Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
308/19.1T8OER-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
NULIDADE
DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O recurso ao diferimento da desocupação de imóvel, constitui um meio de tutela excepcional concedido ao arrendatário habitacional, conforme decorre do disposto no nº1 do artº 864 do C.P.C. (extensível à entrega da habitação habitual do insolvente, por remissão do artº 150 nº5 do CIRE).
II- Para que possa ser deferido este incidente, terá de se verificar uma das seguintes situações, previstas no artº 864 nº2 do C.P.C.: no caso de resolução do contrato por não pagamento de rendas, que este se deva a carência de meios do arrendatário, presumindo-se que esta carência existe quando o arrendatário beneficie de subsídio de desemprego, de valor igual à retribuição mínima mensal garantida ou de rendimento social de reinserção (al. a); ser o arrendatário portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (al. b).
III- Não é admissível o recurso a este incidente, quando em causa estiver a restituição de imóvel, em consequência de declaração de nulidade de contrato (de arrendamento verbal para habitação do executado), por não enquadrável no disposto na alínea a) do nº2 do artº 864 do C.P.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 18/06/19, A veio, por apenso à execução de sentença contra si intentada por B, deduzir incidente de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, por período não inferior a cento e oitenta dias, invocando o disposto nos artigos 864º e 865º do Código de Processo Civil, para tanto alegando, em síntese, que, tal como a sua companheira, se encontra actualmente desempregado, inscrito no centro de desemprego desde Setembro de 2017, auferindo o rendimento social de inserção no valor mensal de € 606,09, encontrando-se portanto em situação de carência económica, a que acresce o facto de sofrer de problemas de saúde, considerando assim verificado o requisito contido no artº 864 nº2 a) do C.P.C., por a falta de pagamento das rendas se dever a carência de meios económicos, justificando-se impor à proprietária e exequente o retardar da entrega do imóvel.
                                                *
Notificada do incidente, veio a exequente opor-se ao peticionado, alegando viver com profundas dificuldades face à ausência de pagamento, desde Abril de 2017, das rendas devidas pela ocupação do imóvel que lhe pertence, mais invocando que aufere uma reforma no valor de € 1.088,00, suportando renda de casa no valor de € 250,00, tendo ainda a seu cargo um filho com problemas psíquicos.
Por último alega que, desde o trânsito em julgado da sentença dada à execução, ocorrido em Janeiro de 2019, o executado nada fez para desocupar a residência, nem indica que tenha iniciado diligências para tanto, procurando apenas dilatar no tempo, o mais possível, a entrega.
                                              *
De seguida, com data de 05/07/19, veio o tribunal recorrido a proferir decisão, nos termos do qual considerando desnecessária a produção de outras provas, mormente a inquirição da companheira do executado, como testemunha, e a tomada de declarações de parte ao mesmo, e tendo em conta ainda que pela parte contrária não foram arroladas testemunhas”, indeferiu o incidente de desocupação do locado suscitado pelo executado.
                                                  *
Notificado deste despacho veio o requerente interpor recurso do mesmo em 26/07/2019, formulando afinal as seguintes:
“CONCLUSÕES
A – Por douta SENTENÇA proferida no Processo em referência, que por economia de escrita se pede a Vossas Excelências para a darem, aqui e agora, por integralmente reproduzida, foi indeferido o INCIDENTE DE DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO de imóvel para habitação referente ao 1.º andar sito na Rua Adelino Amaro da Costa, n.º  , Paço de Arcos, deduzido pelo Recorrente contra B.
B – Sem a produção de quaisquer outras provas, nomeadamente a inquirição da testemunha e a tomada de declarações de parte e o Relatório da Médica de Família protestado juntar, impôs a mesma Sentença a entrega do imóvel à Requerida/exequente após o trânsito em julgado do presente Incidente.
C - Pois que o Recorrente deduziu o presente incidente de diferimento da desocupação do referido imóvel arrendado para habitação, por período não inferior a cento e oitenta dias ao abrigo do disposto nos artigos 864.º e 865.º do Código de Processo Civil.
D – Ora, refere a Sentença recorrida, que no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.
E - E ainda, transcrevendo o artigo 864.º do CPC que “O diferimento da desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências de boa- fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a sua situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifiquem algum dos seguintes fundamentos:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;”
F - O recorrente não pode assim conformar-se com a Decisão, pelo que dela vem interpor o presente recurso.
G - No caso em apreço, tal como refere a Sentença recorrida, está em causa a previsão de a falta de pagamento das rendas se dever a carência de meios do arrendatário.
H – Presumindo a lei uma ligação causal entre a falta de pagamento e a carência de meios quando o arrendatário beneficie de subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção.
I – O recorrente provou que:
- é de nacionalidade romena.
- vive em união de facto com Corina ….., também de nacionalidade romena
- os dois se encontram desempregados.
- aufere o casal apenas o Rendimento Social de Inserção no valor mensal de 606,09€ (seiscentos e seis euros e nove cêntimos).
- têm em comum 3 filhos menores, crianças com 5, 3 e 1 ano e sete meses.
- ao rendimento acima referido acresce apenas o abono de família referente aos três menores
- é com dificuldade que vivem.
- o recorrente não está bem de saúde, tendo o mesmo protestado juntar mais a Declaração da Médica de Família, logo que lhe fosse disponibilizada o que espera que aconteça até ao final do presente mês.
- O recorrente provou assim que a falta de pagamento das rendas se deve a carência de meios económicos.
- não dispõe imediatamente de outra habitação e precisa de tempo para procurar um alojamento alternativo para si, sua companheira e três crianças de tenra idade.
J – O que, atento o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a idade das crianças e o rendimento que o mesmo dispõe, é difícil de conseguir.
K – A Sentença recorrida refere que “ (…) encontra-se demonstrado nos autos que:
5. o executado e respetivo agregado familiar, composto pela companheira do executado e três filhos menores, mantêm-se, até à presente data, a ocupar a fracção referida em 2.;
6. O executado encontra-se inscrito no Serviço de Emprego de Cascais, como candidato a emprego e na situação de desempregado à procura de novo emprego, desde 11.09.2017;
7. A companheira do executado, Corina …., encontra-se inscrita no Serviço de Emprego de Cascais, como candidata a emprego e na situação de desempregada à procura de novo emprego, desde 29.09.2015;
8. O executado aufere rendimento social de inserção pelo valor mensal de € 606,91;
9. O executado foi observado em consulta de oftalomologia e apresenta diminuição franca das acuidades visuais, mesmo sob correcção, e tem indicação para cirurgia.”
L – Estão assim preenchidos os fundamentos do artigo 864.º do Código de Processo Civil.
M - Sendo pressuposto do direito ao diferimento da desocupação a verificação de razões imperiosas que o justifiquem.
N - Sendo que nestes casos excecionais, justifica-se impor ao proprietário, aqui exequente, o retardar do cumprimento da obrigação de entrega do imóvel por motivos que se prendem com a dignidade humana.
O - A Lei confia a decisão ao prudente arbítrio do Tribunal, apontando critérios decisórios, estabelecendo que devem ser tomadas em consideração “as exigências da boa fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas”.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o muito douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser considerado procedente, por provado, e, em consequência ser substituída a Decisão recorrida, determinando-se por razões imperiosas, nos termos dos artigos 864.º e 865.º do CPC, o diferimento da desocupação da fracção autónoma objeto dos presentes Autos de Execução, por período nunca inferior a 180 dias.
Mais deverá ser oficiado o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para pagar à Senhoria,
Exequente, as rendas correspondentes ao período de diferimento.
Estamos certos de que Vossas Exas. farão a tão costumada Justiça.”
                                            *
Pela exequente foi declarado renunciar ao direito de interpor contra-alegações.
                                                 *
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, o thema decidendo consiste em apurar:
-se se verificam os requisitos previstos no artº 864 do C.P.C., para o diferimento da desocupação deste imóvel, com fundamento no disposto no seu nº 2 a).
                                                *
MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto elencada pela primeira instância e a considerar é a seguinte:
1. Nos autos de execução a que estes estão apensos foi dada à execução a sentença proferida em 27.11.2018, no processo nº 1123/18.5T8OER, do Juízo Local Cível de Cascais - Juiz 2, transitada em julgado em 15.01.2019;
2. Nos termos de tal sentença foi declarada a nulidade, por falta de forma escrita, do contrato de arrendamento para habitação celebrado em Novembro de 2016 entre a exequente e o executado, aquela na qualidade de senhoria e este na qualidade de inquilino, referente à fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 1.º andar direito do prédio sito na Rua Adelino Amaro da Costa, n.º    , freguesia de Paço de Arcos, descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Oeiras sob o n.º 66 da mencionada freguesia, e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias;
3. Ainda nos termos de tal sentença foi o executado condenado no pagamento à exequente da quantia de € 3.520,00 (três mil quinhentos e vinte euros), acrescida do valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) por cada mês de ocupação da dita fracção, a partir de Abril de 2018, inclusive, acrescida de juros de mora contados desde a citação, até à sua entrega efectiva, a título de indemnização pela sua utilização, bem como a entregar tal fracção à exequente;
4. No aludido contrato de arrendamento, objecto da sentença dada à execução, havia sido convencionado que o executado pagaria à exequente, como contrapartida pela utilização da referida fracção autónoma, a quantia mensal de € 350, que o mesmo deixou de pagar a partir de Abril de 2017;
5. O executado e respectivo agregado familiar, composto pela companheira do executado e três filhos menores, mantêm-se, até à presente data, a ocupar a fracção referida em 2.;
6. O executado encontra-se inscrito no Serviço de Emprego de Cascais, como candidato a emprego e na situação de desempregado à procura de novo emprego, desde 11.09.2017;
7. A companheira do executado, Corina ….., encontra-se inscrita no Serviço de Emprego de Cascais, como candidata a emprego e na situação de desempregada à procura de novo emprego, desde 29.09.2015;
8. O executado aufere rendimento social de inserção pelo valor mensal de € 606,91;
9. O executado foi observado em consulta de oftalmologia e apresenta diminuição franca das acuidades visuais, mesmo sob correcção, e tem indicação para cirurgia.
                                                *
DO DIREITO
Vem o recorrente impetrar a revogação da decisão proferida na primeira instância, alegando que estão verificados os requisitos contidos nos artºs 864 e 865 do C.P.C., os quais impõe, ao contrário do decidido em primeira instância, que seja deferida a desocupação do locado, uma vez que se presume a carência de meios do arrendatário (e o nexo de causalidade entre esta carência e a falta de pagamento das rendas), não estando ilidida a presunção em apreço.
Assim, a única questão objecto deste recurso e a considerar é a de saber se estão verificados os requisitos para o diferimento da desocupação, nos termos previstos no artº 864 nº2 a) do C.P.C, ou seja imóvel arrendado para habitação, cujo contrato tenha sido resolvido por falta de pagamento de rendas, decorrente da carência de meios do arrendatário.
Decidindo:

Conforme decorre expressamente do disposto no artº 864 do C.P.C., movida execução para entrega de imóvel arrendado para habitação, possibilita-se ao inquilino/executado, que venha a juízo requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para fim habitacional, devendo formular o seu requerimento no mesmo prazo de oposição à execução, nele invocando as razões pelas quais deva ser concedido este diferimento, que nos termos previstos no artigo 865 nº 4 do C.P.C., não deve exceder um prazo superior a 5 meses, a contar da data do trânsito em julgado da decisão.
Sendo oportunamente apresentado e não existindo razões para o seu indeferimento liminar, produzidas as provas indicadas e julgadas necessárias, uma vez que a lei (nos termos do artº 130 do C.P.C.), proíbe a prática de actos inúteis, deve o juiz decidir de acordo com o seu prudente arbítrio, tendo sempre em conta as exigências de boa fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam e respectiva idade, o seu estado de saúde, bem como as condições económicas e sociais das pessoas envolvidas.
No entanto, “a invocação das referidas “razões sociais imperiosas” não vale, só por si, para obter a tutela legal, que pressupõe a verificação de pelo menos um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas als. a) e b) do preceito.Com efeito, o juiz só será chamado a apreciar as primeiras, no uso do poder discricionário que a lei lhe concede (cf. n.º 4, in fine do artigo 152.º do CPCivil), se verificada uma de duas situações atinentes à pessoa do arrendatário (…) a saber: a) carência de meios, a qual se presume relativamente a beneficiário do subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (cf. n.º 2 do art.º 864.º).[1]
Exige-se assim, para que se possa recorrer a esta faculdade que se trate de imóvel arrendado para habitação, conforme decorre expressamente do disposto no nº1 do artº 864 do C.P.C., uma vez que, a propósito de imóveis que não tenham sido objecto de arrendamento para habitação, rege o disposto nos artºs 861 a 863 do C.P.C., os quais regulam o incidente de suspensão de entrega do imóvel (com requisitos diversos e diversa tramitação, da competência do agente de execução, objecto apenas de confirmação pelo juiz da causa).
Assim sendo, estando este direito reservado ao arrendatário habitacional, pretendendo este obter o diferimento da entrega do locado, deverá invocar a verificação de uma das seguintes circunstâncias:
-no caso de resolução do contrato por não pagamento de rendas, que este se deve a carência de meios para tanto, presumindo-se que esta carência existe quando o referido arrendatário beneficie de subsídio de desemprego, de valor igual à retribuição mínima mensal garantida ou de rendimento social de reinserção;
-ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
No caso de este incidente ser deferido, com fundamento na alínea a) do nº2 do artº 864 do C.P.C., cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando sub-rogado nos direitos do senhorio.
Deste preceito decorre, que é condição necessária ao diferimento da desocupação nos termos previstos no nº2 a) do artº 864 do C.P.C., que em causa esteja a entrega de imóvel arrendado para habitação, objecto de resolução por falta de pagamento de rendas, bem como a carência de meios económicos do obrigado a proceder ao seu pagamento, causal dessa falta de pagamento.
Ora, no seu requerimento para diferimento da desocupação deste imóvel, alegou o executado, no que ao caso importa, que a falta de pagamento das rendas do locado decorreu de carência de meios, o que se presume, uma vez que aufere rendimento social de inserção, estando, quer ele quer a sua companheira, na situação de desempregados, ela desde 2015, ele desde Setembro de 2017, mais alegando que reside no locado com três menores, acrescentando sofrer de problemas de visão.
Não estando colocada a questão de o executado sofrer de incapacidade superior a 60%, conforme previsto na alínea b) (comprovada pelo respectivo atestado de incapacidade), entendeu a decisão recorrida, dos factos que considerou como assentes considerando desnecessária a produção da demais prova indicada pelo requerente[2], que também não estão reunidos os requisitos da alínea a) e, em qualquer caso, que não se verificam as exigências gerais de boa fé, uma vez que, “o executado deixou de pagar as rendas à exequente, pelo arrendamento da fracção em causa, e onde ainda se mantém, em Abril de 2017, desconhecendo-se, porque tal não foi sequer alegado, quando se verificou a sua situação de desemprego. O certo é que, conforme se apurou por referência aos documentos juntos pelo próprio, este encontra-se inscrito no Serviço de Emprego de Cascais desde Setembro de 2017, sendo certo que a falta de pagamento se iniciou seis meses antes. Assim, por falta de alegação do executado, e tendo em conta o teor do documento pelo mesmo fornecido aos autos, não é possível concluir que a falta de pagamento das rendas, à exequente, se tenha devido a carência de meios e, designadamente, à sua situação de desemprego, pois que apenas seis meses depois de deixar de pagar as rendas devidas se inscreveu como desempregado à procura de novo emprego.
Por outro lado, a presunção estabelecida na parte final da alínea a) do nº 2 do artigo 864º do CPC não tem aplicação ao caso vertente. Na verdade, se bem que o executado aufira rendimento social de inserção, pelo valor mensal de € 606,91, esta realidade, por si só, tem que ser conjugada com a cláusula geral da boa fé contida no corpo do preceito legal referido.
Com efeito, sabendo o executado que, desde o trânsito em julgado da sentença, ocorrido em Janeiro de 2019, tinha que proceder à entrega do locado à exequente, deveria ter, com diligência, providenciado por solução alternativa de habitação, não se impondo que esta permaneça a suportar um prejuízo que, conforme resulta do título executivo, se vem verificando desde o mês de Abril de 2017, altura em que se verificou a cessação do pagamento das rendas devidas.
De resto, nem sequer o executado alegou não dispor de outra habitação, tendo-se limitado a afirmar que “precisa de tempo para procurar um alojamento alternativo para si, sua companheira e três criança de tenra idade” (artigo 10º da petição inicial), o que indicia que, até à data, nada fez para, efectivamente, lograr a entrega do imóvel à exequente, dado que defende que se justifica “impor ao proprietário, aqui exequente, o retardar do cumprimento da obrigação de entrega do imóvel por motivos que se prendem com a dignidade humana” (artigo 12º da petição inicial).
Ora, compreender-se-ia que o executado necessitasse de tempo extra para efectivar a mudança da sua residência caso tivesse já desenvolvido qualquer actividade para o alcançar, mas tal não resulta, sequer, do que o próprio alega. Na verdade, limita-se a defender um sacrifício gratuito a suportar pela exequente, sem sequer alegar que não dispõe de alternativa de residência ou que já iniciou diligências tendentes a alcançá-lo.
Nestes termos, a conduta do executado, expressa no articulado inicial que apresentou, e na factualidade nele descrita, afronta o mais elementar sentido de boa fé do cidadão comum, não lhe podendo ser concedido o diferimento da desocupação da fracção arrendada pelo simples facto de ser beneficiário de rendimento social de inserção. Por outro lado, desse simples facto não decorre que a falta de pagamento das rendas tenha resultado de carência de meios para o pagamento das rendas, atento o que já supra se referiu quanto ao momento a partir do qual se verificou o início do incumprimento e a data em que se inscreveu como desempregado, nada mais tendo sido alegado a tal propósito. De resto, a verificação da presunção legal contida na parte final da alínea a) do nº 2 do já referido art. 864º do CPC depende sempre da concordância de tal facto com as exigências da boa fé, e no caso em apreço tal concordância, de modo manifesto, não se verifica.
Desta forma, não podendo retirar-se, da factualidade alegada e provada, a conclusão de que a falta de pagamento das rendas devidas pelo contrato de arrendamento que motivou a ordem de despejo do executado, tenha decorrido de carência de meios económicos, e sendo certo que, face ao tempo já decorrido desde que cessou os pagamentos à exequente (relembre-se que, desde Abril de 2017) e que, pelo menos, desde o trânsito em julgado da sentença (ocorrido em 15.01.2019), se impunha, de acordo com as exigências da boa fé, que o mesmo tivesse diligenciado pela efectiva entrega do imóvel à exequente, procurando outra habitação, inexiste fundamento para o pretendido diferimento da desocupação, pese embora se reconheça que a sua situação familiar se encontra dificultada pela existência de três filhos e pela situação de desemprego do executado e da sua companheira, não obstante o agregado seja beneficiário de rendimento social de inserção.”
Do acima exposto, decorre que o tribunal recorrido denegou o diferimento da desocupação, por entender não comprovado o nexo de causalidade entre a carência económica e a falta de pagamento das rendas, nem satisfeitas as exigências de boa fé para que fosse concedido este diferimento, ao abrigo do disposto no artº 864 do C.P.C.
No entanto, não é este preceito sequer aplicável, não sendo lícito ao executado recorrer a este meio, uma vez que, em causa não está um imóvel arrendado para habitação, nem foi este objecto de resolução por falta de pagamento de rendas, conforme decorre do respectivo título executivo.
Sendo certo que toda a execução tem por base um título, mediante o qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artº 10 nº5 do C.P.C.) neste caso, constitui título executivo sentença, transitada em julgado, na qual foi declarada a nulidade do contrato de arrendamento verbal relativo a este imóvel, por falta de título válido e eficaz, nulidade com efeitos retroactivos, dela decorrendo a obrigação de entrega do imóvel ao seu proprietário, obrigação de entrega independente do pagamento da compensação (e não renda) devida pela ocupação do imóvel.
Com efeito, apesar de peticionada a resolução de um alegado arrendamento verbal para habitação do executado, na aludida sentença que ora se pretende executar, foi declarada a “nulidade, por falta de forma escrita, do contrato de arrendamento celebrado, verbalmente, entre A e B, em Novembro de 2016, que incidia sobre a fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao 1.º andar direito do prédio sito na Rua Adelino Amaro da Costa, n.º  , freguesia de Paço de Arcos, descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Oeiras sob o n.º 66 da mencionada freguesia, e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, e consequentemente, decide-se:
ii. Condenar o Réu A no pagamento à Autora B da quantia de € 3.520,00 (três mil quinhentos e vinte euros), acrescida do valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) por cada mês de ocupação da fracção autónoma supra referida, a partir de Abril de 2018, inclusive, até à entrega efectiva da fracção autónoma, a título de indemnização pela sua utilização, como consequência da declaração de nulidade do contrato, ao abrigo do disposto pelo artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil.
iii. Condenar o Réu A a restituir à Autora B a fracção autónoma supra identificada em i. livre e devoluta de pessoas e bens, como consequência da declaração de nulidade do contrato, ao abrigo do disposto pelo artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil.
iv. Condenar o Réu no pagamento à Autora de juros de mora, sobre a quantia de € 3.520,00, contabilizados à taxa legal prevista para os juros civis (4%), desde a data de citação (20/03/2018) até efectivo e integral pagamento.
v. Absolver o Réu do demais peticionado.
Não está, assim, em causa a existência de um arrendamento para habitação, resolvido ou cessado nos termos que regem a locação de imóveis urbanos, mas antes a reintegração do imóvel na esfera do seu proprietário, decorrente da declaração de nulidade do contrato de arrendamento que conforme resulta expressamente da sentença em apreço “não produziu nem produz quaisquer efeitos, não se encontra verificado um pressuposto essencial de que depende a possibilidade de fazer operar a resolução do mesmo (a validade e eficácia do negócio), pelo que esta pretensão da Autora se afigura improcedente”, sendo certo que “a lei limitou ao arrendatário habitacional o direito a, nas situações específicas nela previstas, obter o diferimento da desocupação.”[3]
O diferimento de desocupação de imóvel previsto nos artigos 864.º e 865.º do CPCivil constitui um meio de tutela excepcional, reservado apenas aos casos de execução para entrega de imóvel arrendado para habitação[4], não sendo aplicável a situações em que exista efectiva detenção do imóvel, mas não titulado por contrato de arrendamento válido e eficaz.
Por outro lado, do título executivo não resulta a obrigação de pagamento de quaisquer rendas, mas antes de uma indemnização devida pela utilização não titulada do imóvel pois, como refere a sentença que constitui título executivo, apenas “por esta via se consegue alcançar algo de economicamente equivalente à destruição dos efeitos do contrato nulo e que cada uma das partes contratantes fique em situação semelhante à que teria se não tivesse havido o contrato nulo”.
Ainda que assim se não considerasse, em todo o caso não se estaria face a uma resolução por falta de pagamento de rendas, pressuposto de actuação deste preceito legal aqui invocado pelo executado, uma vez que não ocorreu a resolução (improcedendo expressamente esse pedido), sendo certo que a nulidade do contrato operaria em qualquer caso, porque de conhecimento oficioso, sendo sempre exigível essa entrega (não podendo o executado a ela obstar nos termos do disposto no artº 1048 do C.C.).
Nem neste caso, seria possível a notificação ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, para pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste, uma vez que em causa não está o pagamento de rendas, nem existe arrendamento (porque declarada a nulidade). 
Não se verifica assim o pressuposto essencial para recurso ao diferimento da desocupação (de imóvel arrendado para habitação) e não se verificaria em todo o caso, o pressuposto contido na alínea a), ainda que, tal como o tribunal recorrido, se equacionasse esta aplicabilidade, por ausência de verificação das condicionantes exigidas pelo referido preceito legal.    
                                                   *
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, embora com diversos fundamentos, a decisão recorrida.

Lisboa 10 de Outubro de 2019
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho

[1] Ac. do TRP de 11/09/17, relator Manuel Domingos Fernandes, proferido no proc. nº 3481/10.0TBVNG-A.P1, disponível in www.dgsi.pt 
[2] Sendo certo que apesar do decidido, sempre incumbiria a este tribunal, nos termos do disposto no artº 662 nº2 do C.P.C. nº2 c) do C.P.C., caso considerasse necessária a produção de prova com vista a ampliar a matéria de facto, determinar a descida dos autos à primeira instância para esse fim.
[3] Ac. desta Relação de 21/02/19, relatora Maria José Mouro, proc. nº 1981/16.8T8AIM-A.L1-2, disponível in www.dgsi.pt; no mesmo sentido vidé Ac. do T.R.L de 12/07/18, relator Maria Conceição Saavedra, proc. nº 719/17.7T8OER-A.L1-7; Ac. do TRP de 24/01/19, relator José Manuel de Araújo Barros, proc. nº 3308/04.2TVPRT-C.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[4] Bem como aos casos previstos no artº 150 nº5 do CIRE, quando esteja em causa a entrega de casa de habitação onde resida habitualmente o insolvente.