesma transitasse em julgado. Regista-se ainda que o Requerido, mais do que afirmar que não foi notificado da sentença, opta por referir que entende que não está provado que a sentença lhe foi notificada.
Na verdade, os factos apurados permitem dizer que o Requerido foi efetivamente notificado da sentença proferida. (…)
Finalmente, resta apenas dizer que não tendo o Requerido sido privado de exercer a sua defesa no processo que correu termos no Tribunal Francês, por lhe ter sido dada a oportunidade para tal, ainda que tenha optado por não o fazer, não há qualquer violação de norma ou princípio constitucional por impedimento de acesso ao direito ou aos tribunais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem AA intentar a presente ação contra BB, pedindo que seja atribuída força executiva à decisão judicial proferida a 24/10/2019, no âmbito do processo nº RG 18/……, nº portalis …...., pelo Tribunal de Grande Instance de ……, ……., ……, em …..., que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças CC e DD, filhos das partes.
Alega, em síntese, que tem dois filhos menores em conjunto com o Requerido, estando a filha menor a residir consigo em …..., onde está emigrada desde março de 2017 e o filho tem estado a residir com o pai, que não permitiu que levasse o filho para viver consigo. A Requerente intentou uma ação judicial em …..., com vista à regulação das responsabilidades parentais dos filhos, para a qual o Requerido foi citado e o Tribunal ….... declarou-se competente para julgar o caso, tendo apreciado e decidido o pedido. O Requerido foi notificado da sentença proferida a 6 de março de 2020, da qual não interpôs recurso, nem reagiu à mesma. A Requerente veio a Portugal e quis levar o filho consigo, o que não lhe foi permitido por não ter uma decisão dos tribunais portugueses, vendo-se obrigada a requerer o presente procedimento para conferir executoriedade à sentença proferida, atentos os obstáculos que o Requerido tem vindo a colocar ao seu cumprimento.
Junta certidão e tradução certificada da sentença cuja executoriedade pretende ver declarada, cópia do expediente dirigido ao ora R., para efeitos de citação para a ação e notificação da decisão final e assentos de nascimento dos seus filhos.
Regularmente citado, o R. veio deduzir oposição, pugnando pelo indeferimento do requerido.
Alega, em síntese, que não foi devidamente citado para a ação que correu termos naquele Tribunal …..., por não lhe ter sido facultada a tradução em português da petição inicial, tendo recusado a citação por esse facto, não tendo voltado a ser contactado em tal processo, não tendo sido junto aos autos qualquer comprovativo da notificação da sentença proferida. Mais impugna a versão dos factos apresentada pela Requerente, referindo que viviam em união de facto e que foi por acordo que se separaram e que cada um ficou com a guarda de um filho, tendo o menor DD permanecido sempre consigo.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do pedido formulado pela Requerente.
Foi determinada a notificação da Requerente para juntar aos autos o documento comprovativo da notificação da sentença proferida ao Requerido, tendo a mesma vindo apresentar requerimento aos autos a 18/05/2021, juntando documento correspondente a um aviso de receção assinado pelo R. de carta enviada pelo Tribunal …...., documento que não foi por aquele impugnado.
Foi proferida sentença que declarou “executória a decisão judicial proferida 24-10-2019, no âmbito do processo nº RG 18......, nº …... 3T, pelo Tribunal de Grande Instance de ……, ……, ……, em …..., que regulou o exercício das responsabilidades parentais respeitantes às crianças CC e DD.”   
É com esta decisão que o Requerido não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que decrete a não executoriedade da decisão do Tribunal …..., apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. Aos presentes autos é aplicado do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de novembro, sendo que o prazo de recurso está estatuído no artigo 33º, n.º 5 (um mês) e é o Tribunal da Relação de Lisboa o competente para decidir o mesmo. Por outro lado, o efeito da sua interposição é suspensivo atenta a natureza do que aqui se discute e a consequência de ser decretado o efeito devolutivo: saída de um menor para viver fora o território português;
B. considerou o Tribunal a quo que se encontravam preenchidos todos os requisitos conducentes à declaração de executoriedade da decisão proferida no tribunal …… uma vez que, nos termos e para os efeitos do artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento “as decisões proferidas num Estado-Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada”. Neste caso, cumpre apreciar a verificação dos seguintes requisitos:
i. decisão, ainda que não transitada em julgado, cf. artigo 35.º do Regulamento;
ii. proferida no âmbito de aplicação material do Regulamento Bruxelas;
iii. dotada de força executória no Estado Membro de origem;
iv. que tenha sido citada ou notificada ao interessado.
C. O requisito indicado em iv. não se encontra preenchido o que impossibilita a declaração de executoriedade da sentença, uma vez que a ação não foi citada ou notificada ao interessado.
D. Conforme alegado na contestação, e tal não foi colocado em causa sequer com o documento junto ao processo pelo requerimento de 18 de maio de 2021, a citação da ação em 2019, não veio acompanhada de qualquer tradução em língua portuguesa, motivo pelo qual a mesma foi recusada, tal como consta a fls. dos autos. Aliás, o documento junto a 18 de maio de 2021 nem sequer é visível qual a data do carimbo, nunca podendo o tribunal a qui retirar a conclusão que retirou do mesmo.
E. A única tradução que consta no processo é a da sentença do tribunal ….., e não da petição inicial propriamente dita que deu início ao processo no Tribunal ……..
F. Por outro lado, a tradução junta ao processo nem sequer está completa: passa da página 3 para a página 8! Neste momento, nem sequer sabe o recorrente quais são as suas obrigações, ou há algo que a recorrida quer esconder! Veja-se o documento 3 sentença, junto aos autos com o requerimento inicial, cuja tradução a páginas 25, 26 e 27 nem sequer tem a tradução na sua integra! Ou pelo menos, a tradução integral da sentença não está junta ao processo.
G. o que está decidido na sentença …... que, por a signatária ter conhecimento de ……, consegue perceber a total injustiça do decidido pelo tribunal …...Traduzindo: “O referido senhor  BB será considerado como tendo renunciado aos seus direitos de visita e acomodação se ele não buscar as crianças no primeiro dia das férias escolares”
H. Tal decisão é manifestamente de uma gravidade tal que determina que o recorrente declare renunciar aos direitos de visita e alojamento caso não consiga ir buscar as crianças no primeiro dia de férias escolares!
I. A aceitar-se que esta decisão tenha força executória em Portugal, estamos perante uma violação de Direitos, Liberdades e Garantias do recorrente estabelecidos nos artigos 36º, n.º 3 e n.º 6 da Constituição da República Portuguesa, o que determina a sua inconstitucionalidade.
J. A decisão proferida pelo Tribunal …..., sem que tivessem sido assegurados os direitos de defesa do recorrente, determina a sua inconstitucionalidade que desde já se invoca;
K. Nos termos do artigo 23º do Regulamento, na sua alínea c) refere que a decisão em matéria de responsabilidade parental não é reconhecido “se a parte revel não tiver sido citada ou notificada do acto introdutório da instância ou acto equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa”;
L. Sobre esta matéria rege o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro (doravante regulamento 1393).
M. Veja-se que embora conste dos autos a citação efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 3 do regulamento 1393, a verdade é que o recorrente comunicou que “eu, abaixo assinado(a), recuso aceitar o acto em anexo porque o mesmo não está redigido nem acompanhado de uma tradução numa língua que eu compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.”!
N. Do disposto do estatuído no artigo 5.º, n.º 1 do Regulamento 1393 que “o requerente é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a recepção do acto se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.º.”.
O. Este último artigo refere que: “A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o acto à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas: a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação.”
P. Nos termos do n. º 3 do artigo 8º do Regulamento 1393 decorre que “Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do acto acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no nº 1.”, correção esta que nunca foi efetuada ou pelo menos não consta como junta aos autos!
Q. Nestes termos, é evidente que o ora recorrente se viu privado de deduzir a sua defesa, pelo que nunca poderia a decisão do tribunal a quo ser a de reconhecimento da executoriedade da entenda proferida pelos Tribunais ….....
A Requerente veio responder ao recurso concluindo pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.
Também o Ministério Público veio responder ao recurso, pedindo a sua improcedência, pugnando pela confirmação da sentença.
II. Questões a decidir
É apenas uma a questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da citação ou notificação do Requerido no processo que correu termos em ……. quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos.
III. Fundamentos de Facto
O tribunal a quo embora vá referindo na fundamentação da decisão alguns factos que, implicitamente, tem como provados não faz o seu elenco de forma autónoma, ao que este tribunal se substitui, permitindo o acordo das partes e os documentos juntos aos autos considerar assentes os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. As crianças CC e DD nasceram em …..., respetivamente a … de … de 2011 e a … de … de 2015, encontrando-se registadas como filhos da Requerente e do Requerido – doc.1 junto com o r.i.
2. Em março de 2017 a Requente emigrou para …..., onde ainda se encontra, aí residindo com a sua filha CC.
3. O Requerido ficou a viver em Portugal, juntamente com o filho DD.
4. Com vista à regulação das responsabilidades parentais dos seus filhos, a Requerente intentou uma ação judicial em …..., contra o Requerido, que correu termos no Tribunal de Grande Instance de ……, ….. ……, com o n.º de processo RG 18......, Nº portalis 3T.
5. Aí foi determinada a citação do Requerido através de carta rogatória.
6. Em 25/03/2019 foi devolvido ao processo identificado o expediente relativo a uma carta rogatória distribuída ao Serviço Externo do Tribunal Judicial de …... com vista à citação/notificação do Requerido para aquela ação ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 13 de novembro de 2007 - doc. 2 junto com o r.i.
7. Aí consta que a citação foi recusada pelo destinatário em 14 de março de 2019 com o fundamento de não estar redigida ou ser acompanhada de uma tradução, nos seguintes termos: “eu, abaixo assinado(a), recuso aceitar o acto em anexo porque o mesmo não está redigido nem acompanhado de uma tradução numa língua que eu compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.
8. Foi proferida sentença em 24 de outubro de 2019, na qual aquele Tribunal …... se declarou competente para decidir os pedidos formulados pela Requerente, por uma das crianças se encontrar a residir habitualmente em …..., com ela, tendo decidido sobre a regulação das responsabilidades parentais das crianças quanto ao seu exercício, residência, visitas e alimentos, tudo nos termos que constam do doc. 3 junto aos autos com o r.i., que se dá como reproduzido.
9. Aí se refere que o Requerido não teve intervenção pessoal, nem se fez representar no processo, tendo sido notificado no estrangeiro a 23 de abril de 2019 nos termos do Regulamento (CE) 1393/2007.
10. A 20/01/2020 o tribunal ….... solicitou junto do Tribunal de …... que fosse notificada ao Requerido a sentença proferida, mencionando-se no expediente a tradução em português da decisão e aí se indicando como endereço do requerido: Av. ……, ……., nos termos do doc. 3 junto com o r.i.
11.  Faz-se menção de envio de igual expediente por via postal para notificação ao destinatário na sua morada pessoal - doc. 3 junto com o r.i.
12. Encontra-se assinado com o nome de BB o aviso de receção relativo a expediente enviado pelo Tribunal …... para a morada do requerido, cfr. doc. junto aos autos a 18/05/2021.
13. Até 6 de março de 2020 não foi apresentado qualquer recurso da sentença proferida em tal processo - doc. 4 junto com o r.i.
IV. Razões de Direito
- da citação ou notificação do Requerido no processo que correu termos em …... quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos
O Recorrente vem insurgir-se contra a sentença proferida defendendo que não foi citado para o processo que correu termos no Tribunal …..., por ter recusado o expediente que não se encontrava traduzido, pelo que ao conferir-se executoriedade a tal sentença está a violar-se o seu direito de defesa constitucionalmente previsto.
A sentença sob recurso entendeu que não obstante a certidão da citação junta aos autos revelar uma recusa do ato por parte do Requerido, a sentença proferida refere que este foi devidamente citado e em qualquer caso foi-lhe notificada a sentença da qual o mesmo não interpôs recurso, aceitando-a, não ocorrendo nenhum fundamento de recusa da executoriedade da decisão.
Estamos perante uma sentença de regulação de responsabilidades parentais proferida por um Tribunal …... pelo que, tal como foi considerado na sentença recorrida e é pacífico, importa recorrer ao disposto no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, cujo regime é imediatamente aplicável na nossa ordem jurídica, tal como na dos restantes Estados membros da União Europeia, prevalecendo sobre o direito nacional de acordo com o princípio do primado do direito da União Europeia, consagrado no art.º 8.º n.º 4 da CRP.
Salienta-se que não está aqui em causa qualquer apreciação sobre o mérito ou teor da sentença proferida pelo Tribunal …..., o que aliás sempre estaria vedado aos tribunais portugueses por força do disposto no art.º 31.º n.º 3 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, importando apenas avaliar se estão verificados os pressupostos que permitem a sua execução em Portugal, centrando-se o impedimento avançado pelo Requerido no facto de considerar que não foi devidamente citado para o processo, ficando coartado na possibilidade de apresentar a sua defesa.
O art.º 21.º do Regulamento em questão, a propósito do reconhecimento das decisões proferidas num Estado-Membro, estabelece no seu n.º 1 a regra de que: “As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados –Membros, sem quaisquer formalidades.” Tal não impede, porém, que uma parte interessada venha pedir o reconhecimento ou não reconhecimento de uma decisão, tal como prevê o n.º 3 deste artigo.
A respeito da força executória das decisões relativas ao exercício de responsabilidades parentais proferidas por um Estado-Membro, estabelece o art.º 28.º do referido Regulamento:
“1. As decisões proferidas num Estado-Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.
2. Todavia, no Reino Unido, essas decisões só são executadas em Inglaterra e no País de Gales, na Escócia ou na Irlanda do Norte depois de registadas para execução, a pedido de qualquer parte interessada, numa dessas partes do Reino Unido, consoante o caso.”
Por seu turno, o art.º 31.º n.º 2 deste Regulamento, limita expressamente os fundamentos que configuram um obstáculo ao deferimento do pedido de concessão de força executória à decisão proferida noutro Estado-Membro, que apenas pode ser indeferido por um dos motivos previstos nos art.º 22.º, 23.º e 24.º.
Relativamente às decisões proferidas no âmbito das responsabilidades parentais, área que agora nos interessa, é no art.º 23.º do Regulamento que vêm elencados nas suas várias alíneas os fundamentos que podem levar ao não reconhecimento de decisões em matéria de responsabilidade parental, com a seguinte previsão:
“a) Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido, tendo em conta o superior interesse da criança;
b) Se, excepto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado-Membro requerido;
c) Se a parte revel não tiver sido citada ou notificada do acto introdutório da instância ou acto equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa, excepto se estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca;
d) A pedido de qualquer pessoa que alegue que a decisão obsta ao exercício da sua responsabilidade parental, se a decisão tiver sido proferida sem que essa pessoa tenha tido a oportunidade de ser ouvida;
e) Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental no Estado-Membro requerido;
f) Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental noutro Estado-Membro ou no Estado terceiro em que a criança tenha a sua residência habitual, desde que essa decisão posterior reuna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado-Membro requerido; ou
g) Se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.º.”
No caso em presença o tribunal a quo considerou não existir qualquer um destes fundamentos de recusa, designadamente o previsto na al. c) do art.º 23.º, concluindo que a certidão da sentença junta afirma a citação do Requerido para a ação e ainda que tal se pudesse questionar, sempre estaria demonstrado que este aceitou a decisão ao não ter interposto recurso da sentença que lhe foi notificada, verificando-se por isso a exceção prevista na parte final daquela alínea.
A discordância do Requerido centra-se precisamente na interpretação dos factos sufragada na sentença sob recurso, defendendo o Recorrente que se verifica a situação prevista na primeira parte da mencionada al. c) do art.º 28.º do Regulamento, por não ter sido devidamente citado para a ação que correu termos à sua revelia, o que constitui um impedimento ao deferimento do pedido.
Para se avaliar da existência ou validade da citação do Requerido na ação que correu termos no Tribunal …..., temos de considerar o regime previsto no Regulamento (CE) n.º 1393/2007 de 13 de novembro de 2007 relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, que veio substituir o Regulamento (CE) n.º 1348/2000 do Conselho de 29 de maio de 2000, sendo o próprio Regulamento 2201/2003 que para ele remete no seu preâmbulo, onde refere que  “o Regulamento (CE) n.º 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, será aplicável à citação e à notificação de atos praticados em ações intentadas nos termos do presente regulamento.”
O Regulamento (CE) n.º 1393/2007 de 13 de novembro de 2007 regula no seu art.º 4.º as formalidades associadas à transmissão de atos, prevendo:
1. Os actos judiciais são transmitidos, directamente e no mais breve prazo possível, entre as entidades designadas ao abrigo do disposto no artigo 2.o
2. A transmissão de actos, requerimentos, atestados, avisos de recepção, certidões e quaisquer outros documentos entre as entidades de origem e as entidades requeridas pode ser feita por qualquer meio adequado, desde que o conteúdo do documento recebido seja fiel e conforme ao conteúdo do documento expedido e que todas as informações dele constantes sejam facilmente legíveis.
3. O acto a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efectuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. Cada Estado-Membro deve indicar a língua oficial ou as línguas oficiais das instituições da União Europeia que, além da sua ou das suas, possam ser utilizadas no preenchimento do formulário.”
Por seu turno o art.º 5.º do Regulamento reportando-se à tradução dos atos, prevê no seu n.º 1 que o destinatário do ato possa recusar a sua receção, se este não estiver redigido nas línguas prevista no art.º 8.º.
Este art.º 8.º do Regulamento, sob a epígrafe “recusa de recepção do acto” estabelece:
“1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o acto à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação.
2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.o 1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.o, e devolver-lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.
3. Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.o 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do acto acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.o 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do acto é a data em que o acto acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado-Membro, um acto tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do acto inicial, determinada nos termos do n.o 2 do artigo 9.o
4. Os n.os 1, 2 e 3 aplicam-se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais previstos na secção 2.
5. Para efeitos do n.o 1, os agentes diplomáticos ou consulares, nos casos em que a citação ou notificação é efectuada nos termos do artigo 13.o, ou a autoridade ou pessoa, nos casos em que a citação ou notificação é efectuada nos termos do artigo 14.o, devem avisar o destinatário de que pode recusar a recepção do acto e que o acto recusado deve ser enviado àqueles agentes ou àquela autoridade ou pessoa, conforme o caso.”
No caso há que ter ainda em conta a previsão do art.º 14.º do Regulamento, que se reporta à citação ou notificação pelos serviços postais, que admite que os Estados-Membros procedam diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente.
É à luz deste regime que têm de avaliar-se os factos apurados, para se perceber se o Requerido foi ou não citado para a ação que correu termos no Tribunal …..., ou se ainda assim aceitou de forma inequívoca a decisão que ali foi proferida, ponderando a existência ou não do impedimento à declaração da força executória da decisão, previsto no art.º 28.º al. c) do Regulamento 2201/2003.
No caso em presença, constata-se que o Tribunal …... através do envio de uma carta rogatória, solicitou a citação do Requerido para a ação de regulação das responsabilidades parentais ali intentada pela Requerente e, ao ser cumprida a citação do Requerido a pedido daquele tribunal, este veio a recusar o ato pela circunstância do requerimento inicial não se encontrar traduzido em Português ou em língua que o mesmo percebesse, o que ficou a constar do expediente que assim foi devolvido ao tribunal de origem.
O comportamento do Requerido está legitimado pelo art.º 8.º do Regulamento 1393/2007 que admite tal recusa, na consideração de que a tradução constitui uma formalidade essencial à prática do ato, por só assim ficar devidamente garantido o direito de defesa do destinatário.
A omissão do cumprimento de tal formalidade essencial vicia o ato de citação, que é nulo, nos termos previstos no art.º 191.º n.º 1 e n.º 4 do CPC, por estar em causa a preterição de uma formalidade prevista na lei quando da prática do ato, cuja falta pode prejudicar a defesa do citado, sendo suscetível de interferir na decisão da causa.
Em face da recusa do destinatário em receber a citação a 14 de março de 2019, informação que foi transmitida ao Tribunal …..., impunha-se que este providenciasse pela correção da situação, diligenciando pela efetiva tradução do requerimento inicial e documentação associada, para que o expediente fosse de novo remetido ao Requerido com indicação do início de novo prazo para a dedução de oposição, designadamente através de carta postal, nos termos admitidos pelos art.º 4.º n.º 2, 8.º n.º 3 e art.º 14.º do Regulamento 1393/2007.
Nada obstava também a que o Requerido fosse ao processo que agora sabia correr termos contra si, suscitar a invalidade da sua citação.
Não estamos perante uma inexistência absoluta de um ato de citação, ainda que o mesmo esteja ferido de nulidade. Tal ato, ainda que de forma incompleta e pouco esclarecida, sempre dá a conhecer ao Requerido que corre termos um processo contra ele no Tribunal …... identificado.
Revelando os factos provados que o Requerido se recusou a receber o ato de citação, por falta de tradução do expediente em 14 de março de 2019, o que foi comunicado ao tribunal de origem, não podemos deixar de ter em conta que na prolação da sentença quando é dada indicação de que o processo corre à revelia do Requerido refere-se expressamente que “o Requerido não teve intervenção pessoal, nem se fez representar no processo, tendo sido notificado no estrangeiro a 23 de abril de 2019 nos termos do Regulamento (CE) 1393/2007.”
Esta menção à notificação do Requerido no estrangeiro a 23 de abril de 2019 e uma vez que a recusa da citação teve lugar em momento anterior, a 14 de março de 2019, faz supor que posteriormente a situação foi regularizada pelo Tribunal …..., através da notificação ali mencionada na sentença.
O Requerido não suscitou naquele processo a nulidade da sua citação para a ação e esta terá sido suprida posteriormente pelo Tribunal …... que considerou que o Requerido havia sido notificado no estrangeiro a 23 de abril de 2019 nos termos do Regulamento 1393/2007, nada indiciando que tal não tenha efetivamente acontecido, não havendo motivo para questionar esta afirmação, pelo que, tal como se refere na sentença sob recurso “tal questão parece ter ficado estabilizada.
Os factos que resultaram apurados não nos permitem dizer que a afirmação feita na sentença proferida, no sentido de que o Requerido foi a notificado a 23/04/2019 nos termos do Regulamento 1393/2007, não está de acordo com a realidade.
A mera recusa da citação por não ter sido acompanhada da devida tradução, não permite dizer sem mais que a decisão tenha sido proferida à revelia do Requerido e que não lhe foi concedida a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria em discussão, atendendo ao teor da sentença proferida que revela desenvolvimentos posteriores, concretizados a 23/04/2019, no sentido de chamar o Requerido ao processo.
O contrário seria considerar a existência de uma falsidade na sentença proferida pelo Tribunal Francês, ao afirmar uma realidade inexistente, que os factos apurados nestes autos não permitem sequer confirmar.
Resta concluir que dos autos não resulta que a sentença que regulou as responsabilidades parentais das crianças tenha sido proferida sem que lhe tenha sido dada ao Requerido a oportunidade de apresentar previamente a sua defesa no processo que correu termos, não tendo o mesmo logrado provar os factos necessários a demonstrar o impedimento à executoriedade da sentença previsto na al. c) do art.º 23.º do Regulamento, no sentido de que não foi citado ou notificada do ato introdutório da instância ou ato equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa.
Além do mais, tal como se refere na sentença sob recurso, sempre estaria verificada a previsão da parte final do mencionado art.º 23.º al. c) do Regulamento, na medida em que os factos provados permitem dizer que o Requerido foi notificado da sentença que veio a ser proferida e dela não interpôs recurso, assim admitindo que a mesma transitasse em julgado. Regista-se ainda que o Requerido, mais do que afirmar que não foi notificado da sentença, opta por referir que entende que não está provado que a sentença lhe foi notificada.
Na verdade, os factos apurados permitem dizer que o Requerido foi efetivamente notificado da sentença proferida. Como se diz na decisão sob recurso: “Ainda que cada um dos aludidos documentos não se afigure, per se, suficiente para dar como provada a efetiva notificação do Réu, a conjugação dos mesmos, analisada à luz das regras da experiência comum, permite ao Tribunal formar convicção segura de que o mesmo terá sido devidamente notificado daquela sentença. (…) certo é que ficou demonstrado que aquele foi notificado da decisão proferida a final, pelo que, não tendo interposto recurso da mesma, conforme asseverado pela certidão junta como doc. n.º 4 da petição inicial, resta concluir que a aceitou, de forma inequívoca. Nesta medida, sempre se encontraria verificada a exceção prevista na parte final do artigo 23.º, alínea c) do Regulamento Bruxelas II bis, nos termos da qual não é de recusar a declaração de executoriedade de uma decisão, nesse caso, quando “estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca”.
Finalmente, resta apenas dizer que não tendo o Requerido sido privado de exercer a sua defesa no processo que correu termos no Tribunal  Francês, por lhe ter sido dada a oportunidade para tal, ainda que tenha optado por não o fazer, não há qualquer violação de norma ou princípio constitucional por impedimento de acesso ao direito ou aos tribunais.
Não estando verificados os fundamentos alegados pelo Recorrente que podiam determinar a procedência do recurso, mantém-se a sentença recorrida.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso intentado pelo Requerido, mantendo-se a sentença proferida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 4 de novembro de 2021
Inês Moura
Laurinda Gemas
Arlindo Crua