Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2775/16.6T8ALM-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES MENSAIS
PRESCRIÇÃO
FUNCIONÁRIO BANCÁRIO
DEPOIMENTO
RELEVÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No âmbito do litígio atinente ao incumprimento de um contrato de mútuo bancário, integram depoimento indireto os depoimentos prestados por funcionários bancários que não mantiveram qualquer contacto pessoal com os mutuários, assentando a razão de ciência das testemunhas apenas na análise dos registos internos informáticos do próprio banco.
II. Tais depoimentos indiretos só terão eficácia probatória se se mostrarem complementados e/ou corroborados por outros elementos de prova objetivos e concordantes, se a credibilidade das testemunhas for confirmada por circunstâncias objetivas e subjetivas extrínsecas às testemunhas.
III. Não cabe aos tribunais presumir ou dar por adquirida a correção dos dados inseridos nos registos informáticos internos dos bancos, cabendo a estes demonstrá-la.
IV. Cabe aos grandes litigantes adotar cautelas probatórias (sobretudo documentais) na fase pré-contenciosa para alcançarem uma prova consistente na fase litigiosa.
V. Consoante jurisprudência consolidada do STJ, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e), do art. 310º do Código Civil, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, sendo que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 BB e CC vieram, por apenso aos autos de execução deduzir a presente oposição à execução, suscitando a questão da inexistência de título e da prescrição da dívida.
Pugnam, a final, pela procedência da oposição e consequente extinção da execução.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição à execução.
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«CONCLUSÕES
72°
A sentença de que ora se recorre foi notificada aos embargantes a 10 de março de 2020, sendo que os prazos foram suspensos a 9 de março de 2020.
73°
Assim, o prazo para interposição de recurso iniciou a sua contagem no dia 3 de junho de 2020, conhecendo o seu términus a 13 de julho de 2020, sendo o prazo de 40 dias para o efeito.
74°
Com o presente recurso requer-se o efeito suspensivo do mesmo, conforme possibilidade dada pelo artigo 647°, no. 4 do NCPC.
75°
Esta suspensão requer-se pelo facto de os executados serem pessoas humildes, ela reformada por invalidez e o executado marido, reformado da marinha, sendo que para conseguirem sobreviver, continua ele, marido, a ter uma segunda ocupação, o que, a ser penhorado, como o exequente já promoveu através do processo, fica a sobrevivência destes em risco, pelo que se requer que até decisão desse douto tribunal seja atribuído o efeito suspensivo, com isenção de apresentação de garantia.
76°
Da matéria constante do requerimento executivo não podemos deixar de referir os seguintes factos: a exequente refere a dado passo “os executados efetuaram o pagamento regular das prestações de amortização previstas no contrato a que estavam obrigados, até àquela que se venceu a 7/01/2002”.
77°
E continuando refere também “nos termos do contrato e da lei, com o não pagamento da prestação que se venceu em 07/02/2002, venceram-se todas as demais prestações previstas no contrato”.
E continua,
78°
“Perante o incumprimento reiterado do contrato, o exequente comunicou aos executados, através de carta que lhes remeteu em 10 de fevereiro de 2016, que considerava o contrato denunciado e que de acordo com as cláusulas contratuais, era agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o valor da cláusula penal por mora”.
Haja o que houver, é o próprio exequente que refere que desde o incumprimento por ele alegado em 07/02/2002 o mesmo só denunciou o contrato em 10 de fevereiro de 2016, isto é, 14 anos e três dias depois do incumprimento.
80°
Igualmente se refira que o tribunal deu como provado os seguintes factos:
(…)
81°
Em face do referido, se confrontarmos com a prova testemunhal havida, há erro na apreciação da prova, tanto quanto ao alegado pelo Exequente como quanto à prova gravada.
82°
A matéria para ser dada como provada, tinha que ter ou prova testemunhal demonstrando conhecimento direto dos factos onde se dissesse quando é que tais factos aconteceram, dia, mês, ano, sendo que não há em momento algum nada nem ninguém que diga quando tal aconteceu.
83°
O exequente apresentou testemunhas, mas, as mesmas, têm declarações que quanto ao momento da interpelação não podiam permitir que o tribunal a quo decidisse como decidiu no que concerne a considerar que “foram estabelecidos inúmero contactos entre o exequente e o executado, sendo que nenhuma o refere.
84°
A testemunha IMR, refere que em declarações que têm início ao minuto 07:46 e fim a 08:16 (sempre referindo-nos ao ficheiro áudio com o nome 20200219101713 19568208_2871157) referindo que “Eu não consegui aferir intervenção minha direta. Como é um caso antigo eu aferi efetivamente daquilo que estive a consultar. Havia vários contactos ou interações nos registos do Banco por parte da recuperação”.
85°
Também a segunda testemunha., apresentada pela exequente e de seu nome ER, em declarações sobre a mesma matéria, desde o minuto 13 até ao minuto 13.19, refere que “conhece pelo que consta no sistema” e depois “pelo que pude consultar no sistema”.
86°
Nenhuma das testemunhas refere quando foram feitas as interpelações, mês / ano, pois não tiveram intervenção direta nas mesmas interpelações.
87°
E diga-se que o facto de tentarem fazer interpelações não quer dizer que tenham sido conseguidas.
88.°
Foi também isso que resultou do testemunho de ER entre o minuto 14.27 e o minuto 14.40, no qual referiu que “pelo que pude consultar no sistema foram tentados vários, variadíssimos contactos telefónicos... mas alguns sem sucesso. Mas, conseguimos falar várias vezes com os clientes ao longo dos anos, sim”, nem em nenhum momento as testemunhas referem o teor das conversas.
89°
Mais referiu, entre o minuto 14.50 e o minuto 15.24 que “o contrato entra na recuperação de crédito em fevereiro de 2002 com a prestação de janeiro e fevereiro, em incumprimento. E a partir daí dão-se inícios aos contactos. Tenho presente que, pelo que pude consultar no sistema, foi falado, tentámos contactar em 2002, conseguimos falar em 2002. Em 2003 também uma vez. Em 2006 e em 2016 uma vez apenas, sim”.
90°
Tal é elucidativo de que em nenhum destes contactos estão contidos os elementos para se considerar que houve uma interrupção da prescrição nos termos referidos no Código Civil, mormente nos artigos 323° a 325°, ou seja, a matéria referida e presente nos autos bem como os que as testemunhas disseram não permite sequer referir interpelações, pois não se sabe o dia, o mês, sabendo-se muitas vezes apenas o ano e não se sabe o que foi dito, não estando assim presentes os elementos que podiam permitir referir se tinha havido interrupção da prescrição.
91°
Assim, dúvidas não há de que a matéria dada como provada que levou à decisão de considerar várias interpelações, não o poderia ser feito, como não poderia ser feito a decisão com base na mesma, de que tais factos não poderiam levar à interrupção da prescrição, isto quanto aos contactos existentes e as tentativas de resolução.
92°
Igualmente se diga que, de acordo com o que as referidas testemunhas disseram e que supra ficou transcrito, não há matéria suficiente para ser dado como provado que e passamos a citar o que diz a sentença “foi celebrado um acordo de pagamento entre as partes, o qual não foi cumprido pelos executados e foi tentado um acordo de reestruturação da dívida, o qual não foi possível porquanto os executados não forneceram os documentos solicitados pelo exequente”.
93°
Toda esta matéria não tem comprovação testemunhal direta, sendo que ambas as testemunhas referiram estar no sistema. Não o dizem nem como, de que forma, em que datas, as condições dos mesmos, ou seja, um verdadeiro deserto que não pode deixar de ser referido que a factualidade determinada pelas testemunhas não permite tal decisão.
94°
Neste sentido veja-se o testemunho de ER entre o minuto 15:40 a 16:04 onde a testemunha refere “Logo no primeiro contacto em 2002 celebrou-se um acordo de pagamento em que foi feita a promessa de regularização do incumprimento existente e tal pagamento não aconteceu.
95°
A testemunha ER, de seguida, refere-se a várias tentativas de acordos não concretizados, logo, não houve acordo. E diga-se, a contrario do que vem dito na douta sentença, de que “foi tentado um acordo de reestruturação de dívidas porque os executados não forneceram os documentos solicitados pelo exequente”, a testemunha refere e passamos a citar: “solicitámos documentos que não nos foram remetidos ou, pelo menos, não os recebemos” (sublinhado nosso), cf. declarações entre o minuto 15:24 e o minuto 16:04.
96°
E a mesma testemunha mais à frente refere de forma perfeitamente clara o que é que foi feito em 2006 pela carta enviada, cf. gravação entre os minutos 21:03 e 21:29. E passamos a citar: “Dos contactos que referiu disse-me que houve uma situação de resolução de contrato em 2006”. E a testemunha esclarece “em 2006 foi enviada uma carta, caso os clientes não pagassem seria denunciado o contrato”. Porém não se sabe em que termos o foi feito e não é uma denúncia e não se sabe se tinha os elementos ou não de uma interrupção de prescrição e tais documentos nunca chegaram aos autos de que ora se recorre, pelo que não podem ser referidos nem levados em conta, pois que, não há demonstração direta de ninguém e o facto de estar no sistema não quer dizer que tenha sido enviada, nem determina o teor e quiçá não pode o Tribunal ter essa noção, pois até podia ter havido fraude no que se incorporava no sistema, não sabemos!

Veja-se que não poderemos mesmo aceitar quem viu situações no sistema, quando o requerimento executivo refere que os executados cumpriram todas as situações até à renda que se venceu em 7 de janeiro de 2002,
98°
E temos testemunhas a dizer que viram no sistema que estava em dívida desde janeiro, conforme se demonstra no artigo 24° do presente recurso e o requerimento executivo refere desde fevereiro do mesmo ano.
99°
Igualmente se diga que contactos telefónicos não são interpelações nem se sabe qual o conteúdo dos mesmos e se os mesmos cumpriram ou não — não acreditamos que o tenham feito - os desígnios dos artigos 323° a 325° do C.C., para interrupção da prescrição, e consideramos que não que não houve qualquer interrupção da prescrição.
100°
Não houve como vimos qualquer interrupção de prescrição - erro na matéria de facto dada como provada.
101°
Como clarifica o Acórdão do STJ de 8 de julho de 2003, Proc. no. 03B2084 “2. A interrupção da prescrição do direito de crédito depende da prática de atos judiciais no próprio processo ou em outro que, direta ou indiretamente, levem a interrupção de o credor exercer a sua pretensão creditória ao conhecimento do devedor'.
102°
Em 2016 houve uma interpelação que interrompeu a prescrição, mas que prescrição? A dos Juros? Ou a do Capital?
Desta forma,
103°
E atento a que os executados foram citados para os presentes autos de que ora se recorre em 28 de maio de 2018, dúvidas não há que os juros anteriores a 28 de maio de 2013, estão prescritos a contrário do que a douta sentença, ora recorrida, decidiu.
104°
A não ser considerado assim e ser considerado que tendo havido uma interpelação em 2016, na pior das hipóteses 5 anos para trás desta, o que daria o daria o ano de 2011 e o mês de fevereiro e o dia 10,
Ou seja,
105°
Desta forma estariam prescritos todos os juros vencidos entre 7 de fevereiro de 2002 e 10 de fevereiro de 2011.
106º
A razão de ser deste prazo de prescrição de cinta duração é determinado desde logo pela Jurisprudência, pelo facto de que se pretende evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos sendo desta forma também uma proteção para o devedor contra a acumulação da sua dívida, pelo que a este respeito o saudoso Prof. Manuel de Andrade ensinava e passamos a citar “A Lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar” Teoria Geral da Relação Jurídica II 1972, Pág. 452.
107°
O hiato temporal a considerar tem que ser desde a data da citação para trás, assim estão prescritos desde já e de forma inequívoca nos termos do artigo 310°, alínea d) do C.C.
108°
Atente-se igualmente que, e conforme os executados referem na sua peça processual, também está prescrita a dívida. A este respeito veja-se o artigo 22° da Oposição à Execução.
Na verdade,
109°
Se os juros com mais de 5 anos estão prescritos, igualmente as prestações mensais estão previstas no artigo 310° alínea e) do C.C., também elas se venceram todas nas datas supramencionadas, sendo que, porém, a ser considerada desta forma a interpelação, em 2016, é inócua e sem qualquer valor.
Efetivamente.
110°
O Acórdão do STJ de 27/03/2014, disponível em www.dgsi.nt no Proc. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, refere relativamente ao débito concretizado numa quota de amortização mensal em prestações mensais e sucessivas, enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310° alínea e) do C.C., conforme se retira das considerações explicitadas por Ana Filipa Morais Antunes, inseria nos Estudos em homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, Volume III, Pág. 47, onde se refere e passamos a citar “ "...no situação prevista no artigo 310.g, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontuai dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (...)
"... constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra".
111º
Ora, de tudo o que supra ficou dito, resulta inequivocamente que o exequente a partir de 7 de fevereiro de 2002, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente iniciou- se o prazo de prescrição de 5 anos nos termos do artigo 306° no. 1 do C.C., pelo que o crédito do exequente deve considerar-se prescrito desde o dia 7 de fevereiro de 2007 e se assim for, a interpelação e todos os jutos estarão prescritos e não só os juros como todo o capital. A este respeito Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no Proc. 1583/14.3TBSTB-A.E.1.
112°
Mas, toda a análise do arauto de que ora se recorre não pode também no que ao Direito diz respeito, referir que os ora executados também na sua oposição à execução referiram que no caso dos presentes autos estávamos num processo em que não havia título executivo.
113°
Dissemo-lo e defendemo-lo tendo em conta que, para que haja título executivo necessário se torna que haja um conjunto de elementos que não estavam reunidos, sendo que, considera o exequente e bem assim a sentença de que ora se recorre, de que é um título executivo mas, salvo o devido respeito e melhor opinião não podemos concordar, pois que, o que está na base dos presentes autos é o contrato de abertura de crédito é um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. Precisando-se que este contrato, só por si, não é título executivo; pois que os atos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efetuado.
114°
É um instrumento particular de um contrato de crédito precisa de ter as duas assinaturas, o que não é em concreto e seja também apoiado por prova complementar das cláusulas nele firmadas, onde também conste a prestação mensal, o que também não acontece no caso presente e no título que está na sua base, mas, em momento algum do processo, o exequente demonstra ou prova complementarmente que disponibilizou todas as quantias efetivamente ali referidas. A este respeito veja-se acórdão enunciado no artigo anterior bem como o acórdão do mesmo Tribunal da Relação no processo 18/14.6TBMDA-A.C1.
115°
A não se considerar dessa forma, os juros peticionados estariam prescritos na nossa opinião em todos aqueles que foram computados a partir de 28 de maio de 2013, levando em conta a data da citação, a não ser assim estariam prescritos desde 10 de fevereiro de 2011
116°
Ou seja, na pior das piores hipóteses, o que só se refere por mera cautela de patrocínio, os juros entre 7 de fevereiro de 2002 e 10 de fevereiro de 2011 estariam sempre prescritos, mesmo considerando que há título executivo e que não há prescrição da dívida, o que só se refere como se disse, por mera cautela de patrocínio.
117°
Atenta a toda a factualidade referida, o douto acórdão deve ser revogado atendendo a tudo a que supra ficou demonstrado e em sua substituição, deve ser proferida decisão que considere não haver título executivo e não haver pagamento de dívida e de juros nos termos suprarreferidos.
118°
Por fim refira-se que a douta sentença ora recorrida, ao decidir da forma que decidiu violou os artigos 310°, alíneas e) e d) do C.C.
119°
Igualmente foram violados os artigos 314°, 323°, 324°, 325°, 306° no. 1, 781° todos do C.C., bem como foi violado o artigo 607°, nos. 3 e 4 do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.exas., Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência revogada a sentença do Tribunal “a quo” tudo com as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos até final, sendo proferido acórdão em que sejam os recorrentes absolvidos da dívida por a mesma estar prescrita e bem assim dos juros tudo nos termos do presente recurso e das suas conclusões assim se fazendo a costumada Justiça!»
*
Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões 81 a 99);
ii. Inexistência de título executivo (conclusões 112 a 115);
iii. Prescrição dos juros e do capital (conclusões 100 a 111).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. O ora Exequente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014.
2. Nos termos daquela mesma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, os créditos que aqui se executam, que eram da titularidade do (...), S.A., Sociedade Aberta (adiante designado apenas por “(...)”), foram transferidas para a titularidade do Banco ora Reclamante, com efeitos à data daquela deliberação.
3. No dia 7 de Março de 2001, foi celebrado entre o (...) e os Executados um contrato de Crédito ao Consumo (...), através do qual aquele concedeu a estes um empréstimo no montante de 2.684.507$00 (correspondente a € 13.390,26), conforme consta do doc. 1 que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido.
4. O empréstimo foi feito pelo prazo de 60 meses, devendo o reembolso ser realizado em prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, através de débito na conta à ordem n.º 525/00556/000.1, pertencente aos executados, conforme consta do documento 1.
5. O capital mutuado vencia juros a uma taxa de juro anual e nominal de 15,000%, correspondente a uma taxa de juro anual de encargos efectiva global inicial (TAEG) de 17,284%.
6. Caso os Executados entrassem em mora no cumprimento de quaisquer obrigações assumidas perante o (...) em virtude do contrato, a taxa moratória corresponderia à taxa remuneratória à data da mora, acrescida de dois por cento, a título de cláusula penal.
7. Os Executados efectuaram o pagamento regular das prestações de amortização previstas no contrato, a que estavam obrigados, até àquela que se venceu em 07.01.2002.
8. Nos termos do contrato, com o não pagamento da prestação que se venceu em 07.02.2002, venceram-se todas as demais prestações previstas no contrato.
9. Perante o incumprimento reiterado do contrato, o Exequente comunicou aos Executados, através de cartas que lhes remeteu em 10 de Fevereiro de 2016, que considerava o contrato denunciado e que de acordo com as cláusulas contratuais era agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo a cláusula penal por mora (doc. 2).
10. No momento do incumprimento do contrato estava em dívida o capital de € 11.790,59, vigorando a taxa de juro de 15%.
11. Porque os Executados entraram em mora, à taxa de juro supra mencionada, acresce, nos termos do contrato, a sobretaxa de 2%, perfazendo a taxa de juro o total de 17%, sendo devidos juros desde a constituição em mora.
12. As cartas juntas com o requerimento executivo foram recepcionadas pelos executados, conforme cópia dos avisos de recepção juntos com a contestação à oposição como doc. 1 e se dão por integralmente reproduzidos.
13. Acresce que, desde a data do pagamento da última prestação do contrato dado à execução pelos executados, em 07.02.2002, foram estabelecidos diversos contactos entre o (...) (e posteriormente pelo DD) e os executados.
14. Desde a data do pagamento da última prestação do contrato foram estabelecidos inúmeros contactos entre o Exequente e os executados, no sentido de se tentar encontrar um meio consensual de pagamento da dívida tendo sido celebrado um acordo de pagamento entre as partes o qual não foi cumprido pelos executados.
15. Foi tentado um acordo de reestruturação da dívida o qual não possível porquanto os executados não forneceram os documentos solicitados pelo exequente.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão da matéria de facto.
Os apelantes impugnam a decisão da matéria de facto quanto aos factos 13 a 15, pretendendo que os mesmos sejam revertidos para não provados (cf. conclusões 81 a 100).
Os apelantes deram cumprimento suficiente aos ónus do Artigo 640º do Código de Processo Civil, sendo certo que o STJ vem entendendo que, na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.[3]
O tribunal a quo fundamentou a decisão de facto nestes termos:
«O Tribunal formou a sua convicção em relação aos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos de execução, e aos presentes embargos.
Ainda, levou em consideração as declarações das testemunhas do exequente as quais confirmaram o teor dos documentos e os contactos existentes entre as partes com vista à resolução do incumprimento. As testemunhas revelaram conhecimento directo tendo as suas declarações merecido credibilidade.»
Vejamos.
No julgamento, só foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela exequente.
A testemunha IMR é gerente bancária da  desde 2000, sendo gerente da agência para a qual foi remetido o processo de crédito original, proveniente de um balcão que foi extinto. Perguntada sobre qual a sua intervenção no caso, respondeu que “não consegui aferir intervenção minha direta” no caso, tendo-se limitado a consultar os registos informáticos internos do banco, declarando que de tais registos constam as tentativas de contacto com os executados, em várias datas que não concretizou, bem como a tentativa de reestruturação dos valores que depois o cliente não cumpriu. Relatou que, neste tipo de contratos, o procedimento normal era, após o incumprimento da segunda prestação, remeter o processo para a recuperação de crédito. Este departamento tinha recuperadores externos que poderiam contactar com os clientes.
A testemunha ER trabalha na recuperação de crédito desde 1.8.2001, não tendo tido qualquer contacto pessoal com os executados, só sabendo o que pode “consultar pelo sistema” informático.  Afirma que, “pelo que pude consultar no sistema”, foram tentados vários contactos telefónicos com os executados, tendo os funcionários conseguido falar com os exectuados em 2002, 2003 (uma vez), em 2006 ( uma vez) e em 2016 (uma vez). Aquando do primeiro contacto em 2002, foi celebrao um acordo de pagamento que não foi cumprido. Foram tentados vários acordos, “solicitámos documentos que não nos foram remetidos ou, pelo menos, não os recebemos”. Mais afirmou que a última tentativa foi a proposta de reestruturação em que solicitámos documentos para análise e não recebemos a documentação. Mais declarou que, em 30.6.2006, os executados fizeram um pagamento multibanco no valor de € 600.
As testemunhas em causa não tiveram intervenção pessoal e direta nos factos relatados, sendo a sua razão de ciência o conhecimento dos registos informáticos internos do banco. Tais registos não foram juntos aos autos, decorrendo implicitamente dos depoimentos prestados que os registos foram sendo inseridos por funcionários do banco precisando o teor e âmbito dos contactos entabulados com os devedores/executados. Não estando os registos juntos aos autos, desconhece-se se o modus operandi invocado implicará, ou não, a anotação do nome e/ou código identificativo do funcionário que alegadamente fez cada contacto bem como até que ponto tais registos são pormenorizados.
Neste contexto, os depoimentos prestados são indiretos, definindo-se o depoimento indireto como aquele em que «a testemunha tem conhecimento de um facto através do que lhe transmitiu um terceiro (através de uma representação oral, escrita ou mecânica), não provindo o conhecimento da testemunha sobre o facto da sua perceção sensorial imediata» - Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Noções de Psicologia do Testemunho, Almedina, 2020, p. 221.  Conforme se refere nesta obra a pp. 240-241:
«Em Itália, a doutrina e a jurisprudência maioritárias têm confluído quanto à admissibilidade e valoração da testemunha indireta, nos termos que se explanam de seguida.
A testemunha indireta propicia uma narração de segundo grau, tendo uma eficácia probatória bem menor do que a que assiste a uma testemunha direta. Há que distinguir entre três situações:
a) A testemunha indireta tem como fonte um terceiro estranho à lide;
b) A testemunha indireta tem como fonte uma parte que produziu declarações favoráveis a si própria;
c) A testemunha indireta tem por fonte uma parte que produziu declarações desfavoráveis a si própria.
Na situação enunciada sob a), a testemunha indireta integra uma prova meramente indiciária, que poderá adquirir relevância através do cotejo com outras circunstâncias objetivas e concordantes que corroborem a sua credibilidade de molde a influenciar o convencimento do juiz. Na expressão de Luigi Comoglio, “O depoimento feito pela testemunha indireta com base em factos apreendidos de terceiros apresenta um perfil de relevância probatória atenuada, justamente porque indireta, mas é livremente utilizável pelo juiz, no âmbito da sua livre apreciação [“prudente apprezzamento”], desde que concorra com outros elementos de prova objetivos e concordantes, capazes de corroborarem a sua credibilidade global.”[4]
O juiz poderá convocar o terceiro que é a fonte para inquiri-lo e, assim, conseguir um testemunho pleno (Artigo 257º, nº1, do CPC Italiano, equivalente ao nosso Artigo 526º, nº1, do CPC).
Na situação descrita sob b), denominada de testemunha de relato ex parte, tal testemunha por si só, sem o conforto de outros elementos, não tem valor probatório nem sequer indiciário, e a sua relevância processual é substancialmente nula. Tal testemunha só alcançará eficácia probatória na condição de concorrerem circunstâncias objetivas e subjetivas extrínsecas à testemunha, que confirmem a sua credibilidade, ou desde que outros resultados probatórios corroborem o seu relato, especialmente quando o depoimento versa sobre comportamentos íntimos e reservados das partes, insuscetíveis ex se de perceção direta por testemunhas ou até de uma investigação técnica determinada ad hoc pelo juiz.[5]
 A testemunha indireta tem aqui o valor de fonte subsidiária de prova.[6] Na explicação de Comoglio, a testemunha indireta pode adquirir aqui uma relevância limitada, qual fonte de meros indícios (factos-base de uma presunção), e - como tal -utilizável pelo juiz na formação do seu convencimento sem qualquer hierarquia pré-constituída de fontes probatórias, desde que o testemunho indireto seja confirmado  por outros elementos autónomos, precisos e concordantes, que vêm corroborar a credibilidade global do relato da testemunha indireta.[7]
(…)
Feito este excurso doutrinário e jurisprudencial, entendemos que não pode ser afastada a admissibilidade da testemunha indireta porquanto tal colidiria com um sistema misto, mas em que livre apreciação da prova é preponderante.
Se durante o julgamento, uma testemunha relata factos tendo como fonte outra testemunha não arrolada, sendo tais factos relevantes para a apreciação de mérito, cabe ao juiz exercer o poder-dever que lhe é conferido pelo Artigo 526º, nº1, do CPC (não se tratando de um poder discricionário) e convocar a testemunha-fonte para ser ouvida. No processo civil, à semelhança do processo penal (Artigo 129º), o legislador faculta ao julgador um meio processual para inquirir a testemunha-fonte, sempre no intuito de exaurir o primado da melhor prova disponível.
Sendo a testemunha indireta admitida no processo penal nos termos já analisados, e sendo o processo penal mais garantístico em virtude da presunção da inocência do arguido, será admissível a testemunha indireta no processo civil sempre que se verifiquem os requisitos da sua admissibilidade no processo penal. Opera aqui um incontornável argumento da maioria de razão.
Abaixo desse patamar de admissibilidade, cremos que devem ser acolhidas as linhas gerais da posição maioritária da doutrina e jurisprudência italianas, sem prejuízo do que segue.
 De facto, existem factos com relevância processual que são, pela sua própria natureza e condicionalismo, insuscetíveis de prova testemunhal direta, de prova documental, inspeção judicial e mesmo de prova pericial. Neste tipo de condicionalismos, os únicos meios probatórios admissíveis são as declarações de parte (Artigo 466º do atual CPC) e as testemunhas indiretas
Revertendo ao caso em apreço, os depoimentos indiretos prestados não se mostram complementados e/ou corroborados por outros elementos de prova objetivos e concordantes, nem a credibilidade das testemunhas está confirmada por circunstâncias objetivas e subjetivas extrínsecas às testemunhas. Na verdade, além de se desconhecer o teor dos registos internos informáticos (que não se mostram juntos sequer por cópia), as testemunhas nada precisaram sobre: a fiabilidade da metodologia que é adotada na sua elaboração; se cada contacto está identificado com o seu protagonista, como é este identificado; que pormenorização é feita no dito registo, etc. Não cabe aos tribunais presumir ou dar por adquirida a correção dos dados inseridos nos registos informáticos internos dos bancos, cabendo a estes demonstrá-la. E quando a isto, as testemunhas nada adiantaram, partindo do pressuposto da correção dos dados que afirmam ter lido. A título exemplificativo, a segunda testemunha chegou a indicar um pagamento com data específica através de Multibanco, mas também este documento (elemento objetivo) não se mostra junto aos autos. Note-se que a demonstração documental de tal pagamento integraria, sem mais, uma interrupção da prescrição (cf. Artigo 325º, nº1, do Código Civil).
É certo que a contratação em massa (crédito ao consumo) se distancia da contração única e muito negociada. Todavia, cabe aos grandes litigantes adotar cautelas probatórias (sobretudo documentais) na fase pré-contenciosa para alcançarem uma prova consistente na fase litigiosa. O banco mutuante atua nas vestes de um profissional, devendo adotar cautelas probatórias em conformidade com tal exercício profissional. Não é por acaso que, por exemplo hoje em dia, os contactos telefónicos com este tipo de sociedades (que contratam em massa) são, normalmente, objeto de pedido de gravação áudio.
Flui de todo o exposto que, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, concluímos que a prova, designadamente testemunhal, produzida é insuficiente para dar como provados os factos 13, 14 e 15, os quais são revertidos para não provados.
Inexistência de título executivo.
Os apelantes persistem na tese da inexistência de título executivo por duas ordens de razões: (i) trata-se de um contrato de abertura de crédito que exige a prova complementar demonstrativa de atos subsequentes de desembolso e (ii) o contrato não tem a assinatura por parte do banco (conclusões 112ª a 114ª).
Nos termos do Artigo 46º, nº1, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, podem servir de base à execução «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto
Ora, título executivo junto à execução é constituído por uma carta emitida pelo (...), com data de 7.3.2001, dirigida ao executado, nos termos da qual o assunto é identificado como “Crédito ao Consumo”, afirmando-se na carta que foi aprovado o empréstimo no valor de PTE 2.684.507, a pagar em 60 meses, com a taxa de juro de 15% (cf. ainda, factos provados sob 3 a 6).  Os executados subscreveram tal carta sob “Damos o nosso acordo”, sendo que na parte atinente ao Banco a carta não se mostra subscrita.
Todavia, conforme refere Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 206, os requisitos são os seguintes: «assinatura pelo devedor, dispensando-se a assinatura pelo credor», sendo esse o caso.
Ao contrário do que referem os apelantes, não se trata de contrato de abertura de crédito. A abertura de crédito é o contrato «pelo qual uma das partes (o creditante), por via de regra, um banco, se obriga a conceder à outra (creditada) crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo à creditada decidir-se, quanto e em que termos vai utilizar o benefício posto à sua disposição. Trata-se de um contrato meramente consensual que se completa com o mero consenso das partes, sem necessidade de entrega de dinheiro ou outra coisa, e que pode inclusivamente extinguir-se, sem que o beneficiário do crédito tenha levantado qualquer quantia por conta dele” - A. VARELA, RLJ, Ano 114º, p. 116. Do documento em causa não ressaltam tais características, derivando do mesmo que a entrega do capital foi efetuada de uma só assentada.
Em 2001, o Artigo 1143º do Código Civil (redação do Decreto-lei nº 163/95, de 13.7) exigia a forma de escritura publica ou documento particular autenticado para mútuos superiores a PTE 3.000.000, não sendo esse o caso.
Termos em que se conclui pela improcedência da apelação nesta parte.
Prescrição dos juros e do capital
Resulta da matéria de facto provada que os executados efetuaram o pagamento regular das prestações de amortização previstas no contrato, a que estavam obrigados, até àquela que se venceu em 7.1.2002 (facto 7). Mais se encontra provado que: «Nos termos do contrato, com o não pagamento da prestação que se venceu em 7.2.2002, venceram-se todas as demais prestações previstas no contrato
Este clausulado contratual corresponde ao teor do Artigo 781º do Código Civil, nos termos do qual «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta da realização de uma delas importa o vencimento de todas
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.4.2021, Cura Mariano, 723/18:
«Este dispositivo [artigo 781º] aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.
Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações, constituindo, com essa interpelação, o devedor em mora, relativamente às prestações vincendas.»
No mesmo sentido, cf.: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.1.2021, Tibério Silva, 6238/16; Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral,  Universidade Católica Editora, 2018, p. 1071 («Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas»); António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, CIDP, Almedina, 2021, p. 986.
No período que mediou entre 7.1.2002 e 9.2.2016, não está provada qualquer atuação/interpelação do mutuante face aos mutuários. Ou seja, nesse período, não está demonstrado que o mutuante tenha exercido a faculdade de interpelar os mutuários exigindo o pagamento de todas as prestações.
Nos termos acordados, o mútuo devia ser reembolsado em sessenta prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, através de débito em conta à ordem (facto 4), pelo que as prestações se foram vencendo mensalmente, sendo que a última prestação se venceu em 7.3.2006 (sessenta meses após 7.3.2001).
Nos termos do Artigo 310º, al. d), do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades. E, nos termos da al. e), prescrevem no mesmo prazo as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Em análise à al. e), refere Ana Filipa Morais Antunes, “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Separata de “Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia”, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 47, acessível em https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/Algumas-questes-sobre-prescricao-e-caducidade/5279/ :
«(…) o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310. ° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objeto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remu­neratórios.
Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será apli­cável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309. ° do C.C.
Na verdade, na situação prevista no artigo 310.°, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida.
Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra
A jurisprudência do STJ sobre o âmbito desta alínea e) do Artigo 310º do Código Civil tem sido clara. Assim:
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.4.2021, Graça Amaral, 1736/19:
I - O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fracionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas frações: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
II - Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as frações.
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.4.2021, Pinto Oliveira, 5329/19:
Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do art. 781.º do Código Civil, não prejudica a aplicação do prazo do art. 310.º do Código Civil.
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.5.2021, Lima Gonçalves, 3522/18:
I — Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização.
II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
III. — A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2021, Fernando Samões, 15273/18:
I. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil.
II. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.1.2021, Maria Vaz Tomé, 20767/16:
I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado.
II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.
III - De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.
IV - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”.
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.1.2021, Tibério Silva, 6238/16:
I. Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respetivo pagamento.
II. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
III. A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.
§ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.9.2020, Rijo Ferreira, 805/18:
Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
Consoante se refere neste último aresto:
«O vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.
Por outro lado, se é certo que se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor) não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, tendo em vista, numa ótica do ‘favor debitoris’ imanente ao CCiv, evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação do devedor.»
Decorre desta jurisprudência consolidada do STJ, que subscrevemos, que as quotas de capital e juros remuneratórios do mútuo acordado prescreveram na sua totalidade cinco anos após o vencimento da última prestação (de 7.3.2006), ou seja, em 7.3.2011. Acresce que, mesmo que se considerasse que a totalidade das prestações se tinham vencido em 7.2.2002 (cf. facto 7; solução que afastámos supra), tal prescrição também ocorreria, mas ainda mais cedo, em 7.2.2007, uma vez que o vencimento antecipado não afasta a aplicação da regra da al. e), do Artigo 310º do Código Civil.
O banco mutuante só interpelou os mutuários, exigindo o pagamento de todas as prestações, incluindo a cláusula penal por mora, através das cartas que lhes remeteu em 10.2.2016, rececionadas pelos executados (factos 9 e 12). Nessa data, já estavam prescritas a totalidade das prestações do mútuo acordado, consoante acabámos de analisar.
Subsequentemente, a execução foi instaurada em 1.4.2016, não tendo por efeito a interrupção do prazo de prescrição em 6.4.2016 (ex vi Artigo 323º, nº2, do Código Civil) uma vez que os prazos de prescrição já estavam todos esgotados.
Termos em que deve proceder a apelação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência:
a) Revoga-se a sentença proferida;
b) Julga-se procedente a oposição à execução com fundamento na prescrição da dívida, ordenando-se a extinção da execução contra os executados.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 6.7.2021
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).

[3] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.3.2018, Ferreira Pinto, 5074/15, de 12.7.2018, Ferreira Pinto, 167/11, de 11.9.2019, Ribeiro Cardoso, 42/18, de 3.10.2019, Rosa Tching, 77/06, de 5.2.2020, Pinto de Oliveira, ECLI:PT:STJ:2020:3920.14.1TCLRS.S1, de 4.6.2020, Rijo Ferreira, 1519/18, de 9.2.2021, Maria João Tomé, 26069/18, de 11.2.2021, Graça Trigo, 4279/17, de 6.5.2021, Pinto Oliveira, 618/18.
[4] Le Prove Civili, Terza Edizione, UTET, 2010, p. 574. Cfr., a título exemplificativo, Cassazione civile, Sez. I, 3 aprile 2007, n. 8358 e Cassazione Civile, Sez II, 26 aprile 2012, nº 6519.
[5] É, por exemplo, o caso dos processos de divórcio em que o Supremo Tribunal de Justiça Italiano admite as testemunhas indiretas como meio de prova da culpa da separação e/ou do adultério – cfr. Acórdão nº 6697 de 19.3.2009, http://www.studiolegaleluongo.it/blog/la-testimonianza-indiretta-e-valida-quale-prova-ai-fini-della-dichiarazione-di-addebito/.
[6] Isidoro Barbagallo, La Prova Testimoniale, Nei Procedimenti Civili e Penali: Diritto e Metodologia Probatoria, Giuffrè Editore, Milano, 2002, p. 267.
[7] Le Prove Civili, Terza Edizione, UTET, 2010, p. 575.