Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
503/21.3PATVD-A.L1-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRISÃO PREVENTIVA
SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA DE COAÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
CONDIÇÃO REBUS SIC STANTIBUS
PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE A ARGUIDO DETIDO PREVENTIVAMENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Quando a reavaliação da existência/subsistência dos pressupostos da prisão preventiva decorre de requerimento formulado pelo arguido, este teve ampla oportunidade de expor todos os fundamentos que entendeu relevantes para sustentar a sua posição. Em face de tal circunstância, carece de sentido exigir que se proceda a uma «nova» audição do arguido quando é ele o requerente da alteração pretendida. Na verdade, nenhum contraditório poderia exercer-se por tal via.
II- Do artigo 5º, nº 3 da CEDH não decorre, como também não decorre das disposições aplicáveis do nosso Código de Processo Penal que o Juiz de Instrução deva ouvir presencialmente o arguido sempre que tenha de pronunciar-se sobre o seu estatuto coativo, designadamente, no caso de não ter ocorrido qualquer alteração das circunstâncias – sem prejuízo de o arguido poder, a requerimento seu, comunicar quaisquer elementos que entenda relevantes e solicitar a sua audição.
III- Quando procede ao reexame (obrigatório ou não) dos pressupostos da prisão preventiva, o juiz já não se pronuncia sobre a medida de coação anteriormente escolhida, a qual (como decorre do artigo 212º do Código de Processo Penal) está sujeita à cláusula rebus sic stantibus, o que para estes efeitos significa que aquela primeira decisão (a que aplicou a medida de coação) “se mantém válida e deve permanecer imutável se, e enquanto, não ocorrerem circunstâncias de relevo que determinem a sua alteração”.
IV- Tanto no que se refere à aplicação das medidas de coação em geral, como, muito especialmente, no que concerne às medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, às quais é expressamente atribuído carácter excecional ou subsidiário, terão, necessariamente, de obedecer aos princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
V- O acesso a cuidados de saúde não é excluído pela situação de prisão preventiva, mantendo todos os cidadãos nessas circunstâncias o acesso a cuidados de saúde em condições de qualidade e de continuidade idênticas às que são asseguradas aos restantes cidadãos (cf. artigos 7º, nº 1, alínea i) e 32º, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de outubro).
VI- Mantendo o arguido preso preventivamente o direito a todas as prestações asseguradas aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, a sua eventual indisponibilidade não constitui fundamento adequado a obter a substituição de uma medida de coação que se mostra legalmente necessária e justificada. O que cumpre exigir e assegurar é que os cuidados de saúde que se mostrem necessários são efetivamente prestados – e para isso existem mecanismos legais, que não passam pelo recurso do despacho que manteve a prisão preventiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
No processo nº 503/21.3PATVD do Juízo de Instrução Criminal de Loures (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi o arguido JM, m. id. nos autos, sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 15.12.2022, na sequência do qual foi determinada a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva.
Por requerimento apresentado em 20.12.2022, veio o arguido requerer a substituição daquela medida de coação por obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, o que foi indeferido, por despacho proferido em 28.12.2022.
Inconformado, veio o arguido JM recorrer daqueles dois despachos, formulando as seguintes conclusões:
“1- o Tribunal não ouviu pessoalmente o arguido previamente ao Despacho de 28-12-2022 nem ordenou a feitura do Relatório Social para a aplicação da Medida de Vigilância Electrónica; a Decisão judicial sobre a prisão deve ser precedida de audição pessoal; assim o impõe o artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que determina:
ARTIGO 5º Direito à liberdade e à segurança
3. Qualquer pessoa presa ou detida… deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo.
2- em Portugal instituiu-se a traditio de nunca ouvir o arguido sempre que este pede a alteração da medida de coacção ou a feitura do Relatório Social; prende-se para investigar; prende-se por prender, sem ouvir o arguido, que espere no silêncio da jaula prisional; este modus faciendi de aplicar a prisão traduz nulidade insanável à luz do art.º 5º- 3 da CEDH; a não feitura do Relatório Social traduz denegação de Justiça e ostracismo da Convenção.
3- os Despachos sob recurso não contêm factos nem razões de direito; nesta data não existem EM CONCRETO os perigos de fuga, de perturbação do inquérito ou de aquisição da prova, não são indicados factos concretos pelo que, sob o art.º 204º CPP, o Despacho é nulo: art.ºs 202 e 205 da Lei Fundamental e 97º-5 do CPP;
4- o Tribunal violou o Principio da Substanciação ao não indicar EM CONCERTO os factos atinentes ao artigo 204º do CPP, que se mostra violado de forma ostensiva; os Doutos Despachos judiciais que ordenaram a prisão preventiva e a não realização do Relatório Social não cumpriram o Principio da Substanciação que impõe o seguinte:
… não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessária a indicação especificada dos factos constitutivos desse direito. …” Prof. Alberto dos Reis, CPC anot, vol. II, p. 356, M. Andrade, ob. cit., p. 297, Castro Mendes, Manual de Processo Civil, p. 299 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 692; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, II; p. 84 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, 1981, 1 vol., 207/208; o que viola o art.º 6º- 1 da CEDH.
5- a prisão preventiva é irrazoável sob o art.º 5º-3 da CEDH quando se prolonga sem motivos concretos; é usual os Tribunais de Instrução Criminal e de Julgamento proclamarem de 3 em 3 meses o Evangelho sob a fórmula de que “não se alteraram os pressupostos” …
6- sob as luzes do EUROPEAN COURT HUMAN RIGHTS há que indagar:
… se a prisão preventiva é razoável apreciando em concreto os factos de cada caso e as suas especificidades. A detenção continuada apenas pode ser justificada num dado caso se houver verdadeiros indícios de um genuíno interesse publico que, não obstante a presunção de inocência, supera o Principio do respeito pela liberdade individual, previsto no artigo da Convenção (IDALOV contra Rússia, §139 e KUDLA contra Polónia GC, 30210/96 §§110 e ss TEDH.
7- por estas Portugal foi condenado na COUR de Estrasburgo face à ostensiva violação do art.º 5º-3 da Convenção Europeia: affaire QING contra Portugal - 69861/11. - de 5-11-2015 de conhecimento oficioso, notificado à Procuradoria Geral da Republica e publicado no site http://gddc.ministeriopublico.pt.search/all/Qing - junta cópia na língua oficial do TEDH e tradução em Português onde se expendeu que: “..o Tribuna/ encontrou, com frequência, violações ao art.º 5º-3 da Convenção em casos em que os Tribunais internos prolongaram a prisão de um requerente... utilizando fórmulas estereotipadas…” § 67 a 70, doc 1. 
8- parafraseando as questões colocadas pela Senhora Professora Catarina Frois do ISTCE Lisboa aplicável a todos os presídios de Portugal, traduz-se a inutilidade da retenção numa cela fria e húmida de 5m2 no prazer de infligir sofrimento e humilhação:
“?... o que é que aqueles homens estavam ali afazer, de facto? qual o propósito de manter as pessoas enlatadas, armazenadas, sem atividade, sem objetivos, com o tempo a passar por elas?...” “… a exiguidade do espaço aliou-se a uma sensação de sufoco que me era transmitida pelos reclusos, pelos guardas, pelos técnicos, pelo diretor...”- in  PRISÕES, pág. 86, ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2020;
9- o arguido está preso há quase um mês. Inexistem os pericula libertatis:
-inexiste em concreto o perigo de fuga
-inexiste em concreto o perigo de perturbação da prova
-inexiste em concreto o perigo de continuação da actividade criminosa.
10- as condições da cela violam ostensivamente o art.º 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; Portugal foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso “PETRESCU” contra Portugal pela sobrelotação prisional e condições indignas da cela.
11- o arguido está condenado a não ser tratado nem visto por Médicos, quiçá a morrer por ausência de tratamento médico: padece de cardiopatia isquémica, tem 2 “stents”, é portador de “pacemaker”, sofre de diabetes, tem apenas um rim e emagreceu drasticamente nos últimos dias;
12- em 21, 22, 23 e 26 de Dezembro 2022 teve consultas marcadas nos Hospitais de Santa Marta, Pulido Valente, Santa Maria, Curry Cabral, em 24-3-2023, 18-5-2023 e 23-11-2023 na Associação Protetora dos Diabéticos- docs 1 a 6 juntos com o requerimento para a MVE.
13- no EPL e mesmo no Hospital Prisional de Caxias não existem condições para tratamento e análises ao arguido- docs 7 a 13 juntos com o pedido de MVE:
14- o Tribunal a quo e o EPL ignoraram os pedidos de consulta e tratamentos médicos!!!
15- o arguido deve aguardar sob VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA quiçá com apresentações na PSP os ulteriores trâmites processuais sob pena de MORRER na prisão SEM TRATAMENTO MÉDICO adequado e urgente!!!!
16- a manutenção da prisão ostraciza a Jurisprudencia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Uma medida de apresentações bi-semanais no OPC ou de retenção no domicílio sob MVE satisfaz o desideratum processual pelo que, os Despachos sob recurso devem ser revogadoss e substituído por outro que aplique a medida de apresentações bi semanais no OPC ou a MVE; a liberdade é a regra sendo anómalo prender por meses ou um ano para investigar uma suspeita. Já em 1983 o Ministério Publico defendia o seguinte:
“Em 15-16 Outubro 1983 o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público de Portugal aprovou em Bordéus uma MOÇÃO SOBRE AS PRISÕES: 11- A PRISÃO É UMA SOLUÇÃO DE ÚLTIMO RECURSO; É, PORTANTO, NECESSÁRIO POR TERMO AO ABUSO GENERALIZADO DA PRISÃO PREVENTIVA;” in Revista do Ministério Público Ano 8º- Abril-Junho 1987 – nº 30 - pág 180”
TERMOS EM QUE, FACE AO SUPRA EXPOSTO, REVOGANDO-SE OS DESPACHOS RECORRIDOS, ORDENANDO A REALIZAÇÃO IMEDIATA DO RELATÓRIO SOCIAL PARA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE VIGILANCIA ELETRONICA E A APLICAÇÃO DA MVE E, OU APRESENTAÇÕES BI-SEMANAIS NA PSP, COM DESLOCAÇÕES AOS HOSPITAIS SUPRA IDENTIFICADOS PARA TRATAMENTO URGENTE DAS DOENÇAS DO FORO CARDIACO, UROLOGIA E DIABETES, SE FARÁ A LÍDIMA JUSTIÇA!!!!
 Foram violados os art.ºs 97º-5, 200-1-d) e 204º do CPP, 32º, 202º e 205º da Lei Fundamental e 5º -3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
“1º Alega o recorrente que não se verificam os perigos a que se reporta o art.º 204º, als. a), b) e c) do C.P.P., mas por outro lado insurge-se quanto ao facto de lhe não ter sido aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
2º Ora, se não se verificam os mencionados perigos nenhuma medida de coacção poderia ser aplicada ao arguido que não fosse o TIR, pelo que pese embora alegue a sua inexistência acaba por admitir que algum deles tem de se verificar.
3º Considerou-se (fls. 620) estar em causa os perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação da ordem pública e de fuga, bem como o de perturbação do inquérito na vertente de aquisição, conservação ou veracidade da prova, conforme referido pela Mmª JIC aquando da aplicação da medida de coacção.
4º As medidas de coação têm como escopo assegurar a eficácia/eficiência do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer no que respeita à execução das decisões condenatórias.
5º Nos termos do art.º 212º, n.º 3 do C.P.P. a substituição das medidas de coação uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação e estão sujeitas à condição rebus sic satntibus.
6º O arguido não alega qualquer facto novo que atenue as exigências cautelares que não seja as condições em que se encontra na prisão e as alegadas patologias de padece para fundamentar a alteração da medida de coacção a que está sujeito.
7º A OPHVE é insuficiente para acautelar os perigos que estiveram na base da aplicação/manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, principalmente o de continuidade da actividade criminosa e de fuga.
8º Neste sentido e a título de exemplo Acórdãos do TRL de 09.05.2019, de 17.06.2020 e 11.06.2019 (www.dgsi.pt).
9º Ali se refere que a medida de OPHVE não é impeditiva da continuidade do negócio da droga, a que acresce o facto de deixar em aberto a possibilidade de o arguido se colar em fuga, pois que entre os serviços comunicarem a sua ausência aos autos e haja uma reacção processual penal decorre tempo suficiente para o arguido fugir.
10º Com a sujeição a 1º interrogatório o arguido passou a ter conhecimento de todos os elementos de prova reunidos no processo contra si, principalmente as declarações prestadas pelas testemunhas e o crime que lhe é imputado.
11º É consabido que a prova deste crime assenta na sua maioria nos depoimentos dos consumidores, os quais na maior parte dos casos em julgamento, perante a mera presença dos arguidos, prestam declarações diversas das prestadas em inquérito, pelo que estando o arguido em liberdade existe um claro e concreto perigo de perturbação do inquérito.
12º O arguido está acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, punido com pena de prisão entre os 4 e 12 anos e não tem ocupação profissional, pelo que é razoável considerar que face aos factos que lhe são imputados e confrontado com o facto de poder vir a ser aplicada uma pena privativa da liberdade de vários anos se tente furtar à acção penal, tanto mais que tanto ele como a esposa têm passaporte Marroquino.
13º A medida aplicada é não só proporcional, atento o crime em causa, como necessária e adequada, na medida em que nenhuma outra se afigura capaz de assegurar as exigências cautelares evidenciadas no processo.
14º Não se vislumbra qualquer nulidade do despacho que aplicou a medida de prisão preventiva ao arguido por falta de audição do arguido ou fundamentação, pois que esta sendo necessária não tem que ser exaustiva.
15º Não merece qualquer censura o douto despacho que aplicou ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.
Razões pelas quais, nestes termos e nos demais de direito deve o recurso sobre o qual incide a presente resposta ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida,
V. Exas, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!”
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a argumentação já apresentada na primeira instância e aditando:
“3.1 - O arguido recorre igualmente da prisão preventiva a que foi sujeito, mas também do despacho do M.º JIC de 28 de Dezembro de 2022, prolatado poucos dias depois do primeiro interrogatório judicial de arguido detido
Este, ocorreu em de 15 de dezembro de 2022.
Vejamos então a sustentação da prisão preventiva.
No momento em que o M.º JIC sujeitou o arguido a prisão preventiva, fê-lo através de exaustiva e detalhada descrição dos factos, fundamentando cuidadosamente os perigos processuais que anteviu e o remédio único que lhe pareceu viável para os combater: a prisão preventiva
Parece irrepreensível a decisão do M.º JIC, neste momento.
Na verdade, os indícios recolhidos colocam o arguido fora do quadro de vendedor de rua de produtos estupefacientes, de pouca indústria e baixa intensidade. Ao contrário, o arguido abastece uma vasta rede de consumidores, usa veículos automóveis e consegue angariar elevados montantes de dinheiro em casa, que têm naturalmente origem suspeita, face ao seu quadro económico e familiar.
O despacho judicial que lhe impõe a medida de coacção de prisão preventiva cumpre irrepreensivelmente os deveres de fundamentação, proporcionalidade, adequação e legalidade.
Não se antecipa nenhuma crítica a este despacho judicial, nem mesmo quando cotejado com a preferência expressa pelo legislador no n.º 3 do art.º 193.º CPP.
Sendo embora verdade que o signatário vê com desfavor as suspeitas judiciais que amiúde se revelam sobre a vigilância electrónica, medida alternativa à prisão preventiva que vem dando provas de segurança ao mesmo tempo que poupa o agente a desnecessários períodos de encarceramento, o caso presente desaconselha a OPHVE.
Desaconselha-o pelo nível de empenhamento do arguido na gravosa actividade de venda de estupefacientes. Para usar uma expressão que a doutrina italiana desenvolveu, a propósito do volume de clientela de um estabelecimento comercial, aviamento, é justo dizer que o aviamento da actividade criminosa do arguido aparenta ser de tal monta, que apenas a prisão preventiva o pode sossegar.
Deve assim ser rejeitado o recurso, no ataque que faz ao despacho do M.º JIC impondo a prisão preventiva.
3.2 - Volvidos escassos dias sobre a prisão preventiva, o arguido suscitou a reapreciação da medida de coacção.
Pediu a realização de Relatório Social e a substituição da prisão preventiva pela OPHVE, com autorização de saída aos hospitais onde é seguido, o que lhe foi indeferido.
Insurge-se agora contra novo gravame que lhe foi feito, por o M.º JIC ter decidido sobre tal requerimento sem a sua prévia audição.
Apreciando.
O princípio do contraditório é dos princípios estruturantes do processo penal e aquele que mais garantias de defesa reserva em benefício do cidadão, exposto por vezes a uma luta desigual com o aparelho repressivo do Estado, em nome da defesa dos chamados “estados fortes da consciência colectiva”, para usar a feliz expressão criada por Durkheim, que mais não faz senão referir-se àqueles valores eleitos à qualidade de “crime”.
O arguido, sujeito de direitos e de deveres e verdadeiro actor processual, tem o direito de pleitear a sua condição face ao juiz, sendo inúmeros os casos em que a sua audição é obrigatória.
Acontece que a sua audição na revisão ou reexame das medidas de coacção não é obrigatória – art.º 213.º n.º 3, CPP.
Não sendo obrigatória em momentos institucionais, tabelados por lei como de reexame cíclico mandatório das medidas de coacção – art.º 213.º CPP – menos o é perante requerimento avulso apresentado pelo arguido, escassos dias volvidos sobre a decisão de impor a medida de coacção que tão asinha se vem contestar.
Aliás no seu singelo requerimento o arguido não pede – podendo fazê-lo – para vir à presença do JIC.
Podia tê-lo feito, não era isso garantia de que fosse atendido.
É o juiz, no seu critério prudente que avalia o requerimento e se o entender, deve convocar o arguido e o MP.
Mas a letra da lei não o obriga a tanto.
Idem, para a realização de Relatório Social, faculdade concedida ao juiz, mas não imposta – art.º 213.º, n.º 4, CPP.
Ademais, o status quo ante que levou o M.º JIC a impor a medida de coação em causa nenhuma alteração sofreu no curto espaço de tempo entre o interrogatório judicial de arguido detido e a apresentação do requerimento.
3.2.1 - A interpretação que tem vindo a ser feita do n.º 3 do art.º 213.º CPP – que mutatis mutandis serve de guia para a discussão sobre a não audição do arguido perante requerimento seu – tem respaldo em relevante momento jurisprudencial.
O Conselheiro Bravo Serra foi chamado a prolatar o Ac. TC. n.º 96/99, analisando a compatibilidade da norma ínsita no n.º 3 do art.º 213.º CPP com o princípio de presunção de inocência do arguido.
Este Ac. TC. cristalizou em si mesmo o acervo de argumentos que vêm defendendo a desnecessidade de audição do arguido, na revisão oficiosa de medidas de coacção (no pressuposto de que o status quo ante que ditou a prisão preventiva se manteve).
Defendeu-se neste Ac. TC. que não havendo nenhuma alteração das condições que ditaram a prisão preventiva, a não audição do arguido não agrava a sua situação processual, do mesmo passo assinalando a relevância da regra rebus sic stantibus, afirmando que a prisão preventiva "importa não apenas para o momento da validação ou confirmação da prisão preventiva mas também para toda a duração dela, devendo ser revogada ou suspensa quando se venha a revelar desnecessária" (citando-se aqui Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 190).
Mais assinala este Ac. TC. que o momento de excelência para o exercício do contraditório pleno teve lugar no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pelo que, não havendo no momento da revisão, “matéria diferenciada” sobre a qual o arguido devesse ser ouvido, desnecessário se torna ouvi-lo.
Como dissemos, estes ensinamentos são úteis para o caso sub judice, em particular quando o pedido de reexame da prisão preventiva cai na mesa do JIC escassos dias volvidos sobre a sua decisão, sem que se alegue alteração algumas das circunstâncias do caso processual.
A única exigência que alguma doutrina vem fazendo sobe este momento solitário do JIC é a de que se justifique porque razão não se ouve o arguido in propria persona.
Ora, o despacho de 28 de Dezembro do M.º JIC, longe daqueles despacho tabelares de rotina que o arguido abomina e as instâncias internacionais fulminam, é um despacho cuidado, longo, inteligível, explicativo, pelo qual o M.º JIC anuncia as razões da sua decisão.
Também alguma doutrina vem defendendo a desnecessidade da audição prévia do arguido no reexame das medidas de coacção, se as condições prévias não se tiverem alterado.
Maria do Carmo Silva Dias, por exemplo, em nota ao art.º 213.º in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2.ª ed. defende esta tese.
Igualmente nesse sentido se orienta Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do CPP anotado e comentado), que refere os Acs. do TRL de 4.11.2004 e 12.01.08[1], segundo os quais não havendo circunstâncias supervenientes, o despacho do JIC basta-se com “a referência à persistência do condicionalismo que justificou a medida para fundamentar a decisão da sua manutenção”.
4 – Em suma, Vnrnd.ºs Desembargadores, não vemos como se poderiam censurar os despachos sindicados, que fundamentam a indispensabilidade da prisão preventiva, rejeitam a alternativa de prisão domiciliária e decidem de mérito perante um mesmo quadro fáctico estável, que nenhuma alteração sofreu que justificasse a revogação da prisão preventiva.
Deve assim o recurso sub judice ser rejeitado e os despachos sindicados, plenamente confirmados.
Na certeza de que a final e como de costume, V.ªs Exas. melhor dirão.”
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objeto do recurso
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Considerando os termos em que o recorrente estruturou o respetivo recurso – e relevando-se que, num mesmo recurso e sem qualquer individualização nas conclusões apresentadas, vem impugnar o despacho que determinou a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva e o despacho que, menos de 15 dias depois, manteve tal medida, por inalteração dos respetivos pressupostos – as questões a apreciar são:
i. A «nulidade» decorrente da falta de audição prévia do arguido;
ii. A falta de fundamentação da decisão;
iii. A verificação (e subsistência) dos pressupostos da prisão preventiva.
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III. Das decisões recorridas
Na sequência da sujeição do arguido a 1º interrogatório judicial de arguido detido, em 15.12.2022, foi proferido o seguinte despacho (Refª Citius 155089023):
“A detenção foi legal e o arguido foi tempestivamente apresentado – art.º 254º, n.º 1, al. a), 255º, n.º 1, al. a) e 256º, nº1 todos do CPP.
Nos termos do disposto no art.º 178º, nº 1 e 6 do CPP, valido as apreensões efectuadas.
Indiciam fortemente os autos, que o arguido cometeu os factos descritos no despacho de apresentação antecedente, que se dá por reproduzido, os quais são susceptiveis de integrar em abstracto, a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, nº 1 do Decreto Lei 15/93 de 22-1, e Tabelas I-B e I-C anexas ao referido diploma legal.
Os factos acima descritos resultam indiciados nos autos, da análise crítica dos elementos de prova discriminados no despacho de apresentação acima referidos, nomeadamente do teor dos Autos de notícia de fls. 21 e 579; Autos de apreensão de fls. 23, 68, 72, 98, 130, 261, 282, 323, 338, 342, 353, 443, 454, 482, 490; Testes rápidos de fls. 24, 580, 581, 582 e 583; Aditamentos de fls. 28, 46, 80, 275, 307, 315, 325, 392, 445; Relatórios de vigilância de fls. 42, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 180, 181, 182, 183, 184, 194, 206, 236, 254, 260, 264, 268, 270, 272, 274, 308, 310, 317, 318, 327, 393, 410, 413, 435, 439, 441; Fotografias de fls. 45, 86, 169, 285, 597; Informação da MEO de fls. 76; Informação da SIBS de fls. 77; Autos de visionamento de fls. 100, 132, 141, 156, 185, 195, 207, 225, 237, 246, 344, 356, 458, 493; Autos de ocorrência por consumo de fls. 167, 255, 311, 395; CDs de fls. 170, 279, 367, 412, 457, 500; Prints de registo automóvel de fls. 266, 475; Informação da CGD de fls. 291, 293; Certidão de fls. 369, 521, 546; Autos de busca e apreensão de fls. 587, 589, 590.
Fundamentam ainda a presente indiciação, a informação respeitante a transações referentes a EF, melhor id. a fls. 21; PM, melhor id. a fls. 42; AL, melhor id. a fls. 42/46; JA, melhor id. a fls. 43; IS, melhor id. a fls. 257; AD, melhor id. a fls. 579; HS, melhor id. a fls. 579; JF, melhor id. a fls. 579; RS, melhor id. a fls. 579. Testemunhas que confirmaram ter adquirido produto estupefaciente ao arguido, elas próprias fiscalizadas após terem adquirido ao arguido, estupefaciente, e às quais o mesmo foi apreendido.
Quanto à quantidade e natureza do estupefaciente em causa nos autos, o mesmo resulta do teor dos Relatórios periciais de fls. 31, 35, 390, 432, 484.
Assim, do referido acervo probatório resulta claro que o arguido se dedica à venda de estupefaciente desde pelo menos desde Setembro de 2021, sobretudo a partir da sua residência sita na Rua … em Torres Vedras, como resulta do autos de noticia por detenção de fls. 21 a 27, e aditamento de fls. 28 e exame pericial de fls. 35, tal como resulta dos relatórios de vigilância, por exemplo de fls. 42; 87 a 96, 180-184; 194;206; 236, aditamentos de fls. 46; 80; fotogramas de fls. 86; 101 a 123; 133 a 139; 142 a 154; 158 a 165; 186 a 192; 196 a 204; 208 222; 226 a 234, onde são visíveis as deslocações do arguido aos locais referidos no despacho de apresentação antecedente, o que se verifica ao longo do processo, e em que o arguido se encontra com indivíduos a quem vende estupefaciente, como se extrai do depoimento prestado a fls. 43, que declarou adquirir estupefacientes ao arguido. Tal facto sai reforçado após a realização da busca levada a cabo no domicílio do arguido, sito na Rua …, Torres Vedras, no dia 14 de Dezembro de 2022, pelas 9h30, onde o arguido detinha - 104 gramas de cocaína; - 6,18 gramas de heroína; - vários pedaços de haxixe com 74,35, 92,19, 42,72, 53,41 e 26,09 gramas; - 1 telemóvel da marca Redmi; - 1 telemóvel da marca Samsung; - 2 telemóveis da marca Alcatel; - 4 canivetes; - 2 passaportes; - uma balança de precisão; - 26 bolsas herméticas; - um computador HP e um Acer; - uma PEN Sacandisk.
O arguido prestou declarações afirmando que todo o estupefaciente que detinha e casa se destinava somente ao seu consumo; que nunca vendeu estupefaciente a terceiros e quanto ao dinheiro que foi apreendido na sua casa o arguido justificou que 1740 euros eram o resultado de trabalho da esposa, que faz limpezas e que a quantia de 1250 euros pertence à firma onde o arguido e a esposa vendem taças e trofeus.
A quantia de 7900 euros é o resultado de poupanças do arguido de vendas feitas na agricultura.
Tais declarações não colhem, é evidente que o arguido se dedica ao narcotráfico, pelo menos desde Setembro de 2021. Acresce que ao arguido não é conhecida acitividade profissional, nem rendimentos declarados compatíveis com a quantia em dinheiro, no valor de € 10.995,00, não sendo credível que tal quantia seja fruto da atividade da venda de taças e troféus que o arguido disse fazer a partir de sua casa nem dos rendimentos da esposa como empregada doméstica.
Assim, vislumbra-se a possibilidade de continuação da actividade criminosa de tráfico já que o arguido não apresenta actividade profissional estável, nem rendimentos declarados compatíveis com as quantias que lhe foram apreendidas nestes autos, ao que acresce o carácter altamente lucrativo da actividade de tráfico a que o arguido se vem dedicando.
Por outro lado, o perigo de perturbação da tranquilidade pública é, também, elevado atendendo aos reconhecidos malefícios para a saúde humana e face ao número de eventuais consumidores finais que abrangeriam, sendo certo que os moradores do local onde os factos ocorreram, queixam-se recorrentemente da existência de compra e venda de estupefacientes.
Encontrando-se os autos, ainda em investigação e importando, ainda interrogar testemunhas e identificar outras, afigura-se que existe também perigo de perturbação do inquérito na modalidade de aquisição e conservação da prova, designadamente podendo o arguido criar obstáculos à descoberta de eventuais colaboradores/fornecedores/compradores e vizinhos condicionando os respectivos depoimentos.
Sendo prementes os referidos perigos de perturbação do inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, ao que acresce o perigo de fuga pelos fundamentos aduzidos pela Digníssima Procuradora da República, afigura-se, face ao tipo de ilícito em causa, entendo que se encontra afastada a aplicação ao arguido de qualquer medida de coacção, não detentiva de liberdade.
Efectivamente, a medida de apresentações periódicas não afasta, qualquer destes perigos; a caução não se mostra adequada a proibição de contactos, eventualmente com indivíduos ligados ao tráfico, para além de não poder ser facilmente controlada, senão por nova investigação criminal, seria facilmente incumprida. Atendendo a que o arguido declarou ser consumidor de estupefacientes à mais de 20 anos. Assim, apenas uma medida privativa da liberdade será adequada e suficiente para evitar os referidos perigos.
Sendo certo que a actividade de tráfico poderá ser mantida a partir da habitação, como aliás o arguido fazia, afigura-se que tal medida não se mostra adequada, nem suficiente para evitar os perigos referidos, devendo, por isso, o arguido aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de prisão preventiva.
***
Ao abrigo do disposto nos art.º 191º, n.º 1, 192º, 193º, n.º 1 a 3, 194º, n.º 2, 196º, 202º, n.º 1, al. a) e 204º, al. a), b) e c) todos do CPP, o arguido aguardará os ulteriores trâmites processuais sujeito:
- Às obrigações decorrentes do TIR já prestado
- À medida de prisão preventiva.”
*
Na sequência do requerimento apresentado pelo arguido em 20.12.2022 (refª Citius 13158978), foi, em 28.12.2022, proferido o seguinte despacho (Refª Citius 155198494):
“O arguido JM, encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde o dia 15.12.2022 (cfr. fls. 620 ss).
A fls. 669, veio o arguido requerer a alteração da referida medida de coacção pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, alegando estar numa cela fria e húmida, sem privacidade, sem higiene, permanecendo 22 horas no seu interior. Mais invoca não existirem condições para o tratamento médico de que necessita.
O Ministério Público opõe-se ao requerido, invocando permanecerem inalteradas as exigências cautelares (fls. 679 ss).
Cumpre decidir.
Dispõe o art.º 212.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que «Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução
Ora, compulsados os autos, conclui-se que subsistem os pressupostos de facto e de direito que conduziram à aplicação ao arguido da medida coactiva de prisão preventiva, remetendo-se para este efeito para o despacho que a aplicou.
Da leitura do art.º 212.º do Código de Processo resulta que estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação. Como tem sido decidido pela jurisprudência, a medida de coacção, designadamente a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, deve manter-se enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos de facto e de direito que a motivaram (v.g., Acs. da RC de 97/1/8, RMJ, 463/652 e RL de 97/5/21, BMJ 467/620; RE de 6.6.00, BMJ 498/291, RP de 15/3/00). Deste modo, enquanto não ocorrerem alterações significativas da situação existente à data em que foi decidido aplicar a prisão preventiva, não pode o Tribunal reformar essa decisão sob pena de, fazendo-o, provocar instabilidade jurídica decorrentes de julgados contraditórios com inevitáveis reflexos negativos no prestígio dos Tribunais e nos valores da certeza ou da segurança jurídica que constituem os verdadeiros fundamentos do caso julgado (Ac. Relação do Porto de 3/2/93, in CJ XVIII, tomo I, pág. 248 e 249).
No caso, a medida de coacção de prisão preventiva foi aplicada em 15.12.2022, ou seja, em data muito recente, nada tendo sido trazido aos autos desde então que faça concluir que as exigências cautelares se atenuaram. Por outro lado, no despacho que a aplicou, já foi equacionada a possibilidade de aplicação da medida de coacção de OPHVE, o que se afastou, tendo em conta o crime em causa nos autos (tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01) e os perigos existentes.
As razões invocadas pelo arguido não são susceptíveis de fundamentar a alteração da medida de coacção a que está sujeito, por não configurarem uma atenuação das exigências cautelares que levaram à sua aplicação, não estando sequer os autos munidos de qualquer informação que permita concluir não estarem a ser assegurados ao arguido os tratamentos médicos necessários e adequados, cabendo às respetivas entidades diligenciar para que tal suceda.
Assim, não existindo nos autos qualquer circunstância que permita concluir por uma alteração dos pressupostos em que se fundou a decisão de manutenção da medida aplicada ao arguido, indefere-se o requerido.
Atento o supra decidido e as razões invocadas, não se conclui pela necessidade de elaboração, pelo menos no imediato, do Relatório Social da DGRSP.
Notifique.”
*
IV – Fundamentação
Como acima se notou, no presente recurso estão em causa duas decisões: a que determinou a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva e a que, na sequência de requerimento do arguido, determinou a manutenção de tal medida de coação, por inalteração dos respetivos pressupostos.
O arguido esgrime, quanto a ambas as decisões, a inexistência dos perigos previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal, sem alegar factos. Tece, ainda, considerações de carácter genérico quanto à necessidade de fundamentação da decisão que impõe e/ou mantém a prisão preventiva, e invoca a «nulidade insanável» da não audição do arguido previamente à decisão que incidiu sobre o requerimento em que pediu a alteração da medida de coação. Começaremos por esta última questão.
iv.1. Da falta de audição prévia
Reclama o recorrente que o Tribunal a quo decidiu manter a medida de coação de prisão preventiva a que se encontra sujeito sem previamente ter procedido à sua audição «pessoal»[2], o que entende configurar nulidade insanável, à luz do artigo 5º, nº 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
Cumpre apreciar.
O despacho recorrido foi proferido na sequência de requerimento do arguido, nos termos consentidos pelo artigo 212º, nº 4 do Código de Processo Penal, tendo como propósito a apreciação judicial da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, fora do quadro do reexame obrigatório previsto no artigo 213º do Código de Processo Penal (na medida em que não se mostravam ainda decorridos três meses desde a data em que fora imposta ao arguido aquela medida de coação; na verdade, à data do requerimento, haviam decorrido cinco dias desde a prolação da decisão que decretou aquela medida).
Prevê o mencionado preceito legal que “A revogação e a substituição [das medidas de coação] previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e devendo ser ainda ouvida a vítima, sempre que necessário, mesmo que não se tenha constituído assistente.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.04.2009[3], “[D]a letra do preceito resulta que não se exige a audição presencial do arguido. O vocábulo «estes» coloca no mesmo patamar a audição do Ministério Público (não fazendo sentido a sua audição presencial) e do arguido, pelo que fica claro que em causa está, tão somente, a exigência de cumprimento do princípio do contraditório. Como corolário, «salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada» o juiz só pode decidir revogar ou substituir medida de coacção depois de auscultado o arguido e o Ministério Público, com respeito pelo princípio do contraditório.”
Sobre tal disposição, anota ainda Maria do Carmo Silva Dias[4] que “[E]ssa audição relaciona-se com o direito do MP ou do arguido de se pronunciarem sobre a revogação ou substituição da medida de coação requerida ou com o direito de defesa do arguido e não com o seu direito de presença (ainda que este também seja uma forma de, no caso do arguido, exercer o seu direito de defesa). Isso significa que, nesses casos, a sua não audição constitui omissão de um direito de pronúncia, que pode também ser de defesa, pelo que se está perante uma irregularidade processual prevista no art.º 123.º (e não perante uma nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 1/d, uma vez que a omissão dessa audição não deve ser entendida como omissão de um ato a que obrigatoriamente devesse estar presente) que deve ser arguida atempadamente, sob pena de ficar sanada”.
Cumpre, todavia, notar que, no caso presente, a reavaliação da existência/subsistência dos pressupostos da prisão preventiva decorre de requerimento formulado pelo arguido. Teve este, por isso, ampla oportunidade de fazer constar daquele requerimento todos os fundamentos que entendeu relevantes para sustentar a sua posição. Em face de tal circunstância, carece de sentido exigir que se proceda a uma «nova» audição do arguido quando é ele o requerente da alteração pretendida. Na verdade, nenhum contraditório poderia exercer-se por tal via.
Como se escreveu no citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.04.2009, “Na norma em causa, em nome da conjugação do princípio do contraditório com o princípio da igualdade de armas[5] também constitucionalizado, a audição do arguido só pode ser compreendido como significando o dever do juiz ouvir as razões das partes (acusação e defesa). Tal como afirma o acórdão do Tribunal Constitucional de 6.5.93[6], «o sentido essencial do princípio do contraditório está em que nenhuma (…) decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar».
Estando em causa apenas a observância do princípio do contraditório assim definido e não um direito de audição presencial que a lei não impõe, mantém-se válida a jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.3.2000[7] quando afirma que a audição do arguido «será mesmo inútil se foi o próprio arguido quem requereu a revogação ou substituição da medida aplicada».
Efectivamente, se o arguido já teve oportunidade de expor a sua posição e argumentos a favor da tese da substituição da prisão preventiva por obrigação de permanência na habitação, não existe qualquer razão que justifique que seja novamente ouvido.”
Neste mesmo sentido se pronuncia o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.01.2013[8], no qual se lê: “A aplicação inicial de medida de coação, com exceção do termo de identidade e residência, bem como no reexame oficioso, ou na imposição de outra mais grave, deve por princípio e regra ser precedida da prévia audição do arguido - arts.194, nº 3 e 213, nº 3 do CPP e art.ºs 28º, nº 1 e 32º, nºs 1, 2 e 5 da CRP.
E compreende-se que assim seja. Trata-se de cumprir o princípio do contraditório, concedendo ao arguido a oportunidade de defesa, nomeadamente com vista, a querendo, apresentar a sua versão sobre os factos, refutar a necessidade de aplicação de outra medida mais grave e até esgrimir argumentos sobre a inadequação ou desproporcionalidade da medida preconizada.
Situação que não se verifica quando é o arguido que vem requerer a alteração da medida, pedindo medida mais suave, ou pedindo que se suavize a aplicada, como é o caso. Sendo o arguido que vem pedir a suavização da medida, certo é que no seu requerimento se pronuncia, esgrime todos os argumentos que lhe possam ser favoráveis.
Se a audição do arguido tem em vista que o mesmo não seja apanhado de surpresa e possa pronunciar-se (apresentar a sua versão) sobre os factos, em suma dar-lhe oportunidade de defesa, ao pretender-se que lhe seja dada novamente oportunidade de se pronunciar seria convidá-lo a pronunciar-se sobre os factos que ele próprio alegou.”
Em conclusão, não existe fundamento para considerar que o Juiz de Instrução deveria ter chamado o arguido à sua presença – pretensão que este, de resto, não fez constar do seu requerimento – para o ouvir reiterar os argumentos que já havia apresentado.
Neste contexto, também não se regista qualquer omissão de fundamentação quanto à inconveniência da audição – precisamente porque a audição ocorreu: o arguido apresentou os seus fundamentos no requerimento que dirigiu ao Tribunal e o Ministério Público teve oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos. E só depois de tal audição, cumprido que estava o contraditório, é que foi proferida a decisão.
Não foi, por isso, violado nenhum dos preceitos legais aplicáveis, sendo certo que, como acima se referiu, a omissão de tal audição não configura nulidade, mas apenas irregularidade, a arguir no prazo de 3 dias após o respetivo conhecimento pelo(s) interessado(s) – cf. artigo 123º do Código de Processo Penal – o que, in casu, não ocorreu, pelo que sempre teria a mesma de considerar-se sanada.
Por último, cabe dizer que inexiste qualquer nulidade insanável à luz do artigo 5º, nº 3 da CEDH.
O que a invocada disposição[9] prevê é que, “Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c)[10], do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. (…)” – ou seja, reporta-se, inequivocamente à audição do arguido subsequente à sua detenção, momento em que lhe são comunicados os motivos da mesma, sendo-lhe dada oportunidade de se pronunciar sobre os factos que determinaram tal detenção, bem como sobre as questões jurídicas que a mesma possa suscitar.
Tudo isso ocorreu previamente nos presentes autos – em 15.12.2022 – tendo o arguido sido presente ao Juiz de Instrução que aplicou a medida de coação de prisão preventiva, diligência na qual foi assistido por defensor, tendo-lhe sido facultada a oportunidade de se pronunciar sobre os factos indiciados nos autos, em cumprimento do que se dispõe nos artigos 141º e 194º, ambos do Código de Processo Penal.
Daquela disposição não decorre, como também não decorre das disposições aplicáveis do nosso Código de Processo Penal que o Juiz de Instrução deva ouvir presencialmente o arguido sempre que tenha de pronunciar-se sobre o seu estatuto coativo, designadamente, no caso de não ter ocorrido qualquer alteração das circunstâncias – sem prejuízo de o arguido poder, a requerimento seu, comunicar quaisquer elementos que entenda relevantes e solicitar a sua audição[11] (solicitação que, como já referimos, o arguido não fez).
Inexiste, pois, a invocada «nulidade», improcedendo, nesta parte o recurso.
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iv.2. Da falta de fundamentação
Argumenta o recorrente que “os despachos sob recurso não contêm factos nem razões de direito” e que “não são indicados factos concretos pelo que, ao abrigo do art.º 204º CPP, o despacho é nulo ao abrigo dos art.ºs 202 e 205 da Lei Fundamental e 97º-5 do CPP”.
Face à argumentação do recorrente, importa deixar aqui algumas precisões.
A primeira das quais, por evidente, é a de que estamos perante duas decisões com exigências de fundamentação diversas, não podendo confundir-se a decisão que apreciou a subsistência dos pressupostos da prisão preventiva com aquela outra que, na sequência da detenção do arguido, examinou os factos que a fundamentaram e as exigências cautelares impostas pelo caso e concluiu pela necessidade (e adequação e proporcionalidade) da imposição da medida de coação de prisão preventiva.
Na verdade, quando procede ao reexame (obrigatório ou não) dos pressupostos da prisão preventiva, o juiz já não se pronuncia sobre a medida de coação anteriormente escolhida, a qual (como decorre do artigo 212º do Código de Processo Penal) está sujeita à cláusula rebus sic stantibus, o que para estes efeitos significa que aquela primeira decisão (a que aplicou a medida de coação) “se mantém válida e deve permanecer imutável se, e enquanto, não ocorrerem circunstâncias de relevo que determinem a sua alteração”[12].
Como se apontou no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.03.2006[13], “as decisões que aplicam medidas de coacção estão sujeitas à condição rebus sic stantibus, no sentido de se manter a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que assentam. O que imediatamente leva a concluir que logo que verificada a alteração desses pressupostos a decisão passa a ser modificável, devendo ser proferida uma outra que mostre ser a adequada, suficiente e necessária para satisfação das exigências correspondentes. No caso de ter sido aplicada prisão preventiva a lei impõe até que, trimestralmente, seja reexaminada a persistência dos pressupostos que determinaram a aplicação dessa medida (artigo 213º, nº 1, do CPP).”
Assim, diversamente do que sucede com a decisão que aplica a medida de coação (no caso de prisão preventiva), da qual, sob pena de nulidade, tem de constar: a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; c) A qualificação jurídica dos factos imputados; d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º (cf. artigo 194º, nº 6 do Código de Processo Penal), quando procede ao reexame, não cabe ao juiz sindicar a decisão que aplicou a medida de coação, mas apenas verificar se entretanto ocorreu, ou não, uma atenuação das exigências cautelares que justificaram a imposição de tal medida de coação.
Em abstrato, é evidente que o despacho sobre a manutenção dos pressupostos da prisão preventiva, proferido nos termos do artigo 212º do Código de Processo Penal está sujeito à exigência legal de fundamentação dos despachos judiciais, imposta pelo artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e também prevista no nº 4 do artigo 97º do Código de Processo Penal.
Não obstante, é razoavelmente uniforme o entendimento jurisprudencial[14] no sentido de que tal fundamentação pode fazer-se por remissão para a decisão que determinou a aplicação da medida de coação, considerando-se retomados os argumentos aí expostos – quanto aos factos indiciados e quanto aos perigos em concreto identificados – que justificaram a imposição de tal medida.
Como ensina Maia Costa[15], “A fundamentação da decisão de reexame, quando não haja nenhuma alteração das circunstâncias desde a última decisão, satisfaz-se com a remissão para os fundamentos, de facto e de direito, do despacho que aplicou a medida de coação ou que a manteve”.
Foi o que sucedeu no caso em apreço.
A decisão que recaiu sobre o requerimento formulado pelo arguido em 20.12.2022, referenciando expressamente a diligência em que foi determinada a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva, remeteu para os indícios aí tidos em conta, e concluiu manterem-se na íntegra as circunstâncias que determinaram a imposição de tal medida de coação, não tendo o arguido aportado quaisquer dados novos (que não fossem conhecidos no momento em que aquela primeira decisão foi tomada), pelo que manteve aquela medida inalterada.
Inexiste, pois, falta de fundamentação: os factos considerados indiciados são os que já tinham sido comunicados ao arguido e o preenchimento, em concreto, dos perigos a que alude o artigo 204º do Código de Processo Penal é também o que já havia sido constatado em sede de primeiro interrogatório judicial.
Esta primeira decisão, por seu turno, contém todos os elementos a que alude o artigo 194º, nº 6 do Código de Processo Penal. Visto o auto de primeiro interrogatório e o despacho proferido na sequência do mesmo, constata-se que foram indicados, de forma muito clara, os factos considerados indiciados e a prova que os suporta (elementos que estão, aliás, reproduzidos no auto, do qual consta também que deles foi dada cópia ao arguido), tendo-se procedido à cuidada apreciação de todas as circunstâncias em presença, concluindo-se pela verificação de perigo de continuação da atividade criminosa e de perigo de perturbação da tranquilidade pública e, também, perigo de perturbação do inquérito na modalidade de aquisição e conservação da prova, mais se esclarecendo por que razão, no entender do Tribunal, apenas a medida de prisão preventiva se mostra eficaz para obstar a tais perigos, não se limitando a enunciar apenas as disposições legais aplicáveis. Ou seja, em termos formais, resulta claro que não foi omitida a fundamentação da decisão – estando a mesma disponível nos autos e acessível a todos os sujeitos processuais.
Pode, naturalmente, discordar-se da apreciação feita pelo Tribunal, quanto à suficiência dos indícios ou avaliação dos pressupostos da aplicação da medida de coação em questão – mas tal releva já da substância da decisão, não da sua forma.
Assim, independentemente de, neste passo, se concordar ou não com as decisões, é forçoso concluir que ambas se mostram devidamente fundamentadas, mostrando-se adequadamente cumprida a imposição genérica decorrente do n° 5 do artigo 97º do Código de Processo Penal, bem como do n° 1 do artigo 205° da Constituição da República Portuguesa, e, também, as exigências específicas impostas pelo artigo 194º, nº 6 do Código de Processo Penal.
Improcede, pois, o recurso também quanto a esta questão.
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iv.3. Da existência/subsistência dos pressupostos da prisão preventiva
Muito brevemente, com pertinência para a apreciação das questões sob recurso, recordamos que, nos termos do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa[16], todos têm direito à liberdade e à segurança, de harmonia com a consagração do direito à liberdade individual como um direito fundamental.
O direito fundamental a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é, porém, um direito absoluto, como os próprios instrumentos de direito internacional e a Constituição da República Portuguesa, admitem. As medidas de coação são, justamente, meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias[17].
A prisão preventiva é aplicável, quando estando fortemente indiciada a prática de algum dos crimes enumerados no artigo 202º do Código de Processo Penal, se verifique algum dos perigos previstos no artigo 204º do mesmo diploma.
Quanto aos pressupostos legais de carácter geral, (aplicáveis quer à prisão preventiva, quer a qualquer outra medida de coação diferente do TIR), referem-se à verificação de algum ou algum dos perigos enumerados nas alíneas a) a c) do artigo 204º do Código de Processo Penal: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação da investigação; c) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da atividade criminosa – que não são de verificação cumulativa.
Quanto aos pressupostos de carácter específico, encontram-se estabelecidos no artigo 202º nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, e são cumulativos: a existência de fortes indícios da prática de crime; que o crime indiciado seja doloso; que o crime indiciado corresponda a criminalidade violenta ou seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos.
A prisão preventiva é, no elenco de medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, a mais gravosa para os direitos fundamentais do arguido, dado implicar a total restrição da sua liberdade individual. Por tal razão tem natureza subsidiária e excecional, o que significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira, concretamente, para a aquisição e conservação dos meios de prova e para garantir a presença do arguido nos atos processuais, sobretudo, na audiência de discussão e julgamento.
Deve, igualmente, à semelhança das restantes medidas de coação, com exceção do Termo de Identidade e Residência, ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que, num juízo de prognose em relação ao julgamento, virão, possivelmente, a ser aplicadas.
É o que decorre das normas contidas nos artigos 191º, nº 1, 193º e 204º do Código de Processo Penal, de acordo, aliás, com os princípios constitucionais consagrados nos artigos 18º, nº 2, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
O princípio da adequação das medidas de coação exprime a exigência de que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar no caso concreto e a concreta medida de coação imposta ou a impor. Afere-se por um critério de eficiência, partindo da comparação entre o perigo que justifica a imposição da medida de coação e a previsível capacidade de esta o neutralizar ou conter.
O princípio da necessidade tem subjacente uma ideia de exigibilidade, no sentido de que só através da aplicação daquela concreta medida de coação se consegue assegurar a prossecução das exigências cautelares do caso e não de outra qualquer ou da não aplicação de qualquer delas.
O princípio da proporcionalidade assenta num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida.
Tanto no que se refere à aplicação das medidas de coação em geral, como, muito especialmente, no que concerne às medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, às quais é expressamente atribuído carácter excecional ou subsidiário, terão, pois, necessariamente, de obedecer a estes princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa[18].
É no ponto de equilíbrio entre os direitos em confronto – o direito fundamental à liberdade individual e o da realização da justiça penal (na medida em que a aplicação da prisão preventiva, como de qualquer outra medida de coação, apenas serve para garantir o normal desenvolvimento do procedimento criminal e obstar a que o arguido se exima à execução da previsível condenação), que se garante o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e se impede o livre arbítrio[19].
Feitas estas considerações de carácter geral, atentemos, então, nos argumentos a este respeito oferecidos no recurso, devendo, mais uma vez, notar-se que o recorrente se reporta indiferenciadamente a ambas as decisões que pretende questionar, sem consideração pelas diferentes circunstâncias em que são proferidas (como já acima se deixou referido).
Sustenta, então, o recorrente que não se mostram verificados os pressupostos da prisão preventiva, alegando para o efeito que “O arguido está preso há quase um mês. Inexistem os pericula libertatis:
- inexiste em concreto o perigo de fuga
- inexiste em concreto o perigo de perturbação da prova
- inexiste em concreto o perigo de continuação da actividade criminosa.”
Não dedica o recorrente uma única linha a discutir as circunstâncias de facto tidas em conta na decisão que decretou a medida de prisão preventiva (das quais extraiu, aquela decisão, a fundamentação jurídica que a sustenta). E conclui, nesse seguimento, que “A manutenção da prisão ostraciza a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Uma medida de apresentações bi-semanais no OPC ou de retenção no domicílio sob MVE satisfaz o desideratum processual pelo que, os Despachos sob recurso devem ser revogadoss e substituído por outro que aplique a medida de apresentações bi-semanais no OPC ou a MVE.” 
A este respeito, em primeira linha, tem de dizer-se que – a ser como propõe o recorrente – caso não se mostrasse verificado, em concreto, nenhum dos perigos considerados no artigo 204º do Código de Processo Penal, nenhuma medida de coação, com exceção do termo de identidade e residência, poderia ser aplicada ao arguido (nem a prisão preventiva, nem a obrigação de apresentação perante órgãos de polícia criminal, ou qualquer outra).
Comecemos, então, pelo princípio: os fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos (cf. artigo 202º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal).
O Tribunal a quo, na sequência da audição do arguido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, considerou fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C ao mesmo anexas. Fê-lo referenciando todo o acervo probatório que nessa ocasião lhe foi presente, e que vem detalhado na decisão recorrida.
A isto o recorrente nada contrapôs, não questionando na motivação do seu recurso a avaliação feita pelo Tribunal recorrido no que se refere à forte indiciação do mencionado crime.
Este Tribunal ad quem também não vê razão para discordar da avaliação constante da mencionada decisão, que, como se disse, não vem impugnada pelo recorrente.
O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de 4 a 12 anos de prisão, pelo que é de considerar preenchido o requisito imposto pela alínea a) do nº 1 do artigo 202º do Código de Processo Penal.
Vejamos, agora, os pressupostos constantes do artigo 204º do mesmo diploma legal, em que se fundou o Tribunal a quo para justificar a prisão preventiva do recorrente (que considerou verificados os perigos de continuação da atividade criminosa, de perturbação da tranquilidade pública e de perturbação do inquérito, na modalidade de aquisição e conservação da prova, e, bem assim, o perigo de fuga, contemplados nas alíneas a), b) e c) do preceito citado).
Como se disse, o recorrente, em contradição com a pretensão formuladas a final (posto que se limita a pedir a substituição da medida de coação decretada por outra menos gravosa), afirma não se verificar nenhum desses perigos.
Sem razão, porém.
Como se enfatizou na decisão recorrida, existe claro perigo de continuação da atividade criminosa, tendo em conta «que o arguido não apresenta actividade profissional estável, nem rendimentos declarados compatíveis com as quantias que lhe foram apreendidas nestes autos, ao que acresce o carácter altamente lucrativo da actividade de tráfico a que o arguido se vem dedicando», pelo menos desde setembro de 2021.
Foi também considerada demonstrada a existência de perigo de perturbação da tranquilidade pública, «atendendo aos reconhecidos malefícios para a saúde humana e face ao número de eventuais consumidores finais que abrangeriam, sendo certo que os moradores do local onde os factos ocorreram, queixam-se recorrentemente da existência de compra e venda de estupefacientes».
Mais se ponderou que, «encontrando-se os autos, ainda em investigação e importando, ainda interrogar testemunhas e identificar outras, afigura-se que existe também perigo de perturbação do inquérito na modalidade de aquisição e conservação da prova, designadamente podendo o arguido criar obstáculos à descoberta de eventuais colaboradores/fornecedores/compradores e vizinhos condicionando os respectivos depoimentos».
E, finalmente, considerou-se existir perigo de fuga, assente nas circunstâncias de o arguido não ter assumido a prática dos factos e de tanto ele como a mulher deterem passaporte marroquino válido, «o que sempre poderá facilitar a fuga».
Não discordamos da avaliação das circunstâncias em presença feita pelo Tribunal a quo.
Ainda que se possa considerar que o perigo de fuga possa não se mostrar particularmente premente, não pode deixar de se reconhecer o muito relevante perigo de continuação da atividade criminosa, atendendo, como se referiu na decisão recorrida, à intensidade da atividade já apurada nos autos – que constitui o modo de vida do arguido, bem espelhado nas quantias em dinheiro que lhe foram apreendidas, mas também na quantidade e diversidade dos estupefacientes transacionados – aliada à circunstância de não ser conhecida ao arguido qualquer atividade profissional (lícita) que lhe permita prover adequadamente ao seu sustento.
Face à natureza da atividade apurada, atento o elevado número de consumidores que se mostra fortemente indiciado terem adquirido estupefacientes ao arguido, e ao facto de a investigação se encontrar ainda em curso, havendo ainda testemunhas a inquirir (e, eventualmente, a identificar), é de considerar relevante o perigo de que o arguido possa por em causa a aquisição e veracidade da prova.
Finalmente, uma nota, ainda, acerca do pressuposto consubstanciado no «perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas».
Este pressuposto, ainda que despido do «cunho estritamente objetivo» que decorria da anterior redação deste segmento normativo da alínea c) do artigo 204º do Código de Processo Penal, deve ser insuflado ou estar relacionado com o direito à liberdade e à segurança, instituído pelo artigo 5º da CEDH, mas não apenas na perspetiva do arguido, antes também na dos cidadãos que possam ser potenciais vítimas da conduta criminosa praticada por aquele e que se encontra indiciada. Daí que este pressuposto se revele na função preventiva do processo penal face à perigosidade social revelada pelo arguido, seja mediante um controlo cautelar e pré-punitivo (medidas de coação), seja de contenção do conflito social provocado pela correspondente conduta delituosa.
Necessidade de contenção que surge evidente no caso concreto, perante a natureza e gravidade do crime fortemente indiciado, que afeta profundamente o sentimento de segurança dos cidadãos.
A gravidade objetiva do crime que vem indiciado e a previsibilidade de condenação em pena de prisão efetiva justificam, do ponto de vista da proporcionalidade, a imposição da prisão preventiva como medida coativa ao arguido. Sendo evidente que, em caso algum, será colocado a cargo do arguido o «ónus» de demonstrar a respetiva inocência – que, aliás, se presume – a verdade é que os elementos de prova que resultam dos autos são, nesta fase, claramente aptos a fazer surgir a convicção de que é significativamente elevado o grau de probabilidade de que tais factos venham a ser considerados provados em julgamento e que, nessa sequência, ao arguido venha a ser imposta pena de prisão efetiva de considerável gravidade. É, por isso, proporcional a medida de coação aplicada.
Por outro lado, tal como considerou a decisão recorrida, nenhuma outra medida se mostra adequada a afastar os aludidos perigos: nem mesmo a de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sabendo-se que não seria apta para impedir a continuação da atividade de tráfico pelo arguido a partir do seu domicílio (como sucedia, de resto).
Em conclusão, o despacho recorrido mostra-se suficientemente fundamentado e encontram-se preenchidos os pressupostos, quer os de carácter geral quer os de carácter específico, legalmente exigidos para que ao arguido recorrente pudesse ser aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida essa que, de entre o elenco das medidas de coação que a lei prevê, é a única que, por ora, se mostra capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares que o caso requer, pelo que o despacho impugnado não violou qualquer normativo legal ou constitucional, designadamente os artigos 32º da Constituição da República Portuguesa, 191º, nº 1, 193º, 202º e 204º, todos do Código de Processo Penal, nem os princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade.
E, sendo isto verdade no que se refere ao despacho que determinou a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva, há que dizer que, no requerimento em que pediu a substituição daquela medida pela obrigação de permanência na habitação, o arguido não indicou quaisquer circunstâncias das quais pudesse resultar uma atenuação das exigências cautelares já expostas (cuja existência o recorrente, verdadeiramente, não contesta), antes se limitando a elencar, genericamente, os problemas de saúde do arguido (nenhum deles recente) e a concluir, com base numa apreciação também genérica das condições existentes nos estabelecimentos prisionais portugueses, que o sistema prisional não tem condições para proporcionar ao arguido os cuidados de que carece.
A este respeito referiu o Tribunal a quo, na segunda decisão aqui sob recurso, que «As razões invocadas pelo arguido não são susceptíveis de fundamentar a alteração da medida de coacção a que está sujeito, por não configurarem uma atenuação das exigências cautelares que levaram à sua aplicação, não estando sequer os autos munidos de qualquer informação que permita concluir não estarem a ser assegurados ao arguido os tratamentos médicos necessários e adequados, cabendo às respetivas entidades diligenciar para que tal suceda».
É exata tal afirmação: os problemas de saúde do arguido manifestamente não constituíram óbice a que desenvolvesse a atividade criminosa apurada nos autos e não produzem, por isso, um efeito atenuativo das mencionadas exigências cautelares. Por outro lado, o acesso a cuidados de saúde não é excluído pela situação de prisão preventiva, mantendo todos os cidadãos nessas circunstâncias o acesso a cuidados de saúde em condições de qualidade e de continuidade idênticas às que são asseguradas aos restantes cidadãos (cf. artigos 7º, nº 1, alínea i) e 32º, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de outubro).
Não se sabe, porque não foi alegado pelo recorrente, se o mesmo faltou a alguma das consultas médicas que tinha marcadas, se não lhe foi facultada medicação de que careça, ou se requereu aos serviços competentes a prestação de cuidados de saúde que lhe tenha sido recusada.
Não obstante, sendo embora verdade que, como se apontou, o arguido preso preventivamente mantém o direito a todas as prestações asseguradas aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, a sua eventual indisponibilidade (que, repetimos, não foi alegada) não constitui fundamento adequado a obter a substituição de uma medida de coação que se mostra legalmente necessária e justificada. O que cumpre exigir e assegurar é que os cuidados de saúde que se mostrem necessários são efetivamente prestados – e para isso existem mecanismos legais, que não passam pelo recurso do despacho que manteve a prisão preventiva.
Cumpre, a este respeito, sublinhar que, como se consignou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 17.01.2006[20], “as decisões judiciais que aplicam medidas de coacção, como quaisquer outras, transitam em julgado; porém, dada a particular natureza das exigências que as justificam e a presunção de inocência do arguido, a eficácia do caso julgado, neste domínio, não é absoluta, dependendo da rigorosa manutenção dos pressupostos da respetiva decisão (rebus sic standibus); a decisão que aplica medidas de coacção, uma vez transitada em julgado, é irrevogável enquanto (e só enquanto) se mantiverem inalteráveis os pressupostos que os determinaram”.
No caso, como, bem, se ajuizou na decisão recorrida, as exigências cautelares já cuidadamente expostas nos autos não conheceram qualquer atenuação durante os quinze dias em que perdurou a prisão preventiva do arguido (até ao requerimento que motivou a segunda decisão). 
Tendo em conta que, como já acima se referiu, a segunda decisão recorrida retomou a fundamentação do despacho que determinou a sujeição dos arguidos à medida de prisão preventiva, aditando a inalteração das circunstâncias em que o mesmo assentou, não só não pode considerar-se a mesma falha de fundamentação, como também não se pode reconduzi-la a um «argumento estereotipado».
A concisão da decisão não autoriza, no caso concreto, a conclusão de que as circunstâncias presentes não foram adequadamente examinadas – se nada se alterou, não é relevante repetir ou parafrasear tudo o que já antes foi dito.
Tanto basta para que se deva considerar improcedente o recurso também quanto a este aspeto.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido JM confirmando as decisões recorridas, que se mantêm, nos seus precisos termos.
Custa pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
*
Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
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Lisboa, 07 de março de 2023
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Sandra Oliveira Pinto
Mafalda Sequinho dos Santos
Capitolina Fernandes Rosa

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[1] In CJ, XXIX, 5, 128 e CJ XXXV, 1, 132
[2] Terá querido dizer «presencial».
[3] No processo nº 458/07.7JACBR-C.C1, Relator: Desembargador Jorge Raposo, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almedina, 2021, pág. 439, §31.
[5] “O princípio traduz-se (…) na estruturação da audiência e dos outros actos instrutórios que a lei determinará, como uma discussão entre a acusação e a defesa, em que se procura também realizar a igualdade de armas entre os sujeitos do processo, cada um apresentando os seus argumentos e as suas provas, submetendo uns e outros ao controlo das razões e das provas apresentadas pelos outros sujeitos, assim participando activamente na formação da decisão que vier a ser tomada pelo juiz” (acórdão do Tribunal Constitucional nº 350/2006 de 31.5.06, em www.tribunalconstitucional.pt e jurisprudência aí referida sobre o princípio do contraditório)
[6] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 172/92 de 6.5.93, no BMJ 427, pg. 57.
[7] Colectânea de Jurisprudência XXV, T. 2, pg. 53.
[8] No processo nº 681/12.2PEAVR-B.C1, Relator: Desembargador Jorge Dias, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Com eco nos artigos 27º, nos 3, alínea b) e 4, e 28º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
[10] Ou seja, “c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido”.
[11] Como decorre, designadamente, do disposto no artigo 61º, nº 1, alíneas b) e g) do Código de Processo Penal.
[12] Maria do Carmo Silva Dias, Ob. cit., pág. 447.
[13] No processo nº 473/06-1, Relator: Desembargador Miguez Garcia, acessível em www.dgsi.pt.
[14] Vd., a propósito, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.03.2010, CJ, 2010, T2, pág.54, em cujo sumário pode ler-se: “I. É permitida a fundamentação dos actos decisórios por remissão. II. É válida a fundamentação de um despacho que proceda à reapreciação das medidas de coacção onde se aceita os fundamentos apontados no despacho que decretou inicialmente a medida, e para onde se remete, assumindo-se além disso que se reforçam os indícios por virtude da acusação entretanto deduzida”.
[15] Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 829.
[16] Tal como também decorre do já citado artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de que Portugal é parte contratante.
[17] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 254.
[18] José António Barreiros, As medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial no Novo Código de Processo Penal, Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª edição, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª edição, volume II, pág. 250, Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, vol. 1, 3ª edição, pág. 1270.
[19] Cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2019, no processo nº 65/19.1JBLSB-A.L1-3, Relatora: Desembargadora Cristina Almeida e Sousa, e de 07.01.2016, no processo nº 576/14.5GEALRF.L1-9, Relator: Desembargador Antero Luís, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[20] No processo nº 11896/05 – 5ª Secção, Relator: Desembargador Agostinho Torres.