Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1718/02.9JDLSB.L1-9-2ªPARTE
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: ABUSO SEXUAL DE MENORES
LENOCÍNIO DE MENORES
PERÍCIAS SOBRE A PERSONALIDADE
JUIZ NATURAL
CASO JULGADO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário: I – Se a testemunha em crime sexual for menor de 16 anos de idade (actualmente menor de 18 anos de idade) existe um poder-dever por parte da autoridade judiciária em ordenar perícia sobre a sua personalidade, tendo em vista não só a descoberta da verdade, mas também a própria protecção da criança ou jovem.
II – Enquanto que o caso julgado formal pretende evitar que a mesma questão processual seja debatida e apreciada por diversas vezes no âmbito do mesmo processo, já o caso julgado material procura obstar à repetição da mesma causa em diferentes processos.III – De acordo com a doutrina, uma alteração de factos que se reporte ao tempo e ao lugar será não substancial se não se referir aos elementos constitutivos do tipo de crime e se do ponto de vista social continuar a ser possível identificar aquela unidade factual histórica como sendo a mesma.IV – Quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, do CPP.V – O bem jurídico que se pretende proteger com a incriminação do art. 166.º do CP é a liberdade sexual de pessoas internadas e, ainda, se bem que de forma subsidiária, a incolumidade do exercício de funções no estabelecimento.VI – Na previsão do art. 175.º, do CP, o que está em causa é a exploração de um menor por outra pessoa, fundada no comércio do corpo da criança ou do jovem por parte de outrem (o agente). E não é exclusivamente o aspecto estrito de liberdade e autodeterminação sexual, como bem pessoal, que subjaz à criminalização do lenocínio de menores.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 104.6. Após os factos descritos, o AI saiu da casa, estando o arguido A à sua espera à saída da referida casa, tendo dado ao assistente dinheiro em montante não concretamente apurado.
104.7. O arguido C estava ciente  de que enquanto (...)-(...) da AX, estava especialmente obrigado a zelar pela educação e pelo desenvolvimento físico e psicológico de cada um dos menores que frequentavam aquela Instituição, tanto mais que isso constituía o objecto social da mesma.
104.8. O arguido C sabia que o menor AI era um aluno interno da AX, que tinha 13 anos de idade quando ocorreram os factos que se descreveram.
104.9.  O arguido tinha perfeito conhecimento de que os actos de natureza sexual a que submeteu o menor AI prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico, e que influíam negativamente na formação da respectiva personalidade.
104.10. Agiu sempre de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que a conduta atrás descrita lhe era proibida pela lei penal.
104.11. O arguido A conhecia a idade do  AI quando o abordou e o levou, nas circunstâncias descritas, até à residência referida e onde estava o  arguido C.
104.12. Sabia que o  AI seria sujeito  a actos de índole sexual que incluíam coito anal, coito oral e actos de masturbação.
104.13. O arguido A agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal."
Também neste outro caso vem o recorrente C alegar ter sido condenado pela prática de um crime - o perpetrado contra o assistente AI - exclusivamente com base nas declarações prestadas pelo menor em causa e não no relato de quaisquer testemunhas ou em qualquer outro meio de prova.
Começa o recorrente C por referir que o assistente AI prestou declarações no processo diversíssimas vezes, em inquérito, tanto perante a Polícia Judiciária como perante o Ministério Público, e em sede de instrução, perante a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, para além de haver, igualmente, referências a relatos seus constantes dos relatórios elaborados pelos peritos do INML, escalpelizando, seguidamente, o que este terá dito naqueles diversos momentos e instâncias no tocante aos factos vivenciados na (…) e em (...), explorando as incongruências que encontra nessas declarações de AI e aquelas que o mesmo viria a prestar na audiência de julgamento.
Como já o assinalamos anteriormente, são às declarações prestadas perante o Colectivo de Juízes durante a audiência de julgamento que o Tribunal se tem de ater em primeira linha, não ficando este vinculado, nem podendo sequer considerar, por vezes, aquelas prestadas fora do processo ou dentro deste em fases processuais anteriores (cfr. arts. 356.º e 357.º do CPP). O assistente AI foi ouvido oito vezes na audiência de discussão e julgamento, mais concretamente em 29 e 30 de Novembro e em 5, 6, 7, 12, 14 e 15 de Dezembro de 2005. O que o recorrente pretende, em suma, é descredibilizar as declarações prestadas pelo assistente AI, incluindo as produzidas em julgamento, aspecto em que o arguido C baseia grande parte do seu recurso no tocante aos factos dados por provados nos pontos 104. a 104.13. do acórdão recorrido.
Porém, o Tribunal a quo explicou, devida e cabalmente, na fundamentação do acórdão o percurso pessoal e declarativo de AI, em vista de tais divergências, sem esquecer as que o recorrente invoca, entre outras na sua conclusão de recurso 317.ª, relativas aos horários escolares do menor, sua assiduidade às aulas e transferência de lares, em termos que se percebem e fazem todo o sentido. O Colectivo de primeira instância, na fundamentação da decisão sub judice, igualmente escalpelizou o depoimento das pertinentes testemunhas e das relevantes declarações do arguido A. E passa-se a transcrever o que de mais significativo, neste domínio, se consignou no acórdão recorrido:
"O assistente AI foi ouvido em audiência de Julgamento durante oito sessões.
Partindo com uma primeira avaliação da forma como se apresentou a falar perante o tribunal, teve um discurso em que, em regra, falava pausado, o Tribunal fazia perguntas e seguiam-se por vezes silêncios, os quais o tribunal tentava ultrapassar desdobrando a pergunta feita, ou pedindo esclarecimento apenas em relação a determinada parcela, para que o interrogatório fosse prosseguindo. Mas por vezes e antes de responder às perguntas, fazia um gesto com a cara que podia ser interpretado como um sorriso.
E, por vezes, demonstrava o que para o tribunal tanto podia ser interpretado como arrogância – quando, por exemplo, é-lhe feita uma pergunta e responde que essa era  “fácil”  –, ou  como falta de espontaneidade, podendo-se supor estar a dar uma resposta pensada para ser dada “dessa forma” – quando, por exemplo, explica porque é que em relação ao arguido E, não disse ao tribunal, no início das suas declarações, o que veio a dizer depois quanto ao erro que cometeu quanto à sua associação -.
Quanto ao “sorriso” e porque tal foi-lhe directamente perguntado – concretamente quando começou a ser instado pelo Ministério Público –, explicou que era uma reacção que tinha quando estava nervoso,  explicação esta que,  da avaliação que o Tribunal foi fazendo do seu depoimento -  pois esteve alerta para este aspecto da sua expressão facial - pareceu verdadeira, corresponder realmente a uma forma de reagir.
Quanto ao  segundo aspecto que referimos – falar de forma pausada, com o objectivo de dar uma resposta “previamente pensada” para ser dada “dessa forma” - avançamos, desde já, que face à avaliação que o Tribunal fez da dinâmica  verbal e não verbal das declarações do assistente e à análise destas declarações face ao que, por sua vez,  resulta dos documentos dos autos - quanto ao que foi o processo de crescimento e desenvolvimento do AI na instituição -, ficámos convencidos que aquele “modo” de estar perante o Tribunal foi, entre o mais, uma expressão e reacção de Defesa por sentir ou supor que estava ou podia estar a ser atacado. Não foi, na convicção criada pelo Tribunal,  uma expressão de “certa aparência” para proteger uma mentira.
E dizemos isto, desde já, pelo seguinte.
O assistente, quando esteve perante o tribunal tinha 19 anos.
O seu crescimento, a sua consistência ou inconsistência emocional, a estrutura que revelou como pessoa,  teve como pano de fundo - como vamos ver, na prova documental e testemunhal que o Tribunal vai enunciar  - um rapaz abandonado pela mãe e rejeitado pelo pai e pelos avós. Um rapaz de que desde os onze anos teve necessidade de  acompanhamento pedopsiquiátrico consecutivo, com tratamento com anti-depressivos desde  2001, tinha a idade de 15 anos.
Teve, desde os onze anos, um processo de crescimento com dificuldade de interiorização de regras e de respeito face aos educadores, aos colegas e mesmo na escola, intercalando com períodos de sofrimento e com outros de comportamentos considerados desviantes.
Demonstrou, de acordo com os técnicos que o acompanharam no ambiente da AX, necessidade de atenção, comportamentos com esse fim e com esse objectivo, mas intercalando com comportamentos de agressividade.
Quando foi ouvido em tribunal foi interrogado e contra interrogado pelo Colectivo do Tribunal, um Procurador da República e oito Advogados, sete dos quais das Defesas dos arguido, profissionais em relação aos quais o Tribunal presume uma maior capacidade e técnica argumentativa que a do assistente AI.
Foi sujeito, na avaliação do Tribunal, a um crivo suficientemente fino que permitiu detectar qualquer conjectura ou combinação que existisse quanto à criação de factos  e falsas imputações.
Vejamos então, o percurso seguido pelo Tribunal, para a prova e não prova, dos factos referentes aos actos praticados pelos arguidos na pessoa do Assistente AI.
13.3.1. (Percurso de AI na AX):
Para os factos que o tribunal deu como “Provado” ou “Não Provado”, respeitantes a dados pessoais do assistente, nascimento, ingresso e vivência na AX, vivência anterior ao seu ingresso na AX, bem como data da saída da AX, foram relevantes as declarações do Assistente - o qual falou do seu crescimento na AX e relacionamento familiar, declarações estas que tiveram correspondência com a prova documental e testemunhal analisada -, a prova documental e a prova testemunhal.
(1) Começando pela prova documental, foram particularmente relevantes os documentos constantes do Apenso DD (Processo individual de AI na AX) e os documentos do Apenso Z-15, 1º Volume (fls. 175 a 487,  documentos constantes do processo psicossocial de AI na AX).
Dos documentos de fls. 34 e 39, do Apenso DD (cópia da certidão de nascimento do assistente e da cédula pessoal) resulta que o assistente nasceu em  (…).
Da análise de fls.  176, 184 a 188, 192 a 194, 210 a 214, 217 a 218, 303 a 316 do Apenso Z-15, 1º Volume (documentos constantes do processo psicossocial de AI na AX) e dos documentos fls. 35, 4, 9, 10 e 10vº, 13, 15 e 16, do  Apenso DD (Processo individual de AI na AX), resulta que entrou para a AX de (…) na sequência de  Despacho de 17/10/97, tendo entrado para o Lar FU, do BF e transferido em 2002 para o FD, do CZ (transferência autorizada em 9/07/2002).  
Assim, entrou na AX com 11 anos de idade.
As razões da sua entrada e o estado de desenvolvimento do assistente na altura em que entrou para  a  AX e posteriormente – com o sentido e extensão que o Tribunal deu como provado -, resultam suficientemente descrito nos documentos de fls.  37 e 38 do  Apenso DD (Processo individual de AI na AX) e fls. 176, 184 a 188, 192 a 194, 210 a 214, 217 a 218, 303 a 316 do Apenso Z-15, 1º Volume (documentos constantes do processo psicossocial de AI na AX), constando a fls. 37 e 38 do Apenso DD, um relatório em que é descrita a situação familiar e pessoal do jovem e  também a avaliação psicológica que lhe foi feita em Julho de 1997, subscrita por uma psicóloga e  resultando do teor de tal relatório que  observou e esteve em contacto com o AI  para realizar este relatório, o que para o Tribunal assumiu especial peso probatório.
É um documento contemporâneo da situação que estava a ser analisada, permitindo-nos efectiva proximidade com o que AI era em Julho de 1997 e com a sua vivência da altura e relacionamento com os outros.
Acresce que o  documento não foi impugnado pelos sujeitos processuais, foi sujeito ao contraditório, tal como os demais documentos que o Tribunal está a mencionar, não tendo resultado qualquer indício ou suspeita para o tribunal, que os documentos em causa não correspondem a documentos efectivamente feitos nas datas que estão apostas nos mesmos, pelas pessoas que os subscrevem e para os fins que especificamente referem.
São, por isso, documentos a que o tribunal deu credibilidade.
Deste documentos resulta que AI  ingressou na AX com um irmão mais novo, o WJ – que nasceu em (…) - , tinham estado os dois institucionalizados num (...) em (…), o qual fora encerrado pelo C.R.S.S. por falta de condições. No processo de transição após o encerramento do (...) e a entrada na AX, estiveram numa família de acolhimento em (…) – constituída por YM e JJN – e que continuaram a visitar após a entrada na AX (Cfr. fls. 31 e 33, 36, 37 e 38, 42 e 43, 45 e 46, 48 a 56; fls.  24 a 27, do Apenso DD – Processo individual de AI na AX).
Notamos que neste  relatório é referido o bom relacionamento que o AI tinha com a família de acolhimento – bem como são expressamente referidas as circunstâncias em que o AI, conjuntamente com o seu irmão, foi para esta  família em Fevereiro de 1997, a título meramente transitório enquanto não fosse encontrada saída institucional – cfr. também, relatório de fls. 49 a 52, e informações de fls. 53 e 54  do Apenso DD - , factos que o Tribunal deu como provados, como resulta dos pontos “96.3” dos “Factos provados” e, consequentemente, não deu como provada a versão constante no Despacho de pronúncia.
No sentido acolhido pelo Tribunal foi igualmente relevante não só o depoimento da testemunha YM (a mãe da família de Acolhimento em que o AI esteve), mas também as declarações do próprio AI, congruentes entre si e no sentido do que diz o relatório de fls. 37 e 38.
(2) Quanto ao percurso escolar desde que o assistente AI ingressou na AX  (em 17/10/97, cfr. Apenso DD, fls. 24, 29,35,55), de  acordo com a prova produzida em audiência de Julgamento  - e  para a qual foram concorrente as declarações de AI e, quanto a elementos documentais, cfr. Apenso Z-15, 1º Volume, fls. 176, 184 a 188, 192 a 194, 210 a 214, 217 a 218, 303 a 316 (documentos constantes do processo psicossocial de AI  na AX)  e fls.2, 5, 6 a 12, 21, 24 a 27,31 e 32, do Apenso DD (Processo individual de AI na AX) -, a sua frequência escolar  foi a seguinte:
- 1997/98, no Semi-internato BF – frequenta o 5º ano;
- 1998/99, GC (…) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 1º ano;
- 1999/00, GC (…) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 2º ano (cfr., também, fls. 60.864 a 60.865, documento este referente ao horário e  faltas de AI no período de 1/01/99 a 31/06/99);
- 2000/01, GC (…) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 2º ano;
- 2001/02, GC (…) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 3º ano, ano este em que, no decurso do ano escolar, foi pedida e efectuada a sua transferência  para o 1º ano  Curso (…);
(3) ( Processo de crescimento):
Paralelamente a este percurso escolar - e aqui ligamo-nos ao que acima dissemos quanto à relevância desta análise, para a avaliação da veracidade das declarações do assistente,  até porque  este assistente, tal como aconteceu com os demais e decorrente das instâncias que lhe foram feitas,  para localizar acontecimentos no tempo faz referência  a aspectos ou períodos concretos da sua vida -, no que diz respeito à evolução do AI, sua estabilidade ou instabilidade, integração e comportamento na AX, foram relevantes e suficientemente convincentes, os documentos constantes do Apenso DD - em particular os que, a seguir, iremos destacar -, bem como os documentos constantes de fls. 338 a 477, do Apenso Z-15, 1º volume (documentos integrantes do processo psicossocial do assistente), para os factos relativos ao seu percurso desde a entrada na instituição até à data em que foram conhecidos os factos a que dizem respeito os presentes autos  e os de fls. 280 a 337, para os factos relativos ao ser percurso na instituição, após o conhecimento dos factos a que dizem respeito os presentes autos.
Assim e quanto ao percurso do assistente após a sua entrada na instituição, quando é feita a proposta para internamento na AX, em Julho de  1997, a Psicóloga que o observa diz que “ ... o AI é um garoto muito simpático, brincalhão, que estabelece uma relação agradável como adulto. A sua adesão às provas foi imediata...com bom ritmo de trabalho e bom tempo de atenção (...).
O seu desenvolvimento cognitivo situa-se dentro dos parâmetros considerados médio-altos, quando comparado com uma população do mesmo nível etário. A prova menos conseguida, embora dentro da média, tem a ver com a memória visual imediata, a previsão associativa e a rapidez motora.
Não obstante as vicissitudes porque esta criança tem passado apresenta-se bem estruturada e, de momento, emocionalmente estável (...)” (cfr. Fls. 37 a 38, do Apenso DD e reproduzindo o que acima dissemos quanto ao especial peso probatório do relatório, por ser um documento contemporâneo da situação que estava a ser analisada, permitindo-nos efectiva proximidade com o que AI era em Julho de 1997 e com a sua vivência da altura e relacionamento com os outros).
Notamos que neste  relatório é referido o bom relacionamento que o AI tinha com a família de acolhimento – bem como são expressamente referidas as circunstâncias em que o AI, conjuntamente com o seu irmão, foi para esta  família em Fevereiro de 1997, a título meramente transitório enquanto não fosse encontrada saída institucional, factos que o Tribunal deu como “provados”.
Directamente relacionado com este relatório está, também, o que se encontra a fls. 49 a 52 do Apenso DD  -  Relatório social feito pelo IRS, nos termos do artº 25º da OTM, datado de 22/05/97 -, do qual consta, entre o mais, a boa integração escolar  do AI, na sequência da transição, em 4/02/97, da instituição onde se encontrava para a família de acolhimento. Apresenta comportamento adequado na sala de aula, mas no recreio há queixas de ser agressivo “... e não aceitar a autoridade dos outros funcionários da escola, respondendo agressivamente  e sendo desadequado nas suas verbalizações...”.
Em 31/03/98 foi feita uma informação do “Serviço Social – JP” para a Directora do BF, resultando deste documento que se destinava  a reenviar para o Tribunal de Menores (cfr. Fls. 31 a 33 do Apenso DD).
Esta informação refere que o AI está bem integrado no Lar, mantendo com “...adultos e colegas uma relação positiva. O AI é uma criança meiga e participativa que gosta de agradar ao adulto...”.
Está no 5º ano, do semi-internato de (…), está bem integrado, mas com aproveitamento negativo a Matemática e ciências. Refere, ainda, que o AI passa um fim de semana por mês com a família de acolhimento.
A fls.  375 (do Apenso Z-15, 1º Volume), documento este datado de 26/03/98 - e de cujo teor se depreende dizer respeito quer ao AI quer ao seu irmão -, consta que o AI está bem integrado e gosta de agradar. A  fls. 374 ( documento datado de 4/06/98, três meses depois do anterior e cerca de 7/8 meses após a entrada na AX) é dito que a família de acolhimento acha que o AI mente muito, está revoltado (com o pai), garoto fechado. A fls. 372 (documento de 14/10/98) o AI continua a parecer uma panela de pressão, o que, face à leitura dos documentos que se seguem, o tribunal interpretou como expressão de instabilidade, agressividade e impulsividade. Fls. 371 vº (documento datado de 9/11/98), informação referente à escola, disseram que o garoto está bem e tem aproveitamento razoável; fls. 369 (datado de 20/11/98), onze dias após a informação anterior, é dito que o AI  parece uma panela de pressão prestes a explodir, desinteressado, não cuida da higiene, fica contente quando a família de acolhimento aparece, bate nos mais novos e é agressivo, tem dificuldade em reconhecer autoridade.  Fls. 364 (27/05/99) o AI  é muito fechado; fls. 360 (14/10/99) a professora considera que anda mais triste que o ano passado, as educadoras referem que durante as férias chorou com saudades da mãe; fls. 362 (28/10/99) o Educador BBX diz que chega atrasado de manhã, tem bom comportamento e está bem integrado, não tem faltas intercalares e a DT telefonou, acha-o muito triste; fls. 359 (15/12/99) a família de acolhimento não está tão envolvida com ele; fls. 361 (10/12/99) não falta intercalarmente nem sai da escola, apenas um dia em que não houve aulas foi para o (…);     
Dos documentos de fls. 444 a 446 vº (do Apenso Z-15, 1ºvolume), encontra-se, por ordem sequencial de datas: a necessidade de encontrar forma de ajudar o David (fls. 446, 25/01/00);  em reunião na (…), AI é sossegado mas pouco atento, está mais contente (fls. 446 vº, 3/02/00); AI utiliza o desenho para comunicar, é muito defensivo, controla de forma deformada os impulsos sexuais e é agressivo (cfr. fls. 445 vº, 23/02/00); AI vai começar nos Bombeiros ao sábado e ao Domingo ( fls. 445 vº, 9/03/00);  
Em 7/07/2000 foi feita uma informação do “Serviço Social – JP” para a Directora do BF, resultando deste documento que se destinava  a reenviar para o Tribunal de Menores (cfr. Fls. 24 a 29 do Apenso DD).
Esta informação refere que o AI  era seguido na consulta de Pedopsiquiatrio desde Abril de 1999, pela Dra. GK, mas também diz que o jovem gosta de estar no Lar, revela-se ora imprevisível e agressivo ora meigo e submisso, mas “...nota-se um maior autocontrole do comportamento, conseguindo manter boa relação com a maioria dos colegas e adultos. Mostra-se mais participativo e disponível para as actividades quotidianas do Lar...”.
Diz, ainda, que o AI é  Bombeiro Voluntário; passa os fins de semana, uma vez por mês, com a família de acolhimento; em Dezembro de 1998 o (...) contactou a avó materna do AI para acompanhar o jovem e o irmão ao fim de semana, o que foi suspenso por decisão da avó (devido ao comportamento irrequieto e agressivo dos jovens), foi retomado em Abril de 1999 mas só em relação ao AI e traduzindo-se “... em visitas esporádicas do educando à casa da Avó...” .
Quanto ao comportamento escolar refere ser um aluno com “Bom comportamento” (cfr. Fls. 24 a 29 do Apenso DD; e cfr. Apenso Z-15, 1º volume, fls. 432 a 443 ).
Em 16/05/02 (cfr. fls. 17 do Apenso DD) foi feito um relatório Psicológico assinado pela Psicóloga JJO e do qual conta que “... o AI tem acompanhamento pedopsiquiátrico pela dra. GK...desde Abril de 1999.(vide relatório em anexo).
As avaliações com a Dra. GK têm tido carácter periódico, estando a médica ao corrente de todas as ocorrências que têm marcado o ser percurso.
A avaliação psicológica do AI vai ao encontro do parecer da Pedopsiquiatra, apresentando o jovem um perfil intelectual dentro dos parâmetros médios para a sua faixa etária, circunscrevendo-se a sua problemática em torno dos afectos, caracterizando-se a nível comportamental por passagens ao acto frequentes e não mediatizadas, aliadas à sua forte tendência depressiva.
(...) Está a ser medicado pela Dra. GK desde Outubro de 2001 com anti-depressivos...”.
Imediatamente a seguir está o relatório Pedopsiquiátrico que está assinado pela Dra. GK, mas datado de 12/09/2001 -  cerca de oito meses antes em relação ao relatório da psicóloga e que é mencionado por esta (cfr. Fls. 19 e 20 do Apenso DD) -,  o qual diz que o AI  é seguido na consulta desde Abril de 1999, por “...comportamentos de oposição e agressividade...”, fala das marcas que revela pelo abandono familiar, que tem um “... sofrimento depressivo importante que só raramente é expresso directamente pela sua atitude, tendendo a manifestar-se através de comportamentos de revolta, com passagens ao acto impulsivas e descontroladas...(...)”, mantendo a necessidade de tratamento pedopisiquiátrico.
Em 30/04/02 é feita uma comunicação do BF para o (...) da instituição (cfr. Fls. 15, do Apenso DD, comunicação esta assinada pela Directora), em que é pedida a transferência do AI, com urgência, para um Lar masculino e de alunos mais velhos.
Esta comunicação foi  acompanhada de um relatório de uma ocorrência em que o AI teve intervenção, sucedida no dia 27/04/02 (cfr. Fls. 16, do Apenso DD, relatório este assinado pelas educadoras NL, ZF e (…) e datado de 29/04/02).
No relatório é descrita uma situação em que AI foi encontrado na casa de banho do quarto de uma educanda de 7 anos, quando a referida educanda também aí se encontrava. Na sequência de a educadora o ter “descoberto”, o AI “ ...reagiu violentamente numa postura de agressão e ameaça que a educadora teve dificuldade em controlar. Deu pontapés no armário... e de olhos esbugalhados e descontrolado nos seus movimentos saiu do quarto...(...).
(...) As educadoras, muito atenta ao comportamento do AI em virtude de ocorrências anteriores, por outras vezes o terem visto com atitudes de desco0ntrolo na sua postura perante as educandas mais jovens (...).”.
As educadores concluem o relatório  dizendo que consideram não terem resposta adequada aos comportamentos que o AI vinha tendo – comportamentos, no caso concreto, com cariz sexual com educandas  de 7/8 anos, tendo o AI na altura 15 anos – e pedem resposta para a situação.  
 Em 31/05/02 foi feita uma comunicação pela equipa educativa do Lar FU (comunicação esta assinada por ZF, XH e NL, cfr. Fls. 4, do Apenso DD) para a Directora do BF, fazendo referência à ocorrência que relataram de 27/04/2002 e dizendo que tem-se verificado a entrada no Lar, vindo da IIR “... quase sempre tardiamente, geralmente depois das 19 horas (só às terças feiras tem horário escolar até às 18 horas), e na passada sexta-feira dia 24 de Maio, chegou às 20.40 horas, as justificações não são credíveis...”.
Recusa-se a ir ao acompanhamento Pedopsiquiátrico , está medicado com “Zolof” e interrompeu a medicação a 17 de Maio, por não ter a receita da Pedopsiquiatra.
As Educadoras dizem, mais uma vez, não ter “resposta adequada” para o AI.
Por Despachos datados de 9/07/2002, foi autorizada a transferência do AI para o CZ, tendo o mesmo entrado para o FD (cfr. Fls. 13, do Apenso DD e Despachos manuscritos a(...)s no documento e ver, também, documento de fls. 15; cfr. Fls. 51.518 a 51.520 e fls. 51.774 a 51.776, embora este documento tenha sido feito já em 20/02/2003, no decurso da fase de inquérito do presente processo; e ver também documento de fls. 51.717, de onde consta que o assistente AI entrou no Lar do CZ em 15/09/2002).
 (4) Mas no processo psicossocial do AI (Apenso Z-15, 1º Volume) encontram-se também documentos posteriores a 25/11/2002 (data em que o arguido A foi detido e  começaram a ser referidos na comunicação social os factos relacionados com este processo, primeiro processo apensado e posteriormente processo principal), os quais o Tribunal refere pela relevância que os mesmos podem assumir na avaliação da credibilidade do assistente e da veracidade das declarações por si prestadas.
São os documentos que se encontram a fls. 322 a 337,  datados de 12/12/2003 a Março de 2005 -  feitos pela Psicóloga (...) que o acompanhou nesta altura (Dra. YK), pela equipa de Internato e  pela Assistente Social -, dos quais é possível observar alguns aspectos do comportamento do AI neste período.
Não só retratam o que foi, neste período, o percurso de “instabilidade para estabilidade” ou vice versa, vivida pelo AI  - o documento de fls. 322, subscrito em 9/03/2005 pela Psicóloga (...),  Dra. YK, diz que “…o AI tem comparecido às sessões marcadas e tem mostrado uma evolução comportamental. Está mais sereno do ponto de vista emocional...”; mas do documento de fls. 333, datado de 17/06/2003, extrai-se o sentido de preocupação em relação ao acompanhamento do AI, que estava a ser feito pela dra. GK, com dificuldade de estabelecimento de relação terapêutica, manifestando o jovem resistência a falar sobre os seus comportamentos, nomeadamente sobre actos de cariz sexual -, como referem a medicação a que o AI deveria estar sujeito - anti depressivos; ver, também, a referência feita em relação a tal tratamento já em Outubro de 2001, no documento de fls. 13, do Apenso DD; e no documento de fls. 4 do Apenso DD, relatório datado de 31/05/2002, em que é referida a falta de adesão do AI ao tratamento pedopsiquiátrico e a preocupação da equipa educativa em tal facto, dado que o assistente estava medicado com o anti-depressivo “Zolof” e, como faltou às (...) de pedopsiquiatria não tinha receita para a medicação; medicamente este que é igualmente referido a fls. 340 vº, numa anotação datada de 23/01/01 - e os efeitos decorrentes dessa medicação que, sendo dados para estabilizar o assistente,  são “… desinibidores e podem estimular a passagem ao acto…” o que, consequentemente, traduzir-se-ia no seu modo de estar no dia-a-dia, naqueles períodos em que esteve medicado.
E qual a relevância que o que antecede pode ter, também, para a avaliação das declarações do assistente e para os factos que o Tribunal deu como provados ?
É que, atenta a normalidade das coisas, alguém nestas condições, com a idade, história de vida,  formação e escolaridade do Assistente  e que esteja sujeito a um interrogatório e a um contra interrogatório como o AI esteve em audiência de julgamento, pelo tempo, pelas pessoas e com o padrão concreto que foi adoptado – Magistrados e Advogados,  pergunta atrás de pergunta, pormenor atrás de pormenor, subdividindo as questões em parcelas mais pormenorizadas –, mais facilmente será apanhado na mentira que tiver construído, se for esse o caso e mais dificilmente conseguirá dar explicações que tenham sentido, para aquelas situações em que houver incongruências no que disser.
Liga-se ao que acima dissemos, quanto ao “crivo suficientemente fino” a que o assistente foi sujeito em audiência de julgamento, liga-se ao contraditório a que efectivamente  foi sujeito.
Quando o AI esteve a prestar declarações perante o Tribunal, a última referência que temos é de estabilidade precária, estando a ser seguido pela psicóloga (...) (cfr. Apenso Z-15, 1º Volume, fls. 210 a 214; fls. 322, documento datado de 9/03/2005 e que refere o acompanhamento que o AI estava a ter pela psicóloga (...);  tendo o assistente em audiência de julgamento confirmado  que “ ainda hoje” fala com a psicóloga).
No entanto  uma estabilidade mesmo precária pois, como resulta dos elementos dos autos - nomeadamente de fls. 196 a 199 do Apenso Z-15, 1º volume  e de fls. 60.656 a 60.664 dos autos -, os factos praticados pelo AI em 27/02/05 e pelos quais foi condenado,  para o Tribunal disso são uma expressão.
 E o Tribunal teve sempre isso em atenção - estabilidade, instabilidade, percurso de vida e vivências, incluindo as contemporâneas da altura em que esteve perante o Tribunal -   quando avaliou as declarações do Assistente. 
13.3.2. Passemos, agora, a analisar – mas referindo alguns pontos essenciais meramente por súmula, dada a extensão e multiplicidade das declarações - as declarações do assistente quanto aos factos de abuso que o Tribunal deu como provados (e, consequentemente, quanto aos que deu  como não provados).
Na primeira audiência em que prestou declarações (AJ 29/11/05), o Assistente AI começou a falar dos actos de abuso de natureza sexual sofridos por si, enquanto aluno interno da AX.
(1) Começou por falar da altura em que conheceu o arguido A, “… foi em (…)  à saída da escola…”. Estava a sair para o lar, o arguido estava com uma carrinha e pediu-lhe ajuda para levar equipamento  informático para a sala de informática. Como vimos, o assistente esteve no semi-internato de BF no ano lectivo 1997/1998.
Este comportamento - o arguido pedir ajuda a educandos para descarregar material para os (...)s -,  é referido de forma globalmente semelhante por outros assistentes – por exemplo, AP -, foi-o também pela testemunha EC (funcionário da AX desde Maio de 1978, tendo estado a trabalhar nos serviços auxiliares durante 8 anos, após o que passou a exercer as funções de motorista) , o qual  confirmou que viu “várias vezes” o arguido A chamar alunos ou ir buscar alunos aos (...)s, para o ajudarem a carregar coisas, mas não podia “garantir” que isto tivesse ocorrido na (...), embora para si “é natural” que tivesse visto.
Depois (deste conhecimento em BF), o assistente disse que  via o arguido A  quando este  ia entregar correspondência ao BF e houve uma altura em que o assistente começou a falar mais com o arguido. Disse que após a ajuda com o material informático, “…passaram alguns meses….depois de começar a falar mais com ele…”.
Relatou que a partir deste momento esteve “…uma vez com o Sr. A no (...)...no refeitório da escola (…) houve abusos sexuais…sexo oral…masturbação...”. Perguntado, em concreto, o que sucedeu, em que parte do corpo é que quem tocou em quem, respondeu, entre o mais,  que “…numa situação... fui eu que lhe toquei a ele … e no sexo oral foi ele que… meteu o sexo na minha boca….”, mas acrescentando que o assistente também tocou no pénis do arguido.
Disse que “… a partir daí …depois … fomos várias vezes para casa dele….”, esclarecendo que quando começou a ir para a IIR o arguido A ia buscá-lo, às vezes, à escola “…e passávamos por casa dele….”.   
Voltou a ter actos de “abuso  sexual” com o arguido A, concretizando  “…o sexo oral… a masturbação e o sexo anal...(…) eu fiz o sexo oral a ele e masturbação… e o sexo anal foi feito por ele a mim….”, explicando o que queria dizer, com “sexo anal”,  “…é meter o sexo no ânus….”.   Contou que  voltou a ir “... várias vezes a casa do arguido A...”, o que acontecia durante a  semana, “…era quando ia para a escola….antes de ir para a escola passávamos sempre por casa dele, do Sr. A….”.  
Disse que “… às vezes como eu ia para casa do Sr. A ele ia-me buscar de carro….”,  os actos foram sempre “…sexo oral, sexo anal e masturbação…”, dizendo que todas as vezes que foi para casa do arguido A estes actos foram sempre praticados.  Mas corrigiu “…quer  dizer… não foram bem sempre...às  vezes era só sexo oral e masturbação... (…) eu fazia sexo oral a ele... e masturbação ...e sexo anal era feito por ele a mim...”. Tendo acrescentado, aquando da instância  do Ministério Público, que “algumas vezes” com o arguido A houve “apenas actos de masturbação”, foi “mais no princípio” e era quando o arguido “metia filmes pornográficos”. Disse que, de manhã, encontrou-se com o arguido A, para apanhar as boleias para ir para casa do arguido, junto ao (…).
O Tribunal perguntou-lhe qual a ideia que  tinha quanto ao tempo que “isto durou”, tendo o assistente respondido  que “ ...foi em 98 (noventa e oito)… para aí…”, acrescentando que em relação ao ano em que foi para a (…) “…foi quase todo esse ano lectivo ...era quase todo esse ano lectivo….” (como já acima vimos, o AI foi para a IIR no início do ano lectivo de 1998/1999;  fez 12 anos em 26/09/98).
Não se recorda quantas vezes, quantas manhãs, por semana ou por mês isto aconteceu, dizendo “…depende… dependia..ou acontecia durante… semana a semana, ou semana sim semana não….”, lembrando-se que dentro da mesma semana tem ideia de ter ido mais do que uma manhã a casa do arguido A e que isto aconteceu mais do que uma vez. Disse “ter ideia” que esta situação com o arguido A passou “…para o ano lectivo seguinte….”. Não aconteceu durante as férias, pois esteve nas (...) e nas (...) nada aconteceu, tendo feito a mesma afirmação quanto às férias da Páscoa."
(…)
"O  Tribunal perguntou-lhe se durante esta altura, durante o período de tempo em que disse ter ido a casa do arguido A, de manhã, se aconteceu ter ido ou ter estado com o arguido A em qualquer outro lugar. E aqui o assistente diz que “…Fui à (…)….”
(2) Começando pela valoração das declarações do Assistente e do arguido A  - quanto aos factos descritos no ponto “2.6”, fls. 20.859 a 20.863, do despacho de pronúncia, factos ocorridos exclusivamente com o arguido A -, dizemos que quando o assistente AI passou a falar dos abusos e começou pelos factos ocorridos com o arguido A, o Tribunal viu quer na sua expressão facial, quer na sua voz, uma atitude que interpretámos como controlada, cautelosa, que não falou com à vontade.
O discurso era menos fluído  que o que até ali tinha tido -  mas até aí tinha estado a responder ao Tribunal sobre factos da sua vivência,  não relacionados com abusos, pelo que o discurso inicial, mais fluído, faz  sentido  – e  a entoação, a forma como respondia,  devagar, deu a sensação de nervosismo, mas de forma diferente daquele que apontámos no início das suas declarações (e a reacção que acima referimos, de antes de responder  esboçar um gesto com a cara, como se fosse um sorriso, não era tão pronunciada).
Esta atitude – e tendo sempre em atenção as  linhas de Defesa apresentadas pelos arguidos -, podia ser por perturbação  devido à natureza dos factos que estava a narrar,  mas também podia ser uma voz cautelosa para não falar “errado”, para não “errar”. Ou para - na hipótese que equacionámos no início -, ter cuidado par responder aquilo que “tinha pensado” anteriormente.
Mas, no caso concreto, o assistente estava a falar de factos que o arguido A admitiu parcialmente – divergindo, essencialmente, quanto à quantidade de actos praticados -, pelo que não faz sentido que a voz e o incómodo que deixou transparecer para o Tribunal, fosse por causa de estar a mentir. 
O que concorreu para o Tribunal ter interpretado e criado a convicção, que a forma como o assistentes estava a depor perante o Tribunal - inicialmente começando pelos factos passados com o arguido A, mas depois tendo passado para os factos passados com os arguido C e K numa “casa na (…)”; e com os arguidos N, H e Q numa “casa em (...)” -  devia-se ao constrangimento e à dificuldade, por ser qualquer coisa negativa, que reproduzir aqueles factos lhe causava.
Acresce - avançando desde já - que as declarações do assistente são parcialmente  corroboradas pelo Ponto “1º” das “Conclusões (...) legais”, do Exame (...) Legal de Natureza Sexual feito ao assistente AI em 8/05/2003 (cfr. fls. 7.611 a 7.618 dos autos), onde consta a conclusão que o Assistente AI apresenta “… sinais a nível do ânus compatíveis com a prática repetida de coito anal…”, o que contribui para a convicção do Tribunal, de que o assistente foi sujeito a actos de coito anal (embora, é claro, questão diversa é a prova de quem foram os seus autores).
(2.1) Passando à  localização no tempo da prática dos actos que o tribunal deu como provados - quanto ao arguido A num primeiro momento,  mas sendo a presente análise também relevante para a convicção do Tribunal quanto aos factos que veio a dar como provados ou não provados, em relação aos demais arguidos -, a convicção do Tribunal decorreu, também, da análise e  da conjugação:
- das declarações do assistente quanto ao momento em que o primeiro acto ocorreu, a forma como descreve a sua duração e o momento que dá para o fim dos actos;
- com a data em que entrou para a AX (que o tribunal fixou em 17/10/97),
-  e com os documentos  de fls. 375 (do Apenso Z-15, 1º Volume), documento este datado de 26/03/98 e do qual consta que o AI está bem integrado e gosta de agradar, dando a ideia de uma situação de estabilidade; o documento de fls. 374, documento datado de 4/06/98, três meses depois do anterior e cerca de 7/8 meses após a entrada na AX e em que se percebe uma alteração em relação ao anterior, pois é dito que a família de acolhimento acha que o AI mente muito, está revoltado (identificando essa revolta com o pai) e apresenta-se um garoto fechado; e o documento de fls. 372 (documento de 14/10/98), que diz que  o AI continua a parecer uma panela de pressão, o que, face à leitura dos documentos que se seguem, o tribunal interpretou como expressão de instabilidade, agressividade e impulsividade e, também, como uma evolução no sentido negativo em relação à situação anterior.
Estes elementos - que descrevem um percurso progressivo de instabilidade do assistente - levaram o Tribunal a concluir que os primeiros actos, no refeitório,  com o arguido A passaram-se, efectivamente, no início ou em data anterior mas próxima do Verão de 1998 – o assistente disse que já estava o tempo quente, faltava pouco tempo para as férias do Verão o que aponta para esta altura; o documento de fls. 374, do Apenso Z-15, 1º Volume, datado de 4/06/98, revela uma alteração, para negativo, no comportamento do AI, o que pode estar   associado a algo de diferente que ocorreu no seu dia a dia e que o perturbou; sendo que, em consequência também do que temos vindo a dizer, o arguido A conheceu o AI tinha este 11 anos de idade e não os 13/14 que o arguido dissera -, mas  não sendo, no entanto, suficientemente assente para o Tribunal o mês exacto.
Quanto aos factos que se passaram em casa do arguido A, o assistente localiza-os “a seguir aos do refeitório” e a memória que tem é que ocorreram durante “quase” todo o ano lectivo, naquele em que foi para a (…) (mas sem deixar de ter em atenção a sua declaração, em que aponta para 2001 o fim  de “essa história).
Como vimos o AI foi para a (…) no ano lectivo 1998/1999 – tendo lá estado até ao ano lectivo 2001/2002 – e quando o Tribunal lhe perguntou  quando deixara  “esta vida” de passar “estas manhãs” por casa do arguido A, se foi a meio do ano lectivo seguinte, se foi no princípio, se foi no fim do ano ou se foi mais tarde, respondeu “…mais tarde….essa história acabou mais tarde…(…) ... aí para 2001 (dois mil e um)…”.
Assim e quanto ao início destes factos,  o Tribunal, face ao que para si foi o sentido das declarações do assistente, concluiu  que só podem ter  começado após o mês de Setembro de 1998 – pois este é o mês em que começam em regra as aulas e no caso concreto o ano lectivo 1998/1999 -.  Mas como o assistente deu como referência “após” terem começado as aulas desse ano lectivo – sendo facto público e notório que nas Escolas Públicas as aulas começam, em regra, a meio do mês de Setembro, mas deslocando-se, com frequência, para a última  semana de Setembro; e não sendo inequívoco, das declarações do assistente, que o “após” terem começado as aulas signifique imediatamente após terem começado as aulas -, o Tribunal localizou o início dos factos, como seguro, pelo menos desde Novembro desse ano. Para o tribunal  as declarações e esclarecimentos do assistente, quanto a tal questão, não permitiram  ao Tribunal de forma segura que já ocorreram em Setembro ou Outubro .
Quanto ao fim deste factos - com o arguido A -, conjugando as declarações do Assistente AI  com os elementos   dos “livros de ocorrências” do Lar FU que foi possível obter para os autos, assinalamos com especial relevância os seguintes:
(do Apenso W-16, 1º volume, os de:)
- (fls 61 e 62) registo datado de 27/10/99, que diz que o AI tem chegado atrasado à escola, embora aqui seja referido que é porque diz que não é acordado;
- (de fls. 63) registo datado de 27/10/99, que diz que parece que o ralhete ao AI deu resultado, pois quando a educadora chegou o AI já estava acordado, cama feita e saiu antes das 7.30h;
- (de  fls. 82 e 83) registo datado de 11/11/99, o AI tem chegado atrasado às aulas ;
- (de fls. 100) registo datado de 26/11/99, dizendo que com tantas faltas que o AI tem não deve receber nenhum dinheiro do salário estímulo;
- (de fls. 113) registo datado de 10/12/99, contando que a educadora telefonou para a Escola do AI, o professor da Disciplina da área de integração disse que, na sua disciplina, o AI já não estava a faltar, (fls. 114) o AI foi à assistente social, (…), a qual chamou-lhe a atenção por causa das faltas;
- (fls. 125) registo datado de 20/12/99, não sendo claramente  perceptível qual o assunto ou o incidente que estava em causa, o registo  deste dia diz “... foi pena este assunto não ter sido abordado na reunião de equipa porque assim não era apanhada de surpresa qdo houve a conversa com o AI” e (fls. 127) o AI foi à assistente social  e foram abordadas as questões (...) chegar atrasado;
- (fls. 134) registo datado de 3/01/2000 - 4/01/2000, como é que AI recebe prémio de assiduidade se chega sempre atrasado e até foi chamada a atenção pelos (...)?; (fls. 138) registo datado de 7/01/2000, o AI hoje não teve aulas?;
- (fls. 153) registo datado de 17/01/2000, o AI do Lar saiu às 7.30h, deve chegar tarde à escola, a educadora telefonou para a  (…),  falou com o BBX, o qual não tinha conhecimento do AI não ter tido aulas na semana passada e vai-se informar;
- (fls. 154) registo datado de 20/01/2000, quando a educadora chegou AI ainda na cama, tinha aulas;
- (fls. 155) O AI comprou dois pares de ténis, uns para ele e outros para o irmão, havendo um outro registo a fls. 157, datado de 24/01/00, em que a educadora pergunta com que dinheiro é que o AI comprou os ténis ;
- (fls. 156) registo de 23/01/2000 “...vim dormir ao lar,  quando de manhã acordei o AI e o Z já tinham saído para o jogo de Basquetebol;   
- (fls. 184) registo datado de 12/02/00, AI, (…) e Z foram ao quarto de uma educanda e o AI “apalpou-a”;
- (fls. 190)  AI castigado; ( fls. 191) registo 17/02/00, AI manteve a dele como se fosse estranho a tudo, sempre com uma postura de gozo e a fls. 192, tivemos reunião com o AI e o que surgiu/ se descobriu era que havia casos de abusos/agressões físicas sobre o (…), além de outros factos;
- (fls. 194) registo de 20/02/2000, aquilo a que o Z se referiu de pior foi o que o AI nos disse;
- (fls. 194) registo de 21/02/2000 telefonei para a equipa Pedopsiquiatria sobre consulta do AI;
- ( fls. 208) registo 28/02/00 AI chegou ao lar passavam das 19.15h, disse terem ficado a ver filme com Professora e a 29/02/2000, educadora telefonou para a (…) a confirmar o que o “menino” disse ontem, falou com Educador BBX e não sabia de nada, ficou de confirmar com professora, mas história esquisita; ontem este menino estava no quarto e fui espreitar, estava de joelhos na cama “ a fazer não sei o quê ou nem quero saber ao certo, porque já estou a achar que ele está com pancada e não é na «cabeça de cima»...”;
- (fls. 253) 21/04/00 – 28/04/00, a conversa que a (…) teve com a Psicóloga foi sobre o perdoar ou não o AI; Foi colocado o assunto sobre as boleias do AI o “A” já lhe deu boleia. Ver muito bem com a Directora de turma sobre o que de facto aconteceu. Segundo o Ed. da escola   da (…) a Directora foi notificada mas este assunto tem que ser esclarecido;    
(e do Apenao W-13, Livro 1; cfr. tb Apenso EJ, Volume 5.1, fls. 1877 a 1979):
- ( fls.6) 25/09/00, AI resolveu sair antes das 7.30h, só tem aulas às 10h, saiu a correr por aí abaixo;       
- (fls.9) 27/09/00, AI foi à médica, tem que ir ter com Dr. HY para ir a uma consulta com um cirurgião;
- (Apenso EJ, Volume 5.1, fls. 1887) 22/10/00, vieram todos menos o AI;
- (Apenso EJ, Volume 5.1, fls. 1889 vº)  1/11/00,  o AI queria sair para comprar qualquer coisa, não deixei;
- (fls. 55) 10/01/2001 telefonei ao pai do amigo do AI para combinarmos um dia para falarmos, havendo outra referência a fls. 59, 15/01/01, a dizer que AI comunicou que os pais do amigo iriam ao (...) na 4ª feira para os conhecerem;
- (fls. 122) 9/03/01, o AI continua a insistir nas faltas injustificadas, teve um atrito um pouco grave com um professor;
- (Apenso EJ, Volume 5.1, fls. 1958 vº)  24/04/01,  Falei com a orientadora do curso do AI, tem bom comportamento;
 temos que, para o Tribunal, os episódios ou referências que nestes registos são feitas ao AI – fundamentalmente quanto a atrasos na saída para a escola ou no seu regresso, faltas à escola, boleia do arguido A -  e  o período de tempo pelo qual se estendem, são compatíveis e dão consistência às declarações do assistente, nomeadamente  - e agora falando quanto aos factos com o arguido A - que os factos com o arguido A e em casa deste, decorreram após o início do ano lectivo 1998/1999 - e que o Tribunal localizou, pelo menos, a partir de Novembro de 1998 - até, seguramente, ao fim de 2000.
Isto porque em 2001 o Tribunal não conseguiu encontrar elementos - quer das declarações do assistente (e o Ministério Público tentou fazer o percurso de recuperação da memória, pelo recurso às (...) dos vários anos em que o assistente esteve, tendo o Tribunal feito o cruzamento das declarações do assistente com os elementos do Apenso DX), quer das declarações do arguido, quer dos depoimentos das testemunhas, quer da prova documental; e lembramos que o AI, por exemplo, disse ter a percepção que os actos tinham ocorrido até ao terceiro ano lectivo em que esteve na (…), mas não conseguiu concretizar mais  - que, com força suficiente, objectivamente (nos) permitissem encontrar o mês ou período do ano 2001,  em que os actos com o arguido A pudessem ter terminado (embora seja de notar que avaliando os registos que encontrámos, a partir de Abril de 2001 o AI aparenta ter melhorado o seu comportamento).
(2.3) Continuando  na análise crítica da prova -  quanto à matéria que o Tribunal deu como provada e não provada, quanto  à localização e delimitação no tempo dos primeiros actos praticados pelo arguido A na pessoa de AI;  mas que  é também relevante e concorre para a análise da prova dos demais actos de abuso sofridos pelo assistente, quer os ocorridos numa “casa na (…)”, quer os ocorridos numa “casa em (...)”, estes praticados também pelos demais arguidos - se   cruzarmos as informações  que foram feitas ao longo do tempo, sobre a vivência do AI na instituição -  concretamente os elementos que já referimos  do Apenso Z-15, 1º volume, nomeadamente fls. 375, 374, 372, 371 vº, 369, 364, 360, 362, 359, 446 vº, 445 vº,  e fls. 17 a 20, do Apenso DD -,  com os registos que mencionámos (dos Livros de ocorrência, mas sem prejuízo dos demais que não foram expressamente mencionados pelo Tribunal), resulta um movimento, desde 1998,   quanto ao que foi sendo a dinâmica de desenvolvimento do AI na instituição, com um sentido crescente,  continuado  e consistente de desequilíbrio e instabilidade emocional, com atraso/ou absentismo a nível escolar.
E quanto a este aspecto do  absentismo escolar - e no sentido de estes elementos contribuírem para dar consistência às declarações do Assistente AI, quanto ao ter sofridos actos de abuso também numa  casa na (…) e numa casa em (...) -, o Tribunal analisou e teve em atenção os elementos que se encontram a fls. 415 a 427, do “Apenso Z-15, 1º Volume”, referentes a elementos de avaliação escolar e registo de faltas do assistente, do ano lectivo de 1997/1998 a 2000/2001 (mas ver, também, elementos escolares constantes do Apenso EJ, Pasta 5, fls. 2.343 a 2.571; e Apenso EJ, Pasta 6, fls. 2.572 a 2.732).
 A fls. 427 temos o registo de avaliação do ano lectivo 1997/1998, em que é referida a desatenção e falta de bases do aluno, mas o número de faltas não é significativo, tal como se encontram registadas. A fls. 426, temos as faltas do 1º período de 1998/1999, estando registadas 15 faltas.  A fls. 425, as faltas do 1º período do ano 1999/2000, estando registadas 32 faltas; a fls. 424 as do segundo período, estando registadas 21 faltas; a fls. 423 as do terceiro período, estando registadas  60 faltas.
Conjugando estes registos de faltas nos anos escolares,  com os horários do assistente -  e os horários do assistente encontram-se a fls. 36.001 e 60.865 para o Ano 1998/1999;  a fls. 36.002 Ano 1999/2000; a fls. 36.003 para o Ano 2000/2001  -, temos que no ano Lectivo 1998/1999 o AI tem número de faltas espalhado por várias disciplinas e tempos, tanto ao 1º tempo da manhã como a tempos intercalares (cfr. tb. Fls. 60.865).
No ano lectivo de 1999/2000 – ver também elementos escolares constantes do Apenso EJ, Pasta 5, fls. 2.343 a 2.571; e Apenso EJ, Pasta 6, fls. 2.572 a 2.732 -, temos que o AI tem  o maior  número de faltas a Matemática, quer ao 1º tempo de 2ª feira, quer de 4ª feira.
Fazemos contudo uma chamada de atenção: do horário que se encontra a fls. 36.002 - que corresponde ao horário escolar do curso e ano do AI, como podemos ver pelos elementos que acima já mencionámos, aquando do tratamento dos factos relativos ao ser percurso escolar -, temos que, por exemplo, à “4ª feira” ao “primeiro tempo” está indicada a disciplina de “Físico Química”. No entanto conjugando com os elementos constantes do Apenso EJ, Pasta 5 (Apenso respeitante ao registo das faltas da Turma do AI, no ano lectivo 1999/2000) , por exemplo fls. 2.344, temos que  ao “primeiro” tempo da manhã de 4ª feira, dia 24/11/99, a disciplina é de “M” (Matemática) e não “FQ” (Físico Química), tal como está assinalado no horário de fls. 36.0002 (e neste dia o AI, que é o “nº 9”, tem assinalada falta ao 1º tempo de Matemática).   O que quer dizer, para o Tribunal, da conjugação destes elementos, que houve alteração no horário que se encontra a fls. 36.002.
 Mas continuando - com a análise das faltas registadas no Apenso EJ pasta 5 e EJ pasta 6 -, o AI  também tem faltas em aulas intercalares ou em mais do que uma aula seguida (cfr. 13/10/99,  4ª feira; 22/10/99, 6ª feira; 15/10/99, 6ª feira; 15/12/99, 4ª feira; 10/12/99, 6ª feira; 29/11/99, 2ª feira,  sendo que neste dia vemos que a falta está assinalada ao 2º tempo, mas houve o 1º tempo e não tem falta marcada e há alunos que tiveram falta no 1º tempo e não têm no segundo, o que pode significar e o Tribunal assim o interpretou, que o professor fez a chamada ao primeiro tempo e ao segundo).
Em relação às faltas assinaladas no primeiro período de 1999/2000, vemos que a totalidade das faltas que se encontram registadas a fls. 425, do Apenso Z-15, 1º Volume - onde estão registadas as faltas do 1º período do ano 1999/2000,  32 faltas -, não constam na sua totalidade nos elementos constantes do  Apenso EJ, Pasta 5, fls. 2.343 a 2.571 e Apenso EJ, Pasta 6, fls. 2.572 a 2.732, pelo que não podemos e não conseguimos  concluir se as faltas “a mais” foram ao 1º tempo ou em tempo intercalar.
Conjugando estes elementos, com os registos do Livro de ocorrências   e que atrás mencionámos, em relação às faltas do assistente neste ano lectivo – cfr., em concreto, Apenso W-16, 1º volume: fls. 61 e 62; fls. 82 e 83; fls. 100, aqui registo de 26/11/99, em que é feita referência às “tantas” faltas que o AI tem; fls. 113; fls. 125; fls. 134, registo datado de 3 a 4/01/2000, em que é feita uma interrogação, como é que o AI recebe um prémio de assiduidade; fls. 138; fls. 153 a 154; fls. 208; fls. 253; e Apenso W-13, Livro 1: fls. 6, fls. 122 -, eles confirmam e corroboram o facto de absentismo em sentido crescente neste ano 1999/2000.   
Acresce que em Abril de 2000 encontramos mesmo uma referência específica a boleia do arguido A ao Assistente, facto que as testemunhas YV e YW, educadoras do AI no Lar, disseram ao Tribunal ter sido discutido numa reunião de equipe de internato (cfr. Fls. 253, do Apenso w-16, 1º Volume; bem como o depoimento das mencionadas testemunhas). 
A fls. 422 temos o registo das faltas do ano lectivo 2000/2001, 1º Período, com 26 faltas; fls. 416, as faltas do 2º período, com 20 faltas; e a fls. 417 e 419, faltas do terceiro período, com 9 faltas. E a  fls. 418, 420, 421, temos as faltas do ano lectivo 2001/2002, com 12 faltas no  1º período e com 23 faltas no 2º período, mas período de tempo que já sai do abrangido pelas declarações do assistente.    
De tudo o que antecede resultou, para o Tribunal,  que o ano de maior absentismo do assistente – no período que estamos a considerar - foi o ano  lectivo  1999/2000, o qual está englobado no período durante o qual o assistente disse ao Tribunal que ocorreram os factos.
O que assume um indício de “eco”, na nossa perspectiva, de que alguma coisa ocorreu, como facto destabilizador do crescimento do assistente, concretamente não só os factos ocorridos com o arguido A, mas também os que o tribunal veio a dar como provados na casa da (…) e em (...)."
(…)
"E agora, pela relevância que alguns depoimentos - entre os quais os depoimentos das educadoras do Assistente AI, ou da sua “mãe” da família de acolhimento -  assumiram para a convicção do Tribunal,  quanto à  matéria de facto assente, quer em relação aos actos de abuso praticados pelo arguido A, quer em relação aos praticados pelos demais  arguidos na pessoa do AI  - sendo que  no que diz respeito à análise crítica dos factos relacionados com os demais arguidos, fazemos desde já a ponte com essa análise -, vamos, por súmula, expor o que foram estes depoimentos e como o Tribunal os interpretou.
Isto porque, não obstante de forma fragmentada os tenhamos vindo a invocar e os iremos invocando, a sua globalidade – cruzando com os dados que resultam da prova documental -  dá uma imagem mais coesa da vivência do assistente e dá, por outro lado, uma imagem do que era, efectivamente, o controlo que o assistente tinha no lar, a proximidade e o conhecimento que as educadoras tinham da vivência do AI.
Mas também  importante – porque se as questões da memória, dos lapsos ou dos esquecimentos,  são relevantes para aferir da credibilidade e da veracidade das declarações dos assistentes, também o são para as testemunhas e demais declarantes - dá-nos uma ideia do que hoje as testemunhas conseguem recordar e transmitir  dessa vivência e proximidade.
(1) A testemunha YV (educadora na AX de Março de 1997 a 2006), foi educadora do AI no Lar FU (ainda em 1997, de acordo com as suas palavras, mas quando chegou a este Lar o AI já lá estava, mas ainda ia às aulas a BF), durante  quatro. A sua equipa de educadoras era com a educadora YW  e YX.
Falou do controlo que era feito por análises aos educandos do Lar, de seis em seis meses, as quais, de acordo com o seu conhecimento, até “certa altura” eram guardadas no processos dos educandos e aos quais os educadores tinham acesso (depoimento que, nesta parte, foi relevante para a prova desses factos, pelo que expressamente o mencionamos).
Falou dos “livros de ocorrências dos Lares”, explicando que eram registos de passagem de serviço, preenchidos pelas educadoras e onde anotavam o que se passava com os educandos, sendo que na sua perspectiva tinham cuidado em anotar o que fosse mais relevante.
(1.1) Quanto ao AI, disse que o educando viveu uma fase em que “estava transtornado sexualmente” - explicando que fazia jogos sexuais com educandos muito mais novos que ele, o que a testemunha considerava que não era normal e daí considerar que estava transtornado; explicou a razão pela qual usou a palavra  transtornado e foi porque o  AI “abusou de alguns miúdos” -. Disse que o próprio AI falou com a testemunha  sobre ter abusado de um rapaz de outro lar .
Transmitiu à Directora do (...), à Dra. YY (cfr. Apenso Z-10, fls. 2 e 3, Documentos relativos aos Educandos, Equipas de internato dos Lares e Mapas de directores, coordenadores (...)s, enfermeiros, dos (...)s e lares da AX)  -  tendo acrescentado, a esclarecimento que lhe foi pedido, que “naquela altura” não se faziam actas das reuniões da  equipa do lar, tiravam apenas notas de trabalho – elementos que o Tribunal depreendeu serem os que se encontram a fls. 429 a 446, do Apenso Z-15, 1º Volume - , acrescentando que as duas psicólogas que fizeram parte da equipa do lar e que participavam nas reuniões, foi primeiro uma psicóloga chamada KKP e depois a JJO. Na sequência deste acontecimento e conversa a testemunha marcou  uma consulta de pedopsiquiatria para o AI.
(1.2) Este depoimento contribui para a percepção e convicção do Tribunal,   quanto ao processo de degradação -  no que diz respeito à sua estabilidade - que o AI viveu desde que entrou para a AX. Processo este, de degradação, que tem consistência  com os actos de abuso de natureza sexual que relatou ao Tribunal ter sofrido.
Assim vejamos. A testemunha localizou no tempo este incidente do “abuso sexual”  de um colega mais novo: “cerca” de um ano ou “quase” um ano, antes de terem sido conhecidos na comunicação social os factos deste processo, o que aponta para terceiro trimestre de 2001.  Disse que foi pouco antes da sua saída do Lar, o que aponta para o mesmo período.  E do teor do documento de fls. 229 - do Apenso Z-15, 1º Volume, (ponto III, 1.) -  resulta que o (...) BQ mandou instaurar, em 7/09/2001, um processo de averiguações, por situação relacionado com o educando AI e o educando PM, o que aponta para período anterior, embora próximo, da data do despacho.
Mas a testemunha disse que “antes” deste episódio andava a “sentir” o AI diferente, extraindo-se do seu depoimento que, para si, este incidente foi o agravar de uma situação. Disse que o AI era uma criança que “custava exteriorizar as coisas”, “sofre para dentro, muito com ele”, no  princípio era revoltado, mas o  que a testemunha considerava que era o normal  numa criança que já tinha tido uma má experiência  num (...), referindo-se à instituição onde o AI tinha estado antes de ingressar na AX.
E transmitiu a sua percepção – quanto ao processo degradativo da estabilidade do AI -  da seguinte forma:  após a testemunha ter entrada para o Lar FU o AI já lá estava (no Apenso Z-10, fls. 7 - Documentos relativos aos Educandos, Equipas de internato dos Lares e Mapas de directores, coordenadores (...)s, enfermeiros, dos (...)s e lares da AX - o Tribunal tentou encontrar a data concreta em que a testemunha foi para o lar FU, pois como disse primeiro foi para o BE e só depois é que foi para o FU, mas sem sucesso, porque não tem esta última referência; no entanto temos que o AI entrou em Outubro de 1997, que a testemunha também entrou em 1997, mas que quando a testemunha  entrou o  AI  já lá estava, pelo que a entrada da educadora foi após 17/10/97). 
Quando  conversou com o AI, por este estar  “perturbado”, depreendeu-se da dinâmica do seu depoimento que foi numa altura em que ele ficou “mais perturbado” e  a perturbação já vinha de momento anterior.   Não conseguiu  explicar mais quanto a datas e ao tempo,  dos episódios anteriores de perturbação, dizendo que “… isso é daquelas coisas que as pessoas juntam um mais um são dois…” e, de facto, isto é muitas vezes a forma como a memória consegue, anos mais tarde, recuperar os factos… 
Deu no entanto elementos.  Disse que AI  “… era uma criança prestável…era uma criança que se via que era sofrida….(…) Eu  notei que a partir de certo momento, a equipa começou a notar que o comportamento do AI era diferente…(….). À medida que se foi agravando, que nós demos por isso…como sabe são vinte crianças, os lares são grandes… (…) é como os nossos filhos, não andamos sempre em cima deles (…) e eu tive conhecimento disso…desses…(…) da masturbação…(…), da cama pronto, comecei a achar aquilo tudo muito estranho, porque não é normal uma criança estar a masturbar-se numa sala onde qualquer pessoa pode entrar …(…). Depois foi quando ele me disse, quando houve aquele facto e que eu falei com ele, porque foi com uma criança do outro lar…e eu falei com as duas crianças(…)”.  E voltou a dizer que  foi na sequência desta última conversa com o AI que falou com a Directora do (...) e marcou a consulta de pedopsiquiatria para o educando (para a  Dra. GK).  
No entanto do seu depoimento depreende-se que esta não foi a primeira consulta do AI com a Dra. GK,  ele já tinha ido a (...) anteriores. Disse que nesta altura a testemunha saiu do internato e soube “mais tarde” que o AI não tinha ido mais às (...)  (lembramos que  a testemunha no início do seu depoimento dissera que esteve quatro anos no lar, tendo entrado após 17/10/1997, pelo que a sua saída ocorreu no final de 2001 ).
Falou de um outro incidente relacionado com a instabilidade crescente do AI enquanto esteve na AX – mas ocorrido em momento anterior aquele em que houve o abuso sexual” de um colega mais novo -  e que foi uma situação em que o AI fora “apanhado” a tentar  penetrar o ânus com uma  peça da cama, explicando que era  “maçaneta”. Não conseguiu localizar no tempo este episódio, dizendo que era difícil para si dar as datas, não só deste episódio mas da outra situação que referiu, a do “abuso sexual” do AI em relação a um colega mais novo de outro lar.  
(1.3) Cruzando este segmento do depoimento da testemunha com os elementos documentais  que já citámos – quanto à evolução do AI após a entrada na AX -, eles corroboram esta percepção da testemunha da evolução do AI,  de um processo de evolução de “perturbação” para  “perturbação mais grave”.
Como vimos, a fls.  375 (do Apenso Z-15, 1º Volume), documento datado de 26/03/98 - e de cujo teor se depreende dizer respeito quer ao AI quer ao seu irmão -, consta que o AI está bem integrado e gosta de agradar.
A fls. 374 (do Apenso Z-15, 1º Volume),  documento datado de 4/06/98, três meses depois do anterior e cerca de 7/8 meses após a entrada na AX,  é dito que a família de acolhimento acha que o AI mente muito, está revoltado (com o pai), garoto fechado; fls. 372 (documento de 14/10/98) o AI continua a parecer uma panela de pressão, o que, face à leitura dos documentos que se seguem, o tribunal interpretou como expressão de instabilidade, agressividade e impulsividade.
 A fls. 371 vº, documento datado de 9/11/98, informação referente à escola, disseram que o garoto está bem e tem aproveitamento razoável; mas a  fls. 369 (datado de 20/11/98), onze dias após a informação anterior, é dito que o AI  parece uma panela de pressão prestes a explodir, desinteressado, não cuida da higiene, fica contente quando a família de acolhimento aparece, bate nos mais novos e é agressivo, tem dificuldade em reconhecer autoridade - narração esta que tem alguma ressonância/correspondência  com o momento em que o Tribunal localizou, embora dizendo que foi  pelo menos nessa altura,  o início da série de actos em casa do arguido A.
A fls. 364 (27/05/99) o AI  é muito fechado; a fls. 360 (14/10/99) a professora considera que anda mais triste que o ano passado, as educadoras referem que durante as férias chorou com saudades da mãe; fls. 362 (28/10/99) o Educador BBX diz que chega atrasado de manhã, mas tem bom comportamento e está bem integrado, não tem faltas intercalares e a DT telefonou, acha-o muito triste; fls. 359 (15/12/99) a família de acolhimento não está tão envolvida com ele.     
A fls. 444 a 446 vº (do Apenso Z-15, 1ºvolume), encontra-se (por ordem sequencial de datas): a necessidade de encontrar forma de ajudar o AI (fls. 446, 25/01/00); em reunião na (…), AI é sossegado mas pouco atento, está mais contente (fls. 446 vº, 3/02/00);  AI utiliza o desenho para comunicar, é muito defensivo, controla de forma deformada os impulsos sexuais e é agressivo (cfr. fls. 445 vº, 23/02/00); fls. 348, 24/02/00, a FA (Família de Acolhimento) não tem confiança no AI, não o deixa ficar sozinho porque mexe nas coisas sem autorização, só quer ver TV ; fls. 347, 28/02/00, necessidade de controlo da sexualidade e da agressividade.   
No “Apenso W-16, 1º Volume” e “Apenso W-13, Livro 1”, em 12/02/00 (fls. 155, Apenso W-16, Livro 1º) temos o registo da referência ao incidente com uma colega (…), havendo o registo de 21/02/00, de um telefonema para a equipa de pedopsiquiatria sobre consulta do AI, o que exprime o sentido de estar a ocorrer  situação suficientemente preocupante, para o educando necessitar de acompanhamento.
A fls. 208, o registo de 28/02/00, em que a educadora escreveu que o educando chegou ao Lar  passavam das 19.15h, disse terem ficado a ver filme com Professora e a 29/02/2000, educadora telefonou para a (…) a confirmar o que o “menino” disse ontem. Falou com Educador BBX e não sabia de nada, ficou de confirmar com professora, mas história esquisita;  e escreveu, ainda,  que ontem este menino estava no quarto e fui espreitar, estava de joelhos na cama “a fazer não sei o quê ou nem quero saber ao certo, porque já estou a achar que ele está com pancada e não é na «cabeça de cima»...” (descrição esta que tem alguma correspondência com o percurso de crescente instabilidade que a testemunha disse ter pressentido no AI, ao longo do tempo em que esteve no lar e relacionada também com comportamentos de natureza sexual).
Em 7/07/2000 foi feita uma informação do “Serviço Social – JP” para a Directora do BF, resultando deste documento que se destinava  a reenviar para o Tribunal de Menores (cfr. Fls. 24 a 29 do Apenso DD).
Esta informação refere que o AI era seguido na consulta de Pedopsiquiatria desde Abril de 1999, pela Dra. GK, mas também diz que o jovem gosta de estar no Lar, revela-se ora imprevisível e agressivo ora meigo e submisso, mas “...nota-se um maior autocontrole do comportamento, conseguindo manter boa relação com a maioria dos colegas e adultos. Mostra-se mais participativo e disponível para as actividades quotidianas do Lar...” ( cfr. Fls. 24 a 29 do Apenso DD; e cfr. Apenso Z-15, 1º volume, fls. 432 a 443 ).
De fls. 17, do “Apenso DD”, consta que o AI  “(...) está a ser medicado pela Dra. GK desde Outubro de 2001 com anti-depressivos...”.
Estando anexo a este documento o relatório feito pela Dra. GK e  datado de 12/09/2001 (a Pedopsiquiatra que acompanhou o AI desde Abril de 1999; cfr. Fls. 19 e 20 do Apenso DD),  o qual diz que o AI  é seguido na consulta desde Abril de 1999, por “...comportamentos de oposição e agressividade...”, fala das marcas que revela pelo abandono familiar, que tem um “... sofrimento depressivo importante que só raramente é expresso directamente pela sua atitude, tendendo a manifestar-se através de comportamentos de revolta, com passagens ao acto impulsivas e descontroladas...(...)”, mantendo a necessidade de tratamento pedopisiquiátrico” (a Dra. GK foi confrontada em audiência de julgamento com este documento e confirmou ter sido feito por si, embora não se recordasse qual a situação concreta que levou à sua feitura; no entanto acentuamos que alguma alteração, para “pior”, aconteceu no processo de estabilidade do AI, pois passou a esta medicado com anti-depressivos).
Para o tribunal este relatório de 12/09/2001, face à sua data ­– e conjugando-o com os elementos que acima já referimos, para a determinação da “altura” em que ocorreu o incidente  do “abuso sexual” do AI em relação a um educando mais novo –, deve corresponder com a altura em que a testemunha YV disse sentir o AI “mais transtornado”, altura em que ocorre uma situação que é configurada como de abuso do AI em relação a um aluno mais novo. E tanto assim era que, a partir de  Outubro de 2001, o AI passou a ser medicado com anti-depressivos, medicação que devia tomar em Junho de 2003, mas não estando o Assistente a aderir ao acompanhamento (cfr. fls. 333, do Apenso Z-15, 1º Volume).
Mas o seu ciclo de transtorno  e com transtorno relacionado também com comportamento sexual,  que a testemunha disse que já vinha de trás, tem reflexo para o Tribunal em fins de 1998 (ver a informação de fls. 368, do Apenso Z-15, 1º Volume, que referimos), que se desenvolve em 1999 (ver a informação de fls. 364, de 27/05/99; a de fls. 360, de 14/10/99; com o registo de fls. 362, de 28/10/99, em que o educador da escola diz que tem bom comportamento, mas a DT acha-o muito triste) e que pelo menos em Janeiro de 2000 apresenta uma evolução,  que pelo menos pontualmente, interpretamos como mais grave, com o registo de fls. 446, de 25/01/00, em que é dito que há necessidade de encontrara forma de ajudar o AI (associamos o que antecede, ao seguimento do AI pela Dra. GK desde Abril de 1999).
(1.4) Prosseguindo com o depoimento da testemunha YV,  a educadora disse ao Tribunal que na altura em que marcou a consulta do AI para a Pedopsiquiatra  falou com o educando.
Perguntou-lhe se “tinha acontecido alguma coisa com ele” e que respondeu que sim. Disse-lhe que foi “antes” de ter ido para a AX,  tendo a testemunha ficado com a “impressão” que tinha sido um namorado da mãe. Mas manifestou  dúvida quanto à precisão da pessoa, pois depois de ter dito ao tribunal  que teria sido um namorado da mãe, disse que o AI não lhe tinha dito concretamente quem tinha sido.
Num terceiro momento, a pedido de esclarecimento do Tribunal -  se tinha sido mesmo o AI que tinha identificado essa pessoa ou se o AI tinha dito alguma coisa da qual a testemunha tivesse deduzido que era isso que o AI queria dizer -  respondeu: “... não... não, foi ele que me disse que, quando eu lhe perguntei se tinha sido ali na AX e ele disse-me que não,  que tinha sido quando estava com a mãe ... um amigo, mas foi um bocadinho tirado a ... foi um bocado induzido não é ... e por isso é que eu não quis forçar mais ... naquela altura não era altura para se estar a forçar a criança para dizer ... e acho que isso também seria trabalho dos outros técnicos a continuidade ...”.
Perguntou ao AI o que é que ele sentia quando fazia aquilo – e “aquilo” foi o acto de “abuso sexual” de um colega mais novo - e o assistente respondeu-lhe que “sentia” que era como se estivesse a fazer aos outros, aquilo que lhe  tinham feito a ele. Estava transtornado, a impressão que a testemunha colheu é que era quase como que uma vingança, como uma necessidade de castigar. Esclareceu que não pressionou  o AI com mais pormenores, pois o AI estava a chorar. 
  Relatou, também, que “mais tarde”  - em relação à altura em que conheceu o AI - , a colega (educadora) YW disse-lhe que o AI sujava “ as cuecas com cocó”, mas disse que isto aconteceu “meses, um ano” antes da conversa que teve com o AI e que acima contou ao Tribunal (sobre os actos com um colega mais novo) .
 Ainda relacionado com este educando,  disse que foi discutido em reunião do lar, em que esteve presente, o facto de o AI andar a apanhar boleias do arguido A. Foi  dito ao educando para não apanhar boleia de ninguém e para  fazer os percursos para a escola de transportes.  A razão de ser desta proibição, embora tal não tenha sido explicado desta forma ao jovem, foi a percepção que a testemunha teve que “havia pessoas” na AX que não confiavam no comportamento do arguido A, compreendendo-se no trato com os alunos, pois caso contrário não tinha falado com o jovem.
Quanto a este facto relatado pela testemunha – boleia do arguido A -, encontramos  o registo no Livro de ocorrência datado de “21/04/00 -28/04/00, a fls. 253, Apenso W-16, 1º Volume. No entanto no Apenso Z-15, 1º volume, documentos referentes ao processo psicossocial do assistente e onde estão as anotações das reuniões da Equipa de internato ou no Apenso DD, o processo individual do educando, não encontramos registo deste episódio.  
A testemunha disse que não viu o AI com “sinais de riqueza”, ténis, roupa de marca ou jogos electrónicos, tendo-se apercebido de uns ténis que o AI comprou e de uma mochila que não era dele, que lhe disse que tinha trocado com um colega. E de umas chuteiras que ele trouxe, que disse que tinha sido A que lhas dera.  Relacionado com estes factos relatados pela testemunha – ténis ou chuteiras e lembrando que  quanto às chuteiras,  o arguido A disse espontaneamente ao tribunal que deu uma camisola e umas chuteiras ao AI, porque o AI gostava muito de futebol -, convocamos um registo no Livro de ocorrência datado de “24/01/00”, referente a “ténis”, dizendo que o AI comprou uns ténis para si e para o irmão, interrogando a educadora onde é que arranjou o dinheiro, cfr. fls. 155, Apenso W-16, 1º Volume. Mas no entanto no Apenso Z-15, 1º volume, ou no Apenso DD, também não encontramos registos deste episódio, sendo que quanto às chuteiras não há qualquer registo nem no livro de ocorrências, nem nas anotações do processo psicossocial, relativas às reuniões da equipa de internato.
Em relação às faltas  à escola do AI, a testemunha não se recordou de receber comunicações da escola a dizer que ele faltava, lembrando-se contudo que ele saía “muito cedo”, o que a testemunha pensava que era para apanhar os transportes, para a escola. Mas relacionado com este segmento do depoimento da testemunha, “faltas” e “chegar atrasado à escola”,  temos os registos no livro de ocorrências que confirmam este facto de forma que o Tribunal considera globalmente sequencial e repetida,   desde 27/10/99 a, pelo menos (tendo em atenção o período que está em análise, face aos factos imputado ao arguido A) 16/05/2001 (lembrando que não temos os registos dos livros de ocorrência anteriores a Junho de 1999 –,  cfr, fls. 185, Apenso W-13, Livro 1).
Mas aqui chamamos a atenção  para dois factos – relevantes não só para análise dos elementos relativos a registo de faltas escolares do assistente AI, mas também dos demais assistentes e para outros factos – e que é, por um lado, o da fidedignidade dos registos dos livros de ocorrências e, por outro, o que é a memória das testemunhas. 
Do que foi a memória desta testemunha, por exemplo, quanto às faltas do AI – e como veremos acontece situação idêntica nas testemunhas seguintes -, face aos registos que constam no livro de ocorrências  há, efectivamente, uma situação sequencial de anotações relacionadas com faltas do assistente e da qual a testemunha não tem, neste momento, a percepção.
E do que é a fidedignidade dos livros de registo de ocorrência, não encontrámos registo de referência à situação das chuteiras dadas pelo arguido A ao assistente (embora tenhamos que equacionar que tal possa ter ocorrido em data anterior aquela de que temos registos), nem encontramos referência ao “problema” do AI de sujar a roupa interior com fezes, o que, de acordo com o seu depoimento, ocorreu em período em relação ao qual temos os registos dos livros (nem à situação referida pela testemunha NL,  de o AI ir aos fins de semana para casa de um amigo que não sabiam quem era,  pois o registo que existe no livro de ocorrências  é à proibição de o AI ir para casa do amigo ao fim de semana, enquanto os pais do amigo não fossem falar ao lar, pois as educadoras a determinada altura aperceberam-se que o AI passava o fim de semana fora do Lar, em casa de um amigo que não sabiam quem era). 
Esta testemunha disse, ainda, que falou com o AI “depois de o escândalo rebentar” , perguntou-lhe porque é que este não lhe contara e o AI  respondeu -lhe “Para quê (…)?”. Mas acrescentando a testemunha - quando a defesa do arguido H repetiu a sua resposta,  em jeito de interrogação,  “ ...e ele disse para quê?” -, explicando o sentido da pergunta que fizera ao AI e a resposta que ele dera, “…como quem diz, porque é que não me disseste que tinha sido ali, disseste lá fora, que tinha sido antes… e ele disse para quê?...”.
Aqui voltamos um pouco atrás.
Quando a testemunha falou da conversa que teve com o AI, por causa do abuso do colega mais novo – em que o AI “justificava” o que fez por vingança pelo que lhe tinham feito a ele, chorava, manifestava sentimento de vingança  e, pelo que foi o depoimento da testemunha, estava em sofrimento -, a testemunha ligou tal estado do AI a uma situação de abuso sexual que o educando tinha sofrido, mas “pelo namorado” da mãe do AI, embora tenha esclarecido que não foi o AI que lho disse, foi a testemunha que o induziu .
A situação descrita pela testemunha foi, para o Tribunal, expressão e testemunho do sofrimento em que o AI estava nessa altura,  sofrimento este relacionado a uma situação de abuso que tinha sofrido.  E, na convicção do tribunal, abuso este relacionado com os factos que o Tribunal deu como provado nestes autos e não com a suposição da testemunha, de abuso de um namorado da mãe do AI
Dizemos isto pelo seguinte. A conversa que a testemunha relatou ter tido com o AI, já depois do conhecimento dos factos deste processo – a que acima referimos e que surgiu na instância à testemunha da Defesa do arguido H -, na avaliação do Tribunal  aponta para isso. Do processo individual do AI  prévio ao seu internamento – e lembramos que o AI já vinha de uma institucionalização anterior e, em regras, as situações de abuso sofridas pelas crianças fazem parte do seu processo -, dos registos e relatórios que existem na AX e que transcrevemos, do depoimentos de todas as testemunhas que contactaram com o AI e/ou foram suas educadoras, não há qualquer referência ou conhecimento de na sua história, anterior à entrada na AX, na sua vivência familiar, já houvesse situação de abuso sexual. E lembrando que a testemunha esclareceu que não foi o AI que directa e claramente disse à testemunha a “identificação” da pessoa que tinha sido o autor do abuso,  mas foi, nas palavras da testemunha, “induzido” pela sua conversa. 
(2) A testemunha  YM (a “mae” da “ Família de acolhimento” do AI, quando este saiu de uma instituição em que se encontrava internado, com o irmão WJ e antes de ter entrado para a AX), explicou que acolheu como família e transitoriamente o AI e o irmão, apenas enquanto os serviços competentes procuravam uma instituição para os jovens, mas que a sua família continuou a receber o AI e o WJ aos fins de semana. Disse que tal  foi de forma regular, tendo o tribunal concluído do seu depoimento que, no primeiro ano de internamento do AI na AX, a ida a casa ao fim de semana foi “mais vezes” do que no segundo ano (tendo acrescentado que os fins de semana era com ida para casa da testemunha à sexta feira e regresso à AX ao Domingo; mas que no ano 2000 teve uma fase em que o AI só ia a sua casa ao domingo ao almoço).
Descreveu o AI como um rapaz meigo e que até os funcionários da escola onde o AI esteve matriculado, antes de ir para a AX, gostavam dele.
A pergunta que lhe foi feita pela Defesa, corroborou  uma declaração que o AI tinha feito ao tribunal sobre os programas que via na televisão – declaração esta relacionada com o conhecimento ou possibilidade de conhecimento do AI, através da televisão, do arguido H -, dizendo que os programas de televisão que o assistente via quando estava em sua casa,  eram  do  “Cartoon network”, tendo utilizado a expressão que via este canal “ de manhã à noite”. Respondendo a pergunta que lhe foi feita pela Defesa do arguido H, disse que a “pessoa H” era conhecida pela testemunha e pelo marido, mas pelos seus filhos – com  idades próximas do  AI -, não sabe se o conheciam, dizendo que do AI nunca se apercebeu qualquer comentário “à pessoa” do arguido H
Disse ao Tribunal que nunca notou alteração comportamental do AI (embora notemos o registo que atrás referimos, da menção por parte da Família de acolhimento de o AI mexer nas coisas sem autorização), mas acrescentou que enquanto com o irmão do AI (o WJ) se tivesse qualquer problema, “tudo ficava a saber”, com o AI era diferente, porque “ele não falava”.  Esta parte do depoimento da testemunha, que viveu de perto com o AI – vimos que  em 1997, por exemplo, o AI vai para sua casa em Fevereiro e só entra na AX em Outubro – vai  ao encontro do que acima vimos, nos documentos e relatórios em que o AI é visto como um rapaz fechado e ao encontro do que foi o depoimento da testemunha YV, quando falou da dificuldade do AI em exteriorizar os seus sentimentos.
Disse, também, que quando o AI foi transferido de Lar na AX, quando passou para o FD  esteve “muito tempo” sem vir a casa e o que soube pelo WJ, por causa da mudança,  é que “não tinha sido nada de especial”. Foi perceptível para o Tribunal que a testemunha não teve conhecimento de todos os problemas que acompanharam o crescimento do AI, a partir do momento que entrou para a AX. O que  também permitiu ao tribunal ter a percepção de que o relacionamento que o AI tinha com esta família, apesar de ser de certeza gratificante para si, pois foi perceptível do seu depoimento que gostava de ir para esta família, não foi de intimidade e que o AI não partilhava com eles as suas dificuldades.
O que, em alguma medida, concorre para se perceber a reacção e sofrimento do AI, quando teve a conversa “sobre” abusos, com a testemunha YV.
Disse que viu o AI e o irmão com roupa de marca, embora não revelando mais conhecimento quanto à sua proveniência .
E disse, também, que não teve conhecimento dos factos deste processo antes de terem sido divulgados. Mas disse que depois de terem vindo a público uma jornalista da  DR  tentou falar com o AI, bem como um jornalista chamado BO.  Nunca se apercebeu que o AI se gabasse de coisas que fazia, nunca lhe notou qualquer comportamento “antes de o escândalo rebentar”, nem depois. A primeira vez que ouviu que o AI tinha alguma coisa “a ver com isto”, foi quando a “jornalista IP” lhe telefonou e o AI também não lhe quis dizer o que se passava. Da forma como o AI falou ficou com a ideia que não queria falar, a testemunha ainda tentou “falar com ele” mas o AI não quis  e também não se abriu com o marido da testemunha.    
Do seu depoimento resultou que o AI não quis falar para a comunicação social, o que foi confirmado pelo AI. Este aspecto tem relevância atenta uma das linhas de defesa dos arguidos, a referida criação de uma história por parte dos assistentes, a que uns foram aderindo consciente ou inconscientemente. Para o Tribunal este depoimento concorre para demonstrar  que o AI não se quis exibir, não viu a comunicação social como um meio para se sentir importante, querido, herói  ou gratificado.
O que retira algum sentido e lógica, na perspectiva do Tribunal, à  tese que imputa ao assistente estas motivações para estar a mentir e a criar uma história  - no fim de 2002 princípio de 2003, altura em que começou a investigação do processo -, envolvendo os arguidos C, K e H, bem como N e Q mas dividindo a imputação de crimes aos arguidos por locais: aos primeiros numa casa na (…) e ao segundo numa casa em (...).     
(3) A testemunha ZF (educadora na AX desde 1974 e no BF desde 1975),  falou do AI, do tempo em que o mesmo esteve no Lar FU e a testemunha era educadora (disse ter ido para este lar em 29/11/00, o que corresponde, de acordo com a convicção do Tribunal e que acima expusemos, ao período até ao qual o Tribunal deu suficientemente assente os  actos de abuso praticados pelo arguido A no AI).
Disse que numa altura o AI apareceu com uns ténis e  uma mochila novos – esclarecendo, num segundo momento, que os ténis foi numa altura e a mochila noutra - , perguntaram-lhe sobre aqueles objectos e ele calava-se ou mentia (localizando este incidente da mochila em Setembro de 2001, no início do ano lectivo).
Lembra-se, também, de umas ocorrência do AI com uma educanda – JJP -, recorda-se que assinou essa ocorrência mas não se tinha passado consigo, mas com outra colega. Fizeram a comunicação superiormente do que tinha acontecido, é o único incidente que se recorda com o AI, não sabendo se o AI foi transferido por causa deste incidente (para um  Lar de CZ, sendo que dos documentos que acima mencionámos, quanto ao pedido da equipa técnica, em 2002, da transferência do AI para um lar de educandos mais crescido e masculino, na perspectiva do Tribunal são explícitos os problemas e a natureza dos problemas, com que as educadoras não conseguiam lidar;  e ver que a  testemunha foi confrontada com os documentos constantes de fls. 4, de 31/05/02, 10 e 16 do Apenso DD, tendo dito que os de fls. 4 e 10 foi a testemunha que assinou, tendo “participado” na sua elaboração e o documento de fls. 16 foi da situação que tinha relatado ao tribunal, do AI com uma educanda;  esclareceu que os documentos que estão no Apenso DD – e isto depois de os ter visto -, não era o “processo individual” que estava no Lar, o do Lar era outro).
Quando chegou ao Lar “havia uma dinâmica” de  o AI ir uma vez por mês para uma família de acolhimento. No que diz respeito aos fins de semana no seu lar estavam cerca de 6/7 alunos no (...) e os educando, quando iam fazer uma actividade para fora do lar, iam acompanhados pela testemunha. No entanto, vemos que nos livros de ocorrências deste lar e de onde retirámos os registos quanta a faltas ou comportamentos do AI, existem os registos das idas do AI e/ou  de outros colegas, sozinhos, sem educador, ao cinema ou jogar à bola para o (…) (cfr. a título de exemplo,  Apenso W16, 1º Vol. Fls. 27, em 19/09/99; fls. 2036, Apenso EJ, Vol. 5.2, de 22 ou 23/10/99; Apenso W16, 1º Vol.  fls. 142 em 8/01/00; fls. 155, registo 21 ou 22/01/00; fls. 259, registo de 28/04/00; fls. 283, em 12/05/00; mas havendo continuidade deste procedimento, conforme registo, por exemplo, do Apenso W-13, Livro 1, a fls. 51, de 7/01/01; fls. 79, de 28/01/01; fls. 140, em 25/03/01).
Nunca se apercebeu que o AI tivesse estado “desaparecido” durante um dia ou tarde de sábado, lembrando-se apenas de uma situação, durante a semana,  em que ele não foi às aulas e a Directora (da IIR) telefonou para o Lar. Não tem, também, ideia de o AI ao fim de semana ir para casa de um amigo, tendo dito que “lembrava-se” de ter “ouvido” qualquer coisa, mas não revelou qualquer conhecimento concreto (ver registo Apenso EJ, Vol. 5.1., fls. 1887, de 20/10/00; fls. 1899, registo de 20/12/00 embora o mesmo refira que foi combinada a ida, mas não se percebe com quem; e depoimento da testemunha NL e as anotações que referimos por causa do conhecimento da família de um amigo para onde o AI ia). 
Disse, também, que não teve conhecimento que o AI tenha sofrido alguma situação de abusos sexuais ou de maus tratos, na instituição onde estivera anteriormente à AX, o que teve relevância para o que atrás dissemos,  aquando da análise do depoimento da testemunha YV, quanto ao (nas palavras dessa educadora), ter sido “induzido” por si a relação de “um namorado” da mãe do AI, com a situação de sofrimento em que o AI estava, por causa de um abuso (há que ver, também, que de acordo com os elementos dos autos, de 1997 a 2000 o AI não conviveu com a mãe, não passou os fins de semana com a mãe - cfr. Apenso Z-15, 1º volume).
Quanto à saúde do AI, era saudável, apenas se lembrando de ter acompanhamento da Dra. GK. Quanto a qualquer alteração de comportamento, disse que ele deixou de ser alegre, teve o comportamento com uma educanda, tanto que pediram a sua transferência do lar, referindo que isto foi a partir da altura em que apareceu com a mochila (e que localizou no início do ano lectivo de 2001).
(4) A testemunha YW (educadora do Internato, tendo entrado para a AX em Outubro de 1986, tendo sido educadora no AI no Lar FU de 1997 a 2000), disse ao tribunal que um colega educador, de nome “(…)” e  que já morreu, disse-lhe para não deixar que o arguido A andasse “ muito com os meninos”, mas nunca lhe explicaram porquê e a testemunha também não perguntou. Foi expressiva no que disse quanto ao não ter perguntado “…porque na altura nós estávamos assim um bocadinho ... também…era…o que era dito era dito…diziam para fazer , nós fazíamos, muitas vezes nem sequer questionávamos porquê…”.
O AI foi seu educando desde o princípio do Lar, teria 12 ou 13 anos. Estava a estudar em BF e depois , após ter acabado o 2º ciclo foi para a IIR. Ia de transportes públicos, ia  “cedo”, a testemunha não sabia a hora certa mas antes das sete horas “de certeza”. Mas houve uma vez que veio para o Lar de boleia do arguido A, foi um dia que chegou mais tarde do  que a hora estipulada.
Esclareceu que isto foi-lhe dito pelo AI, nessa altura falaram com o AI e proibiram-no de aceitar a boleia, tendo o assunto sido comunicado à Directora.  Mas não pode garantir ao tribunal que o AI não tenha continuado ou apanhado boleis, em vez de ir de transportes.
Ainda em relação ao AI, relatou uma situação de um transporte que o arguido fez do jovem: a testemunha fez uma (...) em (…), combinou com o motorista que ia levar crianças para outras (...) que levasse um dos seus educandos para (…), esse educando era o AI. Ficou surpreendida por ter aparecido o arguido A no (...) para levar o jovem e já vinha acompanhado com outra criança do BE. A testemunha disse ao tribunal que ainda telefonou para a (...), mas disseram-lhe que não havia outro motorista. Localizou este episódio “talvez” em 1999, foi a última (...) que fez naquele Lar em (…) (foram os alunos do Lar FU e do BE; e pelos elementos do Apenso DX, fls. 11, a (...) de (…) foi no Verão de 2000).
Esclareceu que o AI “... não era, ele próprio não era um menino de faltar muito, isso não era ... tanto quanto eu me recordo disso, se algum educando faltasse ou chegasse com muita frequência ao lar, é prática (...) os directores de turma ou os (...) telefonarem ou os educadores de semi-internato (...) telefonarem para o lar a avisar... olha está a chegar atrasado, tínhamos esse cuidado....” acrescentando que eram os educadores do semi-internato que tinham este cuidado. Não se recorda de em relação ao AI ter recebido qualquer comunicação da escola a dizer que andava a faltar ou a chegar atrasado (convocamos, aqui, o que acima dissemos quanto ao que foi o absentismo escolar  e períodos em que tal ocorreu, do Lar, as referências no Livro de ocorrências às faltas e atrasos do AI).
Mas disse, também, que após o AI ter entrado no lar o arguido A, quando ia ao BF, dava ao AI e ao irmão um “dinheirito”, rebuçados, dava “sempre qualquer coisa” aos miúdos (declaração que confirmou na instância que lhe foi feita pela Defesa do arguido A). 
Após o AI ter saído do lar deixou de ter contacto com ele.
Do contacto que teve com o AI disse que ele “não foi sempre o mesmo”, mas acrescentou que “ as pessoas também não podem ser sempre as mesmas”.
Houve uma altura em que ele andava muito revoltado, porque não tinha muito contacto com a família. “...Houve alturas que ele estava muito mais irritado, nervoso... ele nunca foi assim um menino de ser muito mal educado,  que respondesse mal, isso nunca foi....”. E relatou o que disse terem sido (do AI) “...alguns comportamentos menos adequados em relação aos mais novos, na altura tínhamos três meninos novos pequeninos…”, comportamento este a que associou a  transferência do educando para CZ, mas não sabe, em concreto, qual foi o motivo da transferência.
Relatou, também, que a partir de “...uma certa altura, ele começou a aparecer com fezes nas calças...”, o problema foi (...)s superiormente, a testemunha disse que “... eu própria quase no final da... de estar aqui assim, ele ia aqui ao Centro de Saúde aqui da zona...”, foram feitos exames pela médica de família, incluindo uma radiografia que foi vista pelo “...(...) da casa, mas depois eu já estava de saída e o que me disseram foi que pronto... não era nada de especial, podia ser que fosse só um problema de espinha bífida mais nada....”, tendo acrescentado que “... isto teve a ver com a (...) de (…), antes (...) de irem para a (...) eles faziam análises, de seis em seis meses sensivelmente…”. Esclareceu que terá sido aproximadamente um ano após ter conhecido o AI que se apercebeu deste problema e na (...) (mas acrescentado imediatamente a seguir que no Lar já acontecia). Confrontou o AI com este problema e ele nada disse (quanto a este aspecto do depoimento da testemunha, o Tribunal teve em atenção o documento e fls. 54.432 a 54.433 vº, mas ver também o registo constante do Apenso EJ, Vol. 5.1, fls. 1881 vº, de 27/09/00).
E falou dos fins de semana do AI. A sua percepção é que ia casa  da família de acolhimento “...talvez de quinze em quinze dias...”, mas acrescentando num segundo momento “... os fins-de-semana do AI,  tanto quanto eu me recordo, ele ia ou de quinze em quinze dias ... no inicio não havia um grande ... não havia muita comunicação com a família biológica e só havia o contacto com a família de acolhimento (...), os dois irmãos iam à família de acolhimento (...), já não sei se ele ia todos os fins-de-semana ou se ia de quinze em quinze dias ... provavelmente ia de quinze em quinze dias ... mas isso eu não sei, não posso agora garantir, já não me lembro...”.
Quando ia para a família de acolhimento ia sempre com o irmão (WJ e que é mais novo que o assistente).  Apanhavam o comboio para (…), mas do (...) telefonavam previamente à família de acolhimento “... e  havia um contacto assíduo, se eles se estavam a comportar bem ou não nesse fim-de-semana, com a família de acolhimento...”, acrescentando que para si garante que quando os educando saíram para ir de fim de semana para a família de acolhimento, foram mesmo para aí, porque “... se a família de acolhimento sabia que ele nesse fim-de-semana ia para casa, se não aparecesse o AI o que é que acontecia?...”, concluindo que “... não, mas isso nunca ... o que eu acho isso nunca aconteceu,  eles iam sempre para a família de acolhimento porque havia o contacto com a família...”
Aos fins de semana aconteceu o AI sair sozinho para ir a casa da avó, tendo acontecido passar lá a noite, ou ir de manhã e voltar “à tardinha”, podia ir sábado de manhã e voltar sábado à  noite e estas visitas eram previamente combinadas. Por problemas familiares deixou de ir para a avó e esclareceu que houve alturas, quando ia a casa da Avó, que ia sozinho e não ia com o WJ, não se recordando se já vinha jantado para o  lar ou se jantava no lar. E tinha uma actividade (já com os 12/13 anos), que era ir aos bombeiros, era quase sempre ao sábado e ia depois de almoço, sendo numa altura em que já estava na IIR. Quanto a amigos do AI, não se recorda com quem acompanhava mais frequentemente.
E quanto aos educadores no lar ao fim de semana, disse que tentavam que um educador fizesse o sábado e outro o Domingo, sendo que durante a noite ficava um monitor, que entrava “à hora de jantar” ou “à hora de deitar”. Com a testemunha nunca aconteceu ter saído do Lar sem chegar o monitor.
(5) A testemunha NL (educadora na AX desde Janeiro de 1990), disse ser educadora do lar FU, onde foi educadora do AI, mas por a testemunha ter estado no  semi-internato do BF até ao ano 2000, conheceu-o quando este tinha 14/15 anos.
Para além de um incidente do AI com uma educanda do mesmo lar (uma criança de 6 anos), na casa de banho, nunca ouviu qualquer outra referência ao AI e que o envolvesse em actos de natureza sexual com outros educando, tendo confirmado a sua transferência para o CZ.  A memória que tem é que o AI costumava ir às aulas – na IIR -, embora tivesse um episódio ou outro de faltas não justificadas. Ia de transportes públicos para a escola e saia sozinho.
Quando a testemunha chegou ao Lar – dizendo que entrou em Setembro de 2000 -  teve conhecimento que com a equipa anterior o AI ia aos fins de semana para casa de um amigo, ia à sexta feira e vinha ao Domingo para o lar, embora não soubessem quem era. Aconteceu também ter ido durante a semana para casa deste amigo. Foi a equipa da testemunha que tentou saber quem era este amigo e a família, mas a mãe ou o pai  do amigo nunca apareceu. O AI deixou de ir e a testemunha disse ao tribunal não saber como aquela situação pode ter sucedido (ver, quanto a esta situação, os registos constantes de Apenso W-13, Livro 1, fls. 55, registo de 10/1/2001; fls. 59, registo de 15/01/2001).
Disse, ainda, que antes de estar no Lar esteve numa (...) em que o AI também esteve e “houve um episódio ou outro” em que o AI teve um problema de “não retenção de fezes”.  Foi visto,  levou o AI ao Dr. HY, foi observado e disse que não havia nada  e não teve conhecimento de mais problemas.  Disse, ainda, que nunca teve conhecimento de quaisquer rumores de abusos de natureza sexual na AX". (fim de transcrição)
Como dissemos a início, os factos dados por provados, ora em apreço (ponto 104. e segs.), não se basearam, contrariamente ao que vem alegado pelo recorrente C, apenas nas declarações do assistente AI, mas também na prova testemunhal produzida e na documental carreada para os autos, bem como nas declarações do arguido A, que corroboraram as daquele menor, quanto aos factos de abuso sexual de que este foi vítima na casa da (…). Ilustrando-o entendemos dever chamar aqui à colação o que na fundamentação do acórdão recorrido, se expendeu a este respeito e passamos a transcrever (cf. pág. 1172 e segs.):
“Introduzimos, agora, as declarações do arguido A quanto aos factos passados com o assistente AI na “Casa da (…)”.
O arguido A (na  audiência de julgamento 15/12/05, após ter ouvido as declarações do assistente AI) confirmou ao Tribunal ter levado o assistente AI a uma casa na (…) e a (...). 
O seu discurso foi idêntico ao das demais situações, não levou por qualquer combinação que tivesse feito directa ou indirectamente com os arguidos, foi dar boleias pedidas pelos jovens. À “casa da (…)” disse que  levou o AI e mais dois colegas, que eram da (…) mas não sabia os nomes, não tinham aulas, eles passaram pela garagem, iam apanhar o autocarro para a (…) e pediram ao arguido, que passava por ali, para lhes dar boleia para a (…).
Esclareceu que os jovens disseram-lhe  que iam ter com o Sr. (…), que o arguido disse não saber quem era, mas que os jovens disseram-lhe ser um grande amigo deles. O arguido ia buscar equipamentos dos iniciados do AX, que jogavam no CZ e levou-os. Diz que os levou duas vezes, num sábado e a uma sexta feira.
Disse que na (…) deixou-os mesmo ao pé  do sítio onde diz “(…)”, deu meia volta e voltou para o estádio do CZ, tanto na 1ª situação como na segunda (mas temos que notar que, anteriormente, mas nesta sessão, tinha dito que uma das vezes tinha dado boleia no seu carro particular, pois a seguir ia ver o jogo do AX com o (…), no campo do (…), não sendo, portanto, no campo do AX; e  num terceiro momento volta a dizer que deu boleia, “com muito gosto”, porque ia para o Estádio do CZ e dizendo que isto sucedeu na primeira e na segunda vez).  Disse também que não foi buscá-los, tanto da primeira como da segunda vez. E aqui justifica, de novo, o que tinha ido fazer da primeira vez (mas dizendo que da primeira vez tinha ido buscar os equipamentos e tinha que ir fazer um transporte dos alunos da Banda,  com o Professor de BF, às 17 h)."  (...)
"Estas declarações do arguido A vão no sentido de admitir alguma participação nos factos descritos pelo assistente AI - e concordância com alguns dos factos que o AI descreveu -, embora com um sentido diferente daquele dado pelo assistente.
O arguido diz que limitou-se a dar boleia ao AI e a outros rapazes para a (…): confirma a declaração do assistente que era ele e mais rapazes, o transporte foi feito pelo arguido A e o local era (…). Diz que não foi ele arguido que os contactou, não sabia ao que iam, não sabia o prédio em concreto, pois diz que se limitou a deixá-los na localidade, mas acrescenta - o que fez de forma espontânea no seu discurso, sem ter sido perguntado pelo Tribunal, pelo que é coisa que tinha presente -  que os jovens disseram-lhe que iam ter com “o sr. (…)”, mas que o arguido não sabia quem era.
Dizemos desde já que não estamos, porque não somos psicólogos ou psiquiatras, nem temos os conhecimentos específicos desses profissionais ou de outros nessa área, a fazer uma interpretação, justificação e avaliação das atitude do arguido perante o Tribunal, com intenção de ter o cariz técnico ou científico com que tais profissionais podem falar,  quando avaliam a mente, a estrutura, o comportamento, a personalidade de uma pessoa. Só esses, de facto, têm propriedade para falar e avaliar  com a  competência que essas ciências, que estudaram e nas quais adquiriram conhecimentos e competências profissionalmente reconhecidas, lhes atribui.
O Tribunal tem que analisar e perceber o sentido do contributo que esses profissionais podem dar. No entanto estes profissionais, os pareceres, os contributos, não se sobrepõem nem colidem com a função do Tribunal e no caso concreto dos Juízes. Pois nem só as competências e as regras que são pressu(...) do exercício de tais competências são diferentes, como o objecto sobre os quais se debruçam são diferentes.
Apesar de a pessoa observada ser a mesma, o objecto, as perspectivas e as regras subjacentes à observação são diferentes.
(...)
Quanto ao arguido C o arguido A nada refere, mas isso não afecta, nem retira à partida, credibilidade ou veracidade à declaração do assistente AI, pois esta omissão de referência do arguido A  faz sentido com a sua  posição ao longo do julgamento. Aliás nas declarações que prestou perante o Tribunal o sentido global da sua declaração foi que quanto ao arguido C nada sabia, nada falava com excepção do que veio a dizer e das declarações que prestou já em 2008, no decurso das Alegações, como já assinalámos (cfr. declarações do arguido A ma audiência de julgamento de 26/11/20008 e   9/12/20008).
(…) Continuando, confirmando o arguido A que deu boleias ao assistente e outros alunos da (…),  não está a falar de alunos de CZ/dos lares de CZ e dos que desses lares/(...) são assistentes nestes autos.
O que neste segmento  coincide com o sentido da declaração do assistente AI, que não identificou ao Tribunal os jovens que foram consigo como alguém que conhecesse ou que tivesse vindo a identificar, pois se fossem alguns dos assistentes - por exemplo, os que os arguidos envolvem na criação da história comum para os incriminar, AP, AV, AN, AT, Y -,  que tivessem ido consigo à (…), levados pelo arguido A, com o interrogatório e contra interrogatório a que assistente foi sujeito na audiência de julgamento pelos sujeitos processuais - e tendo por referência, sempre, o que são as características do assistente e que temos vindo a mencionar, quanto a vivência, processo de crescimento, escolaridade e o reflexo que isso em termos de normalidade pode ter na ponderação do que são as suas capacidades intelectuais -, para o Tribunal o assistente de alguma forma e em algum momento  tinha-o dito, acrescentado ou descaído na descrição.  
O que temos estado a dizer tem a ver com o que foram, para este Tribunal,  as declarações do arguido A durante a audiência, não só em relação a este assistente mas em relação aos demais. Isto é, o arguido A quando implica outros arguidos em situações que reconhece ter ocorrido ou quando faz declarações que possam permitir a inclusão de outros arguidos nessas situações, em regra não se exclui dessas situações.
Isto é, o arguido A não inclui outras pessoas e exclui-se de todo a si. O que faz é contar, quanto a si, a história de forma incompleta. Mas em algumas situações não deixa de dar elementos que nos permitem, em conjugação com demais meios de prova, chegar à sua real responsabilidade.
 E este foi o seu movimento global: o arguido admite a sua participação, embora configurando-a em termos diferentes do que está descrito no despacho de pronúncia ou do que foi dito pelos assistentes: por exemplo, admite ter levado jovens a (...), à (...) (…), à (…), mas foi sempre e apenas dar boleias que lhes pediram; quando admite ter-lhe sido entregue um sobrescrito com dinheiro, não era para si, era para os jovens, dando uma ideia de que nem sabia porque é que aquilo lhe era entregue a ele; e associando, também em regra,  que as boleias que deu em veículo da AX, foram dadas aproveitando serviços que ia fazer (entrando em contradição, neste aspecto, com a estrutura intrínseca do seu discurso ou com o discurso dos assistentes).  
Transpondo isto para a declaração que em concreto estamos a analisar, o arguido não fez mais do que repetir o movimento que teve nas suas declarações ao longo do julgamento: cola os transportes que admite ter feito dos jovens - mas chamando-lhe  “boleias” - com deslocações que na altura, ou por razão profissional ou por razão pessoal, por “acaso” na altura em que lhe pedem a boleia ia fazer ou tinha programado fazer.
Retomando o que acima dissemos sobre o arguido A, o Tribunal teve que compreender,  entender e observar a pessoa que teve na sua frente a falar. E como dissemos não foi imediato.  
Mas há  circunstâncias do “modo como declarou” que temos que assinalar: o arguido A em regra respondeu a todas as questões que o Tribunal lhe colocou e  em regra não prestou declarações com elementos na sua frente,  que o fossem ajudando a fazer referências a factos ou datas - normalmente declarava primeiro e depois eram-lhe exibidos documentos, quando foi o caso -, pelo que embora por vezes com um discurso repetitivo, com a inconsistência de data ou de referência temporal em relação a declaração que já tinha feito anteriormente, teve uma atitude espontânea  perante o Tribunal.  
(4) Ainda quanto às declarações que o arguido A prestou  nesta altura - i.e.,  após o assistente AI ter prestado declarações - e relacionado com os factos do AI, o arguido  A afirmou que nunca falou ao telefone com o AI nem com qualquer outro aluno, isso era uma mentira dos alunos. Mas notamos que anteriormente (cfr. audiência de julgamento de 13/01/05) dissera que tinha falado ao telefone com o assistente AV e com o assistente AI, embora quanto a este “… foi muito pouco tempo…” (localizando em 2000, 2001 e algum tempo de 2002).
A relevância de notarmos esta  declaração neste momento, para a prova dos factos relativos ao AI - e na avaliação do Tribunal -, tem a ver com o facto de o arguido, mantendo o padrão de confusão e incerteza que manifestou, pelo menos quanto a datas,  ao longo das suas declarações, escudando-se na noção de “pouco tempo”  (aquele durante o qual falou com o assistente AI), dá uma noção de continuidade de dois anos a dois anos e meio; o que, embora deslocado em relação à data em que o Tribunal deu como assente o início dos  factos passados entre o arguido A e o assistente AI, é consentâneo com a duração que o Tribunal apurou, através da análise objectiva dos documentos dos autos e das declarações do assistente.” (fim de transcrição)
Face a todo o ex(...), não tem, nesta questão, qualquer razão o recorrente.
Mais alude o recorrente, nas suas conclusões de recurso 264.ª a 266.ª, que: "A fls.6502 dos autos consta o auto de reconhecimento de local, respeitante à deslocação do Assistente AI com a Polícia Judiciária, em 7 de Julho de 2003, à zona da (…), para localização da casa onde teria sido submetido a abusos. Nesse auto foram consignadas declarações do Assistente, que referiu ter sido levado a essa casa pelo Arguido A para a prática de actos sexuais com um indivíduo adulto que não identificou. Sendo de notar que não se fez constar do auto que o Assistente tivesse dado qualquer indicação para que se chegasse à (…), nem que tivesse feito alusão a que se recordava da existência de uma placa “grafitada”, com a inscrição “(…)”."
E mais adiante, nas suas conclusões de recurso 314.ª e 315.ª: "O Tribunal, porém, deu relevo ao facto de o Assistente haver identificado o pormenor da placa a dizer “(…)”, com a letra “A” “grafitada” para parecer um “O”, como sustentando que o mesmo, de facto, realmente fora à tal casa da (…). Confrontado, contudo, com o auto de reconhecimento da deslocação para localização da casa da (…), a fls. 6502 dos autos, o Assistente diz que deu à Polícia todas as indicações para irem para a (…), até ter “bloqueado” quando chegou a uma escola, que não conheceu, nem sequer tendo conseguido encontrar o prédio."
A este propósito escreveu-se no acórdão revidendo:
"Feita a súmula que antecede, quanto ao depoimento das testemunhas, passemos, agora a fazer,  de forma mais individualizada  a análise crítica da prova em relação aos factos que o Tribunal deu como provado, como tendo ocorrido numa “casa na (…)” e em “(...)” com este assistente.
Após ter falado nos factos ocorridos com o arguido A, o Tribunal pediu para o assistente dizer locais, se é que tivesse havido mais algum, em que se recordasse de ter estado, tendo o Assistente respondido “…foi na (...) e em (...)….”.
(1) Comecemos, então, pelos factos da (...).
O Tribunal, quando iniciava o pedido de esclarecimentos aos assistente, ia fazendo perguntas o mais abertas possível, para lhes deixar fluir o discurso com a sequência e da forma que os mesmos quisessem.
Assim, vamos fazer a análise crítica da prova e consequentemente das declarações do assistente, tentado deixar transparecer, com a maior fidedignidade possível, a forma e a sequência com que o assistente falou.
E dizemos isto - a preocupação do Tribunal em deixar transparecer com a maior fidedignidade possível a forma como o assistente falou -, porque a análise crítica da prova pode ser e em regra é, uma fase difícil de um processo. Não só por causa da análise da prova em si  quanto ao volume de prova produzida ou quanto à natureza da prova produzida, mas para encontrar a forma mais adequada  e suficiente para o fazer.
Porque (e embora possa não ser a melhor técnica jurídica fazer esta referência neste momento, face ao enquadramento doutrinal que no início fizemos do que está subjacente à motivação da decisão de facto e à análise crítica da prova, mas a extensão dos autos leva a que, por vezes, essas passagem ao fim de 300 ou 400 páginas já não estejam naturalmente  presentes…) “… a fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e cumpre uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressu(...)s, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão e, em outra perspectiva (intraprocessual), de realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recurso…”  (cfr. Ac. STJ, 27/09/2006, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, Pº 06P2158).
No entanto, tem que ser concisa tanto quanto possível, não pode ser um substituto da oralidade e da imediação, nem pode reflectir exaustivamente  todos os factores probatórios , argumentos ou intuições que fundamentaram a convicção ( cfr. Ac. STJ 30/06/1999, Pº 285/99-3ª; Ac. R.E. 26/03/2006, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Pires da graça, www.dgsi.pt).
Assim e prosseguindo.   
(1.1) Perguntado como é que começou a ir à (...) respondeu “… foi feito um convite, entre aspas….pelo Sr. A….”. O arguido não lhe disse o que ia fazer “…ele  não me disse, disse-me para ir com ele, simplesmente...e eu fui…”.
Quem o levou foi, então,  o arguido A, não se lembrava se o arguido tinha entrado dentro dessa casa, acrescentando “… eu sei que me deixou perto dessa casa, mas não me lembro se entrou…”. Num segundo momento, quando explicava o acesso à habitação (dentro do prédio)  onde tinha ido, o Tribunal perguntou-lhe se o arguido A ia com o assistente, tendo respondido “…levou-me até à porta…(…) à porta da casa …do apartamento….”.
(1.2) O Assistente disse que foi a uma casa duas vezes “…e nessas duas vezes estive com duas pessoas…”.
(…)
" Quanto a se tinha identificado ou se  veio a saber o nome de alguém mais tarde, respondeu “…não, o segundo indivíduo é uma pessoa…”  - e  quando perguntado se era algum dos senhores que estava a ser julgado - , que sim “… consigo identificar o Sr. Dr. K…”, como uma das pessoas que estava dessa primeira vez na casa.
(1.3) Depois de se terem passado os factos voltou para o (...) e foi o arguido A que o levou (explicação que complementou na audiência de julgamento de 5/12/05). O Tribunal perguntou-lhe como é que à saída tinha encontrado o arguido A ,  tendo respondido “…é assim…ele provavelmente podia estar à minha espera… à espera…e quando saí ele levou-me ao (...)….”.
Pedimos-lhe esclarecimentos sobre a casa onde fora, sobre o local, tendo respondido “… como é que eu lhe posso explicar isso …aaah… a (...) fica para ali para aqueles lados ao pé do Bairro (…)… só assim consigo dar essa informação….”. Completou que era um prédio, subiu alguns andares não se lembrando se foi por escadas ou elevador “…não… não me lembro… mas sei que subi andares….” (foi neste momento que o Tribunal perguntou-lhe se o arguido A ia com o assistente, tendo respondido, como acima já assinalámos, “…levou-me até à porta…(…) à porta da casa …do apartamento….”)."
(…) Quando começam as instâncias dos Sujeitos Processuais - após a audição inicial pelo Tribunal e que atrás está referido - disse que conhecia a (...) “... mais ou menos (...)tenho lá colegas meus...colegas que estudam em CZ…”.  Esclareceu -  a pergunta se  alguma vez, para além destas duas vezes que tinha relatado ter ido à (...), por  qualquer outra razão se ses lembrava de lá ter ido à (...)?, tendo respondido – “... quando... se me lembro bem, foi quando tive, quando fui fazer um trabalho de grupo com um colega meu....”, mas que isto foi depois de ter ido com o arguido A à (...)
Não soube indicar o trajecto completo  para essa casa, não a conseguiu localizar - ver auto de reconhecimento de local de fls. 6.503 -, dizendo que sabia que era na (...), porque lembrava-se de ter visto uma placa com esse nome, só que a última letra estava grafitada com um “o” e lia-se “(…)”.
Na instância do Ministério Público foi-lhe exibido  o auto de fls. 6.503, para  reconhecimento de um local na (...). Disse que não se conseguia recordar das indicações que deu à PJ, para além de irem directos à (...) “...e foi quando vi, foi quando vi a tal placa e sabia que tava no caminho certo...”, a tal placa que dizia “(…)”, pois tinha o último “a”  grafitado com um “o”.
Aqui uma referência: durante o julgamento foi  perceptível para o tribunal a interpretação dada por alguns arguidos a esta declaração do assistente (e relacionando-a, evidentemente, com o que já tinha dito anteriormente sobre esta placa), que foi neste momento, em que fez o reconhecimento, que viu a placa grafitada, apontando isto  como sinal de inconsistência e de falta de verdade do que estava a contar em relação à (...).  No entanto, tal como o tribunal ouviu as declarações do assistente, o sentido (e a declaração em si)  foi outro: na altura em que foi levado à (...) pelo arguido A viu a placa grafitada; quando foi fazer o reconhecimento com a PJ voltou a vê-la e viu que estava no sentido certo, porque viu a placa grafitada.
Na diligência de reconhecimento o assistente não conseguiu encontrar o prédio. 
Disse que a  sua referência era um parque infantil, “...quando fui lá existia, acho que um parque infantil, novo ... e "tava" a dar indicações e fui dar a esse parque infantil, só que não me lembrava de ver, de ter visto isso antes....e  fiquei um bocado baralhado (...), nem sei se era um parque infantil...ou era uma escola. Sei que aquilo tinha um aspecto de ser recente...e fiquei um bocadinho baralhado...até  me enganei nessa... nesse reconhecimento  e tudo....”.
Do auto de fls. 6.502 não resulta a referência a qualquer parque infantil.
O Inspector da Polícia judiciária VM - que teve intervenção nesta diligência e convocando o Tribunal o que atrás já disse quanto à valoração deste depoimento, credibilidade e veracidade  - em audiência de julgamento foi confrontado com este auto de  fls. 6.502, e a recordação que  teve em relação a este auto foi de estarem num quarteirão com diversos prédios semelhantes, de estarem parados no outro lado da estrada, os  prédios tinham estacionamento em frente aos mesmos e da testemunha não ter conseguido identificar qual o prédio em concreto, mas fazer a referências que seria um daqueles. Começou por dizer  que recordava-se que a testemunha teria referido que o prédio tinha elevador e de terem  verificado que aqueles prédios não tinham elevador, para num momento posterior ter esclarecido não ter a certeza se foi naquela situação - com o reconhecimento do AI -  a menção do elevador, mas também não se conseguindo recordar em que diligência teria sido.
O Inspector CF - que teve intervenção nesta diligência e convocando o Tribunal o que atrás já disse quanto à valoração deste depoimento, credibilidade e veracidade  - em audiência de julgamento foi confrontado com este auto de  fls. 6.502 e a recordação que  teve em relação à forma como a diligência  se desenrolou é que o assistente não teve a certeza do local, o assistente referia um nome parecido com (...), dizia “(…)”. Aqui entrou o pedido de esclarecimento relacionado com a declaração do assistente,  quanto a saber se  quando foi fazer a diligência com o assistente a placa que indicava a entrada na povoação (...) tinha um “a” ou um “o” no fim.
Disse que o assistente reconheceu  a placa, a que dizia “(...)”. Começa por dizer que a placa  tinha um “a” no fim, para depois dizer que afinal não conseguia ter a certeza. O que para o Tribunal foi compreensível que já não conservasse a memória, certa, do que tinha visto, tendo em atenção o tempo já decorrido em relação à diligência e que a sua vida profissional é preenchida com isso mesmo, sucessão de diligências e de natureza diferente.
No entanto foi seguro quanto ao facto de que o que o assistente na altura  dizia era “(…)”, quando explicava a identificação da localidade, o que vem no sentido do que o assistente disse em audiência, dois anos e meio depois (a diligência de fls. 6.502 ocorreu em 7/07/2003).
Dentro da perspectivas das Defesas - de criação de uma história pelo assistente - este podia ser ido um pormenor que na altura o assistente criou e fixou para dar sustentabilidade, como um  critérios de veracidade por haver referência a pormenores de dêem sentido à recordação de um facto? E qual o sentido desta particularidade na avaliação das declarações do assistente?
É claro que este pormenor  podia ser uma ficção intencional do assistente  - embora para o Tribunal seja difícil conceber, face à escolaridade, formação e vivência do assistente, que tivesse a noção que isso era tecnicamente adequado referir, para dar “cientificamente” credibilidade e veracidade a um relato seu - , mas pelas declarações do assistente não ficámos com a percepção, impressão, indício  ou desassossego que tivesse ficado com cópia deste auto para si, que o tivesses estado a rever antes de ter vindo a julgamento. E mesmo que o tivesse feito, do auto não consta esta referência ao “(…)” em vez de “(...)” na placa de identificação da localidade, pelo que por aí também não tinha sido auxiliar de memória ler o auto.
A conclusão do Tribunal é que foi algo que o assistente fixou, recordou ao longo do tempo e, mesmo desgarrado, é um pormenor de contribui para a convicção do Tribunal  de que o assistente  se está a referir a um local físico onde esteve, o pormenor está relacionado com isso.  O que na avaliação do Tribunal contraria uma lógica de este local ter sido colado a uma história de abuso acontecida noutro sítio qualquer e concorreu para a convicção que o local e o pormenor do local, tem a ver com o relato de um  abuso  acontecido naquele local." (fim de transcrição) 
Face a todo o ex(...), com que inteiramente se concorda e subscreve, pois tal pormenor – da placa toponímica da localidade onde AI foi conduzido, por duas vezes, por A, e foi, numa delas, sexualmente abusado pelo recorrente C, estar adulterada de (...) para (…) –, que o menor reteve, é quanto a nós elemento identificativo credível e bastante do local do crime face à falta de outros melhores que porventura o confirmassem, assim improcedendo também a pretensão do recorrente neste domínio.
Refere também o recorrente, para descredibilizar as declarações prestadas pelo assistente AI, que: "Na sessão de julgamento de 5 de Dezembro de 2005 (…) o Assistente negou ter tido relações de natureza homossexual depois dos abusos sofridos no âmbito deste processo, que teriam terminado no Verão de 2001 (por parte do Arguido A). Contudo, do relatório do exame (...)-legal de natureza sexual (fls. 7611 a 7618 dos autos), consta que “(…) os sinais observados no exame físico do AI são compatíveis com a prática repetida de coito anal (apagamento das pregas da mucosa anal, com erosões e uma apreciável laxidão das fibras musculares do respectivo esfíncter)”. Em esclarecimentos tomados ao Dr. BR na sessão de 28 de Setembro de 2006 (…), referiu o mesmo que se pode concluir que os sinais observados no ânus do Assistente foram provavelmente provocados por relações anais ocorridas menos de seis meses antes da realização da perícia, efectuada em 8 de Maio de 2003. Por outras palavras, o Assistente terá sido sujeito a sexo anal no período de Novembro de 2002 até Maio de 2003, ou pelo menos em data aproximada dessas. Tal não é de todo compatível com o afirmado pelo Assistente, o que abala necessariamente a credibilidade que deve merecer o seu depoimento, avaliado como um todo. Por outro lado, a fls. 7617, o Perito faz constar que “À observação do ânus, constata-se um marcado apagamento das pregas da mucosa, que se apresenta descorada e com pequenas erosões, de coloração nacarada, a nível dos quadrantes inferiores.” Sendo que, a este propósito, esclareceu o Dr. BR, na referida sessão de julgamento, que “(...) normalmente o nacarado é menos duradouro do que outro tipo de alterações”. O relatório aponta, assim, no sentido de o Assistente mostrar lesões recentes, dificilmente compatíveis com o alegado termo das relações anais dois anos antes da realização da perícia, em meados de 2001.” (vd. conclusões de recurso 267.ª a 276.ª).
A este respeito dir-se-á o que já acima se disse relativamente a idêntica questão suscitada pelo recorrente com referência ao AP, isto é, que saber se o assistente AI teve, posteriormente aos últimos factos em apreço nestes autos (ocorridos em 2001), outras relações de natureza homossexual (já em finais de 2002 e/ou início de 2003), incluindo sexo anal, como resultará do parecer pericial do Dr. BR expresso na audiência de julgamento de 28 de Setembro de 2006, é, com o devido respeito, perfeitamente irrelevante para o que ora interessa apreciar e, tendo estas porventura ocorrido, se as nega, não se vê o que daí se possa retirar, para além de que pretende esconder esses comportamentos da sua esfera íntima, sem que dessa circunstância se possa de per se retirar que é um mentiroso nato, compulsivo e reiterado. Se porventura não falou verdade sobre aspectos da sua vida privada ulterior, não se pode concluir que, sobre os factos da pronúncia destes autos, não tenha de(...) com verdade quanto aos abusos sexuais anteriormente contra si praticados pelo recorrente C. Foi isso mesmo que o acórdão amplamente considerou.
Seguidamente, tece o recorrente uma série de considerações quanto ao modo e momento como o assistente AI o conheceu e reconheceu.
A este propósito refere a defesa de C, entre outras passagens, o seguinte: "No que diz respeito ao facto de o Assistente ter dito à Perita que reconhecera o Recorrente na casa da (...) pela voz e pela maneira de falar, não se pode deixar de ter em conta que o Assistente, quando declarou em julgamento que, a tê-lo visto antes alguma vez, fora ao longe na festa do 3 de Julho, referiu que o Recorrente não discursava. De modo algum, portanto, poderia tê-lo reconhecido pela voz e pela maneira de falar. Sendo interessante constatar que, no âmbito dos presentes autos, ora se dá credibilidade a este Assistente, ora se considera que a descrição que o mesmo faz dos factos se encontra absolutamente desligada da realidade. (vd. conclusões de recurso 279.ª e segs.).
E, mais adiante, escreveu o recorrente nas suas conclusões de recurso 323.ª a 333.ª (matéria a que voltará aludir nas conclusões 339.ª a 341.ª):
"Seguidamente, o Assistente refere ter visto o Recorrente C pela primeira vez na casa da (...), o que contraria o que dissera antes, na primeira sessão em que foi ouvido em audiência de julgamento.
Confrontado, diz que se o vira antes na AX, fora de relance, mas que “quando eu o vi mesmo, quando eu dei mesmo de caras com ele, foi na casa da (...).”
Acrescenta que se o vira antes, fora na festa da AX, de 3 de Julho, recordando que nas mesmas há sempre o discurso do director do (...) onde a mesma se realiza e do (...), mas não refere ter ouvido o Recorrente discursar.
Relembre-se que o Assistente havia referido à perita CM, em sede de exame de personalidade no INML, ter reconhecido o Recorrente na (...) pela voz e pela maneira de falar.
Ora, tendo o Assistente entrado para a AX em Novembro de 1997, só poderia ter assistido a duas festas do 3 de Julho antes de ter ido à casa da (...).
No entanto, o Assistente declara que, a ter visto o Recorrente nessas festas, terá sido só uma vez, se é que o viu.
O Assistente, aliás, refere em audiência que não se lembra se quando o viu na casa da (...) já o vira antes na festa ou não.
Do ex(...) decorre, necessariamente, que o Assistente seguramente não reconheceu nem podia reconhecer o Recorrente C na casa da (...).
O Assistente declara, aliás, que foi quando prestou declarações na PJ que associou a cara à fotografia, tendo sabido dizer o nome e que era o (...)-(...) da AX.
Contudo, nessa sede, apenas lhe mostraram a fotografia do ora Recorrente, mas não a do outro (...)-(...), FB, ou a do (...) BQ (que seguramente também conheceria das festas do 3 de Julho).
Sendo que, enquanto lhe eram feitas perguntas sobre a identificação do ora Recorrente e do ex-(...), o Assistente esquece-se do nome do ora Recorrente (que diz conhecer há tanto tempo), tendo sido relembrado pela Senhora Juíza Presidente do mesmo: “(…) e… esqueci-me do nome… Esqueci-me agora completamente do nome”." (fim de transcrição) 
A este respeito, expendeu-se na fundamentação do acórdão recorrido (cf. pág. 1165 e segs.), o seguinte:
"Na … primeira vez estive com o Sr. Dr. C…”. O  Tribunal perguntou-lhe se foi a primeira vez que o viu ou se já o tinha visto e respondeu que já o tinha visto na AX. Foi-lhe perguntado se sabia o cargo que o arguido tinha na AX e o assistente respondeu que era (...) (...), que se recordasse nunca lhe tinha falado. Quanto ao que sucedeu com este arguido “…o que é que sucedeu?... sucedeu… abusos sexuais….”, completando, quando o Tribunal lhe pediu para, em concreto, dizer os actos que tinha ocorrido “…eu fazia a masturbação e o sexo oral… e o sexo anal era praticado pelo indivíduo em questão….”, concretizando que com sexo anal referia-se “ … à penetração do sexo no ânus….”.   
(…)
Assim e quanto à identificação do arguido C, enunciámos, referindo-se à casa da (...) disse na “… primeira vez estive com o Sr. Dr. C…”, o  Tribunal perguntou-lhe se foi a primeira vez que o viu ou se já o tinha visto e respondeu que já o tinha visto na AX. Foi-lhe perguntado se sabia o cargo que o arguido tinha na AX e o assistente respondeu que era (...) (...), que se recordasse nunca lhe tinha falado.
Na instância da defesa do arguido C (cfr. audiência de julgamento 5/12/05), foi perguntado ao assistente, em relação à entrada do assistente na AX, a primeira vez que se lembra de ter visto o arguido C, o assistente diz :
(Juíza Presidente) – Consegue localizar a primeira vez em que se lembra de ter visto o Sr. C? Localizar no tempo em relação à sua entrada para a AX.
(AI) – Se bem me lembro, acho que foi a primeira vez que fui à Casa da (...). ..se bem me lembro.
(Juíza Presidente) – Mas eu perguntei-lhe, em relação ao Sr. C, descreveu-me factos na casa da (...) e a uma pergunta que eu lhe fiz, disse que já o tinha visto na AX.
(AI) – Se o vi foi de relance, mas quem eu via mais era o Sr. Dr. FB, que também era (...) (...)…mas o Sr. C, quando eu o vi mesmo, quando eu dei mesmo de caras com ele, foi na casa da (...).
(Juíza Presidente) – E alguma vez, então eu volto-lhe a fazer a pergunta: e alguma vez, antes da Casa da (...), o senhor lembra-se de ter visto o Sr. C? Mesmo sem ter dado de caras com, como…
(AI) – Tal como eu disse, se o vi foi mesmo
(Juíza Presidente) – Não é “se”, não é “se”  Sr. AI, do  que tiver a certeza.
(AI) – É o que eu estou a dizer.
(Juíza Presidente) – Então pode prosseguir.
(AI) – Se bem me lembro… se vi o Dr. C foi de relance, não dando de caras com ele.
(Dr. JJQ) – Srª Drª, mas de relance aonde? Em que circunstâncias é que terá visto o Dr. C de relance?
(Juíza Presidente) – Utilizando a expressão que usou, isto é, antes da casa da (...) “se” - foi a expressão utilizada por si -,  “se” viu o Sr. C foi de relance, onde é que terá sido isso ou onde é que foi?
(AI) – Em 3  de Julho, na festa da AX.”
  Na sequência do que antecede, a Defesa do arguido C continuou a fazer perguntas ao assistente quanto a festas do “3 de Julho” a que tinha ido desde que entrou para a AX, conhecimento do assistente em relação ao Dr. FB -  o outro (...) (...) da AX -, conhecimento do assistente do (...) da instituição.
Da avaliação que o Tribunal fez das respostas que sucessivamente o assistente foi dando, da  avaliação das primeiras declarações que o assistente tinha feito,  quando falou ao Tribunal pela primeira vez sobre a casa da (...) -  e em que disse que já tinha visto o arguido C anteriormente, na AX-, com o esclarecimento que posteriormente prestou quanto a esta afirmação - explicando “… mas o Sr. C, quando eu o vi mesmo, quando eu dei mesmo de caras com ele, foi na casa da (...)….” -, para o Tribunal não foi indício de inverosimilhança.
Faz sentido o ter visto o arguido C nas festas do três de Julho, a noção que o assistente tinha de poder ter visto o arguido C nessas festas foi  uma vez  e quando começa sucessivamente a dar esclarecimentos sobre as idas a festas, os discursos que ouviu ou pode ter ouvido nessas festas, cria mesmo a dúvida e transmite-a, se terá mesmo sido mesmo antes da casa da (...)  que viu o arguido C (de relance) na festa do 3 de Julho. A explicação quanto ao que quis dizer, explicação que foi dada logo no momento em que lhe foi pedida, para o Tribunal foi plausível e não foi indício de que o assistente estivesse a arranjar alguma saída para qualquer coisa que tivesse dito antes e que fizesse parte de um guião. 
Acresce que o assistente disse - quando lhe foi perguntado quando teve a certeza que a pessoa que tinha visto na casa da (...) era o (...) (...) C -, que o momento foi quando foi prestar as declarações à Polícia Judiciária. Foi nessa altura  que ou por ter visto fotografias ou por ter sabido o nome de pessoas - que na sua cabeça sabia identificar, mas não sabia quem eram ou como se chamavam – que, nas suas palavras, conseguiu olhar para trás e dizer que esta era a pessoa que estava nos sítios que indicou.
Mas esclareceu - na instância que lhe foi feita pela Defesa do arguido C - que nessa altura, da Polícia Judiciária, já sabia que o arguido C era o Sr. (...) (...) da AX. E não foi por lho terem dito, nessa altura  “...fui eu que disse o nome. E era eu que sabia.”
 É normal, pelo menos a  experiência de quem neste momento está a julgar assim o diz, que quando começamos a recordar alguma coisa revelamos, por vezes, uma memória reconfigurada pelo presente, pois o que sabemos agora ou o que estamos a equacionar agora, invade aquilo que nos lembramos de ter acontecido. E o processo de contraditório que faz parte da audiência e  a que o assistente foi sujeito, naturalmente  propicia isso. E no meio disto, a estrutura da narração do assistente e a explicação que deu quanto à aparente contradição entre o que disse inicialmente e o que veio dizer depois, foi plausível e adequada para o Tribunal, pelo que foi verosímil.
O assistente não se furtou a responder a explicar ao Tribunal como é que aconteceu o ter conseguido dizer como é que chegou à associação da cara ao nome do arguido C. Não se furtou a responder, mas a responder tentado explicar, o que não era fácil, dada a forma cerrada e minuciosa como lhe era feita a instância  (como podemos aferir pela instância de 5/12/2005, em que a própria Defesa que o estava a instar, quando há a intervenção do Tribunal para dizer que a instância terminaria às 12.30h, essa intervenção levou a que momentaneamente tivesse “passado” a essa Defesa qual era a pergunta que ia formular). E  isto é relevante, como mero apontamento, mas para demonstrar a forma como o assistente conseguiu manter a consistência intrínseca quanto ao que ia respondendo, quando estava a ser perguntado daquela forma fragmentada. E o assistente responde sempre, pode introduzir  desvios pontuais quanto ao que tinha dito, mas responde com continuidade, quanto ao fio condutor que estava em causa." (fim de transcrição)
Concordamos inteiramente com o percurso lógico-racional traçado pelo Colectivo, na passagem da decisão revidenda acabada de transcrever, para explicar as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que o menor e o arguido em causa se conheceram e aquele ulteriormente reconheceu este enquanto seu abusador sexual, bem como para ter conferido, aos diversos momentos das declarações do AI, credibilidade e global verosimilhança, nos termos que o Tribunal a quo devidamente explicou, mais compreendendo, e, a nosso ver, muito bem, a forma de funcionamento dos mecanismos de memória do jovem.
E isto, desde o momento em que terá o assistente AI conhecido na AX o recorrente C (de relance numa das habituais festas anuais da instituição a 3 de Julho, onde este era (...)-(...)) e o reconheceu, quer na casa da (...) (aí sem de imediato associar a cara ao nome do seu abusador) quer, posteriormente, na Polícia Judiciária, identificando-o, então, pelo nome e pela função desempenhada na AX.
Por outro lado, e ainda nesta sede, não compreende o recorrente C porque motivo o assistente AI o identifica, num primeiro momento do processo, como sendo um homem "gordo”, até porque em seu entender tal descrição não lhe corresponde ("Salta à evidência o facto de o Assistente ter errado ao descrever o Recorrente como “gordo”, conforme consta de fls. 9 a 20 do Apenso AS"  - conclusão de recurso 342.ª).
Antes de prosseguirmos cumpre esclarecer que, no referido Apenso AS, fls. 9 é folha de suporte de um envelope branco, "Mod.CP/57", vazio, onde no seu exterior consta como destinatário e em manuscrito “Dr. C” e como remetente (igualmente manuscrito) “(…)”, por debaixo da inscrição "AX" e do logótipo daquela instituição. Por seu turno, fls. 10 a 20 do Apenso AS são as folhas de suporte de 21 fotografias apreendidas ao arguido C, no apartamento deste sito na (...) (…), em (…), e em que o ora recorrente aparece (sempre vestido de fato e gravata, e em 3 delas envergando por cima gabardina) acompanhado de outras pessoas, num contexto que aparenta ser sempre institucional no âmbito das funções por si desempenhadas na AX. Contudo, as fotografias não estão datadas e o recorrente não alega que as mesmas são contemporâneas do abuso em causa.  
Da audição da gravação das declarações prestadas pelo assistente AI durante a audiência de discussão e julgamento retira-se que este em nenhuma sessão se referiu, por sua própria, livre e espontânea iniciativa ao arguido C como sendo um "gordo".
Se este assistente o fez em momento anterior ao julgamento é matéria que não pode ser aqui invocada, porque com essas declarações não foi o mesmo confrontado durante o julgamento.
Com efeito, ao assistente AI foram na audiência de julgamento (AJ), e com referência ao inquérito, apenas  exibidas:
I - Na sessão da AJ de 30 de Novembro de 2005 (vd. acta de fls. 35469 a 35478):
- "fls. 2986 e 2987 dos autos principais", que são os croquis 1 e 2, correspondentes, respectivamente, à residência do arguido A e à "casa da (...)", desenhados pelo assistente quando foi inquirido na PJ em 26 de Março de 2003;
- "fls. 2988, do 15º volume, fls. 5939, do 29º volume e fls. 6502, do 32º volume dos autos principais", que são, respectivamente, o "Auto de Reconhecimento de Local", lavrado na 2ª Secção da Directoria de (…) da PJ, pela Inspectora CCP, relativamente à diligência por esta, e pelo Inspector VM, realizada, em 26 de Maio de 2003, com o assistente AI, para este encontrar o percurso e identificar a casa de A; o "Auto de Reconhecimento de Local", assinado pelos Inspectores EP e EER, da Directoria de (…) da PJ, relativamente à diligência por estes realizada, em 24 de Junho de 2003, com o assistente AI, para este indicar a localização da casa de (...); e o "Auto de Reconhecimento de Local", assinado pelos Inspectores CFVM, da Directoria de (…) da PJ, relativamente à diligência por estes realizada, em 7 de Julho de 2003, com o assistente AI, para este indicar a localização da casa da (...);
 II - Na sessão da AJ de 7 de Dezembro de 2005 (vd. acta de fls. 35623 a 35627):
- "fls. 2987 dos autos principais" (croquis 2, desenhado pelo assistente em inquérito, correspondente à "casa da (...)");
e
III - Na sessão da AJ de 12 de Dezembro de 2005 (vd. acta de fls. 35659 a 35670):
- "fls. 1637 dos autos principais, restrito à parte da identificação do declarante" (sua inquirição na PJ em 18 de Fevereiro de 2003);
- "fls. 9 do Apenso AC-L e a impressão da listagem/relação de chamadas contida na disquete 1, envelope 3, da Caixa 1 do Apenso V", trata-se da listagem/facturação da OPTIMUS referente ao n.º de telefone (…) no período compreendido entre as 22:58 do dia 10 e as 10:45 do dia 16 de Outubro de 2002;
- "a fotografia nº 4 do Apenso AJ", trata-se de fotografia, colocada com mais quatro em folha de suporte da 2ª Secção – 1.ª Brigada da Directoria de (…) da PJ, em que figura o arguido K, com mais três indivíduos posicionados à sua direita, sendo que nenhum deles é o arguido C.
Refira-se que nesta sessão da AJ "no decurso das suas declarações foi examinado pelo Tribunal fls. 19 e 20, do Apenso DD" (trata-se do "Relatório Pedopsiquiátrico de AI" elaborado em 12 de Setembro de 2001 pela Pedopsiquiatra GK, do Hospital DW).
Finalmente, como se alcança da acta da sessão da audiência de julgamento de 15 de Dezembro de 2005, constante nos autos de fls. 35731 a 35739-B, os ilustres mandatários dos arguidos H e K e o Digno Magistrado do Ministério Público requereram - o que foi deferido, nos termos do art. 356.º, n.º 3, al. b) do CPP -, que o assistente AI fosse confrontado com as declarações que prestou em instrução referentes à "casa da (...)", constantes nos autos de fls. 19042 a 19044.
Porém, como das mesmas resulta, nessas declarações, prestadas em 22 de Abril de 2004, perante a Mmª JIC, não esteve em causa a descrição física do arguido C.
Dito isto, o que resulta da audição da gravação da sessão da audiência de julgamento de 7 de Dezembro de 2005 (cf. capítulo 2 do CD) foi que o Exmº Senhor Advogado mandatário do arguido H o instou sobre essa questão e passamos a transcrever:
"Dr. JJS – Sim senhor. Oh Sr. AI, a questão é a seguinte: o senhor identificou umas pessoas no álbum de fotografias. Na altura, o Sr. C e... É ou não verdade, que antes de as ter identificado no álbum de fotografias, a ideia que o senhor tinha dessas pessoas, que abusaram de si na (...), era de que eram uns homens feios e gordos?... Era aquilo que o senhor tinha na sua memória. É ou não verdade que aquilo que o senhor tinha na sua memória era apenas de que se tratava de uns homens feios e gordos?
Juíza Presidente – Pode esclarecer.
AI – Aquilo que tinha na memória, podia ser na altura. Podia ser na altura, porque não me lembrava... ahn... muito bem, daquilo, das pessoas que eram. Mas como eu já disse, depois de ter feito o croqui da casa, fui-me lembrando, vagamente, da face das pessoas, e no álbum de fotografias identifiquei como sendo as pessoas.
Juíza Presidente – E alguma vez, na sua memória, quando se lembrou, quando reviveu a casa da (...), quando na sua memória se referia, se é que isso alguma vez aconteceu, a essas pessoas, teve esta percepção para si: eram feios e gordos?... Como o que retinha, eram pessoas feios e gordos? Alguma vez isso aconteceu?
AI – Sim. Aconteceu. Isso aconteceu. Não desminto.
Dr. JJS – Mas oh Sr. AI, o Dr. C é um senhor gordo, para si?
Juíza Presidente – Oh Sr. Dr., já não vou, Sr. Dr. por aí já não vou.
Dr. JJS – Pronto." (fim de transcrição).
Ou seja, AI acaba por confirmar, não só não desmentindo como mantendo, que a percepção que teve  das pessoas (adultos) que viu na casa da (...) é de que eram feios e gordos.
E a este propósito expendeu-se a dado passo da fundamentação do acórdão recorrido (cf. pág.s 1194/1195) o seguinte:
"E aqui passamos a um terceiro momento quanto à identificação dos adultos na casa da (...).
Nas instâncias que lhe foram feitas pelas defesas dos arguidos - e concretamente às pessoas que estavam na casa da (...) -, o assistente reconheceu que a forma viu os  adultos “da casa da (...)”, foram uns “velhos e gordos”, considerando a Defesa - pelo menos assim o interpretámos - que tal descrição não era compatível com a forma como faz a identificação dos arguidos C e K, a referência que faz a ter visto o arguido C na AX, o que significaria uma possibilidade de o identificar diferente da tal referência a “velhos e gordos”, para além de uma eventual questão de a idade dos arguidos não ser compatível com tal descrição.
No entanto, na avaliação do Tribunal, esta referência aos adultos que estavam nessa habitação e referência que se pode interpretar como uma identificação de que  quem lá estava eram  “velhos e Gordos”, não afasta o que o assistente esteve a dizer em audiência de julgamento. É compatível uma acção e a outra. A dinâmica desta descrição ou referência é verosímil  para o Tribunal. 
Atenção que o assistente não se exime a dizer que soube o nome só depois das fotografias, mas as suas declarações globalmente vista e avaliadas, foram na afirmação que as feições “sabia-as”, sem prejuízo de lhes chamar velhos, feios e gordos. Tinha sido mais “fácil” ter dito logo  ao Tribunal  “eu sabia o nome”, pelo menos em relação ao arguido C, pois era uma pessoa que estava ali  “ao pé”,  na AX. Mas do que resultou da análise das suas declarações - e correndo o risco de repetir em alguma medida o já dito - quando o assistente AI conseguiu olhar para trás e dizer que era “esta pessoa”, foi da forma que antecede.
Aqui voltamos ao que já dissemos noutra ocasião.
O assistente foi perguntado de “trás para a frente” e de “frente para trás”, em situações diferentes e pelo menos por quatro pessoas, quanto à identificação destes arguidos. E uma explicação com uma lógica, como deu (mas sendo, é claro, a sua lógica), que é feita de forma espontânea  - pois não percebemos que a resposta seja ensaiada, ou que o assistente tenha andado às voltas até chegar a esse resultado-, se o que estivesse a dizer não fosse a expressão do que sentia e do que fora o seu processo interno de raciocínio, parece-nos que tal não era compatível com o tipo de interrogatório a que foi sujeito."(fim de transcrição)
Independentemente de critérios objectivos para aferir se determinado indivíduo está no peso ideal ou é obeso, e em que grau, com base no seu nível de gordura, como sucede, por exemplo, com o método de cálculo dos índices de massa corporal, ser ou não gordo é, em parte, algo de subjectivo, dependendo da compleixão física e referenciais do observador e do observado.
Assim, para uma criança e/ou jovem adolescente que está em estreito contacto físico com o seu abusador sexual, que, por exemplo, numa situação de sexo oral ou anal se coloca relativamente ao menor numa situação de domínio psicológico e físico, seguramente muito mais pesado e volumoso do que ele, é de admitir que não raro o adulto possa ser facilmente descrito como gordo, já que à dimensão brutal do acto melhor corresponderá a pujança e/ou dimensão ligada ao gordo. 
Dito isto, colocando-nos na perspectiva de uma criança ou de um jovem, sobretudo naquelas concretas circunstâncias em que o AI esteve face a C e K, não nos repugna, sendo mesmo aceitável, que ambos os arguidos possam ter sido considerados gordos por aquele assistente.
Atente-se que na sessão da audiência de julgamento de 5 de Dezembro de 2005 a Mmª Juíza Presidente, a pedido do Exmº Sr. Dr. JJQ, Ilmº mandatário do ora recorrente, solicitou ao AI que descrevesse fisicamente a memória que tinha do (...)-(...) FB, tendo-o aquele assistente feito como sendo uma pessoa “um bocadinho forte… era muito exigente… São as coisas que me chamaram mais a atenção, ser ele assim um bocado forte, e ser exigente”, “com o cabelo branco, quase de certeza, curto” e isto com a ressalva de que já não o via “há algum tempo”, pelo que tal tarefa descritiva era “difícil”. Curiosamente a mencionada severidade comportamental é incluída pelo menor na descrição física do adulto, se bem que, de facto, uma personalidade severa, pode ter traços físicos ao nível da postura corporal e sobretudo de rosto que o denotem.
Sendo certo que, ser um pouco forte não é o mesmo que ser gordo, nova pergunta foi seguidamente suscitada e passamos a transcrevê-la bem como à respectiva resposta:
“Dr. JJQ – Srª Drª, se quando o assistente diz que era uma pessoa forte, se está a querer dizer, por exemplo, uma pessoa entroncada, ou uma pessoa obesa, aquilo que vulgarmente se chama um gordo? Só para a descrição ficar mais precisa Sr.ª Dr.ª peço desculpa.
Juíza Presidente – Pois, mas começamos numa área de subjectividade. Diz que era uma pessoa  forte, uma pessoa forte. Tente concretizar um pouco mais porque é que diz que era uma pessoa forte?
AI – Na minha memória, se bem me lembro, tinha os ombros largos e assim… não sendo obeso, mas tinha um bocado de barriga."(fim de transcrição).
Por outro lado, ser-se feio ou bonito é algo também muito subjectivo. Com efeito, os padrões de beleza dependem muito do contexto cultural e da época histórica.
Nesta matéria o relativismo e subjectivismo é enorme.
Acresce que, num contexto de abuso sexual não nos custa admitir que o abusador seja visto pela criança abusada como "feio", "horrível", "monstro" se o acto for assumido pelo menor como feio, horrível ou monstruoso.
Não nos espanta, pois, que o ofendido AI tenha considerado como "feios e gordos" os homens que viu na casa da (...), neles se incluindo os arguidos C e K, que ali dele abusaram sexualmente e que sabia serem pessoas influentes e poderosas [a tal noção de status, seguramente mais elevado que o seu, oriundo de família desfavorecida e muito carenciada, contrastando com o estatuto social do "Dr. C" que sabia ser o "(...)-(...)" da AX e o estatuto económico do "Dr. K que sabia ser (...)-chefe na AX”, tal como o afirmou à Srª Juíza de Instrução em 22 de Abril de 2004 (vd. fls. 19042 a 19044), auto de declarações com que foi confrontado pelo Colectivo na sessão da audiência de julgamento de 15 de Dezembro de 2005].
O acórdão recorrido na sua fundamentação alude também a que os adultos que estavam na casa da (...) terão sido também identificados como “velhos".
A este propósito não deixaremos de dizer o seguinte: O recorrente C nasceu em (…). Assim sendo, contava 45 anos de idade, quando em Novembro ou Dezembro de 1999 abusou do menor AI na casa da (...). Por seu turno, o arguido K nasceu em (…), contando também, por isso, 45 anos de idade, quando em Outubro ou Novembro de 1999 abusou do menor AI naquela casa da (...). Na ocasião desses abusos, como igualmente foi dado por provado, o assistente AI tinha 13 anos de idade.
O ser novo ou velho é algo objectivável mas sempre passível de subjectivismos por parte do observador/avaliador. Deste modo, para alguém que tenha 45 anos de idade uma outra pessoa que tenha essa mesma idade, ou próxima desta, não será, segundo as regras da experiência comum, referenciado como sendo um velho. Já para quem tiver 80 ou 90 anos de idade, uma pessoa de 45 anos de idade será usualmente considerada como "um jovem". Contudo, ao invés, para um adolescente de 13 anos de idade essa pessoa de 45 anos de idade - que já viveu três vezes e meia mais tempo do que ele - será, certamente, considerada "um velho".
Uma última nota quanto à identificação do recorrente. Refere este que: "Ora, o Assistente refere que as fotografias do álbum da Polícia Judiciária (Apenso AJ) tinham o nome das pessoas por trás, e que ele viu esses nomes ao folheá-lo, tendo identificado o Recorrente depois de ter visto o álbum mais que uma vez: “Eu antes de, de ir reconhecer alguém eu vejo sempre primeiro as fotografias... vi primeiro as fotografias para depois quando for apontar o dedo não ter dúvida daquilo, da pessoa que era. Quando folheei outra vez o álbum não tive dúvidas e fui começando a apontar o dedo, simplesmente.”
Termos em que se conclui que o reconhecimento que fez do Recorrente a partir da fotografia que lhe foi exibida na Polícia Judiciária é, para todos os efeitos, de nulo valor probatório." . (fim de transcrição).
Tem efectivamente razão o recorrente. Com efeito, o mencionado reconhecimento fotográfico na Polícia Judiciária "é, para todos os efeitos, de nulo valor probatório." .
Não o diz a defesa de C, mas nós acrescentamos, porque não respeitou o preceituado no art. 147.º do CPP. Aliás, nem tinha de respeitar, porque na época aquela norma não tinha a presente redacção que só lhe foi introduzida muito posteriormente pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
Só não se percebe o porquê do recorrente vir referir que tal diligência policial é de nulo valor probatório. Pois, o Tribunal a quo, manifestamente também assim entendeu, não se socorrendo, nessa conformidade, dessa mesma diligência policial para fundamentar de facto e/ou de direito. O Colectivo aludiu no acórdão sub judice àquele reconhecimento fotográfico apenas e tão-só porque nas declarações e depoimentos prestados em audiência o mesmo foi referido e era importante em termos de compreensão e cronologia dos factos. Todavia, repete-se, não foi positiva ou negativamente considerado como elemento probatório.
Prossegue o recorrente com a análise do depoimento da testemunha Maria BP referindo que: "Na sessão de 31 de Março de 2005, na parte da tarde (…) e sessão de 14 de Abril de 2005 (…), BP refere que o Assistente AV lhe contara ter sido abusado pelo Recorrente na casa da (...), o que não corresponde ao que o mesmo declarou em audiência de julgamento nem ao que consta da Pronúncia, pelo que fica a dúvida acerca da razão por que o terá feito, e se tal relato acabou, por algum motivo, por ser transferido para o Assistente AI (mais à frente, na sessão de 14 de Abril, a depoente “corrige” este seu depoimento, referindo que o Assistente AV associava o Recorrente à casa da (...), mas não lhe dissera que fora abusado por ele lá). Na sessão de 15 de Abril de 2005 (…) e sessão de 18 de Abril de 2005 (…), a depoente refere que o Assistente AV lhe terá narrado que o Assistente AI fora abusado pelo educador de um CZ, o educador BT, que teria abusado dele próprio e ainda de outros colegas. Afirma que os colegas de que falara o Assistente AV – o Assistente AI e outro – não confirmaram os factos, tendo o Assistente AV insistido em contradizê-los, e, depois de ter falado com o educador BT, a depoente ficou com muitas dúvidas quanto aos factos, duvidando que não tivesse havido nada. (vd. conclusões de recurso 292.ª a 294.ª).
A este propósito repetir-se-á, mutatis mutandis, o que se disse supra em f). A testemunha BP, quando depôs - desempenhava as funções de (...)a na AX, sendo ouvida na qualidade de legal representante da assistente AX -, segundo o próprio Colectivo de primeira instância, nas suas declarações em julgamento em geral "não revelou conhecimento directo dos factos, tendo o seu contributo sido relevante para o esclarecimento do Tribunal quanto a aspectos circunstanciais do funcionamento da AX" (cf. acórdão recorrido a pág. 527), acrescentando noutro passo: "E aqui o Tribunal refere, embora de forma meramente incidental, a desvalorização que fez das declarações da Sra. BP, quanto à fidedignidade de que o que reproduz, quanto a circunstâncias que rodearam os actos (…), pelo seguinte. A Sra. BP disse ao Tribunal que ouviu os jovens da AX, a sua secretária, a Sra. Dra. BBB retirava notas, posteriormente passava-as para um texto que entregava à declarante. Esta cadeia que se estabelece na comunicação, a diversidade entre quem anotou e escreveu e quem por sua vez o reproduz frente ao Tribunal, potencia a existência de lapso, de diferente percepção entre o que foi ouvido e depois escrito." (cf. acórdão revidendo a pág. 1046).
Ou seja, também aqui, face ao supra ex(...), as declarações da Senhora (...)a, à época daquelas sessões da audiência de julgamento, valem o que valem, e com isto não se está a dizer que não merecem, de todo, credibilidade, mas ao não revelar conhecimento directo dos factos e ao relatar conversas que teve com os jovens no contexto acima descrito, o seu contributo foi "relevante para o esclarecimento do Tribunal quanto a aspectos circunstanciais do funcionamento da AX", mas, com o devido respeito, pouco mais trouxe de útil ao processo no que respeita ao esclarecimento da verdade material relativamente aos concretos abusos de que os menores daquela instituição, ora assistentes nos autos, foram vítimas, incluindo, no que ora nos interessa, ao cometido na pessoa do ofendido AI por parte do arguido C, na (...), em finais de 1999.
O recorrente vem também questionar a cronologia dos abusos perpetrados na casa da (...) contra o assistente AI por si e pelo co-arguido K, tal como provado e pelo qual foram ambos condenados no acórdão recorrido. Para tanto alega o seguinte:
"Quanto às declarações prestadas pelo Assistente AI em julgamento, referiu o mesmo, na sessão de julgamento de 29 de Novembro de 2005 (…), que foi abusado sexualmente pelo Arguido A durante anos e semanalmente, em casa deste, pelo menos entre os 11/12 e os 15 anos de idade.
De permeio, refere ter sido convidado pelo mesmo a ir a uma casa situada na (...), “ao pé do bairro (…)”, pelo menos duas vezes, onde esteve sempre com duas pessoas.
Na primeira vez que foi a essa casa da (...) refere ter sido abusado pelo ora Recorrente, que já tinha visto na AX (sexo oral e masturbação da parte dele, sexo anal da parte do Recorrente).
Quanto ao Arguido A, levou-o lá perto, não se lembrando se entrou na casa ou não.
Estavam mais homens, sendo um deles o Arguido K. Soube o nome desta pessoa quando foi prestar declarações à Polícia Judiciária.
Esteve com o Recorrente no quarto (o que é diferente do facto dado como provado no ponto 104.4., que situa o abuso na sala, pelo que este facto não poderia ter sido assim considerado), após o que voltou para o (...) com o Arguido A, que “provavelmente” estava à espera dele.
Diz que foi uma segunda vez à casa da (...), também a convite do Arguido A, estando lá outra vez o Recorrente, o Arguido K (por quem dessa segunda vez foi abusado) e outros adultos, com outros três amigos da sua idade.
Esclarece, na sequência da descrição deste segundo abuso na casa da (...), que também da primeira vez fora com outros amigos, todos eles sempre levados pelo Arguido A, à ida e à volta.
Declara que estas duas idas à casa da (...) aconteceram no ano lectivo de 1998/1999, estando ele a estudar na IIR pela primeira vez, no seu sétimo ano de escolaridade.
Adiante, esclarece que afinal nunca antes tinha visto os “amigos” a que acabara de se referir, e que esteve com as duas pessoas em cada uma das vezes, tendo sido abusado por cada uma delas numa das vezes.
Esclarece, quanto a esse aspecto, que na primeira vez esteve só com o Recorrente, e na segunda só com o Arguido K.
Quanto à casa de (...), deslocou-se à mesma também no ano lectivo de 1998/1999, já depois das idas à (...).
Contudo, após insistência da Meritíssima Juíza Presidente, rectifica e diz que foi a (...) no ano lectivo de 1999/2000, em que chumbou, tendo ido duas vezes.
Ora, desde logo não se compreende por que razão foi o Recorrente condenado por este crime localizado na (...), algures numa quarta-feira de Novembro ou Dezembro de 1999, e o Arguido K condenado pelo crime de abuso na (...) num dia não apurado de Outubro ou Novembro de 1999 (o que inverte a cronologia dos factos referidos pelo Assistente).
De facto, se o Assistente declara ter sido abusado primeiro pelo ora Recorrente, e só na segunda vez pelo Arguido K, estes períodos temporais, desde logo, não fazem qualquer sentido (como já não o faziam na Acusação nem na Pronúncia)." (vd. conclusões de recurso 295.ª a 309.ª).
Com efeito, foi dado por assente, nos pontos 104. e 104.1. dos factos provados na decisão recorrida, que o abuso sexual praticado pelo recorrente C na (...), na pessoa do assistente AI, ocorreu em "dia indeterminado" "de Novembro ou Dezembro de 1999", "numa quarta-feira", e o praticado pelo arguido K, no mesmo local e sobre o mesmo menor, "Em data em concreto não determinada, mas situada entre os meses de Outubro e Novembro de 1999", tal como foi dado por assente, no ponto 108. dos factos provados, sendo que, na realidade, da prova produzida tudo apontou no sentido de que o abuso cometido pelo arguido C ocorreu antes do perpetrado pelo arguido K, o que, assim sendo, parece inverter a cronologia dos factos. E dizemos parece, porque inteira razão teria o recorrente se se tivesse dado por provado que o abuso de C em apreço aconteceu em Dezembro de 1999 e o de K ocorreu em Novembro de 1999. Ora, não foi isso que exactamente sucedeu, pois ao dar-se por provado, num e noutro abuso, que ambos podem ter ocorrido em data indeterminada de Novembro de 1999, não é de excluir que o de C tenha sido cometido antes do cometido por K. E isto, porque, havendo nas janelas temporais definidas para os dois casos todo um mês coincidente, a sobreposição do mês de Novembro de 1999, permite qualquer uma das hipóteses. E tendo cada mês cerca de quatro semanas, também fica coberta a possibilidade de os abusos, embora espaçados um do outro duas ou três semanas, terem ocorrido ambos em data indeterminada de Novembro de 1999, não existindo igualmente aqui qualquer contradição. Atenta a literalidade da redacção do provado nos pontos 104. e 108. da materialidade assente no acórdão recorrido e o ter-se percebido e compreendido como por vezes as questões de temporalidade não são claras na memória do assistente AI, esta argumentação é totalmente consistente. Ao que sempre acresce ser irrelevante ter havido ou não inversão da cronologia dos factos no tocante aos dois abusos referidos e sofridos pelo assistente AI na casa da (...).
Lembre-se a este propósito o que se expendeu no acórdão recorrido:
"(…) Quanto à localização no tempo destes factos na (...) - o Tribunal perguntou-lhe se em relação “aos primeiros factos” com o arguido A, no refeitório e depois em casa do arguido, quando é que sucederam os da (...) -,  disse  que foram depois.
Localizou-os em 1999, “…ainda estava na IIR…”, tendo acrescentado que foi no primeiro ano em que entrou para a IIR, foi no sétimo ano, antes de ter reprovado (como acima vimos, em 1998/99 o assistente foi para a  GC (IIR) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 1º ano;  em 1999/00, GC (IIR) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 2º ano, ano este em que reprova, pois no ano  2000/01, está de novo  GC (IIR) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – no  2º ano).
Estas duas vezes não foram “muito espaçadas”, foram “mais próximas do que espaçadas”, “… duas, três semanas para aí…”.  Foram durante a semana, a recordação que tem é que faltou às aulas, o que correspondia ao que já tinha dito anteriormente.
Introduzindo os esclarecimentos que o assistente AI foi dando, em função dos esclarecimentos que lhe foram pedidos pelos sujeitos Processuais, o assistente disse que a sua memória era que tinha ido de manhã a esta casa na (...), tendo esclarecido -  na sequência de instância do arguido C - “… se bem me lembro e como já referi, foi de manhã…”, “…de manhã estive lá de certeza… nas não… de certeza estive lá de manhã, isso tenho a certeza…agora da parte de tarde, acho que fui almoçar à escola… sei que tive uma data de faltas, sei que tive faltas esse dia todo, o dia todo não, a manhã inteira…”.
Acrescentando, face aos esclarecimentos que lhe iam sendo feitos pela defesa: “… foi… foi assim, se bem me lembro….mas houve um dia, na segunda vez, que já cheguei atrasado à segunda … à primeira hora da tarde …não tenho a certeza …“ - (Juíza Presidente) – Porque é que diz isso, porque é que tem essa memória? - , “… porque quando cheguei à escola… não estava ninguém no pátio e foi antes à sala…mas não tenho a certeza se ainda faltei dessa aula na primeira hora da manhã, da tarde….”, mas  concluindo ter a certeza que foi em dia de semana e em que teve aulas. E dizendo, de seguida, que “depois voltou para a escola de transportes”."
(…)
"Destas declarações do assistente  – quanto à localização no tempo dos factos ocorridos na (...) - ,  conjugando com o que acima já analisámos e dissemos, quando procedemos à localização no tempo dos factos do arguido A – fundamentação que convocamos e que faz parte integrante da presente análise, no que diz respeito aos documentos, prova testemunhal, por declarações  expressamente referida e análise feita -  não só no que diz respeito aos primeiros factos (aquele que ocorrereu no refeitório), mas também  quanto ao início dos segundos (os factos que ocorreram em casa do arguido A) - e conjugando com os elementos escolares do assistentes, o Tribunal criou a convicção que os factos numa casa na (...) ocorreram nos períodos descritos no Despacho de Pronúncia  (cfr., quanto a elementos escolares,  como acima vimos em 1998/99 o assistente foi para a  GC (IIR) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 1º ano;  em 1999/00, GC (IIR) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – 2º ano, ano este em que reprova, pois no ano  2000/01, está de novo  GC (IIR) Ensino Técnico Profissional, Operador (…) Nível II – no  2º ano) ." (fim de transcrição)
Face ao ex(...), improcede também a pretensão do recorrente nesta parte.
O recorrente vem igualmente questionar o que foi dado por assente no acórdão recorrido no que respeita aos locais em que o assistente AI terá sido apanhado e deixado pelo arguido A quando por este foi levado para a (...) e dali trazido. Para tanto alega o seguinte:
"Na sessão de audiência de julgamento de 30 de Novembro de 2005 (…), o Assistente declara que quando foi à (...) foi apanhado pelo Arguido A junto do (…) (o que contraria a Acusação e a Pronúncia, que localizam estes encontros junto ao (…), pelo que não deveria ter sido dado como provado que o encontro se deu em local não concretamente apurado). À volta, numa vez diz que foi deixado por este Arguido junto da estação de (…), e, na outra, que foi deixado um pouco mais acima, perto do BF. Ora, carece absolutamente de sentido o referido pelo Assistente AI no que respeita ao regresso da (...), uma vez que, se o Assistente afirma que voltou ao fim da manhã, tendo tido faltas toda a manhã na IIR, onde pensa que ainda foi almoçar, isso significa que foi às aulas no período da tarde. Assim, estando ele na (...), no concelho da (…), não teria qualquer sentido ser levado para o BF, perto de (…), para ir para as aulas na Escola IIR, que fica na (…), perto da (…) – cfr. o sítio da Escola, em www.(...).pt – tentando não perder mais aulas." (vd. conclusões de recurso 310.ª a 313.ª, matéria a que volta aludir na conclusão 334.ª).
É evidente que havendo, em julgamento, depoimentos divergentes quanto aos locais em que o menor, ora assistente AI, terá sido recolhido e deixado pelo arguido A quando por este foi levado para a casa da (...) e dali trazido, o acórdão recorrido, bem andou ao, na dúvida, inultrapassável, não ter dado por assente nem o local que constava da pronúncia ("junto ao (…)") nem quaisquer outros (mormente (…) ou mais acima, ao pé do (...) da AX, em BF junto ao (…), locais que foram referidos pelo menor nas sessões de julgamento de 30 de Novembro e 5 de Dezembro de 2005), sob pena de, a assim não proceder, estar a violar as regras sobre apreciação da prova produzida e subsequente fixação da matéria fáctica a que já anteriormente aludimos.
Assim, deu o Colectivo apenas por provado que "… o arguido A telefonou ao menor AI, (…) e combinou  encontrar-se com o mesmo na quarta-feira seguinte, em local e hora não concretamente apurado." e que "Nesse dia, à hora marcada, o arguido A, conduzindo uma das carrinhas  (…) “(…)” da AX, compareceu no local que combinara" (cf. factos provados sob os pontos  104. e 104.1.) e não que "combinou  encontrar-se com o mesmo na quarta-feira seguinte, por volta das 15 horas, junto ao (…)" como figurava em 4.1.4 da pronúncia.
O acórdão, como se retira dos pontos 104.2. a 104.13. dos factos provados, não indica o local em que depois daquele abuso o assistente AI foi deixado pelo arguido A, nem tinha de o fazer porquanto não é matéria constante nem da pronúncia, nem da acusação ou do pedido civil do assistente, nem tão-pouco é facto relevante para o preenchimento da tipificação penal em apreço ou de qualquer outra.
Recorde-se que a este propósito se expendeu no acórdão recorrido:
"(1.6 ) Após os actos, da segunda vez  -  perguntado o que sucedeu -, “… o procedimento normal… eu vinha-me embora e ia para o (...)….”, com o arguido A, o qual estava fora da casa com uma carrinha.  Esclareceu que o local onde o arguido A o apanhava  foi “… quase sempre no…ao pé do (…)…”, mas em relação aos outros rapazes disse que eram recolhidos ao pé do CZ.
Na instância do Ministério Público esclareceu que, aquando das deslocações que fez à casa da (...)  – já tinha respondido onde é que era “apanhado” - , “...às vezes era deixado em (…)...(...) a maior parte das vezes...”. O Ministério Público pediu para precisar qual era o procedimento aquando da “casa da (...)” e respondeu “... sim, sim... então, quando fui, pronto, as duas vezes que fui lá... houve ... fui uma vez deixado em (…) e outra vez fui deixado lá mais em cima, ao pé do (...).”
Quando chegamos à instância da defesa do arguido C (cfr. audiência de julgamento de 5/12/2005), o que avançamos desde já, é-lhe pedido mais uma vez para esclarecer onde é que  se encontrava com o arguido A  (Dr. JJQ – Srª Drª, posso insistir, pedir que o Tribunal peça só a confirmação do local, para depois formular um esclarecimentozinho?; Juíza Presidente – Sr. AI, as duas vezes que diz ter ido à casa da (...), onde é que o Sr. A o apanhou? Portanto, o recolheu das duas vezes?)  e o assistente  diz “… ao pé do (…), ao  pé do (…)….”.
Aqui convocamos o que já dissemos anteriormente:
Se é certo que quanto ao  local dos encontros para as “boleias”,  o AI começou por dizer que era no “(…)” – declaração inicialmente relacionada com as idas para casa do arguido A -, isto não foi assim admitido pelo arguido A. E das declarações do assistente, quando começou a falar do “ponto de encontro” para os outros locais onde o arguido o levou -  declaração que em dois momentos foi “misturada” com o local onde era o “ponto de encontro” para ir para casa do arguido  -,  o Tribunal ficou com dúvida quanto ao facto se era “sempre” o encontro ali ou não. 
Mas também como já dissemos, considerando a globalidade das declarações do assistente, a proximidade do (…) com o Lar do assistente – no BF -, faz sentido que esse tenha sido  um local de “encontro” para as “boleias” que o arguido deu ao educando. Mas pode ter acontecido, mesmo que a versão não seja exactamente a apresentada pelo arguido A, que em alguma altura ou nas deslocações para outros locais -  por ser a uma hora diferente, por ser num dia diferente por exemplo -, o encontro entre os dois tenha sido em local diferente.
As declarações do assistente também não o afastam, quando globalmente avaliadas. Mas quanto a ter sido junto ao “(…)” -  aquelas situações em que o arguido A se encontrou com o assistente AI para ir à casa da (...) -, como o Despacho de pronúncia descreve,  as declarações do assistente não o permitem na avaliação do tribunal.
Assim e não obstante ser um facto circunstancial, o Tribunal não ter dado como suficientemente assente a versão do despacho de Pronúncia, quanto ao local onde o arguido se encontrava “sempre” com o assistente para o “transporte”."
(…)
Retomando agora a análise das declarações do AI - e em momento  em que foi sujeito ao contraditório pelos sujeitos Processuais -, na instância  da defesa do arguido A esclareceu -  quanto ao modo como o arguido A o levara aquela casa, se tinha levado ou não à porta do apartamento -, “ …não me lembro ao certo do que se passou…e assim, o Sr. A levava-nos lá…mas e provavelmente levou-nos à porta da casa…mas não me lembro” e esclarecendo que dizia “provavelmente” porque “…não me lembro bem...”.
Isto tem a ver com uma situação que também se verifica quando o assistente dá respostas quanto ao regresso da casa da (...), se tinha sido o arguido que o transportara também ou se tinha ido de transportes.
Há situações em que se consecutivamente vamos aumentando a especificidade do que se pergunta,  isto naturalmente potencia que a certeza quanto à memória que se esvai.  E dizemos, que tendo em atenção o pormenor que está em causa na dinâmica de descrição,  o tempo decorrido em relação à data em que o assistente localiza os factos e a idade do assistente  também em relação a essa altura - decorridos cerca de seis anos -, para o Tribunal não é estranho, nem levanta “suspeita” de inverosimilhança que o assistente dê esta resposta, não é inverosímil que não se recorde.
E assentamos também, que face ao que foram as declarações prestadas pelo assistente e pelo arguido A,  quanto a um segmento de facto que está relacionado com este tipo de questões - concretamente se o arguido disse ao assistente “ que precisava que ele fosse a uma casa”, com está este com este detalhe descrito no despacho de pronúncia, no ponto “4.1.4”  -, não resultou suficientemente assente  que o arguido A, quando disse ao assistente para “ir com ele”,  na situação a que se referem os factos descritos no ponto “4.1.4.” do Despacho de Pronúncia, tenha utilizado a expressão concretamente escrita no Despacho de Pronúncia. 
Aqui referimos - e como parâmetro coadjuvante para a avaliação da credibilidade  e veracidade do que foram as declarações do assistente AI e que é extensivo aos demais;  e para  ilustrar o que pode ser o esforço de alguém estar a recordar o que se passou cinco ou seis anos atrás - e a título de exemplo, o depoimento do Dr. EJ, Director do CZ desde o ano 2000, pessoa com vivência, formação académica e experiência de vida objectivamente diferente da do assistente AI, testemunha que ao Tribunal não mereceu qualquer dúvida quanto ao facto de ter falado com verdade quanto ao que lhe foi perguntado e que quando foi ouvido, disse ser um esforço e  ser difícil conseguir recordar  situações que se tinham passado no (...) em 2000.
E chamamos a atenção que estava a prestar depoimento sobre situações de “fora do normal” tinham acontecido, como eram as situações relacionadas com a expulsão do assistente AP do CZ, o seu envolvimento de natureza sexual com um adulto de fora do (...) e a interacção havida com tal educando na altura (ano 2000)."   
(…)
"Aqui novo pedido de esclarecimento por parte da Defesa do arguido C -  pois o assistente tinha dito, em sessão anterior, que o arguido A é que o tinha levado de volta; embora também tivesse dito, noutro momento, que  tinha voltado de transportes -   esclarecendo o assistente:  “…como eu já tinha dito, eu fui de transportes para a escola….” - (Juíza Presidente) Não, no regresso, o que eu lhe estou a pedir é: diz que esteve na (...) e depois que o Sr. A o trouxe de regresso - “…sim, eu  estava a explicar…”, “…eu já tinha, eu acabei de dizer como ia para a escola, fui de transportes, no entanto deixavam-me em (…) ou perto do (...)…” de BF.
Esta é uma das situações - e na linha do que referimos anteriormente - em que o consecutivo esclarecimento em relação a circunstâncias, segmentos de factos que rodeiam o acto do abuso -  ou o acto que se esteja a investigar, pois não é específico deste tipo de crimes - e  em que também consecutivamente se vai aumentando a especificidade do que se pergunta,  potencia em regra -  quanto à  certeza de quem responde e  quanto à memória que inicialmente  se revelou - divergência e/ou contradição em relação ao “modo exacto” como anteriormente tinha dito ou relembrado.
Isto é a experiência comum, o que a vivência do  dia-a-dia  nos diz e que o Tribunal não deixou de ter em atenção na avaliação global das declarações do assistente.      
E, no caso concreto, tendo em atenção a forma como o assistente foi sucessivamente explicando, não o faz com ligeireza, a sua voz e a expressão  que o Tribunal percebia denotava que queria explicar o que tinha dito e como tinha dito, demonstrava  que tinha noção do que dissera e o significado com que para si o disse (voltava com o arguido A, que naquele caso o deixava ao pé de (…) e depois o Assistente ia de transportes para a escola).
E, de facto,  a declaração do assistente quanto a este aspecto  vista na sua globalidade quanto aos vários momentos em que foi perguntado e em que respondeu,  foi intrinsecamente concordante. Pois explicando e complementando em momentos diferentes - o que normalmente dificulta a narração,  para manter o nexo do que se diz nos vários momentos - , o sentido do que disse teve nexo e concordância : ele foi de transportes para a escola; mas foi o arguido A que o deixou no local para apanhar esses transportes, pois deixou-o em (…) ou perto do BF; e a sua escola era IIR nesta altura." (fim de transcrição)
Menciona também o recorrente C, na sua conclusão de recurso 320.ª, que o assistente AI não esclareceu especificamente a marca da carrinha em que foi transportado pelo arguido A nas idas à casa da (...), pelo que o facto do ponto 104.1. dos factos provados não podia ter sido considerado como o foi, já que nele se indica como sendo “uma (…) “(…)” da AX”.
Mais uma vez a defesa do recorrente C parte do pressu(...) – errado – de que a matéria de facto dada por assente no acórdão recorrido, quanto ao abuso do assistente AI na casa da (...) por parte dele, se baseou apenas nas declarações deste menor.
Ora, não foi isso que sucedeu. Os factos considerados provados em 104., mais concretamente em 104.1, radicaram noutros elementos de prova, sendo que quanto à marca da(s) carrinha(s) tal resultou das declarações do próprio condutor das mesmas – o arguido A – e de documentos, como se retira da fundamentação de facto e do que se deu por provado quer em 118.13., onde se consignou: “O arguido A utilizava, em regra, as viaturas (…) de cor (…) e de matrícula (…) e (…) ou o (…) de cor (…) e com a matrícula (…), propriedade da AX conforme documentos de fls. 12814 a 12816 dos autos.” quer em 165.3., onde se deu por assente: “O  arguido A utilizou os veículos da AX, de matrículas (…) e (…), da marca (…) e (…), da marca (…), no transporte de menores, alunos da AX, para casas onde os mesmos eram sujeitos a práticas sexuais com homens adultos.”
No acórdão recorrido explicou-se que se atentou, mormente, nos “Documentos relativos aos registos do movimento diário/mensal das viaturas da AX”; na “cópia das deslocações da (…) com a matricula (…) no período compreendido entre 1998 a 2001”, nos “Documentos remetidos pela AX, referentes às datas em que os veículos (…), modelo (…), de matrícula (…) (propriedade registada em 16/05/94); (…), Modelo (…), (…) Lugares, de matrícula (…)  (propriedade registada em 31/03/99 e auto de recepção em 13/01/99, cfr. fls. 60.839); (…), modelo (…), (…) lugares, matrícula (…) (propriedade registada em 21/03/2000 e auto de recepção em 30/01/99, cfr. Fls. 60.842 ); (…), modelo (…), (…) lugares, matrícula (…) (propriedade registada em 4/02/97); (…), (…), (…) lugares, matrícula (…) (propriedade registada em 6/11/97); (…), modelo (…), (…) lugares, matricula (…) (propriedade registada em 9/09/97); (…), modelo (…), (…) lugares, matrícula (…) (propriedade registada em 14/01/92 e auto de recepção em 30/12/91, cfr. Fls. 60.856); (…), modelo (...), (…) lugares, matrícula (…) (propriedade registada em 14/02/89 e auto de recepção em 7/12/88); foram registados e feitos autos de recepção para ficarem ao serviço da AX”. (fim de transcrição)
Foi, aliás, muito grande o cuidado que o Colectivo teve de explicar exaustivamente, na sua fundamentação de facto, como chegou à conclusão de quais as viaturas da AX utilizadas no transporte dos menores-ofendidos para os diversos locais em que foram alvo de abuso sexual por parte dos arguidos, quando foi esse o caso.
Assim só no tocante à questão das carrinhas da AX o acórdão dedica-lhe 70 páginas na sua fundamentação de facto (vd. págs. 807 a 877 do acórdão recorrido), aqui se remetendo para a transcrição daquelas feita no início da presente decisão.
Analisando tal segmento da fundamentação de facto aquilatar-se-á o modo exigente para consigo próprio (do Colectivo de primeira instância) e a pretensão, a nosso ver conseguida, de ser suficientemente claro para com todos aqueles que queiram, ao ler o acórdão recorrido, perceber o seu raciocínio na apreciação da prova que se prende com a utilização de veículos da AX nas deslocações externas dos menores, ora assistentes ofendidos nos autos, para os locais e casas em que foram abusados, mormente pelos arguidos.
É certo que, de todo aquele arrazoado não se retira em nenhum passo que o assistente AI foi levado para a casa da (...), no dia em que viria ali a ser abusado sexualmente pelo recorrente C, numa carrinha (…).
Mas, sabendo-se que:
- foi o arguido  A que para ali conduziu, naquele dia, o assistente AI;
- aquele arguido utilizou, ao longo do tempo e indistintamente, quer uma carrinha (…), quer  uma carrinha (…), ambas de (…) lugares, chegando, por vezes, a utilizar no mesmo dia os dois modelos de carrinha;
- o Tribunal a quo utilizou, em primeira linha, como critério, para a fixação da matéria de facto provada e não provada neste domínio, e nos casos em que tal foi necessário, a avaliação e valoração das declarações de cada assistente, considerando “como plausível, verosímil, que uns retenham e refiram uma marca e modelo de veículo e outros retenham e refiram outro”, não nos merece reparo, bem tendo andado o Colectivo de primeira instância ao dar por assente no ponto 104.1. dos factos provados que: “Nesse dia, à hora marcada, o arguido A, conduzindo uma das carrinhas (…) “(…)” da AX, compareceu no local que combinara.”, pois foi essa a marca e modelo da carrinha que o assistente AI, que no veículo foi conduzido, referiu nos autos recordar-se, sem quaisquer dúvidas, ter sido transportado para a casa da (...) nas duas vezes em que ali se deslocou, e portanto também no caso em apreço, ou seja no dia em que ali foi abusado pelo recorrente C.
Com efeito, atentemos nas declarações prestadas a este respeito pelo assistente AI na sessão da audiência de julgamento de 30 de Novembro de 2005:
“Procurador – Bom dia. Srª Drª, antes de mais, em que veículos é que o assistente foi conduzido, se é que foi em mais do que um, já referiu uma carrinha, em que veículos é que o assistente foi conduzido pelo arguido A?
Juíza Presidente – A (...), já disse.
Procurador – Na carrinha.
Juíza Presidente – Sim.
Procurador – Mas se em todas as outras circunstâncias, seja na ida à (...), à casa da (...), seja nas idas, nas, nas, nas múltiplas idas à casa, ao barracão do Sr. A, se foi sempre na carrinha, se não foi sempre na carrinha?
Juíza Presidente – Pode responder.
AI – Foi sempre na carrinha.
Juíza Presidente – Sempre a mesma carrinha?
AI – Sempre a mesma carrinha.” (fim de transcrição)
Sendo que, nas declarações prestadas pelo assistente AI na sessão da audiência de julgamento da véspera (29 de Novembro de 2005) o menor havia cabalmente esclarecido que tal carrinha era uma (…) e passamos a transcrever:
“Juíza Presidente – Quer da primeira, quer da segunda, das duas vezes que o senhor diz ter ido a (...), foram sempre no mesmo carro, ou em carros diferentes?
AI – Não. Íamos sempre na carrinha.
Juíza Presidente – E a que carrinha se refere?
AI – (…).
Juíza Presidente – Reconhecia esta carrinha de algum sítio?
AI – Conhecia.
Juíza Presidente – De onde?
AI – De lá da AX” (fim de transcrição)
Seguidamente, o recorrente tece diversas considerações quanto à luminosidade da casa da (...) com referência às declarações do assistente AI nesta matéria, referindo nas suas conclusões de recurso 316.ª e 318.ª:
"O Assistente declara que dentro da casa não havia muita luz, mas que se via bem, e que não viu outros contactos sexuais entre outras pessoas enquanto estava a ser abusado." (…) "Lembra-se ainda que as janelas da casa tinham mais do que uma vidraça cada uma, o que se estranha, dado ter referido que a casa não tinha muita luz, e depois vindo dizer que lá tinha ido de manhã, logo levando a presumir que a casa teria que estar escurecida, com os estores para baixo ou as cortinas fechadas, sem se ver os vidros."
A este propósito, e ainda sobre outros detalhes arquitectónicos da casa da (...), expendeu-se no acórdão recorrido:
" Os factos com o arguido C lembra-se que  “… foi no quarto, se bem me lembro…” e a após os actos “… depois fui para o (...)…” com o arguido A, que estava num local  fora da casa. Esclareceu que foi durante o dia. Nessa casa estavam mais pessoas para além do arguido C, adultos, do sexo masculino."  (…)
" Prosseguindo com o contraditório a que as declarações do assistente foram sujeitas, na instância do Ministério Público foram pedidos esclarecimentos ao assistente quanto ao interior da casa.
Disse que não se lembrava se os estores da casa estavam fechados ou abertos, a casa “…não tinha assim muita luz, mas conseguia-se ver bem…”. Foi-lhe exibido o desenho de fls. 2.987, tendo confirmado ter sido o assistente a fazê-lo, dizendo “…isto é …a casa da (...), se bem me lembro…” (foi-lhe igualmente exibido o desenho de fls. 2.986, tendo dito que foi igualmente feito por si e que correspondia à casa do arguido A).
Fez a “leitura” do desenho: os rectângulos que estão nas extremidades são janelas, o Ministério Público quis saber se as janelas tinham “uma ou duas portas”, tendo respondido “…sim, tou a compreender…eu agora, não tenho bem a certeza se era janelas…abertas, que se abria normal…ou se eram correntes…”, tendo acrescentado, por ter-lhe sido perguntado, que eram duas janelas de cada lado.  Perguntado se o que desenhou foi efectivamente o que tinha visto na casa e esclareceu “… é assim,  esta planta não …não “tá” perfeita, eu  simplesmente limitei-me a desenhar aquilo que via da sala... do resto das divisões….sabia onde é que era os quartos…limitei-me, simplesmente, a meter na minha cabeça aquilo que era dentro de casa... não me entendeu?...”.
Das suas declarações resultou, por exemplo, que apesar de ter desenhado uma casa de banho, não tinha ido efectivamente a essa divisão, tendo esclarecido a razão de a ter desenhado: “… porque reparei…eu quando entrei, olhei para os cantos da casa…não decorei bem como é que era a casa, mas aah... desenhei aquilo que me entrou a primeira vez na cabeça….”. Confirmou que as divisões onde tinha estado foram um quarto e numa sala e quanto às demais divisões que  desenhou no croqui “…ver, de ver, eu não vi nenhuma….”, mas  “… eu reparei em todas as divisões da casa …”, acrescentando ter reparado numa casa de banho e num quarto mais pequeno. 
Foi-lhe perguntado porque é que tinha desenhado uma cozinha -  uma vez que só tinha “reparado” em mais duas divisões -   e o assistente, aqui com um ar de “à-vontade” em relação à atitude que vinha demonstrando,  respondeu “… já estava à espera que me fizesse essa pergunta…” - (Juíza Presidente) - Pois, eu  até já tinha falado em cozinha, era normal, porque está no desenho e depois da resposta que deu ... - e acrescentou “…não ... é  que foi assim, eu quando reparei que havia a casa de banho e havia mais um quarto pequeno, uma pessoa não fica sem comer. E uma casa não pode ter... não pode ter, não pode ficar sem cozinha. E... quando fui para um quarto, para o quarto maior... reparei de longe que havia, podia haver mais uma divisão e eu daí, parti daí que era uma cozinha….”.
Foi visível, pela dinâmica do discurso do assistente nesta altura, que o “desenho” que estávamos a ver, com divisões com mobília, tapetes no chão, não era exclusivamente a reprodução de uma  memória, mas a reprodução de alguma coisa  que o assistente tinha colorido em função da convicção que tinha do que era normal suceder.
E acrescentamos, quanto à forma menos pesada que o Tribunal notara nesta resposta -  que saía do registo que o assistente tinha tido, quando esteve inicialmente a relatar ao tribunal os factos ocorridos -,  que a explicação teve a ver com o que o assistente disse a seguir, isto é, com a formação que estava a ter (o Ministério Público pediu para o assistente dizer que curso estava a tirar, o qual disse “…tou a tirar (…) (…) é arquitectura, design de interiores, design de equipamento, design gráfico...”).
Aqui referimos que  quando houve esta alteração de registo, da forma como o assistente tinha estado a falar e como falou neste momento, o Tribunal ficou atento, pois as cambiantes são importantes para avaliar o conteúdo. Mas também temos que dizer que quando o assistente terminou, a percepção que nos ficou não foi de ligar esta sua alteração pontual no discurso a sobranceria, mas a uma situação em que por alguma razão - e que ligámos com o facto de ser algo em relação ao qual sentia que  conseguia explicar a “contradição” -  isto é, sabia explicar porque é que tinha feito “aquilo” tão completo, apesar de dizer que não tinha visto e era uma suposição -. 
De qualquer forma, quanto a esta descrição e identificação, é elemento que per si e à partida, tinha valia relativamente diminuta para o tribunal, pois a coerência  intrínseca e o valor do que disse quanto à descrição do local, só assume sentido quando avaliado face a toda a sua descrição do facto abuso, dado que a casa, o seu interior ou o seu exterior, não foi passível de corroboração em audiência de julgamento por qualquer outro meio. Das suas declarações, à partida, tanto podia estar a descrever uma habitação que “estava a ver”, apesar de “colorida” com pormenores, como  podia ser, como a Defesa de um dos arguidos defendeu, uma casa que nada tinha a ver com abusos e que o assistente conhecia e colou a esta situação.
No entanto a percepção do Tribunal, à medida que foi ouvindo o assistente quanto ao relato dos factos passados naquele local, a forma como foi sujeito ao contraditório por todos os sujeitos processuais e a forma como o assistente naturalmente no seu discurso e nas explicações que dava, foi integrando ou relacionando o local com o resto do relato quanto ao abuso - e, na nossa avaliação,  de forma similar ao longo da descrição para o Tribunal, pois não andou a mudar os sítios onde esteve, manteve a sua dinâmica de discurso quanto ao que tinha sido com(...) por si no desenho e porquê -, é que aquele local tinha a ver com aquele relato, com aquela situação.
O desenho está preenchido pela sua imaginação do assistente – com a cozinha, com o tapete, com a mobília -, mas  o “local” não foi “colado” ao relato do abuso. Tem a ver com aquela situação, dá como a perspectiva daquele local.
Ligando-se e tendo a ver (pelo que o convocamos) com a percepção que o Tribunal teve e que referimos - quando tratamos as declarações do assistente quanto à localidade (...), porque é que sabia que era na (...) e diligência de reconhecimento de tal local, confrontação com auto de fls. 6.502 -, de que os pormenores ou identificação que o assistente fez do local do abuso e da razão pela qual tinha a certeza do local, tinham a ver com um relato da situação descrita pelo assistente." (fim de transcrição)
Com uma única excepção, a que se aludirá mais adiante, não nos merece qualquer reparo a fundamentação do acórdão recorrido neste domínio – o da descrição da casa da (...) feita pelo assistente AI, incluindo quanto à luminosidade naquele local.
Como expenderam, e bem, a AX e demais assistentes na sua resposta ao recurso inter(...) do acórdão final pelo arguido C, não a este respeito mas a propósito do abuso do daquele ora recorrente sobre AP, mas que aqui vale mutatis mutandis:
“Quanto a existir luz acesa ou não acesa na sala onde ocorreram os abusos do arguido C sobre o assistente (...), são factos completamente irrelevantes e nem sequer são acessórios para credibilizar ou descredibilizar quem quer que seja. É um "facto" completamente inócuo e de reduzidíssima ou mesmo nula expressão valorativa. A luz podia estar acesa, podia estar fechada e, tendo a sala luz natural directa, a “luz” vista na memória do assistente pode ser perfeitamente a oriunda da janela.” (vd. fls. 71199).
Na sua 300.ª conclusão de recurso defende o recorrente C que o Tribunal a quo no ponto 104.4. dos factos provados não podia ter dado por assente que o abuso na casa da (...) ocorreu na sala, quando o assistente AI, na audiência de julgamento, o situou num quarto.
Vejamos.
Antes de mais, recorde-se a exacta e total redacção do mencionado ponto 104.4.: "O assistente AI permaneceu na sala na companhia do arguido C, o qual, após ter tirado o pénis para fora das calças, introduziu-o na boca do menor, aí o tendo friccionado."
Apreciando dir-se-á que sala e quarto têm em comum serem assoalhadas ou divisões existentes em qualquer casa. E, em princípio, toda a casa tem uma ou várias salas e um ou vários quartos, salvo se esta for um estúdio ou apartamento tipo T0, em que o mesmo e único espaço disponível servirá para alojar pessoas e guardar coisas.
Ou seja, sala e quarto são espaços habitacionais comummente entendidos como realidades distintas.
Porém, qualquer compartimento de uma casa, que não seja a despensa, a cozinha, a casa de banho ou o hall, tanto pode ser considerado como sala, ou como quarto, ou ambos, dependendo das circunstâncias.
Com efeito, um quarto pode ser simultaneamente sala ou a sala pode ser transformada em quarto no caso da divisão da casa, ter, por exemplo, um sofá-cama ou uma cama escamoteável num móvel. No fundo, tudo depende, para além do mobiliário e da decoração existente na assoalhada, do uso que se lhe der, mais virado para dormir (quarto) ou para receber as visitas e passar o tempo de lazer e convívio em família (sala-de-estar), tomar refeições (sala-de-jantar), para já não falar noutros usos mais vocacionados ou específicos se a casa tiver muitos cómodos (sala-de-leitura, sala-de-fumo, sala-de-costura, sala-de-jogos, sala-de-espera, sala-de-reuniões, etc.).
Percebe-se que o Colectivo de primeira instância, sem entrar em detalhes quanto a este aspecto, tenha reproduzido o termo sala que vinha consignado nos factos descritos no capítulo 4.1.4 do despacho de pronúncia ("Os menores foram, então, escolhidos pelos homens que ali se encontravam e que acompanharam às várias divisões da casa. O menor AI permaneceu na sala na companhia do arguido C, onde ficaram também um homem adulto e um dos menores."), dele tendo expurgado o que considerou não provado, matéria que levou ao ponto 22.2. dos factos dados por não provados, onde o termo sala foi, e bem, substituído por divisão ("Aquando dos factos descritos no ponto “104.4”  dos factos provados, na divisão onde estava o assistente AI e o arguido C estava também um homem adulto e um dos menores; e enquanto o arguido C praticava os factos descritos nos pontos “104.4” e “104.5” dos factos provados, o outro menor que ali se encontrava foi também sujeito a práticas sexuais, perpetradas pelo adulto que o acompanhava.").
Aliás, foi também o termo "divisão" que ficou a constar no ponto 108.3. dos factos provados no acórdão recorrido, o qual se refere ao abuso perpetrado noutra ocasião, mas no mesmo local (casa da (...)), por outro arguido na pessoa do mesmo assistente AI ("O arguido K abordou o AI, tendo ficado com o assistente  numa divisão da casa e após ter tirado o pénis para fora das calças, introduziu o seu pénis  na boca do menor que o chupou.").
Contudo, apesar de todos os considerandos acima tecidos, o certo é que no abuso da casa da (...) praticado por C na pessoa do assistente AI, este, na audiência de julgamento, situou-o espacialmente num quarto e não na sala.
E disso se apercebeu o Colectivo a quo, dando conta na sua fundamentação, quando analisa a forma como o assistente AI descreve o interior da casa da (...), ao explicar que este assistente a dada altura "Confirmou que as divisões onde tinha estado foram um quarto e numa sala" (…) "acrescentando ter reparado numa casa de banho e num quarto mais pequeno." (…) "E... quando fui para um quarto, para o quarto maior..." (…)" Os factos com o arguido C lembra-se que  “… foi no quarto, se bem me lembro…”. (cf. págs. 1165 e 1185 do acórdão recorrido)
Face a estas declarações do assistente AI, e uma vez que outra prova não foi produzida em audiência sobre tal ponto de facto (a não ser as declarações do recorrente, o qual negou a prática dos factos), o Tribunal a quo  devia ter dado como provado no ponto em causa (104.4.), que o abuso sexual com o assistente AI ocorreu num quarto, e não na sala, alterando a redacção que constava no despacho de pronúncia.
Assim, tem efectivamente razão o recorrente na impugnação deste ponto de facto, mostrando-se, pois, mal julgado o ponto em questão na parte em que refere que o assistente AI permaneceu na sala na companhia do arguido, ora recorrente, C.
Importa, pois, alterar o ponto 104.4. dos factos provados, o qual passará a ter a redacção seguinte:
"104.4. O assistente AI foi para um quarto, na companhia do arguido C, o qual, após ter tirado o pénis para fora das calças, introduziu-o na boca do menor, aí o tendo friccionado."
Passando a constar dos factos não provados o ponto 22.3. com a redacção seguinte:
“22.3. Nas circunstâncias descritas no ponto 104.4. dos factos provados o assistente AI permaneceu na sala na companhia do arguido C.”
O ponto 22.3. dos factos não provados do acórdão recorrido passa a ser o ponto 22.4. e a factualidade vertida actualmente neste ponto passa a ser o ponto 22.5..
Esta alteração não substancial dos factos constantes do ponto 104.4. não necessita de ser comunicada, na medida em que a mesma resulta da posição assumida pela defesa do recorrente, expressa nas conclusões do seu recurso, pelo que dele já era conhecida. Neste sentido pronuncia-se Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Ed., Universidade Católica Editora, Lisboa (2009), em anotação ao art. 424.º do CPP, e o STJ no seu acórdão de 12 de Maio de 2011, proferido no âmbito do proc. 14125/07.0TDPRT.P1.S1, em que foi relatora a Exmª Srª Conselheira Isabel Pais Martins, e consultável in www.dgsi.pt
 A que acresce, ainda, o facto de a alteração em si não assumir qualquer relevo para a decisão.
Sobre as alterações substanciais e não substanciais de factos remete-se aqui para o que anteriormente dissemos ao decidirmos recurso interlocutório sobre esta matéria.
Pelo ex(...), procede nesta parte, o recurso do recorrente.
Aludindo a AI, e na linha da tentativa de descredibilização das declarações deste assistente, mais alega a defesa de C, nas suas conclusões de recurso 335.ª a 337.ª, o seguinte:
"Não se lembra de como estava vestido o Recorrente, se estava sequer de gravata ou, de resto, se o ora Recorrente usou preservativo ou lubrificante na relação anal que manteve consigo.
Não explica, assim, se o Recorrente se despiu ou se manteve as calças vestidas, pelo que a segunda parte dos factos do ponto 104.4. também não podia ter sido considerada provada.
Esta falta de memória de todas as circunstâncias do abuso, que não foi sequer referida no Acórdão, parece extremamente relevante para a aferição da credibilidade e verosimilhança da história contada pelo Assistente, uma vez que não recordar tais pormenores necessariamente abala a credibilidade do relato.". (fim de transcrição)
Quanto às questões atinentes aos mecanismos de memorização e reprodução de lembranças armazenadas na memória do assistente AI, falece de qualquer razão o recorrente, pois no acórdão recorrido,  em vários momentos, a eles se aludiu detalhadamente, mormente em passagens que já anteriormente transcrevemos e para onde ora remetemos. Nesse contexto e à luz dos considerandos e reflexões ali traçadas, com que se concorda, fácil será de compreender que um jovem rapaz ao ser sexualmente abusado por um adulto nas concretas circunstâncias em que o foi (com prática de sexo oral e anal) não irá necessariamente reter como estava vestido o abusador, mormente se estava de gravata, e muito menos, até pela postura corporal que o acto implicará, se o seu abusador usou preservativo ou lubrificante na relação anal que manteve consigo, e isto, seja porque não se recorda desse detalhe, seja porque nem disso se apercebeu no momento. Foi, aliás, isso que se passou em julgamento, como resulta da audição da gravação da sessão da audiência de  5 de Dezembro de 2005, na passagem que se passa a transcrever:
“Dr. JJQ – Se o Dr. C, nas relações sexuais, utilizava preservativo?
Juíza Presidente – Pode responder.
AI – Nunca reparei nesse pormenor.
Dr. JJQ – Se nas relações sexuais anais usava alguma espécie de lubrificante?
Juíza Presidente – Pode responder.
AI – …Também não me recordo desse pormenor.” (fim de transcrição)
Refere o recorrente C, na sua conclusão de recurso 319.ª, que o assistente AI “Na sessão de julgamento de 5 de Dezembro de 2005 (...), diz que na saída da casa da (...) o Arguido A ficava à porta enquanto ele e os outros rapazes iam para a carrinha, provavelmente a receber dinheiro de alguém, mas não viu.”. Ou seja, questiona aqui do porquê de se ter dado por assente a matéria constante no ponto 104.6. dos factos provados, o que em seu entender não podia ter sido considerado como o foi, já que nele se consagrou que: “Após os factos descritos, o AI saiu da casa,  estando o arguido A à sua espera à saída da referida casa, tendo dado ao assistente dinheiro em montante não concretamente apurado.”.
A este respeito expendeu-se na pág. 1172 do acórdão recorrido, com que se concorda, por corresponder às declarações prestadas pelo assistente AI nas sessões da audiência de julgamento de 29 e 30 de Novembro e 5 de Dezembro de 2005, e nos parecerem ser perfeitamente credíveis, o seguinte:
"Quanto a receber dinheiro, disse que sempre recebeu do arguido A antes de chegar ao (...), quer quando esteve com o arguido A quer quando foi à (...), mas não foi seguro quanto ao montante.
Disse, também (cfr. audiência de julgamento 5/12/05) que na sua memória não tinha a certeza de ter visto o arguido A a receber dinheiro de alguém, quando foi à (...). Mas em relação a ele, assistente, receber dinheiro foi seguro, pois das suas declarações resulta que recebia sempre." (fim de transcrição)
Estranha ainda o recorrente que tendo o assistente AI dito, na sessão de julgamento de 12 de Dezembro de 2005, que no primeiro ano em que esteve na IIR não tinha telemóvel, não poderia, portanto, o contacto do arguido A ter sido feito para um seu telefone, contrariamente ao que consta da pronúncia (cf. suas conclusões de recurso 343.ª e 344.ª). Lembre-se que no despacho de pronúncia se refere que o arguido A telefonou ao assistente AI a marcar o encontro para a quarta-feira seguinte, tal como se viria a dar por provado em 104. dos factos provados no acórdão recorrido.
No entanto, o Colectivo explicou, e bem, na sua fundamentação de facto porque assim o deu por provado, e passamos a transcrever o que no acórdão recorrido se deixou consignado a este propósito:
“O assistente AI afirmou ao tribunal que  falou ao telefone com o arguido A, era pelo telefone que combinava as “coisas” para o dia seguinte, pelo que da avaliação global das declarações do arguido A, com as declarações do assistente AI, o Tribunal considerou suficientemente assente quer a existência dos telefonemas quer o seu objecto.
13.3.6. E aqui introduzimos uma questão suscitada por algumas Defesas, relacionadas com os telefonemas do AI e como, na perspectiva dessas Defesas,  expressão de falta de credibilidade e veracidade do que disse.
Foi perguntado ao assistente se alguma vez tinha falado ao telemóvel/telefone com o assistente AV e o assistente disse que não. Foi perguntado ao assistente se o número de telemóvel (…) lhe dizia alguma coisa ou se o identificava como seu (cfr., por exemplo, audiência de julgamento 7/12/2005).
O assistente respondeu que não, quando confrontado com um elemento que se encontra na parte da identificação de um auto seu de inquirição, o de fls. 648 dos autos -  datado de 20/01/2003,  auto que foi usado estritamente nessa medida -, confirma que tinha dado o número quando foi ouvido, mas pediu para lhe ser confirmado quando é que foi essa audição na PJ. E referiu uma situação relacionada com perda de telemóvel “há pouco tempo” - em relação à data em que tinha ido prestar declarações - , embora não se recordando se tinha dado mais do que um número de telemóvel à PJ.
A seguir foi dito pela Defesa que o estava a instar - tendo sido audível para o assistente -, que dos autos, nomeadamente dos elementos do Apenso W-2, havia o registo de chamadas telefónicas do assistente AV “para si”, para o tal nº (…) a partir de 22/02/2003 e prolongando-se para Março, persistindo o assistente que nunca tinha falado com AV ao telefone.  O AI podia ter vacilado, porque estava a ouvir, é evidente, todo o conteúdo da pergunta, mas não e  persistiu que não lhe tinha falado. 
No dia a seguir (audiência de julgamento 12/12/2005) a Defesa que fizera a instância que antecede comunicou ao Tribunal que dissera o nº (…), mas que tinha vários elementos que lhe suscitaram dúvidas sobre esta matéria, mas enganara-se no número (do AI) em relação ao qual queria pedir os esclarecimentos de chamadas. O nº pretendido era o  (…) , que está identificado também na parte da identificação do AI no  auto de fls. 1637 dos autos ( o qual foi usado neste preciso limite e objecto).
Em relação a este número o assistente declarou que não se recordava do mesmo, isto é, quando lhe foi perguntado se este número lhe dizia alguma coisa, respondeu que “sinceramente não”. Este número é um que, de facto, na identificação do assistente no auto de fls. 1637 está anotado como sendo do assistente, a seguir aquele que inicialmente referimos, constando escrito  “(…)/ (…)”.
Conjugando esta anotação com a que está no auto anterior ( o de fls. 648, datado de 20/01/2003, em que só consta o primeiro número) e conjugando com a declaração espontânea que o assistente fizera na primeira sessão em que fora perguntado pelos telefonemas, que se lembrava que quando foi prestar declarações perdera o telemóvel - e chamamos a atenção que quando fez esta declaração o assistente não vira e ainda não fora referido na audiência de julgamento o auto de fls 1637, datado de 18/02/2003, em que está referido o segundo número - ,  para o Tribunal assumiu veracidade a declaração que o assistente fizera quanto à perda de telemóvel, pois ela faz sentido com a forma como estão anotados os dois números a fls. 1637.
E nesta segunda sessão, em relação ao “novo” número do assistente, mantém declaração de não ter feito chamadas para AV. É-lhe perguntado sobre envio de SMS para a testemunha AAT, disse que não, tendo a  Defesa convocado e invocado para o efeito os elementos constantes do Apenso AC-L - onde consta o registo de mensagens escritas enviadas do nº (…) de 2/09/2002 a 12/02/2003 - e manteve que não, tinha a certeza não ter contactado tal pessoa.
A testemunha AAT veio posteriormente a ser ouvida em audiência de julgamento  - declarou ser amiga do assistente AV, mas confirmou não ter ou ter tido relacionamento com AI e não ter recebido SMS do AI. Das suas declarações confirmou o nº (…) como seu, confirmou ter recebido telefonemas de AV para esse número em Fevereiro de 2003 (cfr. Apenso O-T; e cfr. Apenso AC-L, de onde consta o registo de sms do (…) para o número da testemunha).
Embora no ofício de fls. 7.108, enviado pela “OPTIMUS” para o Tribunal, conste que a operadora tem identificado o nº (…) em nome de “AI”, o que aponta para o AI, até porque o mesmo prestou declarações nesse sentido, face aos elementos constantes do Apenso AC-L, as declarações do assistente quanto à perda do telemóvel e data em que tal ocorreu e conjugando ainda com  as declarações da testemunha AAT - em relação à qual o Tribunal não teve qualquer percepção, não “desconfiou” ou teve indício de que estivesse a mentir ao Tribunal, sendo que a avaliação que fizemos do seu depoimento foi mesmo em sentido inverso, quer de noção do que dizia, quer de objectividade e desinteresse pessoal ou outro com que o disse -, tivemos fortes dúvidas  que pelo menos  em Fevereiro de 2003 fosse o assistente AI a utilizar o número (…). 
A segurança e persistências com que o assistente respondera, quando ouvindo as perguntas que lhe eram feitas havia a aparência de uma evidência que, de facto, havia “registos” de que os contactos tinham sido “feitos por si”, mas mantendo a sua certeza, criaram a convicção no Tribunal que o assistente falou com verdade.
E que pode ter havido a utilização de cartões/número de telemóveis que tenha reconhecido como seus, por outras pessoas.
(1) Ainda ligado com a questão da altura em que o assistente AI teve telemóvel,  no contraditório a que foi sujeito - e de acordo com a percepção que o Tribunal teve das suas declarações -, disse que tinha tido o primeiro telemóvel quando ganhou o seu primeiro salário estímulo em Setembro de 2001. estaria no 9º ano (cfr. audiência de julgamento 5/12/2005).
 Isto significava, para uma das defesas, inconsistência no seu depoimento, uma vez que já dissera que anteriormente combinava pelo telefone com o arguido A os encontros para idas a locais.   
Mas aqui os elementos dos autos apontam que o AI está equivocado quanto à memória que tem da altura em que recebeu o primeiro salário estímulo. Isto porque  consultando o Apenso W-16 (Livro de registo de ocorrências do seu lar), concretamente o registo de fls. 113, datado de 10/12/99, já é feita a referência ao salário estímulo que o mesmo recebia, estranhando os educadores como é que recebia alguma coisa, face às faltas que tinha.
E este registo dá sentido e consistência à declaração que o assistente fizera perante o Tribunal, que no primeiro ano na IIR (1998/1999) não tinha telemóvel, mas que no segundo (1999/2000) tem a “certeza” que o arguido A telefonava-lhe às vezes para o telemóvel para combinar o lugar onde se encontravam (cfr. audiência de julgamento  12/12/2005).” (fim de transcrição)
A terminar a apreciação da matéria de facto relativamente ao abuso sexual de que o assistente AI foi vítima na casa da (...) por parte do ora recorrente C não pode este Tribunal ad quem deixar de atentar naquilo que no acórdão recorrido se disse, e com que concordamos, quanto às declarações prestadas por aquele menor e respectiva credibilidade, quer em audiência de julgamento, quer perante a Mmª Juíza de Instrução. Ali se lavrou a dado momento e passamos a transcrever:
"Neste momento - e sem prejuízo do que o Tribunal irá dizer, quanto a outros aspectos de demais momentos da instância do assistente - retomamos o que acima e em sucessivos momentos dissemos quanto à forma como o assistente AI esteve perante o Tribunal. E isto, lembramos, tendo sempre em atenção as linhas de Defesa que imputaram aos assistentes a criação de uma história para os incriminar.
Este depoimento foi um daqueles em que - como dissemos mesmo no início da análise crítica da prova - , ouvindo as gravações das declarações que foram prestadas em audiência de julgamento a voz do assistente aparenta ser “alta”, facilmente audível, mas tal não corresponde à atitude e ao que, em audiência de julgamento se passou.
A gravação - pelo que já no início explicámos, por ser feita com um microfone posicionado junto de cada uma das pessoas que estava a falar - distorce e não reproduz, o que foram as vicissitudes da audição  ou as cambiantes da audição dos assistentes. Dá uma noção errada da forma como foi prestado o depoimento, o que é objectivamente sustentado, por exemplo, numa observação que o Tribunal teve que fazer na audiência de julgamento de 30/11/2005 - e que já acima mencionámos -, para o assistente tentar falar mais alto, pois falava “mesmo baixinho”.
Para o Tribunal - e na sequência do que já dito -, quando o Assistente começou a falar dos abusos e isto logo no primeiro dia em que prestou declarações, viu-se quer na sua expressão -  tinha um semblante um pouco duro, mas com trejeitos que pareciam um sorriso em determinada altura quando dava respostas -, quer na sua voz - não falou com à vontade, o discurso era menos fluído do que tinha tido até aí, tinha silêncios antes de responder, respirava fundo -, que alguma coisa tinha mudado em relação à forma como se apresentara ao Tribunal.
Foi-nos visível que estava nervoso, que havia alguma retracção.
Mas como também dissemos, podia ser uma atitude cautelosa para medir o que dizia e como dizia, para não errar no guião e o Tribunal não deixou de ter esta perspectiva em vista.  Ao mesmo tempo e durante as suas declarações, parecia ir tendo alguma dificuldade em falar, o que  por vezes interpretámos como cansaço em falar.
Começou a contar o que se passou com o arguido A e depois passou para a “(...)”. Aí fala do arguido C e do arguido K (nesta altura das suas declarações o Tribunal disse-lhe para se expressar sem reservas, explicando que o Tribunal estava preparado para ouvir aqueles relatos, que os factos tinham que ser contados como aconteceram, com os actos que aconteceram), estava a falar com os arguidos na sala e o Tribunal notou que quer o arguido C, quer o arguido  N num segundo momento, olhavam e fixavam o assistente enquanto falava.
Era impossível, tal como o Tribunal o percepcionou, que o assistente não o estivesse a “sentir” e sentindo-o, em maior ou menor grau alguma coisa  teve que afectar a confiança que o assistente tivesse para estar a prestar as declarações. Aliás, no início da instância por parte do Ministério Público,  o Magistrado do Ministério Público começou por perguntar ao assistente se estava nervoso e se a presença das pessoas que tem estado a referir o “intimidavam”. O assistente, de uma forma na qual o Tribunal não viu sobranceria, nem tom de desafio, mas como se correspondesse a algo espontâneo, natural, respondeu que “…não intimida…eu falo aquilo que tenho a falar…”. 
Foi na sequência desta afirmação que se referiu a algo que já  mencionámos anteriormente - e que foi a percepção de uma expressão que o assistente fazia, antes de responder, como se fosse um sorriso -, dizendo ao Tribunal que se apercebia disse “… eu apercebo-me disso… e eu sorrio… um sorriso porque quando estou nervoso ou fumo um cigarro … ou tento sorrir….”. A resposta foi plausível para o Tribunal, é uma reacção que por vezes é apreensível nas pessoas e a forma como respondeu, pergunta atrás de pergunta, instância atrás de instância, Magistrado ou Advogado uns a seguir aos outros, deram a percepção ao Tribunal que se tratava de uma reacção, como um tique. Porque se a sua situação fosse a de estar a contra uma coisa “criada” a atitude normal seria tentar criar “simpatia” com um ar grave e não esboçar como que um sorriso antes de responder.”(…)
“Passemos, agora, à confrontação que o Tribunal fez em audiência de julgamento, do assistente com as declarações que tinha prestado perante JIC:
Começou por dizer ao Tribunal que não se recordava de ter prestado declarações perante a Sra. Juíza de Instrução criminal. Lembrava-se de ter prestado perante as Sras. Procuradoras, perante a P.J. , mas não se conseguiu recordar perante quem foi a última pessoa que prestou declarações, antes de ter vindo a Tribunal.
Foi-lhe exibido o auto de fls. 19.043, referente às declarações que prestou perante JIC no dia 22/04/2004,  viu a sua assinatura, foi-lhe lido o auto, após o que disse lembrar-se de ter prestado as declarações. No entanto continuou a não se recordar de onde as tinhas prestados, nem da pessoas - a Senhora juíza - perante as quais tinha prestado.
E ficámos convictos que estava a dizer a verdade, pois foi perguntado mais do que uma vez sobre este aspecto, mas mais importante de formas diversas, o que podia levar a que tivesse uma lembrança diferente ou se estivesse a “fingir”,   “descair-se” pois estava a dar uma resposta a uma pergunta diferente e é normal que a sua atenção se desviasse para o que era diferente  (e assim “poder ser apanhado”; e no sentido do que dizemos, acresce o facto de as declarações perante a Sra. juíza de Instrução terem ocorrido nas instalações da P.J., como resulta do auto, local onde o assistente  durante o inquérito fora sempre ouvido). 
E o que foi a entoação da sua voz,  o que a dada altura foi uma expressão facial de impotência,  a sensação que o Tribunal teve, com o que viu, pois o corpo estava mais direito, os olhos mais direccionados para o Tribunal do que estivera no início,  foi de alguém que quer dizer mais mas não consegue explicar mais."(…)
"O assistente deu explicações ao Tribunal (…) e foi-lhe feito sentir da responsabilidade que as suas declarações podiam ter na prova de factos  e que podiam levar à condenação de arguidos, o que o assistente disse ter consciência disso e não ter dúvida sobre o que tinha dito perante o Tribunal." (fim de transcrição)
O recorrente não o alega, mas antes de prosseguirmos, por tal ser matéria de conhecimento oficioso (vd. acórdão do STJ de 19/10/95, publicado in DR I Série de 28/12/95), desde já se afirma considerarmos não existir nenhum dos vícios constantes do art. 410.° do CPP no que concerne à matéria fáctica que ora estamos a apreciar.
Recorde-se que a mencionada norma adjectiva respeita aos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do seu (dela, decisão) próprio texto, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Por outras palavras, a livre apreciação da prova implica uma valoração racional e crítica e de acordo com as regras da experiência comum, tendo em conta o homem médio su(...) pela ordem jurídica. Elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste.
Da leitura do acórdão recorrido ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão no que concerne ao abuso sexual do assistente AI por parte do arguido C, não existindo a mais ténue obscuridade ou contradição. Trata-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado nesta parte.
Lembre-se que erro notório na apreciação da prova é aquele de que o homem médio facilmente dá conta.
O facto do Tribunal ter acreditado no depoimento do assistente AI em detrimento da versão do arguido C, tendo desvalorizado o depoimento deste último quanto aos factos integradores do abuso ocorrido na (...), é um poder que assiste e é exigível ao Tribunal a quo, que decide, como já explicitámos, segundo a sua livre convicção e as regras da experiência, nos termos do dis(...) no art. 127.° do CPP.
Por outro lado, verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa.
É por demais evidente que todos os factos à boa decisão - sempre por reporte ao que se passou na casa da (...) entre o assistente AI e o recorrido C - foram devidamente apreciados pelo tribunal a quo, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos, suficientes para a conclusão de direito.
Refira-se, finalmente, afigurar-se-nos não existir contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão no domínio ora em apreço.
No mais remete-se aqui, mutatis mutandis, para o que se disse supra em f) a partir de “Como é sabido, a melhor impugnação do julgado, nomeadamente, o plano da valoração da prova produzida e subsequente estruturação da factualidade apurada, não se basta com juízos meramente opinativos ...”.          
Concluiremos dizendo que quanto aos factos que se deram como provados e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados conjugadamente, e bem, todos aqueles que importavam serem-no e que o Colectivo de primeira instância explicitou na decisão revidenda no âmbito da sua fundamentação relativa à factualidade apurada e à não provada no que respeitou ao abuso de que o assistente AI foi alvo por parte do arguido C na casa da (...), improcedendo o seu recurso nesta parte, com excepção da impugnação relativa ao ponto 104.4. dos factos dados como provados, o qual se altera nos termos supra referidos.
h) - Da medida das penas parcelares e única:
- Dos pedidos para a sua redução e suspensão na sua execução, formulados pelo recorrente C nas suas conclusões de recurso 398.ª a 420.ª, e
- Do peticionado, pelo Ministério Público, agravamento de penas, e condenação em crimes porque foi o arguido C absolvido, conforme ao requerido nos pontos B1) e F) do recurso daquele ao acórdão e às suas (MP) conclusões 8.ª a 29.ª e 122.ª e, ainda, pelos assistentes AX, Y, AN e AI, quanto a esta última questão
A título subsidiário, por dever de patrocínio e elementar cautela, a defesa do recorrente C, admitindo a eventual improcedência do presente recurso noutros segmentos, igualmente impugna "a sanção que concretamente lhe foi aplicada, traduzida, após o cúmulo jurídico operado, na pena de 5 anos e 9 meses de prisão."
Acrescentando o recorrente: "No que respeita à fundamentação da escolha das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes por que foi o Recorrente condenado, bem assim como quanto à fixação da medida concreta da pena única em sede de concurso efectivo (cúmulo jurídico), foi o Tribunal a quo sumamente parco na fundamentação, limitando-se aos considerandos que consignou a pp. 1672 e s. do Acórdão." O que, a par de outras passagens, parece inculcar a ideia de que recorre das concretas penas parcelares e única e não só desta última, como inicialmente se retiraria.
Prosseguindo, afirma o recorrente:
“E desde logo impressionará a circunstância de o Tribunal ter valorado negativamente a atitude do Recorrente, de negação peremptória dos factos que lhe eram imputados e de acérrimo empenhamento na sua defesa, ao afirmar que a “(…) postura do arguido em nada foi colaborante com o Tribunal, antes se tendo remetido a uma absoluta negação dos factos.” (Cfr. a p 1673 do Acórdão).
Não se vê como o legítimo exercício dos direitos de defesa, entre os quais naturalmente se inclui o de negar os factos que lhe são imputados – direitos fundamentais constitucionalmente tutelados, sublinhe-se – possa ser apodado de “postura pouco colaborante com o Tribunal” e erigido em critério que contra o Recorrente milita no momento da determinação da medida concreta da pena.
Ora, o Recorrente empenhou-se denodadamente na sua defesa, nunca se remetendo ao silêncio nem se furtando a prestar todos os esclarecimentos que lhe foram sendo pedidos.
Ofereceu em julgamento tudo o que dispunha – assim se expondo, inclusive na sua intimidade, ao escrutínio público – e só mais não ofereceu porque lhe foi absolutamente impossível obter o que mais fosse, sempre no propósito de demonstrar a sua inocência.
Coligiu um impressionante acervo de registos (cerca de 15 milhares de dados) relativos à sua vivência, abrangendo um período de três anos, que submeteu ao contraditório, expondo-se à crítica e às inevitáveis incompletudes, lapsos e incongruências que uma massa de dados de tal natureza inevitavelmente importa.
Esforçou-se, porventura mais do que qualquer outro sujeito processual, na procura da verdade material, oferecendo e requerendo ao Tribunal abundante prova documental relativa à AX (cuja relevância para a descoberta da verdade é bem patente na própria fundamentação da decisão, que, em ampla medida, se socorre de tais elementos de prova), numa atitude sem paralelo com a da própria Instituição, que, maugrado ter-se constituído Assistente nos autos, pouco contribuiu para o esclarecimento dos factos que directamente lhe diziam respeito.
Em suma, ofereceu o ora Recorrente ao Tribunal uma defesa aberta e leal. Mas nunca se reconheceu culpado nem confessou os factos!
É quanto basta para demonstrar a profunda injustiça que redunda em qualificar de “pouco colaborante” a atitude do Recorrente em juízo.
Aceita-se que a confissão dos factos, se relevante, funcione com atenuante geral em benefício do arguido. Mas a inversa – a falta de confissão e mesmo a negação dos factos – não poderá nunca prejudicá-lo na determinação da medida concreta da pena, sob pena de violação grosseira das garantias de defesa em processo penal, consagradas, desde logo, no art.º 32.º, n.º 1 da CRP.
Igualmente incompreensível é a razão por que não foi valorado a favor do Recorrente o lapso temporal decorrido desde a data da prática dos factos por que foi condenado – que remontam ao período compreendido entre Julho de 1997 e o final de 1999 – e o momento da decisão, tendo aquele mantido um comportamento irrepreensível ao longo do tempo.
O decurso do tempo, que é significativo, algum peso terá no que respeita ao mitigar das exigências de prevenção geral e especial e à consequente necessidade da pena. De nada disto curou o Tribunal ao fixar as penas concretamente aplicadas ao Recorrente.” (fim de transcrição).
Por seu turno, e ao invés, o Ministério Público, entendendo serem desadequadas quer uma das penas parcelares quer a pena única, requer o agravamento do quantum das mesmas, sendo que quanto a esta última (a pena única) tal agravamento resultaria do pressu(...) que o arguido C, em sede de recurso, viria a ser agora condenado por crimes em que foi absolvido em primeira instância.
Assim, o Ministério Público, na 122.ª conclusão do recurso por si inter(...), esclarece, por um lado, que, com referência ao capítulo 4.1.1, do despacho de pronúncia (abuso sexual de pessoa internada, na pessoa de AP), no quadro do qual foi o arguido C condenado, pela prática de um crime previsto no art. 166.º, n.º 1, do CP (na redacção do DL  49/85, de 15 de Março), na pena de 3 (três) anos de prisão, é a mesma (concreta pena parcelar) de manter. Porém, relativamente, ao crime previsto no art. 172.º, n.ºs 1 e  2,  do CP (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro), com referência ao capítulo 4.1.4, do despacho de pronúncia (abuso sexual de crianças, na pessoa de AI), por cuja prática foi o arguido C condenado na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pugna o Ministério Público de que tal pena deverá ser elevada no seu quantum para 5 (cinco) anos de prisão.
Por outro lado, o Ministério Público discordando da absolvição do arguido C, pela prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP, por referência aos factos relativos ao assistente Y, descritos no Capítulo 4.1.3. do despacho de pronúncia, dela (absolvição) veio interpor recurso - fundamentalmente, por considerar não ser requisito do tipo previsto na norma em causa (art. 166.º do CP), a diminuição/anulação da capacidade de resistência da vítima.
E, nessa conformidade, tendo em conta a condenação por que propugna, entende o Ministério Público que o arguido C deverá ser condenado pela prática de 2 (dois) crimes previstos no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada, e, em cúmulo jurídico com as demais penas parcelares, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Para tanto, o Ministério Público, quanto à primeira questão (agravamento de uma das penas parcelares), em que termina apelando à correcta aplicação dos critérios emergentes dos arts. 71.º e 77.º do CP, alegou, em síntese, que:
“No Acórdão, o Tribunal fundamentou a determinação da medida das penas, especificando os motivos pelos quais, seja em sede de prevenção especial, seja quanto às necessidades de prevenção especial, em termos que não nos merecem qualquer reparo.
Não se trata, pois, de impugnar o Acórdão, na vertente da correspondente fundamentação, mas, apenas, na subsunção dos pressu(...)s em que assenta, à determinação concreta das penas aplicadas.
O doseamento das penas não se traduz numa mera operação aritmética, nem é a consequência lógica, ou tabelar, de requisitos pré-estabelecidos, tanto mais que, a sua determinação, tem, como parâmetros, molduras penais abstractas com margens particularmente amplas entre os respectivos limites mínimo e máximo.
Esta opção do legislador, tornando mais exigente a quantificação das penas, exige ao julgador um especial cuidado, por forma a que a discricionariedade, teleologicamente vinculada, que lhe está, inevitavelmente, subjacente, não se traduza, ao invés, numa indesejável arbitrariedade.
O que vem de dizer-se procura estribar-se, ademais, no que vem sendo a Jurisprudência, uniforme e constante, do STJ, da qual constitui paradigma insofismável, de entre tantos outros, o Ac. do STJ, de 08.11.2007, Procº 07P3164 (www.dgsi.pt), relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota”
(...)
“Os factos provados, seja no que à ilicitude diz respeito, seja no que se prende com a culpa, bem como as condições pessoais, reportadas, umas e outras, a cada um dos Arguidos, não divergem, de entre eles, de forma significativa.
Disso mesmo se dá conta o próprio Acórdão, ao dosear as penas parcelares por obediência a um critério, predominantemente, homogéneo, o que, tão pouco, se questiona.” (...)
“Todos os referidos Arguidos cometeram os factos num período de tempo muito circunscrito. Não se podendo aferir o conjunto das condutas por uma propensão delitiva específica, estar-se-á um pouco mais além da mera pluriocasionalidade.
Tanto quanto resulta dos respectivos certificados do registo criminal, não tinham antecedentes criminais, à data da prática dos factos.
Os bens jurídicos violados são, essencialmente, os mesmos.
Todos eles estão socialmente inseridos.
As exigências de prevenção geral são fortíssimas, tanto mais, quanto é certo, que, este caso, despoletou, na comunidade, uma sensibilidade que não o precedia.
A discordância que assinalamos prender-se-á, a um tempo, com a  subvaloração da intensidade do dolo, e da ilicitude do facto, e com a consequente tradução na medida das penas, a qual ficou aquém do “quantum concretamente adequado de protecção”.” (fim de transcrição).
Já quanto à segunda questão, o Ministério Público alega nas suas conclusões de recurso o seguinte:
“8. (Por refª a “B1)”) - Por referência ao Capítulo “4.1.3”, do Despacho de Pronúncia (que imputara, ao Arguido C, a prática de 2 crimes de Abuso Sexual de Pessoa Internada, previstos no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal), o Tribunal absolveu o Arguido C, da prática dos 2 crimes pelos quais vinha pronunciado, condenando (e bem), no entanto, o Arguido A, por referência aos mesmos factos, pela prática de 2 crimes de Lenocínio, previstos no artº 176º, nºs. 1 e 3, do C. Penal (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro);
9.  (Por refª a “B1)”)  -  De acordo com a fundamentação respectiva, plasmada no Acórdão (fls. 68.028 a 68.032), a absolvição ficou a dever-se ao facto de, “na avaliação do Tribunal”, não se terem dado como “suficientemente provados todos os elementos constitutivos do crime que está em causa e pelo qual o arguido C foi pronunciado.”, conclusão, com a qual, o MºPº, frontalmente, discorda;
10.  (Por refª a “B1)”)  -  A absolvição do Arguido ficou a dever-se à não comprovação de que o Assistente Y soubesse, antes e durante os abusos sexuais de que foi vítima, por parte do Arguido C, que este era (...)-(...) da AX (AX), ou, sequer, que desta fosse funcionário (...) que se exigirá, além do mais, que se verifique uma diminuição da possibilidade da vítima opor resistência;
11.  (Por refª a “B1)”)  -  O crime em apreço (artº 166º, do C. Penal), na parte que aqui releva, tem mantido, desde o DL 48/95, de 15 de Março, até ao presente, uma estrutura, no essencial, intocada, seja no que diz respeito à tipificação, propriamente dita, seja no que toca às molduras penais;
12.  (Por refª a “B1)”)  -  Desde logo, fica patente que, da letra da lei, ou seja, do argumento literal, não se retira qualquer exigência de que, à conduta do agente, corresponda uma diminuição da capacidade de resistência da vítima, (...) que, quando o legislador entendeu consagrar tal requisito, disse-o, de forma expressa, como resulta, v.g., da norma imediatamente antecedente (o artº 165º do C. Penal, que incrimina o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência);
13.  (Por refª a “B1)”) -  A exigência de diminuição, ou eliminação, da capacidade de resistência da vítima, sendo requisito (diferenciador) do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, não o é do crime de abuso sexual de pessoa internada, uma vez que, fundamentalmente, o que está em causa, neste crime (artº 166º), é o aproveitamento da situação de internamento da vítima e o maior e mais fácil acesso que, por força das funções que exerce, a ela tem o agente;
14. (Por refª a “B1)”) - A crença na protecção que espera dos agentes da instituição que a acolhe, investindo a vítima numa putativa situação de conforto, fragiliza, naturalmente, a sua capacidade de percepção/reacção, ao ser abordado por aqueles em quem, em princípio, mais confiará;
15. (Por refª a “B1)”) -  No seio da Comissão de Revisão do CP, de 95, ainda no que toca à discussão sobre o preceito em causa, em momento algum se gerou polémica, ou, sequer, se aludiu a qualquer exigência de inclusão, na respectiva tipificação, do requisito que o Acórdão, ora sob recurso, postula, segundo o qual, a conduta do agente tenha que ser apta a tornar a vítima incapaz de resistir;
16. (Por refª a “B1)”) - Por outro lado, radicando, na norma, a protecção da “independência sexual da pessoa internada”, como verdadeiro “bem jurídico complexivo” - sem olvidar que, tratando-se, como se trata, de menor de 14 anos de idade, a tónica do bem jurídico tutelado há-de reportar-se, não à violação da liberdade, mas, antes, da insusceptibilidade de autodeterminação sexual  -, não pode deixar de ter-se em conta que, àquela protecção, acresce o facto de o legislador se ter deixado “… guiar também pela incolumidade do exercício de funções no estabelecimento respectivo; é dizer, pelo entendimento que o alcance das finalidades que o estabelecimento se propõe, supõe a correcção dos procedimentos que a tenham lugar em matéria sexual…”, tutela, essa, que, assim, igualmente, foi postergada, pelas condutas do Arguido C, relativamente ao menor Y;
17. (Por refª a “B1)”) - Acresce que o Arguido C não começou por agir, directamente, sobre a Vítima, antes encarregando o Arguido A de o abordar e levá-lo até si, “a um local entre ambos combinado.”;
18. (Por refª a “B1)”) - O Tribunal  deu como provado que  “O arguido C sabia que o menor Y era um aluno interno da AX que ali havia sido admitido em virtude de ter uma situação familiar problemática e a quem as pessoas ligadas funcionalmente àquela instituição – especialmente os seus dirigentes – inspiravam autoridade e dever de obediência.”;
19. (Por refª a “B1)”) - Ou seja, ainda que se considere ter o Arguido C agido, de forma mediata (extraneus), por intermédio do Arguido A (intraneus), aproveitando-se das especiais relações que este fomentava e mantinha com os alunos da AX, designadamente, com o menor Y, tal facto sempre implicaria, como implicou, que essas especiais relações, porque comunicáveis, se lhe transmitissem, assim se configurando, em pleno, a ilicitude típica comparticipada, relativa ao crime em apreço  - cfr. artº 28º, nº 1, do C. Penal;
20. (Por refª a “B1)”) - Aliás, na 2ª situação a que os factos se reportam, ocorridos entre Novembro de 1999 e Janeiro de 2000, quando C volta a pedir a A que lhe traga o menor, o Acórdão deu como provado (cfr. “103.8”, dos “Factos Provados”), que o pedido visou já, por parte do Arguido C, especifica e expressamente, o menor Y, tendo o Tribunal dado como provado que o Arguido sabia tratar-se de um aluno interno da AX;
21. (Por refª a “B1)”) - A razão pela qual C escolheu, como mediador, A, é-nos fornecida pelo próprio Acórdão, em sede de análise crítica da prova (e de forma particularmente exaustiva, cfr. fls. 66.966 a 67.137), na qual se analisam, quer os percursos dos Arguidos C e A, dentro da AX, quer a actuação do primeiro, relativamente ao segundo, em especial, a forma como C (que foi instrutor em 3 dos processos disciplinares que, ao longo do tempo, foram sendo instaurados ao Arguido A, alguns já relacionados com práticas sexuais envolvendo o Arguido e alunos da AX), apesar de estar a par das sucessivas e reiteradas condutas de A, protegia este;
22. (Por refª a “B1)”) - Daí que, não possa deixar de reiterar-se que, da conjugação dos “Factos Provados” com a “Fundamentação” (e, de entre esta, da “Análise Crítica da Prova”), resulta, à evidência, ter o Tribunal dado como assente que o Arguido C, por si e, sobretudo, por intermédio do Arguido A, tirou partido do cargo que ocupava na AX, aproveitando as facilidades que este lhe facultava e tirando partido do relacionamento privilegiado que mantinha com o Arguido A e com a imagem de autoridade e o dever de obediência que sabia que este inspiraria, como inspirou, no menor Y, que sabia tratar-se de aluno da Instituição;
23. (Por refª a “B1)”) - E, se assim é, há que reconhecer que o conteúdo do item “21.6”, dos “Factos não Provados”, relativo ao Capítulo “4.1.3”, possa inculcar, numa primeira abordagem, a ideia de uma contradição na “Fundamentação”;
24. (Por refª a “B1)”) - Todavia, prova de que assim não é, resulta da própria “Fundamentação”, (...) que, nesta (cfr. fls. 68.025 a 68.032, na parte relativa ao Capítulo “4.1.3”, que ora nos ocupa), o Tribunal não sustenta a absolvição, na alegada “não prova” do aproveitamento “das funções ou do lugar que, a qualquer título,” o” (agente) “exerce ou detém,…”, omitindo toda e qualquer referência a esse requisito.
25. (Por refª a “B1)”) - A absolvição deveu-se ao facto de se ter considerado, como elemento (igualmente, não provado) integrante do tipo (abuso sexual de pessoa internada), a incapacidade de resistência, por parte da vítima, ou a especial dependência, desta, relativamente ao agente directo do crime, decorrente do facto de não se ter dado como provado que o menor Y, à data dos abusos sexuais de que foi vítima, soubesse que o Arguido C era dirigente, ou, sequer, funcionário, da AX;
26. (Por refª a “B1)”) - Na enumeração dos “Factos Provados”, fica claro que, ao invés, o Acórdão dá, como provado, o referido aproveitamento, por parte do Arguido C (itens “103.18.” - O arguido C sabia que o menor Y era um aluno interno da AX, que ali havia sido admitido em virtude de ter uma situação familiar problemática e a quem as pessoas ligadas funcionalmente àquela instituição – especialmente os seus dirigentes – inspiravam autoridade e dever de obediência e “103.20.” - O arguido C agiu sempre de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que a conduta atrás descrita lhe era proibida pela lei penal.”;
27. (Por refª a “B1)”) - O conteúdo destes factos demonstra, de forma inequívoca, que o Arguido C sabia que “as pessoas ligadas funcionalmente àquela instituição”, “inspiravam autoridade e dever de obediência” aos alunos da AX, pelo que, sabendo, como sabia, que o menor Y conhecia a qualidade de funcionário de A  - daí, tê-lo encarregue de o recrutar -, o aproveitamento dessa situação, por parte do Arguido C, ainda que mediado pelo Arguido A, mais não traduz do que a verificação do requisito (aproveitamento, por força da relação hierárquica, pese embora, cúmplice e protectora, sobre A), essencial à consumação do crime em causa;
28. (Por refª a “B1)”) - Pelo que, será forçoso concluir, que o conteúdo do item “2.1.6”, embora dispensável, porque susceptível de interpretação equívoca, não configura qualquer contradição, interpretado que deve ser  - conjugado com todos os elementos referenciados -, restritivamente, como dando por “não provado”, e, como tal, afastando-o, o aproveitamento, directo e imediato, do Arguido C, sobre o menor Y;
29. (Por refª a “B1)”) - Em conformidade, porque configurado um erro na subsunção da factualidade provada, ao Direito, o Tribunal deveria, ao invés, ter condenado o Arguido C, pela comissão de 2 crimes de Abuso Sexual de Pessoa Internada, previsto no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na pena, que se entende como ajustada, de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos referidos crimes.” (fim de transcrição).
Por seu turno, os assistentes AX, Y, AN e AI extraíram da sua motivação de recurso, no tocante a esta questão, as seguintes conclusões:
“1. (...) os aqui recorrentes (...) entendem não ser requisito do tipo previsto no artigo 166º, do CP a diminuição ou anulação da capacidade de resistência da vítima.
2. Razão pela qual não podem aceitar a absolvição do arguido C pela prática de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos e punidos no artigo 166º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, por referência aos factos relativos ao Assistente Y e descritos nos pontos 102 a 103.24, dos factos provados e 21.1, 21.6 e 21.7, dos factos não provados, do Acórdão (4.1.3 do Despacho de Pronúncia).
3. Da factualidade provada relativamente ao arguido C, com referência ao capítulo 4.1.3 do despacho de pronúncia, em relação ao assistente Y, estava imputado ao arguido a prática em autoria material de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, prevista e punida pelo artigo 166º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
4. Sendo que quanto à matéria dada como provada e constantes dos factos dados como provados a 102 a 103.24, o tribunal considerou que estão preenchidos elementos constitutivos do tipo.
5. Sustenta no entanto o tribunal a quo que é elemento do tipo legal que haja um aproveitamento da vítima por parte do agente, aproveitamento esse da incapacidade do sujeito em dar o seu consentimento ou ser coagido a tal motivado pelo internamento, e quanto elemento subjectivo, o dolo tem de abranger não só o acto sexual, como a incapacidade da vítima de opor resistência e o seu aproveitamento pelo agente.
6. Ora no caso concreto, em relação ao assistente Y, os actos ocorreram fora do espaço da AX. Numa casa fora da AX. O que deve ser abrangido pelo conceito de internamento.
7. Concluiu no entanto, no nosso entender mal, que não foi possível concluir que na situação concreta existiu a especial relação de dependência, proximidade pessoal, que tivesse permitido ao Tribunal estender aos factos ocorridos entre o arguido e o educando, no trajecto e transporte que fez deste. O que levou o Tribunal a considerar que não se encontram suficientemente provados todos os elementos constitutivos do tipo do crime pelo qual o arguido se encontrava pronunciado, tendo em consequência absolvido o arguido C pela prática em autoria material de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previsto e punido pelo artigo 166º, nº 1 e 2 do CP.
8. Ora, o tribunal a quo considerou como não preenchidos elementos constitutivos do tipo, quando na verdade, salvo melhor opinião, não são requisitos do tipo os elementos enunciados no acórdão.
9. Do texto da lei, conforme decorre do acima enunciado, não resulta, ao invés da posição sustentada pelo Tribunal a quo, por um lado que a vítima tenha de ter conhecimento das funções ou do lugar específico exercido pelo arguido, mas tão só que o agente se aproveite dessas mesmas funções ou do lugar que a qualquer título exercia na AX.
10. Não resulta, no nosso entender, do tipo de abuso sexual de pessoa internada previsto no artigo 166º, nºs 1 e 2, do CP, ao contrário da posição sustentada no acórdão, o requisito de diminuição/anulação da capacidade de resistência da vítima.
11. Tal será de necessária verificação para preenchimento dos elementos do tipo por exemplo abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punido no artigo 165º do CP.
12. Com efeito o Tribunal deu como provado que o assistente Y aquando da prática dos factos pelo arguido C estava confiado à guarda e confiança da AX, pois estava internado, instituição esta que é um estabelecimento de educação onde o arguido desempenhava as funções de (...) (...) da instituição, sendo que resultou provado o temor reverencial que provocava no assistente Y.
13. Assim como resultou provado a consciência e o conhecimento que o arguido tinha dessa circunstância, pretendeu valer-se disso agindo de modo livre e consciente.
14. Razão pela qual, face aos factos provados, encontrando-se preenchidos todos os elementos necessários à condenação do arguido C em relação ao assistente Y por dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previsto e punido pelo artigo 166º, nºs 1 e 2, do CP.” (fim de transcrição).
Respondeu o ali recorrido C, nos termos seguintes (transcrição):
1. No que ao Recorrido C respeita, o recurso inter(...) pelo Ministério Público incide: i) sobre o segmento do Acórdão em que se deliberou a absolvição daquele pelos dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos e puníveis (p. e p.) nos termos do art.º 166.°, nrs. 1 e 2 do CP, no que respeita aos factos que lhe eram imputados sob o n.° 4.1.3 do despacho de pronúncia (relativos ao Assistente Y), e; ii) sobre a medida concreta da pena aplicada ao Recorrido no que tange ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do art.° 172.°, nrs. 1 e 2 do CP (relativo ao Assistente AI) e consequente alteração da pena única resultante do cúmulo jurídico.
2. O recurso do Ministério Público é, por expressa opção do Recorrente, circunscrito a matéria de direito.
3. Porém, o Recorrido C interpôs ele próprio recurso do Acórdão, versando matéria de facto, razão pela qual, de harmonia com o dis(...) no art.° 414.°, n.° 8 do CPP, todos os recursos serão apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
4.  Em tal recurso, o ora Recorrido C não impugnou a matéria de facto assente como provada sob os nrs. 102 a 10120 (factos enumerados sob o n.° 4.3A do despacho de pronúncia, atinentes aos su(...)s abusos perpetrados sobre o Assistente Y relativos aos episódios do (…) e de (…)).
5.  Nem o poderia ter feito, já que nesse segmento decisório não houve decisão desfavorável ao ora Recorrido, o que, por falta de legitimidade e de interesse em agir, lhe vedou a possibilidade de, nessa parte, interpor recurso, nos termos do dis(...) no art.° 401.°, n.° 1 al. b) e n.° 2 do CPP.
6.  Mas tal não significa que, em virtude da interposição de recurso por parte do Ministério Público, recurso esse restrito a matéria de direito, fique agora o Recorrido C impossibilitado de, na resposta, impugnar a matéria de facto na qual se louva o Ministério Público para sustentar o pedido da sua condenação pela prática dos supra mencionados crimes.
7. Desde logo porque a decisão absolutória não transitou em julgado.
8.  Por outro lado porque, nestas circunstâncias, a limitação da resposta do Recorrido C às questões de direito suscitadas pelo Recorrente conduziria à inutilização prática da possibilidade de recurso relativamente à decisão da matéria de facto, o que contraria frontalmente a garantia de um duplo grau de jurisdição, constitucionalmente consagrada no art.° 32.°, n.° 1 in fine da CRP.
9.  Na verdade, caso viesse a ser concedido provimento ao recurso a que ora se responde — o que se concebe tão só a beneficio de raciocínio — a decisão da matéria de facto da 1.ª Instância, que o Recorrente não impugna, fundamentaria uma ulterior decisão de condenação que não teria sido sindicada por qualquer instância de recurso.
10. Sob outra perspectiva, também se afigura inadmissível que, através da restrição do recurso a matéria de direito, o Recorrente procure prevalecer-se de decisão da matéria de facto que lhe seja total ou parcialmente desfavorável, dessa forma tolhendo ao Recorrido a possibilidade de impugnar a decisão de facto, da qual não poderia, ab initio, recorrer.
11. Tal hipótese equivaleria a uma fixação atrabiliária do objecto do recurso por parte do Recorrente, o que, manifestamente, é contrário ao dis(...) nos arts. 402.° e 403.° do CPP.
12. Assim, e por mera cautela, desde já argui o Recorrido a inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 401.°, nrs. 1 e 2, 402.°, n.° 1, 401°, n.° 1 e 411°, n.° 1, todas do CPP, se interpretadas com o sentido de, não assistindo ao recorrido legitimidade para recorrer de decisão que lhe foi favorável (maxime de decisão absolutória) e inter(...) recurso pelo sujeito processual a quem tal decisão desfavorece, restrito à matéria de direito, não ser possível ao recorrido, na sua resposta, impugnar a decisão sob recurso na sua totalidade (abrangendo, também, a matéria de facto), por violação do princípio da igualdade das armas e do direito ao recurso, decorrentes, respectivamente, dos arts. 13.° e n.° 1 in fine da CRP.
13. Sublinhe-se que o Recorrido C sempre negou a totalidade dos factos que lhe são imputados e não se conforma em deduzir a sua defesa, agora em sede de recurso, com fundamento em estritas razões de direito.
14. Por essa razão, os considerandos que seguidamente se expenderão no sentido da demonstração da improcedência do recurso, na medida em que se sustente o bem fundado da decisão recorrida no que respeita à subsunção dos factos ao direito, não deverão em caso algum ser tomados como um reconhecimento da prática de tais factos por parte do ora Recorrido, prática que este sempre negou peremptoriamente ao longo do processo e que agora novamente repudia.
15. O Recorrente Ministério Público, na tese que sustenta na sua motivação, incorre em errada interpretação do tipo penal aqui em causa, vertido no art.° 166.° do CP.
16. E incorre também em deficiente entendimento dos fundamentos que, no Acórdão em apreço, conduziram à absolvição daquele no que aos dois crimes em causa respeita.
17. A improcedência do recurso, restrito que se encontra este à matéria de direito, resulta, com cristalina evidência, dos próprios termos em que o Recorrente enuncia a questão controvertida, começando por aludir aos factos provados e não provados e ao texto do tipo penal constante do art.° 166.° do CP.
18. Na decisão da matéria de facto consignou-se, entre os factos não provados, o seguinte: "21.6. O arguido C praticou todos os factos descritos aproveitando-se da sua qualidade de funcionário da AX e da autoridade que lhe conferia o facto de ser (...)-(...) da Instituição, pretendeu valer-se e valeu-se da reverência; " (Cfr. a p.235 do Acórdão)
19. Assim, não tendo resultado provado este facto, enunciado na Pronúncia – pelo contrário, tal facto foi julgado como não provado – não se verifica o preenchimento de um elemento do tipo objectivo do crime em causa, qual seja: o aproveitamento das funções ou do lugar pelo agente do crime no cometimento do facto.
20. E, sem ter impugnado a decisão da matéria de facto, não pode o Recorrente propugnar a condenação do Recorrido C, uma vez que, mantendo-se inalterado o facto não provado constante do n.° 21.6, qualquer decisão condenatória pelo crime de abuso sexual de pessoa internada incorreria no vício previsto no art° 410.°, n.° 2 al. a) do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [sendo igualmente concebível a verificação do vício a que alude a al. b) do mesmo preceito, já que, mantendo-se inalterado o julgamento de tal facto como não provado, daí inevitavelmente resultaria contradição insanável entre a fundamentação e a decisão].
21. Tanto bastará, singelamente, para que o recurso deva, nesta parte, ser julgado improcedente.
22. O Recorrente Ministério Público intenta, não obstante, demonstrar que a decisão procedeu a uma errada interpretação do tipo incriminador em causa, constante do art.° 166.° do CP.
23. Em concreto, invoca que o entendimento subjacente à decisão absolutória assenta na consideração de um elemento típico inexistente quer na letra quer no espírito do preceito legal: a incapacidade de resistência da vítima relativamente "ao agente directo do crime"(sic).
24. Ora, da simples leitura da fundamentação daquele trecho decisório do Acórdão, facilmente se depreende que as razões da conclusão pelo não preenchimento do tipo constante do art.° 166.° não se resumem à apontada pelo Recorrente.
25. Da leitura do trecho a pp. 1618 e s. do Acórdão sob recurso decorre, com toda a evidência, que o Tribunal a quo: i) não fundamentou exclusivamente a decisão numa pretensa incapacidade de resistência vítima, e; ii) longe de omitir qualquer referência à não prova do elemento consistente no aproveitamento do cargo ou lugar, expressamente convoca o facto constante do n.° 21.6 dos factos não provados na fundamentação.
26. O correcto entendimento da fundamentação da decisão recorrida, no que respeita à conclusão pelo não preenchimento do tipo objectivo do crime previsto no art.° 166.° do CP, só logrará desde logo alcançar-se tendo presente os pontos 21.1., 21.6, e 21.7 dos factos não provados, a pp. 234 e s. do Acórdão.
27. Deste núcleo de factos não provados em julgamento, sem que a decisão recorrida tenha dado preponderância a algum deles em detrimento dos outros, resulta claro o fundamento da absolvição do Recorrido.
28. Tão pouco procede a crítica, também invocada pelo Recorrente, de que o Tribunal a quo teria incorrido numa confusão interpretativa entre os elementos típicos do crime de abuso sexual de pessoa internada com os do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. nos termos do art.° 165.° do CP.
29. A doutrina tem entendido, com acerto, que o bem jurídico protegido pelo tipo incriminador em referência é a livre determinação sexual do internado ou a independência sexual da pessoa internada.
30. Certo é que, inequivocamente, o tipo objectivo do crime exige uma relação fáctica entre o agente do crime e a vítima, assente no denominador comum às diversas espécies enunciadas no tipo, de que o primeiro exerça funções ou detenha lugar em algum dos estabelecimentos ali referenciados e de que a vítima nele se encontre internada.
31. Esta particularidade, assente na relação de poder que, nos estabelecimentos da natureza dos elencados na norma, se estabelece entre quem neles exerce funções e quem ali se encontra internado é que constitui o fundamento e também o limite da tutela penal outorgada através da incriminação do abuso sexual de pessoa internada.
32. Daqui decorrem, porém, consequências dogmáticas no que respeita à interpretação do tipo e à delimitação dos comportamentos puníveis, defendendo a melhor doutrina a rigorosa interpretação restritiva do próprio preceito, especialmente na medida em que tal relação de poder, atenta a natureza dos estabelecimentos e o grau de dependência que daí decorra para as pessoas ali internadas se vá atenuando ou esbatendo.
33. E importará ter em atenção a natureza tipicamente relevante da relação estabelecida entre o agente do crime e a vítima, que se prende com a interpretação do elemento do tipo objectivo que exige que a pessoa internada esteja de qualquer modo confiada àquele ou se encontre ao seu cuidado.
34. Também neste domínio a doutrina tende a ser especialmente rigorosa, salientando que tal relação deve ser de natureza factual efectiva, deve traduzir-se num relacionamento pessoal minimamente reiterado entre o agente e a vítima, não sendo bastante que o primeiro se encontre institucionalmente vinculado, a qualquer título, ao estabelecimento de internamento.
35. O Acórdão recorrido nem sequer sufragou uma interpretação tão restritiva da norma em apreço.
36. Esta conclusão é patente quer no que se refere à natureza da AX como estabelecimento de ensino com internato de alunos (de "internato massificado") e às relações de poder que daí emergiam, quer, por exemplo, no que respeita ao local da prática do crime, que admitiu, com assinalável latitude, poder ocorrer fora dos limites espaciais dos estabelecimentos de internamento, de ensino ou de lazer da AX (conforme decorre do que na decisão recorrida se consignou a pp. 1616 e ss.).
37. Não se vislumbra na fundamentação da decisão absolutória qualquer confusão entre os elementos típicos do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. no art.° 165.° do CP e o crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto no artigo seguinte daquele diploma legal.
38. Na verdade, a incapacidade de opor resistência que caracteriza o crime previsto no art.° 165.° do CP radica em motivos de ordem psíquica ou física que são atinentes à pessoa da vítima (e, nesse sentido, independentes de uma prévia relação entre esta e o agente do crime, que poderá ser qualquer pessoa ao invés do que sucede no crime de abuso sexual de pessoa internada), sendo que tal incapacidade poderá ser ocasional ou permanente.
39. Diverso é o caso em que se encontra a vítima no crime de abuso sexual de pessoa internada, em que, não estando em causa uma incapacidade psíquica ou física de opor resistência, se verifica uma situação de dependência desta ante o agente do crime, que é susceptível de condicionar a sua liberdade e autodeterminação sexual, mas que decorre da relação de poder a que a vítima se encontra sujeita em razão do internamento.
40. Essencial à prova do elemento aproveitamento, consagrado no tipo objectivo do crime previsto no art.° 166.°, é, pois, " (...) que se prove que foi a dependência física ou psíquica da vítima originada pelo seu internamento que conduziu à sua não resistência ao facto" (cfr. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit. p. 487).
41. Ora, conforme se lê no Acórdão sob recurso: (..) é necessário, contudo, nestas situações, que se verifique que a "medida de dependência sexual" susceptível de ser criada seja forte - tal como a doutrina exige para as situações ocorridas nos hospitais ou estabelecimentos prisionais - e que se verifique uma diminuição da possibilidade da vítima opor resistência, decorrente de uma dependência psíquica (relevante), pessoal, que a vítima tenha criado em relação ao funcionário "agressor", por causa e no contexto do internamento. Aproveitando-se o funcionário desse facto. (...) Sucede que, no caso concreto, face à matéria de facto que resultou nos pontos "21." a "21.7." dos factos não provados (...) não podemos concluir que, na situação concreta, existiu a especial relação de dependência, proximidade, pessoal (...)" (cfr. p. 1618 e s. do Acórdão).
42. Em suma: i) nem confusão alguma se verifica, na decisão sob recurso, entre os elementos do tipo objectivo do crime de abuso sexual de pessoa internada e os do crime do art.° 165.° do CP; ii) nem o Tribunal a quo omite, na fundamentação da decisão absolutória, qualquer referência à falta de prova do elemento típico consistente no aproveitamento das funções ou do lugar por parte do ora Recorrido.
43. O Recorrente aduz ainda uma segunda linha argumentativa, através da qual procura construir uma hipótese de comparticipação criminosa susceptível de sustentar a condenação do Recorrente, fazendo-o, uma vez mais, sem impugnar a decisão da matéria de facto.
44. Visa, dessa forma, contornar o insuperável escolho que constitui o facto não provado sob o n.° 21.6, chegando ao ponto de afirmar – contra toda a evidência – que o Tribunal a quo afinal deu como provado o aproveitamento por parte do Recorrido.
45. Segundo essa tese, pretende-se que o Recorrido C teria exercido o aproveitamento da função ou do lugar por intermédio do Arguido A, prevalecendo-se da especial relação que este mantinha com o Assistente Y e da imagem de autoridade e do dever de obediência que aquele Arguido neste último inspirava. O facto não provado sob o n.° 21.6, à luz desta "nova leitura" sugerida pelo Recorrente, deveria tão só ser entendido com o sentido de não ter resultado provado "(...) o aproveitamento directo e imediato do Arguido C [o aqui Recorrido], sobre o menor Y" (cfr., a p. 23 da motivação do recurso – destaque no original).
46. Uma primeira objecção que se pode dirigir a esta tese é a de que a mesma assenta na premissa de que a decisão recorrida só absolveu o Recorrente por ter entendido que a sua conduta não gerou a incapacidade de o Assistente opor resistência ao abuso, tendo a fundamentação omitido qualquer referência à não prova do aproveitamento, consignada sob o facto não provado n.° 26.1, que o Recorrente expressamente apoda de "dispensável" e "susceptível de interpretação equívoca" (cfr., novamente, a p. 23 da motivação do recurso).
47. Uma segunda objecção, de índole substancial, resulta de o Recorrente, tendo em vista sustentar uma situação de comparticipação criminosa entre o Recorrido e o Arguido A no cometimento dos factos ora em apreço, não especificar precisamente que forma de comparticipação tem em vista (co-autoria, autoria mediata, instigação, cumplicidade).
48. Mais do que isso, não deixa de sublinhar que o Arguido A, pelo mesmo núcleo de factos, foi condenado (e bem, na óptica do Recorrente) pela prática de dois crimes de lenocínio (cfr. a p. 13 da motivação do recurso).
49. Ora, se o Arguido A foi condenado pela prática de crime autónomo – de lenocínio – diverso do crime de abuso sexual de pessoa internada, precisamente pelos mesmos factos em que se pretende que este tenha comparticipado, com o Recorrido C, na prática deste último crime, então o Recorrente deveria, para ser coerente com a tese que sustenta, pretender a alteração da condenação do Arguido A pelo crime do lenocínio para o crime de abuso sexual de pessoa internada (o qual está em relação de concurso aparente, na modalidade de consumpção, com o crime de lenocínio).
50. As dúvidas adensam-se ainda mais quando o Recorrente invoca o art.° 28.° do CP, sustentando que as "especiais relações" existentes entre o Arguido A e o Assistente Y se transmitiriam ao Recorrido C.
51. É certo que: "[O] crime de abuso sexual de pessoa internada é um crime especifico próprio, uma vez que a ilicitude depende de uma qualidade especial do agente (ocupar uma função ou um lugar no estabelecimento)" [cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal, cit., p. 19, anot. 22 (destaque no original, sublinhado nosso).]
52. O que caracteriza este crime não é, pois, uma relação especial, mas sim uma qualidade especial, categorias que, por serem substancialmente diversas, a letra do art.º 28.°, n.° 1 do CP distingue pela disjuntiva ou.
53. Relação especial do agente existirá, por exemplo, no homicídio qualificado pela relação de parentesco entre este e a vítima [cfr. o art.° 132.°, nrs. 1 e 2 al. a) do CP]. E qualidade especial verificar-se-á, por exemplo, no crime de prevaricação de advogado ou de solicitador, o qual só poderá ser cometido por agentes que detenham alguma daquelas condições profissionais (cfr. o art.° 370.° do CP).
54. No caso sub judice quer o Recorrido C quer o Arguido A reúnem a qualidade especial tipicamente relevante para o crime em causa: ambos eram funcionários da AX, instituição onde o Assistente Y se encontrava internado.
55. Assim, um e outro são intraneus, porque em ambos se verifica a qualidade exigida pelo tipo incriminador constante do art.° 166.° do CP e que delimita o círculo dos possíveis agentes deste crime.
56. O Recorrente Ministério Público incorre numa confusão entre o que seja qualidade especial do agente e relação especial do agente, o que, pela base, inquina todo o seu raciocínio.
57. É certo que o aproveitamento, enquanto elemento do tipo objectivo deste crime, implicará uma relação fáctica entre o agente e a vítima – como supra se assinalou – mas essa relação não é, em si, tipicamente relevante enquanto dissociada do elemento aproveitamento.
58. E muito menos é essa relação que caracteriza o crime enquanto crime especifico próprio. Isso decorre de uma qualidade do agente: a de exercer função ou deter lugar no estabelecimento de internamento da vítima.
59. A relação pessoal que se estabelece entre o agente do crime e a vítima é, assim, um pressu(...) do elemento típico aproveitamento, mas não é, a se, tipicamente relevante, muito menos para delimitar o círculo da autoria do crime.
60. Uma última objecção à tese de comparticipação sustentada pelo Recorrente – embora sempre na ignorância quanto à espécie que se teve em vista no recurso – resulta da qualificação, defendida pela melhor doutrina, do crime de abuso sexual de pessoa internada como crime de mão própria, categoria de crimes que não admite a co-autoria, a autoria mediata e a instigação.
61. A tudo sempre acresceria que, a configurar-se urna qualquer situação de comparticipação entre o Recorrente e o Arguido A no que respeita ao cometimento dos crimes de abuso sexual de pessoa internada ora em apreço, os factos que a consubstanciassem deveriam ter sido integrados no objecto do processo, fosse por constarem da Pronúncia – o que corresponderia à normalidade dos casos – fosse por via de uma alteração de factos, ex vi do dis(...) nos arts. 358.° ou 359.° do CPP, determinada em sede de julgamento.
62. Manifestamente, nada disto ocorreu no caso vertente, o que constitui mais uma razão que decisivamente milita no sentido da improcedência do recurso.
63. De resto, o Recorrente não se terá apercebido que ao pretender a condenação do Recorrido C por um dos dois crimes supostamente praticados sobre o Assistente Y estaria — caso o recurso fosse provido — a fazer incorrer a decisão que assim viesse a ser tomada em nulidade idêntica às que aponta ao Acórdão em recurso, sob as epígrafes Al), Cl) e Dl) da motivação que apresenta (cfr., respectivamente, as conclusões 1 a 7, 30 a 35 e 40 a 46).
64. No que se refere ao segundo daqueles crimes (episódio de (…)), relativamente às circunstâncias de tempo, o Tribunal a quo deu como factos provados os constantes dos nrs. 103.8, 103.9 e 103.0.
65. Especificamente, quanto ao ponto 1019: "Assim, em dia em concreto não determinado, entre o mês Novembro de 1999 e Janeiro de 2000, tinha o menor 13 anos de idade, o arguido A dirigiu-se-lhe, no pátio do (...) e mandou-o ir ter consigo à garagem, onde lhe disse para entrar na sua viatura".
66. E, entre os factos não provados, consignou o seguinte: "21.4. Os factos descritos no ponto 103.9 dos factos provados, ocorreram num sábado."
67. Ora, a situação que vem de se descrever é em tudo idêntica àquelas que — bem, do ponto de vista do ora Recorrido — levaram o Ministério Público a arguir a nulidade do Acórdão, ex vi do dis(...) no art.° 379.°, n.° 1 al. b) do CPP, por violação do preceituado no art.° 359.° do mesmo diploma legal.
68. À semelhança do que sucedeu nas situações enunciadas no recurso do Ministério Público, também no que tange a este crime não foi comunicada ao Recorrido C, em audiência de julgamento, qualquer alteração não substancial dos factos.
69. Assim, no caso de eventual procedência do recurso – que por mera hipótese se concebe – outra possibilidade não haverá que não seja a propugnada pelo aqui Recorrente a respeito das apontadas nulidades do Acórdão: "a baixa do processo à 1. a Instância, por forma a dar cumprimento ao art.º 358.º, n.° 1 do CPP,e termos subsequentes" (cfr. as conclusões que enunciou sob os nrs.7, 35 e 46) e atítulo subsidiário (caso sejam julgadas insubsistentes as razões supra aduzidas no sentido da improcedência do recurso): quanto à matéria de facto provada sob os nrs.102 a 103.20 do Acórdão recorrido.” (fim de transcrição).
Para analisarmos esta questão (a da absolvição do arguido C da prática dos crimes porque vinha pronunciado com referência à factualidade descrita em 4.1.3 do despacho de pronúncia) vejamos quais os factos dados por provados no acórdão recorrido, sob os pontos 102. a 103.24. e os não provados sob os pontos 21.1. a 21.7. (cf. pág. 144 a 147 e 234 a 235) e, posteriormente, o que em termos de subsunção destes ao direito nele se disse.
Ali se deu por provado o seguinte:
“102.    Entre os meses de Setembro e Outubro do ano de 1999, a um Sábado, em dia que não foi possível determinar, o arguido C pediu ao arguido A, que lhe levasse um menor, a um local entre ambos combinado.
103. O arguido A contactou então, no pátio do CZ, o menor Y, então com 13 anos de idade, tendo-lhe dito para ir ter consigo às garagens.
103.1. Quando o menor aí chegou o arguido  A levou-o  ao parque de estacionamento do supermercado “(…)” em (…).
103.2. O arguido estacionou o veículo junto de uma outra viatura e ordenou ao menor que nela entrasse.
103.3. Ao volante desse carro encontrava-se o arguido C.
103.4. Após, o arguido C dirigiu-se com o Y para uma casa situada na zona de (…), cuja localização concreta não se apurou e da qual o arguido tinha a chave.
103.5. Após entrarem, o arguido conduziu o menor para um quarto onde disse ao Y para lhe manipular o pénis, o que o Y fez e o arguido mexeu também no pénis do Y.
103.6. De seguida o arguido C introduziu o seu pénis na boca do Y.
103.7. Após os actos o arguido deu dinheiro ao Y, em quantia não concretamente apurada e levou-o de volta.
103.8. Passadas umas semanas, o arguido C voltou a contactar com o arguido A a quem pediu que lhe levasse o menor Y a fim de nele praticar actos sexuais.
103.9. Assim, em dia em concreto não determinado, entre o mês Novembro de 1999 e Janeiro de 2000, tinha o menor 13 anos de idade, o arguido A dirigiu-se-lhe, no pátio do (...) e mandou-o ir ter consigo à garagem, onde lhe disse para entrar na sua viatura.
103.10. Dirigiram-se à zona de (…), onde estacionaram num parque de estacionamento pequeno e perto de uma placa com a indicação “(…)”.
103.11. No local estava estacionado o carro que o menor já conhecia e no seu interior, ao volante, encontrava-se o arguido C à sua espera.
O arguido A disse ao menor que entrasse na viatura do arguido C, o que o mesmo fez, após o que foi conduzido à mesma casa onde havia estado anteriormente.
103.12. Quando aí chegaram e já no seu interior, o arguido C, após retirar o seu pénis para fora das calças, disse ao menor que lho chupasse, o que o mesmo fez, tendo o arguido chupado também o pénis do menor.
103.13. Depois, o arguido C introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado .
103.14. Após a prática de tais actos, o arguido deu ao menor 2 mil escudos e  levou-o de novo ao estacionamento em (…), onde o esperava o arguido A.
103.15. Das duas vezes em que tais encontros ocorreram, o arguido A disse ao menor que não contasse o que se passara a ninguém, o que o menor acatou.
103.16. O arguido C estava ciente de que, enquanto (...)-(...) da AX, estava especialmente obrigado a zelar pela educação e pelo desenvolvimento físico e psicológico de cada um dos menores que frequentavam aquela instituição, tanto mais que isso constituía o objecto social da mesma.
103.17. Estava também ciente de que as funções que ali desempenhava o tornavam conhecido e respeitado por tais alunos, que tinham, relativamente a ele, temor reverencial.
103.18. O arguido C sabia que o menor Y era um aluno interno da AX, que ali havia sido admitido em virtude de ter uma situação familiar problemática e a quem as pessoas ligadas funcionalmente àquela instituição – especialmente os seus dirigentes – inspiravam autoridade e dever de obediência.
103.19. O arguido tinha perfeito conhecimento de que os actos de natureza sexual a que submeteu o menor Y prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico, e que influíam negativamente na formação da respectiva personalidade.
103.20. O arguido C agiu sempre de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que a conduta atrás descrita lhe era proibida pela lei penal.
103.21. O arguido A conhecia a idade do menor Y quando o abordou e o levou, nas circunstâncias descritas, até ao arguido C.
103.22. Sabia que, mercê da sua intervenção, o menor Y seria sujeito, pelo arguido C, a actos de índole sexual que incluíam coito anal, coito oral e actos de masturbação.
103.23. Era ainda do conhecimento do arguido A que com a sua conduta contribuía para a concretização de tais actos.
103.24. O arguido A agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal.”  (fim de transcrição).
E como não provados os seguintes factos:
“21.1. Nas circunstâncias descritas nos pontos 103. a 103.19. dos factos provados, Y já conhecia o arguido C, pelo facto do mesmo ser (...) - (...) da AX. e tinha temor em relação ao arguido C, o que anulavam totalmente a possibilidade de lhe opor resistência.
21.2. Nas circunstâncias descritas no ponto 103.5 dos factos provados, o arguido C  disse ao menor que se dobrasse em cima da cama, ficando apoiado nas mãos e nos joelhos, com as nádegas viradas para o arguido, que introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado até ejacular.
21.3. Nas circunstâncias descritas no ponto 103.7 dos factos provados, a quantia que o arguido deu a Y foram 2 mil escudos.
21.4. Os factos descritos no ponto 103.9 dos factos provados, ocorreram num sábado.
21.5. A cor do carro a que se refere o ponto 103.11 dos factos provados era (…).
21.6. O arguido C praticou todos os factos descritos aproveitando-se da sua qualidade de funcionário da AX e da autoridade que lhe conferia o facto de ser (...)-(...) da Instituição, pretendeu valer-se e valeu-se da reverência;
21.7. Nas circunstâncias descritas nos pontos “103.” a “103.26” dos factos provados, o educando Y tinha relativamente ao arguido C um manifesto temor reverencial, que o impedia de opor qualquer resistência aos actos libidinosos que sobre ele praticava.” (fim de transcrição).
Face à matéria de facto dada como provada e não provada, acima transcrita, procedeu o acórdão recorrido à sua subsunção ao direito penal, ali se consignando a este respeito o seguinte (cf. pág. 1507/1508 e 1615 a 1619):
“Do crime de abuso sexual de pessoa internada:
De acordo com o artº 166º, nº 1, al. c), e nº 2, do Código Penal (na redacção introduzida pelo Decreto Lei  49/85, de 15/03), “ ... quem, aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em (...) estabelecimento de educação (...),  praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido  com pena de prisão  de 6 meses a 5 anos.”  Sendo que se “... nos mesmos termos praticar cópula ou coito anal, é punido com pena de prisão de um  a oito anos”.
Por sua vez, de acordo com  o artº 166º, nº 1, al. c), e nº 2,  do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 65/98, que entrou em vigor em 7/09/98), que  “ ... quem, aproveitando-se da função ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em (...) estabelecimento de educação (...),  praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido  com pena de prisão  de 6 meses a 5 anos.”  Sendo que se “... o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral  ou introdução vaginal ou anal do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos”.
A Lei nº 59/07, de 4/09 (que entrou em vigor em 15/09/07), introduziu alterações ao nº 2, deste preceito, as quais, contudo, não têm relevância para o presente processo.
O bem jurídico protegido neste tipo legal de crime é o da liberdade sexual das pessoas internadas estabelecimentos onde, pela natureza das coisas, se verifica uma relação de especial poder entre elas e as pessoas a quem estão confiadas.
Assim, é a tutela da autodeterminação sexual da pessoa, mas que se encontre numa situação especifica, no caso concreto internamento em estabelecimento educativo, situação que à partida e por si, pode limitar a liberdade (...) e independência da pessoa internada.
Elemento objectivo do ilícito é que o autor dos factos seja uma das pessoas que exerça funções ou detenha um lugar, a qualquer título, num dos estabelecimentos mencionados no nº 1 do preceito; a vítima só poderá ser uma pessoa internada num daqueles estabelecimentos; e a conduta típica do agente caracteriza-se na prática de um acto sexual de relevo, cópula, coito oral ou coito anal.”(...)
“2.2.6. Com referência  ao capítulo 4.1.3. do Despacho de Pronúncia (Y), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
-  2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo artº. 166º. nºs. 1 e 2 do Código Penal;
a) No presente caso começamos por convocar o que acima dissemos, quanto aos elementos constitutivos do crime que vem imputado ao arguido.(...)
Face à matéria que o Tribunal deu como provada - quer quanto ao tempo em que os mesmos ocorreram, quer quanto aos actos que em concreto ocorreram,  sendo no que a estas circunstâncias dizem respeito, referimos especificamente os pontos constantes dos  nºs. “102.” a “103.24.”, dos “factos provados”  -, estão preenchidos alguns dos elementos  constitutivos do tipo que enunciámos.
(i) No entanto, é ainda elemento do tipo legal que haja um aproveitamento da vítima por parte do agente, aproveitamento esse da incapacidade do sujeito em dar o seu consentimento ou ser coagido a tal motivado pelo internamento e quanto ao elemento subjectivo, o dolo tem que abranger não só o acto sexual, como a incapacidade da vítima de opor resistência e o seu aproveitamento pelo agente. 
Acresce que uma das questões levantadas por este tipo legal de crime, como já referimos, tem a ver com o limite espacial  em que o mesmo pode ocorrer. Isto porque e num primeiro momento, “… em função do bem jurídico protegido e das necessidades de protecção o internamento  deve ser interpretado em função em um sentido «fáctico», não como um correlato necessário de uma situação especificamente jurídica. De todo o modo e em definitivo, parece que a interpretação deverá ser diferenciada consoante a natureza dos estabelecimentos em que o internamento ocorre: se a vítima se encontra internada numa prisão (…), compreende-se que  - dada a pressão psicológica  particularmente forte que necessariamente se exerce sobre ela - ao  «internamento» caiba uma interpretação mais lata do que tratando-se de outros estabelecimentos (…) e que abranja por exemplo os trabalhos no exterior ou os transportes para eles, incluindo mesmo as eventuais paragens ou interrupções…” (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, parte Especial, Tomo I, fls. 485, §12, Professor Jorge Figueiredo Dias).
E partindo desta realidade - que a  diferente natureza dos estabelecimentos em que o internamento ocorre, pode gerar uma diferente pressão psicológica sobre a vítima internada, no que diz respeito à sua capacidade para manter a independência sexual  face a actos praticados contra si, por pessoa que exerça funções no estabelecimento em que a vítima está internada -, dissemos que a realidade de internato da AX - como o Tribunal pôde apreender pelos depoimentos das testemunhas educadores e funcionários da instituição e pelo que o Tribunal deu como assente nos pontos “10.” a “19.”, “30.” dos factos provados -,  era uma realidade de internato massificado. 
Isto porque não obstante os educandos estarem divididos por lares, não sendo, portanto, um modelo de internamento por camaratas, o modelo que em concreto este internamento assumia tinha especificidades: os educando estavam entregues a uma equipa técnica de educadores, que não pernoitavam, pois à noite vinha um monitor e iam vivendo com os educandos por turnos. Na avaliação que o Tribunal fez, os lares não se equiparavam, pelas suas características e pelo modo de viver o dia-a-dia,  a uma realidade de vivência em família.
O número de educandos  -  desde 1998 cerca de 800 educandos em regime de internato -, a razão de ser dos internamentos  - a maioria dos alunos oriundas de famílias disfuncionais, caracterizando-se por necessitarem de apoios educativos especiais, por apresentarem carências afectivas notórias e por uma ausência de referências parentais sólidas e securizantes, com passado de maltrato incluindo de abuso sexual - e o modo como o internamento estava organizado, não só quanto à vivência nos lares, mas também com a deslocação diária  dos educandos para os diferentes (...)s da AX, situados  “fora de muros” do local onde era o lar, para frequentarem as aulas, ou as deslocações para as actividades desportivas no AXA.C. (cfr. ponto “30.” dos “factos provados”), leva a que, forçosamente, o “dia-a-dia” do internamente  e a natureza do internamento da AX , deva e tenha que ser avaliado em função de tais características.
E que, em consequência do que antecede, neste internamento se deva ter uma interpretação mais lata do que noutros tipo de internamento, quanto ao limite espacial em que o crime pode ocorrer. Abrangendo, assim, situações que tenham ocorrido nos trajectos dos educandos entre o lar e o estabelecimento de ensino, entre o lar e os locais em que os educandos frequentassem actividades desportivas ou vice versa,  embora o espaço em que essas situações tenha acontecido nada tenha a ver com o espaço da instituição.
Mas é necessário, contudo, nestas situações, que se verifique que a “medida de dependência sexual” susceptível de ser criada seja forte - tal como a doutrina exige para as situações ocorridas nos hospitais ou estabelecimentos prisionais - e que se verifique uma diminuição da possibilidade da vítima opor resistência, decorrente de uma dependência psíquica (relevante), pessoal, que a vítima tenha criado em relação ao funcionário “agressor”, por causa e no contexto do internamento. Aproveitando-se o funcionário desse facto.
Ora, no caso concreto e em relação ao educando Y, os actos em causa ocorreram fora do espaço da AX.  Ocorreram numa casa fora da AX.
Assim, para que nestas circunstâncias se possa dar como verificado o crime que em concreto está imputado ao arguido, tem  resultar, da matéria alegada e dada como provada, que  o requisito da especial  dependência, pessoal, da vítima (o Y) e o agressor (arguido) se verifica. E tem que estar igualmente alegado e resultar provado, que o dolo do arguido  abrange  não só o acto sexual, como a incapacidade da vítima de opor resistência e o seu aproveitamento pelo agente. 
Sucede que, no caso concreto, face à matéria de facto que resultou nos pontos  “21.” a  “21.7.” dos factos não provados  – como vimos aquando da análise crítica da prova, face ao que  o assistente Y  disse ao tribunal -,  não podemos concluir que, na situação concreta,  existiu a especial relação de dependência, proximidade, pessoal, que permite ao Tribunal estender,  aos factos ocorridos entre o arguido e educando, no trajecto e transporte que fez deste, a tutela do artº 166º, nº 1 e 2,  do C. Penal.
Assim e na avaliação do Tribunal, não se encontram suficientemente provados, todos os elementos constitutivos do crime que está em causa e pelo qual o arguido C foi pronunciado.
b) Em consequência, há que  absolver o arguido pela prática, em autoria material:
- 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo artº. 166º. nº. 1 e 2  do Código Penal" (fim de transcrição).
Vejamos.
O bem jurídico que se pretende proteger com a incriminação do art. 166.º do CP é a liberdade sexual de pessoas internadas e ainda, se bem que de forma subsidiária, a incolumidade do exercício de funções no estabelecimento (neste sentido veja-se Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, em anotação ao art. 166.º).
O tipo objectivo do crime em questão consiste na prática de acto sexual de relevo, de cópula, coito anal ou coito oral (a que acresce, ainda, a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, após as alterações introduzidas ao CP pela Lei 59/2007) com pessoa que se encontre internada em qualquer dos lugares referidos no preceito, que está de qualquer modo confiada ao agente, ou ao seu cuidado, aproveitando-se este dessa relação com a vítima.
O tipo subjectivo inclui qualquer forma de dolo, devendo o agente saber que a vítima lhe está confiada ou se encontra ao seu cuidado e querer aproveitar-se das funções ou do lugar que exerce na instituição, onde a mesma está internada, para com ela praticar os referidos actos sexuais.
Como refere José Mouraz Lopes in "Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal", Coimbra Editora, 4ª edição, 2008, pág. 72, “Em todas as situações em causa neste crime está subjacente uma relação de dependência da vítima perante o autor, decorrente da situação factual em que se encontra, seja no meio prisional, seja no meio de saúde, em sentido lato, seja no meio educacional. É necessário, por isso, que essa relação de localização fundada em internamento ou outro tipo de vínculo pressuponha uma específica relação de entre o agente e a vítima.”
Neste mesmo sentido, sobre a interpretação a dar ao preceito em análise, diz o Prof. Figueiredo Dias “O elemento interpretativo essencial será em todos os casos o da existência (fáctica) de contactos e relações entre o agente e a pessoa internada, por serem justamente esses contactos e relações que se revelam susceptíveis de criar a dependência pessoal conformadora do bem jurídico que se intenta proteger” (obra supra citada, em anotação ao mesmo artigo).
Assim sendo, há que concluir, tal como entendeu o Tribunal a quo, que, face à matéria por este dada por assente nos pontos 102. a 103.24. dos factos provados e nos pontos 21. a  21.7. dos factos não provados – a qual não foi impugnada – não se mostram preenchidos os elementos constitutivos do crime de abuso sexual de pessoa internada.
Com efeito, não só não resultou provada uma situação de dependência do Y em relação ao arguido C originada pelo seu internamento (o Y desconhecia as funções exercidas pelo arguido C na instituição em que estava internado, não tendo temor em relação a este), que tenha conduzido à sua não resistência à prática dos actos sexuais, como não resultou provado, ainda, que o arguido C se tenha aproveitado da sua qualidade de (...)-(...) na instituição AX, na qual o Y estava internado, para com ele praticar os actos sexuais dados como provados.
Lembremos a este respeito que, na decisão da matéria de facto, se consignou em 21.6. dos factos não provados: "O arguido C praticou todos os factos descritos aproveitando-se da sua qualidade de funcionário da AX e da autoridade que lhe conferia o facto de ser (...)-(...) da Instituição, pretendeu valer-se e valeu-se da reverência" e em 21.7., igualmente, dos factos não provados, que: "Nas circunstâncias descritas nos pontos “103.” a “103.26” dos factos provados, o educando Y tinha relativamente ao arguido C um manifesto temor reverencial, que o impedia de opor qualquer resistência aos actos libidinosos que sobre ele praticava.”, sendo ainda dados como factos não provados, em 21.1., que "Nas circunstâncias descritas nos pontos 103. a 103.19. dos factos provados, Y já conhecia o arguido C, pelo facto do mesmo ser (...) - (...) da AX. e tinha temor em relação ao arguido C, o que anulavam totalmente a possibilidade de lhe opor resistência."
Alega o Ministério Público que da letra da lei (art. 166.º do CP) não se retira qualquer exigência de que à conduta do agente corresponda uma diminuição da capacidade de resistência da vítima e que quando o legislador entendeu consagrar tal requisito disse-o de forma expressa, como resulta da norma imediatamente antecedente (o art. 165.º do CP), a qual incrimina o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência.
Conclui, assim, que a exigência de se diminuir ou eliminar a capacidade de resistência da vítima, sendo requisito (diferenciador) do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, não o é do crime de abuso sexual de pessoa internada.
Também os assistentes/recorrentes sustentam que o requisito de diminuição/anulação da capacidade de resistência da vítima não faz parte do tipo de abuso sexual de pessoa internada previsto no art. 166.º do CP.
Não cremos, salvo o devido respeito, que assim seja, nem essa é a interpretação feita pela generalidade da doutrina como já tivemos ensejo de referir supra.
Nas situações previstas no art. 165.º do CP a vítima encontra-se impossibilitada (por inconsciência ou incapacidade por qualquer outro motivo) de opor resistência à prática do acto sexual.
Nas situações previstas no art. 166.º do CP a vítima encontra-se apenas limitada na sua capacidade de resistência em virtude de uma situação de internamento institucional. E, não fora essa dependência da vítima em relação ao agressor, originada pelo seu internamento (que conduziu à sua não resistência à prática do acto sexual), então, por força do seu acordo, não haveria conduta típica subsumível ao comando em apreço.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, discorrendo a respeito deste tipo penal “Já porém, como no § 4 se sublinhou, o elemento aproveitamento exige neste contexto uma interpretação mais exigente e restritiva do que aquela que se levou a cabo no art. 165° § 8. Não é o mesmo, na verdade, aproveitar-se de uma vítima que se encontra na impossibilidade de opor resistência à prática de acto sexual; ou aproveitar-se das funções ou do lugar que exerce para a prática de acto sexual com uma pessoa que se encontra só limitada na sua (teoricamente sempre possível) resistência em virtude de uma situação de internamento institucional. (O que é importante aliás não só do ponto de vista do tipo objectivo de ilícito, mas também da congruente aferição do dolo.)
§ 12 A existência de aproveitamento deve ser negada não só quando exista iniciativa da pessoa internada, mas sempre que esta tenha revelado íntima e aberta concordância com o acto sexual; no fundo, e mais exactamente, sempre que se não prove que foi a dependência física ou psíquica da vítima originada pelo seu internamento que conduziu à sua não resistência ao facto. Uma presunção de que uma tal concordância é sempre, relativamente a pessoa internada, não livre e antes motivada pela situação de necessidade criada pelo internamento não seria nem psicologicamente fundada, nem político-criminalmente credível, nem dogmaticamente aceitável. Ela só poderia sustentar-se se a teleologia do preceito residisse na intenção de manter a todo o custo a "moralidade" da instituição ou a "pureza de costumes" dentro dela. Se assim fosse todavia - e decididamente não é - o preceito do art. 166º não se justificaria nem no seu lugar sistemático, nem no seu teor literal, nem sobretudo na sua intencionalidade teleológica, desde logo deixando completamente de poder considerar-se entre os crimes contra as pessoas e contra a sua liberdade e autodeterminação sexual." (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 1999, pág. 487 a 488).
E, note-se que, para o preenchimento do crime em questão – abuso sexual de pessoa internada –, contrariamente ao que o MP parece entender ao fazer referência na motivação do recurso de que se trata de menor de 14 anos, a idade do Y não releva, por não fazer parte do tipo.
Alegam também os assistentes/recorrentes que do texto da lei não resulta, ao invés da posição sustentada pelo Tribunal a quo, que a vítima tenha de ter conhecimento das funções ou do lugar específico exercido pelo arguido, mas tão só que o agente se aproveite dessas mesmas funções ou do lugar que a qualquer título exercia na AX.
De tudo o que já dissemos supra fácil é de ver que esta alegação dos assistentes/recorrentes não pode proceder.
A ser assim, como preconizam os assistentes/recorrentes, ficaria por explicar a não resistência da vítima ao ser submetida à prática dos actos sexuais perpetrados pelo agente, o que sempre implicaria a não punição deste.
É que, na previsão do art. 166.º do CP, o agente do crime não actua com violência ou ameaça grave, nem actua depois de ter tornado a vítima inconsciente ou a ter (...) na impossibilidade de resistir.
Logo, se não houver algum motivo que leve a vítima a não se opor à prática do acto sexual, o comportamento do agente não é punível.
No caso, a não oposição da vítima só pode resultar do facto de conhecer o agente pelas funções ou lugar que este exerce ou detém na instituição onde está internada, a quem está confiada ou ao seu cuidado, e do ascendente que, por força dessas circunstâncias, o agente sobre ela exerce.
Sem esse conhecimento, a liberdade de determinação sexual da vítima não está condicionada ou limitada.
Por outro lado, se a vítima não tiver conhecimento das funções ou lugar que o agente do crime exerce ou detém na instituição em que está internada, como é que se pode dizer que o agente se aproveitou das funções ou lugar para com ela praticar actos sexuais?
Não pode.
No “aproveitamento” do agente está ínsito esse conhecimento por parte da vítima.
Finalmente, importa atentar na tese do recorrente Ministério Público segundo a qual o arguido C teria agido, de forma mediata (extraneus), por intermédio do arguido A (intraneus), aproveitando-se das especiais relações que este fomentava e mantinha com os alunos da AX, designadamente, com o menor Y, implicando tal facto, segundo essa mesma posição do MP, que essas especiais relações, porque comunicáveis, por força do dis(...) no art. 28.º, n.º 1, do CP, se lhe transmitissem, assim se configurando, em pleno, a ilicitude típica comparticipada, relativa ao crime em apreço.
Esta argumentação – decorrente do facto de não se ter dado como provado que o menor Y, à data dos abusos sexuais de que foi vítima, soubesse que o arguido C era dirigente, ou, sequer, funcionário, da AX – não colhe na medida em que, segundo os ensinamentos da melhor doutrina, o abuso sexual de pessoa internada previsto art. 166.º do CP tem a natureza de crime específico e de mão própria, o que inviabiliza o seu cometimento em comparticipação.
Nesta linha, veja-se, entre outros, Prof. Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 489, § 17:
"Para além de se tratar, como se disse supra § 5, de um crime específico, a hipótese configura ainda um crime de mão própria - seja autor um homem ou uma mulher -, com as consequências daí advenientes em matéria de comparticipação (cf. art. 165° § 11 ss.)." Podendo aí ler-se: "Comparticipação § 11 Trata-se nos casos em consideração, segundo os termos da lei, claramente de crimes de mão própria (assim também no direito alemão, cf. por todos S / S/ LENCKNER § 179 15). Não está inscrito em uma qua1quer natureza das coisas que assim tivesse de ser; mas a "intenção da norma incriminadora” (cf. art. 28º-1 in fine) torna-se indubitável pela circunstância de haver omitido expressões como as que se encontram nos artigos anteriores: "com outrem" (arts. 163°-1, 164°-1). Tem assim de concluir-se que só são tipicamente abrangidos pelo preceito os casos em que o autor tem um contacto corporal com a vítima. Donde resulta uma dupla consequência.
§ 12 A primeira é a de que no caso do n° 1 autor pode ser uma pessoa de qualquer sexo (…)
§ 13 A outra consequência, derivada da natureza dos crimes de mão própria, é a de que fica excluída a co-autoria da parte de quem não chegue a ter contacto corporal com a vítima. Como excluída fica a autoria mediata, p. ex. na forma de A induzir B a ter cópula ou coito anal com C escondendo-lhe o facto de este se encontrar na impossibilidade de resistir."
Assinale-se, ainda, o que a este propósito expendeu Sénio Alves in "Crimes Sexuais - Notas e Comentários aos arts. 163.° a 179.° do Código Penal", Almedina, 1995, pág. 50 a 51, no tocante ao crime do art. 166.º do CP:
"Do confronto deste tipo legal com outros contidos nesta secção
(nomeadamente nos artigos 163º e 164°) parece-me legítimo concluir que não é punida a conduta daquele que, aproveitando-se das funções que exerce ou do lugar que ocupa num dos estabelecimentos previstos no n° 1 do artº 166°, determina pessoa aí internada e a si confiada à prática, com terceiro, de acto sexual de relevo. Contudo, não é difícil imaginar uma situação em que um determinado indivíduo, fazendo uso do ascendente que detém sobre pessoa ao seu cuidado, internada em estabelecimento onde exerce funções, a determina a praticar acto sexual de relevo com terceiro (eventualmente um estranho ao estabelecimento). Caso, porém, se não verifique o uso de violência (física ou moral) ou ameaça grave, a conduta descrita permanecerá impune.

Poder-se-á argumentar, com alguma pertinência, que essa questão poderá ser resolvida com recurso às regras gerais sobre comparticipação. A verdade, porém, é tal interpretação não resiste perante uma análise comparada dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. O legislador, sempre que entendeu punir a conduta daquele que leva a vítima a praticar determinado acto com terceiro, di-lo expressamente (cfr, os artºs 163°, 164º, 172°, n° 1, 173°, nº 1 e 175°). Aqui não o fez. E não o fez porque foi sua intenção delimitar rigorosamente o tipo e cingi-lo a um núcleo restrito de situações em que o agente é o "sedutor". E tão só."
Assim, por não se mostrarem provados os elementos constitutivos dos crimes de abuso sexual de pessoa internada, na pessoa de Y, p. e p. pelo art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP, pelos quais o arguido C estava pronunciado, outra solução não restava ao Tribunal a quo que absolvê-lo da sua prática.
Improcedendo, assim, o recurso do MP no que respeita à sua pretensão em ver agravada a pena única por esta via (a da condenação do arguido por mais dois crimes de abuso sexual de pessoa internada).
A concluir dir-se-á que a conduta do arguido C relativamente ao assistente Y não ficaria impune, e seria criminalizada como abuso sexual de crianças, previsto no art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, não fora a circunstância de não ter sido alegado e provado que o arguido sabia que o Y tinha, à data dos factos, 13 anos de idade, porquanto, é elemento do tipo em questão ser a vítima menor de 14 anos idade, disso tendo conhecimento o abusador. Matéria que, não tendo sido levada à pronúncia, a provar-se em audiência de julgamento sempre teria acarretado uma alteração substancial dos factos da pronúncia, importando a sua tempestiva comunicação, nos termos do dis(...) no art. 359.º do CPP.
Atentemos agora na justeza da medida das penas parcelares e única em que foi condenado o recorrente-recorrido C.
O acórdão revidendo ao entrar na fundamentação de direito começa por proceder ao "Enquadramento Jurídico", relembrando, no respeitante ao arguido C, que a este era imputada a prática, em autoria material, de 43 (quarenta e três) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP (com referência aos capítulos 4.1.1., 4.1.2., 4.1.3., 6.3.1, 6.3.2, do despacho de pronúncia), 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1 (e um deles também pelo n.º 2), do CP, 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças por omissão, p. e p. pelos arts. 10.º e 172.º, n.º 1, do CP (com referência ao capítulos 4.1.4, 6.2.1. e 6.7.1. do despacho de pronúncia), 2 (dois) crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, do CP (com referência  ao capítulo 7.2. do despacho de pronúncia) e 1 (um) crime de peculato de uso, p. e p. pelo art. 376.º, n.º 1, do CP (com referência  ao capítulo 10. do despacho de pronúncia).
Seguidamente, assinala que, quer no processo principal quer no processo apensado, os factos que o Tribunal deu como provados, como tendo sido praticados contra os vários ofendidos, integram diferentes ilícitos criminais, que, por sua vez, não são exactamente os mesmos em relação a cada um dos arguidos e em relação a cada um dos ofendidos, pelo que, previamente, o Colectivo passa a fazer a análise dos vários preceitos legais convocados em cada incriminação ou pelas diferentes incriminações e, num segundo momento, passa a aplicar esta análise face aos actos/factos dados como provados em relação a cada um dos arguidos, por referência a cada um dos assistentes. Assim, analisa, com rigor, os elementos objectivos e subjectivos, bem como as molduras penais, dos crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, de violação, de abuso sexual de pessoa internada, de abuso sexual de crianças, de actos homossexuais com adolescentes e de lenocínio, entre outros, e, sempre que tal se justifica, nas diversas redacções desses tipos penais ao longo do tempo.
Feito aquele enquadramento jurídico o acórdão revidendo passou a analisar cada situação concreta, em relação a cada um dos arguidos e a cada um dos assistentes envolvidos, assim procedendo à subsunção dos factos ao Direito, tendo, nesse contexto, explicitado, relativamente ao ora recorrente-recorrido C que:
"2.2.1. Com referência  ao capítulo 4.1.4., do Despacho de Pronúncia (AI), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
-  1 (um) crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº. 172º,  nºs. 1 e 2 do Código Penal;
a) Tendo em conta a matéria que o Tribunal deu como provada em relação aos  factos ocorridos  “em dia indeterminado dos meses de Novembro ou Dezembro de 1999”, em que o arguido C esteve com o Assistente AI numa casa na (...) - quer quanto ao tempo em que os mesmos ocorreram, quer quanto aos actos que em concreto ocorreram,  sendo no que a estas circunstâncias dizem respeito, referimos especificamente os pontos constantes dos  nºs. “104” a “104.13” dos “factos provados”  -, a actuação do arguido integra a prática, em autoria material, do crime que lhe vinha imputado.
Com efeito o Tribunal deu como  provado que o AI nasceu em (…), os factos praticados pelo arguido C ocorreram em dia indeterminado de Novembro ou Dezembro do ano de 1999, o arguido  sabia a idade do educando, sabia que manter com o jovem as práticas sexuais que o Tribunal deu como provadas – coito oral e coito anal -,  afectava de forma grave o normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual do mesmo, tendo agido de forma  voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida pela lei.
Assim, cumpre condenar o arguido pela prática, em autoria material,  de:
- 1 (um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
2.2.2. Com referência  ao capítulo 4.1.1., do Despacho de Pronúncia (AP), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
-  1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo artº. 166º. nºs. 1 e 2 do Código Penal;
a) No presente caso  começamos por convocar o que acima dissemos,  quanto  aos elementos constitutivos do crime que vem imputado ao arguido C.
De acordo com  o artº 166º, nº1, al. c), e nº 2,  do Código Penal (na redacção introduzida pelo Decreto Lei  49/85, de 15/03), “ ... quem, aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em (...) estabelecimento de educação (...),  praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido  com pena de prisão  de 6 meses a 5 anos.”  Sendo que se “... nos mesmos termos praticar cópula ou coito anal, é punido com pena de prisão de um  a oito anos”.
Por sua vez, de acordo com  o artº 166º, nº 1, al. c), e nº 2,  do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 65/98, que entrou em vigor em 7/09/98),  “ ... quem, aproveitando-se da função ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em (...) estabelecimento de educação (...),  praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido  com pena de prisão  de 6 meses a 5 anos.”  Sendo que se “... o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral  ou introdução vaginal ou anal do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de um  a oito anos”.
Dissemos que bem jurídico protegido neste tipo legal de crime é o da liberdade sexual das pessoas internadas estabelecimentos onde, pela natureza das coisas, se verifica uma relação de especial poder entre elas e as pessoas a quem estão confiadas. É a tutela da autodeterminação sexual da pessoa, mas que se encontre numa situação especifica,  no caso concreto internamento em estabelecimento educativo,  situação que à partida e por si, pode limitar a liberdade (...) e independência  da pessoa internada.
Elemento objectivo do ilícito é que o autor dos factos seja uma das pessoas que exerça funções ou detenha um lugar, a qualquer título, num dos estabelecimentos mencionados no nº 1 do preceito; a vítima só poderá ser uma pessoa internada num daqueles estabelecimentos; e a conduta típica do agente caracteriza-se na prática de um acto sexual de relevo, cópula, coito oral ou coito anal.
(i) Tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como provada em relação aos  factos ocorridos em “dia não concretamente apurado, situado entre o fim do ano de 1997 e Julho de 1999”, tinha AP 13/14 anos de idade, em instalações no CZ  - quer quanto ao tempo em que os mesmos ocorreram, quer quanto aos actos que em concreto ocorreram,  sendo no que a estas circunstâncias dizem respeito, referimos especificamente os pontos constantes dos  nºs. “101.” a “101.10.” dos “factos provados” -, a actuação do arguido integra a prática, em autoria material, de 1(um) crime p.p. no artº 166º, do Código Penal.
Com efeito o Tribunal deu como  provado que AP, aquando da prática dos factos pelo arguido C, estava confiado à guarda e cuidado da AX, pois estava internado,  instituição que é um estabelecimento de educação.
Os actos praticados pelo arguido no educando traduziram-se  em actos de manipulação do pénis do arguido ao educando, coito oral, com penetração do educando pelo arguido, ocorridos numas instalações da cave da (...), situada no CZ.
O arguido desempenhava as funções de (...) (...) da instituição, sendo que resultou provado o temor reverencial que provocava no assistente dentro da instituição, bem como resultou provado  a consciência e o conhecimento que o arguido tinha dessa circunstância, pretendeu valer-se da mesma, tendo agido de modo livre e consciente (cfr., por exemplo, pontos “101.” a “101.10.”, dos factos provados ,  quer quanto à ausência de apoio ou referências familiares, quer quanto ao conteúdo do ascendente do arguido em relação ao assistente) .
Vinha imputada ao arguido a prática de todos os ilícitos na forma agravada.
No entanto o Tribunal, em audiência de julgamento, fez a comunicação ao arguido, nos termos do artº 358º, do C.P.P., quanto à possibilidade de alteração não substancial dos factos descritos no Despacho de pronúncia, quanto à circunstância tempo e consequente alteração da qualificação jurídica, tendo em atenção o regime jurídico a aplicar, caso o Tribunal viesse a dar como provados os factos na versão comunicada (embora tal alteração, integrando a imputação do mesmo crime mas simples ou menos agravado, em rigor não exige comunicação ao abrigo do dis(...) no artº 358º, do C.Penal -  cfr. Ac. STJ de 25/06/08, Pº 07P4449, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Mendes).
Mas tendo o Tribunal sempre presente a interpretação mais favorável ao arguido, face ao possível enquadramento jurídico dos factos.
Assim, tendo em conta o que acima  dissemos, quanto falámos sobre os elementos constitutivos - objectivo e subjectivo - do ilícito e os factos dados como provados, por se encontrarem preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do ilícito imputado ao arguido, convolando, cumpre condenar o arguido C pela prática, em autoria material:
-  de 1 ( um ) crime p.p. no artº 166º, nº 1, na versão em vigor à data da sua prática (redacção introduzida pelo Decreto Lei 49/85, de 15/03, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).     
b) E, em consequência, cumpre  absolver o arguido C da prática :
- de 1 ( um)  crime p.p. pelo artº 166º, nº 2, do C.Penal.     
2.2.3. Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de Pronúncia (em relação ao assistente AT), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
- 1 (um) crime p.p. pelo 172º, nº 1 ,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
a) Tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como não provada nos pontos “42.” a “42.18.” dos factos Não Provados, não se verificaram os elementos constitutivos do ilícito imputado ao arguido.
Em consequência, cumpre absolver o arguido  da prática, em autoria material:
- 1 (um) crime p.p. pelo 172º, nº 1, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
2.2.4. Com referência ao capítulo 4.1.2. e 6.3.1. do despacho de Pronúncia (em relação ao assistente AV), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
-  37 (trinta e sete)  crimes p.p. no artº 166º, nº 1 e 2 do C.Penal;     
-  1 (um) crime p.p. no artº 166º, nº 1 e 2 do C.Penal;     
a) Tendo em conta a matéria que o Tribunal deu como não provada nos pontos “20. a 20.28.” e “38.” a “38.18” dos factos Não Provados, não se verificaram os elementos constitutivos do ilícito imputado ao arguido.
Em consequência, cumpre absolver o arguido  da prática, em autoria material:
-  37 (trinta e sete)  crimes p.p. no artº 166º, nº 1 e 2 do C.Penal;     
-  1 (um) crime p.p. no artº 166º, nº 1 e 2 do C.Penal;     
2.2.5. Com referência ao capítulo 6.2.1, 6.3.2., 7.2., 10.  do despacho de Pronúncia (em relação ao assistente AN, Y, AP, AX), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
-  2 (dois)  crimes p.p. no artº 172º, nº 1 e artº 10º,  do C.Penal;     
-  1 (um) crime p.p. no artº 172º, nº 1  do C.Penal;     
- 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo artº. 166º. nºs. 1 e 2 do Código Penal;
-  2 (dois) crimes de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nº. 1 do Código Penal;
-  1 (um) crime p. e p. pelo artº. 376º. nº. 1 do Código Penal;
a) Tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como não provada nos pontos “37. a 37.20.”, 39. a 39.24., 46. a 46.8. dos factos Não Provados, não se verificaram os elementos constitutivos do ilícito imputado ao arguido.
 Em consequência, cumpre absolver o arguido  da prática, em autoria material:
-  2 (dois)  crimes p.p. no artº 172º, nº 1 e artº 10º,  do C.Penal;     
-  1 (um) crime p.p. no artº 172º, nº 1  do C.Penal;     
- 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo artº. 166º. nºs. 1 e 2 do Código Penal;
-  2 (dois) crimes de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nº. 1 do Código Penal;
-  1 (um) crime p. e p. pelo artº. 376º. nº. 1 do Código Penal”(fim de transcrição – em que não se incluiu a final a transcrição do ponto 2.2.6, porque já anteriormente reproduzido).
Seguidamente, o acórdão recorrido aprecia a questão da aplicação do art. 30.º do CP, naquelas situações em que o(um) arguido tenha praticado uma pluralidade de actos em relação ao mesmo ofendido - o que na perspectiva da decisão recorrida não foi o caso do ora recorrente C - e prossegue analisando a problemática da sucessão de leis penais no tempo, expendendo a este propósito:
“A prática dos factos a que dizem respeito os presentes autos, decorreu entre o “Verão de 1999” e Agosto de  2002.
À data da prática dos primeiros factos encontrava-se em vigor – no que diz respeito aos ilícitos em causa nestes autos -, o  Código Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15/3.
Em 30/08/2001 entrou em vigor a Lei 99/2001, de 25/08, a qual, no que ao presente processo  interessa, pode  relevar quanto às  alterações introduzidas aos artºs. 172º e  178º, do C.Penal.
E em 15/09/2007 entrou em vigor a lei 59/07, de 4/09, a qual, no que ao presente processo interessa, pode relevar  quanto às alterações introduzidas aos artºs. 2º, 30º, 38º, 41º, 43º, 44º, 47º, 50º, 79º, 80º, 113º, 115º, 116º, 118º, 121º, 122º, 127º, 164º, 165º, 166º, 172º (sendo que, neste diploma, a norma incriminadora do tipo de crime - por referência ao Decreto Lei nº 48/95 ou à Lei nº 99/2001 – passou a ser o artº 171º, nº 1 a 4, do Código Penal), 177º e 178º, do Código Penal. 
4.2. Nos termos do artº 29º, da C.R.P. e do dis(...) no artº 2º, nº4, do Código Penal, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis  posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente.
Refira-se que, de acordo com o entendimento  Jurisprudencial actual, não é regime que, em abstracto, se revela mais favorável ao arguido, mas sim aquele que, face às particulares circunstâncias do caso concreto, se mostre mais favorável. Por outro lado, quando o artº 29º, da C.R.P. e o artº 2º, nº4, do Código Penal impõem a aplicação do “regime mais favorável”, estão-se a referir à aplicação, em bloco, desse regime, não podendo compor-se um regime misto, decorrente da aplicação de normas avulsas, retiradas dos regimes que estiverem em confronto.
Assim, em princípio, é pela medida da pena principal – por exemplo, prisão ou só multa noutro regime – que se estabelece a maior ou menor gravidade das penas em confronto. Contudo, só da apreciação dos regimes em concreto, ponderada a globalidade das sanções – principais ou acessórias –,  as circunstâncias que possam incorrer como agravantes ou atenuantes, como qualificadores, como pressu(...)s da determinação da medida concreta da pena e da sua execução, etc., se pode, de facto, aferir o regime concretamente mais favorável.
4.2.1. Equacionando os vários aspectos que a ponderar pelo Tribunal, para poder concluir  quanto ao regime em concreto mais favorável, temos então o seguinte:
a) Quanto à medida da pena nos crimes pp pelos artsº 164º, 165º, 166º, 172º (sendo que pela Lei nº 99/2001, a norma incriminadora do tipo de crime foi renumerada  e  passou a ser o artº 171º, do Código Penal), os limites mínimos e máximos da pena de prisão previstos em tais disposições, quer na versão do Código Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15/3, quer pelas revisões introduzidas pela Lei 99/2001, de 25/09 e pela Lei 59/07, de 4/09, não se alteraram.
b) Quanto às condições e pressu(...)s de exercício da acção penal, prazos de prescrição, relevância do consentimento do ofendido  -  artºs. 2º, 38º, 113º, 115º, 116º, 118º121º e  178º, do Código Penal -, globalmente entre a versão do Código Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15/3 e a versão introduzida pela Lei 99/2001,  de 25/09, consideramos não haver diferenças que agravem sensivelmente a posição do(s) arguido(s).
Mas, quanto a este aspecto, já as alterações introduzidas pela  Lei 59/07, de 4/09, em termos abstractos podem agravar sensivelmente a posição do arguido face aos regimes anteriores.
No entanto e como acima dissemos, a avaliação do regime mais favorável para o arguido tem que  ser feita em concreto e tendo em atenção o que foi quer a tramitação processual dos presentes autos, quer a actuação processual do(s) arguido(s) e a(s) Defesa(s) por si levada(s) a cabo, não se nos afigura que tais alterações, no caso concreto, agravem a posição do arguido A, mas já podem ser relevantes para as posições assumidas pelos demais arguidos.
Há que avaliar, contudo, face às alterações introduzidas quanto aos elementos constitutivos dos ilícitos.
c) Passando às alterações introduzidas quanto aos elementos constitutivos dos ilícitos, já acima referimos que a Lei nº 59/2007 eliminou o tipo legal de crime até aí pp. no artº 175º, do C.Penal.
Bem como alterou o regime legal quanto ao crime de lenocínio, que passou a estar p. e p. no artº 175º, do C.P.Penal e restringindo o seu âmbito de aplicação.
Mas quanto aos demais ilícitos que importam para os presentes autos, as alterações introduzidas quer pela  Lei nº 99/2001, quer pela Lei nº  59/07, de 4/09,  não alteram, no entendimento do tribunal, a posição da globalidade dos arguidos.
Assim e face a tudo o que antecede  - e tendo em atenção que, para o Tribunal,  atento o dis(...) no artº 2º, nº 2, do C.Penal, a eliminação que a Lei nº 59/2007 fez,  no quadro legal da punição dos actos sexuais com adolescentes, do tipo legal de crime até aí pp. no artº 175º, do C.Penal, não releva para efeitos desta operação de encontrar o regime que, em concreto, se revela mais favorável ao arguido, pois a sua aplicação é imediata, independentemente de regime mais ou menos favorável; o mesmo se aplicando à restrição do âmbito de aplicação do actual artº 175º, do C. Penal -, o Tribunal opta por aplicar a lei actualmente vigente quanto à arguida Q e a lei vigente à data da prática dos factos que foram dados como provado quanto aos demais, por considerar que o regime legal que se lhe sucedeu não é, em concreto, mas favorável.” (fim de transcrição).
Finalmente, o acórdão recorrido debruçou-se sobre a questão da determinação da medida das penas parcelares e única, o que fez nos seguintes termos (e passamos a transcrever apenas as considerações gerais e as particulares referentes ao arguido C):
“A determinação da medida concreta da pena obedece ao critério global do artº 71º do Código Penal, extraindo-se do normativo em apreço que aquela determinação será feita em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral) do agente.
Assim, a culpa constitui o factor limitativo máximo superior da pena. Por outro lado, o limite mínimo da pena decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral positiva, de integração, quer dizer, ao reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.
Finalmente, dentro da moldura penal “concreta” desta forma encontrada, a exacta medida da pena será fruto das exigências de prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na  de advertência contra a prática de novas infracções. 
A função da socialização é um dos vectores mais relevantes da prevenção especial, embora tal prevenção especial só seja relevante se o agente se revelar carecido de socialização. Caso não se verifique, no caso concreto, esta necessidade de socialização, a pena terá, em termos de prevenção especial, uma função de mera advertência do agente, o que permitirá que a pena desça até ao limite mínimo da defesa do ordenamento jurídico.
No que diz respeito às exigências de prevenção geral, elas têm a ver com  a necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelos ilícitos que estão em causa na condenação, através da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e no reforço da validade das norma que foram violadas,  que “… justifica que «se fale de uma moldura de prevenção», pois que a prevenção, tendencialmente «proporcional à gravidade do facto ilícito», «não pode ser alcançada numa medida exacta»; «uma vez que a gravidade do facto ilícito  é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade», «a satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite  (máximo) definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas, que constituirá do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade»…” (cfr. AC. STJ, 6/07/06, Pº 1921/06).
Mas quer estejam em causa as exigências de prevenção especial, quer estejam em causa as exigências de prevenção especial, o direito penal e o seu exercício pelo Estado, fundamentam-se na necessidade de o Estado subtrair à disponibilidade e autonomia de cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensáveis ao funcionamento da sociedade. Preservar os bens jurídicos essenciais, afectar na menor medida possível, a livre realização de cada um como indivíduo e membro da sociedade.  
5.2. Assim, face ao que antecede, dizemos que genericamente, quanto às exigências de prevenção geral relativamente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, praticados em menores, elas são acentuadas.
Vivemos num contexto em que a prática destes ilícitos é particularmente sentida na sociedade, há uma  crescente sensibilidade da sociedade em relação a estes ilícitos, mas também uma crescente necessidade de protecção dos jovens em relação a estes actos, tendo em conta as consequências de tais condutas no sentimento de segurança das crianças e da comunidade.
Quanto às  exigências de prevenção especial, em relação a cada um dos arguidos, vejamos:(…)
 Arguido C
No caso, a culpa do arguido apresenta-se em elevado grau pela especial censurabilidade em cada ilícito; pelas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos, como seja a dinâmica da actividade; pela desconsideração do valor fundamental da liberdade de desenvolvimento da personalidade dos menores na esfera sexual (bem jurídico protegido); pelo aproveitamento absoluto da posição que ocupava na AX enquanto instituição; pela desconsideração do seu dever de garante perante jovens em formação entregues à instituição em causa.
A dimensão global da ilicitude é intensa, sendo grande o alarme e insegurança social que este tipo de crimes apresenta, com consequências psicológicas, como “supra” se referiu, devastadoras para as vítimas, e que as acompanharam para o resto da vida e cuja dimensão não é quantificável.
Atente-se na especial circunstância da sua conduta, face ao meio profissional em que o arguido se inseria, o que em nada o demoveu, antes o motivou.
O arguido colocou em causa com a sua conduta o bom nome da instituição AX que o acolheu com profissional, destacando-o entre os pares.
O dolo foi directo.
As exigências de prevenção especial têm, pois, de ser conjugadas com imposições de prevenção geral, medidas estas pelas características da personalidade, modo de vida e conduta do arguido.
A intervenção deverá ser dedicada ao reencaminhamento do arguido para a interiorização e o respeito dos valores sociais e comunitários afectados.
A postura do arguido em nada foi colaborante com o Tribunal, antes se tendo remetido a uma absoluta negação dos factos
A favor do arguido apenas se retira a sua situação pessoal, porquanto encontra-se integrado, dispondo de evidentes apoios familiares.
A falta de antecedentes criminais, atenta a natureza dos crimes, não afasta de igual modo quanto a si as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se justificam.(…)
Por tudo isto, ponderando as exigências de prevenção geral  e as exigências de prevenção especial  -  que  relevam em relação a cada um dos arguidos na medida que acabámos de assinalar -, e face à moldura penal dos ilícitos pelos quais cumpre condenar cada um dos arguidos, o Tribunal  entende adequadas as seguintes penas:(…)
Com referência  aos crimes pelos quais cumpre condenar o arguido C:
1. (Com referência  ao capítulo 4.1.4, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
a) 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e  2,  do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98).   
2. (Com referência  ao capítulo 4.1.1, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AP:
b)  3 ( três) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime p.p. no artº 166º, nº 1, na versão em vigor à data da sua prática (redacção introduzida pelo Decreto Lei  49/85, de 15/03).(…)
De acordo com o dis(...) no artº 77, nº 1, do C. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena.   
Atento os critérios estabelecidos no artº 77º, do C. Penal e considerando, em conjunto, os factos e  a personalidade dos arguidos, nomeadamente:
(…)
Quanto ao arguido C, o seu percurso de vida familiar e profissional, mantendo actividade profissional e com estrutura familiar de suporte, tem-se  como ajustada  a pena unitária de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.” (fim de transcrição).
Face ao que se acaba de transcrever visível é constatar-se não ter o recorrente qualquer razão quando afirma que “foi o Tribunal a quo sumamente parco na fundamentação” no que concerne “à fundamentação da escolha das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes por que foi o Recorrente condenado, bem assim como quanto à fixação da medida concreta da pena única em sede de concurso efectivo (cúmulo jurídico)” (cf. sua 399.ª conclusão de recurso).
Também não tem razão o recorrente ao afirmar que o Tribunal valorou negativamente a sua atitude de negação peremptória dos factos que lhe eram imputados. O que se diz na decisão sob recurso foi que “a postura do arguido em nada foi colaborante com o Tribunal, antes se tendo remetido a uma absoluta negação dos factos.” (cf.  pág. 1673 do acórdão).
Ou seja, o que o Tribunal a quo não pode fazer é valorar positivamente a conduta do arguido C, pois na ausência de confissão e, concomitantemente, na falta de arrependimento, obviamente que outra não podia ser a sua (do tribunal) atitude.
O “acérrimo empenhamento na sua defesa”, de que fala o recorrente, é efectivamente legítimo. No exercício dos direitos de defesa – constitucional e internacionalmente consagrados - inclui-se o de negar os factos que lhe são imputados. Mas se em julgamento a prova produzida aponta em sentido contrário e o arguido continua contra todas as evidências a afirmar a sua inocência – o que repete-se é um direito fundamental que lhe assiste – certamente não pode esperar que o Tribunal venha a adjectivar essa sua postura de "colaborante". No entanto, repare-se – e as palavras têm o peso que têm – que o Tribunal a quo não disse que o arguido, ora recorrente, foi obstrutivo à acção da justiça. O Tribunal a quo, em realidade, considerou apenas e tão-só que “a postura do arguido em nada foi colaborante com o Tribunal”.
Considera ainda a defesa de C ser incompreensível “a razão por que não foi valorado a favor do Recorrente o lapso temporal decorrido desde a data da prática dos factos por que foi condenado – que remontam ao período compreendido entre Julho de 1997 e o final de 1999 – e o momento da decisão, tendo aquele mantido um comportamento irrepreensível ao longo do tempo.” (cf. sua 409.ª conclusão de recurso).
Com o devido respeito não tem razão o recorrente. Pois se é certo que a data mais recente da prática dos abusos que lhe dizem respeito se situa em finais de 1999, pouco releva ter sido porventura irrepreensível o seu comportamento entre 2002 (início deste processo) e 2010 (leitura do acórdão recorrido), já que esteve preso preventivamente entre 1 de Abril de 2003 e 7 de Maio de 2004 (cf. fls. 3255 e 20404) e posteriormente à sua libertação e sujeição a medidas de coacção não detentivas, esteve sob os olhos atentos da polícia, dos media e comunidade em geral, para quem deixou de ser personagem anónimo, pelo que podendo ainda assim delinquir seria pouco provável que tivesse condições para o fazer de forma despercebida e passando incólume, o que só por si seria seriamente desmotivador e fortemente dissuasor.
Por outro lado, no acórdão recorrido não se deixou de atentar quer na ausência de antecedentes criminais do arguido C quer, a seu favor, na sua situação pessoal - “integrado, dispondo de evidentes apoios familiares” e “o seu percurso de vida familiar e profissional, mantendo actividade profissional e com estrutura familiar de suporte”.
Mas, feitos estes considerandos iniciais, voltemos um pouco atrás.
Efectuado pela forma descrita no acórdão recorrido o enquadramento jurídico-penal das condutas do arguido C – e que este não põe em causa relativamente aos menores AP e AI, por cujos abusos foi condenado – importava determinar a natureza e medida das sanções a aplicar. Foi o que o Tribunal a quo fez e este Tribunal ad quem passará também a fazer sindicando aquelas.
Quanto às molduras penais abstractas estas são as seguintes:
No que concerne ao crime de abuso sexual de pessoa internada, o praticado na pessoa do assistente AP, como se disse supra, “De acordo com o artº 166º, nº1, al. c), e nº 2, do Código Penal (na redacção introduzida pelo Decreto Lei  49/85, de 15/03), “ ... quem, aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em (...) estabelecimento de educação (...),  praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido  com pena de prisão  de 6 meses a 5 anos.”  Sendo que se “... nos mesmos termos praticar cópula ou coito anal, é punido com pena de prisão de um  a oito anos”.
Por seu turno, no que respeito ao crime de abuso sexual de crianças, o praticado na pessoa do assistente AI, como se expendeu, e bem, no  acórdão recorrido (vd. pág. 1510):
“(i) Dispunha o artº 172º, nº 1 e 2,  do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/95, de 15/03 (que entrou em vigor em 1/10/95), que “ 1. Quem praticar  acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”.
Se o acto consistir em cópula ou coito anal  (nº 2), a pena de prisão é de 3 a 10 anos.
E dizia o nº 3, deste preceito,  que quem “... b) actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa obscena ou de escrito, espectáculo ou objecto pornográfico (...) é punido com pena de prisão até 3 anos...”.
(ii) Por sua vez dispunha o  artº 172º, nº 1, 2,  3, al. b) e c), do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 65/98, que entrou em vigor em 7/9/98), que “ 1. Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”.
Se o acto consistir em cópula, coito oral ou coito anal  (nº 2), a pena de prisão é de 3 a 10 anos.
E dizia o nº 3, deste preceito,  que quem “... b) actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa obscena ou de escrito...(...) c) utilizar menor de 14 anos em fotografia, filme ou gravação pornográfica... (...) é punido com pena de prisão até 3 anos...”.
(iii) Este preceito foi alterado pela Lei 99/01, de 25/08 ( que entrou em vigor em 30/08/01), no seu nº 3 e 4., alteração que não tem relevância para os factos do presente processo.
 (iv) Por sua vez a Lei nº 59/07, de 4/09 (que entrou em vigor em 15/09/07), veio introduzir alterações a este artigo 172º, do C.Penal, que punia  o crime de abuso sexual de crianças.
O ilícito passou a ser punido pelo artº 171º, do C.Penal.
O seu “nº 1” manteve a previsão anterior.
O seu nº 2, tem uma previsão mais extensa, dado que além da cópula, coito oral e coito anal, abrange agora a introdução vaginal  ou anal de partes do corpo ou objectos, alteração contudo que, no presente processo, não releva, 
E o seu nº 3 passou a constar com apenas duas alíneas, sendo que a actuação prevista anteriormente nas alíneas “b)” e “c)”,  passou a constar numa única alínea, na “b” e com a seguinte redacção: quem “... actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográfico...”, mantendo-se a punição com prisão até 3 anos. 
O bem protegido  é  a liberdade e autodeterminação sexual da vítima e o acto tem que afectar de forma objectiva e importante, tal liberdade e autodeterminação.  
Com o tipo legal do artº 172º, do C. Penal (quer na redacção introduzida pelo DL 48/95, que entrou em vigor em 1/10/95, quer na redacção introduzida pela Lei nº 65/98, que entrou em vigor em 7/09/98) ou  do 171º, do C.Penal ( na nova numeração e redacção introduzida pela Lei nº 59/07, de 4/09, que entrou em vigor em 15/09/07), “… visa-se a protecção de pessoas que presumível ou manifestamente não dispõem de discernimento necessário para que, no que ao sexo respeita, se exprimirem ou se comportarem com liberdade, com presciência ou com autenticidade. A fragilidade dessas pessoas, face às condutas sexuais que sobre elas se exerçam, aumentam, por isso, a relevância ou empresta o relevo aos actos delitivos praticados…” (cfr. Ac. STJ, 15/06/2000, BMJ 498)." (fim de transcrição).
Resumindo: in casu, o crime de abuso sexual de pessoa internada será de  punir com pena de 6 meses a 5 anos de prisão (já que houve actos sexuais de relevo [masturbação mútua e coito oral], mas não a prática de coito anal com o menor AP, sendo de aplicar o art. 166.º do CP, na redacção da Lei n.º 48/95 de 15 de Março, vigente na data dos factos [estes foram cometidos em dia não concretamente apurado, situado entre o fim do ano de 1997 e Julho de 1999], por ser o regime mais favorável, nele não sendo tais práticas sexuais agravadas em termos de pena, como são hoje, e desde 7/9/98 [após a redacção introduzida pela Lei nº 65/98 e mantida nas subsequentes revisões do CP], com prisão de 1 a 8 anos) e o crime de abuso sexual de crianças com uma pena de 3 a 10 anos de prisão (pois os actos com o menor AI incluíram coito oral e anal e ocorreram em dia indeterminado dos meses de Novembro ou Dezembro de 1999, sendo de aplicar o art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na redacção da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, vigente desde 7/09/98, portanto vigente na data da prática dos factos e que, no que ora interessa, não foi posteriormente alterada).
Dispõe o art. 71.° do CP, no seu n.º 1, que "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos por lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".
Por seu turno o n.° 2 do mesmo normativo legal, estabelece, que: "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres im(...)s ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
Ou seja, por força do dis(...) no art. 71.° do CP a medida da pena terá por base e será proporcional à medida da culpa concreta do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do crime, as consequências do mesmo, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente, os sentimentos que demonstrou na prática do facto criminoso e todas as demais circunstâncias, entre estas as anteriores e posteriores aos factos e bem assim da personalidade do arguido.
Para a graduação e determinação da pena concreta há que respeitar o critério fornecido pelo n.° 2 daquele art. 71.°, ou seja, atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele".
Esse critério é concretizado, exemplificativamente, nas diversas alíneas daquele artigo.
A exigência das circunstâncias referidas, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes) não integrarem o tipo legal de crime ressalta de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, o que, no caso contrário, violaria o princípio non bis in idem (neste sentido, vd. Robalo Cordeiro, "Escolha e medida da pena", in “Jornadas de Direito Criminal” 1, CEJ, pág. 272).
Assim, é pela dimensão da culpa, a chamada moldura da culpa, que a pena não pode ultrapassar, que se vai determinar o limite superior da pena, como impõe o n.° 2 do art. 40.° do CP.
Esta disposição corresponde ao afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, atendendo, aliás, à defesa da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrada, por exemplo, nos arts. 1.°, 13.°, n.° l e 25.°, n.° l, da CRP.
Depois, as exigências de prevenção geral impõem uma "sub-moldura" que terá nos limites da culpa a sua dimensão.
Trata-se, aqui, de determinar qual a pena necessária para assegurar o respeito pelos valores violados, pelo que a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites da prevenção geral, uma vez que, como dispõe o art. 18.°, n.° 2, da CRP, só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reacções criminais.
Finalmente, será dentro da moldura da prevenção geral que se fixará a pena a aplicar, considerando as necessidades de prevenção especial, isto é, atendendo às exigências de reintegração do agente na sociedade.
Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de considerar a culpa do arguido C de grau elevado. No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, o arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade no que tange ao abuso sexual de crianças e de pessoas internadas, que ainda por cima, no primeiro caso lhe estava confiada, e no segundo era menor.
Com efeito, o arguido actuou com dolo directo aproveitando a situação de ser dirigente na instituição em que os menores por si abusados eram educandos, sendo expectável que por este fossem protegidos e não vitimizados.
Devem ser considerados o grau de ilicitude dos factos e de violação dos deveres im(...)s ao agente (que são elevados), os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os motivos (egoístas e de satisfação libidinosa) que o determinaram e bem assim as consequências dos crimes relativamente aos menores AP e AI.
Relativamente à prevenção geral e defesa da ordem jurídica, há que ter em conta a necessidade de refrear a crescente onda que é pública e notória para a prática de crimes que colocam em causa a liberdade e a autodeterminação sexual de menores associados ao seu próprio aproveitamento para práticas de auto-satisfação sexual do agente.
Neste plano fazem-se sentir grandes exigências de reprovação e censura como forma de defesa da ordem jurídica.
O aumento significativo da denúncia de crimes de abuso sexual de menores é tradutora de um aumento da prática criminal naquela área, reclamando que, por via da pena, se crie na comunidade um sentimento dissuasor da sua prática futura.
Ao nível da prevenção especial deverá atender-se às necessidades de socialização do delinquente, tendo em vista a sua reinserção social e  prevenção de reincidência. Dúvidas não havendo de que o recorrente carece de socialização nesta área, tendo-se em vista a prevenção de reincidência no domínio de crimes sexuais.
O arguido não beneficia da atenuante da confissão. A ter em conta o facto de a nível de antecedentes criminais nada existir à data da decisão, sendo de considerar então o arguido C como primário. No mais, conforme se verifica do acórdão recorrido, as circunstâncias agravantes e atenuantes foram analisadas criteriosamente.
É de realçar que a pena parcelar mais baixa aplicada se mostra fixada pouco acima do ponto médio da pena abstracta e a pena parcelar mais alta aplicada se mostra fixada muito abaixo do ponto médio da respectiva pena abstracta.
Atentos os parâmetros já analisados no acórdão recorrido, considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa, entende-se ser de manter as penas parcelares e única aplicadas ao ora recorrente, não se justificando uma intervenção correctiva deste Tribunal superior, já que as penas aplicadas são de ter por adequadas, pois não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – art. 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes são equilibradas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa do recorrente.
Finalmente, importa atentar no facto do recorrente C vir também alegar, nas suas conclusões de recurso 411.ª a 419.ª, o seguinte:
“Por último, não deixará de se estranhar que relativamente a crimes da mesma natureza mas qualificados ou perpetrados em circunstâncias susceptíveis de revelar maior gravidade (desde logo pela impressionante reiteração da sua prática), o Tribunal a quo tenha optado por condenar o Arguido A em penas concretas inferiores àquelas que aplicou ao ora Recorrente.
A título exemplificativo, o Arguido A foi condenado por um crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. pelo art.º 166.º, nrs. 1 e 2 do CP, na pessoa do Assistente AP, na pena de 3 anos de prisão (cfr., a p. 1725 do Acórdão).
Respeita a condenação aos factos provados sob os nrs. 92.7 a 92.15 (cfr. a p. 122 e s. do Acórdão) nos quais se inclui a prática de actos de coito anal, pelo que a moldura penal cominada a este facto, correspondente n.º 2 daquele art.º, era de 1 a 8 anos de prisão.
Ora, pelo crime de abuso sexual de pessoa internada, embora só pelo dis(...) no art.º 166.º, n.º 1 (dado que os factos imputados não incluíam a prática de coito anal), punido, por conseguinte, com uma moldura abstracta de 6 meses a 5 anos de prisão, praticado sensivelmente no mesmo lapso de tempo e relativamente ao mesmo Assistente, foi aplicada ao Recorrente, a pena de 3 anos (cfr. a p. 1734 do Acórdão), exactamente igual àquela que foi aplicada ao Arguido A pela prática do ilícito típico mais grave.
O Arguido A foi, pela prática de quarenta e três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 172.º, nrs. 1 e 2 do CP na pessoa do Assistente AI, condenado na pena de 4 anos de prisão para cada um dos crimes (cfr. a p. 1722 do Acórdão). Trata-se aqui dos factos provados sob os nrs. 96.14 a 96.25 (cfr., a pp. 133 e s. do Acórdão).
Ora, pelo mesmo crime, sensivelmente no mesmo lapso de tempo e relativamente ao mesmo Assistente, foi aplicada ao Recorrente, por um único crime, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão (cfr., novamente, a p. 1734 do Acórdão), mais grave, por conseguinte, do que a aplicada a cada um dos crimes cometidos pelo Arguido A.
No que tange ao grau de culpa do Arguido A, que o Tribunal observou foi o seguinte: No caso, a culpa do arguido A apresenta-se em elevadíssimo grau desde logo pela especial censurabilidade em cada ilícito, assente nas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos, agravada pela então qualidade e idade das vítimas e pelo tempo que duraram os abusos - sendo relativamente a algumas das vítimas desde o início da infância até pré-adolescência -; a desconsideração do valor fundamental da liberdade e autodeterminação sexual.” (Cfr. p. 1671, sublinhado nosso).
Por contraposição, anotou-se, no respeitante ao grau de culpa do Recorrente, que este “(…) apresenta-se em elevado grau (…)” (cfr. p. 1672 do Acórdão).
Ora, se o grau de culpa do agente é, a um tempo, o elemento delimitador do limite máximo da pena e um dos critérios de graduação da medida concreta desta, de harmonia com o dis(...) nos arts. 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 do CP, são incongruentes e iníquos os critérios de determinação das medidas concretas das penas aplicadas ao Recorrente, por contraposição com aquelas em que, em mais graves ou análogas situações, o Tribunal veio a condenar o Arguido A.” (fim de transcrição).
Percebe-se a preocupação e a argumentação do arguido C mas não tem razão, pois afigura-se-nos que o Tribunal a quo doseou as penas parcelares no respeito pelo mesmo tipo de princípios e critérios para cada um dos arguidos e buscando aplicar de modo equitativo a justiça relativamente a cada um dos condenados no tocante àquelas penas. É certo que, em termos absolutos e para circunstâncias aparentemente semelhantes, os exemplos dados mostram penas mais graves para o arguido C do que as aplicadas, naqueles casos, a cada um dos crimes cometidos pelo arguido A. Todavia, pese embora, os graus e intensidade de culpa e ilicitude serem diferentes, diversos eram também os graus de exigência em se conformarem ao direito e os seus percursos pessoais, habilitações académicas, situações e estatutos sócio-profissionais, enquadramento familiar, bem como as suas personalidades e comportamento processual, sendo que a dosimetria penal não é pura aritmética. As comparações efectuadas são por isso descabidas.
Assim, e em suma: O douto acórdão sopesou e ponderou todas as circunstâncias a favor e contra o arguido C, atendendo adequadamente à medida da sua culpa (cf. art. 40.º, n.º 2, do CP), sem esquecer os fins das penas, mormente de prevenção geral e especial (cf. art. 40.º, n.º 1, do CP). Ponderando o grau de culpa e as necessidades de prevenção geral e especial entendemos ser de manter as penas parcelares fixadas pela instância, isto é, em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para o crime de abuso sexual de crianças (cometido na pessoa de AI), p. e p. no art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei n.º 65/98, de 2/09, vigente desde 7/09/98) e em 3 (três) anos de prisão, pela prática do crime de abuso sexual de pessoa internada (perpetrado na pessoa de AP), p. e p. no art. 166.º, n.º 1, do CP, na redacção introduzida pelo Decreto Lei n.º 49/85, de 15/03.
Quanto ao cúmulo jurídico e à pena única
Resulta do processo que os crimes praticados pelo arguido C se encontram entre si numa relação de concurso, pelo que a sua punição dever-se-á realizar nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP.
Assim, atendendo aos factos no seu conjunto e à personalidade do arguido será necessário determinar uma pena única.
Para o arguido, esta situa-se no intervalo entre quatro anos e seis meses de prisão (a pena parcelar mais alta) e sete anos e seis meses de prisão (a soma das duas penas parcelares).
Considerando o Tribunal a quo ser adequada a pena única de cinco anos e nove meses de prisão, o que não nos merece qualquer censura.
Em abono da verdade, julgamos que face à conduta do recorrente, à gravidade dos crimes praticados, e às fortes necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, no caso em apreço, a pena única de cinco anos e nove meses de prisão é adequada, não sendo, por isso, nem excessivamente severa nem demasiado branda.
Consequentemente, deve manter-se o acórdão proferido no tocante ao quantum das penas parcelares e única aplicadas, e negar-se, nessa conformidade, provimento aos recursos inter(...)s, nessa parte, quer pelo arguido C, quer pelo MP.  
Suspensão da execução da pena
Finalmente, na sua conclusão de recurso 420.ª, pede o recorrente que: "caso a medida concreta da pena aplicada ao Recorrente venha a ser reduzida por via do provimento parcial presente recurso e assim o admitir, que seja ponderada a suspensão da sua execução, ao abrigo do dis(...) no art.º 50.º do CP, por se entender que (à excepção da medida concreta da pena aplicada no Acórdão sob recurso), militam a favor do ora Recorrente todos os pressu(...)s de facto de que depende aquela suspensão." (fim de transcrição).
De acordo com o dis(...) no art. 50.°, n.° l, do CP, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
A suspensão da execução da pena de prisão depende, deste modo, da verificação in casu da totalidade dos pressu(...)s formais e materiais de que a lei faz depender a aplicação do instituto.
Como pressu(...) formal temos que a medida da pena de prisão não seja superior a 5 anos.
Como pressu(...) material de aplicação do instituto o tribunal atende à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, concluindo por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido: que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.
Assim, não se tendo reduzido a pena única em que foi condenado a 5 anos de prisão, ou a duração inferior a esta, não podemos lançar mão do instituto da suspensão da sua execução, nem tão-pouco importa proceder à ponderação, incluindo do necessário juízo de prognose positiva, sobre a sua aplicabilidade, que nos está liminarmente vedada, por não se mostrar sequer preenchido o requisito formal (temporal de duração da pena concreta) estabelecido no art. 50.º, n.º 1, do CP, para que tal suspensão possa ocorrer.
Pelo ex(...), improcede, também nesta parte, o recurso.
i) - A condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais ao assistente AP
Com fundamento nos factos provados referentes ao abuso sexual praticado pelo arguido C na pessoa do assistente/demandante AP foi aquele condenado a pagar a este, a título de indemnização por danos não patrimoniais, sofridos em consequência de tais factos, a quantia de 25.000,00 € (vinte cinco mil euros) (cf. ponto 14 da pág. 1742 do acórdão recorrido).
O ora recorrente C não se conforma com aquela condenação, alegando, para tanto, nas suas conclusões de recurso 215.ª a 219.ª, que:
"No articulado que apresentou, o Assistente/Demandante refere-se aos factos ora em apreço no art.º 4.º, liquidando a indemnização que peticiona pelos danos que alega ter sofrido em consequência dos mesmos, no art.º 34.º al. b), no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), que é o do pedido a este título deduzido contra o ora Recorrente (cfr. a fls. 14.819 e 14822 dos autos).
Ora, atendendo ao princípio do pedido, que vigora igualmente no domínio do processo penal, não é legalmente admissível o arbitramento pelo tribunal de indemnização em montante superior ao peticionado. Esta razão levaria, só por si, a que o valor arbitrado pelo Tribunal a quo devesse ser revogado, por violação do dis(...) no art.º 661º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do dis(...) no art.º 4.º do CPP, reduzindo-se a indemnização a montante equivalente ou inferior ao valor peticionado.
Porém, em conformidade com o que supra se vem de alegar quanto à responsabilidade criminal, também no domínio da responsabilidade civil o ora Recorrente pugna, consequentemente, pela sua absolvição do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo Assistente/Demandante AP e pelo qual foi condenado ao pagamento de indemnização no valor de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros).
Caso assim se não entenda, requer-se subsidiariamente que seja revogado o Acórdão recorrido na parte em que condenou o Recorrente ao pagamento daquela indemnização ao Assistente/Demandado AP, reduzindo-se equitativamente o montante arbitrado, em todo o caso sempre para valor inferior ao peticionado no pedido de indemnização civil deduzido nos autos (de 10.000,00 €)." (fim de transcrição)
Começaremos por lembrar aqui a evolução e actual status dos pedidos e indemnizações cíveis no quadro do processo penal, recordando o que doutamente se expendeu a este propósito no acórdão do STJ de 27 de Abril de 2011 (proferido no proc. 712/00.9JFLSB.L1.S1 e consultável in www.dgsi.pt):
"XXXVIII - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime era, na tradição jurídica portuguesa, uma consequência jurídica de carácter penal, dimensão de política criminal ligada à reacção criminal – é o que testemunhava o art. 75.º § 3.º do CP1886.
XXXIX - O arbitramento oficioso da indemnização era uma consequência jurídica do crime que não se identificava com a indemnização civil, quer nos fins e fundamentos, nem tinha que coincidir com o seu montante.
XL - Embora fosse legalmente possível o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal, nos termos do dis(...) nos arts. 29.º a 34.º do CPP29, (referindo-se o art. 29.º à indemnização por perdas e danos, já o art. 34.º respeitante à respectiva reparação por perdas e danos determinava que o juiz, no caso de condenação, arbitraria aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tivesse sido requerida), o quantitativo da indemnização era determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderia à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor – § 2.º
XLI - No domínio do direito anterior ao CP82, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal. Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido e se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal, definiam-se critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido. Era esta a posição dominante da jurisprudência – Acs. do STJ de 10-05-1955 e 29-11-1955, BMJ, 49 e 52, págs. 323 e 577. Porém, a doutrina dominante considerava a indemnização arbitrada como de natureza civil – Vaz Serra, Cavaleiro de Ferreira, Gomes da Silva e Pereira Coelho.
XLII - Passando a ser determinada de acordo com os pressu(...)s e critérios substantivos da lei civil, por força da norma do art. 128.º do CP82 (reproduzida no art. 129.º do CP95), a reparação assume-se, agora, como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena.
XLIII - No plano do direito adjectivo, o actual CPP, mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71.º, 74.º a 77.º e 377.º do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84.º do CPP).
XLIV - Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização por perdas e danos emergentes do crime, e só essa – arts. 128.º do CP/82 e 129.º do CP95 e Acs. do STJ de 25-02-1998 e de 12-01-2000, Procs. n.º 97/98 1146/99 - 3ª.
(…) XLVI - Este efeito “não penal” da condenação ligada à prática de crime – a fonte ou causa de pedir era o crime mas a indemnização assentava nos pressu(...)s de natureza cível – continuou a afirmar-se no universo jurídico criminal português, de forma que, pelo Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 16-10-1997, BMJ, 470, pág. 33, mesmo quando por aplicação da amnistia se extingue a acção penal, e apesar de ainda não ter sido deduzida acusação, poderá o ofendido requerer o prosseguimento da acção penal, para apreciação do pedido cível.
(…) L- Como resulta claramente do dis(...) dos arts. 128.º e 129.º do actual CP, versões respectivamente de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergentes de crimes, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação, para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, significando que atribuição da indemnização em processo penal é regulada quantitativamente nos seus pressu(...)s pela lei civil e não já pela lei penal.
LI - No CC consagra-se basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade civil tem a função de reparar os danos causados e não fins sancionatórios (arts. 483.º, n.º 1, e 562.º, entre outros e Ac. do STJ, de 07-06-2000, Proc. n. 117/2000 - 3 begin_of_the_skype_highlighting 117/2000 - 3 end_of_the_skype_highlighting.ª).
LII - Por outro lado, dada a sua função essencialmente reparadora ou reintegrativa, o instituto da responsabilidade civil está sempre submetido aos limites da eliminação do dano, o que significa que, inexistindo este, inexiste obrigação de indemnizar (art. 483. do CC). Portanto, nunca pode haver condenação cível, em processo penal, quando se não provar a existência do dano invocado pelo autor do respectivo pedido – neste sentido, o Ac. do STJ de 12-01-2000, Proc. n.º 1146/99 - 3 begin_of_the_skype_highlighting 1146/99 - 3 end_of_the_skype_highlighting.
LIII - Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, (regra) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, (excepção), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeta as partes para os tribunais civis. – n.º 3 do art. 72.º do CPP.
(…) LV - Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade, das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar.
LIX - Considerando a natureza e os fins do processo penal e o princípio da adesão, o princípio da investigação, também designado da verdade material, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, aplica-se à actividade processual relativa à prova dos pressu(...)s e montantes dos danos integrantes da responsabilidade civil emergente de crime, podendo existir responsabilidade civil, sem haver responsabilidade criminal, como é o caso de apreciação do pedido cível, em processo penal, em caso de absolvição criminal, ou de extinção do procedimento criminal." (fim de transcrição).
Lembre-se também que, como se consignou, no acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Janeiro de 2005 (proferido no proc. 9424/2004-5 e consultável in www.jusnet.pt): “Quanto aos danos de natureza não patrimonial, há que referi-lo, a indemnização não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado, contendo ainda uma componente sancionatória da conduta do lesante. Na fixação do "quantum" indemnizatório manda a nossa lei atender, através da remissão para o dis(...) no art. 494, ao grau de culpa do lesante, situação económica de lesante e lesado, flutuações do valor da moeda, etc., devendo ser proporcionada à gravidade do dano e tomando em conta, na sua fixação, "todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida" (vide A. Varela e Pires de Lima, CC anotado, 4º Ed., pág. 501). (fim de transcrição)
Apreciando dir-se-á, antes de mais, compreender que a defesa do arguido C, pugnando no presente recurso pela sua absolvição penal, venha, nessa conformidade, requerer também a sua absolvição do pedido de indemnização cível contra si deduzido pelo assistente/demandante AP e em sede do qual foi condenado ao pagamento a este de indemnização no valor de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros).
Porém, não foi isso (absolvição penal) que sucedeu, pelo que, mantendo-se a sua condenação em sede de responsabilidade criminal, pelos factos dados por provados quanto ao menor AP, com referência ao capítulo 4.1.1. do despacho de pronúncia, a sua absolvição, sem mais, por factos decorrentes da inerente responsabilidade civil, fica, obviamente, prejudicada, improcedendo, sem necessidade de aqui tecermos quaisquer outros considerandos, a primeira pretensão do recorrente C neste domínio.
Vejamos, então, se tem o ora recorrente razão quanto à segunda questão que coloca, qual seja a de que o quantum daquela indemnização não deverá ser superior a € 10.000,00 (dez mil euros), por, em seu entender, ter sido esse o montante peticionado, como considera resultar do art. 34.º al. b), do pedido de indemnização cível em apreço.
Efectivamente, ao deduzir, em 13 de Janeiro de 2004, o respectivo pedido de indemnização cível (cf. fls. 14807 a 14829 dos autos) o assistente/demandante alude expressamente no art. 4.º do seu articulado (a fls. 14810), apenas e tão só aos factos, que vieram a ser dados por provados, referentes ao abuso sexual de que foi alvo por parte do recorrente na cave da (...) da AX.
Porém, importa atentar que o demandante peticiona também a condenação do ora recorrente ao pagamento, solidariamente com outros co-arguidos, de uma outra indemnização, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), igualmente a título de reparação por danos não patrimoniais, embora sofridos em consequência dos factos relativos à “casa de (...)”, como se alcança, entre outros, dos arts. 2.º, 8.º e segs. e 34.º al. e), daquele mesmo pedido de indemnização cível do assistente/demandante AP.
Estabelece o art. 661.º do CPC, (epigrafado “Limites da condenação”) no seu n.º 1 que: "A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.".
A violação desta norma determina a nulidade da sentença conforme preceitua a al. e) do n.º 1 do art. 668.º do mesmo diploma, aplicável ex vi do dis(...) no art. 4.º do CPP.
Neste contexto, e face ao que vem alegado pelo recorrente, a questão que ora se coloca é a de saber se a indemnização arbitrada em primeira instância excedeu, como duma leitura mais apressada pode resultar, o montante pedido.
Parece-nos que não, pois, apesar do recorrente C ter sido absolvido in totum quanto aos factos relativos à “casa de (...)”, como se alcança de B - III da pág. 1734 do acórdão recorrido, o certo é que, mesmo considerando-se que o pedido de indemnização cível do assistente/ demandante AP tenha decaído, nessa parte, o certo é que o pedido de indemnização cível do assistente/demandante AP relativamente ao arguido/demandado C foi formulado no montante total de € 110.000,00 (cento e dez mil euros). O que não é despiciendo. Afigurando-se-nos, destarte, ser esse o limite (máximo e global) a que o julgador está sujeito in casu.
E tal entendimento tem suporte na jurisprudência do nosso mais alto tribunal. Com efeito, decidiu o STJ, no seu acórdão de 23 de Novembro de 2010, proferido no proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1 e consultável em www.dgsi.pt, que:
"Defende, desde logo, a ré seguradora que, tendo a autora peticionado o pagamento da quantia de €4.487,58€, pelas perdas por si sofridas durante a incapacidade, não poderia ser-lhe atribuída indemnização superior aquela, sob pena de violação do dis(...) no artigo 661º, do CPC.
Por respeito ao princípio do dispositivo, estatuem os artigos 661º, nº 1 e 668º, nº 1, e), ambos do CPC, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, ou seja, deve conter-se, em substância e quantidade, dentro do pedido formulado, sob pena de nulidade.
Porém, aquele limite da condenação entende-se referido ao pedido global, nada obstando a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas, que não correspondam a pedidos autónomos, como acontece, por via de regra, nas acções de indemnização, se possa valorar cada uma dessas parcelas, em quantia superior à referida pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor total do pedido.
Ora, considerando que a autora pediu a condenação da ré no pagamento do montante de €4487,58, referente ao quantitativo que deixou de receber durante o período da incapacidade total para o trabalho, no âmbito do pedido total de €206517,58 que formulou, e o acórdão recorrido, tal como acontecera com a sentença proferida em 1ª instância, fixou esse valor em €5373,00, não deixa de ser verdade que a sentença condenou a ré a pagar à autora a indemnização de €34037,58, e o acórdão, na procedência parcial da apelação, o montante indemnizatório global de €75923,00.
Assim sendo, muito embora aquele segmento respeitante ao período da incapacidade total tenha sido fixado, em montante superior ao pedido formulado, tal já não aconteceu, bem pelo contrário, quanto ao montante final da condenação, que ficou bem aquém da quantia global peticionada pela autora.
Não ocorre, assim, a causa da nulidade da sentença, a que aludem os artigos 661º, nº 1 e 668º, nº 1, e), ambos do CPC." (fim de transcrição).
Importando também aqui reter o decidido no acórdão do STJ de 6 de Outubro de 1994 (proferido no proc. 085539 e consultável in www.dgsi.pt): "Não há condenação superior ao pedido, se as indemnizações parciais se fixam em quantia tal que a soma global não ultrapasse o pedido."
Casos tem havido inclusivé em que o STJ entendeu que estando em causa preceitos legais inderrogáveis e/ou a indisponibilidade de direitos, é obrigação do juiz condenar em quantia superior ao pedido, ou até em objecto diverso, não estando vedado às instâncias a condenação para além dos termos mais ou menos restritos apresentados pelos autores (vd. acórdão de 26 de Setembro de 2001, proferido no proc. 01S169 e consultável in www.dgsi.pt).
E o mesmo STJ, explicitou, no seu acórdão de 25 de Março de 2010, proferido no proc. 1052/05.2TTMTS.S1 e consultável em www.dgsi.pt, que: "Os limites da condenação contidos no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada." (fim de transcrição)
Neste quadro, em que no caso sub judice se está perante a mesma espécie e classe de danos (danos não patrimoniais decorrentes da prática de abuso sexual) a única dificuldade que se vislumbraria subsistir, seria, com o devido respeito, a de como  interpretar a expressão "decorrente de um único facto ilícito".
Não sendo questão líquida, afigura-se-nos que a solução mais justa e adequada in casu é a de entender - prevalecendo aqui os direitos da vítima, criança ou jovem, a não ser abusada sexualmente, sobre os do adulto agressor, à semelhança daqueles outros em que estavam em causa direitos dos trabalhadores perante seguradoras/entidades patronais, dado que em ambas as situações deve vingar a interpretação que se mostre mais favorável ao lado mais vulnerável e fragilizado da relação - que o facto ilícito relevante para estes efeitos foi o abuso sexual cometido na pessoa do menor AP pelo arguido C e não a concreta factualidade em que tal abuso se consumou (que se provou em relação a (…) mas não em relação a (...)).
Do ex(...), afigura-se-nos que, tendo o demandante AP peticionado € 110.000,00 (cento e dez mil euros), no pedido de indemnização civil deduzido nos autos, com referência à globalidade dos danos não patrimoniais que lhe foram causados pelo arguido/demandado C, o Tribunal a quo, ao condená-lo ao pagamento de uma indemnização ao referido demandante no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), quedou-se dentro do valor global que lhe fora pedido a esse título, e, não o tendo excedido, respeitou a nosso ver as regras processuais neste domínio, não havendo assim que proceder à redução da indemnização a montante equivalente ou inferior a € 10.000,00 (dez mil euros), como requerido pelo recorrente.
Destarte, não tendo essa condenação sido, a nosso ver, ultra petitum, improcede, também nesta parte, o recurso.
j) - A condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais ao assistente AI
A título de indemnização por danos não patrimoniais, também foi o arguido/demandado C condenado a pagar ao assistente/ demandante AI a quantia de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros) (cf. ponto 14 da pág. 1742 do acórdão recorrido).
O ora recorrente C não se conforma com aquela condenação, alegando, para tanto, nas suas conclusões de recurso 392.ª a 397.ª, que:
"No que diz respeito à condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais ao Assistente/Demandante AI, refira-se que este último deduziu contra o Recorrente e outros Arguidos o pedido de indemnização civil constante de fls. 14.697 a 14.707 dos autos, o qual foi recebido pelo Tribunal a quo.
Ora, o Acórdão remete, a fls. 1692, para a factualidade que fundamenta a decisão sobre o pedido de indemnização civil deduzido pelo Assistente/Demandante, mas de cujas folhas citadas da Acusação não constam os factos pelos quais foi o Recorrente condenado.
É que, na verdade, do pedido de indemnização civil deduzido pelo Assistente AI contra os vários Demandados, incluindo o ora Recorrente, não constam os factos referentes ao alegado crime de abuso sexual por este perpetrado na casa da (...).
Assim, não podia o Tribunal a quo condenar o Recorrente por pedido de indemnização civil destituído de causa de pedir, no que aos factos da casa da (...) respeita (uma vez que o pedido indemnizatório deduzido pelo Assistente/Demandante nos autos apenas articula os factos relacionados com a alegada presença do Recorrente numa casa em (...), pelos quais este não foi condenado).
Esta razão leva, só por si, a que a decisão recorrida, na parte em que condena o Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Assistente/Demandante AI, deva ser revogada, por violação do dis(...) no art.º 661.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do dis(...) no art.º 4.º do CPP.
Em todo o caso, em conformidade com o que supra se vem de alegar quanto à responsabilidade criminal, também no domínio da responsabilidade civil o ora Recorrente pugna, consequentemente, pela sua absolvição do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo Assistente/Demandante AI e pelo qual foi condenado ao pagamento de indemnização no valor de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros)." (fim de transcrição).
Convocamos aqui tudo o que supra dissemos no que concerne ao pedido de indemnização cível enxertado na acção penal e ao que preceituam os arts. 661.º e 668.º do CPC.
No caso concreto, retira-se do teor do acórdão recorrido que foi ali expendido e decidido o que seguidamente se passa a transcrever:
"DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL:
(…)
- AI– Fls. 14.697 a 14.707, contra:
A
K
N
H
C
Com fundamento dos factos constantes da Acusação, de modo particular, o dis(...) a fls. 13.635 e 13.686 e seguintes, no tocante à actuação e factos imputados aos arguidos A, K, N, H e C.
(…)
1. Dispõe o artº 129º, do Código Penal, que “a indemnização por perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil”. Com efeito, o artº 483º, do Código Civil impõe aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 
Por sua  vez, dispõe  o artº 71º, do Código de Processo Penal, que “ o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”. (…)
Face ao artº  483º, do C.Civil,  só aquele que com dolo ou mera culpa praticar o acto ilícito fica obrigado a indemnizar. É pois necessária a constatação de um nexo psicológico entre o facto e o lesante e a possibilidade de exercer um juízo de censura jurídica sobre a pessoa que podia e devia ter agido de modo diferente e não o fez.
Se da prova se puder concluir que o lesante quis praticar o facto ou representou a sua realização como uma consequência previsível do seu comportamento e persistiu nele, terá actuado com dolo (configurado em termos de responsabilidade civil). Se, pelo contrário, apenas se puder concluir que o previu mas que, por desleixo ou inconsideração, confiou que não o alcançaria, ou que não representou sequer essa possibilidade mas foi imprevidente ou descuidado, terá actuado com mera culpa. A distinção não é irrelevante, dado que, por força do dis(...) no artigo 494º, do C.Civil, dela resulta, a final, o regime aplicável ao conteúdo do dever de indemnizar.
Nos termos do artigo 487º,  nº 1, do C.Civil,  a prova da culpa incumbe a quem se arroga com direito à indemnização, a menos que exista presunção legal de culpa.
Somente são indemnizáveis os danos sobrevindos do facto ilícito culposo, artigo 483º, do C.Civil e  desses, apenas aqueles que não se teriam verificado sem o facto enquanto sua causa adequada - artigo 563º, do C.Civil.
Em sede de responsabilidade civil são indemnizáveis os danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade se mostrem merecedores de tutela jurídica - artigo 496º,  nº 1, do C.Civil -  e os danos de natureza patrimonial  - artigo 564º,  nº 1, do C,Civil. O artigo 566º,  nº 2, do C.Civil,  determina que a indemnização deve atender ao valor dos danos, à data mais recente que puder ser considerada. A indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, natureza de reparação, mais do que indemnização.
Passamos, então, a conhecer dos montantes pedidos pela Demandantes.
2. Atendendo aos factos que resultaram não provados,  há que:(…)
c)  Absolver o arguido/demandado C,  do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AV, AN e AT.(…)
Uma vez que não ocorre o nexo de causalidade entre danos que os Demandantes tenham sofrido e estes demandados, quanto às situações de factos, específicas, que sustentam tais pedido, mas em relação às quais tenha havido absolvição.
Sendo que, no caso concreto e tal como resulta da descrição dos factos no despacho de pronúncia, o cruzamento de factos pode levar a alguma dificuldade no apuramento da responsabilidade de indemnizar.
2.1. Mas, tendo por sua vez em atenção os factos que resultaram provados, a sua natureza e extensão, o dis(...) no artº 496º, nº 3 e 494º, do C.Civil,  tendo em consideração a situação económica os demandados, há que: (…)
f) Condenar o arguido/Demandado C a pagar a cada um dos demandantes AI e AP , o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais, absolvendo quanto ao demais pedido."  (fim de transcrição) (cf. pág.s  1689 a 1700 e 1742 do acórdão recorrido).
Apreciando dir-se-á, antes de mais, compreender-se, também aqui, que a defesa do arguido C, pugnando no presente recurso pela sua absolvição penal, venha, nessa conformidade, igualmente requerer a sua absolvição do pedido de indemnização cível contra si deduzido pelo assistente/demandante AI e em sede do qual foi condenado ao pagamento a este de indemnização no valor de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros).
Porém, mantendo-se a sua condenação em sede de responsabilidade criminal, pelos factos dados por provados quanto ao menor AI, com referência ao capítulo 4.1.4 do despacho de pronúncia, a sua absolvição, sem mais, por factos decorrentes da inerente responsabilidade civil, fica, obviamente, prejudicada, improcedendo, sem necessidade de aqui tecermos quaisquer outros considerandos, a primeira pretensão do recorrente C neste domínio.
Vejamos, então, se tem o ora recorrente razão quanto à segunda questão que coloca.
No acórdão recorrido, como acabámos de ver e já o havíamos assinalado anteriormente, não se especificaram, em sede de apreciação dos pedidos de indemnização cível, os concretos factos dados por provados com base nos quais radicavam aquelas condenação e indemnização ora em apreço, mas estando, obviamente, implícito que seriam os de abuso sexual perpetrados pelo primeiro (o demandado C) na pessoa de cada um dos segundos (os demandantes AI e AP).
No que ora interessa, analisando o pedido de indemnização cível deduzido, em 13 de Janeiro de 2004, pelo assistente/demandante AI (cf. fls. 14697 a 14707 dos autos), verifica-se que este está redigido nos seguintes termos que passamos a transcrever parcialmente:
"AI, (…), ofendido nos autos supra referenciados, e melhor identificado a fls. 13635 e 13686, notificado que foi do
despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, e tendo já requerido a sua
constituição como Assistente, vem, muito respeitosamente,
Aderir à Acusação Pública, nos termos do artigo 284º do Código de Processo Penal (CPP) E Deduzir Pedido de Indemnização Civil nos termos do artigo 77° do CPP, Contra A, K, N, H, BD E C, arguidos melhor identificados a fls. 13554 dos presentes autos, o que faz nos termos e com os fundamentos que a seguir enuncia.
I - DA ACUSAÇÃO
O ofendido já requerente da sua admissão aos autos como Assistente declara aderir
na íntegra, e no que aos actos contra si praticados respeita, à douta acusação
deduzida Pelo Ministério Público, assumindo como sua a prova apresentada nos
ditos autos.

2. Pelo que, por meras razões de economia processual dá por integralmente
reproduzida para todos os efeitos legais a matéria constante da mesma e, de modo
particular, o dis(...) a fls. 13635 e 13686 e seguintes no tocante à actuação e factos
imputados aos arguidos
A, K, N, H,
BD
e C.
II - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
1. Enquadramento material dos factos
3. Pelas mesmas razões se considera reproduzida a matéria referida da acusação para o efeito da descrição dos factos relevantes e circunstancialismo dos danos susceptíveis
de compensação, no tocante à determinação do pedido de indemnização civil."
(fim de transcrição)
Seguidamente, o demandante alude sumariamente aos abusos a que começou por ser vítima por parte do arguido A ("Durante um período anterior a 1999, o ofendido foi sujeito, por diversas vezes, e pelo arguido A, à prática de actos sexuais, conforme resulta do despacho de acusação.") e a abusos cometidos em datas não concretamente apuradas dos meses de Outubro e Novembro de 1999 (casa da (...)), bem como do último trimestre de 1999 e de Janeiro e Fevereiro de 2000 (casa de (...)), envolvendo o arguido A e outros arguidos, e entre eles o recorrente/demandado C, podendo ler-se mais para adiante e quase a terminar (transcrição):
“88. Com um quotidiano pobre de afectos, de educação, de normas sociais básicas que lhe permitam, no futuro, uma integração comunitária saudável e equilibrada, foi a estrutura de modelação da personalidade e carácter desta criança efectiva e psicologicamente amputada e o seu futuro irremediavelmente comprometido pela conduta criminosa imputada aos arguidos.
89. O dano psíquico, em si mesmo insusceptível de avaliação pecuniária, provocado pelos actos criminosos praticados pelos arguidos, tem de ser determinado como modo adequado de punição dos agentes e como modo efectivo de compensação da vítima.
90. Sendo certo que o ofendido nunca mais ao longo da sua vida deixará de sentir em cada instante o seu passado cujos contornos graves são imputados aos arguidos do modo atrás descrito, que se aproveitaram de modo especialmente censuráve lda situação económica precária do aqui demandante, da sua inexistência social, da sua idade vulnerável.
91. Pela compensação do mal que lhe fizeram os arguidos e para atenuação dos prejuízos de natureza não pecuniária estima adequado o ofendido o pagamento de
quantia não inferior a
170.000 € (cento e setenta mil euros).
92. Em consequência da violação ilícita do direito e dos interesses legalmente
protegidos em causa, o lesado ficou investido no direito de ser indemnizado pelos
danos de ordem não patrimonial sofridos, por força do dis(...) nos artigos 483°, n° 1, e 496°, n° 1 e n° 3, todos do Código Civil.

93. A tudo acresce a condenação dos arguidos réus no pagamento dos juros
compensatórios devidos a contar da data da prática de cada um dos factos e até
efectivo e integral cumprimento, nos termos legais.

94. Sendo vários os arguidos responsáveis pelos danos, é solidária a sua
responsabilidade, na conformidade do que dispõe o artigo 497° do Código Civil.

95. Pelo que da importância peticionada deve o arguido A ser condenado no pagamento de cerca de 30.000 euros e a restante parte da indemnização deve ser repartida entre o referido arguido e os demais arguidos em regime de solidariedade.
Nos termos anteriormente ex(...)s, e nos demais de Direito, deve o presentepedido de indemnização civil ser considerado procedente e provado e, em
consequência, deve o arguido
A ser condenado no pagamento de
30.000 euros, devendo este arguido e os demais ser ainda solidariamente
condenados na restante parte do preço, ou seja, 140.000 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados.

Devem todos ser finalmente condenados nos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento." (fim de transcrição)
Ou seja, pese embora o assistente/demandante AI enunciar nalgumas passagens factos concretos, sem contudo os especificar a todos, o certo é que o seu articulado em apreço adere "na íntegra, e no que aos actos contra si praticados respeita, à douta acusação deduzida Pelo Ministério Público" e "por meras razões de economia processual dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais a matéria constante da mesma e, de modo particular, o dis(...) a fls. 13635 e 13686 e seguintes no tocante à actuação e factos imputados aos arguidos A, K, N, H, BD e C" e "Pelas mesmas razões se considera reproduzida a matéria referida da acusação para o efeito da descrição dos factos relevantes e circunstancialismo dos danos susceptíveis de compensação, no tocante à determinação do pedido de indemnização civil.".
Deste modo, no que ora importa apreciar, o relevante será constatar se os factos de abuso sexual cometidos pelo recorrente C na pessoa do menor AI na casa da (...) constam da acusação e das mencionadas fls. 13635 e segs. e 13686 e segs. dos autos. E, compulsados estas, a resposta, é positiva para fls. 13635 e segs. (fls. 13686 e segs. reportam-se a (...)). Assim sendo, não tem manifestamente razão o recorrente.
Refira-se, finalmente, que a questão que se colocava quanto ao demandante AP da indemnização, no entender do recorrente, exceder o peticionado, nem aqui se coloca, porquanto o demandante AI, contrariamente ao que aquele outro fez, não segmentou nem parcelou a indemnização arguido a arguido, episódio fáctico a episódio fáctico, mas deduziu um montante global de € 170.000,00 a serem pagos € 30.000,00 pelo arguido/demandado A e os restantes € 140.000,00, solidariamente, por este e por todos os demais co-arguidos, incluindo pelo demandante C.
Pelo ex(...), não tendo a condenação em apreço ocorrido sem causa de pedir, como entende o recorrente C, improcede, também nesta parte, o recurso.
B) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELO ARGUIDO E (incluindo o recurso do MP no que concerne à medida das penas)
1. Da motivação do recurso extrai o arguido E as seguintes (transcritas) conclusões:
"1º - A fls 22547, no âmbito do saneamento do processo, ao abrigo do artº 311º-1 do CPP, foi proferida a decisão genérica de que “O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal.”
2º - A fls 66514, sem análise nem motivação, que não se impunham, foi proferida a seguinte decisão genérica: “9. Mantêm-se válidos os pressu(...)s processuais relativos ao tribunal, ao processo e aos sujeitos.”
3º - Esta decisão, relativamente aos crimes de abuso sexual do assistente AK, pelos quais o recorrente foi condenado, inclui a não caducidade do direito de queixa e a legitimidade do Ministério Público, tendo a caducidade e a ilegitimidade sido suscitadas nas alegações orais.
4º - O acórdão nº 2/95, de 16-5-95, (DR, 1ª série-A, de 12.6.95) referido pelo Tribunal a fls 66503, estabeleceu, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência: “A decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311º, nº 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final ser dela tomado conhecimento.”
5º - Na decisão genérica recorrida, o Tribunal, ao declarar que se mantêm válidos os pressu(...)s processuais relativos aos sujeitos, veio, ex officio, a tomar de novo conhecimento dessa legitimidade.
6º - A doutrina do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é aplicável à decisão recorrida, que também não tem o valor de caso julgado formal, podendo, em recurso, ser tomado conhecimento da caducidade do direito de queixa e da ilegitimidade do Ministério Público.
7º -  Como referido no douto acórdão recorrido, a fls 66504, “A fls 46, por despacho datado de 29/11/2002, dá-se a intervenção do Ministério Público, com a promoção do procedimento criminal e abertura de inquérito.
8º - Quanto ao assistente AK e ao recorrente, a intervenção do Ministério Público só ocorreu vários meses depois desse despacho.
9º - Como considerado provado a fls 66562, o assistente AK nasceu (…). Assim, completou 16 anos de idade em (…).
10º - Sem intervenção do Ministério Público, este assistente foi inquirido como testemunha em 7.2.2003 (fls 1219), quando estava a completar 16 anos e 3 meses de idade, e em (…)
11º - Só na 3ª inquirição, em (…) (fls 4234), 3 dia antes de completar 16 anos e meio, apresentou queixa contra o recorrente (fls 4241).
12º - Aderindo à doutrina que o Tribunal revela a fls 66506, o recorrente considera ser aqui aplicável o dis(...) no artº 178º do CP, na redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, por, atendendo à data da prática dos crimes, à idade que o assistente tinha nessa data e à data em que o Ministério Público deu início ao procedimento criminal, ser a versão mais favorável, a qual, por força do dis(...) no artº 4º-2 do CP e no artº 29º da Constituição deve prevalecer, “pois o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido, vale para todas as normas penais, materiais e processuais.”
13º - De acordo com essa norma, o procedimento criminal pelos crimes de abuso sexual de crianças depende de queixa, podendo o Ministério Público, no caso de menor de 16 anos, dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.
14º -  O artº 115º-1 do CP estabelece que o direito de queixa se extingue no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.
15º - No caso dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, é manifesto que o assistente AK teve conhecimento dos factos que o Tribunal deu como provados e da sua prática pelo recorrente na data em que foram praticados.
16º - Não pode acolher-se o entendimento (que o Tribunal revela acolher ao decidir que, nos casos em análise se mantêm os pressu(...)s processuais relativos ao processo e aos sujeitos), de que o referido prazo de seis meses começa a correr da data em que a vítima adquira capacidade para exercer o direito de queixa, independentemente da data em que o incapaz tomasse conhecimento da data do facto e dos seus autores.
17º - Tal entendimento não tem consagração expressa na lei, não abrindo o artº 115º-l do CP quaisquer excepções além das constantes da parte final do preceito, manifestamente inaplicáveis ao caso vertente.
18º - Há que considerar o princípio geral do ordenamento jurídico expresso no artº 9º-2 do Código Civil, que proíbe que seja considerado pelo intérprete o pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Manifestamente, nem a letra do preceito em referência nem o seu espírito contemplam minimamente o referido sentido interpretativo subjacente à decisão recorrida.
19º -. Sendo o assistente AK menor de 16 anos à data da prática e conhecimento dos factos, o direito de queixa pertencia às pessoas indicadas no artº 113º do CP, incluindo a sua mãe KKQ, identificada a fls 4404 e a sua irmã BX, identificada a fls 6378.
20º - O decurso do prazo de 6 meses referido no artº 115º-1 do CP determina a caducidade do direito de queixa quanto à generalidade dos crimes semi-públicos.
21º - Estando em causa os crimes previstos nas normas incriminadoras referidas no artº 178º do CP, entre as quais a que pune o abuso sexual de crianças, o procedimento criminal por tais crimes pode ser iniciado pelo Ministério Público, se forem praticados contra menor de 16 anos e se o seu interesse o impuser.
22º - Mas dar início ao procedimento criminal não pode dar lugar ao renascimento dum procedimento já extinto.
23º - Nem se pode confundir mera investigação com procedimento criminal, pois este implica a imputação de determinado crime a alguém.
24º - Como referido, resulta dos autos e dos factos considerados provados pelo Tribunal que os abusos sexuais do assistente AK pelos quais o recorrente foi condenado estão configurados como ocorridos entre 12.12.98 e Julho de l999, que o assistente, (…), completou 16 anos de idade em (…) e apresentou queixa contra o recorrente em 5.5.2003, depois de extinto o seu direito de queixa.
25º - No caso dos crimes referidos no artº 178º-l do CP. A inércia dos titulares do direito de queixa pode ser suprida pela iniciativa do Ministério Público, enquanto o ofendido ainda for menor de 16 anos.
26º - Mas, vincando a natureza semi-pública desses crimes, o legislador de 1998 alterou a redacção anterior do nº 2 do artº 178º - “se especiais razões de interesse público o impuserem” – e limitou a possibilidade de o MP dar início ao procedimento criminal, independentemente de queixa, aos casos em que “o interesse da vítima o impuser”, limitação que foi mantida na revisão de 2001.
27º Não há referência processual a factos de que resultasse esse impositivo interesse.
28º - Mas o Ministério Público transformou em regra a mera possibilidade limitada aos casos de imposição pelo interesse da vítima e iniciou o procedimento, sem curar de verificar e consignar processualmente tal imposição, agindo ilegalmente como se de crimes públicos se tratasse.
29º - Não curou de apurar o interesse concreto da alegada vítima, interesse que não podia estar determinado porque, quando foi iniciado o procedimento, nem sequer estavam determinados, relativamente aos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, os factos, o agente e a vítima.
30º - Como escreveu o Prof. Figueiredo Dias, a págs 553 do 1º volume do Comentário Conimbricense do Código Penal (parte especial), a “histeria” de massas contra abusos sexuais de crianças é tão ou (por vezes) mais responsável por perigos (ou danos) para o desenvolvimento harmonioso da personalidade da criança na esfera sexual do que os próprios agentes do crime.
31º - A substituição ou sobreposição excepcional aos titulares do direito de queixa só é admissível se ocorrer concreta e concretizada imposição pelo interesse da vítima, o que não foi verificado.
32º - 10. Impunha-se ao Tribunal que tivesse, ex officio, julgado verificada a ilegitimidade do Ministério Público relativamente aos crimes de abuso sexual do assistente AK, por aplicação dos artºs 113º, 115º e 178º do CP, normas que não aplicou e, por isso, violou, com postergação do princípio da legalidade consagrado no artº 29º-1 da Constituição.
33º - Até aos 16 anos ((…)), o assistente não exerceria directamente o direito de queixa, podendo a queixa ser apresentada pelos titulares desse direito ou podendo o Ministério Público iniciar o procedimento, se uns e outro conhecessem os factos através do assistente ou por outros meios.
34º - Tal não se verificou até o assistente ter completado 16 anos, mesmo que se considerasse que o Ministério Público promoveu o procedimento criminal em (…).
35º - Se, até aos 16 anos do assistente, os titulares do direito de queixa não o exerceram nem o Ministério Público deu início ao procedimento por imposição do seu interesse, cessaram os poderes de uns e outro.
36º - E o assistente, que, embora não titular do direito de queixa antes dos 16 anos, poderia levar os factos ao conhecimento de quem pudesse dar início ao procedimento, quando completou essa idade já não podia exercer esse direito por conhecer os factos há mais de 6 meses e o artº 115º-1 do CPP não excepcionar esta situação.
37º - Esta norma, na interpretação subjacente à não declaração oficiosa de caducidade do direito de queixa e de ilegitimidade do Ministério Público, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade consagrado no nº 1 do artº 29º da Constituição.
Inconstitucionalidade que se argui.
38º - O douto acórdão recorrido lembra (fls 67150) e relembra (fls 67152, 67157, 67704 e 67727) que o recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento, tendo no entanto requerido a leitura de declarações que prestara em inquérito perante o Senhor Juiz de Instrução.
39º - E acrescenta que, deferida e feita a leitura, declarou não pretender prestar qualquer esclarecimento.
40º - O Tribunal volta a relembrar, a fls 68086, no âmbito da determinação da medida da pena, que a postura do recorrente em julgamento “não foi colaborante”.
41º - Embora referindo que o silêncio do recorrente constitui o exercício de um direito legal, o lembrar e relembrar de tal atitude e sobretudo a consideração, no âmbito da determinação da medida da pena, que a sua postura em julgamento não foi colaborante, revelam que, na formação da sua convicção, o Tribunal deu relevância ao silêncio,
42º - Com violação da norma do artº 343º-1 do CPP, que estabelece que o silêncio do arguido não pode desfavorecê-lo.
43º - No entendimento do recorrente, o Tribunal interpretou e aplicou essa norma no sentido de que o exercício do direito ao silêncio não é inócuo, podendo globalmente desfavorecer o arguido. E devia ter sido interpretada e aplicada no sentido de que o silêncio é completamente inócuo, não podendo em nada desfavorecer o arguido .
44º - O direito ao silêncio constitui garantia de defesa, assegurada pelo artº 32º-1 da Constituição.
45º - A norma do artº 343º-1 do CPP, na interpretação e aplicação feitas pelo Tribunal, é inconstitucional, por violação dessa garantia. Inconstitucionalidade que se argui.
46º - Tendo exercido um direito, o recorrente absteve-se de, mesmo em alegações orais, procurar justificar a sua postura. Fá-lo agora, face ao revelado entendimento do Tribunal.
47º - Negando a prática dos factos imputados, as suas declarações em nada contribuiriam para o esclarecimento da verdade. Mas o recorrente quis deixar patente a sua posição perante esses factos.
48º - Para tal e não como meio de prova, trouxe à audiência de julgamento as partes das suas declarações consubstanciadoras da sua posição.
49º - Quis evitar declarações que concorreriam para um maior alarido mediático sobre a sua vida.
50º - O Tribunal refere, a fls 68087, a “alegada homossexualidade” do recorrente, fazendo-o num contexto revelador da total irrelevância dessa orientação sexual.
51º - Mas a histórica e ainda persistente e dominante homofobia fazia recear que, pelo menos por parte de um interveniente processual, lhe fossem feitas perguntas que propiciassem um maior acosso mediático.
52º - A fls 66950, o Tribunal lembra que “a fase do julgamento começou com uma história de dois anos de “julgamento” e “comentário” na opinião pública.” É público e notório que tais julgamento e comentário se mantiveram e, por vezes, até se acirraram, durante os mais de cinco anos de audiência de julgamento.
53º - Estando indiciado na pronúncia (fls 20874) que o co-arguido K conhecia também o recorrente desde, pelo menos, o início dos anos 90, o Tribunal decidiu que, da prova produzida e da discussão da causa resultou provado o seguinte facto (fls 66517): “100.4. O arguido K conhecia o arguido E.”
54º - A decisão condenatória não respeita a nenhum facto com intervenção ou relação com o co-arguido K.
55º - Por isso e usando a expressão do Tribunal a fls 66515, o referido facto é inócuo, irrelevante para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do recorrente
56º - Mas porque o recorrente declarou ao Senhor Juiz de Instrução na fase de inquérito, declarações que foram lidas em audiência de julgamento, que não conhecia nenhum dos assistentes nem nenhum dos co-arguidos, excepto conhecimento isolado, longínquo, esporádico e de âmbito profissional do co-arguido H, o que reiterou em alegações finais e em alegações complementares, o recorrente entende ser pertinente demonstrar sucintamente e em consonância com o que alegou oralmente, que, ao contrário do decidido, o co-arguido K não o conhecia.
57º - Tendo a certeza de que não tinha tido nenhum contacto com os co-arguidos ou com os assistentes, o próprio recorrente, no requerimento de abertura de instrução, requereu que fosse oficiado à TMN informação das chamadas telefónicas de e para número (…) do telefone que lhe estava atribuído, nos fins de semana dos meses de Novembro de 1999 e todos do ano 2000 (fls 16280), período em que na acusação era imputada ao recorrente a prática de crimes.
58º - No envelope 25 do apenso V encontram-se as chamadas efectuadas por este número. A sua análise, até depois das alegações, não revelou qualquer chamada para co-arguidos ou assistentes do processo.
59º - Da agenda do telemóvel apreendido ao recorrente e impressa a fls 5201, também não consta o nome de nenhum co-arguido nem de nenhum assistente.
60º - O mesmo acontece no relatório do exame pericial ao computador apreendido ao recorrente, constante de seis volumes do apenso BO, onde não aparece qualquer referência a co-arguidos ou assistentes, designadamente na parte que contém os endereços electrónicos.
61º - No âmbito da motivação e análise crítica da prova, afirma-se no acórdão (fls 67153) que o recorrente “trouxe ao Tribunal duas testemunhas que depuseram sobre relacionamentos tidos com o arguido, nomeadamente as testemunhas OM e CCD” as quais, “ouvidas na audiência, foram relevantes para a convicção do Tribunal de que estes dois arguidos se conheciam” (fls 67154).
62º - Dos depoimentos destas testemunhas, que não foi o recorrente que trouxe ao Tribunal, pois foram aditadas pelo Ministério Público, a fls 25507, ao rol da acusação, não resulta o conhecimento dado como provado.
63º - Quanto à testemunha CCD, o acórdão apenas refere (fls 67157) que “declarou ter tido um relacionamento com o arguido E e K, mas disse ao Tribunal que não se apercebeu que os dois co-arguidos se conhecessem.”
64º - Pelo que, pelo depoimento desta testemunha, a convicção do Tribunal deveria ter sido precisamente no sentido contrário.
65º - De fls 67157 a fls 67158, o acórdão faz a análise das chamadas feitas e recebidas pelo recorrente para e de OM, bem como de e para o co-arguido Dr. K e chega à conclusão (fls 67161 in fine e fls 67162) que: “Do que antecede resulta, para o tribunal, que durante o ano de 2001 quer o arguido E, quer o arguido K, contactavam, com coincidência de meses – portanto ao mesmo tempo -, com a testemunha OM e este contactava os arguidos, no sentido das declarações que prestou ao tribunal.”
66º - O Tribunal reconhece, a fls 67162, que “O que antecede, só por si, não permite, para o tribunal, concluir pelo conhecimento entre o arguido E e o arguido K.” E continua adversativamente: “Mas cria a possibilidade desse conhecimento ocorrer.”
67º - O recorrente não questiona essa possibilidade, a qual se verificaria independentemente de qualquer prova, testemunhal, documental ou outra
68º - Mesmo o juízo de probabilidade não tem apoio seguro na prova produzida.
69º - Como o Tribunal refere, CCD depôs que não se apercebeu que os dois arguidos se conhecessem. E, quanto a OM, não é referido, nem houve, nenhum depoimento de que resulte esse conhecimento.
70º - No douto acórdão recorrido afirma-se a seguir (ainda fls 67162) que “No entanto, valorado face a um outro elemento – e que é a existência de registo de chamadas telefónicas do arguido E, para o número da (...) do arguido K, associado ao depoimento da testemunha WQ – o Tribunal acabou por concluir que estes arguidos conheciam-se.”
71º - Conclusão que a prova produzida não consente.
72º - Quanto à existência do registo de chamadas telefónicas, entre os números do recorrente e o da (...) de K, resulta do constatado pelo Tribunal a fls 67163 e 67164, que estão registadas quatro chamadas no dia 9 de Abril de 2001. A primeira, da (...) – (…) – às 16h02m com a duração de 0 minutos. A segunda, às 16h 24m, do telefone do recorrente – (…) -, para o número que lhe tinha ligado, com a duração de 1 minuto e 76 segundos. A terceira e a quarta, feitas da (...) às 18h 06m, com a duração de 1minuto e 14 segundos e às 18h 47m, com a duração de 48 segundos.
73º - Estes analisados elementos de tráfego telefónico, constituiriam indício de que K e E poderiam ter tido contactos telefónicos na tarde do dia 9 de Abril de 2001.
74º - Indício, mas não prova. E indício irrelevante ou de reduzida relevância, porque reportado a data posterior ao período dos factos imputados.
75º - Este indício é afastado por contra-indícios que se lhe sobrepõem e resultam dos registos de tráfego carreados para o processo.
76º - Entre milhares de ligações telefónicas dos números em causa, estão referenciados contactos apenas numa tarde, não sendo plausível que, se houvesse contactos entre os arguidos, as suas ligações telefónicas se teriam restringido às referenciadas.
77º - O recorrente sempre teve a certeza de que não tinha feito nem recebido chamadas do Sr. Dr. K. Sem essa certeza não teria requerido, como requereu em instrução, que fosse pedida à operadora informação das chamadas telefónicas de e para o seu referenciado telefone.
78º - O recorrente não tem explicação directa para os contactos entre os dois telefones. Poderão ser muitas as hipotéticas explicações. Uma das mais plausíveis será que as chamadas tivessem sido feitas por alguém relacionado com um dos arguidos ou com os dois e que, por isso ou por qualquer outro motivo, tivesse acesso à utilização dos telefones. Um desses possíveis alguém poderia ser a referida testemunha OM.
79º - Quanto à sua relevância, não resulta das ligações telefónicas referidas que esteja provado que E e K falaram um com o outro por telefone.
80º - Quanto à testemunha WQ, o acórdão refere a fls 67163: “E se embora tal depoimento, só por si, pudesse não ser suficiente para a convicção do Tribunal (...) o Tribunal valorou o depoimento da testemunha como credível e verídico.”
81º - Esta testemunha foi inquirida na sessão de 19 de Maio de 2006 e, como é referido no acórdão a fls 67162/3 “disse ao Tribunal ter sido empregada doméstica do arguido K .(..). E disse ao Tribunal, de forma que avaliando globalmente o seu depoimento foi segura, que viu um dia o arguido E à hora do almoço, em casa do arguido K (...) E disse que não foi só esta vez que o viu ir a casa do seu patrão.”
82º - E, como o Tribunal afirma também a fls 67163 “... Disse que soube o nome do arguido E quando o viu na televisão, por causa destes factos e foi aí que associou a pessoa que vira ao que passava na comunicação social.”
83º - A pessoa que a testemunha refere ter visto tanto podia ser E, como outra pessoa qualquer com características físicas semelhantes.
84º - Decorre dos seus depoimentos acima transcritos, prestados na sessão de 19.5.2006 e gravados (acta de fls 36367, CD (2ª faixa do CD 2 e 1ª faixa do CD 3) de 9m10s a 10m12s, de 11m02s a 11m22s e de 14m06s ae 17m41s da 2ª faixa do CD 2, que viu o “visitante” da casa do Dr. K por brevíssimos momentos e só “se lembrou” do recorrente meses depois de o mesmo ter aparecido na televisão.
85º - E dos seus depoimentos prestados na mesma sessão, gravados (de 3m13s a 5m43s da faixa 1 do CD3) e acima transcritos, decorre que identificou o recorrente na fotografia nº 36 de fls 4471, que lhe foi exibida.
86º - Ora, a pessoa que a testemunha WQ indicou nessa fotografia nº 36 como sendo E, era o falecido KKR, conforme declarado pela testemunha PK, sacerdote franciscano, na sessão de 9.3.2007 – DVD dos 0 aos 8 minutos, fls 44613.
87º - Daqui decorre que não ficou provado, com o mínimo de segurança, que a pessoa que a testemunha WQ disse ter visitado a casa de K era E.
88º - Como demonstrado com algum desenvolvimento, por este conhecimento ter sido considerado provado, da prova produzida não resulta a segurança indispensável ao juízo de certeza judiciária. E nem, nas expressões do douto acórdão recorrido a fls 66955, “um forte grau de probabilidade”, resultante de “prova para além de qualquer dúvida razoável”.
89º - Assim e contrariamente ao decidido a fls 66517, deve ser considerado não provado que o arguido K conhecia o arguido E.
Especificando.
90º - Concreto ponto de facto que o recorrente considera incorretamente julgado: A fls 66517, “100.4. O arguido K conhecia o arguido E.”
91º - Concretas provas que impõem decisão diversa:
Envelope 25 do apenso V – listagens telefónicas;
Agenda de telemóvel impressa a fls 5201;
Apenso BO – exame pericial ao computador apreendido ao recorrente;
Depoimentos da testemunha WQ, prestados na sessão de 19.5.96, gravados (acta de fls 36367) de 9m10s a 1012s, de 11m2s a 11m22s e de 14m6sa 17m41s da 2ª faixa do CD 2 e de 3m13s a 5m43s da faixa 1 do CD3 e acima transcritos em III, 7, b);
Depoimento da testemunha PK, prestado na sessão de 9.3.2007 e gravado (fls 44613) dos 0 aos 8 minutos do DVD.
92º - Acolhendo o entendimento do Tribunal quanto à inocuidade e considerando o que foi dado como não provado a fls 66642 (nºs 17 e 18.1) e a fls 66642 (nºs 18.4, 18.5, 18.6, 18.7, 18.9, 18.10 e 18.11), o recorrente abstém-se de se pronunciar sobre o seu real desconhecimento dos outros co-arguidos e dos assistentes.
93º - O recorrente foi, pelas alterações feitas na pronúncia e pelas alterações comunicadas pelo Tribunal, enredado numa sucessiva teia de imputações indiciárias, acima referidas e contextualizadas na sequência processual (cap. IV da motivação).
94º - Síntese da imputação indiciária relativa aos factos pelos quais o recorrente foi condenado, nas suas componentes espacial e temporal, constantes da acusação, da pronúncia e das alterações na fase de julgamento e ainda do requerimento de alterações pelo Ministério Público na fase de julgamento:
1º crime imputado:
Componente espacial:
a) Em 29.12.2003 (acusação): (…)º (…)º do nº (…) da (...) (…);
b) Em 1.6.2004 (pronúncia): prédio nº (…) dessa (...);
c) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): (...) (…);
d) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): lateral dessa (...) onde se situam os números ímpares
Componente temporal:
a) Em 29.12.2003 (acusação) e 1.6.2004 (pronúncia): data em concreto não apurada de Novembro de 1999;
b) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): entre o princípio de Novembro de 2009 e o final de Janeiro de 2000;
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): entre 12.12.1998 e Janeiro de 1999 (inclusive);
2º crime imputado:
Componente espacial:
a) Em 29.12.2003 (acusação): (…)º (…)º do nº (…) da av. (…);
b) Em 1.6.2004 (pronúncia): (...) (…);
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): av. (…), perto da zona da (…);
Componente temporal:
a) Em 29.12.2003 (acusação e pronúncia): dia em concreto não apurado do mês de Junho de 2000;
b) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): Junho ou Julho de 2000;
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): entre Abril e Julho de 1999.
3º crime imputado:
Componente temporal:
a) Em 29.12.2003 (acusação), e 1.6.2004 (pronúncia): Junho de 2000;
b) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): Junho ou Julho de 2000;
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): período das férias escolares do Verão de 1999.
95º - Com estas alterações, na sequência da prova promovida pelo recorrente em instrução e em audiência de julgamento, foi subvertido o instituto das alterações indiciárias, como se da demonstração da prova da não verificação dos factos indiciados não devesse resultar a irrelevância desses factos, por não provados. As sucessivas alterações negam ou dificultam inadmissivelmente as possibilidades de defesa.
96º - Foram inter(...)s recursos quanto às alterações comunicadas pelo Tribunal, recursos que estão retidos e mantêm interesse.
97º - O douto acórdão recorrido patenteia os critérios do Tribunal na apreciação da prova produzida, dos quais resulta o repetido apelo à imediação, “ao como foi dito”, postergando as contradições do assistente AK e a incongruência das suas declarações face às regras da experiência a que o artº 127º do CPP manda atender na livre apreciação da prova e não apenas, nem sobretudo à livre convicção.
98º - A fls 66952 e 66953, o Tribunal considera que a imediação, “aspecto essencial na avaliação e ponderação dos depoimentos ou testemunhos” foi conseguida apesar de salas de audiências “com condições difíceis de audição, quando estava em causa depoimentos que eram prestados com um tom de voz mais baixo, tendo sido necessário várias vezes “dizer aos declarantes ou testemunhas para falarem um pouco mais alto” e para repetir “porque não se ouve o que diz”. E esclarece que “Não esteve em causa, nem está, que o Tribunal ou qualquer sujeito processual tenha ficado sem ouvir o que foi dito, pois quando o Tribunal ou qualquer Sujeito não percebeu claramente a resposta dada, o Tribunal pediu de novo a resposta.”
99º - Mas acrescenta, sem razão e num contexto que poderá propender para afastar a reapreciação de declarações e depoimentos gravados, com postergação ou extrema limitação do recurso em matéria de facto:
“No entanto, ouvindo as gravações há vicissitudes da audição ou cambiantes da audição que não são perceptíveis, dando mesmo, por vezes, uma noção errada da forma como foi prestado o depoimento.”
100º - E acrescenta também: “Parece que os Assistentes falaram alto e claro quando respondiam ao tribunal, quando, em algumas das vezes, na sala falavam “baixinho”, por vezes respondiam quase em surdina, isto é, com uma voz que, devido à inclinação da cabeça, ia mais para o peito do que para a sala.”
101º - E ainda: “pela audição da gravação perde-se, por vezes, a real apreensão do “como foi dito”, pois ressalta uma noção de “audibilidade e clareza” que, por vezes, corresponde a uma percepção e noção distorcida quanto ao “como foi dito”.”
102º - É manifesto que não é assim.
103º - Em condições acústicas deficientes e/ou com ouvintes afastados e/ou não colocados frente ao falante, a gravação fidedigna (e não há vislumbres de que tenha sido manipulada) capta e reproduz o que foi dito e como foi dito em muito melhores condições do que o percepcionado pelos ouvintes. A gravação não amplifica nem reduz o som. Capta-o e reprodu-lo nas exactas condições em que foi emitido, tal como seria percepcionado por um ouvinte colocado imediatamente em frente do falante.
104º - O Tribunal refere a fls 67704 que o assistente “prestou declarações durante dois dias e foi sujeito a um interrogatório cerrado, a perguntas muito minuciosas, a esclarecimentos sucessivos de subdivisão do facto.”, repetindo a fls 67729 que “foi sujeito a um contraditório efectivamente minucioso e difícil.”
105º - As declarações do assistente foram prestadas na manhã e na tarde de 28.10.2005, durante 3h34m (fls 34868, 34871, 34874, 34875, 34876 e 34878)  e na manhã de 2.11.2005, durante 1h25m (fls 34941, 34950 e 34951), no total de 5 horas.
106º - A gravação revela, nas 5 horas de declarações do assistente, um discurso muito pausado, sem fluência, sem espontaneidade, reticente, parecendo estar sempre a acautelar o que ia dizer, cautela que nem sempre resultou, com frequentes deslizes, corrigidos como enganos, designadamente nas referências a DU, corrigidas, quando advertido, para E. E é persistente o refúgio no “não me recordo” quando é surpreendido por perguntas para as quais não encontra resposta, apesar das pausas de ponderação.
107º - No entanto, quando as suas declarações se reportam a assuntos não directamente relacionados com as imputações feitas ao recorrente, a situações que realmente conhece, o seu discurso revela-se muito mais fluente e espontâneo, o que acontece, por exemplo, quando fala da morte do pai, quando relata a diligência de reconhecimento de locais em (…), quando descreve o passeio que ladeia a (…), quando fala sobre a Srª Drª BP ou sobre a educadora XH.
O recorrente ainda está impedido de, no exercício de todas as garantias de defesa, poder confrontar a rigidez das declarações do assistente em audiência com a eventual espontaneidade e fluidez do seu discurso na informalidade da entrevista com o jornalista Sr. BO, de cuja gravação requereu a audição, indeferida por despacho de que foi inter(...) recurso, que está retido e cujo interesse se mantém.
108º - A fls 67710, o acórdão refere que “para o tribunal as declarações do assistente foram globalmente consistentes, pois fez uma narração espontânea quer quanto à sequência, quer quanto ao  local e tempo que duraram.” A fls 67720, refere que o assistente “Para o Tribunal teve emotividade, ressonância, de um sofrimento efectivamente tido.” E a fls 67729 refere  que “fez um relato dos actos de abuso com, para o Tribunal, coerência e consistência intrínseca com as explicações que foi dando aos esclarecimentos que lhe eram pedidos.”, que “Transmitiu dinâmica de quem relata não um qualquer acto de abuso sofrido (...), mas um abuso ocorrido naquele lugar que descreve e com aquela pessoa.”. Refere ainda o acórdão: “E a emoção que aparentava à medida que foi falando, a forma como o assistente depôs, aparentando em algumas alturas dificuldade por estar a falar nestes factos (...) teve correspondência e consistência intrínseca com a declaração de um abuso vivido e daquele abuso concretamente vivido.”
109º - Resulta do que fica transcrito que o Tribunal sacralizou a afirmação dos factos pelo assistente acusador, relevando o positivo e desvalorizando ou esquecendo o negativo, deixando fechadas as portas para a possibilidade de recurso em matéria de facto.
110º - Mas essas portas não estão fechadas nem poderiam estar fechadas. Tal fechamento não é permitido pela lei processual interpretada de acordo com os ditames constitucionais.
111º - As gravações das declarações do assistente não permitem aferir os seus gestos e as suas expressões faciais, as quais, decorridos mais de 4 anos desde que foram prestadas até ao encerramento da audiência, dificilmente persistiriam na memória dos julgadores, mesmo auxiliada por notas que tenham tomado.
112º - Mas, repete-se, as gravações permitem aferir, melhor do que na percepção da audição directa, o que foi dito e como foi dito.
113º - Permitem objectividade para além da mera impressão.
114º - A fls 66954 e 66955, o Tribunal enuncia que “No nosso sistema vigora o princípio da livre apreciação da prova, o qual se encontra consagrado no artº 127º do C.P.P.
115º - O Tribunal parece adoptar, em teoria, o padrão da «prova para além de qualquer dúvida razoável» (fls 66955) o que reforça citando Figueiredo Dias e Cavaleiro de Ferreira, nos termos acima transcritos (ponto 7 do cap. V da motivação).
116º - Mas, como resulta da forma como aplicou o artº 127º do CPP e a seguir se demonstra, não acolheu essas doutrinas e interpretou esta norma relativa à livre apreciação da prova com sobrevalorização da livre convicção e subvalorização das regras de experiência, com sobrevalorização das provas positivas e subvalorização ou mesmo esquecimento das provas negativas, com prevalência da imediação e consequente dificultação do recurso em matéria de facto. Interpretou esta norma como se, nos crimes de abuso sexual, a presunção de inocência fosse substituída pela presunção de culpa.
117º - Chega a parecer que se confundiu a livre apreciação da prova com a mera impressão gerada pelos diversos meios de prova, confusão que, conforme anotação de Maia Gonçalves ao artº 127º do CPP, acima transcrita (ponto 7 cap. V da motivação), não é admissível.
118º - Esta norma processual, na real interpretação feita pelo Tribunal, é inconstitucional, por violação das garantias de defesa, incluindo o recurso, e da presunção de inocência, estabelecidas nos nºs 1 e 2 do artº 32º da Constituição.
119º - Inconstitucionalidade que se argui.
120º - A fls 66950, o Tribunal afirma que este processo chocou a sociedade pela realidade humana e que a fase de julgamento começou com uma história de dois anos de “julgamento” e “comentário” na opinião pública. Esta constatação impõe maior procura da objectividade e maior cautela com a subjectividade, com a mera impressão, para evitar o contágio pelo “choque” e pelo “julgamento” e “comentário” na opinião pública.
121º - O douto acórdão recorrido não ponderou devidamente as contradições que se detectam nas declarações do assistente AK e no depoimento de sua irmã BX, que foram os elementos fundamentais para a condenação do recorrente:
122º - As declarações do Sr. AK foram apresentadas de forma pausada, ponderada, medida, controlada.
123º - Mas por vezes distraiu-se e, quando o discurso foi algo mais espontâneo e fluente referiu os episódios como ocorridos com um tal DU, afirmando que se enganou ao aperceber-se da espontaneidade ou ao ser-lhe notada a incoerência com o restante discurso (conforme transcrições das declarações do assistente AK no ponto 1.a) do cap. VI da motivação).
124º - Os factos imputados poderão não ser completa invenção, podendo ter havido transferência para o recorrente de factos ocorridos com outrem, noutros locais, com automóveis não pertencentes ao arguido nem utilizados por ele.
125º - Resulta das regras da experiência, que é muito pouco provável que uma pessoa abusada se engane no nome do abusador, substituindo-o por outro!
126º - No relatório do exame (...)-legal de natureza sexual constante de fls 57 a 63 do vol. 1 do apenso CG, realizado pelo perito (...) Sr. Prof. Doutor BR ao assistente AK, é referido no ponto 1ª das Conclusões – fls 63 do apenso e 7 do relatório – “apresenta sinais a nível do ânus compatíveis com a prática repetida de coito anal.” 
  127º - Resulta do depoimento do Sr. Prof. BR, acima transcrito (VI, 1, b) que a prática das três relações anais referidas pelo assistente em 99 ou 2000, não poderiam levar à conclusão a que a análise ao ânus do assistente chegou.
 128º - Não sabemos quantas relações anais o assistente teve, mas terão que ter sido ao nível das dezenas. E o assistente omitiu-as, pelo que o seu depoimento fica fortemente abalado.
129º - O assistente AK identificou como veículos pertencentes ao Sr. DU, um veículo (…) marca (…) e ao recorrente um carro cor (…) vidros (…) marca (…) (transcrição das suas declarações na al. c) do nº 1 do cap. VI).
130º - Da certidão do acórdão proferido no processo nº 1815/97.0TA(…), do 3º Juízo Criminal (…), em que foi arguido entre outros DU, no último parágrafo certificado de fls 62552 a fls 62553, consta como provado que “Habitualmente, o arguido DU ia buscar o AP no seu veiculo automóvel de marca (…) …”
131º - Assim, o assistente AK demonstra conhecer o veículo automóvel do Sr. DU.
132º - Já quanto ao veículo marca (…), apesar de ter sido ordenado a fls 4325 o apuramento de todas as viaturas em nome do recorrente, não se provou que o recorrente tenha sido proprietário ou usuário de automóvel dessa marca.
133º - Naturalmente que o assistente poderá ter tido trato sexual com proprietário ou utilizador de automóvel dessa marca e ter feito a transferência para o arguido.
134º - Quanto ao depoimento da irmã do assistente BX, a que o tribunal atribuiu muita relevância, para credibilizar as declarações do assistente, resulta da análise do seu depoimento conjugado com o do irmão, e das transcrições das suas declarações que constam das al.s a), b), c) e d) do nº 2 do cap. VI da motivação do recurso, que é um depoimento cheio de contradições e falta de objectividade, errando o Tribunal ao considerá-lo um “depoimento objectivo e verídico”, sendo “um elemento que concorreu, de forma relevante, para a convicção do Tribunal quanto à credibilidade e veracidade do que AK disse ao tribunal”, havendo um erro notório na apreciação da prova.
135º- Especificam-se os segmentos da matéria de facto que se consideram incorrectamente julgados e que constam de fls 66563 a 66566 do douto acórdão recorrido:
a) “105.9. “ o arguido E, conduzindo um veículo automóvel, passou por aquela zona, abordando o CC a quem convidou para que fosse a sua casa com os irmãos.”
b) “105.10. O arguido E já conhecia o CC e o BY, estando a par das precárias condições económicas da família”.
c) “105.11. Em data não concretamente apurada, numa sexta feira ou num sábado à noite, situado entre 12/12/98 e Janeiro de 1999, inclusive, tinha o AK completado 12 anos de idade, foi, com os seus irmãos, com o arguido E e com um indivíduo de nome DU, jantar a um restaurante chinês localizado em (…).”
d) “105.12. Terminado o jantar o arguido E foi com DU, com o AK e os irmãos deste BY e CC, para um andar situado num prédio localizado na (...) (…), em (…), com número de porta não concretamente apurado, mas localizado na lateral da (...) (…), onde se situam os números (…).”
e) “105.13 No interior desta o arguido E dirigiu-se ao AK e disse-lhe para o acompanhar a um quarto pois “tinha uma coisa que lhe queria mostrar”, que os seus irmãos já tinham visto.”
f) “105.14. Já nesse quarto sentou-se na cama junto do AK e começou a acariciar-lhe os ombros, costas e pernas.
Depois, o arguido E empurrou a cabeça do menor na direcção da sua braguilha.”
g) “105.15. O arguido E disse a AK que podia ajudar a sua mãe.”
h) “105.16. Enquanto falava, o arguido E, abriu a braguilha e segurou novamente a cabeça do AK na direcção desta, tendo introduzido, de seguida, o seu pénis na boca do menor.”
i) “105.17. Depois o arguido baixou as calças, disse ao menor para baixar as dele, virou o AK de costas para si e o arguido introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor.”
j). “105.18. Após tais actos, o menor regressou a casa na companhia dos irmãos.”
k). “105.19. Em dia não concretamente apurado, mas situado entre Abril e Julho de 1999, a uma sexta-feira, o AK foi, na companhia dos irmãos, a uma casa sita na Av. (…), em (…), perto da zona da (…), local onde o arguido E se encontrava quando o AK aí foi.” 
l). “105.20. No interior dessa casa, encontravam-se quatro adultos do sexo masculino, sendo um o arguido E e outro o DUs que o AK já tinha visto nas circunstâncias acima referidas”
m) “105.21. O arguido E foi com o AK para um quarto, sentaram-se na cama, tendo aquele começado logo a mexer no pénis do menor.
Depois o arguido abriu a braguilha das calças do menor, retirou-lhe o pénis para fora e manipulou-lho, masturbando-o.
Simultaneamente, o arguido E retirou também o seu pénis para fora e disse ao AK que lho manipulasse, o que este fez.”
n) “105.22. De seguida, o arguido E e o AK despiram-se da cintura para baixo e o arguido introduziu o pénis do menor na sua boca, chupando-o.
Também, o arguido E introduziu o seu pénis na boca do menor, tendo-o este chupado.”
o)  “105.23. Depois, o arguido E virou o AK de costas para si, dobrou-o para a frente e introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado.”
p) “105.24. Após a prática de tais actos, o menor abandonou aquela casa na companhia dos irmãos.”
q) “105.25. Em dia não concretamente apurado, mas situado no período de férias escolares do Verão de 1999, quando o menor AK se dirigia à estação de comboios para ir visitar o seu avô a (…), foi abordado pelo arguido E, que passava pelo local, de carro.
O arguido E disse ao AK que lhe dava boleia tendo o menor acedido.”
r) “105.26. O arguido E disse ao AK que lhe dava boleia tendo o menor acedido, tendo acompanhado este a uma (...) sita em (…).”
s) “105.27. No interior da residência estavam vários adultos, de identidade não apurada e, pelo menos, quatro menores, alguns deles seus colegas na AX.”
t) “105.28. Aí o menor AK foi abordado por um indivíduo de identidade não apurada, que o levou para um quarto onde manipulou o pénis do menor e o referido indivíduo introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado.”
u) “105.29. O arguido E, após a prática dos descritos actos, deu ao menor AK dinheiro em quantia não concretamente apurada e conduziu-o até à estação de comboios de (…).”
v) “105.30. O arguido E sabia que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.”       
136º - Especificação das provas que impunham decisão diversa da recorrida:
- As declarações prestadas pelo Assistente AK nas audiências de julgamento de 28.10.2005 - acta de fls 34871 gravadas em DVD (DVD 1 dos 0 minutos aos 55 minutos), (DVD 1 dos 55m à 1hora e 54 minutos), fls 34874 gravadas em DVD (DVD 1 de 1 hora e 55 minutos às 2horas e 1 minutos), fls 34875 gravadas em DVD (DVD 1 das 2 horas e 1 minuto às 2 horas e 38 minutos), fls 34876 gravadas em DVD (DVD 1 das 2 horas e 38 minutos às 2 horas e 55 minutos) - e de 2.11.2005, acta de fls 34950 gravadas em DVD (DVD 1 dos 0 minutos aos 56 minutos) e fls 34951 gravadas em DVD (DVD 1 dos 56 minutos à 1 hora e 25 minutos);
- As declarações do recorrente prestadas perante o Senhor Juiz de Instrução em 19.12.2003, e lidas na sessão de julgamento de 15.10.1008;
- As declarações da testemunha BO, na sessão de julgamento de 8 de Novembro de 2006, acta de fls 41172 e 41173, gravadas em CD (5ª faixa do CD2 e 1ª faixa do CD3);
- O depoimento da testemunha BX, na sessão de julgamento de 17.7.2006, acta de fls 39265, que se encontram gravadas na 2ª faixa do CD1;
- As declarações da testemunha CF, na sessão de julgamento de 22 de Maio de 2006, acta de fls 38850, gravadas em CD (2ª e 3ª faixa do CD2 e 1ª e 2ª faixa do CD 3); na sessão de julgamento 28.6.2006 - acta de fls 38950, CD (1ª faixa do CD 1 e 1ª faixa do CD 2) e na sessão de  6.11.2007,  acta de fls 49081, DVD dos 0 aos 17 minutos;
- As declarações da testemunha BZ, na sessão de julgamento de 6.11.2007, acta de fls 49082, DVD dos 17 aos 33 minutos;
- As declarações da testemunha VM, na sessão de julgamento de 31 de Maio de 2006, acta de fls 38627, CD (2ª faixa do CD1 e 1ª faixa do CD2);
- As declarações da testemunha XA, na sessão de julgamento de 10.01.2007, acta de fls 42783, 4ª e 5ª faixa do CD 1;
 - As declarações da testemunha CCD, na sessão de 20.7.2006, acta de fls 39313/4, gravadas em CD (3ª faixa do CD 2) e fls 39317 gravadas em CD (1ª faixa do CD 3),
 - As declarações da testemunha LB, ouvida em 23.7.2007, acta de fls 47146, gravada em DVD dos 11 aos 26m;
 - O auto de reconhecimento de fls 4304;
 - Apenso V, envelope 25 – STAIC;
 - Fls 17246 dos autos;
 - Fls 215 do apenso ABA-R;
 - fls 59 do apenso CC;
 137º - O Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes do ponto 105.9, que deveriam ter sido dados como não provados. Baseou-se apenas nas declarações do assistente para dar como provados estes factos, não tendo feito qualquer referência ao depoimento da testemunha BO que referiu que AK lhe disse que não conhecia o recorrente. Porém, mesmo só das declarações do assistente, resulta que não consegue assegurar com certeza que a pessoa que se transportava num carro (…) era E e em momento algum refere que essa pessoa abordou o CC convidando-o para que fosse a sua casa com os irmãos.
138º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 1.1. a 1.4. do cap. VIII da motivação do recurso.
139º - O Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes do ponto 105.10. Não resulta das declarações do assistente AK que o recorrente conhecesse nessa altura qualquer um dos seus irmãos.
140º - O recorrente nas suas declarações prestadas perante o Senhor Juiz de Instrução em 19.12.2003, e lidas na sessão de julgamento de 15.10.1008 (acta de fls 60392) consta a fls 13027: … refere que efectivamente manteve um contacto de índole sexual com um indivíduo com cerca de 18/19 anos (em 1999) de nome BY…”.
141º - O recorrente sob a tensão do interrogatório, referiu ter conhecido em BY em 1999, mas constatou posteriormente que esse conhecimento foi em 2000.
142º - Por isso, nas suas alegações remeteu para as chamadas telefónicas, para demonstrar que só conheceu BY em Maio de 2000.
143º - Da análise das listagens de telefonemas constantes do apenso V, envelope 25, só há registo de chamadas de E (nº (…)) para BY (nº (…)) ou deste para aquele a partir de Maio de 2000, havendo inclusivamente a fls 215 do apenso ABA-R, o carregamento do telemóvel do BY efectuado por E no dia 8 de Maio de 2000.
144º - Só havendo chamadas a partir de Maio de 2000, e uma vez que o BY já tinha aquele número de telemóvel desde 29.10.99, conforme informação constante de fls 17246, é muito reduzida a probabilidade de o conhecimento entre ambos ser anterior.
145º - Mas o Tribunal entendeu (fls 67725) que tal facto não exclui “a possibilidade de os contactos terem ocorrido em alturas anteriores. Isto porque a data de activação do telefone do BY é de 29/10/99 (BY, (...) (…), (…), (…)º (…), (…)), de 29/10/02 a 31/07/03 o número associado a produto vitamina sem identificação de titular, o que pode ter sido na posse do BY ou não …”
146º - Mas o que importa, não é a data a partir da qual passou a estar associado a um produto vitamina, mas a data em que o BY foi titular desse número. E essa data foi 29.10.99. E entre 29.10.99 e Maio de 2000, não há qualquer contacto entre o recorrente e BY, o que, pelas regras da experiência, aponta fortemente para que só se tivessem conhecido em Maio de 2000.
147º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 2.1.e 2.2 do cap. VIII da motivação do recurso.
148º - Não decorre das declarações do assistente nem de nenhuma outra prova que o recorrente já conhecesse CC e BY, pelo que o Tribunal errou ao considerar provados esses factos.
149º - O Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes do ponto “105.11”.
150º - Quanto à componente temporal: Resulta das declarações do assistente que os factos ocorreram depois do pai ter falecido e depois de lhe ter sido oferecido um blusão de penas por altura dos anos, já depois do pai ter falecido. De acordo com documentação que consta dos autos, o pai faleceu em Dezembro de 1998, e o assistente AK faz anos em Novembro. Logo, se o blusão de penas foi oferecido no aniversário do assistente em Novembro, depois da morte do pai (só pode ter sido no aniversário de 1999). Resulta também das suas declarações que o episódio da (...) (…) foi posterior à oferta do blusão de penas e da morte do pai, assim, os factos não poderiam ter ocorrido entre 12.12.98 e Janeiro de 99.
151º - E a testemunha BX também localiza temporalmente os factos no Verão de 1999.
Os segmentos concretos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 3.2, 3.4 e 3.5 do cap. VIII da motivação.
152º - O Tribunal errou ao dar como provado que os factos tivessem ocorrido entre 12.12.98 e Janeiro de 1999.
153º - Ao contrário do que se passa na maior parte das vezes no âmbito dos crimes de natureza sexual, em que apenas estão presentes abusador e ofendido, nos dois crimes de abuso sexual relativamente aos quais o recorrente foi condenado, ficou provada a intervenção de pelo menos mais três pessoas – dois irmãos do assistente (BY e CC) e DU.
154º - Só um dos intervenientes – CC - foi arrolado como prova da acusação e nem esse, apesar de notificado mais do que uma vez, foi inquirido em tribunal.
155º - O recorrente declarou perante o Senhor Juiz de Instrução (fls 13026) que “não conhece em Portugal nenhum indivíduo de nome DU…”
156º - Para além das declarações do assistente, não há nenhuma testemunha, não há nenhum documento, que prove que E e DU se conhecessem. Os inspectores CF e BZ reconheceram que não foram feitas quaisquer diligências para apurar o eventual reconhecimento entre os dois (transcrições das suas declarações nos nºs 3.9, 3.10 e 3.11 do cap. VIII da motivação).
157º - A acusação não provou que o recorrente e DU se conhecessem, e não seria ao recorrente que lhe competiria provar que não se conheciam.
Quanto ao conhecimento do recorrente com o BY, reproduz-se o alegado nos artºs 140 a 148º das conclusões.
158º - Não estando provado o conhecimento entre o recorrente e DU, e demonstrado que o conhecimento do recorrente com BY é posterior, o Tribunal não poderia ter dado como provado que foram jantar juntos.
159º - Relativamente aos factos provados sob o nº “105.12”, o recorrente nas suas declarações prestadas perante o Senhor Juiz de Instrução em 19.12.2003, e lidas na sessão de julgamento de 15.10.1008 (acta de fls 60392) consta a fls 13027 – 12ª linha: “Quanto à zona do (…) refere que não manteve qualquer que não manteve qualquer relacionamento de índole sexual em qualquer casa naquela zona. Aliás esclarece no que respeita aos seus hábitos sexuais que prefere que as práticas sexuais tenham lugar na sua própria casa”
160º - Dos meios de prova resultou para o Tribunal – e o recorrente reconhece – que:
Entre data próxima e pelo menos posterior a 4/4/1995 e data próxima de 10/12/1999, o recorrente teve residência numa casa sita em (…), na (...) de (…), nº (…),(…) – fls 67143;
A partir de data próxima e pelo menos imediatamente posterior a 10/12/1999, teve residência no (…)º andar (…) do prédio sito no (…), nº (…) – fls 67144;
A partir de data não determinada do mês de Dezembro de 2001, passou a ter residência no andar sito na (...) (…), lote (…),(…), em (…) – fls 67145.
161º - Mas, para desvalorizar a prova de que o recorrente utilizava sempre as suas casas para os seus relacionamentos, o Tribunal vem invocar que, “Da análise de documentos constantes do processo, o Tribunal conclui, a fls 67147, que entre 1962 e 1991 há referência a quatro moradas do recorrente e, a fls 67148/9, que há referências a uma casa na (...) (…), nº (…),(…), em (…), em datas abrangidas pelos períodos das casas de (…) e do (…)”.
162º - Concluindo, a fls 67150, que “o conhecimento deste aspecto da vida do arguido permitiu concluir ao Tribunal (...) que teve um padrão de vida que envolveu a existência e disponibilidade, por vezes em simultâneo, das sucessivas residências (...)” e que “pode ser diferente, tendo em atenção o sentido normal das coisas, analisar factos face a uma vida em que o comportamento da pessoa é relativamente singelo – por exemplo, disponibilidade/habitação de uma residência cada 10 anos – ou face a uma vida em que o padrão comporta o que os factos dos autos apontam: disponibilidade de várias habitações e com possibilidade de simultaneidade (...)”
163º - Esta conclusão está completamente errada, pois o Tribunal esqueceu-se que os funcionários (…), como é o caso do recorrente, quando colocados no estrangeiro e não possuindo ou sendo detentores de casa própria em Portugal, têm que conservar, para o registo do Ministério ou de outras entidades (bancárias, associativas, etc.) um endereço que muitas vezes é de familiares.
164º - Quanto à casa da (...) (…), nº (…),(…), foi aí a sua residência desde o seu nascimento em (…) até partir, em (…), para o seu primeiro (...) no estrangeiro (…), era a casa da sua família onde vivia com os seus avós e tios.
165º - A casa era arrendada e, após a morte dos seus avós, os seus tios continuaram a habitá-la como inquilinos.
166º - Conforme informação da Conservatória do Registo Predial (…), que se junta, a casa foi comprada em 1982 pelo seu tio, KKS, por sucessão do qual foi adquirida pela sua viúva, KKT, que em 2000 a vendeu a KKU, indo viver para o (…).
167º - Embora não tenha voltado a residir nessa casa depois de 1962, foi a morada que foi ficando para a sua ficha no Ministério, para a KKV e para outros fins, como endereço fixo em Portugal. E tal endereço, por inércia ou lapso, continuou a ser esporadicamente referido mesmo depois de a casa ter sido adquirida por pessoa estranha à família e às relações do recorrente.
168º - De qualquer modo, a hipotética disponibilidade desta casa não prejudicaria a desnecessidade das casas dos factos imputados.
Pelo contrário: se, além das casas de (…) e do (…), dispusesse de outra na (...) (…), menor necessidade teria de utilizar as dos factos imputados ou outras.
169º - O auto de reconhecimento de fls 4304, que reporta os factos ao (…)º andar (…) do nº (…) da (...) (…) – “No interior deste prédio, indicou o (…)º andar, admitindo fortes possibilidades de se tratar do (…)º (…)”, foi confirmado em audiência pelo assistente, na sessão de 28.10.2005 (DVD 1, 2h1m às 2h38m, fls 34875), afirmando que leu o que aí estava escrito antes de assinar e que não teve dúvida em assiná-lo.
170º - Das declarações do assistente AK em audiência de julgamento, resulta também a localização desse andar e desse prédio.
171º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 4.10 a 4.13. do cap. VIII da motivação do recurso.
172º - Também os Senhores Inspectores  CF, intervenientes na realização da diligência e na elaboração do auto confirmaram esse reconhecimento, bem como a testemunha XA, porteira do prédio nº (…) da (...) (…).
173º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 4.14 a 4.16. do cap. VIII da motivação do recurso.
174º - Face às imputações indiciárias da pronúncia, foi produzida prova de que resultou que o assistente não foi abusado no nº (…), o que o Tribunal reconheceu ao considerar não provado ( fls 66650 – “23.3”).
175º - Mas o assistente reconduz os imputados abusos a esse nº (…) e ao seu (…)º andar (…). Assim, tem que se considerar não provado o imputado abuso.
176º - Quanto aos factos dados como provados no “105.13”, há uma incongruência absoluta, pois o acórdão os mesmos factos como não provados no ponto “23.4”
177º - Relativamente aos factos dados como provados sob nºs “105.14” a “105.16”, dá-se por reproduzido o que se referiu nos artºs 153º a 158º das conclusões, tendo por conseguinte o Tribunal errado ao dar como provados estes factos.
178º - Quanto aos factos dados como provados sob o nº “105.17”, resulta das declarações do recorrente prestadas perante o Senhor Juiz de Instrução em 19.12.2003, e lidas na sessão de julgamento de 15.10.1008, que “...muito raramente pratica sexo anal activo. No que diz respeito ao passivo não o pratica por razões físicas. No que respeita ao activo não o faz porque não lhe dá prazer …”.
179º - O que foi confirmado pelas testemunhas CCD, ouvida em 20.7.2006, e LB, ouvida em 23.7.2007, que mantiveram relacionamentos com o recorrente e afirmaram que nunca com ele praticaram sexo anal passivo ou activo.
180º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 7.2 e 7.3 da motivação do recurso.
181º - Relativamente ao facto indicado no nº 10 do cap. VII  (“105.18), dá-se por por reproduzido o alegado nos nºs artigos 140 a 148  destas conclusões, pelo que o Tribunal errou ao dar como provado o facto.
182º - Quanto aos factos indicados no nº 11 do cap. VII (“105.19”), e quanto à componente temporal, o assistente foi muito claro ao localizar este imputado abuso no “final do ano lectivo do 5º ano, estava em época de testes”.
183º - Conforme se pode constatar, a fls 1090 do Apenso Z-15, em 20/03/2000 o assistente estava no 5º ano.
184º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 9.1 da motivação do recurso
185º - Ora, não há qualquer dúvida que o assistente localizou a ida a esta casa em Junho de 2000, pelo que o Tribunal errou ao dar como provado “Em dia não concretamente apurado, mas situado entre Abril e Julho de 1999, a uma sexta-feira…”
186º - Quanto à componente espacial, o auto de reconhecimento de fls 4304, reporta os factos ao (…)º andar (…) – “ ... apesar de não ter a certeza absoluta, lhe pareceu ser o nº (…)”, “Já no interior do edifício, referiu reconhecer os pavimentos, os degraus e o corrimão nas cores branca e cinzenta.”, “Segundo se recordava a casa localizava-se no (…)º andar direito.” – foi, confirmado em audiência de julgamento pelo assistente e pelos Srs Inspectores CF, intervenientes na diligência.
187º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 9.2 do cap. VIII da motivação do recurso.
188º - O assistente em audiência de julgamento reconduziu os alegados factos a Junho de 2000, no (…)º andar direito do nº (…) da Av. (…). Logo, o Tribunal errou ao dar como provado que numa sexta-feira dos meses de Abril a Junho de 1999, o assistente se deslocou a uma casa na Av. (…) onde se encontrava o recorrente.
189º - Quanto aos factos indicados nos nºs 12, 13 e 14  (“105.20”, “105.21” e “105.22” – Reproduz-se o que foi alegado nos nºs 153 a 158 destas conclusões, pelo que o Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes desses pontos.  
190º - Quanto ao factos indicados no nº 15. (“105.23”) – Reproduz-se integralmente o que foi alegado nos nºs 178 e 179 destas conclusões, errando o Tribunal ao dar os factos como provados.
191º - Quanto aos factos indicados no nº 16 (“105.24” ) - Reproduz-se integralmente o que foi alegado nos nºs 140 a 148 destas conclusões, devendo o Tribunal dar os factos como não provados.
192º - Quanto aos factos indicados no nº 17 (“105.25” ) –  Quanto à componente temporal, resulta das declarações do assistente que “estava de férias na altura, o meu avô tinha sido há pouco tempo operado, eu fui ver o meu avô, a minha mãe pediu para eu ir ver o meu avô que fica na localidade de (…), eu fui pela (…) a pé até, para ir apanhar o comboio (…), no caminho antes de chegar à (…) a...parou ao meu lado um carro (…) da marca (…) também... no qual no interior do veiculo encontrava-se o senhor E.”
E que depois deste episódio “permaneci no (...) todos os fins-de-semana.”
193º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 13.1.e 13.2 da motivação do recurso.
194º - O douto acórdão refere: “As declarações do assistente dão ideia do mesmo espaço temporal que as anteriores, a dinâmica não dá ideia de distância de um ano entre as primeiras situações e esta, e o AK disse que quando voltou para o (...) para o 6º ano (ano lectivo 00/01, Apenso DJ, fls. 4), pediu para não ir a casa ao fim de semana.”    
195º - Ora, há contradição entre a fundamentação do acórdão e os factos provados, pois o 6º ano começou em Setembro de 2000, logo, as férias só poderiam ser as de 2000 e não de 1999, como o Tribunal deu por provado.
196º - Resulta do depoimento da BX que a família, nomeadamente o assistente AK, não tinham qualquer contacto com o avô e que o mesmo vivia em (…).
197º - Os concretos segmentos das declarações prestadas relevantes para o efeito encontram-se transcritas nos pontos 13.3.e 13.4 do cap. VIII da motivação do recurso.
198º - Este episódio não tem o mínimo de plausibilidade. Como é que encontrando o assistente por acaso, o recorrente o leva de surpresa para práticas sexuais com outrem numa casa onde estavam outros jovens e outros adultos, sem que seja feita qualquer referência à participação do arguido? Como é que o assistente poderia ir a casa do avô, se diz confundir (…) com (…)? Em que estação sairia?
199º - E também está em contradição com o que o assistente AK relatou à Senhora Perita a fls 59 do apenso CC: “Dirigiram-se então para casa do seu avô em (…), mas como este não estava e ainda era um pouco longe até à estação, pediu ao (…) E que o deixasse lá. Contudo, diz que este o levou para a sua casa de (…), dizendo-lhe que era só para ele conhecer a casa”.
200º - Havendo erro manifesto do Tribunal na apreciação da prova ao considerar provados os factos “em dia não concretamente apurado, mas situado no período de férias escolares do Verão de 1999, quando o menor AK se dirigia à estação de comboios para ir visitar o seu avô a (…), foi abordado pelo arguido E, que passava pelo local, de carro.  
201º - Na sequência do que foi alegado no ponto anterior, o Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes dos pontos “105.29” a “105.30”.
202º - A prova em que se baseia o Tribunal não é consistente, sendo sobretudo sustentada nas declarações do assistente, que manifestamente não são credíveis, e pelo depoimento indirecto da sua irmã BX, também não isento e objectivo.
203º - O Tribunal não valorou nem sequer mencionou no douto acórdão o depoimento da testemunha BO, que, de acordo com as declarações prestadas em audiência de julgamento, referiu que AK lhe disse que não conhecia E.
204º - Os concretos segmentos das declarações prestadas pela testemunha encontram-se transcritas no ponto 16 da motivação do recurso.
205º - Na motivação da decisão de facto, não é feita qualquer referência ao depoimento da referida testemunha, designadamente quanto à sua relevância/irrelevância, credibilidade / falta de credibilidade, se foi ponderado ou não na formação da convicção pelo Tribunal.
206º - Verifica-se assim insuficiência de fundamentação e exame crítico das provas, exigências consignadas no nº 2 do artº 374º do CPP, o que implica a nulidade do acórdão, nos termos da al. a) do nº 1 do artº 379, nulidade que se invoca.
207º - O Tribunal, ao condenar o recorrente pelo crime de lenocínio de menores, violou a norma do artº 175º-1 do CP, interpretando-a expressamente no sentido de que a prática de um só acto sexual de relevo a troco de um preço é exercício da prostituição.
208º - E, no entendimento do recorrente, essa norma devia ter sido interpretada no sentido de que o exercício da prostituição significa uma reiteração.
209º - Não resultando essa reiteração dos factos provados, não está preenchido o tipo legal de crime, devendo o recorrente ser absolvido também por razões de direito.
210º - Por mera cautela de patrocínio, o recorrente impugna a medida das penas aplicadas e o valor da indemnização em cujo pagamento foi condenado.
211º - Os factos foram considerados provados como ocorridos em 1999 e nada consta do processo nem o acórdão refere que o recorrente não tenha mantido boa conduta. Assim, decorreu muito tempo (11 anos) sobre a prática dos crimes, mantendo o recorrente boa conduta.
212º - Por isso, em obediência ao dis(...) no nº 1 e na alínea d) do nº 2 do artº 72º e ao dis(...) nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 73º, ambos do CP, deviam e devem ser especialmente atenuadas as penas aplicadas, com observação dos limites de 0,6 a 6,66 anos de prisão para os crimes de abuso sexual e de 6 meses a 3,33 anos para o crime de lenocínio.
213º - Não resulta dos factos considerados provados que o recorrente fosse impositivo ou insistente na prática dos actos pelo assistente, o qual, considerando a idade inferior a 14 anos para a incriminação, tinha 12 anos.
214º - Contrariamente ao referido pelo Tribunal a fls 68086, não há elementos de facto de que resulte que a culpa do recorrente se apresenta em elevado grau e de que, quanto a ele, a dimensão global da ilicitude seja intensa.
215º - Também não resulta que o recorrente se revele carecido de socialização, aderindo-se, neste aspecto, à doutrina do Tribunal, de que “Caso não se verifique, no caso concreto, esta necessidade de socialização, a pena terá, em termos de prevenção especial, uma função de mera advertência do agente, o que permitirá que a pena desça até ao limite mínimo da defesa do ordenamento jurídico.” (fls 68083).
216º - Tanto a prevenção geral como a prevenção especial estão em grande medida realizadas pela sujeição a procedimento criminal no decurso de 8 anos e pelo intenso e punitivo “julgamento” mediático durante o mesmo longo período. E também pela prisão preventiva sofrida há 6/7 anos.
217º - O Tribunal recorrido violou, por não aplicação, o dis(...) nos artºs 72º e 73º do CP, normas que devia ter aplicado por se verificar circunstância justificativa de atenuação especial das penas aplicadas.
218º - E violou também, por erro de aplicação, o dis(...) no artº 71º do CP, que aplicou com o sentido de terem sido verificadas culpa e ilicitude elevadas e que devia ter sido aplicado no sentido de culpa e ilicitude quase mínimas, com consideração também da conduta anterior e posterior aos factos.
219º - Resulta do alegado, do que o acórdão recorrido revela quanto à personalidade do recorrente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior e também de já ter sofrido prisão preventiva há 6/7 anos, que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
220º - Por isso e nos termos do dis(...) no artº 50º do CP, na redacção actual, porque eventualmente mais favorável, deve ser suspensa a execução da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas a que o recorrente possa vir a ser condenado, condenação que só por cautela de patrocínio se considera.
221º - Sem referência a danos provados nem a fundamentos quanto ao valor, o recorrente foi condenado (fls 68113) “a pagar ao demandante AK o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais”.
222º - Que o recorrente se tenha apercebido, foi considerado provado, quanto a danos sofridos, apenas, a fls 66634), que “170.11 Em consequência dos actos praticados no assistente AK, este teve medos, temores”.
223º - Não estando referenciado o grau dos medos, temores, a equidade a que o artº 496º-3 do C. Civil manda atender, impõe que a indemnização seja fixada em valor relativamente simbólico não superior a cinco mil euros.
224º - O Tribunal violou esta norma do artº 496º-3 do C. Civil, aplicando-a como se, face aos factos provados, a equidade impusesse uma indemnização de valor superior a mais de três anos e meio de salário mínimo, entendendo o recorrente que devia tê-la aplicado no sentido de indemnização relativamente simbólica.
(…) Nestes termos e sobretudo pelo que doutamente será suprido, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se as doutas decisões recorridas e, em consequência:
Julgar extinto o procedimento criminal, por caducidade do direito de queixa e ilegitimidade do Ministério Público;
Se assim não for entendido, absolver o recorrente dos crimes e do pagamento de indemnização em que foi condenado;
Se assim também não for entendido, o que só subsidiariamente e por cautela de patrocínio se considera, reduzir as penas aplicadas para medida próxima dos seus limites mínimos resultantes de atenuação extraordinária, com suspensão da execução da pena única resultante do cúmulo jurídico, e reduzir a indemnização para valor não superior a cinco mil euros.
Assim se espera e é de JUSTIÇA." (fim de transcrição).
2. Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância extraindo as seguintes conclusões:
“RECURSO DO ARGUIDO E
315.  -  Quanto à pretensa caducidade do direito de queixa e ilegitimidade do MºPº para exercer a acção penal, o Arguido E recorre, expressamente, do segmento do Acórdão que declara manterem-se "válidos os pressu(...)s processuais relativos ao tribunal, ao processo e aos sujeitos.", esclarecendo que a decisão apenas lhe importa, no que ao Assistente AK diz respeito;
316.  -  Assim, as Conclusões atinentes, no âmbito da presente Resposta, louvar-se-ão no conteúdo das Conclusões correspondentes relativas  ao capítulo "B).1." (cfr., infra, Conclusões "14" a "32", que aqui se dão por reproduzidas), cingindo-se ao problema da legitimidade do exercício da acção penal, relativamente ao Assistente AK e aos factos pelos quais o Arguido E veio a ser condenado;
317. - No caso que ora nos ocupa, o Ofendido AK nasceu a (…). Consequentemente, completou os 16 anos de idade, a (…), tendo exercido o procedimento criminal no dia (…), ou seja, 3 dias antes de se terem completado 6 meses, após a data em que perfez os 16 anos (cfr. Auto de Inquirição de fls. 4.234 e ss., concretamente, a fls. 4.241). Daí se conclui, no entendimento que se perfilha, que exerceu tempestivamente tal direito de queixa, legitimando o MºPº para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos artºs 49º e 50º, do CPP;
318. - Diga-se, por fim, que a intervenção processual do MºPº deu-se logo no início do processo, não se podendo cindir, esta, por Ofendido. A equipa da PJ trabalhava sob orientação do MºPº e, nos termos do artº 241º, do CPP, o MºPº recebeu a denúncia que foi apresentada junto da PJ, inexistindo, pois, qualquer razão, ao Recorrente, ao invocar, quer a caducidade do direito de queixa do Assistente AK, quer a consequente ilegitimidade do MºPº para exercer a acção penal;
319.  -  Nos termos do artº 61º, nº 1, d), do CPP, o Arguido tem direito ao silêncio, isto é, a não responder às questões que lhe são postas sobre os factos que lhe são imputados. O silêncio não o pode desfavorecer, pese embora não possa esperar, do Tribunal, que tome em consideração uma postura, que, a ser declarativa, fosse susceptível de poder ser tida em conta, seja na escolha, seja na medida da pena, ou, ainda, nos casos em que tal seja possível, de uma eventual suspensão da sua execução;
320.  -  Como refere Figueiredo Dias, in "Direito Processual Penal”, 1º Vol., pág. 449 "se o Arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o seu direito ao silêncio, já naturalmente, o pode ser de um mero ponto de vista fáctico, quando do silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infracção.";
321.  -  Ora, nestes autos, e tal como lembra o Acórdão recorrido, o Arguido não prestou declarações, mesmo quando requereu a leitura (que foi deferida e efectivada) de excertos por si seleccionados, do interrogatório a que foi sujeito pelo Mmº Juiz De Instrução, tendo-se declarado indisponível para, posteriormente á referida leitura, prestar quaisquer esclarecimentos sobre tais declarações;
322.  -  A constatação desta realidade, relatada pelo Acórdão recorrido, só pode levar à conclusão que o Tribunal retirou de que a postura do Arguido em julgamento "não foi colaborante";
323.  -  Por outro lado, confunde-se o alcance e a relevância do que se alega, em sede de Contestação, ou no âmbito das Alegações Orais, produzidas pela Defesa, com o depoimento de Arguido, propriamente dito;
324.  -  As declarações deste não são, a umas e outras, equiparáveis, sendo, tão só, de valorar, as que resultam de um depoimento pessoal, prestado pelo próprio, em Julgamento, ao qual os respectivos Mandatários não se podem substituir;
325. - Não se alcança, assim, onde resida a pretensa inconstitucionalidade da interpretação do Tribunal, por violação do artº 32º, da CRP, quando este se limitou a constatar a realidade do que se passou. O Arguido, não declarando, não confessou e, não confessando, ainda que, porventura, intimamente arrependido, não esperará, do Tribunal, que tivesse em conta o que para si quis reservar;
326. - No mais, o Arguido não tem, sequer, que justificar porque não prestou declarações, sendo certo que se, não obstante, entendesse fazê-lo, poderia/deveria tê-lo feito, ele próprio, em Julgamento;
327. - O Arguido alega, por outro lado, que o Tribunal não poderia ter dado como provado o facto de que conhecia o seu co-Arguido K, sustentando a sua tese, invoca o depoimento da testemunha CCD, depoimento que o Acórdão recorrido analisa e de onde apenas retira a conclusão de que há uma possibilidade desse conhecimento ocorrer;
328. - Possibilidade que conjugada com os documentos existentes nos autos e com os depoimentos das testemunhas WQ e OM - que o Acórdão, expressamente, convoca -, criaram, no Tribunal, a convicção de que os Arguidos E e K se conheciam já antes do início deste Processo;
329. - Pela clareza, rigor e detalhe da Fundamentação, bem como pela lógica do raciocínio subjacente, o Acórdão recorrido dispensa considerações suplementares;
330. - (Acórdão - fls. 67.154 a 67.164) - "Do conhecimento entre os Arguidos E e K";
331. - O Recorrente alude, ainda, ao facto de a pessoa que a Testemunha WQ referenciou, como  sendo o Arguido E, nas fotografias que lhe foram exibidas em audiência, foi KKR;
332. - Anote-se, desde logo, que as parecenças físicas entre a pessoa retratada, designadamente, nas fotos nºs. 9 e 36 (cfr. fls. 4.471), com o Arguido E, são evidentes (cfr. resulta claro das fotos do Arguido, constantes do Apenso "BF-1", fls. 79, "BF-3", fls. 155 e 156 e "BF-7", fls. 330, sem prejuízo de alguma subjectividade que uma compara-ção desta natureza sempre possa comportar, mas que, no caso em apreço, se mostra consideravelmente atenuada);
333. - Todavia, como resulta do próprio depoimento da Testemunha, transcrito a fls. 69.554/5, a hesitação na associação de E à pessoa retratada nas fotos que lhe foram exibidas em Julgamento, foi patente e, diga-se, perfeitamente natural. Ainda assim, a Testemunha não se coibiu de dar conta das suas reservas ("Tenho a impressão que é o 36 e o 9… não tenho bem a certeza", "Mas o 9 não tenho bem a certeza" (repete), na 36, "tenho a impressão que é ele", "Não tenho bem a certeza se é ele que está em frente");
334. - Ora, não resultou, da prova produzida, que esta pessoa tivesse algum tipo de relacionamento com o Arguido K, facto que, nem este, jamais alegou, nem o Arguido E invocou, sendo certo ainda que, tão pouco, alguma vez tenha sido referido, ou, sequer, sugerido, pelo Arguido K, que conhecia a pessoa em causa, ou que, alguma vez tivesse, por ela, sido visitado na sua residência, no seu (...), ou em qualquer outro lugar ou circunstância;
335. - Acresce, que o Acórdão não invocou esta parte do depoimento da Testemunha WQ, na parte relativa ao "reconhecimento" pessoal, através de fotografais, pela singela razão que lhe estava legalmente vedado valorá-la, atento o dis(...) nos nºs. 5 e 7, este, in fine, do artº 147º, do CPP;
336. - Por fim, convenhamos: é singularíssimo que, ao invés do que seria de esperar, o Arguido se interrogue se seria, ou não, ele próprio, quem foi visto pela Testemunha WQ, em casa do Arguido K. Não seria natural que, não o sendo, negasse, peremptoriamente, ter sido ele a pessoa que esteve em casa de K ?!;
337. - No que à pretensa ilegalidade  dos critérios do Tribunal na apreciação da prova diz respeito, no essencial, o MºPº já se pronunciou, infra, em "CA).2. - O RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO E O PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA", cujo conteúdo e Conclusões (106 a 127) correspondentes ora se convocam;
338. - A credibilidade do depoimento do Assistente AK é posta em causa pelo Recorrente, alegando-se, desde logo e além do mais, que o mesmo se enganou quando referiu a pessoa do seu abusador, relativamente aos factos ocorridos numa casa da (...) (…) (Capítulo "4.2.1."), enganando-se no nome do Arguido e referindo por duas vezes o nome "(…)". O Acórdão não escamoteou a questão e explicitou as razões que levaram o Tribunal a credibilizar este depoimento, analisando o "engano" do Assistente;
339. - (Acórdão - fls. 67.710/1) - "A identificação do Arguido E e o indivíduo de nome (…);
340. - E, ao contrário do que alega o Recorrente, o Assistente AK não se enganou onde se diz ter-se enganado;
341. - Através da audição da gravação pode constatar-se, sem margem para dúvidas, que o Assistente não nomeou ou, sequer, aludiu, ainda que parcialmente, a qualquer indivíduo, nomeadamente, a alguém que designasse por "(…)". A pessoa a quem, expressamente, se referia, e que havia sido referenciada na pergunta a que, então, respondia, era o Arguido E (Cfr. Acta da Sessão de Julgamento de 28.10.2005, DVD I.);
342. - Que fique bem claro! A confiança que nos merecem os Ilustres Mandatários do Arguido E, Drª JJU e Dr. KKW, não consente outra explicação para o equívoco na transcrição, que não seja um mero lapso;
343. - Tenha-se em consideração que o Assistente relata uma situação em que coexistem, no mesmo local, o Arguido E e DU. E que, relativamente a este, refere ter sido, por ele, (tão só) assediado, como resulta do seguinte excerto (Cfr. Acta da Sessão de Julgamento, de 28.10.2005, DVD I, a instâncias do MºPº.);
344. - Como pode constatar-se, AK distingue, perfeitamente, o Arguido E, do indivíduo que designa por DU, tal como diferencia, de forma clara, as situações em que esteve com ambos, daquelas em que esteve com cada um, não se suscitando, no seu depoimento, quaisquer dúvidas quanto à pessoa que, de si, sexualmente, abusou. O Arguido E fê-lo, o DU, tentou fazê-lo;
345. - O Recorrente afirma, ainda, que a conclusão do exame pericial, de natureza sexual, e as declarações do Prof. Dr. BR, são incompatíveis com as declarações do Assistente, na medida em que as estas inculcam a ideia de que o Assistente foi submetido a sexo anal muito mais vezes do que aquelas que admitiu em Tribunal, o que implicaria concluir que mentiu e, faltando à verdade, as suas declarações não seriam susceptíveis de merecer credibilidade;
346. - Em primeiro lugar, é necessário salientar, tal como referiu o Perito, no seu depoimento, que "não existe nenhum critério científico que diga que a perda total e absoluta da tonicidade ou a atonia ou a hipotonia ou a lesão deste ou daquele ramo do esfíncter ocorre ao cabo de 9,10,15,20 práticas de coito anal";
347. - Mas, mesmo admitindo que o Assistente foi submetido a mais relações sexuais anais do que aquelas que admitiu em Tribunal, daí não decorre que as suas declarações não sejam credíveis, até porque o próprio Assistente admitiu que fora abusado sexualmente noutras situações (Cfr. Acta da Sessão de Julgamento, de 02.11.2005, DVD I);
348. - Por outro lado, tal como se refere na Decisão recorrida "resulta dos textos científicos, nesta área de crimes de natureza sexual sofridos por menores, que as vítimas de crimes sexuais tendem a não verbalizar o que sucedeu, remetem-se a silêncios, defendem-se da situação traumática que viveram e quando falam sobre o que se passou, fazem-no por vezes com retalhos de memória selectivos.";
349. - Acresce ser absolutamente irrelevante o número de vezes que AK teve sexo (consentido, ou não). Esse facto não prejudica, ou, sequer, atenua, o abuso sexual de que, enquanto criança, foi vítima por parte do Arguido E;
350. - Quanto à restante impugnação da matéria de facto, relativamente ao que o Recorrente considera serem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, sem prejuízo de pontuais considerações que aporemos na parte final do presente capítulo, damos voz ao Acórdão, nos segmentos correspondentes ao impugnado, para além dos que já se reproduziram;
351. - (Acórdão - fls. 67.703 e 67.704 a 67.710-  "Análise do depoimento do Assistente AK";
352. - (Acórdão - fls. 67.711 a 67.717-  "O depoimento da Testemunha UL";
353. - (Acórdão - fls. 67.720 a 67.731-  "O tempo e o lugar dos  factos. Os registos telefónicos e as casas de que o Arguido tinha a disponibilidade";
354. - Acresce que o Tribunal não considerou o depoimento da Testemunha BO porque o respectivo conteúdo carece de total credibilidade, isenção e rigor. O Tribunal está obrigado, tão só, a tomar em consideração a prova relevante, seja ela trazida pelas Acusações, pelas Defesas, ou por iniciativa do próprio Tribunal;
355. - De resto, last but not least, a inquirição de BO, tão pouco poderia ter sido valorado pelo Tribunal, (...) que, após ter sido interrompida, para posterior continuação, veio a ser prescindida, por todos os Sujeitos Processuais que o tinham arrolado como Testemunha - cfr. Despacho proferido em Acta, na Sessão de Julgamento, de 07.11.2007;
356. - Quanto ao depoimento da Testemunha, BX, o Acórdão desmente, em absoluto, o que, no Recurso, dele pretende que se retire a Defesa do Arguido E;
357. - (Acórdão - fls. 67.717 a 67.720-  "O depoimento da testemunha BX";
358. - Como, inexoravelmente, não poderá deixar de concluir-se, do Acórdão resulta uma fundamentação exaustiva, coerente e motivada, a qual não poderá deixar de ser ratificada, negando-se provimento à (estranha e deslocada) invocação da nulidade do Acórdão, por alegada "insuficiência de fundamentação e exame crítico das provas", nos termos da a), do nº 1, do art. 379º, do CPP (cfr. fls. 69.638), bem como à correspondente impugnação da matéria de facto, deduzida pela Defesa do Arguido E;
359. - O MºPº convoca, dando-os aqui por reproduzidos, todos os elementos probatórios referenciados nos transcritos segmentos do Acórdão, no que aos factos pelos quais foi condenado o Arguido E diz respeito;
360. - Permitimo-nos, tão só, complementarmente, enfatizar (transcrevendo na Motivação) dois excertos do depoimento da Testemunha AZ (AZ), nos termos do qual se contraria a alegação do Arguido E, relativamente à sua alegada relutância em manter relações de sexo anal (Cfr. Actas da Sessão de Julgamento, de 16.3.2006, cassete B, lado 1 e de 22.3.2006, Cassete I);
361. - Por outro lado, o Tribunal seguiu a posição expressa pela Profª Maria João Antunes, no sentido de que "o tipo legal de crime deve considerar-se preenchido ainda que o menor pratique um só acto sexual de relevo a troco de um preço";
362. - O Recorrente defende que o sentido usual do termo "exercício de prostituição" implica a prática reiterada de vários actos sexuais a troco de dinheiro, pelo que seria este o sentido a acolher na interpretação da norma, pois, de contrário, o legislador teria usado a expressão prática de acto de prostituição;
363. - Ora, sendo o bem jurídico protegido o da livre autodeterminação sexual e o "livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, criando condições para que esse desenvolvimento se processe de forma adequada e sem perturbações" não faz qualquer sentido que o legislador tenha querido que só a prática repetida de actos sexuais a troco de dinheiro pudesse integrar o conceito legal;
364. - Com efeito, a interpretação que o Acórdão recolheu é, tal como ele próprio explica "é o que faz sentido, tendo em atenção a natureza específica deste ilícito, o bem jurídico que pretende tutelar e o que este tipo legal pretende consagrar face aos instrumentos internacionais que visam a defesa dos Direitos das Crianças (ver, quanto a este sentido, Eliana Gersão, “Crimes sexuais contra crianças. O direito penal português à luz das resoluções do Congresso de Estocolmo contra a exploração sexual de crianças para fins comerciais”, Infância e Juventude 97.2 18 e 25).";
365. - O preceito legal invocado foi, pois, correctamente interpretado e acolhido, no e pelo Acórdão, pelo que é de improceder a sua invocada violação;
366. - Quanto à medida das penas em que foi condenado, as penas parcelares aplicadas ao Arguido, no caso dos crimes de abuso sexual de crianças, estão situadas abaixo do ponto médio da moldura abstracta, o mesmo acontecendo com a pena aplicada no crime de lenocínio;
367. - Por seu turno, em cúmulo, e segundo os critérios do artº 77º, do CP, a pena aplicável tinha como limite mínimo 4 anos e 6 meses de prisão - pena parcelar mais elevada - e, como limite máximo, 11 anos de prisão - soma material das penas concretamente aplicadas;
368. - Tal como o Mº Pº defendeu no Recurso que interpôs sobre esta matéria, a pena aplicada doseou, por defeito, o respectivo quantum, remetendo-se para as considerações que, a este respeito, aí se expenderam, no qual se defende que as penas aplicadas ao Arguido E, ao invés, devem ser agravadas.”
(...) “Em conformidade com tudo o que vem de expor-se, no que ao Recurso do Arguido E diz respeito, entende-se ser de negar-lhe provimento, confirmando-se o Acórdão recorrido, nos seus precisos termos (sem prejuízo da procedência, por que se propugnou, do Recurso oportunamente inter(...) pelo MºPº, na parte tocante)”. (fim de transcrição).
3. Responderam igualmente os assistentes AX, Y, AN e AI, concluindo da forma seguinte:
"I. A tese que o direito de queixa do assistente, por ter tomado conhecimento dos abusos na data em que ocorreram, já se encontrava extinto quando completou 16 anos, dado terem decorrido 6 meses daquele conhecimento, levaria à extinção daquele direito antes de poder ter sido exercido.
II. Só quando o titular do direito de queixa efectivamente o é, por estar em condições de exercer a queixa, se pode iniciar a contagem do prazo de 6 meses previsto no n.º 1, do art. 115.º, do CP, pois antes essa faculdade não está na sua disposição jurídica.
III. E somente na data em que completou 16 anos ((…)), por referência à sua data de nascimento ((…)), o assistente AK estaria em condições de exercer por si a queixa, pelo que só nessa data se iniciou a contagem do prazo de 6 meses extinção do direito de queixa, o que sucederia em (…).
IV. Sendo inquestionável, como o próprio arguido reconhece, que o assistente manifestou o seu desejo de procedimento criminal contra o arguido recorrente em (…) (vd. fls. 4241), 3 dias antes da data de (…), exerceu atempadamente o seu direito de queixa.
V. Assim se o ofendido exerceu em tempo o direito de queixa, torna-se irrelevante saber se o MP poderia ou não actuar em nome do interesse da vítima nos termos do art. 178.º n.º 4, do CP, (...) que o exercício da acção penal pelo MP teve por base a queixa oportuna do respectivo titular.
VI. O arguido confunde silêncio com falta de colaboração;
VII. O Tribunal, sempre que chamou à colação o silêncio do arguido, fê-lo para invocar o estrito respeito ao princípio nemo tenetur se ípsum accusare, a sua eficácia e o seu conteúdo material.
VIII. A falta de colaboração resulta da postura de negação face à prova que resultou efectuada nos autos e que demonstra a existência dos factos por que vinham os arguidos acusados e não como pretende o arguido.
IX. O direito de não colaborar é um princípio de civilidade típico do processo acusatório. A postura do arguido ora recorrente não pode deixar de qualificar-se, como bem fez o Tribunal a quo como não colaborante.
X. Os arguidos conheciam-se. Foram efectuados telefonemas do telemóvel (…) do arguido K para o telemóvel do arguido E e foram efectuados telefonemas do telemóvel do arguido E para o telemóvel da (...) do arguido K.
XI. Os depoimentos das testemunhas OM e CCB, bem como o depoimento da empregada doméstica do arguido K, a testemunha WQ, demonstram esse conhecimento.
XII. Falece o argumento do arguido pois resultou suficientemente verificado, pese embora tal conhecimento não tenha sido relevante para a verificação dos ilícitos ou sequer da graduação da pena aos mesmos imposta, que os arguidos se conheciam.
XIII. O aqui recorrente, como já fez anteriormente, mas agora com um fundamento novo - o do "enredo numa teia de imputações indiciárias" - vem pretender colocar em crise o conhecimento que o Tribunal a quo fez das alterações não substanciais à pronúncia e que resultaram da prova produzida em julgamento.
XIV. Parece esquecer o arguido, a legitimidade que, para o Tribunal a quo resulta quer do princípio da livre apreciação da prova quer da capacidade investigatória que, ainda que de forma mitigada, é reconhecida ao Tribunal em julgamento.
XV. E, como parece esquecer o arguido, a prova suplementar efectuada em obediência ao artigo 358º do CPP, tem de se estruturar em obediência a critérios de necessidade, adequação, realidade e relevância - art. 340º, nº 4 do CPP (a contrario sensu).
XVI. Inexiste nas conclusões formuladas, qualquer alusão a normas violadas, como ou porquê, relevando apenas a lamentação do arguido de que "foi subvertido o instituto das alterações indiciárias", falece, por isso, o argumento do arguido.
XVII. A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação da entidade competente, com vista à descoberta da verdade material (art. 127º CPP).
XVIII. Concretiza os princípios constitucionais do estado de direito, da separação e interdependência dos poderes e da independência dos tribunais consagrados nos arts 2º e 203º da CRP.
XIX. O tribunal recolhe da prova a substância que lhe permite concluir num ou noutro sentido, valorando o depoimento in casu e, decidindo. Os seus critérios valorativos não são sindicáveis pelo Tribunal ad quem;
XX. O recorrente não nos diz quando, como ou porque é que entende que o tribunal subverteu o princípio da livre apreciação da prova e em que é que consistiu a ilegalidade que alega.
XXI. Inexistindo fundamentação de facto que o legitime e soçobrando a lamentação jurídica de que o recorrente se socorre, falece a sua pretensão.
XXII. Não existe qualquer inconstitucionalidade nem o arguido a fundamenta. Limita-se, como antes, a exclamar a sua existência. Por falta de qualquer fundamentação deve ser desatendida também esta razão do arguido.
XXIII. O que o arguido pretende com a descredibilização das declarações do assistente é que o tribunal de recurso se reveja na sua interpretação da prova chegando às mesmas conclusões a que ele próprio chega.
XXIV. Esquece-se, o arguido, que esta Relação não poderá sindicar a impressão que as declarações do assistente geraram no espírito do julgador, mas somente o erro quanto aos pressu(...)s probatórios de tal convicção.
XXV. É certo que o princípio da livre apreciação da prova, vinculado à descoberta da verdade material, tem como limite a observância das regras da experiência e da lógica do homem médio su(...) pela ordem jurídica, devendo reconduzir-se a critérios objectivos que possibilitem o conhecimento do substrato racional da decisão.
XXVI. Assim, para que a decisão acerca da prova deva ser susceptível de motivação e de controlo, devendo o julgador motivar a sua decisão, de sorte a que o seu raciocínio lógico-dedutivo seja perceptível para a generalidade das pessoas, permitindo a compreensão do sentido da decisão.
 XXVII. Porém, a decisão do juiz será sempre uma convicção pessoal, dado que para a sua formação concorrem não só elementos racionais, mas também elementos racionalmente não explicáveis, inclusive emocionais, como, por ex.", a impressão que suscitou no julgador o tom de voz com que um depoimento foi prestado.
XXVIII. Assim, sendo indiscutível que a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto foi devidamente fundamentada e é plausível à luz das regras da experiência e lógica comum, não é passível de ser censurada a convicção que o tribunal formou acerca da prova que lhe foi presente
XXIX. Para a verificação dos elementos do tipo incriminador previsto no artigo 175º do CP basta a existência de um acto de prostituição, não se exigindo a sua reiteração;
XXX. O tipo legal de crime deve considerar-se preenchido ainda que o menor pratique um só acto sexual de relevo a troco de um preço. Falecendo, por isso, a razão do arguido.
Termos em que, negando-se provimento ao recurso, deve ser confirmada a parte da decisão aqui recorrida por ser a única conforme à lei fazendo-se, assim, inteira justiça" (fim de transcrição).
4. Analisando
QUESTÃO PRÉVIA
Com a motivação do recurso juntou o arguido E dois documentos, sendo um deles uma certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial (…), com a qual pretende pôr em causa matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, e o outro uma cópia escrita das alegações orais produzidas, ao abrigo do dis(...) no art. 360.º do CPP, pelo seu ilustre mandatário na audiência de discussão e julgamento.
Na sua resposta o MP não deixou de aludir a esta questão, o que fez nos seguintes termos:
"O documento - cuja junção nem sequer é, expressamente, requerida, muito menos se fundamentando a razão de ser da mesma, (...) que o Recorrente se limita a consignar (fls. 69.617) "Conforme documento da Conservatória do Registo Predial (…), que se junta,…" - reportando-se a pretensa prova de matéria de facto (aquisição de um imóvel), só por isso já teria que ser rejeitado.
Como ensina o STJ (Ac. de 30.10.2001, Procº 1645/01-3ª, SASTJ, nº 54, 96), "A audiência a que se reporta o art. 165º, n.º 1, do CPP, até cujo encerramento os documentos devem ser juntos, é a de discussão e julgamento em 1ª instância, o que não obsta à junção dos pareceres a que se refere o n.º 3 do mesmo preceito, para além daquele momento, por apenas poderem influenciar a decisão das questões de direito.".
Como se referiu, para além de não admissível, o Recorrente não invoca qualquer razão para, só nesta fase, apresentar um documento, cuja admissão podia (como resulta do próprio documento, que, pela natureza do mesmo, estava disponível para o Arguido) e devia ter requerido, no âmbito e no tempo do Julgamento.
Também por aí, atento o dis(...) no artº 165º, nº 1, do CPP, a junção sempre seria de indeferir, por extemporaneidade.
Quanto à junção das Alegações Orais, já após a formulação das Conclusões (fls. 69.693), ao alegar que "o douto acórdão recorrido refere repetidamente a relevância dada às alegações orais", dando conta que foi entregue, ao Tribunal, um exemplar da correspondente transcrição e concluindo que "A título informativo," (?!) "anexa-se cópia desse elemento processual apresentado oralmente, até conclusão da parte relativa aos factos de condenação.", dir-se-á, tão só, ser patente uma manifesta confusão entre o que sejam Alegações Orais e Alegações de Recurso.
Por todo o ex(...), o MºPº manifesta a sua oposição à admissão, como integrantes do Recurso, seja do documento referido, seja do exemplar das Alegações." (fim de transcrição)
Vejamos.
Comecemos pela certidão predial.
Dispõe o art. 165.º do CPP sob a epígrafe “Quando podem juntar-se documentos” que:
“1 – O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 – Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para a realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.
3 – O dis(...) nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsulto ou de técnicos, os quais podem ser juntos até ao encerramento da audiência.”
Resulta da análise deste preceito que o limite máximo temporal para a junção aos autos de documentos é o encerramento da audiência em 1.ª instância.
Verifica-se, assim, que o documento junto pelo recorrente E com a motivação do recurso para este Tribunal de Relação o foi fora do período temporal em que a lei permite a sua junção, sem que o recorrente tenha sequer invocado qualquer razão justificativa para a sua apresentação tardia.
Acresce que o mesmo foi emitido pela Conservatória do Registo Predial (…), tendo sido obtido, como daquele resulta, na internet, in www.predialonline.mj.pt - www.casapronta.mj.pt, em 20 de Outubro de 2010. Ora, os últimos averbamentos (constituição e cancelamentos de hipoteca) que naquela certidão constam, com referência ao imóvel em questão - o (…).º andar (…) do prédio n.º (…) da (...) (…), em (…), e referido no acórdão a págs. 733, 734, 735, 737 e 1315, datam de 23 de Junho de 2010. Ocorreram, portanto, em momentos anteriores ao encerramento da audiência em 1.ª instância, pelo que a certidão em causa poderia facilmente ter sido tempestiva e anteriormente junta aos autos pelo ora recorrente.
Por outro lado, destinando-se os documentos a provar factos, não valem para fins de formação da convicção do tribunal aqueles elementos probatórios que não sejam produzidos ou examinados em audiência, nos termos do art. 355.º, n.º 1, do CPP.
É certo que, sendo aquela certidão predial um documento autêntico consideram-se provados os factos materiais nela constantes, mas isto apenas e tão só enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa, conforme ao preceituado no art. 169.º do CPP. Ora, sendo apenas agora junto, a autenticidade do documento em causa ou a veracidade do seu conteúdo nunca poderiam ser colocadas em crise, nem devidamente contraditadas pelos demais intervenientes processuais na sua sede própria - a audiência de discussão e julgamento em primeira instância.
Às Relações está vedado conhecer de novos meios de prova.
É, de resto, esta a posição uniforme quer da doutrina quer da jurisprudência nesta matéria.
Quanto à cópia escrita das alegações orais, até pela natureza das mesmas, não existe previsão legal que permita a sua junção. E se o propósito - como parece ser o caso - é chamar a atenção deste Tribunal ad quem para alguns pontos específicos referidos nessa sede, então deveria ter levado tal matéria à sua motivação do recurso.
Acresce que se este Tribunal superior tivesse algum interesse em as conhecer - o que não é o caso -  sempre poderia socorrer-se da gravação das mesmas que - por iniciativa do Tribunal a quo e contrariamente ao que é a praxis judiciária - consta em suporte áudio apenso aos autos.
Termos em que, não serão os documentos em causa considerados na decisão a proferir por esta Relação.
a) - Caducidade do direito de queixa e ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal relativa ao assistente AK e a invocada inconstitucionalidade
O arguido E inicia o seu recurso pondo em causa o despacho de fls. 66503 e ss. que, no acórdão recorrido, julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de queixa e ilegitimidade do Ministério Público, que havia suscitado em sede de contestação.
Trata-se de questão que o arguido (à semelhança dos arguidos C, H e K) já havia suscitado na fase de instrução, onde a mesma lhe foi indeferida (a ele e aos restantes arguidos).
Os arguidos C e H optaram por apresentar e manter interesse em recurso interlocutório quanto a esse despacho proferido em sede de instrução, pelo que esta mesma questão assim suscitada já acima foi abordada na decisão de tais recursos interlocutórios.
Nessa sequência, reiteramos aqui, por ter inteira aplicação, tudo o que naqueles recursos interlocutórios dos arguidos C e H se expôs.
Sem prejuízo disso, iremos abordar especificamente a questão nos termos em que a colocou, neste recurso, o arguido E.
Quanto a este arguido, diz-se no mencionado despacho de fls. 66503 e ss., o seguinte:
“I - Fls. 23.230 a 23.239, Arguido E: excepção de ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, quanto aos crimes imputados ao arguido nos pontos 6.2.1., 6.4.1. e 6.7.1. do Despacho de Pronúncia:
1. A fls. 23.230 a 23.239, na sua contestação, o arguido E arguiu a excepção de ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, quanto aos crimes imputados ao arguido nos pontos 6.21., 6.4.1. e 6.7.1. do Despacho de Pronúncia, por entender que não foi devidamente exercido o direito de queixa por parte do ofendido, em relação aos ilícitos em causa, devendo ser ordenado o arquivamento dos autos nessa parte.
No despacho de fls. 22.525 a 22.556, concretamente a fls. 22.547, “Ponto III”, o Tribunal tinha proferido uma decisão genérica de legitimidade do Ministério Público, ao abrigo do dis(...) no art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, decisão em relação à qual o arguido, a fls. 22.850 e segs., interpôs recurso (cfr., tb, Despacho de fls. 24.317, ponto IV).
Por força do Acordão n° 2/95, de 16/05, do S.T.J. - publicado no D.R. 135/95, Série I -A -, a decisão genérica proferida pelo Tribunal, ao abrigo do art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final o Tribunal tomar decisão quanto a tal questão, o que passamos a fazer.
2. No capítulo 6.2.1, do Despacho de Pronúncia, está imputado ao arguido E a prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art°. 172°, n° 1, do Código Penal, ocorrido num “... dia indeterminado dos meses de Fevereiro/Março do ano de 2000...”, tendo o assistente 13 anos de idade. No capítulo 6.4.1, do Despacho de Pronúncia, está imputado ao arguido a prática de 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo art°. 172°. n.°s 1 e 2 do Código Penal, ocorrido “… em datas próximas da Páscoa do ano de 2000, em concreto não determinadas ...”, tendo o assistente 13 anos de idade.
E no capítulo 6.7.1, do Despacho de Pronúncia, está imputada a prática ao arguido de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo art°. 172°, n° 1, do Código Penal, ocorridos em “… dia indeterminado dos meses de Fevereiro/Março do ano de 2000...” e em dia “...indeterminado dos meses de Julho/Agosto 2000...”, tendo o assistente 13 anos de idade.
2.1. Os presentes autos - a investigação que deu origem à Acusação e posteriormente Despacho de Pronúncia, pelo qual o arguido está em julgamento - tiveram origem numa informação que foi feita pela Polícia Judiciária em 25/11/2002 (cfr. fls. 2).
A fls. 46, por despacho datado de 29/11/2002, dá-se a intervenção do Ministério Público, com a promoção do procedimento criminal e abertura de inquérito, sendo que no Despacho de fls. 48, datado de 29/11/2002, é referido estar em causa a investigação de factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de abuso sexual de criança, p. e p. no art° 172°, do C.Penal (cfr. art°s. 241°, 242°, 49°, n° 2 do C.P.Penal e art° 172°, do C.Penal, na versão em vigor à data do Despacho).
Vejamos então qual a legislação aplicável ao caso concreto.
(i) Com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n° 48/95, de 15 de Março, ao Código Penal (que entraram em vigor em 1/10/95), dentro do “Título I”, da Parte Especial, foi criado um novo “Capitulo V”, englobando os “Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”.
Este capítulo passou a ser constituído pelos artigos 163° a 179°, do C.Penal, dispondo o art° 178°, nos seus n°s. 1 e 2, quanto à “Queixa”, que: “...1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s 163° a 165°, 167°, 168° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.
2. Nos casos previstos no número anterior, quando a vítima for menor de 12 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem”.
(ii) A Lei 65/98, de 2 de Setembro (que entrou em vigor em 7/09/98), alterou a redacção do n° 2, deste art° 178°, passando a dizer:
“….2. Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”.
A Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto (que entrou em vigor em 30/08/01), alterou o art° 178°, do C.Penal, passando a ter a seguinte redacção:
“1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s. 163 a 165°, 167°, 168° e 171° a 175° depende de queixa, salvo nos seguintes casos:
a) Quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima;
b) Quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo.
2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, pode o Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima (...)
3. A duração da suspensão ...(...).
4. Sem prejuízo do dis(...) nos n°s. 2 e 3, e quando os crimes previstos no n° 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”.
(iii) Por sua vez a Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro (que entrou em vigor em 15/09/07), começou por alterar o (anterior) art° 172° do C.Penal - intitulado abuso sexual de criança -, alterando a sua numeração do “art° 172°” para “171°”, passando o crime, em consequência, a ser p. e p. pelo art° 171°, do C.Penal.
Alterou o art° 178°, do C.Penal, excluindo a necessidade de queixa para o procedimento criminal quanto ao crime de “abuso sexual de criança”, p.e p. (agora) no art° 171°, do C.Penal (anteriormente no 172°, do C.Penal, como dissemos).
Mas alteração esta que, por sua vez, tem que ser articulada com a alteração que a Lei 59/07, de 4 de Setembro introduziu ao art° 118°, do C.Penal, nomeadamente o aditamento do “n° 5”, que diz que “…nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, o procedimento criminal não se extingue, por efeito de prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos”.
Do que antecede - e estamos a considerar os regimes sucessivamente em vigor tendo em atenção quer a data da prática do crime e a idade que o assistente (vítima) tinha à sua data, quer a data em que se iniciou o presente processo - , quer pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, quer pela Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto, em relação a situações que à partida estão dependentes de queixa, o Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal, se o crime tiver sido praticado “...contra menor de 16 anos...” e o interesse da vítima o impuser.
O Tribunal não convoca, no entanto, a Lei 59/07 - e isto sob a perspectiva da análise dos regimes sucessivamente aplicáveis, art° 2°, n°4, do C.Penal e art° 29°, da C.R. Portuguesa -, pois o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, vale para todas as normas penais, materiais e processuais.
Quer dizer que este princípio se aplica não só às normas penais substantivas, mas também aquele núcleo de normas processuais penais (materiais) que afectam os interesses do arguido. E a alteração introduzida pela Lei n° 59/07, de 15 de Setembro, ao alterar a natureza do presente ilícito - passando-o de semi-público a público -, é objectivamente um regime mais desfavorável para o arguido que veio suscitar o incidente da ilegitimidade. Assim e prosseguindo, resulta - dos dois regimes que estamos a considerar - que no que se refere à categoria de crimes que estamos a tratar, quando tenham sido praticados contra menor de 16 anos, independentemente do exercício do direito de queixa por parte de quem, à partida, é titular desse direito, por razões de interesse público - relacionadas com o que é a tutela do bem jurídico protegido -, mas inerentes e subjacentes ao interesse da vítima, o Ministério Público tem legitimidade para desencadear e exercer a acção penal.
Tem, contudo, é que justificar as razões de facto (objectivas) que levam à sua intervenção no interesse da vítima (cfr., neste sentido, Ac. do S.T.J., 9/04/2003, relatado pelo Sr. Conselheiro Borges de Pinho, P° 02P4628, in www.dgsi.pt, Ac. S.T.J., 22/10/03, relatado pelo Sr. Conselheiro Armindo Monteiro, P° 03P2852, in www.dgsi.pt, Ac.. Tribunal Constitucional n° 403/2007, P° 535/04, relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Torres, in www.dgsi.pt, em que é referida a posição da Sra. Professora Maria João Antunes quanto a esta questão, e vista também não só sob a perspectiva da legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, independentemente de queixa, nestas situações, mas também sob a perspectiva da não admissibilidade da desistência de queixa, em função do especial interesse da vítima, quando o crime tenha sido praticado contra menor de 16 anos).
No caso concreto, atenta a data que está descrita para a prática dos factos, a idade do assistente em relação ao qual está imputado o crime ao arguido e à data dessa prática - o assistente AN - (…), cfr. fls. 22 e 23, “Apenso CJ” -, era inferior a 16 anos.
Acresce que a fls. 13.552 a 13.554, o Ministério Público, previamente à articulação dos factos que constituíram a Acusação, proferiu Despacho no qual ponderou o interesse da vítima e as razões objectivas que levavam à sua intervenção, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003).
Invocam, em concreto, para fundamentar o interesse dos menores na intervenção do Ministério Público, a situação de institucionalização dos jovens, o quotidiano com deficit afectivo e oriundos de famílias disfuncionais, o dano psíquico que estes factos podem causar nos jovens, cuja reparação pode também passar pela punição do autor dos factos.
Tendo em atenção a vivência do assistente que está agora em causa, o qual não sendo uma “criança da (...)” estava institucionalizado na AX, familiarmente não tinha estrutura familiar pois estava sem contacto com os pais - cfr.” Apenso CJ” -, estando descrito o seu envolvimento nestes factos através de um funcionário da própria instituição, não tendo o Assistente, quando esteve perante o Tribunal, manifestado qualquer oposição a que este processo tivesse prosseguido - o que, caso tivesse acontecido, poderia ser um sinal para o Tribunal ter em atenção, quanto à avaliação objectiva do real interesse da vítima, no que se refere à existência desta acção e à decisão tomada pelo Ministério Público; notando-se que se constituiu mesmo como assistente -, consideramos objectivamente relevantes e suficientes, sob a perspectiva do interesse do assistente, tal como a lei o configura, as razões invocadas pelo Ministério Público a fls. 13.552 a 13.554, para a sua intervenção ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003).
3. Em consequência e face ao ex(...), ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 1 e 3 do C.Penal, na versão introduzida pela Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto (sendo que, no segmento concreto, a versão introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, não continha disposição que alterasse de forma substancial o que está em causa no caso concreto), o Tribunal julga improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelo arguido E a fls. 23.230 a 23.239”.
O Ministério Público respondeu a esta primeira questão do recurso do arguido nos seguintes termos:
“(…) o Arguido E recorre, expressamente, do segmento do Acórdão que declara manterem-se “válidos os pressu(...)s processuais relativos ao tribunal, ao processo e aos sujeitos.” (fls. 66.514).
Precisando, esclarece que a decisão apenas lhe importa, no que ao Assistente AK diz respeito, (...) que a alegada ilegitimidade do M°P° para o exercício da acção penal, que invocara em sede de Contestação (cfr. fls. 23.230 a 23.234), relativamente aos factos constantes dos itens “6.2.1.”, “6.4.1.” e “6.7.1.”, do Despacho de Pronúncia - e que envolviam os Assistentes AN e AT -, estará prejudicada, não mantendo interesse, na parte tocante, por ter sido absolvido da prática dos referidos factos.
Assim, a presente Resposta, reproduzindo, embora adaptando e circunscrevendo, o que, já no capítulo “B).l.”, o M°P° teve oportunidade de expender, cingir-se-á ao problema da legitimidade do exercício da acção penal, relativamente ao Assistente AK e aos factos pelos quais o Arguido E veio a ser condenado.
O M° P° deduziu Acusação no dia 29 de Dezembro de 2003 - fls. 13.449 a 13.808, vindo, os Arguidos que mantêm tal qualidade no âmbito do presente Processo, a ser pronunciados, por Despacho de Pronúncia, proferido no dia 31 de Maio de 2004 - fls. 20.738 a 21.014.
Em tais Despachos, acolheu-se a tese de que o M° P° tinha legitimidade para o exercício da acção penal, tal como veio a acontecer no Acórdão condenatório, ora sob Recurso, relativamente às questões suscitadas pelos Arguidos E e K.
Também o Despacho Judicial de fls. 17.042 a 17.046 acolhera a mesma argumentação, indeferindo a arguição da nulidade invocada pelos Arguidos.
Justifica-se, pois, que se faça uma breve incursão teórica sobre a natureza dos crimes em análise e do regime processual penal, no que respeita aos pressu(...)s processuais para o exercício da acção penal, consignando-se, todavia, e desde já,, no que aos crimes semi-públicos diz respeito, o Despacho proferido, pelo M°P°, em 29.12.2003 (prévio à, embora integrando a, Acusação), EM CASO ALGUM, ABRANGEU QUALQUER OFENDIDO, RELATIVAMENTE AO QUAL JÁ TIVESSEM DECORRIDO 6 MESES, SOBRE A DATA EM QUE COMPLETARA 16 ANOS DE IDADE, como é, de resto, o caso do Assistente AK.
O Acórdão, aliás, acolheu um tese mais ampla do que aquela que foi a do M°P°, uma vez que, naquele, se entendeu que o Despacho proferido ao abrigo do art. 178°, do C. Penal, seria válido, mesmo nos casos em que já tivessem decorrido mais de 6 meses, para além das datas em que os Ofendidos tivessem completado 16 anos de idade. Tal entendimento, acolhido que é por vasta Jurisprudência, não releva, todavia, neste Processo, pela razão acima invocada.
O art° 178°, n° 1, do Código Penal, cuja redacção foi introduzida pela Lei n° 65/98, de 2 de Setembro, consigna que:
“o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167°, 168° e 71° a 175° depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.”
Acrescenta, porém, o número 2, do citado preceito penal, que:
“Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo”. Cotejando a disciplina do preceito penal anteriormente aludido com a dos art°s 48° e 49°, do CPP, resulta inquestionável que o M° P° dispõe de legitimidade para promover o processo pelo crime abuso sexual de criança previsto e punível pelo art° 172°, n° 1, e/ou, n° 2, do CP, quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressu(...)s:
c) a vítima for menor de 16 anos;
d) o interesse da vítima impuser o procedimento.
Não tem sido unívoca a interpretação inerente ao mencionado preceito penal e, em consequência, no que toca à legitimidade de intervenção do M° P°.
Partindo da literalidade do art° 178°, n° 2, do CP, julgamos ser de corroborar o entendimento expresso por Leal-Henriques e Simas Santos em “Código de Processo Penal Anotado”, 2° volume, pág. 465, 3ª Edição, Rei dos Livros, de acordo com o qual “o M° P° quando a vítima é menor de 16 anos e na falta de queixa dos titulares do direito (artigo 113°), só pode promover o processo quando conclua que a protecção do menor impõe a promoção penal e que a existência de um processo não é prejudicial para a pessoa da vítima.”.
Sintomático de que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, é o facto de não ter incluído as situações em apreço na ressalva do n° 1, do art° 178°, a par da morte ou suicídio da vítima.
Acresce que, a redacção adoptada - anteriormente “menor de 12 anos” e “especiais razões de interesse público” e agora “menor de 16 anos” e “interesse da vítima” -, não pode deixar de ter outro significado que não seja que, para dar início ao procedimento, o Ministério Público não tem que esperar que quem de direito, apresente queixa.
A este entendimento conduzem os antecedentes do preceito, que, pela respectiva oportunidade, importa referir.
Recuando ao Código Penal de 1886, verifica-se que, nos termos do art° 399°, o procedimento criminal não teria lugar “… sem prévia denúncia do Ofendido, ou de seus pais, avós, marido, irmãos, tutores ou curadores”. Porém, sendo a pessoa ofendida menor de 12 anos ou tendo sido cometida violência qualificada por lei como crime público, o crime tinha natureza pública. A natureza semi-pública dos crimes sexuais foi consagrada, como regra, pelo art° 211°, n° 1, do CP de 1982. Todavia, o n° 2, do citado dispositivo, contemplava uma excepção similar à do Código de 1886, quando os crimes tivessem por vítima pessoa menor de 12 anos; fosse cometido por meio de crime público; quando o agente do crime fosse o titular do exercício do direito de queixa; ou quando do crime resultasse ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima, casos em que o crime revestia natureza pública.
A natureza pública de tais crimes era eleita em homenagem a três ordens de razões, respectivamente, o interesse público na perseguição de crimes considerados de especial gravidade - hipótese de utilização de um meio que, por si só, integraria crime público, ou quando o crime sexual tivesse resultado em consequências particularmente gravosas para a vítima -; a presença de actividades com particular desvalor ético, energicamente repelidas pela comunidade - actos sexuais praticados com ou contra menor de 12 anos -; e a necessidade de ultrapassar a inevitável e chocante impossibilidade de procedimento por falta de queixa, por ser o próprio autor do crime o titular do direito de queixa.
Pode concluir-se, conforme o faz o Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Fevereiro de 1999, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9, Fascículo 2 (Abril/Junho), que “Deste modo, dando preponderância ao tratamento dos crimes sexuais como crimes semi-públicos o C. Penal de 1982 continuou a privilegiar o direito da vítima a definir o seu real interesse, se perseguir o crime, a resguardar-se do escândalo e publicidade que essa perseguição penal importaria. (…) Porém, (…) quanto a determinadas situações havidas como mais graves, postergou-se esse eventual interesse da vítima a preservar o seu recato e, dando-se primazia ao interesse público na perseguição criminal, optou-se pelo enquadramento dessa situações na classe dos crimes públicos”.
A revisão operada pelo Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março, determinou, conforme já supra se salientou, que os crimes sexuais, até então sistematicamente inseridos nos “crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade”, passassem a enquadrar-se nos “crimes contra as pessoas”, adquirindo a denominação de “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”.
Não se tratou, contudo, de mera alteração terminológica, já que, por um lado, a tónica da caracterização foi colocada na vertente da protecção da liberdade sexual das pessoas, e, por outro lado, o diploma penal passou a dispor que “o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer um deles resultar suicídio ou morte da vítima.”.
Em suma, de todas as circunstâncias que, na versão original do Código Penal de 1982, conferiam a qualquer desses crimes a natureza semi-pública, apenas se manteve a acima apontada, tendo-se eliminado todas as demais.
Ora, o n° 2, do art° 178° - que dispunha que nos casos previstos no n° 1 , do preceito, quando a vítima fosse menor de 12 anos, o M° P° poderia dar início ao processo, se especiais razões de interesse público o impusessem - não constava do Projecto de Revisão do Código, tendo, no entanto, vindo a ser introduzido pelo DL n° 48/95.
Esta vicissitude legislativa não pode deixar de inculcar que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, pois se essa tivesse sido a intenção, bastaria incluir a hipótese na ressalva do n° 1.
O que decorre, inexoravelmente, é que, nos casos da previsão do art° 178° no 2, pretendeu-se consagrar que o M° P° não tem que esperar que quem de direito apre sente queixa para, nesses casos, dar início ao procedimento, assim se prevenindo os inconvenientes que da tardia reacção do representante do menor, titular do direito de queixa, poderia advir para o bom êxito do procedimento que depois se quisesse instaurar, frustrando o interesse da vítima menor.
Mas, tal não implicou que se tivesse querido preterir a possibilidade de a vítima decidir o interesse para si relevante.
Deverá, assim, entender-se, que cessa o pressu(...) de legitimidade de intervenção do M° P° logo que a vítima possa, nos termos da lei, exercer o direito de queixa, ou se se preferir, a vítima possa decidir qual é, para si, o interesse relevante, se a perseguição penal se a não intervenção.
Em consequência, pode afirmar-se que, completando a vítima 16 anos, perde razão de ser a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178° n° 2, a menos que o Ofendido não possua o discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa. É a disciplina que decorre do cotejo do citado normativo com o art° 113°, n° 3, do CP.
Este entendimento resulta acentuado com a redacção de então (introduzida pela Lei 99/2001), do art° 178°, n° 2, do CP, que expressamente aludia ao “interesse da vítima”.
Com efeito, ao fazer depender o procedimento criminal de queixa nos casos a que se reporta o art° 1 78°, n° 1, do CP, o legislador concedeu uma especial protecção aos interesses daquela pessoa que, em concreto, é alvo da conduta típica, assim se justificando que só ela disponha de legitimidade para apresentar queixa.
E porque assim é, o art° 178°, n° 2, do CPP, surge como uma forma de evitar a desprotecção do menor de 16 anos - e por isso, incapaz para exercer directamente o direito de queixa (art° 113°, n° 3, daquele diploma) -  naqueles casos em que o titular do direito de queixa a não apresenta, quando o interesse da vítima assim o impunha.
A ratio legislativa situa-se em termos de combater e evitar os casos de impunidade resultantes da circunstância da vítima não ter, ainda, capacidade para o exercício do direito de queixa e de o titular desta a não apresentar - veja-se, neste sentido, Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 9, fasc.° 2°, pág. 328.
Nesta linha de entendimento, a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178°, n° 2, do CP deve, necessariamente, ter-se por subsidiária e porque subsidiária, cessa quando passe a inexistir razão que sob o ponto de vista finalístico a fundamente, ou seja, quando a vítima complete 16 anos e passe a dispor de capacidade para o exercício do direito de queixa.
Em suma, o preceito penal mencionado exige uma leitura conjugada do art° 178°, n° 1, 1a parte, e do art° 113°, n°s 3 e 6, ambos do CP, dela resultando que:
d) o art° 1 78°, n° 2, constitui um dos casos a que se refere o art° 113°, n° 6, do CP;
e) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1ª parte do art° 178°, no 1, do CP, e a Vítima for menor de 16 anos, o M° P° pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse daquela, dar início ao procedimento criminal;
f) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do M° P°, nos moldes consagrados no art° 178°, n°2, doCP.
Assim sendo, consagrando a lei a possibilidade de o Ofendido apresentar queixa a partir da altura em que completa 16 anos - e depois disso não podendo o mesmo ser exercido por mais ninguém (art° 113°, n°s 3 e 6 e 178°, n° 4, do C.P.) - tem de se concluir que o mesmo disporá do prazo geral de 6 meses para a apresentar, sob pena de se esvaziar de conteúdo tal possibilidade.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão, do TRP, de 15.4.2009 (RP 7344/08), consultado em www.dgsi.pt, em que se afirma:
“A única interpretação coerente das regras legais aplicáveis é a que permite ao menor de 16 anos apresentar queixa nos 6 meses seguintes à aquisição do respectivo direito, ou seja, o direito de queixa só se extingue 6 meses depois de o menor atingir 16 anos.
De outro modo (como no presente caso), o direito de queixa extinguir-se-ia sem que pudesse ter sido exercido, o que seria manifestamente absurdo: os pais da menor não o puderam exercer, pois quando tiveram conhecimento dos factos já não eram titulares desse direito; por seu turno, a menor só adquiriu o direito de queixa depois de já terem passado seis meses sobre o seu conhecimento dos factos
O artigo 115°, 1, do C. Penal, na redacção aplicável (pois a nova redacção do art. 113°, 6 do CP é clara nesse ponto, ao referir que “… o Ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos”), deve ser interpretado no sentido de não ser possível a extinção do direito de queixa antes de decorrido o prazo de seis meses a contar da possibilidade do seu exercício.
Por isso, nos casos em que o Ofendido seja menor de 1 6 anos, o direito de queixa só se extingue seis meses depois do conhecimento dos factos pelos legais representantes do menor, ou seis meses depois de o menor perfazer 16 anos, pois só nessa altura adquire ele próprio o direito de queixa.”.
O argumento, invocado pelo Recorrente, segundo o qual a inércia dos representantes legais do Menor que ainda não houvesse completado 16 anos, faria precludir o direito de este desejar, manifestando-o, desejo de procedimento criminal, pela prática de crimes semi-públicos de que tivesse sido vítima, é inaceitável, e contenderia, claramente, com o direito de quem acabara de completar a idade a partir da qual a própria Lei lhe reconhece a imputabilidade penal.
Neste mesmo sentido foi a evolução legislativa posterior, relativamente a crimes de natureza semi-pública, praticados contra menores de 16 anos.
Assim, o art° 113°, n° 6, do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, clarificando, veio consagrar, agora expressamente e de forma mais alargada, o que já se constituía como o sentido interpretativo da norma, segundo o qual o Ofendido pode exercer o direito de queixa, a partir da data em que perfizer 16 anos, dispondo do prazo geral de 6 meses estipulado no art° 115°, n° 1, mas agora contado da data em que fizer 18 anos.
No caso que ora nos ocupa, o Ofendido AK nasceu a (…). Consequentemente, completou os 16 anos de idade, a (…), tendo exercido o procedimento criminal no dia (…), ou seja, 3 dias antes de se terem completado 6 meses, após a data em que perfez os 16 anos (cfr. Auto de Inquirição de fls. 4.234 e ss., concretamente, a fls. 4.241). Daí se conclui, no entendimento que se perfilha, que exerceu tempestivamente tal direito de queixa, legitimando o M°P° para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos art°s 49° e 50°, do CPP.
Diga-se, por fim, que a intervenção processual do M°P° deu-se logo no início do processo, não se podendo cindir, esta, por Ofendido. A equipa da PJ trabalhava sob orientação do M°P° e, nos termos do art° 241°, do CPP, o M°P° recebeu a denúncia que foi apresentada junto da PJ.
Inexiste, pois, qualquer razão, ao Recorrente, ao invocar, quer a caducidade do direito de queixa do Assistente AK, quer a consequente ilegitimidade do M°P° para exercer a acção penal.”
Já os assistentes, na sua resposta, afirmam:
“Quanto à caducidade do direito de queixa, é manifesto o desnorte do arguido. Com efeito, alega que no caso agora em apreço o assistente tomou conhecimento dos abusos perpetrados contra a sua pessoa quando os mesmos ocorreram - o que é óbvio -, numa altura em que o titular do direito de queixa eram os seus legais representantes, a mãe KKQ, ou a irmã BX.
Ora, não tendo os legais representantes do menor exercido esse direito, também não o fazendo o MP ao abrigo do art.178., do CP, quando completou 16 anos já não podia o menor exercer o seu direito de queixa porque a essa data já teria caducado por terem decorrido mais de 6 meses desde que tomou conhecimento dos mesmos (na data do seu cometimento)???
Antes de mais, note-se que o arguido, aqui recorrente, não sustenta que o legal representante do assistente AK tenha tomado conhecimento dos abusos anteriormente a este ter completado os 16 anos de idade, o que sucedeu em (…), nem o poderia fazer por tal questão não ter sido suscitada nos autos, motivo pelo qual não foi produzida qualquer prova a esse respeito, nem existindo nos autos qualquer elemento probatório que encerre qualquer informação sobre o facto do conhecimento.
Não se podendo presumir que a titular do direito de queixa, a mãe do ofendido, tenha tomado conhecimento dos abusos de que este foi vítima, não se levanta qualquer questão quanto à extinção do direito de queixa por parte daquela. Acrescendo que também o MP não teria qualquer conhecimento de tais abusos anteriormente ao exercício da acção penal - que se deu com o despacho de 25- 11-2002 -, pelo que a questão se resume a saber se este exerceu ou não atempadamente o seu direito de queixa.
E a este respeito diga-se que a interpretação que o arguido recorrente faz da disciplina do art.115., n. 1, do CP-- “O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores (...)“ -, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, aplicável à questão por aplicação da proibição da aplicação retroactiva da lei penal desfavorável ao arguido não tem qualquer acolhimento na lei, na doutrina ou jurisprudência.
Na verdade, pretende o arguido que tendo o assistente tomado conhecimento dos abusos na data em que estes ocorreram, e já tendo decorrido mais de 6 meses deste essa data quando completou 16 anos, o seu direito de queixa, por si, já se mostraria extinto em (…).
Porém tal entendimento levaria a um absurdo jurídico: o direito de queixa do ofendido extinguir-se-ia antes de poder ter sido exercido, dado antes de atingir os 16 anos de idade o assistente não ser titular do direito de queixa, deferido ao seu legal representante, no caso a mãe que não o exerceu por desconhecer os abusos.
Assim, a única interpretação possível da disciplina do n.º 1, do art. 115., do CP, é que só quando o titular do direito de queixa efectivamente o é, por estar em condições de exercer a queixa, se pode iniciar a contagem do prazo de 6 meses previsto naquele normativo, pois antes essa faculdade não está na sua disposição jurídica.
No caso vertente, atento o que dis(...) no art. 113.º, n.º 3, do CP - “Se o ofendido for menor de 16 anos ou não tiver o discernimento para entender o alcance e significado do direito de queixa, este pertence ao representante legal (somente na data em que completasse 16 anos em (…). por referência à sua data de nascimento ((…)). o assistente AK estaria em condições de exercer por si a queixa, pelo que só nessa data se iniciaria a contagem do prazo de 6 meses para a extinção do direito de queixa, o que sucederia em (…).
Sendo inquestionável, o que, aliás, o próprio arguido reconhece na motivação do seu recurso (vd. último parágrafo da pág. 4 - fls. 69.534), que em (…) o assistente manifestou o seu desejo de procedimento criminal contra o arguido recorrente (vd. Fls.. 4241: “Deseja procedimento criminal contra o E, o indivíduo que atrás se referiu, o DU e todos aqueles que. se vier a lembrar que cometeram crimes sexuais na sua pessoa.”), portanto. 3 dias antes da data de (…), exerceu atempadamente o seu direito de queixa, face aos arts. 115.º, n.º 1 e 113, n..º 3, do CP.
No sentido ora pro(...), veja-se o Ac. da Relação do Porto de 15-04-2009 (…).
Face a isto, a questão da ilegitimidade do MP para o exercício da acção penal fica prejudicada pela inexistência de fundamento para a posição defendida pelo arguido quanto à caducidade do direito de queixa do assistente AK.
É que se o ofendido exerceu em tempo o direito de queixa de que era titular, torna-se irrelevante saber se o MP poderia ou não actuar em nome do interesse da vítima nos termos do art. 178. n. 4, do CP (na versão deste artigo introduzida pela Lei 99/2001, de 25 de Agosto, que aditou o n. 4), (...) que o exercício da acção penal pelo MP teve por base a queixa oportuna do respectivo titular.
Não deixa, todavia, de se tecer algumas considerações pertinentes a respeito desta questão:
Desde logo, note-se que o arguido apenas suscitou a questão da ilegitimidade do MP para o exercício da acção penal quanto aos crimes que lhe foram imputados nos pontos 6.2.1., 6.4.1. e 6.7.1 do despacho de pronúncia, unicamente a estes se referindo a decisão de fls. 66.503 a 66.514 do tribunal a quo, que não decidiu, nem tinha que o fazer, qualquer excepção de ilegitimidade do MP quanto aos crimes por que veio a ser condenado o arguido, os referidos no ponto 4.2.1. do despacho de pronúncia.
Não se descortina, então, de que forma pretende o arguido estender os fundamentos e decisão do acórdão a este respeito, a uma situação de ilegitimidade que nunca invocou até agora e sobre a qual o tribunal não se pronunciou, não tinha que se pronunciar, nem podia, a não ser que tivesse um dom de antecipação sobre-humano conseguindo adivinhar a argumentação que o arguido viria a desenvolver em recurso.
Por outro lado, o entendimento perfilhado pelo MP no que respeita a esta questão, foi precisamente a interpretação restritiva da disciplina do art. 178.º, n. 4, no sentido que a sua intervenção fundada no interesse da vítima independentemente da existência de queixa só é possível antes do menor ter capacidade para, por si, exercer esse direito de queixa. Nesse sentido, veja-se o despacho de 29-12-2003 a fls. 13.479 a 13.483, ponto “1.2 - Da legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal nos crimes de abuso sexual de menores” onde se conclui o seguinte:
“a) o art°. 178° n °. 2 constitui um dos casos a que se refere o art°, 113° n °. 6 do CP;
b) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1:º parte do art° 178° n.º. 1 do CP, e a vítima for menor de 16 anos, o Ministério Público pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse da vítima, dar início ao procedimento criminal;
c) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do Ministério Público nos moldes consagrados no art°. 178°n°. 2 do CP.”
Mais: sintomaticamente esta justificação precede o capítulo em que sob a epígrafe
“ARQUIVAMENTOS POR FALTA DE CONDIÇÕES DE PROCEDIBILIDADE” o MP irá mandar arquivar dezenas de denuncias de abuso sexual de criança, entre as quais algumas relativas ao arguido, precisamente porque o(s) respectivo(s) ofendido(s) não exerceu(eram) atempadamente o seu direito de queixa por ter(em) mais de 16 anos e 6 meses à data em que denunciaram os abusos.
Portanto, o entendimento foi que em tais casos o MP não podia agir independentemente de queixa dando início ao procedimento em nome do interesse da vítima, ao abrigo do art.178. n. 4, do CP.”
Deve haver poucas situações em que a fundamentação do despacho recorrido e as respostas do Ministério Público e assistentes sejam tão profundas e assertivas como nesta tão falada questão da caducidade do direito de queixa/ilegitimidade do Ministério Público (que, como bem salientam os assistentes não foi tratada como ilegitimidade do Ministério Público por todos os arguidos – como aconteceu com o arguido E – mas que nos autos, desde a fase de instrução, sempre foi analisada com toda essa amplitude, dado que, no fundo, uma questão está intimamente ligada com a outra e as normas jurídicas a ponderar são também as mesmas).
Assim, reiterando o que já dissemos nos recursos interlocutórios supra mencionados, este Tribunal concorda inteiramente com o despacho recorrido e com a posição que o Ministério Público assumiu nos autos.
Compreende-se à saciedade a lógica da argumentação que lhe serve de base, ao contrário do que acontece com os recursos dos arguidos.
Vejamos.
Não há dúvida – aliás o próprio arguido E o confirma – que o ofendido AK exerceu o seu direito de queixa dentro dos 6 meses subsequentes à data em que perfez 16 anos, o que está de acordo com o entendimento do Ministério Público e do Tribunal recorrido.
Invoca o arguido que, no caso dos crimes pelos quais foi condenado, o AK teve conhecimento dos factos que o Tribunal deu como provados e da sua prática pelo recorrente na data em que foram praticados.
Acrescentamos nós: teve este ofendido e deverão ter na generalidade todos os ofendidos em crimes semelhantes, a não ser que por muito tenra idade ou algum problema do foro mental, não entendam o alcance do que lhes aconteceu.
Mas daí a afirmar-se que, em semelhante caso, o direito de queixa pertencia às pessoas indicadas no art. 113.º do CP, designadamente os familiares do menor, e que, por conseguinte, o decurso do prazo de 6 meses para exercer o direito de queixa se computa da data em que o menor teve conhecimento dos factos, já extravasa, por completo, a lógica e racionalidade das coisas.
Como bem salientam os assistentes, mas em que momento do processo é que ficou demonstrado que este menor, como os demais, contou o sucedido à sua família quando os factos aconteceram? Aliás, toda a prova constante dos autos aponta precisamente para a circunstância de os menores terem mantido silêncio, durante largos anos, quanto aos abusos sexuais de que eram vítimas.
Acresce que tratando-se de menores institucionalizados, porque as respectivas famílias, pelos motivos mais variados, não eram capazes de acautelar os interesses dos menores, nem sequer é de presumir que estes familiares tivessem a diligência esperada de um “bom pai de família”.
Em conclusão, os pressu(...)s fácticos de que o arguido parte para afirmar que o direito de queixa por parte do AK caducou 6 meses depois da ocorrência dos factos carecem, em absoluto, de comprovação nos autos, não são lógicos, não estão de acordo com as regras da experiência comum e vão mesmo contra tudo o que consta do presente processo.
Por conseguinte, não se verificou a caducidade do direito de queixa invocada pelo arguido.
Do mesmo modo, não sendo possível afirmar-se que havia caducado o direito de queixa quando o Ministério Público deu início ao procedimento criminal, também não pode afirmar-se a ilegitimidade do Ministério Público daí decorrente.
Quanto ao mais invocado pelo arguido, resta-nos chamar à colação tudo quanto já se afirmou nos recursos interlocutórios dos arguidos H e C, em que se colocaram, até de forma mais exaustiva no caso do segundo, as mesmas questões.
Defende o arguido que o ofendido tinha completado 16 anos à data da instauração do presente processo, o que levaria a concluir pela ilegitimidade do MP para o exercício da acção penal no caso dos crimes de abuso sexual de crianças de que o arguido vem acusado, não devendo ter ocorrido intervenção do Ministério Público suprindo o direito de queixa.
No caso dos autos era inteiramente justificada a sua intervenção. Os menores que foram vítimas neste processo eram crianças desprovidas de meio familiar normal, estavam confiados a uma Instituição de protecção e assistência e foram abusados por isso. Os menores identificados nos autos não tinham qualquer contacto regular com a sua família e o organismo público a que se encontravam confiados não conseguiu protegê-los eficazmente, conforme aliás decorre do modo de vida a que se vinham dedicando.
Conclui-se, pois, que está amplamente justificada a existência do interesse especial destas vítimas que legitimou a intervenção processual do Ministério Público.
É certo que os ofendidos poderiam até ter todos 16 anos, mas estava em curso o prazo de 6 meses para apresentarem a respectiva queixa. Se o Ministério Público, que é o titular da acção penal, durante esse período, vê necessidade de desencadear o procedimento criminal, o que foi devidamente justificado, deve fazê-lo.
Os ofendidos têm um período para apresentar queixa, precisamente para reflectirem se o desejam fazer e não podem ser privados desse prazo para reflexão.
Havendo necessidade de dar início às diligências investigatórias – o que só ao Ministério Público compete decidir – aquele deve fazê-lo, sempre que o interesse dos menores o justifique, até porque desconhece qual a posição que os mesmos vão assumir de futuro e não poderá deixar de tutelar os interesses que a lei lhe confiou.
No mais, o arguido vem invocar a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal recorrido quanto à contagem do prazo para o exercício do direito de queixa por parte do ofendido e consequente legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal, por violação do princípio da legalidade, previsto no art. 1.º, n.º 3, do CP, e no art. 29.º, n.º 1, da CRP.
Como também se referiu nos recursos interlocutórios, isso até poderia ser defensável caso tivesse ocorrido aplicação analógica de uma norma processual penal, que conduziria ao alargamento, não contemplado na lei, do prazo do exercício do direito de queixa, com o que se estaria a violar o princípio da legalidade.
No entanto, não foi essa a actuação do Tribunal a quo. O Tribunal não aplicou analogicamente qualquer norma, antes tendo aplicado, em conjugação, as normas jurídicas que no caso vertente se aplicam, interpretando-as de acordo com o espírito da lei.
Não se consegue, por isso, descortinar qualquer inconstitucionalidade da interpretação normativa feita no despacho recorrido, por alegada violação do art. 29.º, n.º 1, da CRP.
E muito menos na invocação de interpretação inconstitucional feita pelo arguido E, que se limita a afirmar ter sido violado o art. 29.º, n.º 1, da CRP, por o Tribunal não ter entendido que os 6 meses para apresentar queixa se contavam do momento em que o menor teve conhecimento dos factos, o que, como já se viu, é uma interpretação da lei, essa sim, claramente violadora dos interesses que a lei pretende tutelar.
Em conclusão, improcede na totalidade a questão da caducidade do direito de queixa/ilegitimidade do Ministério Público, suscitada pelo arguido E, reiterando que se adere por completo à profunda fundamentação do despacho recorrido, que não merece qualquer reparo.
b) - O silêncio do recorrente em audiência de julgamento
O arguido E, nas suas conclusões de recurso 38.ª a 52.ª, alega ter havido violação da norma do art. 343.º, n.º 1, do CPP, acrescendo ser inconstitucional, em seu entender, a interpretação e aplicação feitas pelo Tribunal a quo de tal norma, porquanto “o acórdão recorrido lembra (fls 67150) e relembra (fls 67152, 67157, 67704 e 67727) que o recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento, tendo no entanto requerido a leitura de declarações que prestara em inquérito perante o Senhor Juiz de Instrução. E acrescenta que, deferida e feita a leitura, declarou não pretender prestar qualquer esclarecimento. O Tribunal volta a relembrar, a fls 68086, no âmbito da determinação da medida da pena, que a postura do recorrente em julgamento “não foi colaborante”. Embora referindo que o silêncio do recorrente constitui o exercício de um direito legal, o lembrar e relembrar de tal atitude e sobretudo a consideração, no âmbito da determinação da medida da pena, que a sua postura em julgamento não foi colaborante, revelam que, na formação da sua convicção, o Tribunal deu relevância ao silêncio.” (fim de transcrição)
Nos termos do art. 61.º, n.º 1, al. d), do CPP, o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, do direito a "não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar", isto é, tem o arguido direito ao silêncio, direito que também se acha consagrado no art. 343.º, n.º 1, do CPP onde se preceitua que "o presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo."
A este propósito pode ler-se no sumário do acórdão do STJ de 18 de Outubro de 1995, relatado pelo Exmº Conselheiro Vaz Santos, proferido no proc. 048366 e consultável in www.dgsi.pt, o seguinte:
“II - O acórdão recorrido deu como provado que "o arguido recusou-se a prestar em julgamento declarações". Certo é que o arguido exerceu na audiência de discussão e julgamento um direito seu, consagrado no artigo 343, n. 1 do C.P.P., sendo que o direito ao silêncio é uma das mais importantes manifestações do direito de defesa no direito processual moderno; o seu exercício em nada poderá desfavorecer o arguido.
III - Quando no acórdão recorrido se refere "não se vislumbra arrependimento por parte do arguido", não se evidencia que asserção tenha resultado da posição assumida pelo arguido com o seu silêncio; bem podia ele ter prestado declarações e mesmo assim o Colectivo ter concluído de modo idêntico, pelo que naquele juízo formulado foi indiferente o exercício do direito ao silêncio.” (fim de transcrição)
O direito ao silêncio e o direito à não auto-incriminação, enquanto expoentes máximos do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, têm uma matriz constitucional processualista, assente no processo equitativo previsto no n.º 4 do art. 20.º da CRP e nas garantias processuais reconhecidas ao arguido pelo art. 32.º do texto constitucional. O direito ao silêncio existe apenas na exacta medida em que permite a alguém não prestar declarações para não ser obrigado a exteriorizar uma declaração de culpabilidade.
Como se consagrou no acórdão do STJ de 10 de Janeiro de 2008, relatado pelo Exmº Conselheiro Simas Santos, proferido no proc. 3227/07 e consultável in www.jusnet.pt
“... o direito ao silêncio por parte do arguido não é um direito ilimitado e que incide sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar, como dispõe a norma do n.º 1, al. c) do art. 61.º do CPP.
Na verdade, também lembra o Tribunal Constitucional que o «direito ao silêncio» conhece, no domínio do Código de Processo Penal, algumas excepções, como a resultante da al. b) do n.º 3 do art. 61.º, e o, já referido, dever de responder com verdade às perguntas feita por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais”
E, depois de se debruçar sobre os acórdãos do TC nºs 695/95, 440/99 e 127/07, acrescenta-se naquele aresto do Supremo Tribunal:
“Ora, como se viu, o trecho do acórdão recorrido, de que parte o recorrente, não se prende com os factos de que é acusado ou declarações que prestou anteriormente sobre eles, núcleo essencial protegido pelo direito ao silêncio, mas sim sobre a sua personalidade.
E situou-se o Tribunal recorrido na senda da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça de que o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio (cfr. AcSTJ de 21/02/2006, Proc.º 260/06-5 e de 24/10/2001, Proc. nº 2762/01-3).
Tem entendido, este Supremo Tribunal, que:
- Na avaliação da personalidade não está em causa o direito ao silêncio, em ordem a extrair deste um juízo desfavorável relativamente àquela. Porém usando o arguido daquele direito, fica impedido o tribunal de se socorrer de elementos que poderiam levá-lo a uma atitude de compreensão em termos de culpa, susceptível de se repercutir na medida da pena e no prognóstico do seu comportamento futuro, com interesse para as exigências de prevenção especial e da própria necessidade da pena. (AcSTJ de 30/10/1996, Proc. nº 59/96 (JusNet 7412/1996))
- Resultando da factualidade provada e respectiva motivação que o arguido, usando do direito ao silêncio, não prestou quaisquer declarações em julgamento, e não podendo, obviamente, ser prejudicado por isso, certo é que impediu, desse modo, que o tribunal tivesse um melhor acesso à sua personalidade, condições de vida sócio-familiares, e perspectivas de reinserção social. (AcSTJ de 10/03/2004, Proc. nº 258/04-3)
- Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio. (AcSTJ de 20/10/2005, Proc. nº 2939/05-5 (JusNet 4803/2005)
- O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado, a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória. Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática e actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto. (AcSTJ de 05/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 159)
- Esta exigência de interiorização nada tem a ver com a problemática da não exigência de auto-incriminação, que se funda no facto do arguido não dever ser obrigado a concorrer para a descoberta da verdade servindo de meio de prova (direito de defesa). No entanto, se o arguido decidir não contribuir para a descoberta da verdade, também não pode pretender que o tribunal reconheça o que ele próprio não foi capaz de reconhecer. (AcSTJ de 27/04/2006, Proc. nº 794/06-5)
- Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio. (AcSTJ de 14/06/2006, Proc. nº 2175/06-5 (JusNet 2985/2006))
- O uso do silêncio a perguntas feitas por qualquer entidade, designadamente no decurso do julgamento, não pode prejudicar o arguido, pois é um direito consagrado na lei (arts. 61.°, n.º l, al. c), e 343.º, do CPP). Todavia, ao não falar, o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento. Por outro lado, embora a mentira do arguido não seja sancionada penalmente, também não é um direito que lhe assiste, pelo que a tentativa de enganar a investigação e de prejudicar gravemente outra pessoa cuja responsabilidade é menor representa uma conduta processual censurável. (AcSTJ de 14/07/2006, Proc. nº 3163/06-5).” (fim de transcrição)
Por outro lado, releva aqui o expendido por Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos em “O direito à não auto-inculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contra-ordenacional português”, publicado no JusJornal n.º 946, de 11 de Fevereiro de 2010, Editora Wolters Kluwer Portugal e consultável in www.jusnet.pt sob o n.º 31/2010:
“...com o Código de Processo Penal de 1987 (CPP), o direito ao silêncio, além de expressamente consagrado, adquire verdadeira efectividade prática, porque é acompanhado da interdição da valoração negativa do silêncio, da consagração de proibições de prova que impedem a utilização de provas obtidas com violação daquele direito, da proibição da utilização das declarações anteriores do arguido que se remete ao silêncio em audiência, bem como da obrigação de fundamentação das decisões judiciais. Permaneceram as limitações decorrentes da obrigação de declarar a verdade sobre os elementos de identificação pessoal e antecedentes criminais. Quanto a este último aspecto, o Tribunal Constitucional (TC) viria a declarar inconstitucional o n.º 2 do art. 342.º do CPP que obrigava o arguido, em julgamento, a descrever com verdade os seus antecedentes criminais (...).
Ao contrário de outras Leis Fundamentais, a Constituição da República Portuguesa (CRP) não tutela expressamente o nemo tenetur. A consagração expressa do princípio surge apenas no Código de Processo Penal (CPP), na vertente do direito ao silêncio (arts. 61.º, n.º 1, al. d), 132.º, n.º 2, 141.º, n.º 4, al. a), e 343.º, n.º 1, do CPP). Maugrado a ausência de previsão expressa na CRP, tanto a doutrina como a jurisprudência portuguesa são unânimes quanto à natureza constitucional implícita do nemo tenetur.
No que respeita aos fundamentos constitucionais do princípio podem distinguir-se dois, segundo uma divisão oriunda da doutrina germânica: um fundamento material ou substantivo e um fundamento processual. Na doutrina portuguesa prevalece a corrente que atribui ao nemo tenetur natureza processual. Dentro desta, podem distinguir-se várias nuances, configurando a maioria dos autores o direito ao silêncio como projecção da estrutura acusatória do processo e das garantias de defesa. Outros relacionam aquele direito com aspectos particulares destas garantias, tais como a presunção da inocência, e outros ainda, sem afastar as garantias de defesa, reconduzem-no ao princípio do processo equitativo. (...).
Não obstante o silêncio da Constituição, que não significa, como sublinhámos, irrelevância constitucional, o nemo tenetur encontra consagração expressa a nível infraconstitucional, no CPP, na variante de um abrangente e quase irrestrito direito ao silêncio - art. 61.º, n.º 1, al. d). Esta disposição é complementada por outras do mesmo Código, que regulam o exercício do direito ao silêncio em actos processuais específicos, tais como os interrogatórios e a audiência de julgamento e estabelecem obrigações de informação sobre aquele direito integrante da posição do arguido como sujeito processual (arts. 58.º, n.º 2, 132.º, n.º 2, 141.º, n.º 4, al. a), 143.º, n.º 2, 144.º, n.º 1, e 343.º, n.º 1, do CPP) (...)
O princípio nemo tenetur goza de consagração constitucional implícita no Direito português, como vimos, e desdobra-se numa série de corolários, o mais importante dos quais é o direito ao silêncio. Quer por razões históricas, quer pelo amplo acolhimento legal de que beneficia, pode afirmar-se que este direito constitui o núcleo do nemo tenetur. (...) ... no sistema processual penal português é titular do direito ao silêncio primeiramente o arguido e, além dele, todas as pessoas que, não o sendo, são, contudo, orientadas ou pressionadas por agentes da administração da justiça penal a declararem contra si mesmas. No que ao arguido diz respeito, o direito ao silêncio conhece uma limitação em matéria de identificação pessoal e de antecedentes criminais, como vimos. O n.º 3 do art. 141.º estabelece que, no primeiro interrogatório de arguido detido, este é obrigado a responder sobre ambos os assuntos e deve ser advertido de que, quer a falta, quer a falsidade das respostas, podem determinar a sua responsabilidade criminal. Na fase do julgamento o arguido é obrigado a responder sobre a sua identificação mas não sobre os antecedentes criminais (art. 342.º). Como acima notámos, no Acórdão n.º 695/95 o TC considerou incompatível com a Constituição a obrigação de o arguido falar em julgamento acerca dos seus antecedentes criminais, porque isso violaria, entre outros, o direito à não auto-incriminação. (...) Expressão oral, escrita e gestual são actos comunicativos, manifestações equiparáveis da linguagem humana, que não faz sentido diferenciar em matéria de protecção contra a auto-incriminação (...)
O âmbito de validade do princípio nemo tenetur permite diferenciar entre âmbito de validade normativo, âmbito de validade temporal e âmbito de validade material. Quanto ao primeiro, o princípio é aplicável a todo o direito sancionatório, sobretudo, no Direito português, ao Direito Penal e ao Direito de Mera Ordenação Social.
(...) ...o destaque que o CPP dá ao direito ao silêncio leva-nos a concordar com a ideia de que o direito a não prestar declarações contra si mesmo constitui a realização-mor do nemo tenetur, com as consequências acima assinaladas. Mas o princípio possui uma área menos central ou mais periférica, intervindo sempre que alguém é levado a contribuir para a própria auto-incriminação, por isso que a sua amplitude não depende de critérios centrados na distinção entre conduta activa e tolerância passiva ou na distinção entre dados dependentes e não dependentes da vontade do sujeito, esta última proveniente da jurisprudência do TEDH”. (fim de transcrição)
Como assinala o acórdão recorrido, o arguido não prestou declarações em audiência de julgamento sobre os factos que lhe eram imputados. E mesmo quando requereu a leitura (que foi deferida e efectivada) de excertos por si seleccionados, do interrogatório a que foi sujeito pelo Mmº Juiz de Instrução, mostrou-se indisponível para, posteriormente à referida leitura, prestar quaisquer esclarecimentos sobre tais declarações.
Face a esta postura, o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, considerou, com razão, que a atitude do arguido em julgamento "não foi colaborante".
O arguido, ao não prestar quaisquer declarações em julgamento relativamente aos factos que lhe eram assacados, não confessou e, não o tendo feito, também não pode verbalizar um eventual arrependimento, que igualmente não demonstrou por qualquer outro meio. Ao não falar o recorrente E prescindiu de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento.
"Se o arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o seu direito ao silêncio, já naturalmente, o pode ser de um mero ponto de vista fáctico, quando do silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infracção." (Figueiredo Dias, in "Direito Processual Penal”, 1.º Vol., pág. 449).
O Tribunal de 1.ª instância limitou-se a constatá-lo, sem que, ao assim proceder, tenha violado o art. 32.º da CRP.
Neste mesmo sentido pronunciou-se o STJ no acórdão de 20 de Fevereiro de 2008, relatado pelo Exmº Conselheiro Raul Borges, proferido no proc. 08P295 e consultável in www.dgsi.pt, onde se lavrou:
“Há que ter em atenção que a recorrente não confessou os factos, como consta da motivação, e da acta, a fls. 555, consta que a arguida não desejava prestar declarações.
Sendo certo que a falta de assumpção dos factos cometidos e consequentemente a ausência de qualquer arrependimento não pode, atentos os princípios da legalidade e da presunção de inocência, ser valorada contra o arguido, pois este nem sequer é obrigado a falar sobre os factos que lhe são imputados, sem que o seu silêncio o possa desfavorecer - acórdão de 21-03-2007, processo 790/07-3ª - a verdade é que tal comportamento processual não pode reverter em seu favor, como se o silêncio tivesse a virtualidade de alcançar benefício idêntico ou semelhante à assunção do acto praticado, o que manifestamente não pode ocorrer.
Como se pode ler no acórdão de 21-02-2006, processo 260/06-5ª, o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.
No acórdão de 15-02-2007, processo 15/07-5ª, diz-se: “É certo que a circunstância de o arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na certeza de que o fez no exercício de um direito - art. 343º, nº 1 do CPP. Mas, como vem alertando o STJ, a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida”, citando-se neste aresto vários outros, como os de 30-10-1996, processo 59/96, de 24-10-2001, processo 2762/01-3ª, de 10-03-2004, processo 258/04-3ª, de 20-10-2005, processo 2939/05-5ª, de 14-06-2006, processo 2175/06-5ª, de 14-07-2006, processo 3163/06-5ª (ao não falar o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e ao arrependimento), dando –se conta no mesmo aresto do que lembra o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo presente o artigo 6º da CEDH e a propósito do silêncio e das presunções judiciais: “3. As presunções legais (de culpa) e o juízo que se faça do silêncio do arguido não são, em regra e só por si, incompatíveis com a presunção de inocência, não sendo absolutamente interdito que os tribunais nacionais possam inferir uma conclusão do silêncio do arguido, mas tais deduções só serão admissíveis quando a prova reunida é de tal modo concludente que do silêncio do arguido, quando com ela confrontado, apenas se pode inferir que a não pode negar”.” (fim de transcrição)
Destarte, face a todo o ex(...), não houve violação da norma do art. 343.º, n.º 1, do CPP, nem é inconstitucional a interpretação e aplicação feitas pelo Tribunal a quo de tal norma.
Improcedem, assim, as invocadas inconstitucionalidade e violação do estabelecido no art. 343.º, n.º 1, do CPP.
c) - As sucessivas alterações de factos feitas na pronúncia e as alterações de factos comunicadas pelo Tribunal de julgamento negaram ou dificultaram inadmissivelmente as possibilidades de defesa?
Alega o recorrente E, nas suas conclusões de recurso 93.ª a 96.ª, já anteriormente transcritas, que, pelas alterações de factos feitas na pronúncia e pelas alterações de factos comunicadas pelo Tribunal, foi enredado numa sucessiva teia de imputações indiciárias, sendo que com essas alterações, na sequência da prova promovida pelo recorrente em instrução e em audiência de julgamento, foi subvertido o instituto das alterações indiciárias, como se da demonstração da prova da não verificação dos factos indiciários não devesse resultar a irrelevância desses factos, por não provados. Por isso, entende que as sucessivas alterações negam ou dificultam inadmissivelmente as possibilidades da defesa.
Diz o recorrente, nas suas motivações de recurso, quanto a este particular: “Por acusação de 29. 12.2003 (fls 13 808) foram imputados ao recorrente, relativamente ao assistente AK (fls 1 3 623 a 13628 e fls 13774), os seguintes crimes, depois de se referir que o assistente, quando se encontrava em casa, ia com frequência arrumar carros, na companhia dos seus irmãos CC e BY, nomeadamente para a zona do (…), no (…),(…) e que, num fim de semana dos meses de Outubro ou Novembro de 1998, o recorrente, conduzindo o seu veículo automóvel, passou por aquela zona, abordando o CC a quem convidou para que fosse a sua casa com os irmãos, o que o AK recusou, dizendo que tinha medo de ir a casa de desconhecidos:
- Abuso sexual de criança, em “data em concreto não apurada, do mês de Novembro de 1 999, num Sábado à noite, tinha o AK completado 13 anos de idade”, numa “casa de que o arguido E tinha a disponibilidade, sita na (...) (…), n° (…),(…)°(…)°, em (…).”
- Abuso sexual de criança, em “dia em concreto não apurado, do mês de Junho de 2000”, numa casa de que o recorrente “tinha a disponibilidade, sita na (...) (…), n° (…),(…)°.(…)°., em (…).”
- Lenocínio, “dias depois, ainda em Junho do ano de 2000”.
2. Em instrução, requereu e foi produzida prova, tendo-se concluído na decisão instrutória que “A casa da (…), n° (…), não será certamente a correspondente ao (…)° andar (…)” e que “O que já não se pode de todo excluir (bem pelo contrário) é que tais práticas não tenham ocorrido no andar do lado, (…)°(…)” (fls 20805).
E, sem que lhe tenha sido feita qualquer comunicação nos termos do art° 303° do CPP, o recorrente foi indiciado na pronúncia da prática de abuso sexual, não no (…)°(…), mas no prédio n° (…), sem excluir sequer o (…)°(…).
Também em instrução, requereu e foi produzida prova, quanto ao outro imputado crime de abuso sexual, tendo sido reconhecido na decisão instrutória, a fls 20806, que “A casa da (…), n° (…), também não pode ser a do (…)°(…)”.
E também sem comunicação nos termos do art° 303° do CPP, foi pronunciado com localização do abuso “numa casa de que este tinha a disponibilidade, sita na Av. (…), em (…)” (fls 20889), sem excluir o (…)°(…) do n° (…).
Não tendo sido feita a comunicação a que se refere o n° 1 do art° 303° do CPP, é plausível concluir que o Tribunal de Instrução Criminal considerou as referidas alterações como substanciais, as quais, como determina o n° 3 do mesmo artigo, não podem ser tomadas em conta para o efeito de pronúncia no processo em curso, pelo que, apesar de levadas à pronúncia, não devem ser levadas em conta, mantendo-se o referido enquadramento indiciário da acusação.(…)
4. O julgamento começou em 25 de Novembro de 2004 (fls 25032) e os arguidos começaram a ser ouvidos em 13 de Dezembro de 2004 (fls 25464 e 25491).
Decorridos quatro anos com produção de prova - o assistente AK foi ouvido nas sessões de 28.10.2005 (fls 34868 a 34878) e 2.11.2005 (fls 3494 1 a 34951) da audiência de julgamento -, as alegações orais foram iniciadas em 24 de Novembro de 2008 (fls 62285 e 62291) e, com réplicas e respostas às réplicas, foram concluídas em 3.2.2009 (fls 62866 e 62872).
As últimas declarações dos arguidos tiveram início neste mesmo dia 3.2.2009 (fls 62872) e, depois de outra actividade processual, designadamente alegações complementares (fls 63556), terminaram em 2.11.2009 (fls 63605 e 63611).
5. Em 5 de Fevereiro de 2009 (dois dias depois de terminadas as respostas às réplicas), o Ministério Público requereu, sem qualquer fundamentação de facto ou de direito, que (fls 62882 a 62900), tendo em conta a prova produzida e de acordo com o dis(...) nos art°s 358° e 359° do CPP, “sejam tidas em conta” numerosas alterações não substanciais e substanciais.(…)
6. A fls 49158/9, o recorrente requereu que fosse ordenado à testemunha jornalista BO que, tendo-a encontrado, apresentasse suporte da gravação da entrevista que lhe foi dada pelo assistente AK, requerendo também que fosse feita a sua reprodução em audiência, na presença do assistente e da testemunha BX, para se pronunciarem quanto ao reconhecimento das vozes, tendo apresentado, entre outros, os seguintes fundamentos:
(…) Decorrido mais de um ano e oito meses, o requerimento foi indeferido por despacho de fls 55504 a 55506, proferido na sessão de 7.8.2008 (fls 55489), tendo ficado consignado a fls 55506 que “o Tribunal considera que, neste momento, os elementos/meios de prova já adquiridos nos autos são suficientes para o esclarecimento que o Tribunal considera precisar em relação ao facto ou núcleo de factos que estarão em causa com o requerimento”.(…)
7. Só decorridos nove meses sem decisão quanto ao requerimento de alterações e só decorrido mais de um ano sobre a, acabada de referir, revelação pelo Tribunal da suficiência dos elementos/meios de prova já adquiridos para o esclarecimento em relação ao conhecimento do recorrente pelo assistente, foi, na sessão de 23.11.2009 da audiência de julgamento proferido despacho, que não faz referência a esse requerimento e segundo o qual, “face à prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal considera que está indiciado e, por conseguinte, poder vir a considerar para efeitos de eventual integração no objecto do presente (…)
As comunicadas alterações foram assim qualificadas como não substanciais e não foram fundamentadas de facto nem de direito.
8. O recorrente arguiu irregularidades do despacho de alterações no próprio acto da sua comunicação e fez logo de seguida o seguinte requerimento (fls 63641):
“Sem prescindir da concessão de prazo para indicação de prova (...), requer-se que seja oficiado desde já à Polícia de Segurança Pública (…) para identificar os porteiros e pelo menos dois actuais habitantes de cada prédio dos números (…) da (...) (…), em (…) e que neles habitassem no período compreendido entre 12/12/98 e Janeiro de 1999 inclusive.
“O mesmo requer relativamente a porteiros e habitantes da Av. (…), nos prédios situados entre o (…) e o (…), ou outro âmbito que o Tribunal considere que será relevante, por o considerar perto da zona (…), como referido no douto despacho.”
(…) Na sessão de 11.1.2010, o Tribunal a quo, depois de proceder “à decidida reparação das comunicações feitas pelo Despacho de 63.635 a 63 .639” (fls 64097) repetiu a comunicação de alterações feita na sessão de 23.11.2009.
(…) Dentro do prazo que para tal lhe foi concedido, nos termos do artº 358°-1 do CPP, o recorrente, em sua defesa (fls 64364 e seguintes), reiterou que não praticou os factos que lhe são imputados relativos ao assistente AK, nem com as componentes espaciais e temporais constantes da pronúncia nem com as alteradas e comunicadas ou quaisquer outras. E requereu a seguinte prova (…):
12. Por despacho de fls 65171 a 65 193, proferido na sessão de 22.2.2010 da audiência de julgamento, foi indeferida a requerida notificação da AX e a inquirição de testemunhas relacionadas com prédios da (...) (…) e foi restringido a 10 o número das testemunhas a inquirir relacionadas com prédios localizados na (…) da (...) (…), onde se situam os números (…).
O Ministério Público, os assistentes e o arguido A não deram o seu acordo à requerida leitura de declarações prestadas em inquérito pelo assistente AK (fls 65225 e 65227), e o Tribunal, com fundamento em não se verificar “o acordo previsto no artº 356°, n° 2 b) do C.P.Penal, conjugado com o n° 5, do mesmo preceito legal”, decidiu (fls 65226) não proceder à requerida leitura.(…)
14. Sintetizando quanto à evolução da imputação indiciária, nas suas componentes espacial e temporal, constantes da acusação, da pronúncia e das alterações na fase de julgamento e ainda do requerimento de alterações pelo Ministério Público na fase de julgamento:
Lº crime imputado:
Componente espacial:
a) Em 29. 1 2.2003 (acusação): (…)°(…)° do n° (…) da (...) (…);
b) Em 1.6.2004 (pronúncia): prédio n° (…) dessa (...);
c) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): (...) (…);
d) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): (…) dessa (...) onde se situam os números (…)
Componente temporal:
a) Em 29.12.2003 (acusação) e 1.6.2004 (pronúncia): data em concreto não apurada de Novembro de 1999;
b) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): entre o princípio de Novembro de 2009 e o final de Janeiro de 2000;
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): entre 12.12.1998 e Janeiro de 1999 (inclusive);
2° crime imputado:
Componente espacial:
a) Em 29.12.2003 (acusação): (…)°(…)° do n° (…) da av. (…);
b) Em 1.6.2004 (pronúncia): (...) (…);
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): av. (…), perto da zona (…);
Componente temporal:
a) Em 29.12.2003 (acusação e pronúncia): dia em concreto não apurado do mês de Junho de 2000;
b) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): Junho ou Julho de 2000;
e) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): entre Abril e Julho de 1999.
3º crime imputado:
Componente temporal:
a) Em 29.12.2003 (acusação), e 1.6.2004 (pronúncia): Junho de 2000;
b) Em 5.2.2009 (requerimento do MP): Junho ou Julho de 2000;
c) Em 23.11.2009 (alterações comunicadas pelo Tribunal): período das férias escolares do Verão de 1999”.
Tudo quanto o arguido aqui invoca é reprodução de questões que colocou em sede de recursos interlocutórios, nos quais manteve interesse, e que acima se mostram decididos. As conclusões que retira da sequência do processado nos autos é que não têm suporte nas decisões já proferidas, nem nas normas jurídicas que lhe são aplicáveis.
Para o arguido, a circunstância de se terem alterado factos, aquando do despacho de pronúncia e posteriormente no âmbito da audiência de julgamento, significou que “foi enredado numa sucessiva teia de imputações indiciárias”.
E que com essas alterações, na sequência da prova promovida pelo recorrente em instrução e audiência de julgamento, teria sido subvertido o instituto das alterações indiciárias, como se da demonstração da prova da não verificação dos factos indiciários não devesse resultar a irrelevância desses factos, por não provados.
Dessa forma, “as sucessivas alterações negam ou dificultam inadmissivelmente as possibilidades de defesa”.
Aquela primeira conclusão – de que foi enredado numa sucessiva teia de imputações indiciárias – reporta-se à circunstância de na acusação lhe terem sido imputados determinados factos, que foram objecto de alteração no despacho de pronúncia e, mais tarde, no âmbito da audiência de julgamento. A sucessão de alterações traduz-se, pois, em dois conjuntos de alterações indiciárias de factos, em duas fases processuais distintas, o que de modo algum contraria as normas processuais aplicáveis, mormente o dis(...) nos arts. 303.º, 358.º e 359.º do CPP. Foi questão expressamente abordada no recurso interlocutório, onde se concluiu isso mesmo.
A prova que se produz no processo, sempre tendo em vista a busca da verdade material, é uma realidade fluida e que, como tal, pode sofrer aquele tipo de alterações, em função da distinta prova que é produzida em cada fase processual. O arguido não pode olvidar que a prova atendida aquando do despacho de acusação é uma, que na fase de instrução a prova produzida pode ser acrescida e conduzir a diferente indiciação factual, o mesmo ocorrendo durante a fase de julgamento, em que por excelência é exacerbado o princípio da procura da verdade material.
Não há, pois, qualquer teia em que o arguido tenha sido enredado.
Segue-se uma outra conclusão que contraria por completo os princípios que norteiam o processo penal, ainda que facilmente se conceda que essa fosse a solução que mais satisfizesse os interesses do arguido. Com efeito, diz o arguido que foi subvertido o instituto das alterações indiciárias, dado que face à prova por ele promovida o que deveria ter acontecido era considerar-se tais factos indiciários como irrelevantes, por não provados.
Portanto, o arguido parte da premissa de que a prova por si promovida foi a que afastou os factos inicialmente considerados, o que não sabemos ser o caso. O que é certo, é que na sequência da globalidade da prova que foi indicada no despacho que comunicou as alterações, se apurou, indiciariamente, que os factos não teriam ocorrido exactamente como constavam da acusação ou do despacho de pronúncia, mas sim de modo diferente, designadamente quanto a circunstâncias de tempo e local.
Pretender que, em tais circunstâncias, o Tribunal pura e simplesmente desse como não provados os factos constantes do despacho de pronúncia e não procurasse, dentro dos deveres que legalmente lhe são im(...)s, de procura da verdade material, comunicar ao arguido os factos indiciariamente alterados e que resultaram daquela prova, para os considerar na decisão final, isso sim seria a completa subversão do instituto das alterações indiciárias.
Em nome de uma protecção, sem base legal, dos interesses do arguido, teria o Tribunal que deixar de cumprir a lei e aplicar as regras processuais penais que no caso se impõem.
É, pois, manifesto, que a conclusão a que chega não tem qualquer fundamento quer no processado quer na letra da lei.
Acaba o arguido por concluir que as sucessivas alterações lhe negaram ou dificultaram inadmissivelmente as possibilidades de defesa.
Já acima ficou patente que não foi isso que aconteceu. Não escamoteamos que o arguido tenha tido um trabalho de defesa acrescido, perante a indiciação de factos em termos diferentes, nas diferentes fases processuais. Mas isso são as decorrências da evolução da prova e do modo como ela neste processo foi produzida.
Acresce que é o próprio arguido quem o afirma em sede de recurso interlocutório, que a dificuldade acrescida na defesa terá decorrido também da extensão do processo e dos momentos em que as alterações de factos foram comunicadas. E tudo isso são condicionalismos que ultrapassam o Tribunal.
Naturalmente que se as comunicações de alterações não tivessem sido realizadas o arguido veria a sua defesa facilitada. Mas não parece que a facilidade da defesa tenha tutela legal, especialmente quando confrontada com a dificuldade da acusação. É natural que a uma acusação/pronúncia extensa e complexa corresponda uma defesa também ela mais extensa e complexa e, logo, mais difícil. Acontece neste como em qualquer outro processo de especial complexidade.
O que o arguido já não pode afirmar, como também já se expôs, é que por força de qualquer decisão do Tribunal a quo (mormente daquelas que submeteu a recurso) tenha a sua defesa ficado negada ou impossibilitada, ainda que a tenha visto dificultada pelas vicissitudes já referidas.
Em síntese: o processo penal permite, a par de outras, alterações espaço-temporais, nas condições de tempo, lugar e modo que a própria lei adjectiva estabelece e que o legislador nacional certamente considerou serem as que, no respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucional e internacionalmente consagradas, devidamente melhor asseguram as garantias de defesa dos cidadãos arguidos no quadro de um processo justo, leal, equitativo e democrático.
Compreende-se que tais alterações possam naturalmente perturbar a estratégia das defesas e dificultar o seu trabalho. No entanto, importa não esquecer que entre os princípios que norteiam o processo penal está o da descoberta da verdade material e que o processo criminal é dinâmico no seu evoluir, desde a recolha policial de indícios, que levem à acusação ou ao arquivamento, até à certeza judicial, alicerçada no juízo fundamentado e crítico das provas, que conduza, findo o julgamento, à condenação ou, ao invés, caso a convicção vá em sentido contrário ou subsista dúvida séria e inultrapassável, à absolvição.
As mencionadas alterações – decorrentes da natural, legal e desejável dialéctica processual – implicam, por vezes, transtornos, maiores ou menores, mormente na (nova) recolha, selecção e apresentação/produção de contraprova que demonstre da impossibilidade ou improbabilidade dos factos imputados terem ocorrido tout court ou de pelo menos se terem, designadamente, verificado naquelas datas e locais.
Mas tais alterações são vicissitudes deste e doutros processos, e não são as únicas, pois que muitos outros acontecimentos processuais tornam o processo mais complexo e, nem por isso, são legalmente inadmissíveis.
E mais não se dirá, porque em rigor, nada há a decidir neste concreto recurso. O alegado pelo recorrente E, aqui e nesta matéria, apenas configura, a nosso ver e com o devido respeito, uma reiteração, em jeito de conclusão, do que já havia defendido em alguns dos seus recursos interlocutórios, aos quais, pelos motivos ex(...)s não se concedeu provimento. Com efeito, o recorrente nada requer neste domínio, limitando-se a concluir que “foram inter(...)s recursos quanto às alterações comunicadas pelo Tribunal, recursos que estão retidos e mantêm interesse.” (cf. sua conclusão 96.ª). E esses recursos interlocutórios foram por nós já anteriormente apreciados no início do presente acórdão. Assim sendo, no mais, para aí se remete.
d) A insuficiência de fundamentação e exame crítico das provas porque o Tribunal a quo não valorou nem sequer mencionou no douto acórdão o depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha BO
BO, jornalista, melhor identificado nos autos, oferecido como testemunha de defesa arrolada por todos os arguidos, à excepção da arguida Q, foi ouvido nas sessões da audiência de julgamento de 6 e 8 de Novembro de 2006, como se alcança das respectivas actas, que constam nos autos de fls. 41062 a 41080 e 41155 a 41175-B, respectivamente.
Como destas resulta, foi instado pela defesa dos arguidos A, C, E, H, K, N e Q e foi contra-instado pelo mandatário dos assistentes. Por falta de tempo e por ser necessário apreciar documentos apresentados pela testemunha, foi apenas, no final da sessão de 8 de Novembro de 2006, iniciada a contra-instância do depoente pelo Ministério Público.
Viria a ser designado o dia 7 de Novembro de 2007 para a continuação da audição da testemunha BO. Porém, na apontada data faltou, sem que se soubesse na ocasião se tinha chegado a ser ou não notificada para comparecer. Nessa sessão da audiência de discussão e julgamento (7 de Novembro de 2007) a mesma foi prescindida pelas defesas de A e K, bem como prescindiu o Ministério Público de efectuar a sua contra instância. Na sequência do que a Mmª Juíza Presidente proferiu o seguinte despacho: "Fica prescindido por todas as defesas, o pedido de esclarecimentos complementares à testemunha BO, incluindo os que se encontravam pendentes da instância que foi feita em 6/11/06 e 8/11/06, incluindo os relativos a pedidos de esclarecimentos de documentos então admitidos ou a admitir/juntar aos autos.", tudo como resulta da acta de fls. 49121 a 49133-A.
Percorrendo-se o acordão recorrido constata-se que em nenhum momento o Colectivo alude ao depoimento de BO.
Entende o recorrente E, nas suas conclusões de recurso 203.ª a 206.ª, que ao não ter sido feita, na motivação da decisão de facto, qualquer referência ao depoimento da referida testemunha, designadamente quanto à sua relevância/irrelevância, credibilidade/falta de credibilidade, bem como se foi ponderado ou não na formação da convicção pelo Tribunal a quo, essa omissão consubstancia uma insuficiência de fundamentação e exame crítico das provas, exigências consignadas no n.º 2 do art. 374.º do CPP, o que implica a nulidade do acórdão, nos termos da al. a), do n.º 1, do art. 379.º do mesmo diploma.
Menciona, ainda, o recorrente, que no depoimento em causa, BO referiu, em audiência de julgamento, que AK lhe disse que não conhecia E, remetendo para a transcrição que faz na sua motivação do recurso os concretos segmentos das declarações prestadas pela testemunha que importa serem consideradas.
E transcreve-se aqui tudo o que o recorrente considera relevante do que foi dito neste domínio pela testemunha:
“Sr. Dr. JJS - Mas era peremptório quanto ao facto de ele dizer que o irmão não conhecia o (…) ?
BO - Era absolutamente peremptório, aliás o irmão também mo disse, eu tenho, a entrevista com o irmão...
Sr. Dr. JJS - O irmão também lhe disse que não conhecia ?
BO - Que não conhecia, e depois quando ligo o gravador, gradualmente já, bom talvez esteja enganado, bom talvez não sei, bom talvez conheça, bom mas talvez já não conheça, etc. ou seja, via-se que havia ali uma preparação, havia um discurso preparado... (fim de transcrição)
Desde já se diga que se tratam de apenas duas frases totalmente desinseridas do contexto, estando a última truncada, como adiante melhor se constatará.
Apreciemos.
Desconhece-se porque motivo no acordão recorrido não é referido o depoimento de BO.
Afiguram-se-nos plausíveis três hipóteses:
1. Desconsideração por ter sido prescindida antes de completada a sua inquirição;
2. Desconsideração por ter sido inócuo para o thema probandi o seu depoimento;
3. Mero esquecimento por parte do Colectivo.
Comecemos pela primeira assinalada possibilidade.
Pode, com efeito, não ter o Tribunal a quo considerado o depoimento da testemunha BO porque, como resulta dos autos, a sua inquirição, após ter sido interrompida, para posterior continuação, veio a ser prescindida, nunca tendo sido terminada.
Tal é confirmado pelo facto da Mmª Juíza Presidente no final da sessão da audiência de julgamento de 8 de Novembro de 2006 (o segundo dia dos dois em que BO depôs, sendo que já passaria das 19 horas, como resulta da conjugação de fls. 41174 e 41175-A), e sem que a inquirição da testemunha estivesse concluída, disse, relativamente a essa tomada de declarações: “Agora sim, podemos interromper”, sendo que não se estava a referir à interrupção da audiência (alvo de despacho subsequente) e o fez depois de, pouco antes, ter ditado em acta o seguinte despacho: “Ainda não terminou a contra instância à testemunha BO. O Tribunal considera benéfico para o desenvolvimento dos trabalhos, que a instância continue após a admissão de todos os documentos que já estão apensos por linha e dos que a testemunha ficou notificada para juntar aos autos. Assim e após, será designada nova data para prestar esclarecimentos complementares e para acabar a contra instância do Digno Magistrado do Ministério Público.”(cf. fls. 41175-A).
Ora, a inquirição de uma testemunha é um todo, que deve ser necessariamente entendido na sua globalidade. Assim, não poderia ser o depoimento de BO valorado pelo Tribunal a quo, (...) que parcial, incompleto e sem que portanto o contraditório tivesse sido cabalmente assegurado, face à referida circunstância de ter sido prescindida a meio das suas declarações, sem que pudesse prestar esclarecimentos (ainda que complementares), ser plenamente contra-instada, acareada ou de algum modo convenientemente confrontada com o que quer que pudesse abalar o seu depoimento, a sua verosimilhança e credibilidade (incluindo dos documentos por si oferecidos), melhor explicitando o que quer que fosse, incluindo a sua razão de ciência.
Face à operada amputação da inquirição em causa, o Colectivo a quo não se poderia pronunciar sobre as parciais declarações de BO com base apenas no seu meio-depoimento, já que, repete-se, este só pode ser devidamente valorado se global e inteiro.
Foi o que certamente sucedeu, estando, por isso, o Tribunal de primeira instância impossibilitado – mais do que dispensado – de aludir à inquirição em apreço, pelo que inexiste a alegada "insuficiência de fundamentação e exame crítico das provas".
Passemos à segunda hipótese (desconsideração, por ter sido inócuo para o thema probandi, o depoimento de BO, na parte em que chegou a ser produzido).
Aqui começaremos por transcrever, a título meramente exemplificativo, algumas das passagens da inquirição da testemunha em causa (doravante designada por BO).
“JUÍZA PRESIDENTE: - Este gráfico foi algum gráfico elaborado pelo Sr. ou isto é cópia de algum documento de que tenha sido...
BO:- É feito por mim.
JUÍZA PRESIDENTE: - É feito por si.
BO:- Todo ele.
JUÍZA PRESIDENTE: - E estes elementos obteve-os no âmbito, neste processo por ter sido pedido neste processo ou por outra via ?
BO:- Esses elementos, os elementos de base são, pertencem ao processo, de modo é a tal listagem da Optimus que pertence ao processo.
JUÍZA PRESIDENTE: - E no âmbito deste processo para obter esses elementos requereu por certidão ?
BO:- Não Sra.
JUÍZA PRESIDENTE: - Como é que os obteve ?
BO:- Eu não vou responder a essa questão, de modo, mas no entanto queria deixar claro o seguinte, que os jornalistas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Invocando, vou-lhe só pedir o seguinte...
BO:- Invocando, invocando o sigilo profissional e enfim, e o que quiserem, se me incriminar também suscito então ficar como arguido...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, eu só lhe pedi, só pedi para comunicar...
BO:- Os Srs. sabem melhor...
JUÍZA PRESIDENTE: - Ao Tribunal qual era a invocação que fazia...
BO:- Mas a interpretação, ou seja o meu...
JUÍZA PRESIDENTE: - A invocação, invocou o sigilo profissional, sigilo profissional para não...
BO:- O que é muito importante é que o, o, a minha, a minha, a consciência, a minha consciência relativamente ao acesso a essa informação, é que eu tenho o direito de ter acesso a essa informação...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não está em causa isso...
BO:- Não, está bem mas eu fiz questão de ficar até gravado porque é importante, é...
 JUÍZA PRESIDENTE: - Eu perguntei, Sr. jornalista eu perguntei, Sr. BO perguntei-lhe qual era o que invocava para recusar a resposta em relação a esse elemento, referiu sigilo profissional, uma vez que isto é um elemento feito fica por ora nos autos sem prejuízo da..., uma vez que o elemento que a testemunha agora juntou diz, de acordo com as suas declarações, diz respeito à análise, documento elaborado por si embora com base em elementos no processo, em relação aos quais invocando sigilo profissional, não respondeu à sua proveniência, ficam por ora nos autos entregando cópia aos Ilustres Mandatários por eventualmente poderem contribuir para o esclarecimento da verdade, sem prejuízo do tratamento processual que posteriormente venha a ser dado a este elementos.(...)
Dr. KKX – Mandatário do arguido A (doravante designado por KKX):- Sra. testemunha aquilo que eu queria ouvir de si, eram coisas que não estivessem aqui no processo, matéria que o Sr. tenha investigado pessoalmente, por isso é que eu lhe pergunto em relação ao Sr. AP, o Sr. alguma vez viu este jovem prostituir-se ?
BO:- Não.
KKX:- Não viu ?(...)
BO:- É exactamente isso que me surpreendeu não ver no processo, em termos de investigação...
KKX:- Deixe o processo...
BO:- Não deixo não...
KKX:- Eu nem sei como é que o Tribunal está a tolerar esse tipo de coisas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Fora do processo, o Sr. Dr. tem estado a pedir respostas fora dos elementos do  processo...
BO:- Não tenho elementos nenhuns, não.(...)
JUÍZA PRESIDENTE: - Um momento, um momento...já respondeu que sem ser por elementos do processo não tem conhecimento de que o arguido A tenha telefonado aos jovens.
BO:- Exactamente.
KKX:- Portanto o que sabe em relação a este jovem é aquilo que está no processo, mais nada?
BO:- Exactamente. Enfim, relativamente às chamadas não é.
KKX:- Às chamadas. Em relação a este jovem tem algum elemento que aponte ou melhor algum elemento que possa apresentar ao Tribunal no sentido de, de infirmar que este jovem tenha ido à (...) (…) com o meu cliente, com o Sr. A para ter relações sexuais com um arguido deste processo ?
BO:- Infirmar ?
KKX:- Infirmar, para desmentir, que eles já afirmaram aqui os dois isso ?
BO:- Não, nem às (…) nem a nenhum outro lado.
KKX:- Nem a nenhum outro lado ?
BO:- Não.
KKX:- E em relação ao Sr. Y ?
BO:- Refere-se objectivamente não é ?
KKX:- Objectivamente, se alguma prova em relação a este jovem, tem alguma prova que aponte no sentido de ser mentira ?
BO:- Relativamente ao Y, enfim prova, prova, não.
KKX:- Não tem ?
BO:- Não. Além das que estão no processo e que podem, mas essas já não vou referir...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pois o processo, o processo está cá, o Tribunal é sobre o processo tem que trabalhar, os Srs. Drs. estão a perguntar é, elementos que não digam respeito ao processo, porque enfim as conclusões que tenha em relação ao processo são suas, ou as convicções são suas.
KKX:- Uma coisa, em relação ao AV sabe se este jovem se drogava e se prostituía ?
BO:- Relativamente ao processo, sim, não é ? Não sei já, pelo menos que praticava...
JUÍZA PRESIDENTE: - Qualquer elemento, qualquer elemento...
BO:- Exacto, pronto não, não, remeto para o processo...
JUÍZA PRESIDENTE: - Que não tenha a ver com algum elemento que esteja no processo.
KKX:- Fora, interessa-me é assim, o Sr. é testemunha, é testemunha de factos, os que estão aqui no processo é para serem analisados por quem devem ser, e a pergunta que lhe coloco é precisamente esta, se além do processo o Sr. pode, tem alguma testemunha que aponte no sentido de o Sr. AV ter faltado à verdade quando disse que foi a (...) ter com os arguidos para ter com eles relações sexuais, ou a qualquer outro lugar aqui em (…) ?
BO:- Não Sr.
KKX:- Não tem ?
BO:- Nada.
KKX:-  E vê-lo a prostituir-se, mesmo depois destes factos, viu-o alguma vez ?
BO:- Não.
KKX:- Não viu ?
BO:- Não.
KKX:- Olhe uma coisa, em relação a este jovem, e à prova que ele produziu para as autos, tem algum elemento que aponte no sentido dessa prova ter sido instrumentalizada ou seja, deliberadamente falsificada...
BO:- Tenho.
KKX:- Pelo Ministério Público e pelo Juiz ?
BO:- Tenho.
KKX:- Então diga lá quais são os elementos concretos...
BO:- Não posso referir porque estão dentro do processo.
JUÍZA PRESIDENTE: - Isso resulta, portanto essa sua conclusão para responder tem que fazer, tem que dar ao Tribunal alguma opinião sobre elementos do processo?
BO:- Exactamente, aliás porque é assim que se descobre estes casos, é um caso de polícia...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr., Sr. Dr.
BO:- De modo que eles descobrem-se e efectivamente assim...
JUÍZA PRESIDENTE: - Portanto é a sua análise, a sua opinião sobre o processo...
BO:- Uma perícia àquilo que foi investigado e como é investigado, de modo este caso é um caso igual a todos os outros, é um caso de polícia, não é um caso de fé, eu não conheço ninguém...
JUÍZA PRESIDENTE: - Está respondido Sr. Dr.
BO:- Eu não conheço ninguém relacionado com este processo...
KKX:- Então...
BO:- Nem advogados, nem arguidos nem nada.(...)
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO tendo sempre como pressu(...) o seguinte, é que para o Tribunal para poder valorar a prova e interessa ouvir as testemunhas, é necessário que sejam trazidos factos novos, que não tenha a ver por exemplo com a sua análise, que o Tribunal muito respeito tem como tem em relação a todas as pessoas, pela sua análise do processo, mas essa neste momento não tem a relevância jurídica para o Tribunal.
BO:- O meu trabalho em termos de jornalista incidiu sobretudo na forma em como todo este processo estava a ser...
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas lembra-se da pergunta do Sr. Dr.? Ainda tem  em mente a pergunta do Sr. Dr.? A última...
BO:- Qual era a pergunta ?(...)
KKX:- Sra. testemunha diga-me uma coisa, presenciou alguma reunião entre o Sr. A e os assistentes neste processo ?
BO:- Não.
KKX:- Não. Durante o ano de Noventa e Nove, Dois Mil, Dois Mil e Um, Dois Mil e Dois passou algum fim-de-semana com o Sr. H ?
BO:- Não, nem o conhecia.
KKX:- Não passou fim-de-semana nenhum ?
BO:- Não.
KKX:- Diga-me uma coisa, presenciou alguma reunião pessoalmente entre os jovens que são assistentes neste processo ?
BO:- Não.
KKX:- Não ?
BO:- Não.
KKX:.- Quem é que foi o educador da AX que lhe deu a informação que os jovens se reuniam ?
BO:- É sigilosa a informação.
KKX:- É sigilosa ?
BO:- É, é sigilo.
KKX:- Não pode informar o Tribunal...
BO:- Não, não foi um foram vários.
KKX:- Sim, mas não pode informar o Tribunal ?
BO:- Não. Está sob a alçada do sigilo profissional.
KKX:- Mas o Sr. da outra vez disse aqui em Tribunal que tinha recebido informações de educadores da AX ?
BO:- Exacto, correcto.
KKX:- Por isso é que nós gostávamos de saber quem são, porque essa declaração à luz do Código de Processo Penal não vale nada...
BO:- Muito bem, mas eu tenho aqui as informações que eles me forneceram e essas posso entregar ao Tribunal.
KKX:- Mas eu quero é saber o nome das pessoas.
BO:- Não, isso não, é sigiloso.
KKX:- Porque nós depois queríamos confrontá-las não é.
BO:- Eu tenho os documentos de modo que posso entregar...
JUÍZA PRESIDENTE: - O que está em causa não são os documentos, é que a lei determina que quando o depoimento é de se ter ouvido dizer a determinada pessoa, que o Tribunal para poder valorar os factos objecto desse depoimento, tem que ouvir essa pessoa certa e determinada, a não ser que essa pessoa tenha falecido ou se tenha ausentado para parte incerta, daí o Sr. Dr. ter perguntado, porque é a lei que o determina. Pode prosseguir Sr. Dr.
KKX:- Os documentos que lhe forneceram foram documentos oficiais da AX ?
BO:- Não, creio que não.
KKX:- Não ?
BO:- Creio que não, não tenho a certeza.
KKX:- Diga-me uma coisa, da Policia Judiciária quem é que lhe deu informações ?
BO:- Enfim, houve muitos documentos mas...
KKX:- Da Policia Judiciária, o Sr. disse que tinha informações lá dentro, da Policia Judiciária quem é que lhe forneceu essas informações para nós depois o confrontarmos aqui?
BO:- São fontes confidenciais.
KKX:- Mas que o Sr. tenha tido conhecimento de algum facto concreto, tem ?
BO:- Tinha.
KKX:- Que factos ? Identificando a fonte naturalmente, as circunstâncias de tempo,  modo, lugar, essas coisas todas... 
BO:- Exactamente, de modo quando, quando este caso surge na comunicação social foram imediatamente referidos, de modo referidos detalhes que eram dados tanto pelas testemunhas como pelas notícias, eu trago aqui várias depois para documentar-me que estão documentadas, que apontavam para determinados detalhes relativamente à investigação e à forma como as pessoas tinham sido detidas...
KKX:- As notícias na comunicação social ?
BO:- Exactamente, de modo que apontavam detalhes da forma como as pessoas tinham sido detidas, por exemplo, detalhes esses enfim para dar, há imensos detalhes mas se vamos considerar um por exemplo, quando o Sr. H é detido foi imediatamente sabido, era que não lhe tinha sido nem apreendido os telefones nem agendas nem nada disso...
KKX:- Mas isso não me interessa, interessa-me é dados, desculpe lá...
BO:- Mas eu estou a responder à questão, quando, quando...
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas vai dizer em concreto conhecimento de algum facto que teve em relação a esse detalhe que diz ter lido na comunicação social ?
BO:- Exactamente, de modo quando, quando me apercebo desse detalhe, obviamente contacto imediatamente com algumas fontes que enfim há vinte anos mantenho contactos com inúmeras fontes em todo o lado, e pergunto-lhe o que é que se passa, porque é que isto, o que é que está a acontecer, porque é que isto é assim, e é nessa altura que me dão informação em de como há um clima bastante tenso entre a Policia Judiciária e a, e a, ou vá lá a directoria de (…) e a equipa de investigação...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pergunta, um momento, pergunta que se impõe pelo menos para o Tribunal, em concreto quem é que lhe dá essa informação ?
BO:- As pessoas que me deram a informação são fontes confidenciais minhas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto, pode prosseguir Sr. Dr.
BO:- No entanto, um momento só, é que eu vou mais longe...
JUÍZA PRESIDENTE: - Se for para dar algum elemento concreto sim, caso contrário...
BO:- Em concreto é que esse mês mesmo, há outros jornalistas e há noticias que citam essa situação, nomeadamente a KKY...
KKX:- Sra. testemunha...
BO:- E eu vou nesse momento...
JUÍZA PRESIDENTE: - Deixe só terminar Sr. Dr., a ver se tenho um elemento concreto...
BO:- Eu nesse momento eu peço, eu peço uma reunião na Policia Judiciária, e o encontro no sentido de, de checar o que é que se estava lá a passar...
JUÍZA PRESIDENTE: - E teve a reunião com alguém em concreto ?
BO:- Tive com o Dr. LF e com o Dr. BBP.
JUÍZA PRESIDENTE: - Dr. LF e BBP, recebeu, do que está dizer...                           
BO:- Exactamente, de modo que fui enfim, entrei pela porta da...
JUÍZA PRESIDENTE: - Recebeu alguma informação em concreto desses dois Srs. Drs.?
BO:- A informação que eu recebi deles foi que a, não queriam, não tinham nada a ver com isso...
JUÍZA PRESIDENTE: - Com isso, com quê ?
BO:- Com o caso da AX, não, não queriam saber e quase que detestavam quem soubesse, de modo que era, isto foi, foi...
JUÍZA PRESIDENTE: - Essa reunião no tempo foi quando ?
BO:- Isto foi em, Fevereiro ou Março de Dois Mil e Três...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pode prosseguir Sr. Dr.
KKX:- Foram eles que lhe deram as informações que há pouco referiu ?
BO:- Não.
KKX:- Não foram.
BO:- Não, mas sei que era um caso...
KKX:- Pronto então vamos agora...
BO:- Falado abertamente nos corredores da Policia Judiciária, de modo toda a gente o sabia...
JUÍZA PRESIDENTE: - Corredor é corredor...
BO:- Pois está bem...
JUÍZA PRESIDENTE: - Aqui em Tribunal tem que ser o facto concreto, o Tribunal não pode absolver ou condenar por ouvir dizer, tem que dizer sustentado...
BO:- Eu sei mas, eu percebo, mas eu só posso dizer também aquilo que sei...
JUÍZA PRESIDENTE: - Que ouviu dizer...
BO:- E que ouvi, e nas circunstâncias em que ouvi.
JUÍZA PRESIDENTE: - Exacto...
KKX:- Vamos aqui agora a outra questão, o Sr. disse na última sessão que tinha havido falsificação de documentos pelos Magistrados do Ministério Público, que documentos se estava a referir ? Que documentos foram falsificados ?
BO:- Falsificação, eu não falei em falsificação, eu falei em informações falsas ou seja há...
Procurador da República (doravante designado por PR):- Ó Sra. Dra. eu peço desculpa, eu peço ao Tribunal que recorde à testemunha que efectivamente disse que tinha havido...
BO:- Ocultação de provas...
PR:- Falsificação de documentos, isso está gravado Sra. Dra.
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Procurador, Sr. Procurador se está gravado, na altura certa o Sr. Procurador decerto usará a expressão, o Tribunal estava à procura nos seus apontamentos a palavra em concreto, falsificação, se foi usada ou não Sr. Dr.
PR:- Pronto eu peço é que o Tribunal o confirme...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pode prosseguir Sr. Dr. 
BO:- Sim, sim, eu não me furto a expressões mas...
KKX:- É assim, que documentos, se houve documentos falsificados pelos Magistrados diga ao Tribunal que documentos são, que estão no processo ou outros que não estão no processo ?
BO:- Falsificados, não conheço...
KKX:- Não conhece ?
BO:- Falsificados, falsificados, agora informações falsas, ocultação de informação e de provas, isso é outra questão.
KKX:- Qual foram, quais foram as provas que foram ocultadas e de quem foram ocultadas ?
BO:- Ora bem, em primeiro lugar eu tratei a nível do processo mais de quinze milhões de dados telefónicos...
JUÍZA PRESIDENTE: - O tratamento jornalístico, neste momento o tratamento jornalístico que fez de elementos que diz ter do processo...
BO:- Não posso falar deles ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Não fale deles, o Sr. Dr. fez uma pergunta, o Sr. Dr. fez uma pergunta muito concreta, provas ocultadas em concreto...
BO:- Muito bem, Ok., mas eu, conto outros, esses são muito importantes mas, de qualquer maneira quero frisar não é, não podendo falar deles quero frisar que os tratei e que são absolutamente essenciais nesta questão...(...)
JUÍZA PRESIDENTE: - Alguma coisa, alguma coisa, Sr. Dr. vamos tentar, alguma coisa que o Sr. tenha conhecimento, que em alguma altura que desapareceu, um elemento concreto daqueles que nós chamamos provas, que desapareceu do processo ?
BO:- As chamadas telefónicas não foram postas como prova no processo.
JUÍZA PRESIDENTE: - É tudo o que existe no processo ?
BO:- As chamadas telefónicas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas quais, algumas que andam por aí por algum sitio ?
BO:- Não, não, todas as chamadas, todas as chamadas, o que é do meu conhecimento...
JUÍZA PRESIDENTE: - O Sr. quando diz, quando é, não foi (...) no processo é a análise que o Sr. faz  do tratamento que foi feito e que não foi tratado, é isso ?
BO:- Não, não, são duas coisas, de modo eu posso-me reportar aqui ao processo do envelope Nove ou não ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, o processo do envelope Nove...
BO:- Há lá informação bastante relevante...
JUÍZA PRESIDENTE: - Envelope Nove outro processo...
BO:- O que o Ministério Público diz no envelope Nove é que...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não...
BO:- Não foi junto à prova...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, não, atenção, em relação a isso, não, o que eu lhe pergunto é o seguinte, o Sr...
BO:- Há muita coisa...
JUÍZA PRESIDENTE: - O Sr. tem alguma, o Sr. tem conhecimento de algum elemento que em determinada altura estivesse no processo e que foi retirado por alguém com intenção, sem intenção e que foi extraviado para determinado sítio ?
BO:- Não, isso não, agora pegar em quatro agulhas e colocá-las dentro de um palheiro é a mesma coisa que...
JUÍZA PRESIDENTE: - Isto já é o tratamento, é o tratamento que a testemunha faz...
BO:- Essa é uma questão essencial...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. daqui não passo, os Srs. Drs. arguirão o que entenderem e requererão o que entenderem...
PR:- Sra. Dra. Juíza, Sra. Dra. Juíza...
BO:- Mas tenho outras coisas...
JUÍZA PRESIDENTE: - A opinião, ó Sr. Dr. ...
BO:- Mas tenho outras coisas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Dois segundos, a opinião que a testemunha tenha sobre o tratamento que fez de elementos do processo neste momento é irrelevante...
Dr. JJS – Mandatário do arguido H (doravante designado por JJS):- Mas eu não estou a pedir a opinião Sra. Dra., estou a pedir factos...
Procurador da República (doravante designado por PR):- Sra. Dra. eu posso dar só uma ajuda...
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas factos como ?
PR:- Ao Tribunal, posso só dar uma ajuda ao Tribunal ? Na acusação diz, todos os documentos dos autos designadamente os apensos tal, tal, tal, todos os documentos dos autos são indicados pelo Ministério Público, isto está na acusação.
BO:- Não é o que está na minha acusação do envelope Nove...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, ponto final, ponto final...(...)
JJS:- A questão das chamadas telefónicas já disse que não ia fazer nenhuma pergunta à Sra. testemunha porque isso depende de um papel que está junto ao processo por linha e que depois haverá...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sobre a análise que o Sr. tenha feito de determinado elemento que esteja no processo, isso também, sou intransigente nisso Sr. Dr.
JJS:- Sra. Dra. mas não é análise, ó Sra. Dra. vamos lá a ver, se a testemunha tem conhecimento dum facto que consta no processo, dum facto concreto, dum elemento de prova concreto que consta do processo, donde se retira, donde ele retira a conclusão que refere, independentemente da valoração que ele faz, porque é que ele não há-de poder referir o facto ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Conclusão o quê ? Qual conclusão Sr. Dr. ?
JJS:- Ó Sra. Dra. a testemunha disse, foi-lhe aqui perguntado pelo meu colega e o Tribunal permitiu, que elementos é que tinha para dizer que tinha havido ocultação de provas, foi-lhe perguntado...
JUÍZA PRESIDENTE: - E ele diz é a análise que fez dos elementos do processo, e mais, o Sr. avançou dando a explicação porque é que considerava que não tinha, se tinha sido ocultado e explicando o que era a ocultação, como o Sr. Dr. disse e muito bem no seu requerimento quanto à qualificação jurídica do que seria a ocultação e quanto ao tratamento e ao que o Sr. entenderia...
JJS:- Sra. Dra. mas eu já disse Sra. Dra. eu aí...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. eu permiti até a conversa com a Sra. BP, até a questão por causa da análise em relação a um Sr. que não é, duma perícia ou dum exame em relação a um Sr. que não é arguido neste processo, permiti para perceber o contexto do que as pessoas dizem, porque não é só pelas pessoas dizerem determinada coisa que eventualmente pode consubstanciar ou não a prática dum crime que o Tribunal diz atenção agora não pode dizer, permiti e o que o Sr. diz, o que resulta pelo menos para o Tribunal nesta primeira aproximação é o que o Sr. responde é da análise que ele faz de elementos existentes no processo, ponto final Sr. Dr., para isso estamos nós bem ou mal, agora nesta fase somos nós.
JJS:- Sra. Dra. vamos lá a ver Sra. Dra., eu não peço, eu bem sei que a análise que o Sr. faça...
JUÍZA PRESIDENTE: - Então Sr. Dr. faça uma pergunta concreta, em vez de ser genérica, uma pergunta concreta.
JJS:- Eu não sei Sra. Dra., eu não conversei com a testemunha sobre isto, eu não sei a que factos concretos é que ele se está a referir para além das chamadas telefónicas em que ele já escreveu em variadíssimos artigos, isso eu conheço, conheço a posição dele sobre as chamadas telefónicas, agora sobre o resto eu não conheço Sra. Dra. , e portanto...
JUÍZA PRESIDENTE: - O Sr., já perguntei ao Sr. se pode dar, se para dar essa resposta recorre só a elementos do processo, da análise que faz de elementos do processo ou outros exteriores e o Sr. de acordo com o que já respondeu, para o Tribunal é só elementos do processo e essa análise Sr. Dr., essa não passa... (...)
BO:- Eu tenho uma péssima memória...(...)
BO:- Eu nunca me recordo dos nomes...(...)
JJQ:- Boa tarde Sr. BO, o meu nome é JJQ juntamente com a Dra. KKZ asseguramos a defesa do Dr. C, eu não tenho para já muitos esclarecimentos para lhe suscitar, tenho alguns que se relacionam com afirmações suas que tive ocasião de presenciar, e vou-lhe pedir isto como indicação genérica acerca do sentido destas perguntas, portanto tudo aquilo que eu lhe vou perguntar implica que nas respostas não tenha em conta o seu conhecimento directo de factos que constam do processo, portanto eu com o muito e devido respeito não me interessa aquilo que o Sr. conhece do processo e portanto as perguntas que lhe farei fazem apelo a conhecimentos que tenha adquirido por via de uma investigação que tenha realizado mas que não decorram directamente da consulta de elementos deste processo, primeira pergunta que lhe faço é esta, é que em altura é que se começou a interessar por este caso designado de caso AX ? AX Um não sei se haverá outro...
BO:- Foi por altura das primeiras noticias, de modo quando vi as primeiras reportagens televisivas, de uma série de indivíduos que se apresentavam com a cara e o som distorcido, de modo durante vários dias creio que isso foi logo após a detenção do, de três dos arguidos, dois ou três dos arguidos e apercebi-me, sou um jornalista já veterano, apercebi-me que o que estava em causa, de modo soube ler nas entrelinhas aquilo que me estavam a tentar impingir em termos comunicacionais, senti-me manipulado, senti-me gravemente manipulado, senti que estavam a manipular o País, que estavam a manipular a opinião pública, senti que colegas meus estavam a praticar crimes enormes de manipulação...(...)
Dra. IIS – Mandatária do arguido K (doravante designada por IIS):- Obrigada Sra. Dra., boa tarde.
BO:- Boa tarde.
IIS:- Há pouco referiu aqui ao meu colega Dr. JJQ que tem fontes, aliás referiu ao longo do seu depoimento de hoje que o seu trabalho se apoiou para além da investigação que fez directamente, também a investigação que fez através de recolha de informação em conversa com inúmeras pessoas, se bem compreendi ?
BO:- Exactamente.
IIS:- Pode dar-nos uma ideia das conversas, do número de pessoas que contactou no âmbito da investigação que fez ?
BO:- Talvez umas duzentas.
IIS:- Umas duzentas, dessas duzentas algumas eram da AX ?
BO:- Claro.
IIS:- Resulta do seu depoimento mas pode dar-nos uma ordem de grandeza das pessoas da AX com quem falou ?
BO:- Uma meia dúzia.
IIS:- Uma meia dúzia...
BO:- Por aí.
IIS:- E o que eu pretendia saber relativamente a essa meia dúzia é se foi só essa meia dúzia que contactou ou só essa meia dúzia é que conseguiu, ou só essa meia dúzia é que se disponibilizou a transmitir-lhe alguma informação ?
BO:- Não, só contactei, ou seja, neste tipo de jornalismo nós só contactamos quando temos a certeza que somos bem-vindos, caso contrário estamos a fechar e a criar elementos bastante destabilizadores, de modo só contactamos quando temos absoluta certeza de que o contacto é bem-vindo, o que significa que há aproximações que são feitas a familiares, a amigos, etc. se a coisa funciona avançamos, se não funciona é preferível não contactar, a este nível não é ? A este nível...
IIS:- Muito bem, utilizando essa sua expressão só contactam quando são bem-vindos, portanto seis...
BO:- Quando sou bem-vindo, exacto.
IIS:- No seu caso concreto quando é, foi bem-vindo, estamos a falar de um universo de seis pessoas no universo enorme da AX mas ainda assim parece resultar do seu depoimento que nenhuma dessas seis pessoas quis ou lhe deu autorização para revelar a fonte...
BO:- Infelizmente não.
IIS:- Todas elas, pergunto eu, por receio de...
BO:- Exactamente...
JUÍZA PRESIDENTE: - Porquê ? Todas elas porquê ?
BO:- Por receio de represálias, ou seja, criou-se um ambiente tal e há pouco eu falei dessa listagem, houve uma grande impunidade e existe ainda actualmente...
JUÍZA PRESIDENTE: - Receio de quê em concreto ?
BO:- Receio de serem incriminadas, de ver o seu nome de repente ser incluído numa lista e acusados de pedófilos...
JUÍZA PRESIDENTE: - Está explicado.
BO:- Havia, havia à partida um carimbo...
JUÍZA PRESIDENTE: - Isso é dito pelos próprios ?
BO:- Isto é dito pelos próprios, sim, sim...
JUÍZA PRESIDENTE: - Está esclarecido.(...)
BO:- É uma listagem de vinte e três folhas que foi mostrada pela BP a algumas pessoas, ela tem essa listagem na posse dela, é uma listagem que tem mais de cem nomes da vida politica portuguesa ao mais alto nível...
IIS:- Mas relacionado com quê ?
BO:- Relacionado com pedofilia, com abusos sexuais, etc.
IIS:- Na AX ?
BO:- Exactamente, e que o mero conhecimento de um qualquer nome daqueles é suficiente para linchar a pessoa e toda a sua vida, e ela eu sei que mostrou...
JUÍZA PRESIDENTE: - Isso foi algum documento que o Sr. viu ?
BO:- Eu vi esse documento e ela tem esse documento e aquilo que ia aconselhar o Tribunal é mandar vir imediatamente não é...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, Sra. Dra. pode prosseguir.
IIS:- E esse documento o Sr. jornalista viu esse documento quando e se souber...
BO:- Eu vi esse documento há alguns meses, eu quando o vi eu não relatei nada porque repare, ou seja, não se pode entrar no jogo de pegar numa coisa daquelas e lançar esses nomes, de modo eu reservei o documento eu telefonei ao gabinete do Procurador-geral da República...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sra. Dra.
BO- E que não me quis receber, eu disse-lhe olhe eu tenho algo bastante importante para relatar ele não quis receber e olhe eu fiquei à espera e fiquei à espera do julgamento.
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Procurador.
PR:- Eu retiro...
JUÍZA PRESIDENTE: - Obrigada.
IIS:- Posso prosseguir ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Pode.
IIS:- Sabe desde quando é que esse documento está na mão da Sra. BP ?
BO:- Pelo menos desde Janeiro deste ano, mas creio que há anos que ela tem isso, ou seja, é uma suposição minha...
IIS:- Sabe qual a origem desse documento ?
BO:- Não, não, nem quero imaginar, ou seja, tenho, tenho...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto, não sabe Sra. Dra.
IIS:- Referiu aqui também...
BO:- Mas é horrível, ou seja, é uma prova...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, Sr. BO.
BO:- Ok.
JUÍZA PRESIDENTE: - As respostas tem de ser de facto muito certas, muito certas neste sentido de objectividade.
IIS:- Uma última pergunta sobre esse documento pelo menos neste momento, esse, porque o viu lhe faço a pergunta, conhecimento directo...
BO:- E não está no processo.
IIS:- Não, isso já o disse, por isso eu lhe estou a fazer a pergunta, é se se prende com os factos e as pessoas que são testemunhas neste processo ? Já o disse que se prende com a pedofilia na AX...
BO:- Exacto, prende-se com alguns arguidos que estão neste processo, com testemunhas não tenho a certeza, ou não me recordo...
IIS:- Sim.
BO:- Se quer que lhe diga...
IIS:- Não se recorda ?
BO:- Li aquilo...
IIS:- E sabe qual o período temporal a que diz respeito ?
BO:- Anos, ou seja, aquilo conta a história quase, aquilo mete, é, como é que se diz...
IIS:- Ou seja, vai para além do período que está...
BO:- É a loucura total.
IIS:- Olhe, vai para além...
BO:- É a paranóia total.
IIS:- Vai para além do período que está aqui a ser julgado ?
BO:- Eu não me recordo.
IIS:- Não se recorda.
BO:- Não me recordo, ou seja, eu...
IIS:- Mas inclui o período
JUÍZA PRESIDENTE: - Tentar obter elementos, o Sr. Dr. está a tentar obter elementos para eventualmente requerer qualquer diligência de prova, decerto será isso Sra. Dra.
IIS:- Inclui o período, os factos, o período relativamente ao qual neste processo estão a ser julgados os factos, ou seja, salvo o erro de Mil Novecentos, anos para ter uma abrangência maior de Mil Novecentos e Noventa e Oito a Dois Mil e Um ?
BO:- Provavelmente.
PR:- Sra. Dra. eu peço desculpa, eu tenho estado aqui no limite tentando corresponder à colaboração que o Tribunal pede em relação a, agora um documento enquanto não estiver no processo, ou se requer...
IIS:- Ia requerer agora.
PR:- E depois de admitido, de eventualmente admitido fazem-se perguntas sobre ele, ou se não é admitido não se podem antecipar as perguntas dum documento que pode vir ou não a ser junto ao processo, parece-me...
IIS:- Muito bem...
JUÍZA PRESIDENTE: - Muito bem, mas eu tenho alguma coisa a dizer Sr. Dr., considerei as perguntas que tem estado a ser feitas pela Sra. Dra. no sentido de obter elementos para aferir da eventual relevância para pedir ou não a junção...
IIS:- Exactamente.
JUÍZA PRESIDENTE: - E nessa perspectiva entendi os pedidos de esclarecimento...
IIS:- Exactamente, e neste momento ia perguntar...
PR:- Sra. Dra. eu não sei quem é que o mostrou à Sra. testemunha...
JUÍZA PRESIDENTE: - Próxima, próxima questão.
IIS:- Pois por isso mesmo, neste momento ia perguntar justamente e neste sentido que a Sra. Dra. entendeu e muito bem, se tem uma cópia desse documento ? Para requerer a junção aos autos obviamente.
BO:- Eu, coloco aquela, o cocktail da incriminação e do sigilo para já.
IIS:- Ou seja tem...
JUÍZA PRESIDENTE: - O que é que isso quer dizer ?
IIS:- Está a invocar o sigilo profissional e a responsabilidade criminal para se escusar a responder a isto ?
BO:- Exactamente, a questão, a questão é a seguinte, ou seja, eu tenho que ter a certeza de que o original tal como eu o copiei, não identifica a fonte...
IIS:- Sim.
BO:- Pronto, de modo se me for deixado fazer um OCR, de modo um reconhecimento de caracteres de maneira a não haver identificação da fonte, nomeadamente por perícia de fotocópia, etc. tudo bem eu dou não é, mas queria estar...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sra. Dra.
IIS:- Já compreendi, já compreendi...
BO:- É só nesse sentido porque posso prejudicar...
JUÍZA PRESIDENTE: - Já compreendemos, esse aspecto...
IIS:- Compreendemos, é o segredo das fontes e é a sua responsabilidade criminal que está em causa...
BO:- Exacto, mas é óbvio que dou o documento ao Tribunal e...
IIS:- Bom, uma outra questão que se me suscita(...)(...)
IIS:- Finalmente, queria ainda perguntar-lhe, os elementos que entregou na sessão de segunda-feira relativos às chamadas telefónicas, não lhe vou fazer perguntas sobre eles pelas razões já aqui suficientemente aduzidas, neste momento obviamente, mas pergunto se esgota todos os documentos sobre análises que tenha feito às chamadas telefónicas ?
BO:- Não, nem zero vírgula dois por cento...
IIS:- Aquilo respeita apenas...
BO:- Zero vírgula, talvez zero vírgula zero zero um por cento.
IIS:- Esclareça-me esse aspecto, respeita, aquilo que entregou, exclusivamente...
BO:- Uma ínfima parte.(...)
IIS:- Já aqui disse que não tem conhecimento directo de elementos que são, enfim pela análise do processo mas que neste momento não pode pronunciar-se, mas não tem conhecimento directo de elementos que tenham sido denegados ou subtraídos do processo, e a pergunta, já respondeu sobre isso, ia dizer alguma coisa ?
BO:- Eu preferia dizer-lhe não me recordo.(...)
BO:- Olhe eu neste momento vou-lhe responder que não me recordo.
IIS:- Neste momento não se recorda ?
BO:- Neste momento não me recordo.
IIS:- Bom, uma última questão, se tem conhecimento também ele directo obviamente já está pressu(...) em todas as perguntas, se as testemunhas deste processo a que tem vindo a fazer referência ou outras de que tenha conhecimento, tiveram contactos directos com outros órgãos de comunicação social e se estes contactos foram facilitados de algum modo por alguma entidade, nomeadamente pela, pelos órgão de policia criminal, pela, pela AX...
JUÍZA PRESIDENTE: - E em que períodos ?
IIS:- Período, no decurso da investigação deste processo.
JUÍZA PRESIDENTE: - Compreendeu a pergunta ?
IIS:- E posteriormente.
BO:- Bom todos vimos nas televisões aparecerem testemunhas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO...
IIS:- Isso foi o que vimos todos...
JUÍZA PRESIDENTE: - O que todos vimos, a expressão usada pelo Sr. não é o que a Sra. Dra. quer, a Sra. Dra. está a perguntar, conhecimento directo, alguma circunstância, algum caso concreto que o Sr. tenha tido um conhecimento, para além das conclusões que retira de alguma coisa que viu na comunicação social ?
BO:- Não, não, enfim tenho aquilo que decorre da leitura das peças jornalísticas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas não era esse que a Sra. Dra. pretendia...
BO:- Não era um conhecimento directo.
IIS:- Muito bem, para além disso perguntando talvez duma outra forma, se tem conhecimento de ter havido no seu caso concreto ou doutros colegas de profissão, de terem tentado no âmbito do seu trabalho contactar com estas testemunhas e que isso lhes tenha sido vedado ou impossibilitado tendo sido, pelo contrário viabilizado a outros órgãos de comunicação social ? Percebeu ?
JUÍZA PRESIDENTE: - No seu caso concreto ?
BO:- Bom, conheço um caso de um colega meu a quem, que se viu impossibilitado de contactar com uma, uma pessoa que até bastante, peça chave dentro deste processo, foi impossibilitado, acho que era colega meu na altura, repórter do CX (...)(...)
IIS:- Pronto mas então pergunto-lhe finalmente se tentou falar com AI, já disse que falou com a mãe, tentou falar com ele pessoalmente ?
BO:- Com o AI creio que não.
IIS:- Y ?
BO:- Y telefonei-lhe para casa, tentei falar, tentei falar...
IIS:- Pronto. AN ?
BO:- Não.
IIS:- Não ?
BO:- Não.
IIS:- AT ?
BO:- Não.
IIS:- Não. Não conseguiu ou não tentou ?
BO:- Não, nem tentei...
IIS:- Nem sequer tentou...
BO:- Nem tentei porque a certa altura eu recebo informações...
JUÍZA PRESIDENTE: - Agora a pergunta é se tentou ou não Sr. Procurador...
IIS:- Mas já agora...
JUÍZA PRESIDENTE: - Uma coisa é o não ter falado, a Sra. Dra. está a perguntar duma forma mais específica, se tentou ou não, mais alguma Sra. Dra. ?
IIS:- Ia dizer, perguntar só um esclarecimento...
BO:- Ou seja, a certa altura eu recebo uma informação em como eu deveria ter um certo cuidado relativamente à minha integridade física não é, de modo e então tive uma série de cuidados nomeadamente não me aproximar de mais...(...)
IIS:- Mas espere, mas ainda antes disso porque era mesmo a última questão, ameaçado na sua integridade física ou outra ?
BO:- Sim, sim.
IIS:- Nomeadamente familiar, profissional o que seja, já lhe peço esse esclarecimento, mas o que eu pergunto é, diga ?
BO:- Eu sou um mau negócio, para os media eu sou péssimo, comigo só perdem dinheiro.
IIS:- A minha questão é não contactou com estas outras pessoas que eu aqui enumerei dos outros assistentes, para além daqueles que nomeou de manhã, por essa razão ?
BO:- Exacto.
IIS:- Foi por essa razão ?
BO:- Foi por essa razão.
IIS:- A partir do momento em que começou a receber ?
BO:- Exacto.
IIS:- Agora peço-lhe então que concretize desde quando e que tipo de ameaças tem sofrido por esta, pelo trabalho que tem vindo a fazer ?
BO:- Bom...
JUÍZA PRESIDENTE: - O Tribunal vai permitir como permitiu pelo menos em relação a duas testemunhas, uma das quais também com profissão jornalista. De forma objectiva.
BO:- Bom, de forma objectiva eu recebo por exemplo uma ameaça desse BY, em que eu publico a ameaça e coloquei até, como antídoto não é, a gravação...
IIS:- Como, não percebi.
BO:- Como antídoto, ou seja, como protecção minha, publiquei imediatamente a ameaça no, eu tenho por feitio gravar tudo, as primeiras chamadas e depois desligo não é, mas naquele caso era uma chamada que ele me estava obviamente a ameaçar, de modo estamos a falar de tipos de bas-fond, de modo navalha etc., são indivíduos petit delinquentes mas perigosos não é, bom essa, desse lado, de modo senti alguma, algum cuidado aí, fundamentalmente deva-se dizer também que este tipo, eu fui logo avisado no início por colegas meus, nomeadamente nos Estados Unidos que devia...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO...
BO:- Ter cuidado...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, a Sra. Dra. perguntou ameaças, já relatou uma, mais alguma?
BO:- Bom e depois recebo uma informação de fonte minha, junto da Policia Judiciária, de modo é uma fonte minha já, enfim uma pessoa que conheço há bastante tempo, e que me disse para eu tomar cuidado porque a coisa podia aquecer para os meus lados, é assim que se diz não é ? Para fazer as coisas de forma a não me expor...
IIS:- A não ?
BO:- A não me expor.
IIS:- A não se expor.
BO:- A não me expor.
JUÍZA PRESIDENTE: - É uma fonte Sra. Dra. continuamos, fonte...
BO:- Está bem ok mas eu, eu é que...
JUÍZA PRESIDENTE: - Atenção, eu estava a prestar um esclarecimento à Sra. Dra. que tem noção do ponto de vista processual da relevância ou não do que a seguir é dito.
BO:- Mesmo recentemente, eu tenho...
JUÍZA PRESIDENTE: - Está respondido, Sr. BO para já está respondido, Sra. Dra. mais alguma questão ?
BO:- E tenho outra ameaça...
IIS:- Queria que a testemunha completasse as ameaças...
BO:- É que eu tenho outra ameaça por exemplo, que recebi por telemóvel, em que ameaça, intimida-me relativamente a uma possível fonte que nem é, e que me manda uma série de mensagens para o telemóvel, eu pego, de modo gravo aquilo ponho, apresento uma queixa, uma queixa-crime e, e peço uma série de diligências para se detectar imediatamente de onde é que vem aquilo, passam-se meses e meses e agora em (…) vou lá no dia Dezassete ser ouvido finalmente primeira vez por causa disso.(...)
Dra. LLA (Mandatária dos arguido N e Q – doravante designada por LLA):- Boa tarde, olhe Sr. BO hoje creio que de manhã referiu a seguinte frase, AP foi com IP a (…) levando fotos da casa, foi algo do género, levando fotos da casa de (...) ao X, foi assim ?
BO:- Exactamente.
LLA:- Pronto, a questão que eu lhe ia colocar, a primeira, é como é que soube deste facto?
BO:- Olhe se eu não estou em erro foi uma jornalista que mo disse.
JUÍZA PRESIDENTE: - E quem ?
LLA:- Quem ? Pois, quem ?
BO:- Não posso referir.
LLA:- Olhe e...
JUÍZA PRESIDENTE: - O que é que respondeu que eu não compreendi ?
LLA:- Não pode referir.
BO:- Não posso referir, ou seja, está sob, eu referi esta manhã que eu escrevi isso...
LLA:- Exactamente, exactamente, olhe e quanto à proveniência dessas fotos, tem alguma informação ?
BO:- Não sei, não sei nem, nem a pessoa que me deu essa informação também  não sabia.
LLA:- E quanto à data desta, desta, deste encontro ?
BO:- A data precisa não é ?
PR:- Qual é o encontro Sra. Dra. peço desculpa ?
JUÍZA PRESIDENTE: - O encontro duma Sra. jornalista que foi ao (…) com...
PR:- Mas se a testemunha diz que não revela quem é a testemunha e quem é que lhe disse...(...)
JUÍZA PRESIDENTE: - Eu vou permitir Sr. Dr.
LLA:- É uma jornalista sabe de que, que órgão de comunicação ?
BO:- Não, isso não, isso não revelo, porque seria...
JUÍZA PRESIDENTE: - Também não revela Sra. Dra.
BO:- Seria delimitar demais a...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto...
BO:- A questão. De modo não me foi, a questão é esta, ou seja, no nosso código deontológico nós fazemos uma grande diferença entre o teor da conversa e a fonte da conversa...
JUÍZA PRESIDENTE: - O Código de Processo Penal faz uma grande equivalência entre o teor da conversa e a pessoa com quem é tida a conversa, é isso que a lei exige e daí a grande diferença entre o que se faz aqui e o que se pode fazer lá fora...
BO:- Exactamente, de modo nós protegemos a fonte...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sra. Dra. pode prosseguir.(...)
JJS:- Relativamente a esses documentos que a Dra. BP lhe terá mostrado, esse documento de vinte e três páginas que a Dra. BP lhe terá mostrado com uma lista de pessoas ao mais alto nível, se o exemplar que o Sr. tiver não identificar a fonte, o Sr. estará em condições de no prazo de dez dias de o entregar a Tribunal ?
BO:- Sim Sr.
JJS:- A mesma coisa relativamente aos outros documentos que diz que tem, os tais...
BO:- Sim Sr.
JJS:- Então relativamente a isto eu pediria ao Tribunal que formalmente fosse notificada disso.”(...)
Dr. LLB – Mandatário dos Assistentes (doravante designado por LLB):- Ora muito boa tarde Sr. BO...
BO:- Pensei que fosse já que nos fossemos embora mas não.
LLB:- Pois mas de facto não é assim, eu vou tentar ser concreto nas perguntas e breve pelo que agradeço o favor de também de ter respostas concisas e breves, a primeira pergunta tem a ver com o seu estatuto, isto é, o Sr. aquilo que fez foi um trabalho de investigação como jornalista apenas, e não como investigador, digamos como já foi aqui aflorado, remunerado por alguém, que foi jornalista...
BO:- Exactamente.
LLB:- Dentro dos parâmetros do jornalismo e nos quadros legais em que o jornalismo se move, é isso ?
BO:- Exactamente, claro.
LLB:- O Sr. tem, como é facto público e notório um espaço na Internet, chame-se-lhe um site ou um blogue ou como queira, chamado Repórter X...
BO:- Exacto.
LLB:- Pergunto-lhe, escreveu também artigos na imprensa sobre este assunto ?
BO:- Sim, sim, claro.
LLB:- Quantos artigos escreveu na imprensa ?
BO:- Não muitos, vinte talvez, vinte e tal.
LLB:- Durante que período ?
BO:- Trinta...
LLB:- Durante que período ?
BO:- Durante o período de quatro anos.
LLB:- Durante quatro anos.
BO:- Durante o período, de quatro, enfim, desde Dois Mil e Três, três, quatro, cinco , seis...
LLB:- Muito bem, sim, a equipa que o Sr. formou, palavras suas, era a sua pessoa e também o jornalista LLC, correcto ou não, não era uma equipa formada com o jornalista LLC ?
BO:- Não, não, em absoluto, em absoluto, sou eu, de modo eu sou freelancer...
LLB:- Mas referiu o nome do jornalista LLC ?
BO:- Numa, numa, num momento especifico.
LLB:- Muito bem.
BO:- Se quer saber porquê, o LLC naquela altura tinha feito um documento chamado (…), e eu achei, foi um dos primeiros documentos jornalísticos, de modo a análise jornalística aquilo, aos media daquilo que estava a suceder, eu não o conhecia, de modo achei aquilo bastante interessante e quando surgiu a questão da, da, da XM, da D. XM falei com ele e pedi-lhe que me ajudasse a...
LLB:- É pontual, esse caso é pontual ?
BO:- Pedi a vários jornalistas ajuda, aliás não foi só a ele...
LLB:- Mas apenas me basta que é pontual, e não no quadro de uma equipa, outra pergunta, tanto quanto é dado observar pela leitura digamos do que o Sr. escreveu, a sua análise concentra-se sobre este processo que está aqui a ser julgado ?
BO:- Não.
LLB:- Então ?
BO:- Concentra-se sobre vários outros, de modo aquilo que, eu tenho publicado coisas sobre este, mas a recolha de material que eu faço, ou seja...
LLB:- Não é a recolha, é as posições públicas que o Sr. tomou digamos assim, incidiram sobre este processo.
BO:- Sim, muito bem, porque estamos cá em Portugal e é sobre este processo que eu, agora...
LLB:- Não, mas é que, é que o caso, o caso enfim chamado de pedofilia desdobrou-se em vários outros processos, enfim que são conhecidos da imprensa, o processo do (…), o processo (…), o processo (…), o processo, etc. ...
BO:- Eu não estou a falar desses...(...)
BO:- É uma peça completamente à parte, agora o meu trabalho incide sobre aquilo que se chama a falácia genética, de modo...
LLB:- Já disse.
BO:- E há outros casos, há um caso na Suécia, há o caso em França....
LLB:- Na economia, pergunto doutra maneira, na economia geral do que escreve o seu esforço principal tem a ver com este processo que estamos a julgar ?
BO:- Não pode dizer isso, não.
LLB:- Escreve mais sobre outras coisas do que escreveu sobre este processo ?
BO:- Eu estou a preparar dois livros sobre este, este caso...
LLB:- Não é dois livros é aquilo que até agora publicou, resposta concreta, analisando quantitativamente como queira, escreveu...
BO:- Tem a ver mais com este processo.
LLB:- Pronto, tem a ver mais com este processo.
BO:- Mas isso é diferente do trabalho.
LLB:- Muito bem, grande parte das respostas que nos deu incidiram sobre este argumento...
BO:- Exactamente.
LLB:- Não disse ainda, não diga exactamente pode não ser exactamente, pode estar a ser precipitado, algo como, eu tenho acesso a este a informação que não está junta ao processo, eu tenho acesso a esta documentação que não foi junta ao processo, penso que nunca foi qualificado o seguinte, quando o Sr. diz que não foi junto ao processo, o que é que isso quer dizer concretamente e eu vou, sem querer sugestionar a resposta, tentar digamos concretizar, um processo penal tem uma fase de inquérito, tem uma fase de instrução, tem uma fase de julgamento, e terá uma fase de recurso, nós estamos na fase de julgamento quando diz não foi junto, quer dizer não foi junto até um certo momento, quer dizer não foi junto até ao momento em que estamos, até há meses atrás, semanas atrás, não foi junto, o que é que quer dizer isso, até quando ?
BO:- Até, obviamente até à acusação.
LLB:- Não foi junto obviamente até à acusação...
BO:- Até à acusação, exacto.
LLB:- Portanto tudo o que nos disse...
BO:- Está-me a dizer, o tudo não, vai ter que me especificar então ponto por ponto, por favor...
LLB:- Não, não.
BO:- Eu não generalizo, não consigo generalizar...
LLB:- Então eu perguntarei de outra forma, o Sr. teve acesso a este processo nas fases posteriores à acusação ?
BO:- Sim.
LLB:- Teve acesso ao que se passou durante a fase de instrução ? Aos documentos que estão no processo na fase posterior à acusação ?
BO:- Não, depois, depois.
LLB:- Peço desculpa ?
BO:- Depois da acusação, depois da instrução.
LLB:- Não me fiz entender, o Sr. conhece em volumes, os processos são sequenciais como saberá, o seu conhecimento reporta-se a todo o processado nestes autos até ele entrar em julgamento ou pára no momento em que ele conhece acusação ? E a partir daquilo Sr. ignora que papelada é que lá estará ? Penso que não merecerá muito tempo, que a pergunta é tão simples...
BO:- Estou a ver o volume, até não é ? Provavelmente até ao volume setenta, creio eu.
LLB:- Até ao volume setenta...
BO:- Creio eu, mais os anexos.
LLB:- Uma vez que até os conhece numericamente quer dizer que para si volume setenta significa...
BO:- Provavelmente, estou eu a dizer.
LLB:- O que é que quer dizer volume setenta ?
BO:- Setenta volumes do processo, o Sr. referiu...
LLB:- Mas isto quer dizer que fases do processo ?
BO:- Desde o Um a Setenta.
LLB:- Peço desculpa, qual era a fase do processo no volume setenta ? É fácil eu tenho aqui o processo todo digitalizado, é um instante encontrá-lo, mas eu queria...(...)
BO:- A memória que eu tenho é da fase da, e incluindo a instrução não é, de modo aquilo que eu analisei foi, o que é que se passou concretamente neste processo, como é que toda a investigação do processo foi conduzida e é isso, e é isso que eu fundamentalmente analisei, como é que a investigação policial...
JUÍZA PRESIDENTE: - Está respondido.
BO:- O que é que fizeram....
JUÍZA PRESIDENTE: - Esse aspecto está respondido.
BO:- Exactamente, foi isso, agora se me pergunta qual é o volume, etc. eu digo provavelmente aquele mas não sei, mas foi essa a minha preocupação.
LLB:- Anexos do processo, teve conhecimento de anexos do processo ?
BO:- Tive.
LLB:- Quais anexos, até quando, que anexos ?
BO:- Dezenas de anexos.
JAB:- Sim, pode quantificar, uma vez que disse por exemplo em relação aos autos principais setenta, quantos ?
BO:- Dezenas.
LLB:- O acesso que teve ao processo e aos seus anexos foi por consulta dos mesmos, foi porque lhe foram facultados ?
BO:- Alguém mos enviou.
LLB:- Eu, só para voltarmos um pouco atrás, o volume setenta é encerrado no dia Dez de Fevereiro de Dois Mil e Quatro...
BO:- Eu disse-lhe provavelmente o número setenta.
LLB:- Não, está aqui escrito, Dez de Fevereiro de Dois Mil e Quatro...
BO:- Muito bem agradeço a informação.
LLB:- Portanto é essa altura. No entanto apesar de ter dito exactamente isso o Sr. escreve de facto, por exemplo, um artigo que chama (…), que diz publicado no jornal LLD em que já se reporta a elementos do processo ?
JUÍZA PRESIDENTE: - É elemento dos autos Sr. Dr. ?
LLB:- Ele conhecê-lo-á Sra. Dra. Juiz, é apenas por referência, digo assim se se lembra de ter escrito, peço desculpa, pergunto doutra maneira, o Sr. lembra-se de ter escrito no jornal LLD um artigo chamado (…), no dia Trinta e Um de Agosto de Dois Mil e Três ?
BO:- Lembro-me.
LLB:- E que aí se reportava a elementos do processo, sendo que acaba de ficar a ideia com nomes, o que é que as pessoas lhe disseram, etc. ?
BO:- Não, elementos do processo não. Elementos do processo não, aliás se quer que lhe diga eu acho que foi na sequência desse artigo que mandaram colocar dentro do processo esses relatórios, mas isso no seu computador talvez possa ver.
LLB:- Talvez, uma vez que disse que o acesso que teve ao processo não foi por consultar, porque lho mandaram, pergunto foi alguém concreto, individualizado que não quer identificar ou não pode identificar, que lho entregou ou foi alguma mão amiga anónima que lhe fez chegar cópias do processo ?
BO:- Não, não revelo fontes, acho que foi anónima, nem me recordo, não, sei que há vários jornalistas que têm este tipo de informação...
LLB:- Mas eu permito-me só perguntar, mas foi alguém fisicamente individualizado uma mesma pessoa que disse olhe está aqui cópias do processo ?
BO:- Invoco a questão confidencial e de criminalização.
LLB:- Para...
BO:- De qualquer maneira eu na altura em que tenho acesso à informação, estou perfeitamente convencido de ter direito a isso, o direito constitucional a isso...
JUÍZA PRESIDENTE: - Essa questão, essa questão não vai ser agora aqui debatida neste momento.
LLB:- Não está a discutir...
BO:- Ok. mas é isso, o Sr. quer saber quem são as minhas fontes não é ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, não é isso...
BO:- Então o que é que quer saber ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO não entre em diálogo com o Sr. Dr.
BO:- Peço desculpa.
JUÍZA PRESIDENTE: - O Sr. Dr. quer fazer perguntas para esclarecimento da verdade tal como têm sido feitas pelos demais sujeitos processuais.
LLB:- Como sabe, o Sr. pode recusar identificar as suas fontes...
BO:- Exactamente.
LLB:- Mas pode digamos revelá-las como tem feito abundantemente neste julgamento, não se coibiu de variadíssimas vezes quando lhe foi perguntado, digamos assim, dizer foi A, foi B, foi C, foi D pondo nome a tudo e a todos...
BO:- Exactamente.
LLB:- E há alturas em que o Sr. diz não respondo, e depois nós tiraremos as conclusões em relação aquelas partes em que o Sr. revela as suas fontes, e aquelas partes em que o Sr. invoca o segredo, pronto é só isso eu não quero que o Sr. revele nada, o Sr. é que fará o favor de responder conforme achar conveniente ou que nos quer dizer. Pronto, como jornalista acedeu aos volumes do processo que já disse, em relação ao que se passou nas audiências de julgamento, uma vez que manteve a sua atenção vigilante, teve conhecimento do que aqui se passava nas audiências de julgamento ?
BO:- Sim, algumas vezes por seu intermédio.
LLB:- Como por meu intermédio ?
BO:- Por exemplo anteontem...
LLB:- Sim.
BO:- Na televisão, o Sr. explicou que, enfim deu uma entrevista...
LLB:- Sim.
BO:- À saída, de modo os Srs., aliás tem, eu estou no (…) está a ver, estou muito longe, de modo a única coisa que tenho é a televisão...
LLB:- Sim, sim, sim, olhe já agora que se permitiu esse pequeno aparte, eu vou-lhe fazer uma pequena pergunta, se o Tribunal me permite...
JUÍZA PRESIDENTE: - Permite Sr. Dr.
LLB:- Que me vai permitir aquilatar o seguinte, o Sr. esteve aqui nessa sessão e sabe o que é que se passou em relação a serem-lhe apreendidos para os autos esses documentos ou outros que tinha trazido ? Sabe o que é que se passou ?
BO:- Não percebo.
LLB:- Sabe que o Sr. trazia documentos, sabe que houve uma iniciativa no sentido desses documentos serem levados para os autos ?
BO:- Não sabia.
LLB:- Ah! não sabia, não se percebeu que houve aqui requerimentos no sentido de...
BO:- O Sr. no momento em que fala...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr.                      
BO:- Em leis eu não me apercebo...(...)
LLB:- O Sr. trazia documentos e várias vezes se reportou a esses documentos...
BO:- Exactamente.
LLB:- E houve uma iniciativa tomada nesta audiência de que esses seus documentos fossem entregues à ordem do processo, pergunto apercebeu-se ou não se apercebeu que essa iniciativa foi tomada ?
BO:- Não.
LLB:- Não se apercebeu ?
BO:- Não.
LLB:- Muito bem, portanto não sabe qual foi a minha posição acerca desse assunto ?
BO:- Não.
LLB:- Não ? E no entanto o Sr. BO no seu Repórter (…), o Sr. ontem permitiu-se publicar o comunicado da LLE na íntegra e permitiu-se pôr o seguinte, acerca duma afirmação minha que eu disse que as suas afirmações enfim, acerca do Ministério Público tinham sido irresponsáveis e o Sr. escreveu assim, LLB afirma que a declaração é irresponsável se o jornalista não provar o que diz mas quando viu as provas serem entregues em Tribunal pelo jornalista apressou-se a dizer que não deviam ser aceites, então o Sr. está a dizer que não se apercebeu qual foi a minha posição e agora escreveu a dizer que eu tinha...
BO:- Foi, desculpe o Sr.
JUÍZA PRESIDENTE: - Vai terminar aqui Sr. Dr., Sr. Dr. este aspecto termina aqui.
LLB:- Sra. Dra. Juiz vou terminar mas não deixarei por V. Exa. me permitir de ler o parágrafo a seguir, porque o parágrafo a seguir, este Sr. permite-se dizer, afinal porque teme a verdade, pensei que estivesse perante um homem sério, enganei-me...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. terminado aqui.
BO:- Exactamente.
LLB:- Sr. BO eu quero tomar a seguinte iniciativa, quem tomou a iniciativa de requerer que esses documentos fossem apreendidos para o processo fui eu.
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. não vai ser, mais espaço nessa questão.
LLB:- Não vou, não...
BO:- Quer que eu responda ou não ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, não é para responder. Vamos continuar então.
LLB:- Está respondido. Voltamos à questão, para além dessa...
BO:- Já agora quando diz estes documentos refere-se a todos, mesmo as minhas notas pessoais ?
JUÍZA PRESIDENTE: - Atenção, agora terminou essa questão, terminou, será esclarecida posteriormente se necessário.
LLB:- Mantenho a mesma pergunta, para além daquilo que eu ontem disse à saída deste Tribunal, e que se reportava a uma situação que o Sr. disse que não se tinha apercebido aqui e que escreveu claramente ter percebido qual era, ao contrário do que tinha sido, exactamente, pergunto apercebeu-se do que se passava nas audiências de julgamento, sim ou não ?
BO:- Então é que, pelo que o Sr. me diz agora, é muitíssimo mais grave ainda o que se passou...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO...
LLB:- A minha pergunta é em todas as sessões de julgamento, das dezenas, centenas de horas que já vão consumidas, o Sr. acompanhou ou não acompanhou, resposta sim, resposta não ?
BO:- Não, não acompanhei, não.
LLB:- Não acompanhou ?
BO:- Não, não, claro que não.
LLB:- Falou com o Sr. Dr. OV sobre o que se passou nas audiências de julgamento ?
BO:- Falei, enfim...
LLB:- Ele contou-lhe o que tinha dito aqui ?
BO:- Ele contou-me aquilo que tinha dito nas televisões.
LLB:- Não lhe contou o que tinha dito aqui ?
BO:- Não me acrescentou nada mais que aquilo que tinha dito nas televisões.
LLB:- Importa-se de olhar para trás por favor, se o Tribunal autorizar, para visualizar as pessoas que estão a ser julgadas aqui neste Tribunal.
JUÍZA PRESIDENTE: - Permito.
BO:- Sim.
LLB:- Daquele lado também por favor.
BO:- Já tinha, eu daquele lado foi o primeiro lado em que olhei.
LLB:- Falou durante o seu trabalho com algum desses Srs. e com aquela Sra. ?
BO:- Falei.
LLB:- Com quem ?
BO:- Com o Dr. C, E, H, K e N.
LLB:- Foi-lhe perguntado nesta audiência isso ?
BO:- Se me foi perguntado nessa audiência isso ?
LLB:- Alguém lhe perguntou durante esta audiência isso ?
BO:- Não me recordo, acho que não, não sei, creio que sim, creio que houve...
LLB:- Que se falou com estas pessoas todas que acabou de dizer ?
BO:- Todas não, mas por exemplo perguntaram se tinha falado com o Dr. C, sim.
LLB:- Sim, isso é verdade.
BO:- Exactamente.
LLB:- Mas porque é que não o disse logo desde o princípio que tinha falado com todas estas pessoas ?
BO:- Porque ninguém me perguntou.
LLB:- Muito bem.
BO:- Mas eu publiquei entrevistas com elas, de modo que não...
LLB:- A pergunta é se falou se não falou, já disse que sim, falou.
BO:- Falei, claro.
LLB:- Muito bem, pergunto em relação a advogados tomou a iniciativa de falar do Dr. QT, falou com mais algum advogado ? Ou não quer responder a essa matéria?
BO:- Falei circunstancialmente com alguns advogados, mas não, não, não quero adiantar mais sobre essa matéria.
JUÍZA PRESIDENTE: - O não quer é porque está impedido por...
BO:- Por sigilo porque não sei se, enfim, não sei se eles me deixam referir isso.
LLB:- Em matéria de vítimas falou com um Sr. chamado AQ ?
BO:- Desculpe ?
 LLB:- Em matéria de alegadas vítimas, como se costumam dizer falou com um Sr. chamado AQ ?
BO:- Não, não.
LLB:- Ainda na mesma lógica, para além daquelas pessoas que já referiu nomeadamente enfim, o X como de facto referiu, o irmão do LLF, falou por exemplo com um AL ?
BO:- Não.
LLB:- AD ?
BO:- Não.
LLB:- AW ?
BO:- Não.
LLB:- AB ?
BO:- Não.
LLB:- AH ?
BO:- Não.
LLB:- AJ ?
BO:- Também não.
LLB:- AG ?
BO:- Não.
LLB:- AA ?
BO:- Não.
LLB:- AS ?
BO:- Não.
LLB:- AO ?
BO:- Sim.
LLB:- Z ?
BO:- Não.
LLB:- AF ?
BO:- Não.
LLB:- GT ?
BO:- Também não.
LLB:- São pessoas que se dizem vítimas de abusos sexuais, enfim para quem faz uma investigação parece que circunscreve muito as vítimas com quem fala, Sr. BO, o universo das vítimas que o Sr. contacta parece ser muito restrito...
BO:- E porque é que o Sr. diz que são vítimas de abusos sexuais ?    
LLB:- É porque estas pessoas de facto são pessoas que...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pergunta...
LLB:- Enfim...
BO:- O Sr. está a tentar induzir a minha resposta, porque é que diz que são...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO
BO:- ...De abusos sexuais...
JUÍZA PRESIDENTE: - (...) Sr. Dr. pergunta concreta.
LLB:- Pergunta concreta, sabia que estas pessoas se queixavam também de terem sido abusadas sexualmente ?
BO:- Não todas.
LLB:- Ao, ao volume setenta tinha conhecimento disso ?
BO:- Sim, enfim, grosso modo sim.
LLB:- Não muito grosso modo Sr. BO, o volume setenta não podia ser grosso modo...
BO:- A questão, a questão, se me permite é o seguinte, ou seja, a chave, a chave são as perícias... (...) eu vi as perícias relativamente a essas pessoas todas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, pergunta concreta, até ao volume setenta o Sr. sabia ou não que estes nomes indicados pelo Sr. Dr. estavam identificados ou não como vitimas deste processo ?
BO:- Sabia, sim, sim sabia.
JUÍZA PRESIDENTE: - Pode prosseguir Sr. Dr.
LLB:- Foi de caso pensado, foi uma opção tomada não falar com estas pessoas ?
BO:- Eu já expliquei isso.
LLB:- Não explicou, em relação a estes concretos...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pode responder, em relação a este, em relação a assistentes em concreto.
LLB:- Porque é que não falou, porque é que não falou ?
BO:- Porque não achei necessário falar.
LLB:- Falou com o Sr. A ?
BO:- Não.
LLB:- Mas tudo começa com uma notícia do Expresso sobre o Sr. A...
BO:- Eu nessa altura não me interessei pelo, de modo eu quando começo a...
LLB:- Para uma investigação jornalística, sendo o Sr. A uma peça tão essencial, toda a imprensa no fundo fez dele manchete, tema central...
BO:- Adoraria ter falado com ele garanto-lhe...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. LLB o Tribunal tem estado a tentar afastar tudo o que é, tem a ver com a investigação jornalística, o Sr. respondeu que só se começou a interessar depois das prisões de Trinta e Um de Janeiro, até identificou, disse prisões de Trinta e Um de Janeiro.
LLB:- Em relação, digamos, às conversas que teve com as pessoas que referiu a nível dos arguidos, conversou com o Sr. H uma única vez, várias vezes ?
BO:- Algumas vezes, poucas, algumas vezes, poucas, muito poucas.
JUÍZA PRESIDENTE: - Quantas ? O mínimo que possa garantir.
BO:- Três, quatro vezes, na realidade ou seja, muito pouco, qualquer um deles tem muito pouco para me dizer, no tipo de trabalho que eu estou a fazer a não ser circunstancialismos...
JUÍZA PRESIDENTE: - Três, quatro vezes Sr. Dr.
LLB:- Três, quatro vezes, porque é que diz que cada um deles tem muito pouco para lhe dizer se de facto o que está em causa é a pessoa deles e tudo parece que eles tenham tudo a dizer ?
BO:- Porque o, mesmo as três ou quatro vezes eu acho que uma vez seria mais do que suficiente, ou seja, se é que quer saber o porquê não é ?
LLB:- Porque diz aqui que está seis horas com um jovem por exemplo não é, depois há uma série de jovens com quem não fala, e que os principais visados, enfim, enxovalhados publicamente, clamando inocência, diz pá falei uma vez tinham pouco a dizer, continuo a perguntar qual foi o critério pelo qual no fundo entendeu que para formar a sua convicção e conhecer factos, que são os que está a trazer aqui, bastou falar tão poucas vezes ?
BO:- Exactamente.
LLB:- Por exemplo, porque é que no fundo para formar convicção, para apanhar factos, para recolher factos, para nos trazer factos nunca falou com o Sr. A, nunca falou com estes jovens, falou com esse ar de displicência tão poucas vezes com estas pessoas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr., Sr. Dr. ...
LLB:- Que estão a ser julgadas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Retirar o ar de displicência se faz favor.
LLB:- Retiro o ar de displicência.
JUÍZA PRESIDENTE: - Obrigada.
LLB:- Porque, porquê no fundo, quantitativamente porquê esta desproporção ?
BO:- Porque se amanhã o Sr. for acusado de ter abusado sexualmente de alguém...
LLB:- Sim.
BO:- Eu quero saber, e se for preso...
LLB:- Sim.
BO:- Eu quero saber com que base é que foi feita a sua prisão...
LLB:- Sim.
BO:- E depois como é que foi dirigida toda a investigação...
LLB:- Sim.
BO:- E quais foram as provas que consubstanciaram a acusação que lhe destruiu a si a sua vida e a vida de toda a sua família...
JUÍZA PRESIDENTE: - Está respondido Sr. Dr.
BO:- E essa é a questão essencial...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. a partir daqui tudo o que tenha a ver com a investigação jornalística o Tribunal está satisfeito. (...) Vamos a factos, conhecimento directo que tenha (...) sujeitos processuais...(...)
LLB:- V. Exa. tem razão, pensava eu exactamente o mesmo neste momento..., locais, foi a casa por exemplo de (…), disse foi a (…), que casa é esta de (…) ?
BO:- Olhe, uma pergunta muito curiosa, é uma casa na (...) (…), de modo o AK leva-me a uma casa por exemplo que não consta no, que eu saiba, não consta nos autos, e foi a casa onde ele diz que acompanhou o CF no reconhecimento.
LLB:- Foi à casa que está referenciada como sendo a residência do Sr. (…) E ?
BO:- Não, não fui.
LLB:- Foi a uma casa que está referenciada como sendo a casa dos (…) ?
BO:- Tentei ir, andei à procura dela com o BY que não a conseguiu encontrar.
LLB:- Foi ao número (…) da (...) (…) ?
BO:- Fui, enfim por fora, sim.
LLB:- Passando por lá também eu...
BO:- Passando por lá...
LLB:- Isso também eu, passando por lá, passo por lá muitas vezes...
BO:- Não fui especificamente.
LLB:- A uma casa na (...) ?
BO:- Não, não fui.
LLB:- A casa do Sr. Dr. K ?
BO:- Fui.
LLB:- Falar com ele ?
BO:- Exactamente.
LLB:- Foi lá que se deu o encontro. Muito bem, portanto para a investigação jornalística e movendo-se como jornalista aquilo que obteve e sobre o qual longamente escreveu e nos trouxe aqui, este foi o método que seguiu ?
BO:- Não.
LLB:- Não, quero dizer, estas foram as pessoas com quem falou ?
BO:- Não.
LLB:- Dos arguidos ?
BO:- Não, sim, está bem, ok, mas não fale do método...
LLB:- Dos arguidos, das vítimas, vou sintetizar, das vítimas...
BO:- Não me fale em vitimas por favor que me está a orientar a minha...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. LLB, vamos afastar...
BO:- O Sr. está-me a orientar a questão, de modo, eu não considero que haja vitimas...
LLB:- (...) peço desculpa, eu também estarei a cometer uma imprudência ao formular a pergunta deste modo mas eu explico, toda a testemunha tem a sua fonte de ciência, se a testemunha é jornalista a fonte de ciência adquire-se por aquilo a que se chama a investigação jornalística ou o que se queira chamar, neste caso, reconstituir a fonte de ciência desta testemunha e portanto ficou, ficou claro o caminho e o percurso que foi aqui perfeitamente seguido, só mais uma última pergunta e que tem a ver com o seguinte, os documentos que tem consigo em seu poder hoje são os mesmos que trouxe na audiência anterior ?
BO:- Absolutamente, sim.
LLB:- Perguntando concretamente, são documentos, são, perguntando abrangentemente que documentos são, perguntando, são fotocópias de documentos que sabe que são do processo, pergunto sim ou não ?
BO:- Alguns, provavelmente.
LLB:- Porquê o provavelmente ?
BO:- Porque não tenho a certeza, ou seja, não...
LLB:- Mas há bocado dizia são documentos que sei que não estão no processo, agora de repente já não...
BO:- Não, desculpe, eu tenho aqui algumas centenas de páginas ok, de modo...
LLB:- Pronto, já entendi.
BO:- Tenho aqui muitas notas pessoais minhas, de modo...
LLB:- Já entendi.
BO:- Impressões de notas pessoais por isso é que manifestei a minha estranheza...
LLB:- Não, não, não vamos por partes...
BO:- Do Sr. querer confiscar as minhas notas pessoais...
LLB:- Não, não, não, peço desculpa, peço desculpa...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, o Sr. Dr. não vai querer confiscar....
LLB:- Eu apenas quero...
BO:- Foi isso então que pediu, é mais grave daquilo que eu achava...
JUÍZA PRESIDENTE: - Esclarecimento. Sr. BO, esclarecimento tanto quanto eu o compreendo...
BO:- Muito mais grave.
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO..
BO:- Peço desculpa.
JUÍZA PRESIDENTE: - Em relação aos documentos que hoje apresentou, o pedido de esclarecimento do Sr. Dr., são todos documentos que diz não estarem no processo ou não, é isso Sr. Dr. ?
LLB:- É Sra. Dra. Juiz.
JUÍZA PRESIDENTE: - Obrigada.
BO:- Os de hoje, eu creio que não estão, não, porque aliás são...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto, crê que não estão, está respondido desta forma Sr. Dr.
BO:- Sim, sim.
LLB:- Sistematizando, para que não fique dúvidas, o Sr. tem notas pessoais ?
BO:- Exactamente.
LLB:- O Sr. tem documentos que crê serem os do processo ?     
BO:- De suporte sim.
LLB:- E o Sr. tem documentos que julga que não estão no processo ?
BO:- Exactamente.
LLB:- Que não estavam até ao artigo setenta, até ao volume setenta ?
BO:- Exactamente.
LLB:- E o Sr. disse a este Tribunal, portanto isso para si, deixando as notas porque notas são apontamentos, constitui prova...
BO:- Já percebi...
LLB:- Correcto ?
BO:- Exactamente, exactamente, prova da, de o terem, de o terem prendido a si...
LLB:- A mim no caso, é uma imagem, é uma imagem... (...) Só então uma última pergunta e é o seguinte, em relação a esses elementos que não foram juntos ao processo e que a terem sido juntos provariam a inocência destas pessoas como referiu, quais são em concreto esses documentos, porque (...) uma pessoa que diz, tenho documentos que a terem sido juntos levaria à inocentação é o mínimo dizer quais são, e adquiri-los para o processo, ponto final...
BO:- Exactamente.
LLB:- Sra. Dra. Juiz...
BO:- Exactamente.
JUÍZA PRESIDENTE: - Para além dos que juntou há mais alguns ?
BO:- Sim, eu tenho milhares e milhares de documentos, de modo sim é provável que haja mais alguns, mas esta questão é bastante importante porque o, a questão não está na inocência, a questão está na presunção da inocência...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, conheço, felizmente conheço a Constituição...
BO:- Está bem ok, mas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Conheço a Constituição...
BO:- Mas eu estou-me a referir...
JUÍZA PRESIDENTE: - O Código de Processo Penal, para mim o Código de Processo Penal nunca fez sentido sem a Constituição e aprendi isso no C.E.J. ...
BO:- Exactamente, de modo e é nesse sentido que eu digo...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto está, Sr. Dr.
BO:- Se se conhecessem...
JUÍZA PRESIDENTE: - Esclarecimento mais objectivado (...)
LLB:- A Sra. testemunha acaba de dizer que tem documentos que se tivessem sido juntos ao processo levariam a provar a inocência das pessoas que estão a ser julgadas, e que crê que não foram juntos...(...) serei eu o primeiro a não querer que aqueles Srs. sejam condenados no que quer que seja, se houver alguém que tenha elementos que provem a sua inocência...
BO:- Muito bem. (...) Muito bem, mas é assim mesmo, é assim, e espero, espero que o faça...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr., Srs. Drs. para tentar, dado o adiantado da hora e para tentar de alguma forma agilizar e, convergência de interesses, Sr. Procurador alguma objecção desde já que o Tribunal notifique a testemunha para juntar todos os documentos que tenha conhecimento que não foram juntos ao processo e que contribuirão para a prova dos factos objecto deste processo ?
BO:- Os telefonemas...
PR:- Sra. Dra. ...
BO:- A chave está aí...
PR:- Eu não é nada a opor, eu subscrevo e requeiro.(...)
JUÍZA PRESIDENTE: - Srs. Drs. alguma objecção, alguma objecção ? O Sr. Dr. tem mais alguma questão no dia de hoje ?
BO:- Eu posso pedir só uma, uma questão, ou seja, dentro dessa informação mais do que documentos vamos falar em informação não é, para não jogar com as palavras, dentro dessa informação inserem-se as análises às chamadas telefónicas...
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, as análises às chamadas telefónicas...
BO:- Mas é que isso é essencial...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO o contraditório, o contraditório em fase de julgamento não é em relação às opiniões das pessoas tirando os casos das perícias, do juízo pericial, daí vai ficar notificado, vai ficar notificado para no prazo de cinco dias, e o Tribunal diz cinco dias para agilizar, fazer chegar aos autos todos os documentos que o Sr. tenha conhecimento que tem em seu poder, e que tem conhecimento que não estão junto ao processo e que como disse podem contribuir ou não para a prova dos factos objecto deste processo.
BO:- Não tenho, digo, ou seja, já para atalhar, não se tratam de documentos, tratam-se de informações...
JUÍZA PRESIDENTE: - Isso é diferente...
BO:- A informação é que é o essencial, não, não, desculpe, a informação é essencial...
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas quando diz informação, Sr. BO, quando diz informação quer dizer o quê ? Vamos esclarecer.
BO:- O que eu quero dizer é o seguinte, que a, logo no inicio deste processo e há centenas, milhares de casos que são descobertos assim, não são descobertos doutra maneira, não há documentos milagrosos, há isto...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO...
BO:- Foram feitas, foram feitas afirmações logo no início deste processo, que permitiam setenta por cento de todo este processo, setenta por cento de todo o processo e de toda a investigação foram recolhas de chamadas telefónicas, quinze milhões de chamadas telefónicas...
JUÍZA PRESIDENTE: -  Sr. BO, Sr. BO...
BO:- Essa informação, eu tratei-a porque não estava tratada e nesse sentido estava ocultada...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO...
BO:- E o tratamento dessa informação Sra. Dra. é fundamental para aferir que os arguidos não se conheciam, os arguidos não contactavam com as testemunhas de acusação...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, não sei se o Sr. para além do jornalístico como disse, disse ter mais algum interesse neste processo, tem mais algum interesse para além do interesse jornalístico e da manifestação que fez, Estado de Direito...
BO:- Não, é como cidadão, como cidadão claro que sim ...
JUÍZA PRESIDENTE: - E descoberta da verdade, pronto, o que neste momento fica notificado é documentos que o Sr. tenha conhecimento que não foram juntos, não tem a ver com tratamento feito pelo Sr. de alguns documentos nem com análises que fez, isso consubstancia o primeiro documento que o Tribunal já determinou a junção aos autos, mas que está em determinada situação, portanto, documentos, muito claro...
BO:- Muito bem...
JUÍZA PRESIDENTE: - Documentos que o Sr. tenha conhecimento que não foram juntos ao processo e que contribuiriam para a prova ou não de factos objecto deste processo...
BO:- Muito bem. (...) Para além dos que já foram entregues...
JUÍZA PRESIDENTE: - Esses já cá estão Sr. Dr., esses já cá estão, quaisquer outros que ainda, eu até disse tenha conhecimento, que estão em seu poder...
BO:- Sou capaz ainda de encontrar mais alguns, sim...” (fim de transcrição)
Atentemos agora em tudo o que disse a testemunha BO na sua inquirição em julgamento a propósito do assistente AK conhecer ou não o arguido E, e voltamos a transcrever:
 (...)
Dr. KKW (Mandatário do arguido E – doravante designado por KKW):- Sr. BO, o Sr. esta tarde ia a falar de algo relacionado com o Sr. AK e com o Dr. BL, pode comunicar, informar ao Tribunal o que é que ia dizer ?
BO:- Muito bem, de modo...
JUÍZA PRESIDENTE: - Eu vou pedir o seguinte, perguntas concretas, face ao que já disse, pergunta concreta, o que de facto interessa saber ao Sr. Dr. se foi dito à testemunha se não foi, para tentar começar através dum dado concreto, balizar o resto Sr. Dr., obrigada.
KKW:- Se alguém lhe disse, se alguém lhe disse algo sobre a atitude do Sr. BL relativamente, não posso ir além disto porque foi o que a testemunha ia a dizer, relativamente ao Sr. AK ?
BO:- De modo eu falo com o BY que é o irmão do AK, e que conhecia o Sr. E...
KKW:- Antes de avançarmos Sr. BO, como, porque é que o Sr. foi falar com o Sr. BY ?
VK:- Bom, eu fui ao, várias, duas ou três vezes ao (…), bom para me aperceber enfim, o que é aquilo, o que é aquele fenómeno, etc. e nesse sentido conheço lá várias pessoas, nomeadamente prostitutos, cinco seis, de cada noite que ia lá, encontrava-me cinco seis, falávamos sobre esta questão da AX, etc. perguntava-lhe obviamente, conhece fulano, sicrano, já viu o Sr. H, já viu outro, etc. enfim o trabalho de campo que o jornalista tem que fazer, uma dessas noites veio ter comigo um rapaz que me mostrou um cartão, um cartão de visita do inspector BZ, e disse-me, sabe podemos ir falar a qualquer lado, bom de modo levei-o e começámos a falar, passámos alguns dias a falar, de modo ele conhecia bem ou conhecia algumas partes deste processo, mas logo à partida ele disse-me o seguinte, eu sei muito sobre isto porque o E está preso por causa duma informação, por causa do meu irmão...
JUÍZA PRESIDENTE: - Como é que se chama esse rapaz ?
BO:- AK.
JUÍZA PRESIDENTE: - Não, não, o primeiro.
BO:- BY, BY, mais tarde vinha a saber que tinha sido, que tinha vivido, que tinha sido apoiado na sua infância logo aos oito anos pelo Dr. BL, ele já se dedicava à prostituição aos oito nove anos no (…), no (…) tinha sido acolhido pela CA de modo uma jornalista que é, que é mãe da CB, CE que o ajudou e que depois o ajudou a colocar na AX, de modo isto só para atalhar a história deste rapaz, um rapaz bastante, de modo delinquente, bastante conflitivo, mas que tem sido acompanhado...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. Dr. ir tentando sempre balizar a resposta tal como o Sr. Dr. JJQ fez.
BO:- Nessa altura, nessa altura ele diz-me o seguinte, é que o meu irmão não conhece o E, eu isso tenho a certeza disso, bom eu...
KKW:- E quando ele dizia irmão, era que irmão ?
BO:- AK, eles são filhos de pais diferentes, ele têm a mesma mãe mas são filhos de pais diferentes.
KKW:- E havia algum outro irmão ?
BO:- Tem um outro irmão CC, que eu também conheci um dia que fui a casa deles e com uma irmã BX, e fui com esta Sra. CA, de modo que a ex-mulher do maestro CD, a mãe da CB e da CE, de modo fomos lá os dois porque ela conhecia muito bem a família e fez-me a entrada para mim era essencial meterem-me no meio duma forma confortável e sem ter aquele ónus do jornalista que vai ali fazer perguntas, etc. era extremamente importante para nós podermos falar com tranquilidade...
KKW:- Sim Sr. BO mas neste momento interessava-me que o Sr. esclarecesse o que é que lhe foi dito em relação ao Sr. Dr. BL.
BO:- Em relação ao BL o que me foi dito foi que o BL acompanhava o BY, acompanhava o AK, foi-me dito também pela irmã do AK...
KKW:- Como é que se chama essa irmã, sabe, recorda-se ?
VK:- BX, BX, tenho os contactos dela, volta e meia falo com ela, mantenho obviamente contacto com todas as minhas fontes isso é normal, a conversa com ele e com ela foram conversas bastante, de modo foram gravadas, ou seja, foram transcritas, de modo eu tenho a transcrição toda, horas de conversa com, obviamente com o conhecimento de ambos, de modo é uma questão clara, e ela diz-me a certa altura, de modo isto em Agosto de Dois Mil e Três se não estou em erro mas eu tenho as datas, antes de se saber a existência das, das inquirições para memória futura, ela fala comigo e diz-me recebi hoje ou ontem uma chamada do Dr. BL para, a avisar-me para eu avisar o meu irmão que estava numa (...) para ele não se preocupar porque as inquirições vão ser feitas em memória futura, de modo ele não se preocupe, bem e eu tinha, de modo nós só tínhamos a noticia de que o Juiz LLG tinha negado as inquirições...
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto, Sr. Dr. tentar balizar.
KKW:- De momento não pretendo mais nada...
BO:- Mas tenho, tenho aqui um...
KKW:- De momento não pretendo mais nada, reservar-me-ei a instâncias, para outras  instâncias, quando forem juntos os documentos apresentados pela, pela testemunha.”(...)
JJS:- Segundo aspecto, o, referiu que o de BY disse que o meu irmão (…), AK não conhece o E.
BO:- Exactamente, disse muito mais coisas ele...
JJS:- Sim, mas então concretamente sobre isso, então porque é que incriminava o (…) E ? Era a pedido de alguém ?
BO:- Ele dizia-me sempre que quem está a gerir isto tudo é o BZ, de modo o que ele me diz é, é muito poderoso ele faz o que quiser, etc., eles tinham bastante, sei lá, um misto de receio de medo e de, e de admiração por esse, por esse Sr.
JJS:- Portanto seria ele digamos a pessoa que o aconselharia nesse sentido, é isso ? Que aconselharia o irmão a falar do (…) E ?
BO:- O BY dizia-me, é impossível, isto não é verdade, ou seja, isso não é verdade, ele dizia-me isso não é verdade.
JUÍZA PRESIDENTE: - Não é isso que o Sr. Dr. está a perguntar, Sr. BO o Sr. Dr. está a perguntar se o Sr. está a dizer que quem dizia a AK para revelar factos em relação ao Sr. E, se era o inspector BZ ? É isso que o Sr. Dr. está a perguntar, tanto quanto eu perguntei da pergunta...
JJS:- É isso mesmo.
JUÍZA PRESIDENTE: - Tanto quanto depreendi da pergunta.
BO:- Eu não posso dizer que ele me tenha dito isso assim directamente, ou seja, mas deixava-me uma forte suspeita, da maneira como dizia não é.
JUÍZA PRESIDENTE: - Está respondido.
JJS:- Mas era peremptório quanto ao facto de ele dizer que o irmão não conhecia o (…)?
BO:- Era absolutamente peremptório, aliás o irmão também mo disse, eu tenho, a entrevista com o irmão...
JJS:- O irmão também lhe disse que não conhecia ?
BO:- Que não conhecia, e depois quando ligo o gravador, gradualmente já, bom talvez esteja enganado, bom talvez não sei, bom talvez conheça, bom mas talvez já não conheça, etc. ou seja, via-se que havia ali uma preparação, havia um discurso preparado, ele falou-me das indemnizações, de modo as compensações, que é outra questão bastante importante, o BY dizia-me, ou seja, isto movimenta dinheiro e o que está aqui é o dinheiro.
JJS:- Dizia isso ?
BO:- Dizia-me o BY.
JJS:- Estava ali por dinheiro ?
BO:- O BY disse-me relativamente ao irmão, ou seja, se ele, isto é dinheiro, ou seja, prometeram-lhe dinheiro...
JJS:- Disse ele ?
BO:- Disse-me ele, e o , e o AK também mo disse e está gravado...
JUÍZA PRESIDENTE: - O que é que o AK lhe disse ?
BO:- De modo, se me permite...
JUÍZA PRESIDENTE: - Permito com certeza.
BO:- Eu agora tenho mesmo que ler não é, porque é uma...
JUÍZA PRESIDENTE: - Leia se faz favor.
BO:- Aqui já não é só memória porque foram muitas horas de, de...
JJS:- O Sr. tem entrevistas gravadas com o BY e com o AK ?
BO:- Com o BY não tenho, com o BY tenho a ameaça, etc. agora com o AK tenho, enfim espero, por acaso ando à procura dela, porque com esta mudança, mas pronto, mas está transcrita e eu sei onde ela está, ela está dentro de minha casa é uma questão de...
JUÍZA PRESIDENTE: - o Sr. Dr. perguntou era gravação.
BO:- Um momento só, o que é que me perguntou exactamente ?
JJS:- É sobre a questão do dinheiro, o BY disse-lhe que ?
BO:- O BY assegurou-me que muita gente estava metida nisto por dinheiro e se o irmão dele tinha falado era, era porque lhe tinham oferecido o dinheiro.
JJS:- Dinheiro pronto e ele AK também lhe...
BO:- E o AK o que me disse quando eu coloquei a questão, se me permite, porque é uma questão bastante importante, ou seja, esta questão da compensação é fundamental...
JJS:- É importantíssima, não, mas o que é que eles lhe disseram em concreto ?
BO:- Um momento, sim, um momento...isto é um, ou seja, nós passamos uma tarde toda juntos não é, de modo íamos falando e quando ele me dizia alguma coisa que eu achava que era relevante, eu ligava o gravador e pedia para repetir, de modo...
JUÍZA PRESIDENTE: - E o Sr. AK sabia que o Sr. estava a ligar o gravador ?
BO:- Sabia, claro, ou seja, estou à frente...
JUÍZA PRESIDENTE: - Então em concreto, em concreto o que é que lhe disse ?
BO:- Eu só vou ler, só vou ler...
JJS:- Essa questão do dinheiro...
BO:- BO, de modo eu, és capaz de me repetir isso, AK. veio mais testemunhas à pala que o Estado ia pagar indemnizações, BO. O que estás a dizer é que há muitos testemunhos destes que dizem que o Estado vai pagar indemnizações ? Sim; e achas que os testemunhos são sinceros ou são falsos ? Uns podem ser sérios, outros podem ser falsos...
JUÍZA PRESIDENTE: - Sr. BO, em concreto tente encontrar as palavras, o que é que AK lhe disse dele próprio, é isso que está a ser pedido.
JJS:- Porque o Sr. o que disse há pouco é que o BY disse que ele estava ali só podia ser por dinheiro, agora eu queria saber é se o AK também admitiu isso ?
BO:- Um momento só, agora tenho que...
INTERPELAÇÃO IMPERCEPTÍVEL
JUÍZA PRESIDENTE: - Mas a entrevista tanto quanto eu estudei essa questão tem a ver quando é pedido o sigilo, não de qualquer forma. Pelo Sr. AK foi-lhe pedido algum sigilo, foi-lhe dito para o Sr. não falar sobre esse assunto ?
BO:- Não, não, em nada.
JUÍZA PRESIDENTE: - Pelos menos Srs. Drs. tanto quanto eu estudei a questão, penso que será assim.
BO:- Nem eu violaria jamais essa questão, não, isso...
JUÍZA PRESIDENTE: - Procurar então o elemento concreto...
BO:- Está completamente fora de, de questão para mim não é. Quando os interrogatórios da Policia Judiciária, quando é que te disseram que tu podias pedir uma indemnização ? Foi logo no inicio ou foi a meio ? Foi a meio para aí, não me disseram logo porquê, porque eu por mim não quero nada, quero é paciência dizer o que sei e pôr uma pedra completamente esquecer isto, isto agora para mim repugna-me, dinheiros e isso assim repugna-me, para mim o que mais me interessa é ajudar outras pessoas não quero nada de ninguém, nunca fiz nada...
JUÍZA PRESIDENTE: - Isso foi dito por AK ?
BO:- Exactamente.
JUÍZA PRESIDENTE: - Pronto. Próxima questão Sr. Dr., existe mais alguma ?
JJS:- Não Sra. Dra.” (...)
PR: BO boa tarde...
BO:- Muito boa tarde.
PR:- Presumo que saiba quem eu sou, não preciso de me apresentar, sem prejuízo das perguntas que lhe vá fazer depois na nova data, o Sr. BO disse que quando foi ao (…) perguntava aos rapazes, perguntava-lhes por quem ? O Sr. já disse...
BO:- Sim, sim, perguntava-lhes pelos mais famosos...
PR:- Quais, mas diga...
BO:- H...
PR:- Chegava lá e perguntava...
BO:- Conhecem, para já falava com eles, tentava perceber...
PR:- Sim, mas perguntava, conhecem quem ? Quem é que lhes perguntou se conheciam?
BO:- Perguntei se conheciam o Sr. H.
PR:- Mais ?
BO:- O Sr. E.
PR:- Quando perguntava o Sr. E, perguntava assim pelo nome ?
BO:- Perguntava pelo nome.
PR.- E as pessoas respondiam-lhe o quê ?
BO:- Não tinha outra maneira de...
PR:- E responderam-lhe o quê ?
BO:- Um respondeu-me que sim que conhecia...
JP.- Temos que saber quem, Sr. Dr. as pessoas, vamos à tal questão...
PR:- Quem é que lhe respondeu ?
BO:- Um individuo de nome LLH.
PR:- LLH. O Sr. E e ele disse-lhe que sim, que conhecia ?
BO:- Exactamente.
PR:- E disse-lhe mais o quê ? O LLH ?
BO:- Disse-me que tinha tido relacionamentos com o Sr. E.
PR:- Sim Sr., perguntou pelos outros arguidos todos que aqui estão ? Os nomes ?
BO:- Perguntei mas eles não conheciam, ou seja, eles desconheciam os nomes, obviamente perguntei, claro.
PR:- Fez descrições das pessoas ?
BO:- Não...
PR:- Mostrou fotografias ?
BO:- Não.
PR:- Não mostrou fotografias.
BO:- Não, não.
PR:- O BY e agora termino, o BY quando lhe diz que o, que o AK não sabe, não conhece o Sr. E...
BO:- Exactamente.
PR:- E o BY ?
BO:- Conhece.
PR:- De onde ?
BO:- De ter tido uma relação, mesmo com ele.
PR:- Muito bem, é tudo Sra. Dra. muito obrigada.
JUÍZA PRESIDENTE: - Agora sim, podemos interromper Sr. Dr., obrigada.
(fim de transcrição e do depoimento)
Os extractos transcritos a partir do registo fonográfico da inquirição de BO, nas sessões da audiência de julgamento de 6 de Novembro de 2006 (2.ª e 3.ª faixas do CD III) e 8 de Novembro de 2006 (1.ª, 2.ª e 3.ª faixas do CD I, 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª faixas do CD II, faixa única do CD III, e 1.ª e 2.ª faixas do CD IV), são apenas uma pequena parte do que aquele ali disse (se a transcrição fosse integral esta ocuparia cerca de duas centenas de páginas) mas são elucidativa amostra do estilo em que a mesma decorreu.
BO insinua, sugere, pressente, formula subentendidos, desconfia, lança suspeitas, profere opiniões, mas nunca concretiza os factos em que aquelas se alicerçam.
Formula juízos, tira ilações, retira conclusões – o que não é função da testemunha – a partir de factos, que não explicita quais sejam, remetendo a maioria das vezes para a análise jornalístico-investigatória e dedutiva que retirou quer das “notícias na comunicação social” (perguntado sobre o seu conhecimento dos factos, para além das conclusões que retira, afirmou: “Não, não, enfim tenho aquilo que decorre da leitura das peças jornalísticas”), quer de diligências e material probatório existente nos autos, a que terá tido acesso, leu e interpretou com os seus critérios pré-determinados e preconceituosos. Avança com um pretenso estudo analítico-informático – sendo que não é perito, nem foi indicado como consultor – por si efectuado sobre os registos das comunicações telefónicas de onde pretende retirar as suas próprias conclusões e as suas firmes convicções. Fala de uma listagem, relacionada com pedofilia e abusos sexuais, contendo mais de cem nomes da vida politica portuguesa ao mais alto nível, que estaria nas mãos de BP. Imputa a vários magistrados do MP, envolvidos neste processo, a prática de crimes de falsificação e ocultação de provas, denegação de justiça e prevaricação. Sem rigor, e manifestamente sem isenção, fala profusa e vagamente de muita coisa sem nada concretizar de minimamente relevante para os autos. Sempre a distanciar-se de ligações aos intervenientes processuais, em especial aos arguidos (“eu não conheço ninguém”), acaba por mais adiante admitir ter falado com C, E, H (três ou quatro vezes), K e N.
Constatamos, como quiça terá constatado o Tribunal a quo, ser impossível retirar-se qualquer valoração positiva ou negativa dos factos imputados aos arguidos a partir das suas declarações, sempre truncadas por dúvidas, por não sei, não me lembro, não me recordo, não tenho a certeza, não posso revelar. O seu depoimento, por muito boa vontade que se tivesse na sua consideração, nada vale, ou dito de outro modo, as suas declarações são inócuas, por nada trazerem de útil ao esclarecimento dos factos em apreço nos autos e ao apuramento da verdade material. O Tribunal a quo preferiu não o dizer, optando por, na sua fundamentação de facto do acórdão recorrido, nem sequer aludir à sua inquirição. E tal procedimento não nos merece crítica. Sendo as declarações de BO totalmente irrelevantes, não contribuíram para confirmar ou desmentir o que quer que fosse do thema decidendum. Só na circunstância das suas declarações terem levado o Tribunal de julgamento a dar determinado facto como provado ou não provado é que teria de às mesmas aludir, valorando-as para, em conformidade, alicerçar, justificar e explicitar o seu raciocínio lógico na formação da convicção (positiva ou negativa).
Assim sendo, também aqui não houve por parte do acórdão sub judice qualquer "insuficiência de fundamentação e exame crítico das provas".
A terceira e última hipótese, por nós avançada no início, é de rejeitar por inverosímil. E, dizemos isto, porque é pouco crível que o Colectivo se tenha esquecido do depoimento da testemunha em causa. O Tribunal a quo ouviu durante o julgamento centenas de testemunhas, mas o depoimento de BO é inolvidável pela sua peculiaridade.
BO terá sido, quiçá, o expoente máximo do testemunho parcial (parcial porque incompleto, parcial porque não isento, parcial porque mistura, a um tempo, realidade e ficção, em novela e novelo ininteligível e impossível de desemaranhar) na defesa da teoria da conspiração e da cabala, urdida, com propósitos obscuros, para incriminar determinados arguidos-alvo. A sua intuição pessoal e feeling jornalístico permitiu-lhe, mal ouviu as primeiras notícias sobre este processo, detectá-la (“por altura das primeiras notícias, (...) quando vi as primeiras reportagens televisivas, de uma série de indivíduos que se apresentavam com a cara e o som distorcido, (...) logo após a detenção de (...) dois ou três dos arguidos e apercebi-me, sou um jornalista já veterano, apercebi-me que o que estava em causa, (...) soube ler nas entrelinhas aquilo que me estavam a tentar impingir em termos comunicacionais, senti-me manipulado, senti-me gravemente manipulado, senti que estavam a manipular o País, que estavam a manipular a opinião pública, senti que colegas meus estavam a praticar crimes enormes de manipulação”).
Ouvindo-o tudo foi maquinado, intrigado, conluiado com o tenebroso fito de assegurar a condenação, na praça pública e em juízo, de inocentes, com base em “jovens prostitutos”, “tipos de bas-fond”, “indivíduos petit delinquentes mas perigosos”. Ele próprio ter-se-á, a dada altura, tornado personagem incómoda, não escapando a ser alvo de ameaças à sua integridade física (só não concretiza exactamente quando, onde, como e por quem). Até nesse contexto o seu discurso foi difuso e pautado por uma total vacuidade.
Como admitiu “fora dos elementos do processo...não tenho elementos nenhuns, não.”, isto é, fora do que leu extraído do processo, leu, ouviu e viu na comunicação social, ou ouviu de ouvir dizer (às vezes em corredores), nada sabia afinal de concreto.
Por todo o ex(...), não houve violação do preceituado no n.º 2 do art. 374.º do CPP, improcedendo a alegada nulidade do acórdão, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 379.º do mesmo diploma.
e) - Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 105.9. a 105.30., que o recorrente considera incorrectamente julgados face à inconsistência dos testemunhos em que o Tribunal a quo baseou a sua prova    
O arguido, ora recorrente, E, como  se alcança das suas conclusões de recurso 135.ª a 202.ª, já anteriormente transcritas, veio colocar em crise a decisão sobre a matéria de facto decidida na 1.a instância no que concerne à sua apurada conduta relativamente ao assistente AK.
Discutindo o acerto da factualidade dada como provada na decisão recorrida deu o recorrente cumprimento às exigências enunciadas nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, o que possibilita que o tribunal de recurso modifique a decisão proferida sobre a matéria de facto (al. b) do art. 431.° do CPP).
No que ora importa apreciar, no acórdão sub judice, foi dada por assente, nos pontos 105.9. a 105.30. dos factos provados, matéria que o recorrente impugna, a seguinte factualidade:
“105.9. Num fim de semana, em concreto não determinado, dos meses de Outubro ou Novembro de 1998, durante a tarde, o arguido E, conduzindo o um veículo automóvel, passou por aquela zona, abordando o CC a quem convidou para que fosse a sua casa com os irmãos.
105.10. O arguido E já conhecia o CC e o BY, estando a par das precárias condições económicas da família.
105.11. Em data não concretamente apurada, numa sexta feira ou num sábado à noite, situado  entre 12/12/98 e Janeiro de 1999, inclusive, tinha o AK completado 12 anos de idade,  foi, com os seus irmãos, com o arguido E e com um indivíduo de nome DUs, jantar a um restaurante chinês localizado em (…).
105.12. Terminado o jantar o arguido E foi com DU, com o AK e os irmãos deste BY e CC, para um andar situado num prédio localizado na (...) (…), em (…), com número de porta não concretamente apurado, mas localizado na (…) da (...) (…), onde se situam os números (…).
105.13. No interior desta o arguido E dirigiu-se ao AK e disse-lhe para o acompanhar a um quarto pois “tinha uma coisa que lhe queria mostrar”, que os seus irmãos já tinham visto.
105.14. Já nesse quarto sentou-se na cama junto do AK e começou a acariciar-lhe os ombros, costas e pernas.
Depois, o arguido E empurrou a cabeça do menor na direcção da sua braguilha.
105.15. O arguido E disse a AK que podia ajudar a sua mãe.
105.16. Enquanto falava, o arguido E, abriu a braguilha e segurou novamente a cabeça do AK na direcção desta, tendo introduzido, de seguida, o seu pénis na boca do menor.
105.17. Depois o arguido baixou as calças, disse ao menor para baixar as dele, virou o AK de costas para si e o arguido introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor.
105.18. Após tais actos, o menor regressou a casa na companhia dos irmãos.       
105.19. Em dia não concretamente apurado, mas situado entre Abril e Julho de 1999, a uma sexta-feira, o AK foi, na companhia dos irmãos, a uma casa sita na Av. (…), em (…), perto da zona (…), local onde o arguido E se encontrava quando o AK aí foi.
105.20. No interior dessa casa, encontravam-se quatro adultos do sexo masculino, sendo um o arguido E e outro o DUs que o AK  já tinha visto nas circunstâncias acima referidas.
105.21. O arguido E foi com o AK para um quarto, sentaram-se na cama, tendo aquele começado logo a mexer no pénis do menor.
Depois o arguido abriu a braguilha das calças do menor, retirou-lhe o pénis para fora e manipulou-lho, masturbando-o.
Simultaneamente, o arguido E retirou também o seu pénis para fora e disse ao AK que lho manipulasse, o que este fez.
105.22. De seguida, o arguido E e o AK despiram-se da cintura para baixo e o arguido introduziu o pénis do menor na sua boca, chupando-o .
Também, o arguido E introduziu o seu pénis na boca do menor, tendo-o este chupado.
105.23. Depois, o arguido E virou o AK de costas para si, dobrou-o para a frente e introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado.
105.24. Após a prática de tais actos, o menor abandonou aquela casa na companhia dos irmãos.
105.25. Em dia não concretamente apurado, mas situado no período de férias escolares do Verão de 1999, quando o menor AK se dirigia à estação de comboios para ir visitar o seu avô a (…), foi abordado pelo arguido E, que passava pelo local, de carro.
O arguido E disse ao AK que lhe dava boleia tendo o menor acedido.
105.26. O arguido E disse ao AK que lhe dava boleia tendo o menor acedido, tendo acompanhado  este a uma (...) sita em (…).
105.27. No interior da residência estavam vários adultos, de identidade não apurada e, pelo menos, quatro menores, alguns deles seus colegas na AX.
105.28. Aí o menor AK foi abordado por um indivíduo de identidade não apurada, que o levou para um quarto onde manipulou o pénis do menor e o referido indivíduo introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado.
105.29. O arguido E, após a prática dos descritos actos, deu ao menor AK dinheiro em quantia não concretamente apurada e conduziu-o até à estação de comboios de (…).
105.30. O arguido E sabia que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.” (fim de transcrição)
Pese embora o recorrente não impugne tal matéria, por ser relevante para a apreciação do presente recurso, assinala-se que, no acórdão recorrido, foi dada também por assente, nos pontos 105. a 105.8. e 105.31. a 105.38. dos factos provados, a seguinte factualidade referente a dados pessoais do assistente AK e ao conhecimento que o arguido E deles tinha e às motivações da sua conduta:
“105. AK nasceu a (…), ingressou como aluno da AX em 20.7.93 e no regime de internato em 9/3/95, tendo sido colocado no CW, do DT.
105.1. Nessa data, foi também admitido como aluno interno o seu irmão CC, dois anos mais velho.
105.2. A sua família, composta pelos pais e vários irmãos tinha grandes dificuldades económicas, agravadas pelos hábitos alcoólicos do pai.
105.3. O problema de alcoolismo do progenitor reflectia-se no ambiente familiar. Eram frequentes as discussões e agressões mútuas entre os pais e as agressões aos menores pelo pai, quando estava sob o efeito do álcool. 105.4. AK pedia  esmola na (...)  e apresentava sinais de sub-nutrição, negligência, falta de higiene e saúde debilitada.
105.5. Por decisão do Tribunal de Menores e Família (…) de 2.3.95 o AK foi confiado à guarda e aos cuidados da AX.
105.6. O menor passava a maior parte do tempo no Lar, só visitando os pais uma vez por mês, até que, em 1998, passou a visitá-los mais ou menos de 15 em 15 dias.
105.7. No ano de 1998 o pai do menor adoeceu gravemente, vindo a falecer em Dezembro desse ano.
105.8. As dificuldades económicas da família agravaram-se, motivo pelo qual o AK, aos fins de semana, quando se encontrava em casa, ia com frequência arrumar carros, na companhia dos seus irmãos CC e BY, nomeadamente para a zona do (…), no (…), (…).
105.31. Sabia, igualmente, que a idade desse menor o impedia de se decidir livremente e em consciência pela prática dos actos descritos de que foi vítima.
105.32. O arguido tinha perfeito conhecimento de que os actos de natureza sexual a que submeteu o menor AK prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico e que influíam negativamente na formação da respectiva personalidade.
105.33. Agiu de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que as condutas atrás descritas eram proibidas pela lei penal.
105.34. Também quando abordou e levou, nas circunstâncias descritas, o menor AK a uma residência, em (…), à presença de vários adultos do sexo masculino,  o arguido tinha presente a idade do menor. 
105.35. Sabia que, mercê da sua intervenção, o menor AK seria sujeito  a actos de índole sexual que incluíam coito anal, coito oral e actos de masturbação.
105.36. Era ainda do conhecimento do arguido E que a sua conduta, era determinante e essencial para a concretização de tais actos de índole sexual. 
105.37. O arguido conhecia a precária situação económica do menor e da sua família, bem sabendo que tal o tornava especialmente vulnerável.
105.38. O arguido E agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal.” (fim de transcrição)
Por outro lado, e pelas mesmas razões, importa reter que o Tribunal a quo deu como não provados, no acórdão revidendo, os seguintes factos:
“23. Nas circunstâncias descritas no ponto “105.9”, dos factos provados, o veículo que o arguido E conduzia era seu.
23.1. Nas circunstâncias descritas no ponto “105.9”, dos factos provados, o AK recusou, dizendo que tinha medo de ir a casa de desconhecidos.
23.2. Os factos descritos nos pontos “105.11.” a “105.17” dos factos provados, ocorreram em data em concreto não apurada, do mês de Novembro de 1999, num Sábado à noite, tinha o AK completado 13 anos de idade.
23.3. Nas circunstâncias descritas no ponto “105.12.” dos factos provados, o local para onde o AK foi era a casa do arguido E, sita na (...) (…), nº. (…), em (…), tendo sido o arguido E a fazer a proposta para irem para esse local.
23.4. Nas circunstâncias descritas no ponto 105.13 dos factos provados, o arguido E disse a AK que “tinha uma coisa que lhe queria mostrar”, que os seus irmãos já tinham visto.
23.5. Os factos descritos no ponto “105.19.” a “105.23”  dos factos provados, ocorreram em dia em concreto não apurado, do mês de Junho do ano 2000, a uma sexta-feira.
23.6. Foi o arguido E que convidou o AK para ir com os seus irmão ao local descrito no ponto “105.19” dos factos provados.    
23.7. Na sala o arguido E sentou-se ao lado do menor AK e começou por mexer-lhe nas pernas  e no pénis, acariciando-o por cima das calças, dizendo-lhe que no quarto  “lhe daria mais dinheiro” e “fariam a mesma coisa”.
23.8. Os factos descritos nos pontos “105.25.” a “105.29.” dos factos provados,  ocorreram dias depois, ainda em Junho do ano de 2000.
23.9. Nas circunstâncias descritas no ponto “105.25” dos factos provados, durante o percurso até (…), o arguido E perguntou ao menor se queria ir conhecer a sua casa, tendo este, percebendo as intenções do arguido, respondido que não iria a sua casa porque não gostava de “fazer essas coisas”, insistindo o arguido para que o menor o acompanhasse a uma casa que disse ser sua, onde estavam uns amigos seus que lhe iria apresentar.
23.10. Nas circunstâncias descritas no ponto 105.28 dos factos provados, o adulto que abordou o AK forçou-o a chupar o seu próprio pénis até ficar erecto.
23.11. Nas circunstâncias descritas no ponto 105.29. dos factos provados, a quantia que o arguido E deu a AK foram 6 mil escudos.” (fim de transcrição).
Para aquilatarmos se o ora recorrente E tem, nas suas conclusões de recurso 135.ª a 202.ª, razão na impugnação da matéria de facto contida nos pontos 105.9. a 105.30. do acórdão recorrido, impõe-se antes de mais atentarmos naquilo em que o Tribunal a quo se fundamentou para dar aquela factualidade por assente.
Assim, passa-se a transcrever o que neste domínio se consignou no acórdão revidendo:
“15. (Assistente AK - factos descritos no ponto “4.2.1” do Despacho de pronúncia):
15.1.  Começando pelos factos relativos à entrada do assistente para a AX, vivência pessoal antes e depois de ter entrado na instituição, percurso escolar , elementos do T.F.Menores, foram relevantes os elementos constante do Apenso DJ (Documentos referentes ao processo individual do assistente).
São documentos que foram ponderados e valorados  pelo Tribunal não só tendo em atenção o seu conteúdo, mas também as circunstâncias em que foram produzidos, isto é, tendo em atenção a entidade que os emitiu ou a forma que os mesmos apresentam.
Elementos estes que conjugados com  as  assinaturas e  datas que lhes são apostas, ou de quem resulta ter feito o documento, do conteúdo e do que (para o Tribunal) objectivamente resulta desse conteúdo - quanto às circunstâncias ou razões pelos quais os documentos foram feitos -, o Tribunal considerou que correspondem a documentos feitos com o objectivo,  pela razão ou  pelas circunstâncias que o seu conteúdo atesta e na data, com a presença ou pela pessoa que o seu conteúdo atesta.  
Acresce que todos os documentos foram sujeitos ao exercício do contraditório pelos Sujeitos Processuais, pelo que nas situações em que tenha sido posta em causa durante a audiência de julgamento a fidedignidade da forma como o documento foi produzido, ou  que os documentos não correspondam ao acto ou acção  que configuram, ou que não correspondam a documento emitido por quem e pela circunstância que o documento refere, tal foi suficientemente contraditado, entre o mais, com a prova testemunhal.
Daí serem documentos aos quais o Tribunal deu credibilidade.
Tais elementos foram também  corroborados não só pelas declarações do assistente, mas também pela prova testemunhal produzida em audiência. Concretamente pela testemunha BX (irmã do assistente) e parcialmente pela testemunha UL.
15.2. Quanto aos factos que o tribunal deu como provados em relação aos actos de abuso praticados pelo arguido E, na pessoa do assistente AK, o arguido não prestou declarações e em momento algum – quer em sede de contestação, quer em qualquer requerimento, quer em sede de alegações –, admitiu a prática dos factos ou conhecer o assistente AK.
Quanto ao Assistente prestou declarações durante dois dias e foi sujeito a um interrogatório cerrado, a perguntas muito minuciosas, a esclarecimentos sucessivos de subdivisão do facto.
As suas declarações, globalmente vistas e analisadas pelo tribunal, tiveram (em súmula) o seguinte sentido:           
(1) Conheceu o arguido E em 1998, quando andava a arrumar carros com o irmão. No entanto disse que na altura não o reconheceu.
“(...) Na  altura que o meu pai estava doente do ano de 98 a...eu nessa vez não o identifiquei, não o consegui identificar claramente quando eu e o meu irmão estávamos a arrumar carros no (…), no (…)...”.  O irmão BY estava lá, mas “... era mas era eu e o meu irmão CC... nessa altura eu estava arrumar carros com ele vêem...um carro (…) a...estaciona o meu irmão, eu e o meu irmão fomos lá ter pedir uma moeda ...”. Disse que a pessoa do carro começou a falar com o irmão, “... depois eu fui lá e convidou-nos a entrar no carro para irmos fazer...dar uma volta, eu na altura a...comecei a falar com o meu irmão que era bom nós irmos para ajudarmos a nossa mãe umas moedas ou assim e vi que ele tinha um, que ele tinha um aspecto normal essa...essa...abriu-me a porta, eu entrei mas o meu irmão CC disse que não era...não era bom nós entrarmos e era melhor irmos para casa...”, tendo acabado por sair do carro e ir para casa.
Disse que era frequente estar ali, junto ao (…), com o irmão a arrumar carros “...como deve entender nós éramos umas crianças a...com problemas financeiros de família, não tínhamos nada para comer em casa o meu pai estava doente e queríamos ajudar a nossa mãe...”.
Passado algum tempo “...nós estávamos em casa a eu estava...a minha mãe...o meu pai faleceu nessa altura, em Dezembro ficamos sem meio de subsistência em casa que os meus irmãos tiveram de sair à (...) e conseguir dinheiro para nos alimentarmos...para me alimentar a mim...(...)...numa das vezes que eu estive em casa não tínhamos nada para comer em casa o meu irmão recebe uma chamada de um tal IIF (...) ...passado pouco tempo depois a...o meu irmão BY convidou-me a mim ir jantar fora no qual eu não, raramente saía de casa mas tive que ceder...porque eu não tinha mais nada para comer em casa...”.
Foram ao  (…), onde estava um homem chamado DU, chegou um veículo de onde saiu uma pessoa -  que disse ter sido o arguido E – e  “... os meus irmãos e o senhor DU e o senhor E a...íamos para (…), a...fomos para um restaurante chinês que fica ali perto da (…) que tinha ao lado uns prédios em obras a...jantamos, fomos jantar a...pouco tempo depois aparece uma pessoa a cumprimentar o senhor E de imediato sai, não fica connosco sentados...”.
Nesta altura, em que relatava estes factos, a sua voz na audiência era lenta, pausada, aos solavancos.
Depois do jantar o “... DU (...) disse que nós íamos ainda a um lugar que não descreveu de imediato ... que fica ali perto, perto da (…) o que eu trato por (…),(…) que fica na (…) a...fomos para esse local à  noite depois de jantar a...entramos num prédio que fica perto da paragem que desce ... que desce a (...) do canto superior direito, entramos numa porta de ferro a...subimos até mais ou menos, até ao primeiro, (…) andar do lado (…) ...”.
Não viu quem abriu a porta, “... o apartamento era pequeno, nós entramos para a sala eu e os meus irmãos, sentamo-nos no sofá a...o meu irmão e eu estávamos a falar de repente foi-nos perguntado se nós queríamos alguma bebida ao qual respondemos que sim e disseram o que queriam o que queriam beber eu disse que era cola o meu irmão também bebeu cola, a bebida vinha em copo já a...o senhor DU veio falar comigo, começou a falar comigo, coiso que um bocado esquisitas para o meu gosto, se eu queria ir ao quarto ou não, ir a um quarto ver um quarto...(...).
JP – Disse-lhe o quê, não consegui...
AK – Se queria ir ver um quarto ...na altura hesitei e depois fui com o senhor E para o quarto.
JP – Mas quem é que veio falar consigo, disse que tinha sido, tanto quanto eu entendi o senhor DU?
AK – O senhor E.
JP – E diz que foi com o senhor E para um quarto?
AK – Sim...ah...entramos começou-me a por a mão em cima (...), começou a pôr-me a mão na perna a...começou-me a mexer no pénis também quis que eu acariciasse o dele e que eu lhe fizesse sexo oral o qual fiz pouco tempo depois ele começou-me apalpar o rabo, agarrou-me por trás, abaixou-me as calças e ele abaixou as dele e fez-me sexo anal..(..)., lembro-me que estava um bocado em pé um bocado deitado digamos isso, por cima da cama ele agarrou-me por trás e penetrou o pénis dele no meu ânus”. 
Acrescentou que o arguido agarrou a  cabeça do assistente “... e direccionou para o pénis (...)...ele masturbou-se à minha frente...”.
Foi para a sala, onde estavam os irmãos BY e CC, BY recebeu dinheiro do indivíduo DU  e deu uma quantia ao assistente. 
Foram-lhe pedidos esclarecimentos quanto à localização destes factos no tempo, e esclareceu que quando isto aconteceu o seu pai já tinha falecido em Dezembro (fls. 14 do Apenso DJ e fls. 1244, Z-15 JJY faleceu em 11/12/98). Antes destes factos tinha feito anos e o individuo DU tinha-lhe dado comprado um blusão no (…) (AK faz anos em (…); embora numa instância posterior, da Defesa do arguido A, diz que a ida ao (…) já o pai tinha morrido, o que no entanto, pela análise do depoimento da testemunha BX e do contexto da globalidade das declarações do assistente, pareceu-nos lapso manifesto esta segunda declaração).
            Relaciona, num momento posterior, estar no 4º ano quando estes factos ocorreram (cfr. fls. 49, do Apenso DJ, em 11/03/99 frequenta o 4º ano; fls. 1090 do Apenso Z-15, em 20/03/00 estava no 5º ano).
(2) Passado  “... algum tempo já, já no final do ano lectivo, do 5ºano ... estava na época de testes a...o meu irmão BY levou-nos a passear para perto da (…), de autocarro, que não fomos passear, fomos sair a um apartamento que fica em frente da (…) que e a casa, nessa altura também subimos a pé para um (…) andar, lembro-me porque subimos mais degraus não fomos de elevador também, a casa já era um pouco maior, quem nos abriu a porta foi o senhor DU a...na altura estava mais gente na casa cerca de 4 pessoas, nós fomos para a sala que ficava em frente.
JP – Quando diz que ficava em frente, ficava em frente de quê?
AK – Da porta de entrada. A casa tinha mais artigos decorativos do que a outra ... eu e o meu irmão sentamo-nos ...o BY ficou ali perto de nós a...foi-nos oferecido nessa altura também uma bebida, que também era... bebi Coca-Cola com o meu irmão, não ai no bebeu Coca-Cola foi outra bebida qualquer... lembro-me que eu bebi Coca-Cola a...na altura a...o CC estava um pouco nervoso a...o DU entra e vai ter comigo leva-me para o quarto que ficava na segunda porta, sentamo-nos, sentamo-nos, voltou a fazer aqueles gestos nas pernas, nos ombros, nas costas a...começou a dar-me beijinhos no pescoço, voltamos a fazer os mesmos actos que na primeira casa, que na altura também me foi doloroso a...ele começou-me a fazer...a mexer-me no pénis eu no dele, fiz-lhe sexo oral e depois de eu lhe ter feito sexo anal, ele fez-me sexo anal. Eu não me lembro nessa altura como é que ele se masturbou, só me lembro de ter regressado à sala com o meu irmão, descemos as escadas com o meu irmão mais novo, regressei a casa.
JP – Mas neste dia, neste dia não viu o senhor E, viu só o senhor DU?
AK – Eu vi o senhor E.
JP – Como?
AK – A segunda vez vi o senhor E.
JP – Onde é que estava o senhor E?
AK – Estava na casa.
JP – Mas consigo os factos passaram-se com o senhor DU?
AK – O senhor DU só me tentou (imperceptível)...
JP – Quando o senhor começou a dizer...começou por dizer que o senhor DU abriu a porta, estavam mais 4 ou 5 pessoas dentro de casa...
AK – sim...
JP – ...e disse ao Tribunal que foi para um quarto com o senhor DU.
AK – Não me lembro desse facto.
JP – Como?
AK – Não me lembro disso...
JP – Pronto... com quem é que foi para o quarto nesse dia?
AK -  Com o senhor E, E, se me enganei peço imensa desculpa.
(Interpolação imperceptível).”
Acrescentou que o arguido E “...foi ele agarrou na minha cabeça... agarrei-lhe no pénis e meti-o na boca...(...)...ele fez-me sexo anal (...)...como a Senhora Doutora Juiz deve entender sexo anal é penetração com o pénis no ânus, no meu ânus...”.
( cfr. fls. 49, do Apenso DJ, em 11/03/99 frequenta o 4º ano; fls. 1090 do Apenso Z-15, em 20/03/00 estava no 5º ano).
(3) Refere ter encontrado o arguido E numa terceira situação.
Estava de férias, o avô tinha sido operado, mãe pediu-lhe para eu ir ver o avô, tendo dito que fica na localidade de (…). Foi pela marginal a pé, para ir apanhar o comboio na (…) (como resulta dos elementos dos autos, AK vivia no (…),  fls. 1254 do Apenso Z-15).
“...No caminho antes de chegar à (…) a...parou ao meu lado um carro (…) da marca (…) também... no qual no interior do veiculo encontrava-se o senhor E (...) a conduzir o veículo...eu de momento não me apercebi tanto chamou atenção que olhei para dentro do veículo, perguntou-me para que lado eu ia, se ia algum lado ou não, no qual eu lhe disse que ia ver o meu avô para os lados de (…)... entretanto ele chamou ... pediu para ir com ele porque ele dava boleia isso, é assim, como eu podia ter poupado algum dinheiro, eu pensei pode voltar acontecer os mesmos acontecimentos que aconteceram anterior a este ... levou-me de carro pela (…) a...ele começou a dar uma voltas, a vir pelo interior de (…),(…),(…), passámos pelo um jardim que...que era acho que dentro da localidade de (…) ...(...)...ao fundo da (...) há umas (...)s (...)...que íamos só ver uma casa ali num instante, a...no qual paramos ao lado de uma (...) ... nas traseiras de uma (...) que tinha um gradeamento (…) (...) no interior da casa quando entramos, estava mais gente...”.
Disse que estavam crianças da  idade do assistente, que conheceu mesmo um colega que andou consigo.
Nessa casa esteve com uma pessoa que não era o arguido “... era sim um senhor mais forte, maior de estrutura, maior que a minha de altura, tinha cara, parecia um animal da raça Buldogue, forte com bochechas, essa pessoa foi tão simpática comigo e falou bem comigo, o qual me ofereceu uma bebida, nós...eu fui com ele para um quarto da (...), ele acariciou-me eu acariciei o dele, pénis (...) ... eu na altura estava tão influenciado com ele,  que me lembro dessa altura a que fiz-lhe, fiz-lhe, ele fez-me sexo anal (...) ... eu baixei as calças, ele baixou as dele e penetrou o pénis dele no meu ânus ...”.
Após o arguido E deu-lhe uma quantia de dinheiro, “... este dinheiro algum dei à minha mãe outro comprei guloseimas...”.
15.3.   A  reconstituição processual  que é feita com o Julgamento, de uma realidade histórica ou dos factos humanos, não pode ser a expressão perfeita e acabada dos meios de prova, sejam eles prova documental ou testemunhal.
É da experiência do dia-a-dia, o conhecimento da dificuldade, a divergência e por vezes a contradição, de cada um reproduzir de forma fiel e completa o que viveu, o que sentiu ou o que viu.
Assim, cada  depoimento não pode ser visto “às frases”, transcritas ou citadas.
Tem que ser visto e analisado no seu contexto, pelo que qualquer citação ou extracto de declaração/depoimento  deve, dentro do possível e necessário, ser explicada e valorada face ao sentido de toda a declaração, evitando-se a citação retirada, sem mais, do contexto.
As passagens que assinalámos, são as primeiras que foram prestadas pelo assistente ao tribunal, quando as fazia de forma aberta: aquilo  que já noutras situações referimos, de ir falando e ir contando de acordo com a sua sequência, com a sua  relevância.
E depois de o Tribunal ter analisado, de forma global, todo o depoimento do assistente, para o tribunal as  declarações do assistente foram globalmente consistentes, pois fez uma narração espontânea quer quanto à sequência, quer quanto ao local e tempo que duraram. Mostrou memória do facto e ao mesmo tempo memória de circunstâncias que fazem sentido no quadro em que estes factos ocorreram.
Mas teve equívocos, dúvidas, por vezes aparência de incongruências como iremos, dentro do possível, assinalar.
Começamos por referir que os factos descritos pelo assistentes, pelo menos os dois primeiros, nas casas em (…), ocorreram  num quadro especial: foi perceptível que o assistente para estas duas situações pelo próprio irmão. O assistente conheceu o arguido E através do seu irmão, como conheceu o individuo DUDU, cfr. por exemplo, instância da Defesa em 6/11/07, à testemunha  Inspector Chefe BZ – e houve passagens do depoimento do AK em que o Tribunal depreendeu e percebeu que, apesar de o dizer, não era algo que estivesse a fazer “à vontade”.
Mas não deixou de, sucessivamente, ir esclarecendo, dizendo e explicando de forma, para nós, intrinsecamente consistente com o que dissera anteriormente.
Assim vejamos.
(1) Nas suas declarações de AK, por duas vezes, quando se referia aos factos na “casa da (…)” e na casa que identificava ao pé da “(…)”, referiu o nome DU como a pessoa  com que “estava”, tendo rectificado de seguida.
O arguido, nas suas alegações, referiu que não afastava a possibilidade de o assistente ter sido abusado, no entanto estava a ser feita uma “transferência” de abusos praticados por outra pessoa, para o arguido. Pelo que estas referências que AK fez, por duas vezes, ao indivíduo DU, poderiam significar alguma coisa no sentido apontado pelo arguido. 
Mas ouvindo como AK fez a rectificação – e o tribunal fez a transcrição dessas passagens, que embora não sendo uma transcrição, é evidente, um substituto da imediação, permite ter alguma  percepção de como e em que momento foi feita a rectificação -,  no caso concreto, foi feita de forma espontânea ou na sequência de interpelação feita na altura.
E ouvindo o assistente, o tribunal não ficou com a impressão de que aquele rectificação deixasse transparecer que o assistente tinha sido “apanhado” em alguma coisa, pois o registo da voz, a forma como responde deu ao Tribunal uma sensação de normalidade da rectificação que estava a fazer. É claro que o assistente poderia ser portador de um “sangue frio tal”, que conseguisse fazer aquele “papel” da forma que foi perceptível para o tribunal.
Mas a instância não se ficou por ali, o AK foi ouvido durante dois dias e, objectivamente, o tribunal não encontrou qualquer sentido ou indício, que levasse à convicção de que AK estivesse a forjar a identificação do seu abusador, referindo uma pessoa quando os actos foram com outra.
(1.1) Vamos então analisar os depoimentos que, para o Tribunal foram particularmente relevantes, para aferir da credibilidade e veracidade do que foi dito por AK.  
Começamos pela testemunha cujo depoimento terá uma relevância indirecta, mas é concorrente. A testemunha UL (que também referimos na análise crítica da prova em relação ao assistente AP), disse ao Tribunal  ser  educadora na AX,  no DT desde 1 de Março de 1996  e  em 2005 foi para CZ -, embora esteja em licença sem vencimento desde 1/11/2005 .
Declarou ser irmã da ex-mulher do arguido CGW – e o ex-marido da testemunha, UM, ser também educador na AX. Pela natureza das funções que exerceu na AX demonstrou conhecimento directo da organização da AX, organização dos alunos nos lares, actividades, vivência do dia-a-dia dos educandos e dos educadores nos lares, conhecimento do arguido A e do assistente AK.
A testemunha apresentou um depoimento que para o Tribunal não foi uniforme quanto à sua objectividade e, consequência disso, quanto à sua  isenção e desinteresse na causa. O facto de ser irmão da ex-mulher do arguido C, só por si,  não relevou para o Tribunal para pôr em causa a sua isenção, objectividade e verdade do que disse ao Tribunal.
Sucede, contudo, que  relatou  ao Tribunal um incidente que ocorreu em 5 ou 6 de Outubro de 2003, relacionado com a consulta do processo do assistente AK no CW – educando que não era seu educando e lar onde não trabalhava -, que com as explicações que deu quanto às circunstâncias em que fez essa consulta – indo ao lar e dizendo à Colega que estava de serviço, “tu não viste nada”  – e  justificações que deu e  emendas que fez a essas justificações, para ter feita essa consulta, levaram o Tribunal a avaliar o seu depoimento com reserva cautela e a dividi-lo em duas partes.
Relatou também ao Tribunal uma conversa com o assistente  AK, em que lhe perguntou o seu conhecimento sobre dois nomes de alunos e um pedido para contactar o assistente AN, para saber o nome dos educadores do lar do AN – isto já admitindo que o fez na sequência de pergunta que lhe tinha sido feita directamente pelo sobrinho GU, se a testemunha sabia o nome dos educadores do internato do CZ - que também pelas justificações que deu para essa conversa e pedido que fez ao AK, contribuíram para a já referida reserva e cautela que o Tribunal teve na avaliação deste depoimento.  
Quando falou da referida consulta do processo do AK, disse ao Tribunal que o fez na sequência de uma conversa com o sobrinho GU -  filho do arguido C, arguido este que na altura se encontrava em prisão preventiva – dizendo, no decurso da narração “livre” que estava a fazer  quando referiu essa conversa e para justificar a razão dessa consulta, “…entretanto foi-me…”, mas  fazendo imediatamente uma ligeira pausa e  emendando a frase para “…portanto tive curiosidade de ver com que idade é que o AK tinha entrado lá para o (...)…”. Contra interrogada disse que o sobrinho não lhe pediu para fazer essa consulta, depois que não lhe “pediu directamente”, “…foi uma dúvida que surgiu, como é que os alunos saiam e ele (o sobrinho) soube pelos jornais que surgiu o nome do AK, que era aluno do lar…”, o que a testemunha pretendia com a consulta era “…concretamente, queria saber a data em que ele tinha entrado para o (...)…”.
A alternância que veio a fazer entre a justificação da sua “curiosidade”, com a natureza das dúvidas do sobrinho para que “indirectamente” a testemunha admitisse que o pedido da consulta lhe fora feita pelo sobrinho – e tenha-se também  em atenção a dinâmica das suas resposta nas perguntas que lhe foram feitas pela própria defesa do arguido C: o  Ilustre Mandatário do arguido pergunta à testemunha, num segundo momento, se tinha alguma ideia para que é que o sobrinho queria esta informação, respondendo a testemunha: “A informação?...(pausa)…isto foi uma curiosidade que surgiu, não foi…” e fica calada;  vindo o Ilustre Mandatário em sua ajuda, pois diz-lhe, entre o que, face à entoação, ficou entre uma pergunta ou um “acabar” da frase da testemunha, “e não foi mais do que isso (?)”, a que a testemunha “adere”,  respondendo e repetindo “ Não foi mais do que isso ” -, não fez qualquer sentido para o Tribunal.
E não fez qualquer sentido porque para o Tribunal, atenta a natureza das coisas, “foi mais do que isso”.
Isto é, a testemunha não foi fazer a consulta do processo individual de um educando que não era seu, num lar que não era o seu, dizendo à colega que estava de serviço “tu não viste nada”, sabendo que não estava a fazer “agir bem ” como disse ao Tribunal – e sujeitando-se a um processo disciplinar como veio a acontecer, tendo a testemunha dito que resultou a sua suspensão por um ano -, para satisfazer a sua curiosidade quanto à data em que um assistente deu entrada num lar e para saber, como a testemunha também declarou,  que idade teria o educando  quando ocorreram os factos.
Acrescente-se que a testemunha não teve idêntica curiosidade – afirma o Tribunal, porque especificamente fez essa pergunta à testemunha e ela confirmou-o -  quanto a “saber a data de entrada no lar” ou a “idade” de  outros  assistentes do processo,  os quais, de acordo com o que resulta dos elementos constantes dos autos  - cfr., por exemplo, documentos de fls. 60.043/4, na parte em que diz respeito aos anos de 2002 e 2003, este até início de Outubro de 2003, documento da “DQ”, junto pelo arguido H, relativo a contagem de notícias e tempo de emissão, ano de 2002,  2003, 2004, referentes a H e AX; docs. de fls. 60.194, 60.321, 60.322, 60.323, 60.413, 60.414, 60.550, 60.551, DVDs remetidos para os autos pela DR com cópias das entrevistas e reportagens feitas pela DR com assistentes destes autos e sobre os factos destes autos, todas respeitantes a períodos anteriores a Outubro de 2003, essencialmente Fevereiro e Março; docs. de fls. 52.054 ( DVD  DS) e de fls. 60.050 a 60.056,   remetidos para os autos pela DS  com cópias das entrevistas e reportagens feitas pela DS sobre os factos destes autos, todas respeitantes a períodos anteriores a Outubro de 2003, essencialmente Fevereiro e Março de 2003; Docs. de fls. 57.463 a 58.633, recortes de artigos saídos na Imprensa com entrevistas e reportagens sobre os factos destes autos, respeitantes a períodos anteriores a Outubro de 2003, essencialmente de Dezembro de 2002 a Março de 2003 -, foram falados e mais falados que o AK na comunicação social e alguns desses sim, tinham directamente a ver com os factos que na Acusação vieram a ser atribuídos ao arguido C.   
Sucede que a testemunha também foi “pedir” ao AK para contactar o assistente AN - que, de acordo com as declarações da testemunha, o AK disse-lhe que estava no (…) e não em CZ – para saber quem tinham sido os educadores do AN no lar de CZ, pedido que fora feito pelo sobrinho da testemunha e filho do arguido C porque  “… havia educadores que na altura já não estavam no internato, ou não estavam nesse (...) ou na altura já tinham sido transferidos para o semi-internato…”– justificação dada pela testemunha -.
E reconhecendo, quando tal lhe foi perguntado pelo Ministério Público,  que a identificação dos educadores era uma questão que poderia saber com mais facilidade através dos Colegas educadores de CZ, mas argumentando com o já acima dito, que   “… havia educadores que na altura já não estavam no internato…”.  
Também nesta parte não faz qualquer sentido para o Tribunal a “desculpa” dada pela testemunha, para o motivo pelo qual tentou obter uma informação do AN através do assistente AK, quanto à identificação dos educadores.
Da factualidade acima descrita o Tribunal conclui que na primeira situação – a da sua ida ao CW consultar o processo individual do assistente AK -, a testemunha foi consultar o processo porque o sobrinho GU, filho do arguido C,  lho pediu directamente, não sabendo contudo o Tribunal a razão que em concreto esteve na origem desse pedido (se um interesse específico do arguido C, se um interesse e pedido de outro arguido, que tivesse contactado o arguido C para obter a informação).
  As explicações e “amálgama” de justificações que a testemunha  deu para explicar e justificar este episódio, colando-se a uma versão que para o Tribunal, da análise que fez dessas explicações –  e em que teve em conta a forma da entoação, pausas ou expressão facial que a testemunha apresentou quando respondeu nesta parte -, significaram um “embrulhar” de desculpas para a verdadeira razão da consulta, um  pedido do sobrinho GU. Atitude e comportamento que para o Tribunal traduz um interesse - mesmo que indirecto -, de em alguma medida “proteger” o arguido C se ser “envolvido” nesse episódio. 
Quanto à segunda situação – aquela em que a testemunha pede ao assistente AK  para obter informações do AN -, também aqui a justificação que deu para ter optado por aquele procedimento e não ter sabido, por exemplo,  directamente junto dos demais educadores dos Lares de CZ a informação que pretendia, não faz sentido.
Para o Tribunal a testemunha não quis obter a informação directamente junto de pessoas da AX – educadores ou alguém da secretaria – por razão específica que o Tribunal desconhece, mas que, pelo menos, tinha ínsita a intenção de evitar que dentro da AX o arguido C fosse envolvido na obtenção de informações sobre (pelo menos) um educando da instituição e que estava relacionado com o processo.    Atitude e comportamento que, para o Tribunal,  também traduz um interesse - mesmo que indirecto -, de em alguma medida proteger o arguido C.  Interesse e comportamento que o Tribunal avaliou e ponderou, quando valorou todo o depoimento da testemunha.
Passando, de entre as questões que abordou, às que directamente tiveram a ver com AK, a instância da Defesa deste arguido disse que falava com o educando, conhecia-o da AX e ficou com conhecimento mais próximo depois de uma (...) em (…), em 1999 ou 2000, não sabe, em que foi uma (...) conjunta do lar do AK (Lar FQ e  o educado KE) e do lar da testemunha.
Porque as questões da memória são sempre relevantes, quanto a esta localização no tempo das (...) referidas por esta testemunha, dos  elementos dos autos resulta o seguinte:
(i) Ano 2001:
-  doc. de fls. 56.042, referente às despesas das (...) de 2000/2001, dos lares do (...) DT, os Lar FQ em (…) e (…); CW e FS em (…)
- doc. de fls. 56.038, (...) verão 2001: Lar FQ em (…) de 5 a 9/9
- doc. de fls. 56.036, (...) férias 2001: Lar FQ 3 a 14 Agosto (…); 5 a 9 Set (…); 17 a 29 de Agosto JJZ; CW e FS  Lagos 3 a 15 de Agosto;
(ii) Ano 2000:
- Apenso W-9 , fls. 14 e 134: CW não tem registo; Lar FQ (…)/(…); Lar FS (…);
(iii) Ano 1999:
-Apenso DX,  fls. 15: Lar FQ : (…),(…) (…); CW,  (…); Lar FS:   (…), FP, (…);
(iv) Ano 1998:
-Apenso DX,  fls. 20 (pois na pagina, canto inferior direito 2/6/98, logo documento feito nessa altura): (…) de 1/8 a 1/9, Lar  FQ e CW e Lar FS).
Assim, a testemunha localiza a (...) de (…) em 1999/2000.
No entanto, dos elementos dos autos, da conjugação de - para as (...) de 2001 -, fls. 56.036, 56.038, 56.042, o Lar do AK (CW) esteve com o Lar  FS em (…), de 3 a 15 de Agosto; para as (...) de 2000, Apenso W9, Livro 2, fls. 14 e 134, o Lar FS esteve em (…), mas não há registo de que o Lar CW tenha estado; para as (...) de 1999, Apenso DX, fls. 15, Lar FQ, FS ou CW não estiveram em (…); Ano 1998 (Apenso DX, fls 20, que no canto inferior direito tem impresso 2/6/98, concluindo o Tribunal que se refere às (...) do Verão de 1998), em (…), de 1/8 a 1/9 estiveram os três lares de DT, Lar  FQ, CW e FS.
Deste modo, o conhecimento do  AK pela testemunha ou foi no ano de 1998 ou no ano de 2001, caso a testemunha nessa altura ainda estivesse no lar FS. Mas da narração da testemunha, dizendo que já conhecia  AK do Lar de DT, mas “melhor” foi quando foram fazer uma (...) juntos em (…), a forma como descreve dá a ideia de ser uma memória de algo mais “recente” do que “antigo” e a forma como descreve a recordação que tem – e há que ver que está a prestar depoimento em Maio de 2006 -, leva o Tribunal a concluir que a testemunha estará a referir-se à (...) que ocorreu em 2001, em que já estava no lar FQ. Até porque quando prestou depoimento, disse que de início, quando entrou para a AX, foi para o lar FS e depois passou para o Lar FQ (isto, repetimos, embora a sua memória fosse 1999 ou 2000).
Disse que AK procurou-a várias vezes para falar disto tudo, esclarecendo que isto foi antes, muito antes, de a testemunha o ter procurado para saber a informação; ele vinha quase todos os dias ter comigo, falava desta situação toda: o irmão é que o pôs nisto, penso que o irmão mais velho, acrescentando mais tarde o nome BY, pois a testemunha não o conhecia porque não era do (...); que desta situação o irmão é que teve a culpa, porque depois levou o CC.
Mas a testemunha perguntou-lhe se o AK também esteve metido nisto, “foste abusado?” e AK disse-lhe que não.
(1.2) A irmã do AK – a testemunha BX – relatou ao tribunal que os seus irmãos BY, CC e AK estiveram todos na AX, primeiro foi o BY e depois o CC e o AK. O irmão AK dava-se bem com o CC e andavam sempre juntos. Por sua vez o BY era um modelo para o CC.
A morte do pai teve influencia nos irmão, especialmente o CC ficou mais revoltado do que já era.
O AK foi sempre reservado, não “demonstrava tanto as coisas”. Quando o pai era vivo o CC saía sempre com o AK, andavam muito os dois. Depois da morte do pai, muito pouco tempo após a morte do pai, o CC começou a andar muito com o BY, faziam o que queriam. E nesta altura, como o AK já não tinha tanta companhia do CC, sentia-se sozinho e chegou-se mais à testemunha. Mas entretanto, por causa do seu trabalho (tinha  começado a trabalhar aos 17 anos, feitos em 18/02/98)  e também por estar a estudar, a testemunha não podia dará atenção ao AK e este chegou-se um pouco mais para o BY.
Pouco tempo depois da morte do pai os irmãos deixaram de ir com frequência a casa (isto o AK e o CC, que eram os que na altura estavam na AX). Houve uma altura em que se deu conta que o BY levou o CC e o AK para um jantar, foi a um fim de semana e foi depois da morte do pai. Disse que, nesta altura, o BY já tinha telemóvel, era quem tinha telemóvel em casa, recebia telefonemas que a testemunha ouvia (acrescentou que um dia, já depois deste caso ser conhecido, o irmão CC disse-lhe que o arguido E telefonava para o BY).           
Quem lhe falou neste jantar foi o AK. Disse-lhe que o BY o tinha levado a jantar fora, nem ela nem a mãe estavam em casa (acrescentando que era uma altura em que não tinham comida em casa), e o BY levou-o a jantar fora com E. O AK contou isto já depois deste processo ser conhecido, porque voltou a estar mais próximo da testemunha. Disse que estava lá “o E”, o BY, o CC e “…também acho o DU…”.
O BY dizia que trabalhava, houve uma altura em que disse que trabalhava numa Panificação e trazia “bastante” dinheiro cada vez que saía. Nunca viu dinheiro com o AK. Era sempre com o CC e com o BY e o BY é que dava ao CC.
Mas a testemunha relatou, também, que “um tempinho antes do processo ser divulgado” (esclareceu que, para si, o processo foi divulgado quando se começou a falar do arguido A), o AK contou-lhe que tinha sido abusado. Tinha sido o BY “que o tinha levado para essa situação”.
Aqui uma referência ao modo como a testemunha estava a depor. Desde o início apresentou um discurso calmo e claro. Neste momento, em que relatava esta conversa, demonstrou alguma dificuldade em falar, no aspecto em que a sua atitude não era de que estava a relatar qualquer coisa “e pronto!”, estava dito. Foi algo que se viu que a incomodava, custava reproduzir, decerto porque envolvia os dois irmãos.
Prosseguindo, o AK disse-lhe que tinha sido abusado “pelo E”, falou-lhe de locais, de uma casa ao pé da (…), uma (...) em (…) e num outro local, cujo nome da (...) a testemunha não sabia, um apartamento já antigo (tendo a testemunha feito o relato do que foi a conversa que o irmão teve consigo, quanto à localização deste ultimo local).
O AK disse-lhe que “isto” tinha acontecido “logo após”, “passados uns tempos” da morte do pai, pediu à testemunha para não contar à mãe porque tinha vergonha.
Esclareceu que foi o AK que teve a iniciativa da conversa e as circunstâncias em que ocorreu essa conversa: disse que esta conversa foi na sequência de uma discussão com o irmão BY, sobre o dinheiro que o irmão tinha e de onde vinha. O que faz sentido, à luz da experiência comum, que na sequência de uma troca de palavras que a testemunha disse ter sido agressiva, em que ela disse ao irmão que o dinheiro do irmão  ou era da droga ou era “dos miúdos”, que o  AK tenha falado de algo que estava relacionado com a discussão, “os miúdos”.
À luz das regras da experiência comum não é normal, nem plausível,  que numa situação de discussão e necessária tensão entre irmãos, a BX e o BY – em que como dissemos a irmã BX  acusava o BY de a origem do dinheiro deste ser da “Droga” ou de “Miúdos” -, discussão de que o AK necessariamente se apercebeu – pois como a irmã disse, “na nossa casa ouvia-se tudo”, referindo-se de umas divisões para as outras -, fosse contar uma mentira, uma invenção quanto a ter sofrido três abuso de natureza sexual, com identificação do arguido E (duas vezes como abusador, na casa da (…) e na da Av. (…) e uma terceira, numa casa para onde foi levado pelo arguido).
E o contasse de forma que, para a testemunha BX, foi sentida como o AK estar com vergonha e tristeza a falar.
Tudo isto numa altura em que o presente processo ainda não era falado, tendo a testemunha BX esclarecido que quando teve esta conversa, ainda não se falava de A na televisão, ficando assim afastada, para o Tribunal,  a hipótese de já ser do conhecimento público os factos “do primeiro processo”, aquele que veio para o conhecimento do público através de uma reportagem no KKA.
Do que disse BX, para o Tribunal resultou que ainda não eram conhecidos os factos e as pessoas,  do processo em que o seu irmão viria a ser referido.
Pelo que esta conversa entre o AK e a sua irmã BX – o depoimento desta testemunha, apesar de ser irmã do assistente, foi um depoimento que para o Tribunal foi objectivo e verídico; não notámos interesse próprio a relatar o que relatou ao Tribunal, de receber algum dinheiro ou qualquer ganho -, quer quanto ao seu conteúdo quer quanto ao tempo e circunstâncias em que correu, foi um elemento que concorreu, de forma relevante, para a convicção do Tribunal quanto à credibilidade e veracidade do que AK disse ao tribunal. 
Quanto a abusos sofridos pelo irmão, a testemunha disse ainda só ter conhecimento dos praticados por um tio e pelo arguido E. Quanto a um DU o AK não lhe contou ter sofrido abusos por essa pessoa, disse-lhe apenas que “estava lá”.
É certo que a testemunha UL disse que o AK, a si, referiu que não esteve envolvido nestes factos.
Mas em audiência de julgamento AK revelou ao Tribunal vergonha em relação a esse período da sua vida e quando lhe foi perguntado o que é que sentia “hoje” em relação a esse período (de abusos) e como é que “se vê hoje”, disse “... eu já me vi pior, já me vi bastante porco, nojento, da minha parte...(...), eu agora sinto-me ainda bastante tímido, envergonhado comigo mesmo, mas finalmente consegui experimentar o outro lado e gostei bastante...”.
 Para o Tribunal teve emotividade, ressonância de um sofrimento efectivamente tido. E a sua resposta justifica a resposta que deu à testemunha UL e não afasta, para o Tribunal, a credibilidade e veracidade que o Tribunal deu ao depoimento de BX.
(2) Quanto ao tempo em que ocorreram os factos, reproduzimos parcialmente o que acima já expusemos, quanto ao que foram, globalmente, as declarações do assistente:
- (1ª situação):
(i)  Conheceu o arguido E em 1998, quando andava a arrumar carros com o irmão. No entanto disse que na altura não o reconheceu.
 “(...) Na altura que o meu pai estava doente do ano de 98 a...eu nessa vez não o identifiquei, não o consegui identificar claramente quando eu e o meu irmão estávamos a arrumar carros no (…), no (…)...”
(ii) Passado algum tempo “...nós estávamos em casa a eu estava...a minha mãe...o meu pai faleceu nessa altura, em Dezembro ficamos sem meio de subsistência em casa que os meus irmãos tiveram de sair à (...) e conseguir dinheiro para nos alimentarmos...para me alimentar a mim...(...)...numa das vezes que eu estive em casa não tínhamos nada para comer em casa o meu irmão recebe uma chamada de um tal IIF (...) ...passado pouco tempo depois a...o meu irmão BY convidou-me a mim ir jantar fora no qual eu não, raramente saía de casa mas tive que ceder...porque eu não tinha mais nada para comer em casa...”.
Foram ao  (…), estava um homem chamado DU, chegou um veículo de onde saiu uma pessoa -  que disse ter sido o arguido E – e  “... os meus irmãos e o senhor DU e o senhor E a...íamos para (…), a...fomos para um restaurante chinês que fica ali perto da (…) que tinha ao lado uns prédios em obras a...jantamos, fomos jantar...”.
Foram-lhe pedidos esclarecimentos quanto à localização destes factos no tempo, e esclareceu que quando isto aconteceu o seu pai já tinha falecido em Dezembro. Resulta dos elementos de fls. 14 do Apenso DJ e fls. 1244, Z-15, que o pai do Assistente,  JJY faleceu em 11/12/98, pelo que estes factos ocorreram após 11/12/98.
Disse que antes destes factos tinha feito anos e o individuo DU tinha-lhe dado comprado um blusão no (…). AK faz anos em 8 de Novembro e  embora numa instância posterior, da Defesa do arguido A, diz que a ida ao (…) já o pai tinha morrido, o que no entanto, pela análise do depoimento da testemunha BX e do contexto da globalidade das declarações do assistente, pareceu-nos lapso manifesto esta segunda declaração. Foi seguro quanto ao facto de esta situação ter ocorrido após a morte do pai e relacionou mesmo com uma situação em que a família estava ainda com menos para viver, do que acontecia quando o pai estava vivo (confrontar, também, com o depoimento de BX, não só quanto às dificuldades que a família viveu após a morte do pai, bem como ao maior “abandono” do AK nesta altura, acompanhando mais com os irmãos; disse que “um tempo” depois  da morte do pai a testemunha deixou de ir a casa da mãe e o AK passou a acompanhar mais com os irmãos).  
O AK relaciona ainda, num momento posterior das instâncias,  estar no 4º ano quando estes factos ocorreram e de acordo com  fls. 49, do Apenso DJ, em 11/03/99 frequenta o 4º ano; e de fls. 1090 do Apenso Z-15, em 20/03/00 estava no 5º ano.
Assim, o Tribunal ter localizado este factos não no período descrito no Despacho de Pronúncia, mas “... em dia não concretamente apurado, numa Sexta Feira ou num sábado à noite, situado entre 12/12/98 e Janeiro de 1999 (inclusive)...” (tendo sido feita a comunicação ao arguido, nos termos do artº 358º, do C.P.Penal). 
- (2ª situação):
Passado  “...  algum tempo já, já no final do ano lectivo, do 5ºano ... estava na época de testes a...o meu irmão BY levou-nos a passear para perto da (…), de autocarro, que não fomos passear, fomos sair a um apartamento que fica em frente da (…) que e a casa, nessa altura também subimos a pé para um (…) andar, lembro-me porque subimos mais degraus não fomos de elevador também...”.
Do seu relata resulta que foi o irmão (…) que o levou e foi também o irmão (…).
O AK disse que foi passado algum tempo da primeira situação, mas refere no fim do ano lectivo do 5º ano.
De acordo com o documento de fls.  49, do Apenso DJ, em 11/03/99 frequenta o 4º ano e de fls. 1090 do Apenso Z-15, em 20/03/00 estava no 5º ano. Da dinâmica do relato do assistente, embora com a diversidade de lugares entre aquele onde foi da primeira  vez e este, resulta uma noção de algum distanciamento, que se adequa com o facto de dizer que foi no fim do ano lectivo (em relação à primeira vez). Mas não se adequa, nem o seu depoimento dá essa ideia, a um lapso de tempo de um ano ou ano e meio, entre a primeira vez e a segunda. E também não resulta do seu depoimento que, nesta altura, o irmão CC, que foi consigo à “segunda” casa,  já não estava consigo na AX (em 10/03/00 o irmão CC já não estava na AX, tinha ido para o (...) IIT, fls. 10, Apenso DJ).
Acresce uma outra situação.
O  assistente refere a idas às casas com o arguido E e com um indivíduo DU, que das suas declarações e do depoimento que acima já referimos, da testemunha BZ, resultou suficientemente assente para o Tribunal ser DU. É o mesmo nome do  individuo que referimos aquando da análise crítica da prova em relação a AP - cfr certidão constante de Fls. 62.539 a 62.747, referente ao acórdão proferido no processo nº (…), pelo 3º Juízo Criminal da Comarca (…), em que foi arguido, entre outros, DU, incluindo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Constitucional em tal processo -, tendo o Tribunal concluído com a necessária segurança que se trata da mesma pessoa. E da certidão  acabada de mencionar resulta que AP e X estiveram relacionados com o processo identificado na certidão, cujos factos, relacionados com actos de natureza sexual, o Tribunal (onde o processo correu) deu como assente terem-se passado em “1999”. Pelo que, pelo menos no ano de 1999, esta pessoa estava em Portugal.
Assim e face a todo o enquadramento que antecede, o Tribunal ter dado como provado que os factos referentes à segunda situação, passaram-se no mesmo ano dos primeiros.
Pelo que o Tribunal localizou este factos não no período descrito no Despacho de Pronúncia, mas “... em dia não concretamente apurado, mas situado entre Abril e Julho de 1999...” (tendo sido feita a comunicação ao arguido, nos termos do artº 358º, do C.P.Penal).
- (3ª situação):
Refere ter encontrado o arguido E numa terceira situação.
Estava de férias, o avô tinha sido operado,  mãe pediu-lhe para eu ir ver o avô, tendo dito que fica na localidade de (…). Foi pela (…) a pé, para ir apanhar o comboio na (…) (como resulta dos elementos dos autos, AK vivia no (…), fls. 1254 do Apenso Z-15).
“...No caminho antes de chegar à (…) a...parou ao meu lado um carro (…) da marca (…) também... no qual no interior do veiculo encontrava-se o senhor E (...) a conduzir o veículo...eu de momento não me apercebi tanto chamou atenção que olhei para dentro do veículo, perguntou-me para que lado eu ia, se ia algum lado ou não, no qual eu lhe disse que ia ver o meu avô para os lados de (…)... entretanto ele chamou ... pediu para ir com ele porque ele dava boleia isso, é assim, como eu podia ter poupado algum dinheiro, eu pensei pode voltar acontecer os mesmos acontecimentos que aconteceram anterior a este ... levou-me de carro pela marginal a...ele começou a dar uma voltas,  a vir pelo interior de (…),(…),(…), ...”.
A referência temporal em relação a esta terceira situação é que estava de férias.
Não temos elementos documentais que nos permitam localizar uma eventual operação de um avô.
As declarações do assistente dão ideia do mesmo espaço temporal que as anteriores, a dinâmica não dá ideia de distância de um ano entre as primeiras situações e esta, e o AK disse que quando voltou para o (...) para o 6º ano (ano lectivo 00/01, Apenso DJ, fls. 4), pediu para não ir a casa ao fim de semana.  
Assim e face a todo o enquadramento que antecede, o Tribunal ter dado como provado que os factos referentes à terceira situação, passaram-se no mesmo ano dos antecedentes.
Pelo que o Tribunal localizou este factos não no período descrito no Despacho de Pronúncia, mas “... em dia não concretamente apurado, mas situado no período de férias escolares do Verão de 1999...” (tendo sido feita a comunicação ao arguido, nos termos do artº 358º, do C.P.Penal).
(2.1) O arguido E, em sede de alegações, invocou os elementos que se encontram a Fls. 17.240/46 oficio da Vodafone e elementos remetidos na sequência de tal ofício ( cfr. fls. 17251/2, Ofico da Vodafone de 9/02/04; cfr. tb Apenso Z-13, volume 9: Um sobrescrito com Disquete enviada pela VODAFONE com o ofício de fls. 17.251, de 9/2/04,  a responder ao Oficio do Tribunal  nº 3.247  de 5/12/003  (foi feita cópia em CD-R pelo Tribunal),  e contém: Registo de chamadas, com identificação de IMEI do Chamador, localização do chamado e BTS dos números: (...)(…), de 18/12/99 a 26/6/00...) e dos quais resulta que o nº (…),  entre 29/10/99 a  16/05/01, esteve em nome de BY, (...) (…), 5(…),(…)º (…).,(…) (irmão do AK) e que de 29/10/02 a 31/07/03, o número associado a produto vitamina,  sem identificação de titular.
Invocando, por sua vez, a listagens das chamadas telefónicas que existem nos autos em relação ao seu número de telemóvel  nº (…) (cfr. fls. 13.135, E, (…)(…) – (…)º (…)(…);  cartão activado em 29/7/99 e expirado em 19/4/03, mas a fls. 13134  fora  dada informação cartão Pré-pago, sem indicação do titular; a fls. 18.594, Oficio TMN SGC/7234/04, de 12/04/04, respondendo aos ofícios nº 404 de 2/3/04 e 704, de 26/03/03, dizendo que … já não tem os dados disponíveis em relação aos períodos de 1999 e 2000, Lei 69/98; mas posteriormente nova  diligência para TMN, sobre informação das chamadas telefónicas de e para este número, meses de Novembro 1999 e todo o ano de 2000, determinada pelo Tribunal e a fls. 18.594 foi recebido o ofício da  TMN SGC/7234/04, de 12/04/04, respondendo aos ofícios do Tribunal nº 404,  de 2/3/04 e 704, de 26/03/03, comunicando que já não tinham disponíveis os dados referentes aos períodos de 1999 e 2000, em consequência dos procedimentos determinados pela  Lei nº  69/98; mas nos elementos remetidos e que estão no Apenso V, envelope 25, STAIC TMN, no ficheiro “efectuadas 2-3 de 2000 CD1”, estão registos das chamadas efectuados pelo arguido E) e das quais resultam chamadas do seu nº (…) (do arguido)  para o número do BY (nº  (…)), a partir de Maio de 2000.
E  invocando, também, os elementos que se encontram ABA-R, fls. 215, dizendo e admitindo que se referem a um carregamento do telemóvel do BY, feito pelo arguido no dia 8/05/2000, concluindo, assim, por não provável o contacto e conhecimento entre o arguido E e o irmão do AK, o BY, em data anterior a 2000. 
No entanto, sem prejuízo de tais elementos darem como assentes os contactos entre o arguido E e o irmão BY, do AK, no ano de 2000, não excluem a possibilidade de os contactos terem ocorrido em alturas anteriores. Isto porque a data de activação do telefone do BY é de 29/10/99 a 16/05/01 (BY, (...) (…),(…), 1(…)º (…).,(…)), de 29/10/02 a 31/07/03 o número associado a produto vitamina, sem identificação de titular, o que pode ter sido na posse do BY ou não, e sendo da experiência dada pelos elementos remetidos para estes autos pelas operadoras e da experiência comum, que a utilização o uso de telefones associados a produtos vitamina, sem identificação de titular é comum e não deixa qualquer rasto.
Aliás, nas listagens de facturação detalhada existentes em relação ao nº (…) pertencente ao arguido E, há exemplos de chamadas do número do arguido para números associados a produto vitamina, sem identificação de titular.   
(3) Passemos aos locais onde ocorreram os factos.
Quanto aos locais - (...) (…), (...) (…) e (…) -, onde o Despacho de Pronúncia imputa a prática dos factos, da prova produzida em audiência de julgamento o Tribunal não ficou com a convicção de que  tais locais fossem sítios onde o arguido habitasse, onde tivesse a sua residência (convocamos, aqui, o que o Tribunal acima disse quanto aos locais onde o arguido teve a sua residência ao longo dos anos, ou com os quais teve referências).
Convocando que já acima dissemos e por súmula (quando analisámos os factos relativos à vivência do arguido), que resultou da prova produzida em audiência  de Julgamento que  o arguido E  comprou  uma  fracção sita em (…), na (...) (…) nº (…),(…)º (…), no dia 4/04/1995, tendo-a vendido em 10/12/1999 (cfr.  Doc. de fls. 60.377 a 60.381 e fls. 60.373 a 60.376 vº.)
Após a venda da casa de (…) (escritura feita em 10/12/99, como vimos), o arguido alegou que mudou-se para o (…), nº (…),(…)º (…), em (…), sendo que da conjugação dos elementos que então analisámos, o Tribunal concluiu que  o arguido E, a partir de data próxima e pelo menos imediatamente posterior a 10/12/1999 (data em que fez a escritura de venda da casa de (…)), teve residência no (…)º andar (…)º do prédio sito no (…), nº (…).
Quanto à data até quando o arguido E esteve no prédio sito no (…), nº (…), da análise que o Tribunal fez dos documentos dos autos concluiu, como vimos, que o arguido teve residência no (…)º andar (…)º, do prédio sito no (…), nº (…), até data não determinada do mês de Dezembro de 2001. E a partir de data não determinada do mês de Dezembro de 2001, passou a ter residência no andar sito na (...) (…), lote (…),(…)º (…), em (…).
Mas o Tribunal também já disse, que questão relacionada com a análise das residências do arguido, é saber  se no período de tempo analisado o arguido viveu ou teve disponibilidade, exclusivamente, “nestas” e “destas” casas, de forma a encontrarmos um padrão de comportamento ou de vivência tão forte, que afaste a possibilidade de utilização, fosse a que título fosse, de qualquer outro espaço para fins diferentes de residência.
E na sequência da análise feita pelo Tribunal – quanto à questão da “exclusividade” de vivência ou disponibilidade de casas por parte do arguido,  no período de 1995 a 2001 -, encontrámos referências a outras moradas. Mas dissemos, também, que  o significado das referências à morada na “(...) (…)”, na “(...) (…), em (…)”,  na  “ (...) (…), no (…)” e na “ (...) (…), nº (…), (…)º (…), em (…)”, dadas as datas em que são feitas as referências, entre 1962 e 1991, no caso concreto  fica com a  relevância restrita a esse aspecto:  que entre 1962 e 1991 há referência a quatro moradas. 
Mas já quanto às referências que são feitas à morada “(...) (…), nº (…)”,(…)º (…), em (…)”, nos anos de 1995 e seguintes, - pela análise que então fizemos e que convocamos -  o Tribunal concluiu que esta referência tem um sentido diferente.
E, por isso, entre 1995 e 2001, para além das casas sitas na (...) (…), nº 4(…),(…)º (…), em (…), no (…), nº (…),(…)º andar, em (…)e na Av. (…), nº (…), em (…), o arguido teve acesso, ao longo de todo o período e em simultâneo com as referidas moradas, ao imóvel sito na (...) (…), nº (…), (…)º (…), em (…).
É certo que do que antecede o Tribunal não conclui  que esta morada ou qualquer uma das referidas, é um dos locais indicados ou descritos pelo assistente AK.
Mas o conhecimento deste aspecto da vida do arguido, permitiu concluir ao Tribunal que o arguido E - e lembramos que o arguido não prestou declarações, requereu ao Tribunal a leitura parcial de declarações que prestou perante J.I.C. e o que foi deferido, mas depois, no exercício de um direito legal,  não prestou esclarecimentos ao Tribunal sobre tais declarações -,  teve um padrão de vida que envolveu a existência e disponibilidade, por vezes em simultâneo, das sucessivas residência que apontámos.
Porque pode ser diferente, tendo em atenção o sentido normal das coisas, analisar factos face a uma vida em que o comportamento da pessoa é relativamente  singelo - por exemplo, disponibilidade/habitação de uma residência cada 10 anos -, ou face a uma vida em que o padrão comporta o que os factos dos autos apontam: disponibilidade de várias habitações e com possibilidade de simultaneidade (mas diversidade quanto ao aparente fim) de habitações.
Mas isto, claro, sem prejuízo de que qualquer umas destas situações não exclui  a possibilidade de a prática dos actos que estão imputados ao arguido, terem ocorrido em local acidental e diferente da residência do arguido ou de um destes locais conhecidos.  
(3.1) Ora e quanto aos locais referidos no despacho de Pronuncia, o assistente localiza a casa num apartamento em frente à (…), num (…) ou (…) andar.
Como já referimos, no ano de 1999 a residência conhecida do arguido foi na (...) (…), em (…) e  após esta casa vai para o (…), mas para um (…)º andar. 
 O prédio onde os factos ocorreram não se encontra expressamente identificado no Despacho de Pronúncia e com a prova que foi produzida em audiência de julgamento o Tribunal também não o identificou. Ficámos convictos que, na (...) (…), era um prédio com proximidade da (…).
O mesmo dizemos em relação aos factos passados num local em (…).
Quanto ao Prédio da (...) (…), nº (…), o assistente disse lembrar-se de subir duas plataformas, já estava a subir as escadas a caminho do terceiro. As suas declarações foram, para o tribunal, no sentido de localizar os factos entre o (…) e o (…) andar de um prédio que – inequivocamente para o tribunal, face a forma como fez a descrição para ir ter ao local e do local -, se situa na (...) (…), na (…) onde se situa o nº (…), que era a porta especificamente imputada pela pronúncia.
Sucede, contudo, que face à prova produzida em audiência e invocando em concreto o depoimento das testemunhas Inspector CF, Inspector VM, JQ, WZ, CCC, UH, UX, XY , AAC, SH, XY, ZG, CCC, NX, ZA, LJ, o Tribunal não pode dar como provado, para além de qualquer dúvida razoável, que os factos ocorreram concretamente no nº (…). 
  (3.2.) Mas importante  para o tribunal foi  perceber se esta circunstância abala a sua convicção quanto à ocorrência do abuso.
E avaliando as declarações do assistente AK, convocando o que já dissemos quanto ao depoimento da testemunha BX, o AK  fez um relato dos actos de abuso com,  para o Tribunal,  coerência e consistência intrínseca com as explicações que foi dando aos esclarecimentos que lhe eram pedidos. Transmitiu dinâmica de quem relata não um qualquer acto de abuso sofrido -  uma coisa colada ou intencionalmente preenchida com outra, porque a história foi construída assim -, mas um abuso ocorrido naquele local que descreve  e com aquela pessoa.
E  a  emoção que aparentava à medida que foi falando, a forma como o assistente depôs, aparentando em algumas alturas dificuldade por estar a falar nestes factos, quando agora (neste momento processual) analisámos estas declarações, teve correspondência e consistência intrínseca com a declaração de um abuso vivido e daquele abuso concretamente vivido.
Os esclarecimentos que sucessivamente deu, a forma como tentou explicar, para o Tribunal não foi uma forma ensaiada, sendo que à medida que vai explicando aos vários sujeitos processuais e vai sendo contra instado, não introduz dissonância que altere o que anteriormente tinha dito e com o sentido que anteriormente tinha dito,  não introduz dissonância que altere a avaliação da credibilidade do relato (e consequentemente de veracidade). O que, no caso concreto – e se estivesse a mentir -, podia ser expectável, pois foi sujeito a um contraditório efectivamente minucioso e difícil.
O assistente revela noção de espaço interior, pode estar equivocado quanto ao nº (…), mas a vivência que transmitiu quanto ao acto de abuso em si e quanto ao acto de abuso com a pessoa do arguido, a forma como a pessoa que esteve à nossa frente falou, a emoção, a expressão, aquilo que ao olhar para alguém – quando o estamos ao mesmo tempo a ouvir - sentimos,  criou-nos a convicção que nos estava a ser transmitida uma experiência “ocorrida ali”.
Assim, o Tribunal ter concluído, também,  que os locais onde ocorreram os factos que o Tribunal deu como provados,  foram sítios onde o arguido foi ou onde naquela situação se encontrava:  no caso da “casa da (...) (…)”, quando o AK foi com os irmãos a tal local;  ou para onde o Arguido se deslocou com o AK, no caso da casa da (…) e de (…).
Não era o sítio onde o arguido E tinha a sua “residência”, foram locais onde, por alguma circunstância, aí se encontrava na altura dos factos.
(4) E o que antecede prende-se, ainda, com uma linha de Defesa do arguido E, no sentido de não ter qualquer verosimilhança, face à sua personalidade e modo de estar, o relato de situações de contacto sexual em locais fora da sua casa ou com a presença de terceiros, ou em locais onde estivessem mais pessoas.
Disse o arguido em sede de Alegações orais – e para o Tribunal a fase das Alegações foram, efectivamente, uma fase importante do Julgamento, pois  a visão que o arguido (que no caso concreto não admitiu a prática dos factos) deu ao Tribunal,  sobre a sua valoração e credibilidade dos meios de prova e das provas produzidas na audiência, são um contributo sério para o Tribunal ver ou ponderar aspectos que possa ter entendido de forma diferente e, assim, evitar o erro -, que o arguido E, à data em que o factos são atribuídos ao arguido (quer na versão inicial do despacho de pronúncia, quer após a comunicação que foi feita ao arguido na audiência de julgamento de 23/11/09, nos termos do artº 358º, nº 1 a 3, do C.P.Penal), tinha habitação em 1996/1999 em (…), de 1999/2000 a 2001 no (…) e desde 2001 em (…).
Acrescentando, como elemento que o Tribunal deveria ter em conta para concluir (nas suas palavras) pelo falta de credibilidade e veracidade dos factos relatados por AK, que vivendo o arguido sozinho e tendo “uma postura relacional” reservada, não preferisse para os seus relacionamentos intímos a sua casa e optasse por outros locais.    
O Tribunal não põe em causa a postura reservada do arguido.
No entanto face aos elementos constantes do “Apenso BF” (cx 1 a 7), face ao teor de alguns documentos (fotografias) que foram apreendidas ao arguido, nas quais estão retratados jovens/indivíduos do sexo masculino, em algumas situações estando retratados mais do que um, levam o Tribunal a considerar que quer a alegação do arguido, quer o depoimento que foi produzido pela testemunha CCD, não tiveram a força suficiente e a potencialidade, de afastar a convicção do Tribunal quanto aos factos ocorridos como AK e da forma que o Tribunal os deu como provados.
(5) Quanto aos factos que o tribunal deu como provados em relação à consciência e conhecimento do arguido da consequência dos seus actos nos assistentes, ao conhecimento das condições pessoais dos assistentes, incluindo a idade, das declarações do assistente resultou suficientemente assente que o arguido contactou mais do que uma vez com o AK, conhecia os seus irmãos e a história de vida da família, na altura dos factos o AK tinha 12 anos, pelo que o Tribunal ficou convicto que, no caso concerto sabia a idade do educando e teve consciência das consequências dos seus actos.
15.4. Mas quanto aos demais factos constantes do Despacho de pronúncia  que o Tribunal deu como não provados e que especificamente não estejam mencionados na análise que antecede, tal derivou de o assistente não os ter relatado ou  admitido e/ou de os demais meios de prova produzidos em audiência de julgamento não permitiram ao Tribunal uma afirmação convicta sobre a sua ocorrência, aplicando-se, em consequência, o princípio do in dubio pro reo.” (fim de transcrição)
Analisando o ora transcrito, verifica-se que o Tribunal a quo explica claramente, na sua fundamentação dos factos dados por provados e não provados, ora colocados em crise pelo arguido E, que a prova se baseou não só nas declarações do ofendido AK, que, e bem, considerou credíveis, e nas de BX (que depôs de forma isenta e objectiva), mas em todo um conjunto de provas que criteriosamente detalhou e apreciou, cruzando dados, sobre estes reflectindo ponderadamente e formulando juízos lógicos, com base nas regras da experiência.
Na sua conclusão de recurso 137.ª o arguido E considera que o Tribunal a quo errou ao dar como provados os factos constantes do ponto 105.9., que deveriam ter sido dados como não provados, porque se baseou apenas nas declarações do assistente, não tendo feito qualquer referência ao depoimento da testemunha BO, a qual referiu que AK lhe disse que não conhecia o recorrente.
O Tribunal a quo não valorou o parcial depoimento daquela testemunha, conduta que não nos merece qualquer reparo, pelos motivos que deixámos consignados, e, por outro lado, mesmo que aquele depoimento fosse considerado, como então se transcreveu, na alegada entrevista que AK teria dado, durante uma tarde inteira, ao jornalista BO, no dizer do próprio entrevistador, o menor começou por em off dizer “que não conhecia” o recorrente E, mas “depois quando ligo o gravador, gradualmente já, bom talvez esteja enganado, bom talvez não sei, bom talvez conheça”.
Alude ainda o recorrente nessa sua conclusão e com referência ao ponto 105.9. dos factos provados, que “das declarações do assistente, resulta que não consegue assegurar com certeza que a pessoa que se transportava num carro (…) era E”. Trata-se certamente de lapso da defesa, porquanto nesse facto provado (ou no conexo não provado sob o n.º 23) não se faz qualquer referência à cor do veículo automóvel em causa. Percebe-se, no entanto, que o recorrente pretende retirar desta sua conclusão, mais uma vez, que o assistente estaria a confundi-lo com outra pessoa, matéria a que se voltará mais adiante, quando se analisarem as suas conclusões de recurso 106.ª e 123.ª a 131.ª.
Também não tem qualquer razão o recorrente quando na sua conclusão de recurso 139.ª entende que o Tribunal errou ao dar como provados os factos constantes do ponto 105.10. por não resultar das declarações do assistente AK que o recorrente conhecesse nessa altura qualquer um dos seus irmãos, pois da prova produzida, como devidamente se explicou no acórdão recorrido, apurou-se que E conhecia os irmãos do assistente, explicitando-se em que contexto, bem como desmontou a questão das chamadas telefónicas para o BY (irmão do AK) que ora vem invocar nas suas conclusões de recurso 140.ª a 146.º.
Considera o arguido E, nas suas conclusões de recurso 149.ª a 158.ª, que o Tribunal a quo errou ao dar como provados os factos constantes do ponto 105.11., porquanto não podia ter dado por assente que as pessoas ali indicadas foram jantar juntas e quanto à componente temporal entende resultar das declarações do assistente (e da sua irmã BX) que os factos ocorreram depois de lhe ter sido oferecido um blusão de penas por altura do seu aniversário (8 de Novembro) e já depois do pai ter falecido (Dezembro de 1998), pelo que vai dissertando o recorrente para concluir que os factos em causa não podem ter ocorrido entre 12 de Dezembro de 1998 e Janeiro de 99, como provado, mas tão-só entre o Verão e Novembro de 1999. Não vislubramos aqui qualquer contradição e o Colectivo explicou devidamente como chegou a tal data e conjunto de pessoas envolvidas, em termos que analisada toda a prova, não nos merece reparo e para os mesmos (argumentos acima ex(...)s) se remete. O mesmo se dirá quanto às componentes temporal e espacial dos pontos 105.19. e 105.25. dos factos provados que o recorrente questiona nas suas conclusões de recurso 182.ª a 188.ª e 192.ª a 195.ª.
Nas suas conclusões de recurso 159.ª a 175.ª, com relação aos factos provados sob o n.º 105.12., discorre o recorrente sobre as suas várias residências ao longo do tempo, para tentar demonstrar que o abuso em causa não pode ter tido lugar naquele local e tudo isto porque alega que no que respeita aos seus hábitos sexuais prefere que as práticas sexuais tenham lugar na sua própria casa. Ora, falece qualquer razão ao recorrente pois neste aspecto o acórdão recorrido explicou, e bem, por um lado, não se ter provado tal hábito, bem pelo contrário, pois seria contrário à sua apurada “postura relacional reservada”, condicente com a preservação da sua esfera privada, em que se inclui naturalmente o seu domicílio pessoal, e, por outro lado, que a casa do abuso em questão, sita na (...) (…), em (…), não era nem residência nem habitação do arguido E.
A este propósito convocamos aqui o que o acórdão recorrido explicitou na sua fundamentação a respeito das várias residências que o recorrente teve disponíveis, sendo que in totum concordamos com as premissas e conclusões que o Tribunal a quo ali retirou da análise crítica da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e do cruzamento de todo o acervo documental disponível, que é vasto e não foi minimamente colocado em crise pelo arguido E.
Mais entende o recorrente, nas suas conclusões de recurso 176.ª e 177.ª, que, quanto aos factos dados como provados em 105.13. – abuso da casa da (…) –,  há uma incongruência absoluta, pois o acórdão dá os mesmos factos como não provados no ponto 23.4..
E aqui temos de dar razão ao recorrente, pois não se pode dar por provada e não provada, em simultâneo, a mesma factualidade.
Com efeito, no ponto 105.13. dos factos provados deu-se por assente que “No interior desta o arguido E dirigiu-se ao AK e disse-lhe para o acompanhar a um quarto pois “tinha uma coisa que lhe queria mostrar”, que os seus irmãos já tinham visto.” e no ponto 23.4. dos factos não provados deu-se por não provado que: “Nas circunstâncias descritas no ponto 105.13 dos factos provados, o arguido E disse a AK que “tinha uma coisa que lhe queria mostrar”, que os seus irmãos já tinham visto”.
Analisada a prova produzida sobre tais pontos de facto, mais concretamente as declarações de AK produzidas em audiência de julgamento, verifica-se que não se provou que o arguido E tenha dito àquele que “tinha uma coisa que lhe queria mostrar, que os seus irmãos já tinham visto.”
Tratou-se certamente de lapso a manutenção no ponto 105.13. de tal expressão como tendo sido proferida pelo arguido E, uma vez que em simultâneo se deu como não provado o segmento em causa no ponto 23.4. dos factos não provados.
Importa, pois, alterar o ponto 105.13. dos factos dados como provados, o qual passará a ter a redacção seguinte:
“105.13. No interior desta o arguido E dirigiu-se ao AK e disse-lhe para o acompanhar a um quarto.”
Pelo ex(...), procede nesta parte, o recurso do recorrente.
O arguido E, nas suas conclusões de recurso 178.ª a 181.ª e 189.ª, vem pôr também em causa o que consta nos factos dados como provados sob os nºs 105.17. e 105.23., pois resulta das declarações do recorrente prestadas perante o Mmº Juiz de Instrução Criminal em 19 de Dezembro de 2003, e lidas na sessão de julgamento de 15 de Outubro de 2008 (o arguido a fls. 69682 por lapso refere o ano de 1008, idem a fls. 69674), que “...muito raramente pratica sexo anal activo. No que diz respeito ao passivo não o pratica por razões físicas. No que respeita ao activo não o faz porque não lhe dá prazer…”, o que, considera ter sido, confirmado pelas testemunhas CCD, ouvida em 20 de Julho de 2006, e LB, ouvida em 23 de Julho de 2007, que mantiveram relacionamentos com o recorrente e afirmaram que nunca com ele praticaram sexo anal passivo ou activo.
Pese embora o avançado pelo recorrente em sua defesa, não é isso que se retira do depoimento da testemunha AZ (doravante designado por AZ), que contraria a alegação do arguido E, relativamente à sua menor apetência, ou mesmo relutância, em manter relações de sexo anal. E passamos a transcrever, na parte que ora interessa, a sua inquirição na audiência de julgamento de 16 de Março de 2006 (cf. cassete B, lado 1, da gravação daquela sessão):
"Procurador da República (doravante designado por PR):- Sr. AZ o Sr. já referiu que o Sr. E estava nessa casa, das pessoas que estão aqui a ser julgadas, estava mais alguém nessa casa ?
AZ:- Estava.
PR:- Das pessoas que aqui estão a ser julgadas ?
AZ:- Estava.
PR:- Quem é que estava ?
AZ:- O Sr. H.
PR:- Aconteceram actos, o que é que aconteceu nessa casa consigo?
AZ:- Sexo.
PR:- Com quem ?
AZ:- Com o Sr. H, com o Sr. E.
PR:- Estamos a falar só das pessoas que aqui estão referenciadas, se tiver, porventura, sido com outras pessoas, diga e com outras pessoas.
AZ:- Com outras pessoas.
PR:- Está bem. Teve sexo com o Sr. H e com o Sr. E ?
AZ:- Tive.
PR:- Dessa primeira vez ?
AZ:- Sim.
PR:- Com os dois ?
AZ:- Com os dois.
PR:- Os actos incluíam o quê ?
AZ:- Sexo anal.
PR:- O Sr., o seu colega ainda lá estava também , o LLI ?
AZ:- LLI.
PR:- Quando aquilo acabou como é que foi ?
AZ:- Ele foi para casa e eu fui para o meu lar.
PR:- Portanto não foi o Sr. A que esperou pelos Srs. ?
AZ:- Não.
PR:- Portanto aquilo é perto da AX, de CZ ?
AZ:- Da AX, de CZ.
PR:- Sim Sr. Voltou a essa casa ?
AZ:- Voltei.
PR:- Quantas vezes, é capaz de ?
AZ:- Até aos meus dezassete anos.
PR:- Até aos seus dezassete anos. Das vezes que voltou a essa casa, voltou a encontrar lá alguma das duas pessoas que referiu ?
AZ:- Sim.
PR:- Só algumas vezes, sempre ?
AZ:- Raramente, eu acho que eles estavam lá sempre mas não me lembro.
PR:- Não pode garantir que estivessem lá sempre.
AZ:- Não posso garantir que eles estavam lá sempre.
PR:- E sempre que os lá viu, teve ou não sexo com um ou com o outro ou com ambos ?
AZ:- Tive.
PR:- Sempre que eles lá estavam teve sexo com um e outro, actos como o que contou, ou outros ?
AZ:- Actos mesmo, sexo anal e chupar.” (fim de transcrição)
E na sessão da audiência de julgamento de 22 de Março de 2006 (cf. cassete I da gravação daquela sessão):
"Dra. JJU – Mandatária do Arguido E (doravante, JJU):- Ora então, começamos pela casa de (…), o Sr. disse que foi lá três vezes, os abusos ocorreram sempre da mesma maneira ? Nessa casa de (…)?
AZ:- Sempre da mesma maneira como ?
JJU:- Sempre da mesma maneira, isto é, o Sr. referiu que foi para um quarto com o Sr. Dr. E e a mim interessa-me só o que se passou com o Dr. E, foi para um quarto houve sexo oral mútuo, anal mútuo, foi assim ?
AZ:- Está certo.
JJU:- Sim, e das três vezes foi assim ?
AZ:- Foi.” (fim de transcrição)
É compreensível que a defesa de E queira afastar a prática de sexo anal activo por parte do recorrente com o menor AK, face ao especial desvalor de ser penetrado que a lei queria punir no n.º 2 do art. 172.º do CP, na versão anterior à Lei nº 59/2007. A este propósito trazemos aqui à colação aquilo que se expendeu no acórdão do STJ de 14 de Maio de 2009, proferido no proc. 36/07 e consultável in www.jusnet.pt:
“Aliás, mesmo sem a alteração legislativa, teria de se entender assim. Com efeito, o que justifica a agravação estabelecida no nº 2 do artigo é precisamente a maior ilicitude que a imposição à vítima da penetração do seu corpo necessariamente envolve.
Desde logo, pelas eventuais (e normais) consequências físicas que pode determinar (dores, lesões). Mas sobretudo pela carga psicológica que o acto envolve.
Na verdade, "ser penetrado sexualmente", ainda que com consentimento, não é o mesmo que penetrar, do ponto de vista psíquico e simbólico. "Sofrer" a introdução de um membro ou de um objecto no próprio corpo constitui sempre uma invasão da intimidade, uma agressão à esfera mais pessoal e irredutível da pessoa humana, já que o corpo constitui um reduto do mais íntimo da pessoa humana e o suporte da sua personalidade.
Acresce que, simbolicamente, a penetração envolve para o penetrado a assunção de um papel passivo, subordinado, submisso, que desencadeia naturalmente sentimentos de humilhação e de vexame. Por isso, tal acto só é admissível quando praticado consensualmente entre adultos.
É claro que, no tipo legal de crime e nas circunstâncias em análise, quem comanda o acto, quem tem o domínio do facto, é aquele que "sofre" a penetração, mau grado a vítima assuma sexualmente o papel activo. Mas esse é precisamente o pressu(...) da ilicitude: que a vítima assuma um papel sexualmente activo porque é isso que o agente quer, para satisfazer o seu desejo sexual, não o da vítima. É em função da vontade do agente que o acto se desenrola. A "superioridade" da vítima é falsa.
Contudo, o acto em si comporta, pelas razões atrás expostas, uma menor lesão para a vítima. E por isso deve ser distinguido daqueles actos em que a vítima é reduzida a um papel puramente passivo.
Na verdade, são completamente diferentes actos, como a "fellatio", que, sendo com o corpo da vítima, não são no seu corpo, pois não o invadem, antes constituem penetração do corpo do próprio agente. O acto é dentro do corpo do agente, é ele quem sofre a penetração, a invasão do seu corpo, com tudo o que isso pode encerrar de humilhante ou agressivo, limitando-se a vítima a colaborar com ele na realização do seu desejo. O acto não determinará, em princípio, quaisquer consequências físicas no corpo da vítima. Assim, quer do ponto de vista psicológico, quer do ponto de vista simbólico, pelo papel activo que a vítima aí desempenha, não adquire, esse acto, uma carga negativa semelhante ao acto de "ser penetrado". (fim de transcrição)
Feita esta incursão jurisprudencial, voltemos ao caso concreto.
Pela transcrição de testemunho acima feita, não se vê que fossem impossíveis as práticas de sexo anal entre o arguido E e o assistente AK descritas quer no ponto 105.17. (abuso casa da (…)) quer no ponto 105.23. (abuso na casa da Av. (…), junto à (…)) dos factos dados como provados.
E isso também se retira das declarações prestadas pelo recorrente E perante o Mmº Juiz de Instrução em 19 de Dezembro de 2003, e lidas na sessão de julgamento de 15 de Outubro de 2008, que este ora trouxe à liça, pois que quanto ao sexo anal passivo, que diz não praticar por razões físicas, tal não lhe é imputado nos abusos perpetrados sobre o assistente AK seja na casa da (…) seja nos da casa da Av. (…) (factos dados como provados nos pontos 105.17. e 105.23., respectivamente). Aí são descritos comportamentos em que “Depois o arguido baixou as calças, disse ao menor para baixar as dele, virou o AK de costas para si e o arguido introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor.” e “Depois, o arguido E virou o AK de costas para si, dobrou-o para a frente e introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado.” ou seja, em ambos os casos, foi praticado sexo anal activo por parte do recorrente. Ora, tal também não contraria aquilo que o recorrente afirmou nos autos, ou seja de que praticava sexo anal activo, embora muito raramente.
Finalmente, impugna o recorrente, nas suas conclusões de recurso 196.ª a 202.ª, os factos, dados por provados sob os n.ºs 105.25. a 105.29., ocorridos em (…), por entender não ter este episódio o mínimo de plausibilidade, já que na sua avaliação o assistente AK não tinha qualquer contacto com o avô,  vivendo este em (…). Por outro lado, como é que encontrando o assistente por acaso, o recorrente o leva de surpresa para práticas sexuais com outrem numa casa onde estavam outros jovens e outros adultos, e como é que o assistente poderia ir a casa do avô, se diz confundir (…) com (…).
Afigura-se-nos que, também aqui, o acórdão recorrido se pronunciou, explicando, correcta e cabalmente, estas questões que, pelos vistos, ainda subsistem, como dúvidas, no espírito do recorrente, que não do Tribunal a quo e deste Tribunal ad quem, impondo-se por isso revisitar o ali expendido neste domínio. A única dúvida que ficou ao Colectivo de primeira instância não se relacionou com a existência de um avô e que este moraria na (…), mas tão-só que este tivesse sido submetido a uma intervenção cirúrgica, porque, como explicitou “Não temos elementos documentais que nos permitam localizar uma eventual operação de um avô”. De qualquer modo não estamos perante elementos objectivos ou subjectivos do tipo de abuso sexual, pelo que a matéria é irrelevante. O que importa, é que não são violadas regras da experiência comum, que tornem improváveis dar-se por assente, face à prova produzida, que, no caso concreto, o menor, aceitando boleia oferecida pelo recorrente, entrou em carro por este conduzido e se prestou a acompanhá-lo na direcção de (…), tendo depois acedido a ir com este até uma (...) sita naquela localidade, onde se viriam a passar as condutas de abuso por parte de terceiro não identificado e de lenocínio, consubstanciado na entrega de dinheiro ao assistente efectuada pelo arguido E por força dos actos sexuais que o AK praticou com o referido terceiro, sendo que quanto à questão da subsunção dos factos ao direito nos debruçaremos mais adiante. Quanto à confusão do assistente entre (…) e (…) é a mesma compreensível à luz de tudo o que, com proficiência, se assinalou no acórdão recorrido a respeito do processo intelectual por parte dos menores na formação da percepção da realidade e reconstrução da memória, atentas as suas condicionantes, nomeadamente idades e experiência de vida.
A discordância do arguido E, perante estes segmentos da prova produzida e factos dados por assentes, mais não é do que a sua discordância quanto à convicção do Tribunal a quo, a qual, no que concerne ao recorrente, não nos merece censura, ou seja, as provas não impõem decisão diversa da recorrida no que a E se refere, com a excepção da acima assinalada e corrigida como  se impunha.
f) - Do (des)conhecimento entre o recorrente E e o co-arguido K
O recorrente E, vem, nas suas conclusões de recurso 53.ª a 92.ª (já anteriormente transcritas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas), impugnar a matéria de facto vertida no ponto 100.4. dos factos provados no acórdão recorrido (“O arguido K conhecia o arguido E”), devendo, contrariamente ao ali decidido, ser considerado não provado que o arguido K conhecia o arguido E.
Para tanto, apela ao teor do declarado pela testemunha CCD, bem como àquilo que entende ser a “reduzida relevância” do registo do tráfego de chamadas telefónicas entre os números do recorrente e o da (...) de K (quatro, na tarde do dia 9 de Abril de 2001), que não prova tenham falado um com o outro. Alega, ainda, que nada prova ter-se considerado que ambos conheciam a testemunha OM, e, finalmente, que do conteúdo das declarações prestadas em julgamento pela testemunha WQ não se pode retirar o conhecimento entre estes arguidos, pois apesar de na sua inquirição ter dito que viu um dia o arguido E à hora do almoço, em casa do arguido K, onde era empregada doméstica, quando lhe foi exibida a fotografia n.º 36 de fls. 4471, indicou como sendo E o falecido KKR.
Sobre o conhecimento entre o arguido E e o arguido K expendeu-se no acórdão recorrido:
“Como dissemos, o arguido E em sede de Defesa e o arguido K quando falou ao Tribunal, disseram que não se conheciam entre si.
Sucede, contudo, que as testemunhas OM e CCD, ouvidas na audiência,  foram relevantes para a convicção do Tribunal de que estes dois arguidos se conheciam.
Estas testemunhas afirmaram ao tribunal ter tido contacto e relacionamento -  embora com âmbito diverso, como veremos - com os arguidos E e K,  sendo que em alguns períodos - cada uma das testemunhas -,  com simultaneidade de contactos/conhecimento com os dois arguidos.
6.2.1. Na Audiência de Julgamento (AJ 19/07/06) a testemunha OM disse ao Tribunal que nasceu em (…), conheceu o arguido  E em (…), através de um amigo IID. Disse que o arguido E  convidou-o para ir viver com ele -  diz a testemunha que teria 14/15 anos -  e esteve a viver numa casa do arguido em (…), num (…)º andar .
Teve relacionamento sexual com o arguido E, o arguido estava quase sempre ausente em (…). Foi também a  (…), várias vezes, a casa de E. Acrescentou que quando viveu com  o arguido E frequentou o Externato GGQ, pensa que no ano 97/98, só esteve um ano lectivo, mas que chumbou por faltas.
Com 17 anos foi das últimas vezes que  foi a (…) ( foi confrontado com as fotografias de fls. 39.158 vº e39.159 e fala delas, referindo-as a uma estada em (…)). Por causa das idas a Paris foi com o “LLJ” ao (…), para a mãe assinar uma declaração, por ser menor ( o Tribunal depreendeu que o “LLJ” era pessoa do conhecimento do arguido E, pois na “agenda de capa verde, com riscas a verde mais claro, 1997”,  constantes do Apenso BF -8,  elementos apreendidos ao arguido E, temos a anotação no dia 5 /07/97, Sábado, “ LLJ e jantar e chegada (…)) 7.000(..)”. 
O arguido E foi uma pessoa, nas suas palavras “ … que me ensinou um pouco daquilo que eu sei….” e que  após ter terminado a relação ainda lhe deu ajuda monetária, esporádica, tendo mantido contacto durante 3 a 4 anos.
Passando a localizar no tempo a altura em que a testemunha OM  conheceu ou viveu com o arguido E,  já vimos que o Tribunal concluiu que o arguido E, entre data próxima e pelo menos posterior a 4/04/1995  e data próxima de 10/12/1999,  teve residência numa casa sita em (…), na (...) (…) nº (…),(…)º (…). 
Por sua vez e na sequência do que já vimos do percurso profissional do arguido E (  cfr.  documentos de fls. 927 e 937, do Apenso DZ, volume 6) que por despacho assinado em 2/3/96 o arguido E, já com a categoria de  (…),  foi nomeado para o cargo (…) junto da (…) ((…)) em (…), nomeação esta que foi publicada no DR nº (…), de (…),(…) Série ( cfr. Apenso DZ, Vol. 7, pag. 999, o arguido foi esperado em (…) no dia 1/7/96, sendo que dos documentos de fls. 370 e 371, do Apenso DZ, vol 3, resulta que em 5/08/96, quando comunicou ao (…) a sua partida para férias, já o fez da (…) junto da (…) ( esteve de férias de 5/08/96 a 30/08/96, tendo assumido funções em 2/9/96, fls. 371 e 372 do apenso DZ, volume 3).
Dos documentos dos autos -  nomeadamente de fls. 855 a 881, do apenso DZ, vol 6 -, resulta  que o arguido cessou funções no cargo (…) para que fora nomeado na (…),   em (…), em 3/01/01 (tendo o transporte dos seus móveis para (…) sido feito entre Novembro/Dezembro de 2000).  Quanto à frequência do Externato  GGQ – que a testemunha localizou em 1997 ou 1998, mas só esteve um ano lectivo, tendo chumbado por faltas - resulta dos autos, documentos de fls. 51.789, que OM frequentou o externato GGQ em (…), no ano lectivo 1998/1999, tendo feito a matrícula em 25 de Agosto de 1998 e desistido durante o mês de Novembro do mesmo ano.  
Assim, conjugando as declarações da testemunha com estes elementos, temos que o período em que a testemunha viveu com o arguido E pode ter ocorrido entre  Abril de 1995   e Dezembro de 1999 ( pois foi o período durante o qual o arguido E viveu na (...) (…), no (…)º andar). No entanto,  em Novembro de  1998 - data em que sai do Externato -, tendo em atenção a data de nascimento que deu ao Tribunal (28/12/80), ainda tinha 17 anos mas ia fazer os 18 anos.
Após ter saído de casa do arguido E, durante 3 a 4 anos ainda manteve contacto com o arguido. 
Quanto ao arguido K conheceu-o quando ainda tinha “algum contacto” com o arguido E,  mas “… já tinha saído há pouco tempo…” de casa do arguido E. Era uma altura em que a testemunha  andava no (…) a prostituir-se, tendo declarado que foi abordado por K.
Disse que o arguido K convidou-o a ir a sua casa – nesta altura a testemunha  ainda tinha algum contacto com o arguido E, tendo o arguido  K oferecido trabalho à testemunha.
Localizou o período em que teve contacto com o arguido K e disse  “ …antes de começarem as obras na (...) nova…” e até ao fim de 2001.
Disse que o seu pai  era doente do arguido K, a testemunha também e a mulher. Foram consultados na (...) na nova, mas também  foram “à velha”.
(1) A testemunha CCD também declarou ter tido um relacionamento com o arguido EK, mas disse ao Tribunal que não se apercebeu que os dois co-arguidos se conhecessem.
6.2.2. Passando ao arguido K declarou ao tribunal que até ao presente processo – e dizendo, expressamente, independentemente de qualquer indício que resulte no processo -, não conheceu nem teve qualquer contacto, directa ou indirectamente,  com o arguido E.
O arguido E ( como referimos) não prestou declarações em audiência de julgamento, tendo no entanto  requerido a leitura de declarações que prestara perante J.I.C. ( fls. 13.023 a 13.030, mas restritas aos parágrafos que indicou no seu requerimento de fls. 55.958/9).  A leitura foi deferida por Despacho proferido na audiência de Julgamento de 15/10/08 ( cfr. Despacho de fls. 60.390 a 60.392, Ponto II), feita nessa audiência ( cfr. Fls. 60.395/6), mas tendo o arguido, após a leitura, declarado não pretender prestar qualquer esclarecimento.
Assim, prosseguindo com o arguido K ( cfr. AJ 24/06/08), declarou ao tribunal que conhece OM, mas que este foi seu doente, assim como o pai, tendo restringido o seu conhecimento da testemunha a este contacto de natureza profissional.
Declarou que  OM contactou-o dias antes do julgamento começar, oferecendo-se para ser sua testemunha, mas tendo pedido dinheiro para pagar umas multas -  uma questão relacionada com trabalhos que teria prestado para o arguido e que este negou, pois declarou que OM nunca trabalhou para si.
Disse, ainda,  que OM fez-lhe  “ ameaças” caso não lhe fosse dado dinheiro, tendo-lhe falado pela primeira vez no “E”, com quem tinha vivido, facto que o arguido disse ao Tribunal desconhecer.
6.2.3. Passando à análise dos documentos dos autos, que permitem retirar elementos quanto à altura em que a testemunha OM saiu de casa do arguido E e quanto à  altura em que  travou conhecimento com o arguido K e quanto ao conhecimento do arguido K com a testemunha OM – se era apenas uma relação (...) paciente, ou se era um relacionamento com o conteúdo que a testemunha disse -,  há que fazer o  cruzamento do depoimento da testemunha com elementos constantes dos autos.
Concretamente, neste caso, alguns registos telefónicos.
(1) Começando pelos registos telefónicos das chamadas efectuadas pelo nº (…), pertence ao arguido E ( cfr. Fls. 13.135 dos autos), temos que de acordo com tais elementos:
- entre Agosto de 1999 e Março de 2001 existem chamadas do nº (…) do arguido E, para o nº (…) pertencente a OM   ( cfr.  Apenso V, Caixa 1, Sobrescrito 25 - ver fls. 7.748 -, 1 (UM)  CD remetido pela TMN a fls.  7072, Ofic TMN DSJ/14 056/2003/EA de  24/7/03; ver Fls. 6.577 a 6.601; e ver ofício de 22/7/03 com ref. DSJ/13790/2003/ EA  ( que está a fls. 7096), identificado com “TMN 1”, contendo Facturação de 1/1/98 a 30/9/00, (…) dos números de cartões que TMN  juntou com o ofício de 22/7/03,   lista que está a fls. 7099 a 7109; cfr. Apenso V, caixa 1,  Sobrescrito 42, 8 ( oito) CDs e  1 ( uma) unidade back up remetidas para o Tribunal pela TMN a fls. 63.458, ofic 160520097524 200924342, de 25/09/09, em resposta ao ofic do trib 2593878, de 11/09/09 e 16 ( dezasseis)  CDs correspondentes a duas cópias de seguranças dos oito CDs enviados pela TMN,  cfr. Despacho fls. 63.436, 63.460 e 63.465 e Termo Apens fls. 63.486, concretamente os ficheiros constantes do CD 1/8;  e cfr. também  fls. 17.249 dos autos, ofício da Vodafone  e do qual resulta que de 17/11/98 a 12/03/99, de 12/03/99 a  8/07/02 e desde 8/07/02, o nº 914 563 323  está em nome de OM, sendo a morada que consta no contrato a (...) (…), em (…)).
- e olhando para o padrão de tais chamadas, aparecem-nos  registos de chamadas em: dois dias de  Setembro de 99;  um dia de Outubro de  99;  dois dias de  Novembro de 99;  dois dias de  Dezembro de 99 ( no dia 17/12 e no dia 31/12); no dia 1 de Janeiro de 2000;  três dias de Fevereiro de 2000; um registo em Março de 2000; dois dias de Abril de 2000;  dois dias de Maio de 2000; dois dias de Julho de 2000;  quatro dias de Agosto de 2000; quatro dias de Setembro de 2000; um dia em Outubro de 2000; um dia em Novembro de 2000;  um dia em Janeiro de 2001; um dia em Março de 2001; Maio de 2001; Junho de 2001; Julho de 2001;
- como vimos o arguido E, desde Março de 1996 e até ao final de 2000, estava deslocado em (…), como (…). Estes registos telefónicos dão consistência às declarações da testemunha OM, quando falou do tempo ao longo do qual manteve algum contacto com o arguido E,  vão no sentido mais provável de ocorrerem em alturas em que o arguido vinha a Portugal ( as chamadas até ao fim de 2000, naturalmente) e com a regularidade que acima resulta.
(2) No entanto nos autos – para além deste nº (…) atribuído a OM , de 17/11/98 a 12/03/99, de 12/03/99 a  8/07/02 e desde 8/07/02, com a morada no contrato  (...) (…), em (…), cfr. fls. 17.249 dos autos -, resultam ainda outros dois números associados a esta testemunha:
(i) (…) ( fls. 13.157, de  20/10/00 a 10/08/01; OM) (número este que desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular);
(ii) (…) ( fls. 13.135, 17.255, cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 ( OM) ( com morada em (…));
(iii) (…) ( cfr. fls. 17.250; cartão activado de 13/10/00 a 9/02/02, de 5/07/02 a 11/01/03, de 10/02/03 a 14/06/03 e desde 7/10/03, activado não em nome de OM mas em nome de IIF;  mas sendo a morada a mesma da de OM, (...) (…) em (…));
E do cruzamentos de dados resulta o seguinte:
(2.1.) Do nº (…) pertencente ao arguido E, há chamadas também para os números que antecedem, concretamente ( relação que é meramente indicativa, pois dado o volume de registos existentes nos autos, não é possível a este Tribunal garantir que estes registos são, exclusiva e unicamente os que existem):
- para o nº (…) ( nº de IIF, morada de OM) ( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42);
- entre 15 e 20/12/2000;  Janeiro de 2001; Março de 2001; Abril de 2001; Maio de 2001; Junho de 2001;Julho de 2001;
- para o nº (…) ( nº OM) ( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Setembro de 99; Outubro de  99; Novembro de 99; Dezembro de 99 ; Janeiro de 2000;  Fevereiro de 2000; Março de 2000; Abril de 2000; Maio de 2000; Julho de 2000; Agosto de 2000; Setembro de 2000; Outubro de 2000; Novembro de 2000; Janeiro de 2001;Março de 2001;  Maio de 2001; Junho de 2001; Julho de 2001;
(2.2)  Do nº (…)  utilizado pelo arguido E  (Fls. 13.135/6, cartões reutilizados c/dois titulares distintos 2/5/00 a  29/11/02 –  Plano Personalizado de preços (…) desde 26/9/03 -  pré pago, sem indicação do titular e sem carregamentos, sendo que o arguido E alegou que o utilizou  de 2/05/01 a 29/11/02 e ver fls. 26 e 27 Apenso DZ, pasta 1( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
- para o nº (…) ( nº OM) ( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Agosto 2001 ( oito chamadas); Setembro 2001; Novembro 2001; Dezembro 2001; Janeiro 2002
- para o nº (…) ( nº de IIF, morada de OM) : Agosto de 2001           
- para o nº (…) ( fls. 13.135, 17.255) ( cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 - OM)( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Julho 2001 ( 27 chamadas); Setembro de 2001; Outubro de 2001
(2.3) Do nº (…)  (na aj 30/06/01 o arguido K disse ser seu):
- para o nº  (…) ( fls. 13.157, de  20/10/00 a 10/08/01; OM; desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular)( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Fevereiro 2001 ; Março 2001 ( 16/03; 25/3 ; 27/03 quatro chamadas;  28/03 três chamadas; 29/03 sete chamadas; 30/03 dezasseis chamadas; 31/03 uma chamada); Abril 2001 ( 2/4 treze chamadas; 3/04 dezasseis chamadas; 4/04 quatro chamadas; 5/04 duas chamadas; 6/04 dez chamadas; 8/04 onze chamadas; 9/04 sete chamadas; 10/04 oito chamadas; 16/04 três chamada; 17/04 três chamadas; 19/04 cinco chamadas;  20/04 quatro chamadas; 22/04 duas chamadas) ; Maio 2001 ( quatro chamadas); Julho 2001 ( seis chamadas)
- para o nº (…) ( fls. 13.135, 17.255) ( cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 - OM)( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Agosto 2001; Dezembro 2001;
(2.4) E por sua vez:
-  nº  (…) ( fls. 13.157; de  20/10/00 a 10/08/01; OM; desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular) falou também  para o número (…) (na aj 30/06/01 o arguido K disse ser seu):
Maio 2001  (14/15/16/19, entre as 18h e as 22 horas) ; Julho 2001 ( oito chamadas)
- nº  (…) ( fls. 13.135, 17.255, cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 ( OM) ( com morada em (…)) falou também  para o número (…) (na aj 30/06/01 o arguido K disse ser seu):
Julho 2001 ( dezasseis chamadas) ; Agosto 2001; Setembro 2001; Novembro 2001; Dezembro 2001; Janeiro de 2002
- nº  (…) ( fls. 13.135, 17.255, cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 ( OM) ( com morada em (…)) falou também  para o número (…) utilizado pelo arguido E  (Fls. 13.135/6, cartões reutilizados c/dois titulares distintos 2/5/00 a  29/11/02 –  Plano Personalizado de preços (…) desde 26/9/03 -  pré pago, sem indicação do titular e sem carregamentos, sendo que o arguido E alegou que o utilizou  de 2/05/01 a 29/11/02 e ver fls. 26 e 27 Apenso DZ, pasta 1( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Agosto 2001 ( oito chamadas)
(2.5) Do nº (…)  (número em nome de (...) K ):
-  para o nº  (…) ( fls. 13.157) ( de  20/10/00 a 10/08/01; OM; desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular):
Abril 2001
Do que antecede resulta, para o tribunal, que durante o ano de 2001 quer o arguido E, quer o arguido K, contactavam, com coincidência de meses – portanto ao mesmo tempo -,  com a testemunha  OM e este contactava os arguidos, no sentido das declarações que prestou ao Tribunal.
E que o relacionamento do arguido K com OM não foi, como o arguido disse ao tribunal, um relacionamento estritamente (...) paciente ou como (...) do pai da testemunha OM.
Isto porque quer o número de contactos telefónicos, as horas a que alguns foram (tanto durante o dia como a partir das 22 horas)  a sua sucessão por vezes no mesmo dia e em momentos seguidos, não faz sentido com a declaração do arguido.
Faz sim mais sentido com as declarações da testemunha, no sentido de ter tido com o arguido K um relacionamento para além de (...) paciente.
O que antecede, só por si, não permite, para o tribunal, concluir pelo conhecimento entre o arguido E e o arguido K. Mas cria a possibilidade desse conhecimento ocorrer.
No entanto, valorado face a um outro elemento – e que é a existência de registo de chamadas telefónicas do arguido E, para o número da (...) do arguido K, associado ao depoimento da testemunha WQ- o Tribunal acabou por concluir que estes arguidos conheciam-se. 
A testemunha WQ disse ao Tribunal ter sido empregada doméstica do arguido K, esclarecendo  que estava a trabalhar em casa do arguido numa altura em que este fez a  mudança da casa da “(...) de cima”, para a (...) “ de baixo” no (…) e que é a sua actual casa (...) (…), nº (…)(…),(…)).
E disse ao Tribunal, de forma que avaliando globalmente o seu depoimento foi segura, que viu um dia o arguido E, à hora do almoço, em casa do arguido K. Disse que isto sucedeu na “2ª casa”, o arguido K vinha almoçar a casa, era a testemunha que punha a mesa. Não disse que o arguido E tenha estado a almoçar com o arguido K, mas sim que foi lá a casa à hora do almoço. Conversaram na sala, a testemunha não presenciou a conversa. E disse que não foi só esta vez que o viu ir a casa do seu patrão.           
Quanto à localização no tempo disse que isto sucedeu “antes” dos factos deste processo, antes de ser conhecido, mas não conseguiu ser precisa quanto ao ano. Disse que soube o nome do arguido E quando o viu na televisão, por causa destes factos e foi aí que associou a pessoa que vira ao que passava na comunicação social.
A Defesa do arguido K, em momento posterior, tentou abalar a credibilidade da testemunha, trazendo as razões que teriam levado ao despedimento da testemunha, relacionadas com desaparecimento de alguma coisa de casa.  Com efeito o arguido, quando prestou declarações, confirmou que a testemunha foi sua funcionária, mas até ao máximo seis meses após ter ido para a sua casa actual (cfr. AJ 24/6/08), acrescentando que foi despedida em 1997/8 e substituída pela sua empregada IC.
No entanto do depoimento da testemunha,  e da forma como se apresentou em Tribunal, como falou, não ficámos com a percepção que a testemunha estivesse numa atitude de vingança para com o arguido. Isso não foi perceptível para o tribunal. E se embora tal depoimento, só por si, pudesse não ser suficiente para a convicção do Tribunal, associado ao que temos vindo a dizer e com os registos que se seguem, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha como credível e verídico.
Com efeito e como dissemos,  dos elementos dos autos referentes a registos telefónicos e concretamente dos elementos constantes do CD 8, do Apenso a que temos estado a fazer referência, no dia 9/04/2001 existe o registo de três chamadas do nº (…), em nome de “(...) K”, para o nº (…) em nome do arguido E e uma chamada do nº (…), do arguido E, para o (...) do arguido K, como segue (constando o dia, hora e duração da chamada):
(…) ( clin. K) – 9/04/01 – (…)– 0     – (…) ( E)
(…) ( E )         - 9/04/01 – (…)– 176  – (…) (K/Clinica)
(…) ( clin. K) – 9/04/01 – (…)– 114 – (…) ( E)
(…) ( clin. K) – 9/04/01 – (…)– 48 – (…) ( E)
(…) ( E )  - 9/04/01 – (…)– 48 –((…) /CXcorreio) (…) ( E)
 (…) ( E )  - 9/04/01 – (…)– 3 – ((…)/CXcorreio) (…) ( E)
(…) ( E )  - 9/04/01 –  (…)- 33 – ((…)/CXcorreio) (…) ( E)
(Cfr. Correspondência  entre registo dos 8 CDs TMN, Apenso V, Caixa 1, Sobrescrito 42 e elementos apreendidos na (...) do arguido K Apenso AQ-1, Caixa 1, Pasta 1).
 Em audiência de julgamento o arguido K disse não ter qualquer conhecimento desta chamadas, disse que pode ter sido um cliente da (...) a fazer ( e a receber, acrescentamos) as chamadas.
Acrescentou que independentemente destes registos  e daquilo para que possam apontar, não conhece o arguido E.
Mas para o Tribunal, face à análise de tudo o que antecede - avaliação do depoimento de OM e CCDWQ e registos telefónicos das chamadas do arguido E e de número associado ao arguido K -, resultou suficientemente assente que o arguido E e o arguido K conheciam-se antes dos factos deste processo.” (fim de transcrição).
As dúvidas formuladas pelo recorrente E, são legítimas, mas  não abalam o fundado convencimento que teve o Tribunal a quo, como também não merecem acolhimento por parte deste Tribunal ad quem, de que os arguidos E e K se conheciam.
O acórdão recorrido explicou os motivos porque deu por provado que “O arguido K conhecia o arguido E”. E fê-lo em moldes que demonstram que a sua convicção é legítima, estando suficientemente fundamentada, analisando criticamente a prova produzida nesse sentido e desmontando aquilo que poderiam parecer eventuais incongruências. Bem alicerçado que está, não nos merece qualquer reparo o ali expendido e decidido.
No mais, remete-se aqui para o que a este propósito se dirá, na apreciação desta mesma questão (conhecimento entre K e E), mais adiante na análise do recurso do arguido K.
Pelo ex(...), improcede nesta parte o recurso de E.
g) - Na fixação da matéria de facto confundiu-se a livre apreciação da prova, estabelecida no art. 127.º do CPP, com a mera impressão gerada pelos diversos meios de prova?
Entende o recorrente E, nas suas conclusões de recurso 97.ª a 134.ª, que na fixação da matéria de facto confundiu-se a livre apreciação da prova, estabelecida no art. 127.º do CPP, com a mera impressão gerada pelos diversos meios de prova, confusão que não é admissível. Mais alega, que esta norma processual, na real interpretação feita pelo Tribunal, é inconstitucional, por violação das garantias de defesa, incluindo o recurso, e da presunção de inocência, estabelecidas nos n.ºs 1 e 2 do art. 32.º da CRP. Inconstitucionalidade e ilegalidade dos critérios do Tribunal a quo na apreciação da prova que arguiu.
Sobre a problemática do conteúdo e alcance da livre apreciação da prova, estabelecida no art. 127.º do CPP, e sobre os critérios do Tribunal a quo na apreciação da prova produzida, ora também questionados pelo recorrente E, já nos debruçámos detalhada e anteriormente a propósito de idêntica questão suscitada pelo recorrente C, remetendo-se mutatis mutandis para o que, em termos de considerações gerais, ali se disse a este propósito, que aqui se dão por integralmente reproduzidas (vd. al. c) da fundamentação referente a C desde “Antes de prosseguirmos convoquemos o que a propósito da livre apreciação da prova escreveu Rosa Vieira Neves …” até “A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido”, de “Mais se insurge o recorrente contra o facto de, em sua opinião, o Colectivo de primeira instância parecer...” até “Professor Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, Vol. 1º, 1986, pag. 216” e de “Como se expendeu no acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Janeiro de 2006” até “Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67”), matéria que devidamente concatenada com tudo o que se acabou de expor e consignar relativamente à impugnação da matéria de facto dada por assente no acórdão recorrido e aos concretos critérios que levaram à sua fixação (dos factos provados e dos não provados), demonstra à saciedade a sem razão da defesa do arguido E neste domínio, incluindo no que concerne à invocada inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade que não se verifica no caso concreto, pois notoriamente não se vislumbra que os ditames constitucionais de que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” e o de que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”, estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 32.º da CRP, tenham sido in casu violados, postergados ou sequer beliscados.
Esta avançada inconstitucionalidade – que, repete-se, inexiste – é entendível como última e derradeira tentativa do recorrente/arguido E em alcançar, por esta via, o que porventura antevia não conseguir obter em sede de impugnação da matéria de facto dada por assente no acórdão recorrido, que, como supra se decidiu, não se alicerçou em meras impressões.
Não se nos afigura que o Colectivo de primeira instância, ao apreciar a prova produzida, tenha sobrevalorizado a livre convicção e subvalorizado as regras de experiência, com sobrevalorização das provas positivas e subvalorização ou mesmo esquecimento das provas negativas, com prevalência absoluta da imediação e consequente dificultação do recurso em matéria de facto. Nem tão pouco o Tribunal a quo actuou como se, nos crimes de abuso sexual, a presunção de inocência fosse substituída pela presunção de culpa.
Na tentativa de abalar a credibilidade das declarações do assistente AK, o recorrente, nas suas conclusões de recurso 106.ª, 123.ª a 125.ª e 129.ª a 131.ª, já transcritas e que aqui se dão por reproduzidas, vem, em síntese, alegar que o mesmo quando se referiu à pessoa do seu abusador, relativamente aos factos ocorridos numa casa da (…) (Capítulo "4.2.1."), enganou-se no nome do arguido, ora recorrente, referindo por duas vezes o nome "DU", mais aludindo o assistente ao recorrente como condutor de veículo vermelho quando quem tinha automóvel dessa cor seria DUs.
O acórdão não deixou de se debruçar sobre esta questão, analisando os mencionados lapsos do assistente AK, cometidos na audiência de julgamento, mas logo ali pelo mesmo rectificados, explicitando as razões que ainda assim levaram o Tribunal a credibilizar este depoimento, considerando justificadas tais ocorrências, como se alcança de passagem já anteriormente transcrita, mas que pela sua relevância passamos de novo a transcrever, desde já se adiantando que a apreciação e justificação em causa não nos merecem censura, pelo que a teoria da “transferência para o recorrente de factos ocorridos com outrem” avançada pelo arguido E (cf. sua conclusão 124.ª) não procede.
“A reconstituição processual  que é feita com o Julgamento, de uma realidade histórica ou dos factos humanos, não pode ser a expressão perfeita e acabada dos meios de prova, sejam eles prova documental ou testemunhal.
É da experiência do dia-a-dia, o conhecimento da dificuldade, a divergência e por vezes a contradição, de cada um reproduzir de forma fiel e completa o que viveu, o que sentiu ou o que viu.
Assim, cada  depoimento não pode ser visto “às frases”, transcritas ou citadas.
Tem que ser visto e analisado no seu contexto, pelo que qualquer citação ou extracto de declaração/depoimento  deve, dentro do possível e necessário, ser explicada e valorada face ao sentido de toda a declaração, evitando-se a citação retirada, sem mais, do contexto.
As passagens que assinalámos, são as primeiras que foram prestadas pelo assistente ao tribunal, quando as fazia de forma aberta: aquilo  que já noutras situações referimos, de ir falando e ir contando de acordo com a sua sequência, com a sua  relevância.
E depois de o Tribunal ter analisado, de forma global, todo o depoimento do assistente, para o tribunal as  declarações do assistente foram globalmente consistentes, pois fez uma narração espontânea quer quanto à sequência, quer quanto ao local e tempo que duraram. Mostrou memória do facto e ao mesmo tempo memória de circunstâncias que fazem sentido no quadro em que estes factos ocorreram.
Mas teve equívocos, dúvidas, por vezes aparência de incongruências como iremos, dentro do possível, assinalar.
Começamos por referir que os factos descritos pelo assistentes, pelo menos os dois primeiros, nas casas em (…), ocorreram  num quadro especial: foi perceptível que o assistente para estas duas situações pelo próprio irmão. O assistente conheceu o arguido E através do seu irmão, como conheceu o individuo DUDU, cfr. por exemplo, instância da Defesa em 6/11/07, à testemunha  Inspector Chefe BZ – e houve passagens do depoimento do AK em que o Tribunal depreendeu e percebeu que, apesar de o dizer, não era algo que estivesse a fazer “à vontade”.
Mas não deixou de, sucessivamente, ir esclarecendo, dizendo e explicando de forma, para nós, intrinsecamente consistente com o que dissera anteriormente.
Assim vejamos.
(1) Nas suas declarações de AK, por duas vezes, quando se referia aos factos na “casa da (…)” e na casa que identificava ao pé da “(…)”, referiu o nome DU como a pessoa  com que “estava”, tendo rectificado de seguida.
O arguido, nas suas alegações, referiu que não afastava a possibilidade de o assistente ter sido abusado, no entanto estava a ser feita uma “transferência” de abusos praticados por outra pessoa, para o arguido. Pelo que estas referências que AK fez, por duas vezes, ao indivíduo DU, poderiam significar alguma coisa no sentido apontado pelo arguido. 
Mas ouvindo como AK fez a rectificação – e o tribunal fez a transcrição dessas passagens, que embora não sendo uma transcrição, é evidente, um substituto da imediação, permite ter alguma  percepção de como e em que momento foi feita a rectificação -,  no caso concreto, foi feita de forma espontânea ou na sequência de interpelação feita na altura.” (fim de transcrição)
Ainda a este propósito, escreveu-se, com o que se concorda, noutro passo da fundamentação do acórdão:
“E ouvindo o assistente, o tribunal não ficou com a impressão de que aquele rectificação deixasse transparecer que o assistente tinha sido “apanhado” em alguma coisa, pois o registo da voz, a forma como responde deu ao Tribunal uma sensação de normalidade da rectificação que estava a fazer. É claro que o assistente poderia ser portador de um “sangue frio tal”, que conseguisse fazer aquele “papel” da forma que foi perceptível para o tribunal.
Mas a instância não se ficou por ali, o AK foi ouvido durante dois dias e, objectivamente, o tribunal não encontrou qualquer sentido ou indício, que levasse à convicção de que AK estivesse a forjar a identificação do seu abusador, referindo uma pessoa quando os actos foram com outra.” (fim de transcrição)
Por outro lado, impõe-se assinalar que a frase que o recorrente, na sua motivação de recurso, a fls. 69578, imputa ter sido proferida pelo assistente, na sessão de julgamento de 28 de Outubro de 2005 (“Sim. A... entrámos o Senhor (…) começou-me a pôr a mão e cima”), não corresponde à realidade do que foi dito por AK na ocasião, pois o que este disse foi: “Sim...ah...entramos começou-me a por a mão em cima” (aludindo inequivocamente ao arguido E). É isso que resulta do respectivo registo fonográfico (DVD 1, da sessão da AJ de 28/10/2005, aos 34 minutos) e foi também isso que na transcrição efectuada no acórdão recorrido, e bem, se consagrou, e passa-se a transcrever:
AK – Se queria ir ver um quarto ...na altura hesitei e depois fui com o senhor E para o quarto.
JP – Mas quem é que veio falar consigo, disse que tinha sido, tanto quanto eu entendi o senhor DU?
AK – O senhor E.
JP – E diz que foi com o senhor E para um quarto?
AK – Sim...ah...entramos começou-me a por a mão em cima (...), começou a pôr-me a mão na perna a...começou-me a mexer no pénis também quis que eu acariciasse o dele e que eu lhe fizesse sexo oral o qual fiz pouco tempo depois ele começou-me apalpar o rabo, agarrou-me por trás, abaixou-me as calças e ele abaixou as dele e fez-me sexo anal..(..)., lembro-me que estava um bocado em pé um bocado deitado digamos isso, por cima da cama ele agarrou-me por trás e penetrou o pénis dele no meu ânus”. (fim de transcrição)
O recorrente, nas suas conclusões de recurso 126.ª a 128.ª, já transcritas e que aqui se dão por reproduzidas, vem, igualmente na tentativa de descredibilizar as declarações do assistente AK, alegar, em síntese, que embora não se saiba quantas outras relações de sexo anal aquele teve, mas que, entende, terem sido ao nível das dezenas (por ser isso que resulta do relatório do exame (...)-legal de natureza sexual a que o menor foi submetido, constante de fls. 57 a 63 do vol. 1 do apenso CG, e do depoimento do perito (...) Sr. Prof. Doutor BR, que o realizou), o mesmo não as deveria ter omitido, pelo que o seu depoimento fica fortemente abalado.
A este respeito convocamos, mutatis mutandis, o que dissemos a propósito de idênticas questões suscitadas no recurso do arguido C a respeito dos ofendidos AP e AI. Ou seja, se AK teve, posteriormente aos últimos factos em apreço nestes autos, outras relações de sexo anal, como resultará do mencionado parecer pericial, é, com o devido respeito, perfeitamente irrelevante para o que ora interessa apreciar e, tendo estas porventura ocorrido, se as omite, não se vê o que daí se possa retirar, para além de que pretende esconder esses comportamentos da sua esfera íntima, sem que dessa circunstância se possa de per se retirar que é um mentiroso nato, compulsivo e reiterado. Se porventura não falou verdade sobre aspectos da sua vida privada, não se pode concluir que, sobre os factos da pronúncia destes autos, não tenha de(...) com verdade quanto aos abusos sexuais contra si praticados pelo recorrente E. Foi isso mesmo que o acórdão amplamente considerou e foi isso que a Mmª Juíza Presidente logo referiu quando o menor, a pergunta que lhe foi colocada em julgamento disse ter sido anteriormente abusado, que se lembrasse, duas vezes pelo seu tio. Com efeito, disse a Mmª Juíza Presidente na ocasião, e com toda a propriedade, que AK falaria apenas sobre outros abusos estranhos aos em apreço nestes autos se quizesse “dentro do poder de disponibilidade que o assistente tem quanto à sua intimidade” (cf. gravação contida DVD 1, da sessão da AJ de 28/10/2005).
Pelo ex(...), improcede também nesta parte o recurso de E.
Pese embora o que já dissemos noutro passo sobre a apreciação da matéria de facto, à luz do princípio da livre apreciação da prova, e para além do que aí afirmámos, antes de terminarmos este capítulo não queremos deixar de reforçar e chamar a atenção para quão importante é a imediação.
Neste sentido, atente-se, entre outros, no teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Julho 2005, proferido no proc. 0540595 e consultável in www.jusnet.pt, onde se expendeu:
“Ora só o contacto vivo e directo com os personagens permite animar aquilo que agora se nos oferece como estático.
Como é sabido é necessário que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado. E para que não seja arbitrária, a lei impõe a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, "com uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal"art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal.
Repetindo de algum modo o já referido o juiz do julgamento tem, em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós indiscutivelmente não temos. Os juizes do julgamento tiveram contacto vivo e imediato com o arguido, com as testemunhas, a sua hostilidade ou a sua postura de colaboração, circunstâncias que pesam na convicção (...) assistiram e como vimos intervieram nos seus interrogatórios, recolheram por isso um sem número de impressões...que não ficam registadas em acta, apenas na sua mente...Essa fase ao vivo do directo é irrepetível. Esta fase do processo - o recurso - é uma fase dominada pelo princípio da escrita, tornando-se difícil, para não dizer impossível, avaliar, com correcção, da credibilidade de um depoimento em contraponto com outro diverso. Entre dois depoimentos contra(...)s por qual optar? Essa é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento. Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais. Como enfatiza Damião da Cunha [A estrutura dos recursos na proposta de revisão do Código Processo Penal, RPCC, 8º, 2º pág. 259] os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da primeira instância. Nós apenas podemos controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou o abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha [Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 140 e segts. 158-9].
A terminar não resistimos a citar Irineu Cabral Barreto quando afirma que o princípio da imediação, traduzido numa "relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo" permite "que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Permite-se, assim, ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar". Princípio intimamente relacionado com os da concentração da prova na audiência e da oralidade (provas orais e não escritas), que lhe são instrumentais, e onde entroncam os princípios da concentração e da continuidade das audiências bem como o da plenitude da assistência dos juizes. Todos eles visam objectivos diversos mas convergentes, como seja o de proporcionar a quem tem de decidir uma adequada aproximação às provas, potencializando uma maior segurança e precisão.” (fim de transcrição).
h) - O Tribunal, ao condenar o recorrente pelo crime de lenocínio de menores, violou a norma do art. 175.º, n.º 1, do CP?
Entende o arguido E, como resulta das suas conclusões de recurso 207.ª a 209.ª, que o Tribunal de primeira instância ao condenar o recorrente pelo crime de lenocínio de menores, violou a norma do art. 175.º, n.º 1, do CP, interpretando-a expressamente no sentido de que a prática de um só acto sexual de relevo a troco de um preço é exercício da prostituição. No entendimento do recorrente, essa norma devia ter sido interpretada no sentido de que o exercício da prostituição significa uma reiteração. Não resultando essa reiteração dos factos provados, considera o recorrente não estar preenchido o tipo legal de crime, devendo dele ser absolvido.
Vejamos se tem razão.
Na previsão do art. 175.º do CP o que está em causa é a exploração de um menor por outra pessoa, fundada no comércio do corpo da criança ou do jovem por parte de outrem (o agente). E não é exclusivamente o aspecto estrito de liberdade e autodeterminação sexual, como bem pessoal, que subjaz à criminalização do lenocínio de menores. Assim entendida, a prática do lenocínio, p. e p. pelo art. 175.º do CP, configura uma clara violação da dignidade humana, da integridade moral e física da pessoa humana menor de idade, por parte de quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor, por isso, obstáculo à livre realização da respectiva personalidade, valores constitucionalmente protegidos – cf. arts. 25.º e 26.º da CRP.
O interesse jurídico protegido no art. 175.º, n.º 1, do CP, é complexo, abrangendo não só o interesse geral da sociedade em que haja moralidade sexual, mas também a personalidade dos menores objecto das condutas ali previstas.
No entendimento do recorrente E essa norma (art. 175.º, n.º 1, do CP) devia ter sido interpretada no sentido de que o exercício da prostituição significa uma reiteração e não resultando essa reiteração dos factos provados, não está preenchido o tipo legal de crime, devendo dele ser o arguido absolvido.
No entanto, e bem, o Tribunal a quo seguiu a posição oposta, expressa pela Exmª Professora Maria João Antunes, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte Especial, Tomo I, pág. 580, no sentido de que "o tipo legal de crime deve considerar-se preenchido ainda que o menor pratique um só acto sexual de relevo a troco de um preço" ­- cf. acórdão na pág. 1518.
É legítimo que o recorrente E defenda que o sentido usual do termo "exercício de prostituição" implica a prática reiterada de vários actos sexuais a troco de dinheiro, pelo que seria este o sentido a acolher na interpretação da norma, já que, de contrário, o legislador teria usado a expressão prática de acto de prostituição.
Todavia sem razão, pois sendo o bem jurídico protegido o da livre autodeterminação sexual e desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, criando condições para que esse desenvolvimento se processe de forma adequada e sem perturbações, não faz qualquer sentido que o legislador tenha querido que só a prática repetida de actos sexuais a troco de dinheiro pudesse integrar o conceito legal.
A interpretação que o acórdão recorrido acolheu, tal como ele próprio explica, "é o que faz sentido, tendo em atenção a natureza específica deste ilícito, o bem jurídico que pretende tutelar e o que este tipo legal pretende consagrar face aos instrumentos internacionais que visam a defesa dos Direitos das Crianças (ver, quanto a este sentido, Eliana Gersão, “Crimes sexuais contra crianças. O direito penal português à luz das resoluções do Congresso de Estocolmo contra a exploração sexual de crianças para fins comerciais”, Infância e Juventude 97.2 18 e 25)." - cf. acórdão na pág. 1518.
Por outro lado, acrescentamos nós, quando no CP se usa a expressão “exercício”, seja quando alude ao “exercício de profissão, função, poder, cargo ou actividade” (no singular ou no plural), como sucede nos arts. 43.º, 66.º, 67.º, 68.º, 90.º -A, 90.º -J, 90.º -L, 90.º -M, 100.º, 132.º, 143.º, 148.º, n.º 2, 155.º, 158.º, 184.º, 191.º, 228.º, 256.º, 257.º, 294.º, 333.º, 334.º, 347.º, 358.º, 373.º, 379.º e 383.º, seja quando se refere ao “exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela” (arts. 152.º, n.º 6, e 179.º), seja ainda quando se reporta ao “exercício legítimo do culto de religião” (art. 252.º), fá-lo num sentido que parece necessariamente inculcar reiteração, na medida em que esse exercício implica o cumprimento ou desempenho dos deveres inerentes a um cargo, profissão, função ou actividade, os quais pressupõem a prática, traduzida numa certa dedicação, logo repetição, dos diversos actos que caracterizam aquele cargo, profissão, função ou actividade.
Mas, nem sempre a expressão “exercício”, utilizada no CP, implica qualquer ideia de reiteração, como sucede quando, genericamente, alude ao “exercício de determinados direitos” (caso do art. 65.º) ou quando, concretizando, se refere ao “exercício do direito de queixa” (arts. 113.º, n.ºs 4 e 5, e 115.º n.º 3), já que tal exercício (do direito de queixa, por exemplo) pode consubstanciar-se na prática de um único acto – a apresentação de queixa-crime – e não na prática reiterada de diversos actos ou actividade(s).
Também, assim, quanto a nós, se deve entender quando o CP no art. 175.º, ora em apreciação, se refere ao “exercício da prostituição de menor”, pois aqui “prostituição” não pode nem deve ser vista como uma actividade profissional ou laboral, implicando um modo de vida, forçado ou voluntário, consistente e constante baseado no cobrar de dinheiro pela prestação de serviços sexuais envolvendo o corpo do prostituto(a), devendo antes ser entendido como compreendendo também todo e qualquer acto sexual de relevo, ainda que isolado, em que o menor nele envolvido receba, pela sua realização, qualquer paga ou compensação, seja em numerário seja em espécie, seja previamente acordada ou seja espontaneamente facultada a posteriori pelo “cliente” (expressão usual que não implica necessariamente habitualidade, sendo aqui empregue como significando o agente que praticou o acto sexual de relevo com o menor) ou pela pessoa que o angariou (ao cliente) e o colocou em contacto (sexual) com a criança ou o jovem.
É isso que igualmente se pode retirar, em suporte e confirmando esta interpretação, do texto do art. que precede o ora em questão. Com efeito, o art. 174.º do CP estabelece no seu n.º 1 que “Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.” Acrescentando, em termos de agravação de pena, o seu n.º 2 que “Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.”
Ora, este art. 174.º do CP tem como epígrafe “Recurso à prostituição de menores”, sendo que do conteúdo normativo que se lhe segue é inequívoco poder afirmar-se que no caso de menores a prostituição pode consistir na prática de um único acto sexual de relevo, não sendo necessária a reiteração, como propugna o recorrente.
Concluindo: Para a verificação dos elementos do tipo incriminador previsto no art. 175.º do CP basta a existência de um acto de prostituição, não se exigindo a sua reiteração. O tipo legal de crime deve considerar-se preenchido ainda que o menor pratique um só acto sexual de relevo a troco de uma qualquer contrapartida. O preceito legal em apreço foi correctamente interpretado e acolhido no acórdão recorrido, pelo que carece de razão a sua invocada violação.
Destarte, improcede também nesta parte o recurso do arguido.
i) - Da medida das penas parcelares e única:
- Dos pedidos para a sua redução e suspensão na execução, formulados pelo recorrente nas suas conclusões de recurso 210.ª a 220.ª, e
- Do peticionado, pelo Ministério Público, agravamento de penas, conforme ao requerido no ponto F) do recurso do acórdão e à sua (MP) conclusão 123.ª
A título subsidiário, por dever de patrocínio e elementar cautela, a defesa do recorrente E, admitindo a eventual improcedência do presente recurso noutros segmentos, igualmente impugna a medida das penas parcelares e única em que foi condenado.
Recorde-se que o arguido E foi condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos no art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, por cada um dos crimes. Foi, ainda, condenado pela prática de um crime de lenocínio, previsto no art. 175.º, n.º 1, do CP, na pena de dois anos de prisão. E, em cúmulo jurídico, foi aplicada ao arguido E a pena única de 6 anos e 8 meses de prisão.
Considera o recorrente E que a medida das penas parcelares e única que lhe foram aplicadas são excessivas, nomeadamente, por um lado, porquanto existia circunstância justificativa de atenuação especial das penas, que impunha a aplicação do dis(...) nos arts. 72.º e 73.º do CP, e, por outro lado, porque também houve erro de aplicação do dis(...) no art. 71.º do CP, pois o Colectivo julgou verificadas culpa e ilicitude elevadas quando as devia ter considerado quase mínimas.
Para tanto alegou, nas suas conclusões de recurso 211.ª a 218.ª, que:
“- Os factos foram considerados provados como ocorridos em 1999 e nada consta do processo nem o acórdão refere que o recorrente não tenha mantido boa conduta. Assim, decorreu muito tempo (11 anos) sobre a prática dos crimes, mantendo o recorrente boa conduta.
- Por isso, em obediência ao dis(...) no nº 1 e na alínea d) do nº 2 do artº 72º e ao dis(...) nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 73º, ambos do CP, deviam e devem ser especialmente atenuadas as penas aplicadas, com observação dos limites de 0,6 a 6,66 anos de prisão para os crimes de abuso sexual e de 6 meses a 3,33 anos para o crime de lenocínio.
- Não resulta dos factos considerados provados que o recorrente fosse impositivo ou insistente na prática dos actos pelo assistente, o qual, considerando a idade inferior a 14 anos para a incriminação, tinha 12 anos.
- Contrariamente ao referido pelo Tribunal a fls 68086, não há elementos de facto de que resulte que a culpa do recorrente se apresenta em elevado grau e de que, quanto a ele, a dimensão global da ilicitude seja intensa.
- Também não resulta que o recorrente se revele carecido de socialização, aderindo-se, neste aspecto, à doutrina do Tribunal, de que “Caso não se verifique, no caso concreto, esta necessidade de socialização, a pena terá, em termos de prevenção especial, uma função de mera advertência do agente, o que permitirá que a pena desça até ao limite mínimo da defesa do ordenamento jurídico.” (fls 68083).
- Tanto a prevenção geral como a prevenção especial estão em grande medida realizadas pela sujeição a procedimento criminal no decurso de 8 anos e pelo intenso e punitivo “julgamento” mediático durante o mesmo longo período. E também pela prisão preventiva sofrida há 6/7 anos.
- O Tribunal recorrido violou, por não aplicação, o dis(...) nos artºs 72º e 73º do CP, normas que devia ter aplicado por se verificar circunstância justificativa de atenuação especial das penas aplicadas.
- E violou também, por erro de aplicação, o dis(...) no artº 71º do CP, que aplicou com o sentido de terem sido verificadas culpa e ilicitude elevadas e que devia ter sido aplicado no sentido de culpa e ilicitude quase mínimas, com consideração também da conduta anterior e posterior aos factos.” (fim de transcrição).
Responderam, ao recurso do arguido E, a AX e demais assistentes (cf. fls. 71222 a 71247). Na sua resposta não aludem à concreta questão da medida das penas aplicadas ao arguido E, mas concluem no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso por ele inter(...) do acórdão final, confirmando-se nesta parte o decidido naquele mesmo aresto.
Por seu turno, em resposta ao recurso do arguido E, o Ministério Público a este propósito formulou as seguintes conclusões:
“366.  -  Quanto à medida das penas em que foi condenado, as penas parcelares aplicadas ao Arguido, no caso dos crimes de abuso sexual de crianças, estão situadas abaixo do ponto médio da moldura abstracta, o mesmo acontecendo com a pena aplicada no crime de lenocínio;
367.  -  Por seu turno, em cúmulo, e segundo os critérios do artº 77º, do CP, a pena aplicável tinha como limite mínimo 4 anos e 6 meses de prisão - pena parcelar mais elevada - e, como limite máximo, 11 anos de prisão - soma material das penas concretamente aplicadas;
368.  -  Tal como o Mº Pº defendeu no Recurso que interpôs sobre esta matéria, a pena aplicada doseou, por defeito, o respectivo quantum, remetendo-se para as considerações que, a este respeito, aí se expenderam, no qual se defende que as penas aplicadas ao Arguido E, ao invés, devem ser agravadas.” (fim de transcrição).
Com efeito, o Ministério Público ao recorrer do acórdão final proferido pelo Tribunal a quo, já havia entendido serem desadequadas quer as penas parcelares quer a pena única aplicadas ao arguido E, requerendo o agravamento do quantum das mesmas.
Para tanto, alegou, no ponto F) daquele recurso e na sua conclusão 123.ª, o seguinte:
“No Acórdão, o Tribunal fundamentou a determinação da medida das penas, especificando os motivos pelos quais, seja em sede de prevenção especial, seja quanto às necessidades de prevenção especial, em termos que não nos merecem qualquer reparo.
Não se trata, pois, de impugnar o Acórdão, na vertente da correspondente fundamentação, mas, apenas, na subsunção dos pressu(...)s em que assenta, à determinação concreta das penas aplicadas.
O doseamento das penas não se traduz numa mera operação aritmética, nem é a consequência lógica, ou tabelar, de requisitos pré-estabelecidos, tanto mais que, a sua determinação, tem, como parâmetros, molduras penais abstractas com margens particularmente amplas entre os respectivos limites mínimo e máximo.
Esta opção do legislador, tornando mais exigente a quantificação das penas, exige ao julgador um especial cuidado, por forma a que a discricionariedade, teleologicamente vinculada, que lhe está, inevitavelmente, subjacente, não se traduza, ao invés, numa indesejável arbitrariedade.
O que vem de dizer-se procura estribar-se, ademais, no que vem sendo a Jurisprudência, uniforme e constante, do STJ, da qual constitui paradigma insofismável, de entre tantos outros, o Ac. do STJ, de 08.11.2007, Procº 07P3164 (www.dgsi.pt), relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota”
(...)
“Os factos provados, seja no que à ilicitude diz respeito, seja no que se prende com a culpa, bem como as condições pessoais, reportadas, umas e outras, a cada um dos Arguidos, não divergem, de entre eles, de forma significativa.
Disso mesmo se dá conta o próprio Acórdão, ao dosear as penas parcelares por obediência a um critério, predominantemente, homogéneo, o que, tão pouco, se questiona.” (...)
“Todos os referidos Arguidos cometeram os factos num período de tempo muito circunscrito. Não se podendo aferir o conjunto das condutas por uma propensão delitiva específica, estar-se-á um pouco mais além da mera pluriocasionalidade.
Tanto quanto resulta dos respectivos certificados do registo criminal, não tinham antecedentes criminais, à data da prática dos factos.
Os bens jurídicos violados são, essencialmente, os mesmos.
Todos eles estão socialmente inseridos.
As exigências de prevenção geral são fortíssimas, tanto mais, quanto é certo, que, este caso, despoletou, na comunidade, uma sensibilidade que não o precedia.
A discordância que assinalamos prender-se-á, a um tempo, com a  subvaloração da intensidade do dolo, e da ilicitude do facto, e com a consequente tradução na medida das penas, a qual ficou aquém do “quantum concretamente adequado de protecção”.
Em conformidade, fazendo correcta aplicação dos critérios emergentes dos artºs. 71º e 77º, do C. Penal, julgam-se ajustadas as seguintes penas (parcelares e únicas):(...)
ARGUIDO E :
-  1.  Com referência  ao Capítulo “4.2.1”, do Despacho de Pronúncia :
                       a) -  2 (dois) crimes previstos no artº 172º, nºs. 1 e 2,  do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, por cada um dos crimes;  
                       b) -  1 (um) crime previsto no artº 175º, nº 1, do C. Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;  
Em Cúmulo Jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.” (fim de transcrição).
Respondeu o ali recorrido E nos seguintes termos:
“A fls 68453 a 68455, o Ministério Público pugna pela aplicação ao recorrido de penas superiores às que lhe foram aplicadas.
Invoca para tal, genericamente, a subvaloração da intensidade do dolo e da ilicitude do facto e que as exigências de prevenção geral são fortíssimas.
Fica-se por tais generalidades sem as reportar aos factos em relação aos quais o recorrido foi condenado, faltando a motivação do recurso.
Quanto às exigências de prevenção geral, invoca que "este caso despoletou, na comunidade, uma sensibilidade que não o precedia."
Tal sensibilidade não foi despoletada nem desenvolvida pelo recorrido e o que esta em causa não é "este caso" mas os crimes pelos quais o recorrido foi condenado. E a invocada sensibilidade do "caso" despoletada na comunidade funciona, por si mesma, como prevenção geral, não podendo contribuir para a aplicação de penas mais graves.
Contrariamente ao alegado pelo Ministério Público, a fis 68453, a  medida das penas aplicadas ao recorrido não ficou aquém do quantum concretamente adequado de protecção. Foi muito além do adequado, que, como o recorrido demonstrou no recurso por si inter(...), impunha, se estivessem provadas - e não estão - os factos em relação aos quais foi condenado, a atenuação especial das penas aplicáveis e a suspensão da sua execução.
Nestes termos e sobretudo pelo que  doutamente será suprido, deve ser negado provimento ao recurso, sem  confirmação da medida das penas aplicadas ao recorrido.” (fim de transcrição de fls. 71050/1).
Atentemos, então, na justeza da medida das penas parcelares e única em que foi condenado o recorrente/recorrido E.
O acórdão recorrido ao entrar na fundamentação de direito começa por proceder ao "Enquadramento Jurídico", relembrando, no respeitante ao arguido E, que a este era imputada a prática, em autoria material, de:
“a) Com referência  ao capítulo 4.2.1, do Despacho de Pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo artº. 172º. nºs. 1 e 2 do Código Penal e um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. n.ºs 1 e 3 do Código Penal;
b) Com referência ao capítulo 5.2.5, do Despacho de Pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nºs. 1 e 2 do Código Penal (então na redacção do Dec.- Lei nº. 48/95, de 15 de Março);
c) Com referência  ao capítulo 6.2.1, do Despacho de Pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal;
d) Com referência  ao capítulo 6.4.1, do Despacho de Pronúncia: 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo artº. 172º. n.ºs 1 e 2 do Código Penal;
e) Com referência  ao capítulo 6.7.1, do Despacho de Pronúncia:  2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal.”
Seguidamente, assinala o acórdão recorrido que, quer no processo principal quer no processo apensado, os factos que o Tribunal deu como provados, como tendo sido praticados contra os vários ofendidos, integram diferentes ilícitos criminais,  que, por sua vez, não são exactamente os mesmos em relação a cada um dos arguidos e em relação a cada um dos ofendidos, pelo que, previamente, o Colectivo passa a fazer a análise dos vários preceitos legais convocados em cada incriminação ou pelas diferentes incriminações e, num segundo momento, passa a aplicar esta análise face aos actos/factos dados como provados em relação a cada um dos arguidos, por referência a cada um dos  assistentes. Assim, analisa, com rigor, os elementos objectivos e subjectivos, bem como as molduras penais, dos crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, de violação, de abuso sexual de pessoa internada, de abuso sexual de criança, de actos homossexuais com adolescentes e de lenocínio, entre outros, e, sempre que tal se justifica, nas diversas redacções desses tipos penais ao longo do tempo.
Feito aquele enquadramento jurídico o acórdão recorrido passou a analisar cada situação concreta, em relação a cada um dos arguidos e a cada um dos assistentes envolvidos, assim procedendo à subsunção dos factos ao direito, tendo, nesse contexto, explicitado, relativamente ao ora recorrente/recorrido E que:
"2.3.1. Com referência  ao capítulo 4.2.1. do Despacho de Pronúncia (AK), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
-  2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo artº. 172º. nºs. 1 e 2 do Código Penal;
- um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. n.ºs 1 e 3 do Código Penal;
a) Tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como provada em relação aos  factos ocorridos  “em data não concretamente apurada, numa sexta feira ou num sábado à noite, situado entre 12/12/98 e Janeiro de 1999, inclusive”, e em dia não concretamente apurado, mas situado entre Abril e Julho de 1999, a uma sexta feira”,  em que o arguido E esteve com o assistente AK  - quer quanto ao tempo em que os mesmos ocorreram, quer quanto aos actos que em concreto ocorreram,  sendo no que a estas circunstâncias dizem respeito, referimos especificamente os factos constantes dos  nºs. “105.” a “105.24.”, “105.30.” a  “105.33.” e “105.37.” a “105.38” dos “factos provados”  -, a actuação do arguido integra a prática, em autoria material, de  2 (dois) crimes p.p. pelo 172º, nº 1 e 2,  do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
Com efeito o Tribunal deu como  provado que o AK nasceu em (…), os factos praticados pelo arguido após Dezembro de 1998 e Julho de 1999, o arguido sabia a idade do educando, sabia que manter com o jovem as práticas sexuais que o Tribunal deu como provadas – coito oral e coito anal –,  afectava de forma grave o normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual do mesmo, tendo agido de forma  voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida pela lei.
Assim, cumpre condenar o arguido pela prática, em autoria material,  de:
- 2 (dois) crimes p.p. pelo 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
b) Quanto ao crime de lenocínio pelo qual o arguido vem pronunciado, começamos por convocar o que acima dissemos, quanto aos elementos constitutivos deste ilícito.
(i) De acordo com o dis(...) no artº 176º, nº 1, do C.Penal, na redacção introduzida pela Lei 48/95, de 15/03 (que entrou em vigor em 1/10/95), “…quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor entre 14 e 16 anos, ou a prática por este de actos sexuais de relevo, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.” 
De acordo com o nº 2., “…se o agente usar de violência, ameaça grave(…), actuar com intenção lucrativa (…) ou se aproveitar da incapacidade psíquica da vítima, ou se esta for menor de 14 anos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.”.
(ii) A Lei 65/98, de 2/09 ( que entrou em vigor em 7/09/98), veio introduzir alterações a este preceito, passando o  anterior “nº 2” para “nº 3” e introduzindo um “nº 2” com previsão e redacção que não releva para o presente caso.
A moldura penal quanto à previsão que já vinha da lei anterior manteve-se.
(iii) A Lei 99/2001, de 25/08 (que entrou em vigor em 30/08/2001), veio introduzir nova alteração a este preceito.
Alterou a previsão do “nº 2.”, que não releva para o caso concreto.
E alterou a redacção do nº 3 - que na redacção da lei 48/95 de 15/03, como vimos, era o nº 2 -, tornando o seu âmbito mais abrangente e ficando com a seguinte redacção: “… se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil (…), actuar profissionalmente ou com intenção lucrativa ou se  aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, ou de qualquer outra situação de especial vulnerabilidade, ou se esta for menor de 14 anos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos”. 
(iv) A Lei nº 59/2007, de 4/09 (que entrou em vigor em 15/09/07), veio introduzir nova alteração ao crime de lenocínio,  anteriormente previsto no artº 176º, do C.Penal.
O crime passou a estar tipificado no artº 175º, do C.Penal e com a seguinte redacção:
“1. Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2. Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:
a) Por meio de violência ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade (…);
d) Actuando profissionalmente ou com intenção lucrativa; ou
e) Aproveitando-se da incapacidade ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima;
é punido com pena de prisão de dois a dez anos.”
Esta modificação legislativa foi no sentido de ampliar a previsão quanto à idade da vítima e, no referente à agravação, quanto ao abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela. Mas restringiu  também a previsão, pois eliminou a referência à prática de actos sexuais de relevo. A medida da pena também sofreu uma alteração no limite mínimo da pena prevista no nº 1, pois passou de 6 meses para 1 ano de prisão.
(v) Analisemos então este tipo legal.
Quanto ao bem jurídico tutelado, começamos por reproduzir o que foi dito pelo Tribunal Constitucional (no ac. 144/2004, Pº 566/2003, relatado pela Exma. Sra. Juíza Conselheira Maria Fernanda Palma, num recurso em que estava em causa a arguição de inconstitucionalidade do artº 170º, do C.Penal, estando por isso em causa a natureza do crime de lenocínio numa situação diversa da dos presentes autos)  concretamente que “…subjacente à norma do artº 170º, nº 1, está inevitavelmente uma perspectiva fundamentada na História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída (…). Tal perspectiva não resulta de preconceitos morais mas do reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade de acção, situações e actividades cujo “princípio” seja o de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja intelectual, seja a física, seja a sexual), possa ser utilizada como mero instrumento ou meio ao serviço de outrem. A isto nos impede, desde logo, o artº 1º da Constituição, ao fundamentar o estado português na igual dignidade da pessoa humana (…).
É claro que a esta perspectiva preside uma certa ideia cultural e histórica da pessoa e uma certa ideia do valor da sexualidade, bem como o reconhecimento do valor científico das análises empíricas que retratam o “mundo da prostituição” (e note-se que neste terreno tem sido longo o percurso que conduziu o pensamento sociológico desde a caracterização da prostituição como anormalidade ou doença (…), até ao reconhecimento de que as prostitutas são vítimas de exploração e vítimas de uma certa exclusão social). Mas tal horizonte de compreensão dos bens relevantes é sempre associado a ideia de autonomia e liberdade, valores da pessoa que estão directamente em causa nas condutas que favorecem, organizam ou meramente se aproveitam dessa prostituição (…). O significado que é assumido pelo legislador penal é, antes, o da protecção da liberdade e de uma «autonomia para a dignidade» das pessoas que se prostituem (…)”.
E, dito o que antecede e o significado que é assumido pelo legislador penal para a punibilidade destas condutas - a “…protecção da liberdade e de uma «autonomia para a dignidade» das pessoas que se prostituem…” - , passamos para o tipo incriminador que está em causa neste autos e que tem especificidades.
Na anotação feita ao artº 176º do C.Penal (na redacção anterior à alteração introduzida pela lei nº 59/07, de 4 de Setembro), pela Exma. Sra. Professora Maria João Antunes (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, parte Especial, Tomo I, fls. 576 a 583), resulta que o bem jurídico tutelado “… é o do livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, criando as condições para que esse desenvolvimento se processe de uma forma adequada e sem perturbações (…). Por esta via se afastando a tutela, a título principal, dos «fundamentos ético-sociais da vida social» e, especificamente da «moralidade sexual».
Neste artº 176º a tutela daquele bem jurídico pretende-se «absoluta», uma vez que se prescinde da «adequação das acções» exigidas no lenocínio e no tráfico de maiores (…). Com efeito, para o preenchimento do tipo legal de crime não é necessário que o agente actue por meio de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, nem que o agente actue profissionalmente ou com intenção lucrativa(…)”.   
Na  sequência do que antecede, é no entanto entendido pela Senhora Professora Maria João Antunes que o legislador foi longe demais ao englobar neste ilícito as situações em que estava em causa a prática de “… «actos sexuais de relevo». E foi longe demais porque a prática de actos sexuais de relevo, só por si, não acarreta a violação do bem jurídico que se pretende proteger, quando em causa estão menores  entre 14 e 16 anos; (…) Daí que quando confrontado com a questão se devem ser punidos os pais que permitem relações sexuais da filha com o noivo, EDUARDO CORREIA tenha respondido negativamente, observando que «não pode dizer-se que a sua actuação seja contrária ao pudor ou à moralidade sexual (Actas 1979 213).
E se em relação aos casos em que o agente fomenta, favorece ou facilita a prática de actos sexuais de relevo por menor entre 14 e 16 anos de idade não haverá dúvida em afirmar que este comportamento não devia ter sido criminalizado, já quanto aos casos em que o agente fomenta, favorece ou facilita o exercício da prostituição de menor entre 14 e 16 anos parece poder estar em causa o desenvolvimento sem perturbações da personalidade do menor na esfera sexual dadas as características da prostituição. Desenvolvimento sem perturbações que estará também em causa quando o agente, nestes casos, actua profissionalmente ou com intenção lucrativa. Mas já é questionável a necessidade de tutela do bem jurídico da liberdade e da autonomia sexual quando o agente fomenta, favorece ou facilita a prática de actos sexuais de relevo por menor entre 14 e 16 anos actuando profissionalmente ou com intenção lucrativa…”. 
A razão pela qual o Tribunal está, neste momento, a reproduzir de forma mais exaustiva do que tem feito noutras situações, posição doutrinal quanto a este ilícito e ao bem jurídico protegido, tem a ver com a argumentação e Defesa dos arguidos, que qualquer conduta que eventualmente lhe pudesse ser imputada à luz deste ilícito (anterior artº 176º, do C.Penal e actual artº 175º, do C.Penal ), está descriminalizada, pois com as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4/09 (que entrou em vigor em 15/09/07), o tipo legal deixou de abranger o favorecimento ou a facilitação da prática de “actos sexuais de relevo”, para restringir a sua aplicação a “…quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor…”.
E dizendo que, no caso concreto, a actuação descrita no Despacho de pronúncia, como levada a cabo pelos educandos da AX, não se enquadra no conceito de prostituição.
Ora quanto a este conceito, voltamos ao comentário que estávamos a seguir (cfr. Exma. Sra. Professora Maria João Antunes,  Comentário Conimbricense do Código Penal, parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora 1999, concretamente §6, 7 e 8, fls. 579 a 581), o qual ainda é feito em relação à redacção do artigo anterior há alterada pela Lei nº 59/2007. Assim, “…do ponto de vista do conteúdo dos actos sexuais aqui pressu(...)s importa distinguir o exercício da prostituição da prática de actos sexuais de relevo (…), uma vez que o tipo legal de crime é preenchido quer quando há aquele exercício, quer quando há aquela prática. A distinção assenta na circunstância de a prostituição pressupor necessariamente a remuneração dos actos sexuais de relevo.
(…) Tratando-se de um crime de resultado - o que se pretende tutelar é a liberdade e a autodeterminação sexual do menor e não a acção de «desmoralizar outra pessoa»…-,  a consumação dos crimes de lenocínio e tráfico de menor depende ou do exercício da prostituição ou da prática de actos sexuais de relevo. Tudo  apontando no sentido de nesta última hipótese..”, (a dos actos sexuais de relevo)  “… ser necessário que o menor pratique vários actos sexuais de relevo (…). Já quanto ao exercício da prostituição, muito embora o sentido usual do termo aponte para uma certa reiteração, o tipo legal de crime deve considerar-se preenchido ainda que o menor pratique um só acto sexual de relevo a troco de um preço…” (negrito nosso quanto a esta última referência).  
Este o sentido que o Tribunal também segue no caso concreto e é o que faz sentido, tendo em atenção a natureza específica deste ilícito, o bem jurídico que pretende tutelar e o que este tipo legal pretende consagrar face aos instrumentos internacionais que visam a defesa dos Direitos das Crianças (ver, quanto a este sentido, Eliana Gersão, “Crimes sexuais contra crianças. O direito penal português à luz das resoluções do Congresso de Estocolmo contra a exploração sexual de crianças para fins comerciais”, Infância e Juventude  97.2 18 e 25).
O que não foi afectado com a última alteração introduzida ao preceito legal.
Com efeito, a  modificação legislativa feita pela Lei nº 59/2007,  foi  no sentido de ampliar a previsão quanto à idade da vítima e, no referente à agravação, quanto ao abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela. 
A medida da pena também sofreu uma alteração no limite mínimo da pena prevista no nº 1, pois passou de 6 meses para 1 ano de prisão.
E de restringir  a previsão, pois eliminou a referência à prática de actos sexuais de relevo - aliás, no sentido acima assinalado no comentário da Exma. Sra. Professora Maria João Antunes, quando disse que o legislador foi longe demais ao  englobar neste ilícito as situações em que estava em causa a prática de “… «actos sexuais de relevo», porque a prática de actos sexuais de relevo, só por si, não acarreta a violação do bem jurídico que se pretende proteger, quando em causa estão menores  entre 14 e 16 anos -, restrição esta que, no caso concreto e pelo que já dissemos, não afecta as considerações feitas e o entendimento expresso quanto ao sentido da “prostituição” exigida por este preceito (e que é, como dissemos, a prática remunerada de actos sexuais de relevo).  
Assim, “… elemento nuclear da infracção é o fomento, favorecimento ou facilitação do exercício da prostituição por menor. Não suscita grandes dúvidas a interpretação destes conceitos, que se traduzem, o primeiro, na determinação da vontade do menor à prática da prostituição, e os restantes na disponibilização de meios para o seu exercício. (4) Na determinação da vontade deve compreender-se não só a produção da mesma (quando inexistente antes da intervenção do agente), como a sua persistência (mediante essa intervenção)…” (cfr. Ac. STJ, 14/05/2009, Pº 07P0035, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Soares Ramos, www.dgsi.pt).
No caso concreto, tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como provada, em relação aos factos ocorridos “numa (...) em (…)”, “em dia não concretamente apurado, mas situado no período de férias escolares do Verão de 1999” - quer quanto ao tempo em que os mesmos ocorreram, quer quanto aos actos que em concreto ocorreram, sendo no que a estas circunstâncias dizem respeito, referimos especificamente os pontos constantes dos  nºs. “105.” a  “105.8.”, “105.25.” a “105.38”  dos “factos provados” -, a actuação do arguido integra a prática, em autoria material, de 1  (um) crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 48/95, de 15/03) ou  p.p.  pelo artº. 175º. n.ºs 1, do Código Penal, na versão introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/09, consoante o regime mais favorável ao arguido.
No caso concreto, tendo em atenção o que acima dissemos quanto às alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4/09, na tipificação do ilícito, é esta a versão mais favorável ao arguido.
Assim, convocando o que dissemos quanto aos elementos objectivo e subjectivo do ilícito e à matéria que o  Tribunal deu como provada,  cumpre condenar o arguido pela prática, em autoria material:
- de 1  (um) crime p.p. 175º, nº 1 , do C.Penal, na versão introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/09.
2.3.2. Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de Pronúncia ( em relação ao assistente AT), está imputado ao arguido a prática, em autoria material, de:
- 1 ( um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1 ,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
a) Tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como não provada nos pontos “42.” a “42.18.” dos factos Não Provados, não se verificaram os elementos constitutivos do ilícito imputado ao arguido.
Em consequência, cumpre absolver o arguido  da prática, em autoria material:
- 1 ( um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1 ,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).  
2.3.2. Com referência ao capítulo 5.2.5, do Despacho de Pronúncia (AP);
Com referência ao capítulo 6.2.1., do Despacho de Pronúncia (AN);
Com referência ao capítulo 6.4.1., do Despacho de Pronúncia (AN);
Está imputado ao arguido a prática, em autoria material:
- 1 (um) crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nºs. 1 e 2 do Código Penal (então na redacção do Dec.- Lei nº. 48/95, de 15 de Março);
- 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal;
-  4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo artº. 172º. n.ºs 1 e 2 do Código Penal;
Tendo em conta a matéria que o  Tribunal deu como não provada   - quer quanto ao tempo em que os mesmos ocorreram, quer quanto aos actos que em concreto ocorreram,  sendo no que a estas circunstâncias dizem respeito, referimos especificamente os pontos constantes dos  nºs. “34.”  a “34.5.”, “37.” A “37.20”, “40.” A “40.11” dos “factos não provados” -, não se verificam os elementos constitutivos da prática do crime que vem imputado ao arguido.
Em consequência, cumpre absolver o arguido da prática, em autoria material:
- 1 (um) crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nºs. 1 e 2 do Código Penal (então na redacção do Dec.- Lei nº. 48/95, de 15 de Março);
- 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal;
-  4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo artº. 172º. n.ºs 1 e 2 do Código Penal” (fim de transcrição).
Seguidamente, o acórdão recorrido aprecia a questão da aplicação do art. 30.º do CP, naquelas situações em que o arguido tenha praticado uma pluralidade de actos em relação ao mesmo ofendido - o que na perspectiva do Trbunal a quo não foi o caso do ora recorrente-recorrido E - e prossegue analisando a problemática da sucessão de leis penais no tempo, expendendo a este propósito:
“A prática dos factos a que dizem respeito os presentes autos, decorreu entre o “Verão de 1999” e Agosto de  2002.
À data da prática dos primeiros factos encontrava-se em vigor – no que diz respeito aos ilícitos em causa nestes autos -, o  Código Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15/3.
Em 30/08/2001 entrou em vigor a Lei 99/2001, de 25/08, a qual, no que ao presente processo  interessa, pode  relevar quanto às  alterações introduzidas aos artºs. 172º e  178º, do C.Penal.
E em 15/09/2007 entrou em vigor a lei 59/07, de 4/09, a qual, no que ao presente processo interessa, pode relevar  quanto às alterações introduzidas aos artºs. 2º, 30º, 38º, 41º, 43º, 44º, 47º, 50º, 79º, 80º, 113º, 115º, 116º, 118º, 121º, 122º, 127º, 164º, 165º, 166º, 172º (sendo que, neste diploma, a norma incriminadora do tipo de crime - por referência ao Decreto Lei nº 48/95 ou à Lei nº 99/2001 – passou a ser o artº 171º, nº 1 a 4, do Código Penal), 177º e 178º, do Código Penal. 
4.2. Nos termos do artº 29º, da C.R.P. e do dis(...) no artº 2º, nº4, do Código Penal, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis  posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente.
Refira-se que, de acordo com o entendimento  Jurisprudencial actual, não é regime que, em abstracto, se revela mais favorável ao arguido, mas sim aquele que, face às particulares circunstâncias do caso concreto, se mostre mais favorável. Por outro lado, quando o artº 29º, da C.R.P. e o artº 2º, nº4, do Código Penal impõem a aplicação do “regime mais favorável”, estão-se a referir à aplicação, em bloco, desse regime, não podendo compor-se um regime misto, decorrente da aplicação de normas avulsas, retiradas dos regimes que estiverem em confronto.
Assim, em princípio, é pela medida da pena principal – por exemplo, prisão ou só multa noutro regime – que se estabelece a maior ou menor gravidade das penas em confronto. Contudo, só da apreciação dos regimes em concreto, ponderada a globalidade das sanções – principais ou acessórias –,  as circunstâncias que possam incorrer como agravantes ou atenuantes, como qualificadores, como pressu(...)s da determinação da medida concreta da pena e da sua execução, etc., se pode, de facto, aferir o regime concretamente mais favorável.
4.2.1. Equacionando os vários aspectos que a ponderar pelo Tribunal, para poder concluir  quanto ao regime em concreto mais favorável, temos então o seguinte:
a) Quanto à medida da pena nos crimes pp pelos artsº 164º, 165º, 166º, 172º (sendo que pela Lei nº 99/2001, a norma incriminadora do tipo de crime foi renumerada  e  passou a ser o artº 171º, do Código Penal), os limites mínimos e máximos da pena de prisão previstos em tais disposições, quer na versão do Código Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15/3, quer pelas revisões introduzidas pela Lei 99/2001, de 25/09 e pela Lei 59/07, de 4/09, não se alteraram.
b) Quanto às condições e pressu(...)s de exercício da acção penal, prazos de prescrição, relevância do consentimento do ofendido  -  artºs. 2º, 38º, 113º, 115º, 116º, 118º121º e  178º, do Código Penal -, globalmente entre a versão do Código Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15/3 e a versão introduzida pela Lei 99/2001,  de 25/09, consideramos não haver diferenças que agravem sensivelmente a posição do(s) arguido(s).
Mas, quanto a este aspecto, já as alterações introduzidas pela  Lei 59/07, de 4/09, em termos abstractos podem agravar sensivelmente a posição do arguido face aos regimes anteriores.
No entanto e como acima dissemos, a avaliação do regime mais favorável para o arguido tem que  ser feita em concreto e tendo em atenção o que foi quer a tramitação processual dos presentes autos, quer a actuação processual do(s) arguido(s) e a(s) Defesa(s) por si levada(s) a cabo, não se nos afigura que tais alterações, no caso concreto, agravem a posição do arguido A, mas já podem ser relevantes para as posições assumidas pelos demais arguidos.
Há que avaliar, contudo, face às alterações introduzidas quanto aos elementos constitutivos dos ilícitos.
c) Passando às alterações introduzidas quanto aos elementos constitutivos dos ilícitos, já acima referimos que a Lei nº 59/2007 eliminou o tipo legal de crime até aí pp. no artº 175º, do C.Penal.
Bem como alterou o regime legal quanto ao crime de lenocínio, que passou a estar p. e p. no artº 175º, do C.P.Penal e restringindo o seu âmbito de aplicação.
Mas quanto aos demais ilícitos que importam para os presentes autos, as alterações introduzidas quer pela  Lei nº 99/2001, quer pela Lei nº  59/07, de 4/09,  não alteram, no entendimento do tribunal, a posição da globalidade dos arguidos.
 Assim e face a tudo o que antecede  - e tendo em atenção que, para o Tribunal, atento o dis(...) no artº 2º, nº 2, do C.Penal, a eliminação que a Lei nº 59/2007 fez,  no quadro legal da punição dos actos sexuais com adolescentes, do tipo legal de crime até aí pp. no artº 175º, do C.Penal, não releva para efeitos desta operação de encontrar o regime que, em concreto, se revela mais favorável ao arguido, pois a sua aplicação é imediata, independentemente de regime mais ou menos favorável; o mesmo se aplicando à restrição do âmbito de aplicação do actual artº 175º, do C. Penal -, o Tribunal opta por aplicar a lei actualmente vigente quanto à arguida Q e a lei vigente à data da prática dos factos que foram dados como provado quanto aos demais, por considerar que o regime legal que se lhe sucedeu não é, em concreto, mas favorável.” (fim de transcrição).
Finalmente, o acórdão recorrido debruçou-se sobre a questão da determinação da medida das penas parcelares e única, o que fez nos seguintes termos (e passamos a transcrever apenas as considerações gerais e as particulares referentes ao arguido E):
“A determinação da medida concreta da pena obedece ao critério global do artº 71º do Código Penal, extraindo-se do normativo em apreço que aquela determinação será feita em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral) do agente.
Assim, a culpa constitui  o factor limitativo máximo superior da pena. Por outro lado, o  limite mínimo da pena  decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral positiva, de integração, quer dizer, ao reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.
Finalmente, dentro da moldura penal “concreta” desta forma encontrada, a exacta medida da pena será fruto das exigências de prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na  de advertência contra a prática de novas infracções. 
A função da socialização é um dos vectores mais relevantes da prevenção especial, embora tal prevenção especial só seja relevante se o agente se revelar carecido de socialização. Caso  não se verifique, no caso concreto, esta necessidade de socialização, a pena terá, em termos de prevenção especial, uma função de mera advertência do agente, o que permitirá que a pena desça até ao limite mínimo da defesa do ordenamento jurídico.
No que diz respeito às exigências de prevenção geral, elas têm a ver com  a necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelos ilícitos que estão em causa na condenação, através da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e no reforço da validade das normas que foram violadas,  que “… justifica que «se fale de uma moldura de prevenção», pois que a prevenção, tendencialmente «proporcional à gravidade do facto ilícito», «não pode ser alcançada numa medida exacta»; «uma vez que a gravidade do facto ilícito  é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade», «a satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite  (máximo) definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas, que constituirá do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade»…” (cfr. AC. STJ, 6/07/06, Pº 1921/06).
Mas quer estejam em causa as exigências de prevenção especial, quer estejam em causa as exigências de prevenção especial, o direito penal e o seu exercício pelo Estado, fundamentam-se na necessidade de o Estado subtrair à disponibilidade e autonomia de cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensáveis ao funcionamento da sociedade. Preservar os bens jurídicos essenciais, afectar na menor medida possível, a livre realização de cada um como indivíduo e membro da sociedade.  
5.2. Assim, face ao que antecede, dizemos que genericamente, quanto às exigências de prevenção geral relativamente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, praticados em menores, elas são acentuadas.
Vivemos num contexto em que a prática destes ilícitos é particularmente sentida na sociedade, há uma  crescente sensibilidade da sociedade em relação a estes ilícitos, mas também uma crescente necessidade de protecção dos jovens em relação a estes actos, tendo em conta as consequências de tais condutas no sentimento de segurança das crianças e da comunidade.
Quanto às  exigências de prevenção especial, em relação a cada um dos arguidos, vejamos:(…)
Arguido E
Relativamente ao arguido E, e tendo presente premissas semelhantes, importa ter em conta que a respectiva culpa apresenta-se em elevado grau desde logo pela especial censurabilidade em cada ilícito, assente também nas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos, mormente tendo em conta o manifesto aproveitamento das especiais condições de vulnerabilidade das vítimas (tenha-se em conta, a este último propósito, o exemplo de AK)
Também quanto a este arguido a dimensão global da ilicitude é intensa, sendo grande o alarme e insegurança social que este tipo de crimes apresenta, desde logo atentas as repercussões na vida das vítimas.
O dolo foi directo.
A sua postura em julgamento não foi colaborante,  revelando ausência de arrependimento e/ou interiorização da ilicitude da sua conduta, o que não se confunde com a sua alegada homossexualidade, precisamente por estarem em causa realidades bem diversas, o que sempre foi tido em conta por este Tribunal.
A favor do arguido E temos apenas a sua integração social e económica, que, de qualquer forma, não foi suficiente para justificar uma mudança da sua parte, mas antes facilitando a prática dos ilícitos por si cometidos.
A falta de antecedentes criminais, atenta a natureza dos crimes, não afasta de igual modo quanto a si as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se justificam.(…)
Por tudo isto, ponderando as exigências de prevenção geral  e as exigências de prevenção especial  -  que  relevam em relação a cada um dos arguidos na medida que acabámos de assinalar  -, e face à moldura penal   dos ilícitos pelos quais cumpre condenar cada um dos arguidos, o Tribunal  entende adequadas as seguintes penas:(…)
Em relação ao arguido E:
1. (Com referência  ao capítulo 4.2.1, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AK:
           a) 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses  de prisão, pela prática de cada um dos 2 (dois) crimes p.p. 172º, nº 1 e  2,  do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98) em que o arguido foi condenado.     
b) 2 (dois) anos de prisão, pela prática de 1(um) crime p.p. 175º, nº 1, do C.Penal, na versão introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/09.
 (…)
De acordo com o dis(...) no artº 77, nº1, do C. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena.   
Atento os critérios estabelecidos no artº 77º, do C. Penal e considerando, em conjunto, os factos e  a personalidade dos arguidos, nomeadamente:
(…)
Quanto ao arguido E, o seu  percurso de vida profissional, com inserção social, tem-se  como ajustada  a pena unitária de  6 (seis) anos e 8 (oito) meses  de  prisão.” (fim de transcrição).
Comecemos por apreciar se o recorrente tem razão na sua pretensão de atenuação especial das penas parcelares.
Nos termos do n.º 1 do art. 72.º do CP “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
O n.º 2, por seu turno, elenca várias circunstâncias em diversas alíneas, que podem fundamentar a atenuação especial da pena subordinada aos pressu(...)s referidos no n.º 1, não sendo essa indicação exaustiva ("são consideradas, entre outras..."), mas meramente exemplificativa.
Nessa elencagem exemplificativa constam as seguintes circunstâncias:
“a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.”
No caso concreto do arguido E as três primeiras hipóteses estão liminarmente afastadas, mas não a última (a contida na al. d) do n.º 2 daquele art. 72.º), precisamente aquela com base na qual o recorrente pretende beneficiar de atenuação especial das penas.
O art. 72.°, n.º 2, al. d), do CP, aponta para a atenuação especial com base no decurso de muito tempo, já que o tempo arrasta necessariamente o diluir da força punitiva (veja-se, a este propósito, Germano Marques da Silva, "Direito Penal Português", III, 147).
Decorreram mais de doze anos sobre os factos ilícitos perpetrados pelo arguido E. Passou, assim, muito tempo sobre a prática dos crimes porque vai condenado e nada consta no sentido de que desde então o recorrente não tenha mantido boa conduta.
Como se expendeu a propósito da atenuação especial da pena no acórdão do STJ de 3 de Julho de 2008, relatado pelo Exmº Conselheiro Rodrigues da Costa, proferido no proc. 08P1226 e consultável in www.dgsi.pt:
“Ideia-base deste instituto é a de que a atenuação especial da pena funciona como válvula de segurança (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 302). Significa ela que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena - casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. Em tais hipóteses, porém, a atenuação especial é obrigatória - o tribunal atenua, diz a lei, após a revisão de 1995 - segundo um critério de discricionaridade vinculada e não dependente do livre arbítrio do tribunal. Certo é que, nessa perspectiva, o facto tem de revestir uma tal fisionomia que se possa dizer, face à imagem especialmente atenuada que dele se colha, que encaixá-lo na moldura penal prevista para a realização do tipo seria uma violência.
Por outras palavras, sendo as molduras penais correspondentes aos diversos tipos de crime pensadas para, dentro de uma latitude suficientemente ampla, nelas caber a vasta gama de situações que a vida real nos oferece, desde as mais simples às mais complexas, por vezes sucede que uma dada situação, por excepcional, não se amolda a nenhuma das gradações comportáveis pela moldura penal, nomeadamente quando o caso reveste uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena. Para esses casos é que foi concebida uma moldura penal especialmente atenuada, que actua sobre a moldura penal abstracta cabível aos diversos tipos de crime.
A jurisprudência deste STJ vai exactamente nesse sentido, apontando-se como exemplo entre muitos outros que definem a constância da jurisprudência neste aspecto, o seguinte:
A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos "normais", "vulgares" ou "comuns", "lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios" (Acórdão do STJ de 17/10/2002 (JusNet 5748/2002), relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira e sumariado no Boletim de ACS. do STJ de Outubro de 2002).” (fim de transcrição).
E no mesmo sentido se pronunciou aquele STJ no seu acórdão de 3 de Novembro de 2010,  relatado pelo Exmº Conselheiro Oliveira Mendes, proferido no proc. 60/09.9JAAVR.C1.S1 e consultável in www.dgsi.pt:
“O instituto da atenuação especial da pena, como o próprio denominativo sugere, tem em vista casos especiais expressamente previstos na lei, bem como, em geral, situações em que ocorrem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – artigo 72º, n.º 1, do Código Penal.
Pressu(...) material da atenuação especial da pena é, pois, a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 306/307). Por isso, como defende aquele insigne penalista, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar.
Trata-se assim de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excepcionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respectivo crime, ou seja, a situações em que se mostra quebrada a relação/equivalência entre o facto cometido e a pena para o mesmo estabelecida, consabido que entre o crime e a pena há (deve haver) uma equivalência (veja-se Francesco Carnelutti, El Problema de La Pena, 32/36).” (fim de transcrição).
Ora, no caso sub judice, não há, a nosso ver, diminuição acentuada da culpa e da ilicitude ou das exigências de prevenção.
A fisionomia dos factos, tal como resultam da materialidade provada, reflecte uma censura agravada e denota características destoantes de personalidade, sendo essa constatação incompatível com o considerar-se os factos por si (recorrente E) praticados como oferecendo uma imagem global especialmente atenuada.
O dolo com que o arguido E agiu foi intenso, tendo havido reiteração da conduta. A ilicitude, por sua vez, oferece características de acentuada gravidade, não só pelo desvalor dos actos em si, como pelas consequências a que deu azo, afectando a vida do assistente.
No caso vertente é patente não estarmos perante um caso extraordinário ou excepcional, concretamente no que concerne ao grau da ilicitude do facto, à intensidade da culpa ou à (des)necessidade da pena. Ao invés, estamos face a situação em que a ilicitude do facto e a culpa são muito elevadas, (...) que o recorrente E abusou e fez abusar sexualmente um menor de 11-12 anos de idade, com dolo directo, sendo acentuada a necessidade da pena, mormente a que resulta das acrescidas exigências de prevenção.
A nota mais percuciente que o recorrente refere, na mira da atenuação especial, é o tempo decorrido, visto que os factos se reportam a 1998-1999, mantendo desde então boa conduta. Todavia, as exigências de prevenção mantêm-se com acentuado vigor, não fazendo esbater de forma acentuada quer a culpa/ilicitude, quer a necessidade das penas. Os factos praticados conservam, a esta distância, uma imagem de gravidade assinalável, continuando a produzir efeitos sobremaneira deletérios na vida do assistente (a reconhecida vitimização que o arrastar do processo vem provocando no ofendido AK não é despicienda) e reclamando da comunidade uma resposta adequada a tal representação.
Acrescente-se que se é certo que a data mais recente da prática dos abusos que lhe dizem respeito se situa no Verão de 1999, pouco releva ter sido porventura irrepreensível o seu comportamento entre 2002 (início deste processo) e 2010 (leitura do acórdão recorrido), já que esteve preso preventivamente entre 20 de Maio e 20 de Dezembro de 2003 [vd. Auto de Interrogatório de fls. 4519; Mandado de Condução à cadeia a fls. 4575; Mandado de Libertação a fls. 12918 (por decisão do TRL em 17/12/2003 a fim de ser sujeito a novo interrogatório TRL);  Mandado de Detenção a fls. 12920 (TIC) para novo interrogatório – 17/12/2003;  Autos de Interrogatório a fls. 12924 a 12932, 12941 a 12944, 13017 a 13032 e 13035 a 13053  – 17/12/2003, 18/12/2003, 19/12/2003 e 20/12/2003; Mandados de Condução à cadeia a fls. 12934, 12947, 13034 e 13234 – 18/12/2003, 19/12/2003 e 20/12/2003] e posteriormente à sua libertação e sujeição a medidas de coacção não detentivas, esteve sob os olhos atentos da polícia, dos media e comunidade em geral, para quem deixou de ser personagem anónimo, pelo que podendo ainda assim delinquir seria pouco provável que tivesse condições para o fazer de forma despercebida e passando incólume, o que só por si seria seriamente desmotivador e fortemente dissuasor.
Contudo, sempre se dirá que o tempo já decorrido terá alguma influência ao nível de determinação concreta da medida das penas, dentro da moldura penal normal. Não nos parecendo que o Tribunal a quo tenha subvalorizado o tempo já decorrido desde os factos, ao que se soma, por força de vicissitudes processuais, parcialmente alheias ao ora recorrente, a circunstância do caso (leia-se processo-crime) já se arrastar há mais de 9 anos.
A juntar a isto, releva também a ausência de antecedentes criminais, a idade do arguido ao tempo dos factos (62-63 anos de idade, contando actualmente 76 anos de idade), a sua inserção social, mas não já o arrependimento, que se não provou.
Por todo o ex(...), a atenuação especial está fora de causa.
Apreciemos, seguidamente, se o recorrente tem razão na sua pretensão de que o Colectivo a quo julgou verificadas culpa e ilicitude elevadas, quando as devia ter considerado quase mínimas, e bem assim da justeza das penas aplicadas ao arguido E.
No tocante à fundamentação da medida das penas parcelares e da pena unitária, em termos de considerações gerais sobre os fins das penas e sobre os critérios legais a adoptar para a fixação das penas concretas, por considerarmos desnecessária a repetição daquelas que acima formulámos relativamente ao arguido C, que são ajustadas e aplicáveis ao arguido E, remetemos para tudo quanto ali dissemos, dispensando-nos de as reescrever.
No entanto, não se deixará de avançar aqui e agora com reforçados argumentos.
Comecemos pelas penas parcelares.
Como se expendeu no acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 2008, relatado pelo Exmº Conselheiro Henriques Gaspar, proferido no proc. 07P4565 e consultável in www.dgsi.pt:
“Dispõe o artigo 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, pois, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente.” (fim de transcrição).
Por seu turno, como se expendeu no acórdão do STJ de 23 Junho de 2010, prolatado pelos Exmºs Conselheiros Fernando Fróis (relator) e Henriques Gaspar, proferido no proc. 1/07.8ZCLSB.L1.S1 e consultável in www.jusnet.pt e www.dgsi.pt:
“...Conforme lição do Eminente Professor Doutor Figueiredo Dias, "apud" Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, a págs. 213 e segs, a culpa e a prevenção são os dois elementos do binómio com que se determina a medida concreta da pena, sendo o processo dessa determinação resultante da posição do ordenamento jurídico sobre o sentido e fins das penas
A prevenção atende às necessidades da comunidade social da punição do caso concreto nas quais assume especial relevância o reforço da consciência jurídica e o sentimento e segurança da mesma comunidade na validade e vigência da norma da norma penal violada (o que se chama prevenção geral positiva ou de integração).
A culpa, por seu turno, como juízo de censura quer referido ao facto quer à personalidade do agente, é o elemento pessoal do crime inultrapassável pelas exigências de prevenção em virtude do respeito que deve merecer a dignidade da pessoa humana.
A finalidade da aplicação de uma pena é primordialmente a tutela dos bens jurídico criminais e na medida possível a reinserção do agente na comunidade (cfr art. 40, nº 1 do Código Penal).
Daí que a medida da pena corresponda à medida da necessidade prospectiva, virada para o futuro, de tutela no caso concreto dos bens jurídicos criminais violados, no sentido da prevenção geral positiva ou de integração de que decorre o principio politico criminal básico da própria necessidade da pena consagrado no art. 18, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, em que a pena figura como “estabilização contrafatica das expectativas comunitárias na validade da norma violada.”.
E a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos não é um acto de valoração abstracto, mas um acto de valoração concreto realizado pelo julgador à luz das circunstâncias do caso, abrangendo quer elementos externos quer elementos directamente atinentes ao facto ou ainda ao agente.
A verdadeira função da medida da culpa reside numa incondicional proibição de excesso no sentido atrás assinalado de ser um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, quer preventiva geral positiva ou de integração quer preventiva geral negativa ou de intimidação, quer ainda, relativamente ao delinquente, de prevenção especial positiva (reintegração social) ou de prevenção especial negativa (segurança e neutralização).
A medida da pena, assim limitada pela medida da culpa, vem a ser em ultimo termo determinada em função da prevenção especial de reintegração social do delinquente, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima da protecção dos bens jurídicos, mas sem se perder de vista a defesa do ordenamento jurídico em face da necessidade de tutela dos bens jurídicos criminais e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, acima referidas, que se impõe atender na fixação do limite mínimo da pena aplicável.
Hans Heinrich Jescheck, "apud" Tratado de Derecho Penal, pág. 92 e segs, ensina também que o ponto de referência da retribuição reside na culpabilidade e o da prevenção na perigosidade que radica na pessoa do delinquente e em sentido geral na disposição constitucional de todo o ser humano de cometer crimes.
A retribuição nada tem a ver com vingança, com escuros sentimentos de ódio ou com instintos agressivos reprimidos da sociedade: a retribuição é um princípio proporcional. De acordo com a ideia de retribuição, o delito cometido é causa e medida da pena que, por sua vez, é a resposta ao delito e deve adaptar-se ao grau de injusto e de culpabilidade, i.e, adequar-se à sua natureza e gravidade (principio da culpabilidade).
A ideia de retribuição apoia-se em três pressu(...)s imanentes: o primeiro é que a faculdade do Estado de dar ao culpado o que merece, só pode justificar-se se se reconhecer a superioridade moral da comunidade sobre o delinquente; o segundo pressu(...) da retribuição é que exista culpabilidade e que esta possa ser graduada de acordo com a sua gravidade; a ideia de retribuição supõe em terceiro lugar que, em principio, é possível conciliar a gravidade da culpabilidade e a medida da pena de tal forma que a condenação se sinta merecida tanto pelo delinquente como pela comunidade. Da retribuição deve distinguir-se a expiação que reside na contribuição pessoal e moral do condenado o qual confirma a necessidade da pena e lhe devolve a liberdade moral.
A ideia de prevenção conduz a soluções opostas às da retribuição: o que interessa é a perigosidade do agente e a disposição criminal latente na comunidade. O delinquente não recebe o que merece por sua culpabilidade, mas o que necessita para a sua ressocialização. Segundo a ideia de prevenção a pena é um meio para prevenir futuros crimes. O delito não é causa, senão o motivo do castigo, evidenciando que a intervenção do Estado é necessária porque existem sintomas de um estado perigoso. Igualmente a ideia de prevenção, não a de gravidade da culpabilidade, determina a espécie e medida da pena.
Do mesmo modo que a retribuição, também a prevenção parte de três pressu(...)s imanentes: o primeiro é a possibilidade de poder fazer com suficiente segurança um prognóstico do comportamento humano futuro; o segundo é que a pena se adeqúe à perigosidade com tal exactidão que possa aparecer pelo menos como provável o resultado preventivo; o terceiro é que através dos elementos de intimidação, correcção e segurança que existem na pena e especialmente através do labor sociopedagogico durante a execução da pena, possa ser combatida a tendência para a criminalidade que há não só nos jovens como também nos adultos.
Também a prevenção necessita para se justificar da certeza de que o Estado está legitimado para adaptar, através da coacção penal, os delinquentes perigosos aos modelos de comportamento dominantes na sociedade. A eficácia preventiva da pena pode ser dupla.
Assim, quando o resultado da prevenção incide na totalidade dos cidadãos, fala-se em prevenção geral.
E enquanto a prevenção geral aspira a prevenir o delito na comunidade, a prevenção especial ou individual dirige-se ao próprio condenado, que, através da lição que recebe com a pena, deve desviar-se de futuros erros e educar-se para que se adapte às ideias sociais dominantes na comunidade.
Retribuição e prevenção não são pólos o(...)s irreconciliáveis. È possível uma unificação de maneira que a pena não se esgote certamente em si mesma, senão que se comine e aplique com o fim de proteger a sociedade de futuros delitos, mas de maneira que também sirva para compensar a culpabilidade pelo delito cometido buscando alcançar o resultado preventivo de forma justa. A pena justa tem que cumprir deste modo uma função preventiva e reeducativa na comunidade, enquanto tem uma força configuradora dos costumes, e no condenado, enquanto princípio proporcional que apela ao seu sentido de responsabilidade.” (fim de transcrição).
No que ora importa apreciar, a moldura penal abstracta prevista para o crime do art. 172.º do CP era de prisão de 3 a 10 anos e para o crime do art. 175.º do CP de prisão de 6 meses a 5 anos.
In casu a medida concreta das penas parcelares encontrada para o arguido é adequada e proporcional à satisfação das exigências propostas no citado art. 40.º, n.º 1, do CP, pelo que acolhemos inteiramente a fundamentação que consta no acórdão recorrido.
Com efeito, as penas parcelares aplicadas ao arguido E, relativamente aos crimes de abuso sexual de crianças, estão situadas abaixo do ponto médio da moldura abstracta, o mesmo acontecendo com a pena aplicada no crime de lenocínio. O Tribunal a quo, longe de aplicar penas muito severas, foi ponderado, não nos merecendo quaisquer críticas as penas parcelares fixadas, que, sem ultrapassarem a medida da culpa, são suficientes para salvaguardar as exigências preventivas, afigurando-se justas, adequadas e proporcionais, não se justificando, assim, nem a sua diminuição nem o seu agravamento.
Termos em que, se confirma a condenação (com referência ao capítulo 4.2.1, do despacho de pronúncia) pela prática, na pessoa de AK, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças p. e p. no art. 172.º, n.ºs 1 e 2,  do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei n.º 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para cada um dos crimes e de 1 (um) crime de lenocínio p. e p. no art. 175.º, n.º 1, do CP, na versão introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/09, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Passemos a apreciar o quantum da pena única
Estabelece o art. 77.º, n.º 1, do CP, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro:
"Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
E dispõe o n.º 2, que "A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes."
O art. 71.º, n.º 2, do CP enumera uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Tais parâmetros têm também inequívoco assento na punição do concurso de crimes, prevista no art. 77.º do CP.
Como se expendeu no sumário do acórdão do STJ de 31 de Março de 2011, relatado pelo Exmº Conselheiro Raul Borges, proferido no proc. 169/09.9SYLSB.S1 e consultável in www.dgsi.pt:
“VIII - Na consideração dos factos (rectius, do conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em efectivo concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto dos crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, total, globalizado, apenas a final considerado, que deve ter em conta a existência, ou não, de ligações, conexões, ou pontos de contacto, entre as diversas actuações, e, na afirmativa, o tipo de ligação, conexão, ou contacto, que se verifique entre os factos em concurso, quer pela proximidade temporal, independentemente de o serem em série, ou não, ou mesmo em panorama temporal descompassado, se ainda é possível estabelecer alguma corrente de continuidade, interrompida embora, quer na identidade ou proximidade de bens jurídicos violados, quer no objectivo pretendido (...) – cf. Acs. do STJ, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, Proc. n.º 1613/06 - 5.ª; de 07-12-2006, Proc. n.º 3191/06 - 5.ª; de 20-12-2006, Proc. n.º 3379/06 - 3.ª; de 18-04-2007, Proc. n.º 1032/07 - 3.ª; de 03-10-2007, Proc. n.º 2576/07 - 3.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, Procs. n.º s 129/08 - 3.ª e 3991/07 - 3.ª, CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, Proc. n.º 2428/07 - 5.ª; de 13-03-2008, Proc. n.º 1016/07 - 5.ª; de 02-04-2008, Procs. n.º s 302/08 - 3.ª e 427/08 - 3.ª; de 09-04-2008, Proc. n.º 1011/08 - 5.ª; de 07-05-2008, Proc. n.º 294/08 - 3.ª; de 21-05-2008, Proc. n.º 414/08 - 5.ª; de 04-06-2008, Proc. n.º 1305/08 - 3.ª; de 25-09-2008, Proc. n.º 2891/08 - 3.ª; de 29-10-2008, Proc. n.º 1309/07 - 3.ª; de 27-01-2009, Proc. n.º 4032/08 - 3.ª; de 29-04-2009, Proc. n.º 391/09 - 3.ª; de 14-05-2009, Proc. n.º 170/04.9PBVCT.S1 - 3.ª; de 27-05-2009, Proc. n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 577/06.7PCMTS.S1 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 8523/06.1TDLSB - 3.ª; de 25-06-2009, Proc. n.º 274/07 - 3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, Proc. n.º 360/08.5GEPTM.S1 - 3.ª; de 04-11-2009, Proc. n.º 296/08.0SYLSB.S1 - 3.ª; de 18-11-2009, Proc. n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1 - 3.ª; de 25-11-2009, Proc. n.º 490/07.0TAVVD - 3.ª; de 10-12-2009, Proc. n.º 496/08. 2GTABF.E1.S1 - 3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, Proc. n.º 862/04.2PBMAI.S1 - 5.ª).
IX - Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
X - Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71.º do CP – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 01-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no art. 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo art. 77.º, n.º 1, do CP – o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
XI - Como se refere no Ac. do STJ de 10-09-2009, Proc. n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1 - 5.ª, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.” Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.
XII - As penas conjuntas visam corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.” (fim de transcrição).
Releva aqui o que igualmente se expendeu no supracitado acórdão do STJ de 23 Junho de 2010 (proferido no proc. 1/07.8ZCLSB.L1.S1):
“A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente.
Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal.
Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Explicita o Autor que, na busca da pena do concurso, "Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta".
E acrescenta que "de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)".
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso (neste sentido, acórdãos do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.ºs 129/08-3ª e 3991/07-3ª CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 - 5ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 - 5ª; de 02-04-2008, processos n.ºs 302/08-3ª e 427/08-3ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 - 5ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 - 3ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 - 5ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 - 3ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3ª) - cfr. Ac. STJ in Processo nº 8523.06.1, desta 3ª Secção supra citado e que vimos seguindo de perto.
A moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, e como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.(…)
Como refere Figueiredo Dias (As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 420), "a pena única tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como "guias" na fixação da pena do concurso.
A sua fixação - tal como resulta da lei - não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto de factos e a sua personalidade "como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado" (Figueiredo Dias, cit, pág. 290-292)." (fim de transcrição).
Segundo os critérios do art. 77.º do CP, ao efectuar-se o cúmulo jurídico, a pena única aplicável ao arguido E tinha como limite mínimo 4 anos e 6 meses de prisão – a pena parcelar mais elevada - e, como limite máximo, 11 anos de prisão – a soma material das três penas parcelares concretamente aplicadas.
Os crimes apurados são graves e causam pela sua índole e natureza, grande alarme social e intranquilidade pública.
A actividade desenvolvida pelo arguido E, bem espelhada na matéria que ficou provada, reflecte uma assinalável ausência de valores éticos e sociais no tocante à sexualidade das crianças. Configura uma clara violação da dignidade humana, da integridade moral e física da pessoa humana, num estado precoce do seu desenvolvimento (o ofendido era um pré-adolescente com 11-12 anos de idade), por isso, obstáculo à livre realização da respectiva personalidade, valores constitucionalmente protegidos – arts. 25.º e 26.º da CRP.
As consequências nefastas para a vítima são mais que evidentes, quer no que respeita à integração desta na sociedade, como ser humano digno, quer no que respeita à própria auto-estima e formação da personalidade.
Acresce que, como resulta dos autos e o acórdão recorrido disso deu conta (vd. págs. 738 e 739), o arguido E, já com a categoria de  (…), foi, entre 1/7/1996 e 3/1/2001, Representante (…) junto da (…) ((…)), em (…). Sucede que, acrescentamos agora nós, no escopo da (…) figuram, entre outras, as questões relativas à infância e juventude e à protecção dos respectivos direitos humanos, incluindo as atinentes à sua violação nos casos  específicos de abuso sexual de crianças e pedofilia. Tais questões são e já eram tratadas na (…) à época em que ali o recorrente E exerceu funções, como é público e notório bastando para tanto consultar a respectiva página na internet – in www. (…).org – e os documentos nela disponíveis. Assim, por via do seu desempenho profissional enquanto (…) naquela específica organização (…), afigura-se-nos que não podia deixar de desconhecer este recorrente da problemática dos abusos sexuais de crianças, das preocupações das instâncias internacionais neste domínio e do quadro de implicações nefastas que tais abusos acarretam no desenvolvimento dos menores.
Este tipo de crimes de índole sexual contra crianças e jovens contende com os valores mais altos de uma sociedade civilizada, violando, reitera-se, o quadro de valores constitucional e internacionalmente consagrados.
São, assim, elevadíssimas as necessidades de prevenção geral.
Também são muito elevadas as necessidades de prevenção especial.
Estamos perante condutas que pela sua persistência no tempo e total falta de assumpção de responsabilidade até ao final da audiência, revelam culpa acentuada.
Quanto à ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, sendo diversos os bens tutelados (os crimes em causa, de lenocínio de menores e abuso sexual de crianças, contendem com os mais altos valores de uma sociedade civilizada), será de considerar como elevada, tendo em atenção a natureza e o modo de execução dos factos.
Quanto à modalidade de dolo, o arguido/recorrente agiu com dolo directo e intenso.
Pelo ex(...), bem andou o Colectivo a quo ao julgar verificadas culpa e ilicitude elevadas.
Na avaliação da personalidade do arguido/recorrente, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, e que, à data da prática dos factos tinha 62/63 anos de idade, contando o arguido actualmente 76 anos de idade.
No que toca às necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, dúvidas não há de que são elevadíssimas: os crimes em questão contendem com os mais altos valores de qualquer sociedade civilizada e o arguido/ recorrente carece de socialização neste domínio (abuso sexual de crianças).
Atento tudo o que se deixou dito, é óbvio que na pena única a aplicar, terá de relevar a medida de cada uma das penas concretas aplicadas por cada um dos crimes de abuso sexual de crianças e lenocínio de menores.
O arguido E agiu com culpa intensa, revestindo o dolo a modalidade de dolo directo, e a ilicitude da conduta é elevada, tendo especialmente em conta o conhecimento que este arguido tinha das particulares condições de debilidade económica e de vulnerabilidade do assistente AK.
Por outro lado, o recorrente E não foi colaborante, não assumiu os factos, não tendo, consequentemente, mostrado qualquer arrependimento.
Em qualquer das situações sob análise, evidenciam-se, do nosso ponto de vista, a par de fortes necessidades de prevenção especial, reportadas a firmes exigências de emenda cívica, elevadíssimas necessidades de prevenção geral, dada a chocante disseminação de tais práticas sexuais contra crianças e a danosidade social que estes tipos de crimes acarretam. Crianças tantas vezes transformadas, sem escrúpulos, em meros instrumentos de satisfação libidinosa, atentando-se, assim, gravemente contra o basilar princípio da protecção da sua segurança e do direito das mesmas a desenvolverem-se harmoniosamente nos planos físico, psíquico e afectivo.
Como, e bem, se expendeu no Acórdão recorrido: "vivemos num contexto em que a prática destes ilícitos é particularmente sentida na sociedade, há uma crescente sensibilidade da sociedade em relação a estes ilícitos, mas também uma crescente necessidade de protecção dos jovens em relação a estes actos, tendo em conta as consequências de tais condutas no sentimento de segurança das crianças e da comunidade.".
Pelo ex(...), ponderados todos estes factores e tendo em conta as diversas descritas circunstâncias, a avaliação conjunta dos factos praticados, a personalidade do arguido e a sua situação pessoal (o arguido E tem formação académica superior, (…), tendo rendimento mensal no valor de € 3.045,00 e despesas mensais no valor de € 1.200,00, não tem antecedentes criminais registados e é estimado e considerado pelos seus amigos - vd. factos provados sob 169.7. a 169.7.3.), igualmente sopesadas as exigências de prevenção geral, particularmente fortes neste domínio, bem como de prevenção especial, leva-nos a considerar adequada a pena única fixada, em cúmulo jurídico, pelo Tribunal a quo, de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, a qual se mantém.
Suspensão da execução da pena
Finalmente, nas suas conclusões de recurso 219.ª e 220.ª, alega e peticiona o recorrente E o seguinte:
“- Resulta do alegado, do que o acórdão recorrido revela quanto à personalidade do recorrente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior e também de já ter sofrido prisão preventiva há 6/7 anos, que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
- Por isso e nos termos do dis(...) no artº 50º do CP, na redacção actual, porque eventualmente mais favorável, deve ser suspensa a execução da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas a que o recorrente possa vir a ser condenado, condenação que só por cautela de patrocínio se considera.” (fim de transcrição).
De acordo com o dis(...) no art. 50.°, n.° l, do CP, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que é suficiente às finalidades da punição”.
Para que a suspensão da execução da pena de prisão possa ser determinada   têm, assim, de verificar-se os pressu(...)s formais e materiais indicados neste preceito.
Como pressu(...) formal temos que a medida da pena de prisão não seja superior a 5 anos.
Como pressu(...) material o tribunal deve atender à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, concluindo por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido: que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.
Assim, não se tendo reduzido a pena única em que o arguido E foi condenado a 5 anos de prisão, ou a duração inferior a esta, não podemos lançar mão do instituto da suspensão da sua execução, nem tão-pouco importa proceder à ponderação, incluindo do necessário juízo de prognose positiva, sobre a sua aplicabilidade, que nos está liminarmente vedada, por não se mostrar sequer preenchido o requisito formal (temporal de duração da pena concreta) estabelecido no art. 50.º, n.º 1, do CP, para que tal suspensão possa ocorrer.
Pelo ex(...), improcedem, também nesta parte (medida das penas parcelares e unitária), os recursos do arguido E e do Ministério Público.
j) - Será excessivo e não fundamentado o valor da indemnização ao assistente AK em cujo pagamento foi o recorrente E condenado?
O arguido/demandado E foi condenado na decisão recorrida, com o que se não conforma, a pagar ao assistente/demandante AK, a título de indemnização por danos morais, o montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
Recorde-se que o demandado E, ora recorrente, a este propósito alega o seguinte: “Sem referência a danos provados nem a fundamentos quanto ao valor, o recorrente foi condenado (fls 68113) “a pagar ao demandante AK o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais”. “Que o recorrente se tenha apercebido, foi considerado provado, quanto a danos sofridos, apenas, a fls 66634, que “170.11 Em consequência dos actos praticados no assistente AK, este teve medos, temores”. “Não estando referenciado o grau dos medos, temores, a equidade a que o artº 496º-3 do C. Civil manda atender, impõe que a indemnização seja fixada em valor relativamente simbólico não superior a cinco mil euros.” “O Tribunal violou esta norma do artº 496º-3 do C. Civil, aplicando-a como se, face aos factos provados, a equidade impusesse uma indemnização de valor superior a mais de três anos e meio de salário mínimo, entendendo o recorrente que devia tê-la aplicado no sentido de indemnização relativamente simbólica. (cf. suas conclusões de recurso 221.ª a 224.ª)
Face ao expendido, suscita o recorrente, em síntese, duas questões: em primeiro lugar a ausência de referência no acórdão recorrido aos danos provados e, em segundo lugar, o quantum indemnizatório que entende, por um lado, não fundamentado e, por outro lado, excessivo.
Atentemos.
Contrariamente ao que pretende o recorrente, na decisão revidenda não se provou tão-só o que consta em 170.11. dos factos dados por assentes, mas também muitos outros, mormente os que constam de 105. a 105.37., designadamente que "AK nasceu a (…), ingressou como aluno da AX em 20.7.93 e no regime de internato em 9/3/95, tendo sido colocado no CW, do DT. Nessa data, foi também admitido como aluno interno o seu irmão CC, dois anos mais velho. A sua família, composta pelos pais e vários irmãos tinha grandes dificuldades económicas, agravadas pelos hábitos alcoólicos do pai. O problema de alcoolismo do progenitor reflectia-se no ambiente familiar. Eram frequentes as discussões e agressões mútuas entre os pais e as agressões aos menores pelo pai, quando estava sob o efeito do álcool.  AK pedia  esmola na (...) e apresentava sinais de subnutrição, negligência, falta de higiene e saúde debilitada. Por decisão do Tribunal de Menores e Família (…) de 2.3.95 o AK foi confiado à guarda e aos cuidados da AX. O menor passava a maior parte do tempo no Lar, só visitando os pais uma vez por mês, até que, em 1998, passou a visitá-los mais ou menos de 15 em 15 dias. No ano de 1998 o pai do menor adoeceu gravemente, vindo a falecer em Dezembro desse ano. As dificuldades económicas da família agravaram-se, motivo pelo qual o AK, aos fins de semana, quando se encontrava em casa, ia com frequência arrumar carros, na companhia dos seus irmãos CC e BY, nomeadamente para a zona do (…), no (…),(…). Num fim de semana, em concreto não determinado, dos meses de Outubro ou Novembro de 1998, durante a tarde, o arguido E, conduzindo um veículo automóvel, passou por aquela zona, abordando o CC a quem convidou para que fosse a sua casa com os irmãos. O arguido E já conhecia o CC e o BY, estando a par das precárias condições económicas da família. Em data não concretamente apurada, numa sexta feira ou num sábado à noite, situado  entre 12/12/98 e Janeiro de 1999, inclusive, tinha o AK completado 12 anos de idade,  foi, com os seus irmãos, com o arguido E e com um indivíduo de nome DUs, jantar a um restaurante chinês localizado em (…). Terminado o jantar o arguido E foi com DU, com o AK e os irmãos deste BY e CC, para um andar situado num prédio localizado na (...) (…), em (…), com número de porta não concretamente apurado, mas localizado na lateral da (...) (…), onde se situam os números impares. No interior desta o arguido E dirigiu-se ao AK e disse-lhe para o acompanhar a um quarto pois “tinha uma coisa que lhe queria mostrar”, que os seus irmãos já tinham visto. Já nesse quarto sentou-se na cama junto do AK e começou a acariciar-lhe os ombros, costas e pernas. Depois, o arguido E empurrou a cabeça do menor na direcção da sua braguilha. O arguido E disse a AK que podia ajudar a sua mãe. Enquanto falava, o arguido E, abriu a braguilha e segurou novamente a cabeça do AK na direcção desta, tendo introduzido, de seguida, o seu pénis na boca do menor. Depois o arguido baixou as calças, disse ao menor para baixar as dele, virou o AK de costas para si e o arguido introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor. Em dia não concretamente apurado, mas situado entre Abril e Julho de 1999, a uma sexta-feira, o AK foi, na companhia dos irmãos, a uma casa sita na Av. (…), em (…), perto da zona da (…), local onde o arguido E se encontrava quando o AK aí foi. No interior dessa casa, encontravam-se quatro adultos do sexo masculino, sendo um o arguido E e outro o DUs que o AK já tinha visto nas circunstâncias acima referidas. O arguido E foi com o AK para um quarto, sentaram-se na cama, tendo aquele começado logo a mexer no pénis do menor. Depois o arguido abriu a braguilha das calças do menor, retirou-lhe o pénis para fora e manipulou-lho, masturbando-o. Simultaneamente, o arguido E retirou também o seu pénis para fora e disse ao AK que lho manipulasse, o que este fez. De seguida, o arguido E e o AK despiram-se da cintura para baixo e o arguido introduziu o pénis do menor na sua boca, chupando-o. Também, o arguido E introduziu o seu pénis na boca do menor, tendo-o este chupado. Depois, o arguido E virou o AK de costas para si, dobrou-o para a frente e introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado. Em dia não concretamente apurado, mas situado no período de férias escolares do Verão de 1999, quando o menor AK se dirigia à estação de comboios para ir visitar o seu avô a (…), foi abordado pelo arguido E, que passava pelo local, de carro. O arguido E disse ao AK que lhe dava boleia tendo o menor acedido, tendo acompanhado  este a uma (...) sita em (…). No interior da residência estavam vários adultos, de identidade não apurada e, pelo menos, quatro menores, alguns deles seus colegas na AX. Aí o menor AK foi abordado por um indivíduo de identidade não apurada, que o levou para um quarto onde manipulou o pénis do menor e o referido indivíduo introduziu o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o tendo friccionado. O arguido E, após a prática dos descritos actos, deu ao menor AK dinheiro em quantia não concretamente apurada e conduziu-o até à estação (…). O arguido E sabia que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos. Sabia, igualmente, que a idade desse menor o impedia de se decidir livremente e em consciência pela prática dos actos descritos de que foi vítima. O arguido tinha perfeito conhecimento de que os actos de natureza sexual a que submeteu o menor AK prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico e que influíam negativamente na formação da respectiva personalidade. Agiu de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que as condutas atrás descritas eram proibidas pela lei penal. Também quando abordou e levou, nas circunstâncias descritas, o menor AK a uma residência, em (…), à presença de vários adultos do sexo masculino,  o arguido tinha presente a idade do menor.  Sabia que, mercê da sua intervenção, o menor AK seria sujeito  a actos de índole sexual que incluíam coito anal, coito oral e actos de masturbação. Era ainda do conhecimento do arguido E que a sua conduta, era determinante e essencial para a concretização de tais actos de índole sexual.  O arguido conhecia a precária situação económica do menor e da sua família, bem sabendo que tal o tornava especialmente vulnerável. O arguido E agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal." (fim de transcrição) 
E ainda, relevante nesta sede, face ao que preceituam os arts. 496.º, n.º 3, e 494.º, do CC, foi dado por provado pela 1ª instância, sob os pontos 169.7. e 169.7.1., que: “O arguido E tem formação académica superior.” e “Está jubilado, tendo rendimento mensal no valor de 3.045 Euros e despesas mensais no valor de 1.200 Euros.”
Por seu turno, para justificar a condenação ora em apreço, expendeu-se no acórdão recorrido:
"1. Dispõe o artº 129º, do Código Penal, que “a indemnização por perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil”. Com efeito, o artº 483º, do Código Civil impõe aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 
Por sua vez, dispõe o artº 71º, do Código de Processo Penal, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”. (…)
Face ao artº 483º, do C.Civil,  só aquele que com dolo ou mera culpa praticar o acto ilícito fica obrigado a indemnizar. É pois necessária a constatação de um nexo psicológico entre o facto e o lesante e a possibilidade de exercer um juízo de censura jurídica sobre a pessoa que podia e devia ter agido de modo diferente e não o fez.
Se da prova se puder concluir que o lesante quis praticar o facto ou representou a sua realização como uma consequência previsível do seu comportamento e persistiu nele, terá actuado com dolo (configurado em termos de responsabilidade civil). Se, pelo contrário, apenas se puder concluir que o previu mas que, por desleixo ou inconsideração, confiou que não o alcançaria, ou que não representou sequer essa possibilidade mas foi imprevidente ou descuidado, terá actuado com mera culpa. A distinção não é irrelevante, dado que, por força do dis(...) no artigo 494º, do C.Civil, dela resulta, a final, o regime aplicável ao conteúdo do dever de indemnizar.
Nos termos do artigo 487º, nº 1, do C.Civil, a prova da culpa incumbe a quem se arroga com direito à indemnização, a menos que exista presunção legal de culpa.
Somente são indemnizáveis os danos sobrevindos do facto ilícito culposo, artigo 483º, do C.Civil e desses, apenas aqueles que não se teriam verificado sem o facto enquanto sua causa adequada - artigo 563º, do C.Civil.
Em sede de responsabilidade civil são indemnizáveis os danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade se mostrem merecedores de tutela jurídica - artigo 496º,  nº 1, do C.Civil -  e os danos de natureza patrimonial  - artigo 564º,  nº 1, do C.Civil. O artigo 566º,  nº 2, do C.Civil,  determina que a indemnização deve atender ao valor dos danos, à data mais recente que puder ser considerada. A indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, natureza de reparação, mais do que indemnização.
Passamos, então, a conhecer dos montantes pedidos pela Demandantes.
2. Atendendo aos factos que resultaram não provados, há que:
(…) d) Absolver o arguido/demandado E do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AU, AV, AN, AP e AT.
(…) Uma vez que não ocorre o nexo de causalidade entre danos que os Demandantes tenham sofrido e estes demandados, quanto às situações de factos, específicas, que sustentam tais pedido, mas em relação às quais tenha havido absolvição.
Sendo que, no caso concreto e tal como resulta da descrição dos factos no despacho de pronúncia, o cruzamento de factos pode levar a alguma dificuldade no apuramento da responsabilidade de indemnizar.
2.1. Mas, tendo por sua vez em atenção os factos que resultaram provados, a sua natureza e extensão, o dis(...) no artº 496º, nº 3 e 494º, do C. Civil, tendo em consideração a situação económica os demandados, há que:
(…) c) Condenar o arguido/Demandado E a pagar ao demandante AK o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais, absolvendo quanto ao demais pedido." (fim de transcrição
Face ao ex(...), falece razão ao recorrente quanto à alegada ausência de referência aos danos provados e quanto à invocada falta de fundamentação do quantum indemnizatório.
Vejamos agora se foi excessivo o quantum indemnizatório, justificando-se a sua redução de vinte e cinco mil euros para “valor relativamente simbólico não superior a cinco mil euros.” como requer o recorrente E.
Consagrou-se no acórdão do STJ de 7 de Junho de 2011, relatado pelo Exmº Conselheiro Granja da Fonseca, proferido no proc. 160/2002.P1.S1 e consultável in www.dgsi.pt, que:
“Resulta dos n.os 1 e 2 do artigo 496º do Código Civil que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal.
Manifestamente tal preceito legal não nos aponta quais os danos não patrimoniais, que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral para a sua determinação, qual seja, o da gravidade do dano.
Segundo Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Volume I, página 561), os danos não patrimoniais, como “as dores físicas, os desgostos morais, os vexames e os complexos de ordem estética” são prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação que uma indemnização.
Porém a equidade não é um critério material de decisão. É um critério formal. É a justiça do caso concreto. E por isso é que o artigo 496º, nº 3, por referência ao artigo 494º, manda atender ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso. A lei ao fornecer a equidade como critério decisor para determinar o montante da indemnização quis evitar o critério de decisão do ónus da prova. Assim, o lesado continua a ter que provar os factos que revelem a existência de danos e que permitam a sua avaliação segundo juízos de equidade (tem que provar o dano mas não o seu montante).
No que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…” (Ac. do STJ de 10/02/98, CJ, Tomo I, página 65).
Finalmente, entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas representar a quantia adequada a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro (Acs do STJ de 16/02/93, CJ, Tomo III, página 181; de 11/10/94, CJ, Tomo III, página 89 e de 13/01/2000, BMJ, 493º-354)” (fim de transcrição, sendo da nossa autoria os parêntesis com as referências bibliográficas, neles se contendo as que no texto constavam em notas de pé-de-página).
E igualmente se consagrou noutro acórdão do STJ da mesma data (7 de Junho de 2011), proferido no proc. 3042/06.9TBPNF.P1.S1, na esteira do prolatado em 5 de Novembro de 2009 no âmbito do proc. 381-2002.S1, ambos relatados pelo Exmº Conselheiro Lopes do Rego e consultáveis in www.dgsi.pt, que:
"Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos. (…) Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo (…) Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade." (fim de transcrição).
Convocamos ainda aqui o expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Outubro de 2009, relatado pelo Exmº Desembargador Paulo Guerra, proferido no proc. 302/06.2GAFZZ.C1 e consultável in www.jusnet.pt:
“(...) a doutrina e a jurisprudência, quase unanimemente, limitam a indemnização àqueles casos que tenham efectiva relevância ética e moral por ofenderem profundamente a personalidade física ou moral, designadamente as ofensas à honra, à reputação, à liberdade pessoal, às lesões corporais e de saúde, aos demais direitos de personalidade, etc (cfr Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, v.1, p.572; Ac. STJ de 12-10-73, BMJ, 230.º, 107; Ac. STJ de 26-6-91, BMJ 408.º, 538; Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, BMJ, 83.º, 69 sgs.), sendo ainda objecto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indirectamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos (Vaz Serra, RLJ, ano 105.º e 108.º, p 37 sgs. e 223; Ac STJ de 27-12-69, BMJ, 141.º, 331; Ac STJ de 22-11-78, BMJ, 204.º, 262).
Tem-se entendido que a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e tudo segundo critérios de equidade (cfr. A. Varela, ob. cit., pag 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, p. 115), devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais (Acs do STJ de 2-11-76, de 23-10-79, de 22-1-80, de 13-5-86, in BMJ 261.º-236, 290.º-390, 239.º-237, 357.º-399; Ac STJ, de 25-6-2002, CJ/STJ, ano X, t. II, p. 128) e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente (cfr. A. Varela, ob. cit., p. 529 e 534; Ac STJ de 26-6-91, BMJ, 408.º, 538).” (fim de transcrição).
Por ter respeitado tudo o que acima se deixou ex(...), o quantum indemnizatório encontrado pelo Tribunal a quo, nos termos dos arts. 494.º e 496.º do CC, não nos merece censura. Na verdade não procede a tese do recorrente quanto à interpretação do art. 496.º, n.º 3, do CC, que conduziria, na prática, à impossibilidade de recurso à equidade. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais - como se disse e ensinava Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª ed., pag.500 e segs.) - deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade. O facto de a lei, através da remissão feita no art. 496.º n.º 3, para as circunstâncias mencionadas no art. 494.º do CC, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer às demais circunstâncias do caso, significa que aquela reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza mista: por um lado visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pelo lesado; por outro tem por escopo a reprovação, no plano civilístico, da conduta do agente. O Tribunal recorrido não só aplicou o direito numa correcta interpretação dos artigos acima mencionados como teve em atenção, o nexo de causalidade existente entre os danos provados e o facto constitutivo da responsabilidade do recorrente, nos termos do art. 563.º do CC. (vd. acórdão do STJ de 24 de Março de 2011, relatado pelo Exmº Conselheiro Orlando Afonso, proferido no proc. 88/2002.L1.S1 e consultável in www.dgsi.pt).
A conduta do recorrente E é fortemente culposa, violando os direitos de personalidade do assistente AK numa das suas vertentes nucleares mais intimas, que é a sua sexualidade, bem como o direito a não sofrer medos e temores, perdurando essa ilicitude durante vários meses (de finais de 1998 até ao Verão de 1999), numa fase em que aquele ainda era pré-adolescente.
O arguido E tinha perfeito conhecimento de que os actos de natureza sexual a que submeteu o ofendido AK (coito oral e coito anal, consigo e com terceiro), afectavam de forma grave o normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual do mesmo e influíam negativamente na formação da respectiva personalidade. Actuou de modo voluntário, livre e consciente, não se preocupando com as consequências das suas condutas, que sabia serem proibidas por lei penal. Com um quotidiano pobre de afectos, de educação, de normas sociais básicas que lhe permitiam, no futuro, uma integração comunitária saudável e equilibrada, foi a estrutura de modelação da personalidade e carácter desta, então criança, afectiva e psicologicamente amputada e o seu futuro comprometido pela conduta criminosa do arguido. O ofendido, para além dos medos e temores que sofreu, nunca mais ao longo da sua vida deixará, por certo, de sentir em cada instante o seu passado cujos contornos são imputados ao ofensor do modo descrito, que se aproveitou de uma forma especialmente censurável da situação precária do aqui demandante, da sua, e da sua família, fragilidade sócio-económica e da sua idade particularmente vulnerável.
Os temores e medos são danos não patrimoniais.
Felizmente que tem havido uma evolução relativamente aos quantitativos fixados pela nossa jurisprudência no ressarcimento dos danos não patrimoniais, por forma a que não se fixem indemnizações miserabilistas e/ou de valor meramente simbólico como ora pretende o recorrente E.
Por outro lado, impõem-se também razões de igualdade e harmonia intra-processual, sendo que nos autos, para idênticas situações de danos morais, consubstanciados em medos e temores (vd. pontos 170. a 170.22. dos factos provados), e face a estatutos sócio-económicos semelhantes do lado dos lesados (os demandantes abusados) e dos lesantes (os demandados abusadores), o Tribunal a quo, como se alcança do decidido nas alíneas a) a f) de págs. 1699 e 1700 do acórdão recorrido, fixou em igual montante (€ 25.000,00) as indemnizações devidas a título de ressarcimento dos assistentes pelos danos morais sofridos, com excepção de A que foi condenado no pagamento a cada um dos demandantes AA, AB, AC, AD, AF, AG, AH, AI, X, AY, AM, ANAP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AW, da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais (ou seja, e bem, em quantia inferior à dos co-arguidos face à sua menor capacidade económica).
Concluindo: Entendemos que o juízo prudencial da primeira instância, na justiça do caso concreto, deverá ser mantido, e isto porque nos resulta claro que os julgadores a quo se contiveram dentro da margem de subjectividade e discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, alicerçando o quantum indemnizatório em função do grau de culpabilidade do agente (elevado, sendo intensa a dimensão global da ilicitude), a situação económica deste (razoável) e do lesado (precária) e as demais circunstâncias do caso, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, ou seja, com base em critérios que não se afastam, de modo substancial, dos padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência humana e flexível, e como tal evolutiva e actualística, não abalando, deste modo, nem a segurança na aplicação do direito nem o princípio da igualdade intra e extra-processual.
Com efeito, tendo em mente tudo o que se acabou de dizer, não consideramos excessiva, antes adequada e proporcionada, uma indemnização de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), arbitrada como compensação de danos não patrimoniais, decorrentes de medos e temores, por força de actos de abuso sexual em criança (há data dos factos AK tinha 11-12 anos de idade) e da sua sujeição a prostituição, bem como das relevantes e irremediáveis sequelas que os mesmos ditaram necessariamente na qualidade de vida pessoal do lesado, prejudicando o seu normal desenvolvimento físico e psicológico e influenciando negativamente na formação da sua personalidade, já de si comprometida pela vulnerabilidade e fragilidade da situação sócio-familiar e económica do menor.
Por todo o ex(...), improcede também nesta parte o recurso do arguido  E, mantendo-se, nessa conformidade, o quantum da indemnização por danos morais, devidos ao assistente AK, de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
C) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELO ARGUIDO  K (incluindo o recurso do MºPº no que concerne à medida das penas parcelares e única)
1. Da motivação do recurso extrai o arguido K as seguintes (transcritas) conclusões:
01) O presente recurso vem inter(...) da sentença proferida pelo tribunal a quo que condenou o arguido, em autoria material, pela prática de 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, a cumprir a pena de (7) sete anos de prisão efectiva e ainda ao pagamento de indemnizações a alguns dos Assistentes.
02) Com o presente recursos deverão seguir os seguintes Recursos interlocutórios, que se encontram retidos a aguardar subida e nos quais o Recorrente mantém o interesse em ver julgados:
a) Recurso inter(...) a fls. 27.461 (orig. fls.27.493 e motivação de fls. 27.462 a 27.490) dos autos, que recai sob o despacho proferido em 13.12.04., de fls 25.475 a 25.488 em que o tribunal a quo validou todos os demais actos jurisdicionais praticados pelo Juiz de Instrução Criminal do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal.
b) Recurso inter(...) a fls. 17.678 (motivação de fls 17.678 a 17.693) dos autos que tem por objecto todas as perícias sobre personalidade realizadas nos autos a AP, AT, AI, AK, AN, Y, AU e AV, as quais deverão ser declaradas nulas, ou caso assim não se entenda, declarada a sua irregularidade, por violação dos artigos 151º, 154º, 155º, 156º todos do C.P.Penal, bem como a inexistência das perícias sobre personalidade realizadas a maiores de 16 anos conforme ao previsto no art. 160º do C.P.Penal.
c) Recurso inter(...) a fls. 29.708 (original a fls. 29.728), admitido a fls. 29.972 com subida imediata – Recurso nº. 5.594/05, que recai sobre o objecto a decisão de fls.28.916 a 28.927 que declarou conforme à constituição a interpretação dos normativos dos art. 346º nº 1 e 347º, nº 1, ambos do C.P.Penal.
d) Recurso inter(...) a fls. 33.946 a 33.964 (orig. a fls 33.983 a 34.002), admitido a fls. 33.265, que recai sobre o despacho proferido pelo Tribunal a quo na audiência de julgamento de 20.07.2005, de fls. 33.696 a 33.703, nos termos do qual se decidiu que "... não tendo o Tribunal procedido à leitura em audiência de julgamento das declarações prestadas pelos assistentes perante a Policia Judiciária, por tal ter sido requerido pelos sujeitos processuais ou porque não houve acordo para tal entre os sujeitos processuais, está vedado ao tribunal, por ser legalmente inadmissível, fazer perguntas e pedir esclarecimentos ao Assistente que incidam sobre que perguntas, em concreto, lhe foram feitas pela Policie Judiciária aquando dessa inquirição, como foram feitas e que resposta deu. ".
e) Recurso inter(...) a fls. 51.874 (orig. a fls 51.892 a 51.905), admitido a fls.54.058, que recai sobre o despacho proferido na audiência de 11.03.2008, o qual julgou improcedentes as irregularidades e nulidades arguidas a fls. 34.607, 34.609, fls.34.611, fls. 34.611, fls. 34.705 relativamente a pergunta que se pretendia fosse efectuada ao assistente AV.
f) Recurso inter(...) a fls. 51.861 a 51873, também fls.51939 e seguintes e fax 51.951 e seguintes, admitido a fls. 54.057, que recai sobre o despacho proferido na audiência de 11.03.2008, o qual julgou improcedente a irregularidade de limitação introduzida pelo Tribunal em questão colocada ao assistente AN.
g) Recurso inter(...) a fls. 61.076 a 61.096, (original a fls. 61.126 a 61.148), admitido a fls. 65.292, que recai sobre o despacho proferido na audiência de julgamento de 22.10.2008, nos termos do qual se decidiu indeferir “a leitura de declarações prestadas na fase de inquérito pelos assistentes AV, AP, AT, AN, X, AI, Y, AU, e pelas testemunhas AZ e CG – fls. 60.474 a 60.490, Ponto II.
h) Recurso inter(...) a fls. 64.156 a 64.183, admitido a fls. 65.049 a 65.052, que recai sobre o despacho proferido na audiência de julgamento de 18.12.2009, de fls. 63.872 a 63.967, nos termos do qual decidiu sobre as arguições de irregularidade suscitadas a fls. 63.636 a 63.638 (extemporaneidade da comunicação de alteração de factos e natureza da alteração de factos comunicados).
i) Recurso inter(...) a fls. 65.508 (a fls. 65.574), admitido a fls. 65.737/8 que recai sobre o despacho proferido a fls. 65.137 a 65. 146, pontos I e II, e fls. 65.152 e fls. 65.193 a 65.211, na parte em que o tribunal decidiu sobre a questão prévia e requerimento e prova apresentado pelo arguido a fls. 64.848 a 64.858.
03)     Conhecendo o Tribunal a quo, a excepção de ilegitimidade/extemporaneidade alegada pelo Recorrente quanto à apresentação do direito de queixa pelo assistente AI, julgou a mesma improcedente e por conseguinte reconhecida a legitimidade para a acção penal pelo Ministério Público, nos termos em que ocorreu.
04)      Esta decisão fundamentou-se no normativo contido no art. 178º nº 1 e 4 do Código Penal (red. da Lei nº 99/2001, de 25 de Agosto) interpretado no sentido de a intervenção do Ministério Publico poder ocorrer – substituindo-se aos titulares do direitos de queixa, desde que devida e suficientemente justificada, o que este fez no seu despacho de fls 13.552 a 13.554, de 29/12/2003, onde invoca as razões para a sua intervenção ao abrigo do dis(...) no nº 4 do art. 178º, ou seja, que o interesse da vítima – “…assistente que não sendo uma criança de (...) estava institucionalizado na AX, (…)” impunha a sua intervenção.
05)     Ao decidir da forma constante dos dois considerandos antecedentes, foi efectuada errada interpretação dos factos alegados pelo Recorrente, aplicação da lei no tempo desconforme ao princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável ao arguido, e bem assim, da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, contido no art. 29º da CRP, e que aplica a todas as normas penais, materiais e processuais e foram ainda invocadas do STJ e do TC, para confirmação da legitimidade do Ministério Público para desencadear a acção penal desde que justifique as razões de facto (objectivas) que levam à sua intervenção no interesse da vítima, que se debruçaram sobre questão distinta daquela em análise;
06)     Entende o Recorrente que o exercício do direito de queixa cabe aos legais representantes do ofendido (incluindo o M.P até aos 16 anos do interessado) e por este directamente, após esta idade e até fazer os 16 anos e seis meses.
07)     Estava assim extinto, por caducidade quando o M.P. intervém, pelo que não tinha legitimidade para a promoção do procedimento criminal nos termos em que o fez, “sanando” retroactivamente a falta do exercício do direito de queixa por quem já não a tinha.
08)     O acórdão recorrido ao ter julgado tempestivo o exercício do direito de queixa, padece de nulidade insanável, por ter feito uma errónea interpretação e aplicação do dis(...) nos artigos 48°, 49°, n.º1 do C.P.P. e artigos 113° e n.º1 do 115°, 178º todos do Código Penal, violando frontalmente o princípio da legalidade a que devem obedecer todas as decisões judiciais, por força do imperativo constitucional consagrado no artigo 203° da Lei Fundamental, estando, por esta razão, ferido de inconstitucionalidade.
09)     Na contestação à acusação que se encontra nos autos de fls... 24.388 a 24.440, o recorrente expressamente suscitou a questão incidental quanto à inexistência e invalidade do seu reconhecimento, o que fez nos seguintes termos: “Nenhum dos ofendidos fez, nas suas declarações, qualquer descrição física do arguido; “o "… é feito é por recurso a uma fotografia em que o mesmo aparece acompanhado, para além de outras duas pessoas, de um ex-(…) bem conhecido dos ofendidos, o CY, o qual era ainda, à data em que se iniciaram os presentes autos, atleta da Associação de Trabalhadores da AX, que funcionava no CZ, onde se deslocava semanalmente; “.. fotografia encontra-se inserida no "álbum de fotografias" que constitui o Apenso AJ., Contudo, tal "álbum" não constitui um meio de prova legalmente admissível. Não obedeceu aos requisitos deste meio de prova e definidos no art. 147º do CPP….não pode ser valorado como meio de prova (cfr. art. 147º, nº 4 do CPP).).
10)     Por despacho de fls... 27.567, “Ponto 10., 1. d) ”, o tribunal relegou o conhecimento desta questão para a sentença, ao abrigo do preceituado no nº 2 do art. 374º, do C.P.Penal, contudo não tomou conhecimento da mesma na sentença, apesar de durante a produção de prova, os assistentes terem sido confrontados com o “álbum” questionados sobre a forma e o momento como procederam à identificação ou ao reconhecimento do arguido K, omissão de pronúncia que configura uma nulidade da sentença, conforme prevê a alínea c) do nº 1 do art. 379º do C. P. Penal, o que deverá ser declarado.
11)     A interpretação do art. 147º do C.P.Penal conjugada com o dis(...) nos art. 125º e 127º do C.P.Penal, de forma a permitir que possa valer como identificação de alguém de quem não se conhece quaisquer características físicas e apenas pelo automóvel que possui, a mera indicação sobre uma fotografia que é colectiva – sendo as demais constantes do álbum apenas com uma pessoa – e que contem retratada além de um rapaz ex-(…) um actor português muito conhecido, sem a necessidade de efectuar as operações de reconhecimento previstas no art. 147º do C.P.Penal, viola a constituição e torna a interpretação dos referidos preceitos legais ferida do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da legalidade, das garantias de defesa, de presunção de inocência e ainda o principio do contraditório consagrados no art. 32º nº 1, 2, 5 e 8 da C.R.P.
12)     Em 27.08.2008, a fls... 55.787 o Recorrente subscreveu requerimento apresentado pelo arguido H, para leitura das declarações prestadas pelos assistentes e testemunhas ali indicados, aderindo no essencial aos fundamentos ali invocados e aos pedidos constantes nas suas várias alíneas, e estendeu tal pedido ao assistente AC, visto que ainda que tais declarações não viessem a servir para a prova positiva dos factos seriam absolutamente úteis para avaliar a credibilidade das pessoas que imputam os factos criminosos aos arguidos neste processo, precisamente porque a prova fundamental reside nestes, sob pena de assim não se fazendo, se violarem as garantias constitucionais de defesa dos arguidos e o princípio do processo equitativo, devendo ter sido feita uma interpretação do art. 356º do C.P.Penal conforme ao art. 32º nº 1 da Constituição e com o art. 6º da CEDH.
13)      Por despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de 22.10.2008, foi indeferida a leitura das declarações prestadas em fase de inquérito, quanto aos primeiros, mas o despacho foi omisso quanto à requerida leitura das declarações do assistente AC, sem que o tribunal a quo o tivesse feito posteriormente, pelo que deixou de se pronunciar sobre questão que estava obrigado a pronunciar-se, configurando tal omissão a nulidade prevista no art. art. 379º nº 1 alínea c) do C.P.Penal, o que deverá ser declarado com as necessárias consequências.
14)      Quanto à matéria de facto provada nos pontos 100.1, 100.4, 107 a 107.9, 108 a 108.4 e 108.6 a 108.9, 110.2 a 110.9, 111 a 111.3.1. e 112 a 112.5, da sentença, esta não tem, salvo o devido respeito, qualquer suporte probatório idóneo, sendo manifesta a insuficiência da prova produzida para a decisão da matéria de facto aqui dada como provada, não consentindo os factos colhidos, após o julgamento, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, dar os ilícitos como provados, padecendo igualmente de vícios de omissão de pronúncia sobre factos alegados ou resultantes da discussão relevantes para a decisão, como é o facto de não ter julgado o conhecimento, ou o não conhecimento do Recorrente e do co-arguido A, tendo em conta que deu como provado que o Recorrente contactou com aquele para que lhe levasse o menor AT (facto provado 107) e que foi aquele que conduziu o menor AI à sua presença (facto provado 108 e 108.1) que levou a pedido do Recorrente o X, por duas vezes ao seu (...) (facto provado 111) e que o Recorrente contactou o A para que lhe levasse o AP ao seu (...).
15)     Foi produzida prova no sentido do não conhecimento dos arguidos A e o Recorrente: depoimentos das testemunhas OH e de SR, declarações dos próprios arguidos que em audiência de julgamento relataram um acontecimento do qual resulta a sua convicção que eles não se conheciam.
16)     Das análises realizadas pela Policia Judiciária - STAIC e pelo tribunal a quo, aos milhares de registos de chamadas telefónicas que existem nos autos, não foram encontrados registos de chamadas entre ambos os arguidos, ou entre o Recorrente e os ofendidos, pelo que a acusação não logrou demonstrar de que forma é que o Recorrente podia aceder aos ofendidos.
17)     Não havendo prova de conhecimento ou de contactos entre o Recorrente e o co-Arguido A o tribunal a quo não podia dar como provado o que consta dos pontos 107, 111, 112 e 112.5, dos factos provados, que foi efectuado em violação das regras de apreciação da prova (art. 127º do C.P.P.).
18)     Para dar como provado o conhecimento do Recorrente e do arguido E, ponto 100.4, o tribunal a quo alicerçou a sua convicção exclusivamente nos depoimentos das testemunhas OM, CCD e WQ e registos das chamadas telefónicas do arguido E e do Recorrente posteriores às datas da prática dos factos.
19)     A correcta avaliação dos depoimentos das referidas testemunhas não permitia criar a convicção nos julgadores que os arguidos se conhecessem, porque asas primeiras expressamente negaram alguma vez se terem apercebido que eles se conhecessem, tendo a terceira testemunha apresentado diversas versões dos factos, e que em confronto com as declarações das testemunhas ZV, IC e DDV e ainda com os documentos de fls...54.180 a 54.218, deveria ter sido o suficiente para dar como não provado que aqueles se conhecessem, ou pelo menos, para criar a dúvida razoável que tal conhecimento ocorresse.
20)      Quanto aos registos telefónicos das chamadas do arguido E e do Recorrente, de facto existem no apenso V, CD 8, três registos de chamadas, todas realizadas no dia 09.04.2001, do número (…), em nome da (...) K, para o número (…), em nome do arguido E e uma chamada do (…), do arguido E para o (...) do arguido Recorrente.
21)      A mera existência de tais registos de 09.04.2001, não permite a conclusão que os arguidos se conhecessem, muito menos, como fez a sentença, antes dos factos deste processo, e que remontam aos anos de 1997, pelo que existe erro notório na apreciação da prova, vício que se verifica “quando da factualidade provada se extraiu uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum” BMJ nº476, pág. 253., Acórdãos do S.T.J. de 22/11/89 - BMJ nº391, pág. 433 e de 26/09/90 - BMJ nº399, pág. 432, conforme previsto no art. 412º nº 2 al. c) do C.P.P.
22)      Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo, violou ainda o princípio da livre apreciação da prova, visto que presumiu que as chamadas tivessem sido feitas pelo Recorrente, sem qualquer suporte nas regras da experiência, quer porque o Recorrente tinha o seu próprio telemóvel, quer porque não era habitual usar o que estava atribuído à (...).
23)      O Recorrente juntou aos autos prova documental, de fls... 45.683 a 45.683, donde resulta que o Recorrente à hora em que as chamadas foram efectuadas pudesse estar em Roma, e de fls. fls... 54.486 a 54.546 que são as folhas de ponto do Centro de Saúde (…), que nesse dia esteve de férias, e dos depoimentos das testemunhas: YN, CCF, ZV, DDP e XL, resulta que a (...) médica do Recorrente era bastante movimentada e nela trabalhavam outras pessoas, prova que não foi valorada pelo tribunal a quo.
24)      Relativamente aos registos telefónicos das chamadas do arguido E e do Recorrente, na audiência de julgamento de 16.10.2009, foi suscitada a questão de existirem registos de chamadas de 2006 no suporte digital adquirido nos autos em 2003, o que determina a adulteração de um meio de prova, que como tal não poderia concorrer para a formação da convicção do tribunal a quo.
25)     Previamente ao Tribunal ter localizado estas três chamadas, os peritos elaboraram um relatório que ficou a constar do apenso ED, fls... 53.701 a 53.703: Informação do DIAP sobre os Diagramas que se encontravam na 2ª secção, pedidos pelo Tribunal, donde resulta não terem sido localizados quaisquer registos de chamadas efectuadas entre os números de telefones (móveis ou fixos) atribuídos aos arguidos, com excepção das chamadas existentes entre A e C.
26)     Todos os registos telefónicos e facturações de operadores de telecomunicações, constantes dos autos proveniente das operadoras de telecomunicações, com entrada nos autos anterior a 4 de Julho de 2003, incluindo as respeitantes aos números (…) e (…) (que se desconhece a quem pertença), foram adquiridos nos autos em violação às regras contidas nos art. 187º e 188º e 189º todos do CPP, com a redacção em vigor à data em que foram ordenadas e juntas aos autos (DL 317/95 de 28/11) aplicáveis aos registos das chamadas por força da norma contida no art. 190º do CPP., pois não foram precedidos do competente despacho do Juiz de Instrução Criminal.
27)      Neste sentido a Directiva da PGR nº 5/2001, de 16/06/2000 (in DR, II série, de 28/08/2000), e seguida pelo acórdão do TRC de 07/03/2001, in CJ, XXVIII, 5, 148, e pelo acórdão do TRG de 24/01/2005, in CJ, XXX, 1, 295, configurando uma intromissão ilegal nas comunicações conforme resulta do dis(...) no nº 4 do art. 34º da CRP, a prova assim obtida é nula, conforme art. 118º nº 1 e 190º, ambos do CPP, salvo consentimento do visado, que quanto ao Recorrente não foi sequer requerida nos autos.
28)      O Tribunal a quo julgou provados os factos constantes dos pontos 107 a 107.9 da sentença, o que permitiu julgar verificados todos os elementos do ilícito imputados ao arguido sob o capítulo 4.4.1. do despacho de pronúncia em que é ofendido o assistente AT, mas se a avaliação da prova produzida em audiência, se tivesse contido dentro dos limites do dis(...) no art. 127º do C.P.Penal – quanto à exigência de certeza necessária, que respeitasse a presunção da inocência do arguido e o princípio do in dúbio pro reo, os factos teriam sido julgados não provados, violando a decisão, desta forma, o preceituado no art. 32º nº 2 da CRP, tal como o art. 6º § 2 da CEDH.
29)      Conforme já alegado nestas conclusões e devidamente motivado, foi feita contra-prova nos autos que o Recorrente e o co-arguido A não se conheciam, pelo que o tribunal a quo errou ao dar como provados nos factos que constam no ponto 107 o contacto destes arguidos.
30)      Os arguidos Recorrente e A, negaram que este lhe tivesse levado o assistente ou que tivesse sido pedido que o fizesse, e os assistentes expressamente assumiram que iam para o (…) para assaltar ou “fazer betos”.
31)      De igual sorte, o tribunal erradamente, deu como provado que o abuso infligido pelo Recorrente ao assistente AT, ocorreu nos meses de Março ou Abril do ano 2000.
32)      Contudo, das declarações daquele ofendido, decorre que: i) fora à casa acompanhado do assistente AP, e que; ii) a deslocação ocorreu à tarde num dia em que faltaram às aulas.
33) Mas o Recorrente, vendo-se onerado com o ónus da prova da sua inocência, juntou aos autos os documentos de fls... 52.773, 52.784, 52.789 - alojamento, viagem e comodato de telemóvel da TMN para “as (…)”, donde resulta que no período compreendido entre 26.02.2000 e 12.03.2000, se encontrava nos Estados Unidos da América, demonstrando ter um álibi para parte do período, sem preocupações em estender tal álibi, a todo o período, visto que a sua defesa quanto aos factos que integravam este crime, residiu na impossibilidade de os factos terem ocorrido no local certo que correspondia à moradia sita no nº (…) da (...) (…), no (…), que o Recorrente sabia nunca ter sido sua ou estado na sua disponibilidade.
34) Quando regressou a Portugal, começou a trabalhar no Centro de Saúde (…) e nana sua (...) médica, estando prova documental não impugnada – certidão emitida pelapela Coordenadora da Sub-Região de Saúde (…) que tutela o Centro de Saúde (…) com as folhas de ponto deste período, fls. 54.486 a 54.546 donde decorre que nos meses de Março e Abril de 2000, o Recorrente trabalhou todas as manhãs (excepto nasnas suas férias e quando doente, o que resulta indicado) e às quartas-feiras, até às 20 horas. Houve ainda dias, conforme assinalado nos documentos, que saiu pelas 18 horas.
35) Conjugados estes registos documentais com os depoimentos de ZV, e de XL, resulta evidente que o Recorrente passava as tardes a trabalhar nana sua (...) médica, dali saindo, em regra muito tarde, tendo sempre a (...) muitos doentes.
36) Existe ainda prova documental nos autos, que após o regresso do Recorrente a Portugal, e até ao final de Abril de 2000, o assistente AP não poderia ter faltado às aulas para acompanhar o assistente AT, visto que, ou estava de castigo, ou hospitalizado, ou desaparecido algures em (…), ou internado pelo IRS num outro (...) – fls... 168 a 221 do Apenso W 11, Livro 2 - Livro de Registo de Ocorrências do Lar FC, CZ, de 30/09/99 a 22/12/00.
37) Entende o Recorrente que até foi produzida contraprova nos autos quanto à eventual possibilidade de os Assistentes terem, efectivamente estado na casa indicada na pronúncia (e que se manteve “integrada no objecto desta acção” até 23.11.2009, data em que o tribunal comunica a possibilidade de alteração do local) mas não com o Recorrente, inexistindo quaisquer fundamentos para o tribunal ter alterado o local, devendo, em consequência ter dado os factos como não provados.
38) No reconhecimento feito da casa pelo assistenteassistente em 16.03.2003, acompanhado que foi pelo inspector da P.J., conforme fls... 609, e que foi limitado ao exterior da casa, apesar de o assistente não ter tido a certeza absoluta, identificou a casa localizada na (...) (…), nº (…), em (…),(…), como sendo a casa onde teria sido abusado pelo Recorrente, e posteriormente, no dia 09.02.2006, o tribunal deslocou-se à casa (fls.. 36.384) dos autos, com os assistentes, que apesar das diferenças queque encontraram na casa, principalmente na inexistência de uma parede onde era a sala, e que nesse dia tinha uma recepção, sendo o espaço amplo como é visível na respectiva gravação e devidamente explicitada na motivação, foram peremptórios na afirmação que aquela era a casa onde o Recorrente teria abusado de AT.
39) Mas o tribunal a quo, porém, entendeu que face à prova produzida, nomeadamente pelo Assistente, não ficou com a certeza que a casa fosse aquela (fls... 67.435) e comunicou aos arguidos a possibilidade de alterar o local, e impediu que o Recorrente produzisse a contra-prova que entendeu como adequada à sua defesa – reproduzido a fls 65.147, 65.193 dos autos, interferindo com o exercício eficaz de defesa do Recorrente, violando a sua garantia constitucional a uma defesa adequada, o que aliás o próprio tribunal reconhece no seu despacho em que indeferiu a produção de prova.
40)     O tribunal recorrido deveria ter valorado os depoimentos das testemunhas AAX - filho da proprietária da casa, o qual esclareceu que imóvel desde 1990 até 1997 teve uma ocupação habitacional, e que desde 1997, a casacasa se encontra arrendada e ocupada por uma sociedade comercial, de nome LLK que fez obras no imóvel (no interior e exterior) - documentos de fls... 48.166/76, bem nono depoimento do sócio gerente desta sociedade, DJ, que explicou que “… Até 2004 era uma porta que dava para uma sala, penso que uma sala de estar, nós mantivemos aquela parede intacta,” e disse também que não conhecia o Recorrente, sendo impossível que tivessem sido praticados actos de abusos sexuais porque conforme explicou a empresa tinha uma laboração muito grande, começamos, começa por ser limpa logo às 7 da manhã, as pessoas, há pessoas que têm um horário de entrar as 9h30 , raramente saímos antes da 11 da noite e trabalhamos lá 22 pessoas”, e que a casa em resultado das obras de 1997 tinha vários estúdios e não tinha quartos.. Destes depoimentos resulta que os assistentes conheciam efectivamente a casa, onde deveriam ter estado quando esta tinha um uso habitacional, e quando ainda tinha parede, ou seja, antes de 1997, mas não com o Recorrente.
41)     O facto dado como provado sob o ponto 107.4, não tem qualquer fundamento probatório, visto que o assistente AT nunca referiu que tivessem ocorrido os actos no quarto, mas sim na sala (a.j. de 09.02.2006 “Procurador: esteve nessa sala e depois? AT -foi onde aconteceram os actos e depois dirigi-me para aquela porta (indicando a saída) e sai direito ao (...)”) e o assistente AP declarou ter sido no quarto (a.j. de 22.07.2005 fomos levados para um quarto onde o Sr. K se sentou no meio de mim e do AT acariciando o nosso pénis, pedindo de seguida para a gente tirar as nossas roupas, as nossas calças), inexistindo quaisquer outras provas a este respeito,, com excepção das declarações do Recorrente que nega estes factos.
42)     Com versões diferentes, contraditórias, perante a negação dos factos pelos arguidos A e pelo Recorrente, e na falta de prova segura da ocorrência dos factos, o tribunal nunca poderia ter dado como provado os factos constantes do 107 a 107.4.
43)     No que tange ao reconhecimento do Recorrente como seu agressor sexual, sem prejuízo da supra invocada nulidade deste meio de prova (conclusões 09. a 12) a forma como a identificação foi efectuada, ainda que venha a ser julgada válida, deveria ter suscitado fundadas dúvidas no espírito dos julgadores porquanto, no auto de reconhecimento da casa (…) (16.01.2003, a fls... 609) o assistente não falou no Recorrente, no Relatório de perícia sexual, efectuado pelo IML (em 10.03.2003, fls... 4.543) consta que o assistente relatou abusos ocorridos em (...), por H, mas que teriam começado quando já tinha 14 anos e nega quaisquer outras práticas para além das que descreve, apesar de ser público que o Recorrente fora preso preventivamente no dia 31.01.2003, no relatório pericial sobre a personalidade (Julho de 2003) já fala da ida a uma (...) no (…) com o AP (Apenso CC volume 1) e relata que foi àquela casa com o amigo AP, que o Recorrente o despiu, despiu-se e fez sexo anal e depois mandou-o embora, diz que teria para ai 15 anos.
44)      Perante a JIC, diz apenas que sabe quem é “K”, que conhece por ser uma “… pessoa de quem se falava no (...) por o verem dentro de um (…)”, e revela ter estado “...uma vez no (...) do K e quatro vezes na casa de (...)”cfe.fls... 19.046 (a.j.de 22.04.2004) analisadas na audiência de julgamento de 08.02.2006, declarando ainda que o A e o Recorrente apenas despiam as calças, mas antes já tinha dito que o Recorrente se despia, sendo certo que nunca fez qualquer descrição física do Recorrente, o que era fácil se o tivesse visto, já que tinha (e fez questão de manter até agora) cabelos e barba comprida, além de que também tinha uma enorme cicatriz na parede anterior do abdómen, subcostal esquerda e direita, com 41 cms, conforme resulta do atestado (...) junto aos autos a fls...60.112, que a(...) todo o seu abdómen sendo impossível não se reparar atentos os actos relatados.
45)      Acresce que as pessoas que com oo assistente conviviam nunca se aperceberam que manifestasse qualquer “trauma”de ser abusado sexualmente, é o caso da psicóloga WW, que acompanhou o AT, de 1994 a 2002, e que ainda quando depôs revelou dificuldade em acreditar que tivesse sido abusado: “Eu realmente continuo a achar que o AT… Para mim é difícil aceitar, ou acreditar, ou sentir essa situação”.
46)     A forma “despojada” como o assistente descreveu os actos sexuais, ou os alegados abusos, revela a ausência de quaisquer sentimentos negativos ou traumáticos (a.j. de 25.01.2006. “Juíza Presidente – E nessa casa... o que é que sucedeu então?AT - Sexo oral, sexo anal.Juíza Presidente – O que é que se passou para o AP se ter ido embora, o que é que lhe foi dito, o que é que o senhor fez, ou o que é que foi feito? AT – O que foi dito não me recordo mas que houve… entre actos, sexo oral, sexo anal Juíza Presidente - Quando diz sexo oral ou sexo anal, e tal como na primeira sessão lhe perguntei e expliquei o porquê, em concreto, quem fez o quê a quem?AT - Hummm ... O Sr. K a mim.Juíza Presidente – A si, o que é o Sr. K fez?AT - Introduziu o pénis na boca, o pénis no ânus... E de seguida fui-me embora. Juíza Presidente – E quando ele saiu o senhor não fez intenção de ir atrás dele, ou de ir com ele?AT – Achei um bocado estranho mas ele disse para eu ficar.).
47)      No Relatório do Exame (...)-Legal de Natureza Sexual de AT, a fls... 4.543 a 4.550, consta que o mesmo confrontado com o relatório terá admitido a ocorrência de relações anais “só duas ou três vezes”, com alguns adultos, e nas conclusões consta que o mesmo apresenta sinais ao nível do ânus compatíveis com a prática repetida de coito anal. Porém, do parecer do Prof. Doutor LLL, realizado em 2005, relativo aos exames de sexologia forense, a fls. 52.230 dos autos, pode ler-se sobre os exames ao AT:“…que o examinando apresentava apagamento das pregas da mucosa e protusão das veias hemorroidarias, não se observando lesões traumáticas ou vestígios cicatrizante das mesmas. Que se apresentava hipotonia dilatadas e de cor violácea e hipotonia apreciável do esfíncter anal. Se o AT tivesse tido praticas de coito anal apenas as vezes que refere e nas datas que indica, ou seja há mais de seis meses à data da perícia, não deveria ser portador de sinais compatíveis com tal prática. Os sinais de abuso sexual são a dilatação do esfíncter anal se o coito tiver ocorrido há muito pouco tempo, soluções de continuidade da mucosa anal em caso de coito anal recente, cicatrizes de fissuras da mucosa anal se o coito ocorreu a algum tempo, apagamento das pregas da mucosa anal se o coito é regular. O facto do examinado apresentar protusão das veias hemorroidárias tal não chega para concluir por sinais próprios de abuso sexual.
48)     Em audiência de julgamento (16.10.2008) o perito Professor BR, deixou muito claro que as perícias físicas realizadas não podem demonstrar que os assistentes tiveram coito anal nos anos de 1998/99 a 2000/2001 (Perito – Não, não Sr. Dr.. Portanto, nós em rigor em rigor, só podemos estabelecer, portanto, um diagnóstico temporal baseado, portanto, no limite dos dez dias. Até aos dez dias que é o tempo, o tempo médio de que estas lesões… salvo… há sempre casos que fogem á regra mas, quer dizer, o tempo médio de cicatrização das lesões, portanto, é até dez dias. Portanto, até dez dias é recente; para além dos dez dias é não recente.) e (Perito– Não, não se pode fazer datação). Juízo técnico que está subtraído à livre apreciação do julgador, e que não foi considerado pelos Ilustres julgadores, que dele teriam que retirar necessariamente, não que o assistente tivesse sido abusado sexualmente em Março ou Abril de 2000 pelo Recorrente, mas que o assistente apresentava sinais de práticas recentes de coito anal e que estas poderiam ser consentidas.
49)      O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o art.º 163 do C.P.Penal consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, art.º 127º do Código Processo Penal, estando o julgador amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. Ora tal não aconteceu e não se descortina qualquer possibilidade de o tribunal poder divergir do juízo pericial. Conclui-se, assim, que na decisão recorrida e quanto ao ponto em questão foram violadas as regras sobre a apreciação e o valor da prova, o que se enquadra no conceito amplo de erro notório na apreciação da prova (cfr. ensina Castanheira Neves, Há um tal vício quando um homem médio, rectius, um juiz normal, perante o que consta do texto da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal (...) desrespeitou as regras sobre o valor da prova art.º 410º n.º 2 al. c.) do C.P.P.).
50)      E a credibilidade do assistente deveria ter sido formada à luz das contradições intrínsecas das suas declarações, em conjugação com o que foi revelado ser o seu carácter e a sua personalidade, resultando do testemunho da assistente social na AX, XZ, com quem o assistente conviveu, de Outubro de 1968 a Julho de 2006 que considerava ser um miúdo mentiroso e difícil, foi, desinteressado da escola e não o associa a este processo, e do Apenso Z-11 de fls... 122 a 141, consta o relatório de perícia colegial sobre a personalidade do declarante, realizada em Março de 2008, pelos peritos CS, CT e CU, requerido que foi pelo tribunal a quo para dar resposta a uma única pergunta, se o AT tinha ou não capacidade de testemunhar no presente processo, mas donde resulta que “…aquele tem um estilo de personalidade: narcísico, com ligeiras características anti-social e paranóide, (…) a sua dimensão e a articulação com os restantes dados inscreve-os num campo de consequências do sentimento de necessidade de manter oculta parte da sua história pessoal, e conforme resulta a fls... 126 a pesquisa e classificação dos eventuais quadros clínicos foi de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª Edição, Texto Revisto (DSM-IV-TR), focalizada nas perturbações (...)s e outros problemas que podem ser objecto de atenção (...) (Eixo I) e nas perturbações da personalidade e deficiência mental (Eixo lI), lendo-se na escala de Millon II, para o enquadramento do perfil de personalidade – que os resultados para o AI foram: Paranóide de 80 em 120 e Sinceridade é de 50 em 120;
51)     Apesar de a perícia colegial ter concluído pela sua capacidade para testemunhar, a verdade é que a sua personalidade apresenta traços paranóides e o grau de sinceridade fica abaixo da média.
52)      Do Apenso Y: fls. 29 que é um relatório da psicóloga da Escola LLM, realizado em 26.05.1999, consta que o assistente “AT vive com a mãe (…) num ambiente de grande risco para a sua saúde mental e física” e “O AT depende totalmente da mãe” e que esta éé “…doente do foro psiquiátrico”;”; …e ainda relatos dos maus tratos que teve da mãe e dando conta do falecimento do pai dele quando o AT tinha sete anos de idade, a fls... 44 do referido apenso consta que o AT ingressou na AX por ordem do Tribunal de Menores, que deu a tutela á instituição na sequência dos maus tratos dados pela progenitora.
53)      Desinteressado dos estudos (ano lectivo de 1999/2000) Apenso Y, fls... 26 registadas 276 faltas, e no ano seguinte, 2001, constam informação de absentismo e consumo de drogas (fls. 92), parecendo evidente que este assistente tinha efectivamente muitas “histórias de vida” ou “vivências” de experiências sexuais para contar, e mais, para contar com verdade quanto aos actos sexuais propriamente ditos, pois se andava na vida, na prostituição ou nos “esquemas” como o assistente preferiu dizer…pelo que, resulta da experiencia (comum) que eventuais sentimentos negativos, como tristeza ou angústias ou temores poderiam ter outras causas que não eventuais abusos e que as histórias que relatou com estas personagens – arguidos nestes autos, efectivamente pudessem ter ocorrido noutros locais, noutros tempos e com outros homens.
54)      Revelador também do seu carácter e da existência de um qualquer plano em que o Recorrente seja “dano colateral”foi o episódio ocorrido em pleno julgamento, em que o assistente declarou ter ido ao Centro de Saúde (…) onde o Recorrente é (...), alegando urgência no atendimento, e justificando o recurso aquele CentroCentro, pelo facto de o seu Centro de Saúde, o de (…), ter os (...)s e enfermeiros em greve, o que foi desmentido pelo documento de fls...54.547- Declaração emitida pelo Centro de Saúde (…), donde decorre que esteve aberto no dia em causa e a funcionar normalmente. Este episódio aconteceu em pleno julgamento - 15.07.2005 - e teve consequências para o Recorrente que teve que interpor competente recurso para poder continuar a consultar menores.
55)      A enfermeira QL, porque lhe foi pedido pelo Recorrente, esteve presente do principio ao fim da consulta (fls... 34.172 a 34.174), e disse que aquele se  “queixou-se de dores de garganta”, foi observado, e de umas pintinhas, em termos clínicos não lhe pareceu uma situação urgente, e a testemunha HW, administrativa do Centro de Saúde relatou a situação ser apresentada como se de uma urgência se tratasse e referiu, ainda, ao tribunal que era seu hábito informar os pacientes sobre o (...) que iria proceder à consulta, que os horários estavam visíveis com o nome dos (...)s (fls... 34.111 e 34.115).
56)      Nos pontos 107.6 e 107.8 da sentença deu como provado que o arguido K sabia que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos, e que a idade desse menor o impedia de se decidir livremente e em consciência pela prática dos actos descritos de que foi vitima, unicamente com fundamento no facto de o Recorrente ser (...), mas a sua qualificação médica não constitui meio de prova do conhecimento da idade, não tendo o Recorrente alguma vez acedido a dados clínicos daquele, nem resulta das regras da experiência (de vida) que alguém possa distinguir a idade de um rapaz com 13 anos e sete meses, que era a idade do AT em Março/Abril de 2000, considerando que nasceu em (…) (Apenso CB Volume 1 – fls 83), pois facilmente se poderá confundir com um de 15 anos.
57)     Quanto muito poderia o tribunal a quo ter dado como provado que o Recorrente devesse saber a idade do Recorrente, e que ainda assim se teria conformado com o facto de poder ter menos de 14 anos e praticado assim actos sexuais com aquele e preenchendo o tipo de ilícito com dolo eventual ou equacionado que poderia ter havido erro sobre a idade, o que afastaria a sua punição, atendendo às circunstâncias em que os factos (e a história) se revelam (teria sido o assistente a procurar voluntariamente o Recorrente, e que o assistente “andava na vida”) e que atendendo ao seu percurso de vida, deveria aparentar ter uma idade superior à real.
58)      É omissa também a sentença recorrida quanto á fundamentação do facto provado sob o ponto107.8, visto que o assistente andava nos “esquemas” como o próprio preferia dizer, pelo que a prática deste acto, possivelmente não iria afectar o seu normal desenvolvimento, e porque a liberdade na apreciação da prova se circunscreve a à livre apreciação das provas dentro de parâmetros legais e não ao arbítrio, o tribunal a quo deveria ter decidido os factos como não provados e absolvido o Recorrente.
59)      Conforme já indicado nestas conclusões, os factos que integram a prática do crime de abuso sexual pelo Recorrente na pessoa do assistente AI, constantes do capítulo 4.4.2. foram erradamente julgados e foram analisados em conjugação com os factos indiciários constantes do capítulo 4.1.4 respeitantes ao co-Arguido C, visto que  o ofendido AI teria sido vítima de abusos sexuais por várias pessoas na casa da (...), mas só os dois arguidos - Recorrente e C, foram julgados e condenados por tais factos, visto que os demais homens não foram identificados pelo AI.
60)     Decorria da pronúncia (4.1.4.) que o assistente AI fora sexualmente abusado pelo arguido C numa casa da (...), numa quarta-feira, nos meses de Novembro ou Dezembro de 1999, após as 15 horas, local para onde fora conduzido pelo arguido A, juntamente com quatro ou cinco menores, quando lá se encontrava também, o Recorrente K, mas o tribunal a quo deu como provados, em relação aos factos deste capítulo do despacho de pronúncia, os constantes dos pontos 104 a 104.13.
61)     Ao decidir da forma que o fez, o tribunal a quo, alterou os seguintes factos indiciários concretos que constavam na pronúncia, sem que tivesse comunicado previamente a possibilidade de tal ocorrer, e sem que os arguidos tivessem tido oportunidade de apresentar a sua defesa: o momento em que os factos teriam sido praticados, que na pronúncia vinham temporalmente circunscritos ao período posterior às 15 horas – “…após as 15 horas” porque o AI expressamente declarou que só estivera na casa durante a manhã, o número de rapazes que também foram para a casa da (...), e o local onde os rapazes foram apanhados por A, e ainda a (in)existência práticas sexuais à vista ou em simultâneo, tudo alterações relevantes para uma eficaz defesa pelo Recorrente.
62) Quanto aos arguidos que de si teriam abusado, o AI, que segundo o despacho de pronúncia (4.1.4.) primeiro teria sido pelo Recorrente, e depois, decorrido cerca de um mês, por C, diz exactamente o contrário, como se ouviu nas declarações prestadas na audiência de julgamento de 29.11.2005,e na sentença nada se refere quanto à sequência dos abusadores e dos alegados actos abusivos.
63) Tais alterações, além de evidenciarem a insustentabilidade da prova da acusação, que avança para julgamento após exaustivas declarações dos assistentes ao OPC, e de prejudicarem a defesa do Recorrente porque não foram objecto de comunicação aos arguidos nos termos e para os efeitos previstos no art. 358º nº 1 do C.P.P., é nula, visto a condenação por factos diversos dos constantes na pronuncia fora das situações previstas naquele dispositivo, é causa de nulidade da sentença conforme previsto na alínea b) do art.379º do C.P.P. o que se invoca.
64) E apesar de ter sido dado como provado que o Recorrente K estava presente na casa da (...), na quarta-feira, em que os abusos teriam sido praticados por C (104.3) mas, o tribunal a quo não julgou o facto de o Recorrente ter voltado à casa da (...) cerca de um mês depois da primeira vez, onde estaria C, verificando-se que estes factos não constam no elenco dos factos provados nem no elenco dos factos não provados, devendo estar, e tal omissão repercute-se, negativamente na formação da convicção do tribunal a quo quanto à existência dos factos criminosos, o que terá conduzido à decisão sobre a culpabilidade do Recorrente no que a estes factos respeita, configurando esta omissão uma nulidade da sentença, conforme previsto no art. 379º n.1, alínea c) do C.P.Penal.
65) Só o AI falou em julgamento sobre os factos que configuram a prática do crime ocorrido na casa da (...), e fê-lo necessariamente, de forma contraditória com o que disse em inquérito onde prestou declarações por nove vezes (porque o M.P. não se iria enganar tão grosseiramente), e que sempre se recusou a dar acordo à sua leitura em audiência, e evidencia a alteração de factos indiciários operada na sentença a quo e pelos factos não provados, e é o único a falar dos factos mas não porque lá estivesse sozinho, pois como decorre da pronúncia e da sentença, pelo menos estariam lá mais de nove ou dez pessoas.
66) Mas apesar de descrever abusos sexuais, ou a prática de actos sexuais, o AI não localizou a casa dita casa da (...), não descreveu o prédio, apesar de conhecer mais ou menos a (...) pois tinha lá colegas do CZ, não identificou nenhum dos colegas que o acompanharam, não descreveu os adultos que na casa estavam, nem sequer os dois arguidos e o co-Arguido A não confirmou ter mandado ou levado o AI à casa da (...) e o AI não confirmou o período temporal circunscrito na pronuncia – disse que fora no ano lectivo em que estava no 7º ano, que era o de 1998/1999, mas se o tivesse feito, o registo das suas faltas escolares nesse período não confirmam manhãs inteiras de faltas injustificadas no ultimo trimestre de 1999, tudo conforme resulta de prova e contraprova exaustivamente evidenciada nas motivações deste recurso.
67) A análise crítica da prova resultante das declarações do assistente/ofendido AI, cotejada com as declarações do co-Arguido A e com as do Recorrente, e com o que foram os depoimentos de várias testemunhas, entre as quais OH, SR, educadoras XH, NL, YV, NK, e de CG, WJ, também de HW, CCH, ZV, CCO, WX, HS, HY, bem como a prova documental, tudo como se analisa na motivação deste recuso, impunha dar os factos como não provados.
68) A fls. 6.502 dos autos, consta o auto de reconhecimento localização da “casa da (...)”, de 07.07.2003, onde resulta que não foi capaz de localizar a casa (o que se apresenta como conveniente).
69) Nas declarações do assistente AI (a.j. de 29.11.2005) este expressamente localizou as idas à casa da (...) no ano lectivo de 1998/1999AI – Foi 98/99 (noventa e oito / noventa e nove).Juíza Presidente – Porque é que diz isso?AIPorque foi no primeiro ano que eu entrei para lá.Juíza Presidente – Entrou para a IIR para o sétimo ano.AI – Exactamente.Juíza Presidente – Esteve do sétimo ao décimo tendo reprovado no oitavo. Lembra-se se foi antes ou se foi depois de ter reprovado?AIFoi antes. Foi no sétimo.Juíza Presidente – Foi antes? AI – Foi no sétimo. , o que é confirmando documentalmente pela informação da Inspecção Geral do Ministério da Educação, constante de fls. 259 do Apenso Z -15, e a fls. 2 a 5 do apenso DD, confirmam que o ano lectivo de 1998/99 era o primeiro ano do assistente naquela escola, o que notoriamente afastava o período da acusação – Outubro ou Novembro 1999, porque o ano lectivo 1998/99 começara em Setembro de 1998 e a terminar em Junho de 1999.
70) Ainda que assim não se concluísse, o AI em declarações prestadas em audiência de julgamento conforme motivado, disse que as duas deslocações ocorreram durante a semana, em dias de aulas, que faltou, e sempre durante a manhã e A afirmou, fundamentadamente, que as boleias teriam ocorrido a uma sexta-feira e a um sábado, com a justificação porque assim estava convencido, mas a prova documental desmente as declarações do AIfls. 60.992 a 60.996 dos autos, que comportam o horário escolar do AI no ano lectivo de 1999/2000, das faltas escolares por aquele dadas de 20/09/1999 a 28/06/2000, decorre que o assistente AI nos meses de Outubro e Novembro de 1999, não tem registos de faltas injustificadas durante manhãs inteiras, havendo apenas uma manhã, a do dia 13/10/1999, mas do documento de fls. 358 e 359 do apenso Z-15, resulta cristalinamente que as faltas dadas a matemática, que é o primeiro tempo do período da manhã, são “… todas de atraso”, a fls 361 (10/12/1999) do Apenso Z-15 – 1º Volume, que o assistente não falta intercalarmente nem sai da escola, apenas um dia em que não houve aulas foi para o (…).
71) Do documento de fls 46 do Apenso W 16, resulta que o AI, no dia 13 de Outubro de 1999 esteve numa consulta durante a manhã, e no resumo do Livro de ocorrências do Lar FU, onde o AI viveu, referente ao período de 1997 a 2000, existe um registo no dia 13.10.1999 – “saída para consulta” Apenso W 13.
72) Ainda que efectivamente o AI faltasse às aulas, a verdade é que o tribunal a quo também deu como provado o que consta dos factos provados 96.14 e 96.15 da sentença de que se recorre, e referentes aos crimes de abuso sexual cuja autoria é imputada a A, e segundo tais factos, o assistente durante os meses de Novembro de 1998 a Dezembro de 2000, por vezes, encontrava-se de manhã com aquele arguido e ia para casa dele, mesmo antes de ir para as aulas, pelo que a existência de faltas não poderia significar que fossem dadas por ocasião das imaginadas idas à casa da (...).
73) Por sua vez, o Recorrente K, juntou aos autos prova documental, folhas de ponto do Centro de Saúde (…), Extensão da (...) (…), donde decorre que em 1999 ali prestava trabalho com o horário de entrada às 10 horas e saída às 14 horas, de segunda a sexta-feira, conforme documentos que se encontram a fls. 54.486 a 54.546 dos autos.
74) Mas o tribunal a quo não considerou as provas por si apresentadas, desvalorando - as fruto de uma errada e distorcida valoração da prova testemunhal prestado por CCH, CCO e ZV, e dos documentos fls. 51 a 58, do "Anexo A", do Apenso X, pasta 1, que deveriam ter sido interpretados juntamente com os de fls 54, 55, 57, 58 inseridos no "Apenso X", pasta 1, fls..2, 8 a 15 todas do apenso X, Livro 1e do depoimento da testemunha WX, que o Recorrente era um (...) dedicado e atento, e que a Directora tinha um litigio com o Recorrente,   sob pena de se fazer uma conclusão errada quanto ao efectivo cumprimento do horário laboral pelo Recorrente. A certidão é fiel reprodução dos documentos originais e estes não poderiam ser aniquilado como meio de prova em resultado de suposições sustentadas em meias verdades. Andou mal o tribunal e violou grosseiramente o direito do Recorrente a um julgamento justo e o princípio de presunção da inocência, principio constitucionalmente consagrado no art. 32º nº 2 da C.R.P. o que deverá ser apreciado.
75) Relativamente a questões relacionadas com o local onde o AI era apanhado por A para ir para a casa da (...), decorrem também aqui evidentes contradições entre o que foram os factos indiciários – que era apanhado junto ao (…) (na (…)) e o que o Assistente declarou em audiência de julgamento – que era apanhado junto ao (…) o que foram as declarações de A – que estava em CZ deu as boleias para a (...), o que levou o tribunal a quo a dar como provado que era apanhado em “… local não concretamente apurado mas combinado com o assistente…” – ponto 108, pelo que a valoração da prova foi, também neste segmento da decisão, arbitrária e violadora do dis(...) no art. 127º do C.P.Penal.
76) Impunha-se concluir pela inexistência de quaisquer provas que o Recorrente tivesse efectivamente estado numa casa da (...) com o AI, se afinal este nem a casa pôde descrever, nem tão pouco identificar, idem para os seus colegas, como é credível ou possa resultar da experiência comum que o assistente se pudesse lembrar do Recorrente, com quem afinal teria estado breves minutos.
77) O assistente não apresentava quaisquer sinais de trauma em relação ao Recorrente, nem tão pouco às práticas sexuais a que diz ter sido submetido. Conta disso mesmo, deu o perito Prof. Dr. BR, no relatório do Exame (...)-Legal de fls.7.612 a 7.618, na seguinte expressão que resume a sua observação dos sinais observados ao AI: “…importa assinalar a simplicidade e a coerência do seu relato, aparentemente debitado sem reservas, nem artifícios, sugerindo, além do mais, uma deficiente interiorização de interditos sociais e normas morais”.
78) A identificação do Recorrente como o abusador do AI, que conforme já alegado nestas conclusões a propósito do AT, qualificamos como sendo nula, vício que é extensivo a todos os reconhecimentos pelos assistentes ocorridos no OPC, foi efectuada de forma a criar uma dúvida razoável, senão a certeza, que o Recorrente não era o agressor sexual do AI. A evolução da indicação do Recorrente como agressor, foi a seguinte: auto de Reconhecimento do local, que consta nos autos a fls.6.502, de 07/07/2003, onde consta:“Acrescenta ainda que foi conduzido a tal local por A para a prática de actos sexuais com um indivíduo adulto que não identificou”, TIC de (…), que consta a fls. 19.042/44 dos autos: “ Acha que foi três vezes á casa da (...) e sempre lá viu o Dr. K que sabia ser (...)-chefe na AX”, cargo que o Recorrente nunca teve cfe. pontos 168.3 a 168.14, o qual era ocupado desde 1993 pelo Dr. HY, como este informou em audiência e em audiência de julgamento identifica o Recorrente quando perguntado porquê responde (a.j.15.12.2005) “Juiz: porque é que numa altura disse umas pessoas, e noutra altura diz umas pessoas e mais outras, nomeadamente, em audiência de julgamento vem acrescentar ao que disse à Srª Juiz de Instrução, o Sr. K? AI – ... Simplesmente "tava" cansado de “tar” a dizer as mesmas coisas, e daí podendo não ter explicado... tudo o que já tinha dito antes. Mas a verdade é que até aí ainda não tinha falado no Recorrente como o tribunal a quo muito bem sabia.
79) Declarou o assistente em julgamento (a.j. de 29.11.2005) que apenas ligou o nome à cara, ou seja passou a identificar a pessoa, quando foi fazer declarações à Policia Judiciária - o que contraria o que disse no TIC de (…), não conhecia nenhuma característica física do Recorrente – nem sequer a sua (…), a fls.60.112, e admitiu nunca ter falado com ele (ao ponto de o juiz lhe ter perguntado se era um filme mudo), e em (12.12.2005) só após ter visto o álbum mais do que uma vez e na fotografia de grupo onde estava o Recorrente, estava também o actor LLN, pessoa quem o assistente reconheceu antes de indicar quem era o seu agressor… AI – Não. Fiz uma brincadeira mas foi por causa do Sr. LLN. Disse que, por causa daquela... daquele sketch que ele faz do, que fazia do (…). Comecei-me a rir por causa disso e depois disse que reconhecia o que estava do lado direito da senhora. Juiz LLO – Reconhecia como quê? Como... Reconhecia...AINão. Reconhecia. Simplesmente reconhecia. Perguntaram-me quem era, e eu fiquei assim um bocadinho... não tendo a certeza”.
80) E não foi devidamente ponderado o que resulta do documento constante de fls 37/38 do apenso DD – que é um relatório elaborado em Julho de 1997, pelas técnicas da AX – Serviços de Admissões, elaborado pela assistente social JZ e pela psicóloga YK, donde resulta que o desenvolvimento cognitivo do AI está situado dentro dos parâmetros médio-altos, e que a prova menos conseguida, embora dentro da média, tem a ver com a memória visual imediata, a previsão associativa …o que geraria a dúvida quanto á possibilidade de o assistente conseguir reproduzir com alguma fidelidade e com a certeza necessária para o tribunal não ter dúvidas, que era o Recorrente e não um qualquer outro homem parecido.
81) O tribunal a quo deu como provado quanto aos factos que configuram a prática do crime de abuso, os constantes dos pontos 108.3 e 108.4, “tirou o seu pénis para fora das calças, introduziu o seu pénis na boca do menor que o chupou”, “tendo também o arguido introduzido o seu pénis no ânus do menor que o chupou” – unicamente com base nas declarações do assistente que como é facilmente perceptível nas suas declarações, não se comove, não hesita, não descreve detalhes da habitação, como por ex. o chão, o sofá, a cama, o tecto, ou do seu agressor, a sua cicatriz, o seu odor corporal, o seu peso, o que dizia, se usava preservativo, lubrificante, a brutalidade da penetração, os seus sentimentos, a vergonha, a tristeza…. Nada! Não resultará das regras da experiência que quem é abusado não faz um relato desta ligeireza, o que revela na resposta que dá à Juiz a quo quando lhe pergunta, então e depois? Resposta do AI: O procedimento normal. Eu vinha-me embora e ia para o (...) com o Sr. A.
82) Na própria sentença recorrida, o tribunal dá eco do estado do AI ao depor, descrevendo a sua atitude como: “… controlada, cautelosa, que não falou com à vontade”fls 67.543, o que deveria indiciar a inexistência de quaisquer actos abusivos.
83) Mas o tribunal a quo foi induzido em erro quanto à sinceridade do AI, porque interpretou indevidamente as conclusões (...) legais do Exame (...) de natureza sexual efectuado em 08.05.2003, que consta a fls. 7.611 a 7.618 dos autos e donde decorre que o AI apresenta " ... sinais a nível do ânus compatíveis com a prática repetida de coito anal..", exame (...) fora efectuado em Maio de 2003 e o AI confirmou ao tribunal que tinha deixado de ter relações anais em 2001, conforme consta da sentença a fls 67.542 “esta vida de passar estas manhãs por casa do A em 2001” acabara em 2001 –, e em audiência de julgamento (a.j.05.12.2005), já de forma mais explícita declarou: “Não. Nunca fui abusado antes de, antes do Sr. A, e depois também não”.
84) O perito Professor BR, em audiência esclareceu “Portanto, nós em rigor em rigor, só podemos estabelecer, portanto, um diagnóstico temporal baseado, portanto, no limite dos dez dias. Até aos dez dias que é o tempo, o tempo médio de que estas lesões… salvo… há sempre casos que fogem á regra mas, quer dizer, o tempo médio de cicatrização das lesões, portanto, é até dez dias. Portanto, até dez dias é recente; para além dos dez dias é não recente. A gravidade das lesões, isto é, o maior ou menor apagamento das pregas, a existência de fissuras persistentes, a hipotonia ou até, nalguns casos grave hipotonia para não dizer tonia, portanto, do esfíncter anal, a caracterização da mucosa, são esses elementos é que nos permitem dizer que houve uma situação repetida, não podendo dizer se foram sete, dez, quinze, vinte, trinta vezes e se ocorreram durante um, dois, três ou quatros anos, quer dizer, portanto. Tão só isso.; Adv. JJS: Portanto, não pode fazer nenhuma datação, nenhuma espécie de datação? BR: – Não, não se pode fazer datação, sendo evidente que o assistente teria tido relações anais recentes, juízo técnico que está subtraído à livre apreciação do julgador, e que não foi considerado pelos Ilustres julgadores, que dele teriam que retirar necessariamente, não que o assistente tivesse sido abusado sexualmente em Outubro ou Novembro de 1999 pelo Recorrente, mas que o assistente apresentava sinais de práticas recentes de coito anal e que estas até poderiam ser consentidas.
85) O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o art.º 163 do C.P.Penal consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, art.º 127º do Código Processo Penal, estando o julgador amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
86) Ora tal não aconteceu e não se descortina qualquer possibilidade de o tribunal poder divergir do juízo pericial. Conclui-se, assim, que na decisão recorrida e quanto ao ponto em questão foram violadas as regras sobre a apreciação e o valor da prova, o que se enquadra no conceito amplo de erro notório na apreciação da prova (cfr. ensina Castanheira Neves, Há um tal vício quando um homem médio, rectius, um juiz normal, perante o que consta do texto da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal (...) desrespeitou as regras sobre o valor da prova art.º 410º n.º 2 al. c.) do C.P.P.).
87) E não foi considerado o importantíssimo auxiliar à boa decisão da causa enviado aos autos pelo Recorrente - parecer junto aos autos pelo Recorrente de fls. 52.230 e seguintes, da lavra do Professor LLL, Perito (...)-legal, cuja reputação científica é por demais conhecida como sendo uma pessoa de alto gabarito em matérias relacionadas com a medicina legal e forense, que após ter analisado os relatórios dos exames de sexologia forense realizadas a alguns assistentes, entre os quais o AI, emitiu o parecer, donde decorre: “O facto do examinando poder apresentar sinais locais de abuso sexual não permite afirmar seguramente que tal prática tenha acontecido com determinado suspeito. Só a presença de vestígios biológicos do abusador conjugados com sinais físicos e com uma informação credível permitem estabelecer um nexo de causalidade entre abusador e a vítima” e ainda mais esclarecedor “É frequente neste tipo de situações os examinados, quando jovens, relatarem factos que não são precisos e acusarem pessoas que não são os verdadeiros abusadores dos processos em apreço”. Meios de prova esquecidos pelo colectivo.
88) Parecer donde decorre ainda o seguinte relativamente ao assistente AI, e sobre a análise do relatório do exame sexual daquele escreveu que: “…Ora uma penetração por instrumento contundente, que não o pénis, provoca o mesmo tipo de lesões, designadamente as erosões, conforme o próprio perito aceita ao referir que essas lesões resultaram de instrumento de natureza corto-contundente”.”, o que deveria ter sido interpretado “cum grano salis” e conjugado com as declarações da testemunha YV, educadora (a.j.do dia 04.05.2006) que relatou que ela e as colegas sabiam que o AIQue ele estava muito transtornado e inclusivamente sexualmente transtornado”sic., e que “que ele realmente estava a fazer coisas que não devia com mais novos, portanto não seriam aqueles jogos normais de, com pessoas da mesma idade, mas sim com pessoas mais novas, e não só, tinha outros comportamentos como…”, “…soube-se que ele tinha abusado de um rapaz de outro lar e que ele me contou sim senhora, ele contou-me e o outro rapaz do outro lar também”, “…Fazia jogos sexuais com pessoas que eram muito mais novas do que ele…”- o que se confirma documentalmente fls. 4 (de 31.05.2002), fls 16 (29.04.2002) do Apenso DD, e mais à frente no seu relato, conta um episódio em que o AI se teria masturbado na sala de estar e teria introduzido uma maçaneta no ânus – o que afinal poderia ser o objecto que lhe deixou marcas… e não penetrações penianas, o que aliás confirmaria o douto parecer do Professor LLL.
89) Como esta testemunha também deu a conhecer ao tribunal, foi ela que na sequência da constatação destas perturbações sexuais, deu conta à psicóloga e demais educadoras do AI e à Direcção da AX (…), que marcaram consulta para a pedo-psiquiatria, o que é consentâneo com o relatório da Dra. GK, de fls. 19 Apenso DD, donde decorre que o AI foi por esta médica acompanhado nas (...) da sua especialidade, desde Abril de 1999, por comportamentos de opressão e agressividade, e que teve um passado marcado pelo abandono e rejeição familiar, e que o marcaram profundamente. Aliás a testemunha YV também relatou em juízo que o AI lhe havia contado ter-lhe acontecido uma coisa: “e ele disse que foi antes de ir para o (...). E eu perguntei se ele me podia dizer quem é que tinha sido e ele disse que já tinha sido há muito tempo e que tinha sido um namorado da mãe, pronto não me disse concretamente quem tinha sido”.
90) E dos referidos documentos decorre que o AI à data com 15 anos teve comportamentos considerados menos próprios pelas educadoras NL, ZF e XH, que tal relataram, e que envolveu duas alunas, uma de 7 anos e outra de 8 anos, sendo o seu comportamento de tal forma grave e reiterado que determinou o seu pedido de “…transferência urgente, se possível para um lar masculino”, conforme resulta de fls. 15 (30.04.2002), fls. 15, do Apenso DD.
91) Factos abusivos que foram pelo assistente negados em audiência de julgamento (a.j. de 05.12.2005), como negou a razão da sua saída do Lar FU, “Juíza Presidente – Houve alguma razão para passar, alguma razão concreta para passar do Lar FU para FD?AI – Aquele lar estava a ser, pronto, todos os mais velhos estavam a sair porque aquele Lar estava a ficar para menores, com mais pequenos do que o normal e como eu não podia sair da AX naquela altura, transferiram-me para CZ. Juíza Presidente – Portanto, foi por uma questão de idade? AI – Exacto”. Mas do depoimento da testemunha NL, ( a.j. de 26.10.2006) educadora do AI, decorre que ele sabia a razão para a saída: “Advogada:E foi porquê? Porque é que ele foi transferido? NL:Foi por essa razão, da garota. “Advogada: É que o AI, o AI quando esteve aqui em Tribunal disse que não sabia porque é que tinha sido transferido. Mas, tem a certeza que ele sabia, que ele soube? NL: Soube. Depoimento cujas declarações foram bisadas pela educadora XH, educadora desde 07.01.1997 no BF da AX, Lar FU (a.j. de 08.01.2007) “Dr. LLP – Ele é que abusou de colegas mais novos?XH – Sim, sim.; adv.Dr. LLP – Recorda-se de quem precisamente, em concreto? XH – Antes de eu entrar foi dos irmãos (…); de outra educanda chamada LLQ”, “E… já quando eu exercia funções lá no Lar, tentou da LLR”adv. Dr. LLP – Que idade teria o AI nessa altura?XH – Penso que uns 12 (doze), 13 (treze), por volta dessa idade”., pelo que uma ponderada e devidamente valorada ponderação destes depoimentos forçosamente concluiria que o assistente mentia. Assim o impunha as regras previstas no art. 127º do C.P.Penal e os seus direitos constitucionalmente consagrados art.32º nº 2 da C.R.P. o que foi, mais uma vez infringido pelo tribunal a quo.
92)      Errou também o tribunal a quo ao dar como provado que após a saída da dita casa da (...), o A tivesse dado dinheiro ao assistente AI, como se fez consignar nos factos provados (108.5) ou que o A tivesse recebido dinheiro por ter conduzido o assistente à casa da (...), porque tendo o A negado os factos, a prova reduziu-se às declarações do AI, e quanto a estes factos o que ele declarou foi não ter a certeza de ter visto o A a receber de alguém.
93)      Resultou ainda das declarações do assistente AI que este convivia com vários outros “ofendidos” assistentes deste processo, o que deveria ter suscitado a questão de os depoimentos estarem efectivamente influenciados pelas conversas que os assistentes iam tendo e transferindo eventuais vivencias de uns para outros, quer porque vivessem juntos quer pelo convívio que foi admitido haver em jantares e encontros antes e após o julgamento, que também contavam com a presença da (...)a BP, Dr. BL, BBB e Dr.IX. AI admitiu não ter esquecido uma frase que diziam: “Temos que ter força para meter eles todos lá dentro”.
94)     Que havia um convívio regular entre os assistentes foi também confirmado pela testemunha DDU, educadora da AX (aj de 14.12.2005) que disse em disse em audiência saber, que no ano de 2005, ou inicio de 2006, os assistentes AP e X viverem juntos num apartamento que depois viria a ser partilhado pelo assistente AI.
95)      E o tribunal deveria ter percebido que o assistente AI mentiu mais uma vez em audiência quando afirmou que não tinha tido mais contactos com o co-Arguido A, porque se veio a demonstrar que afinal teve, e variadíssimos, só no mês de Novembro de 2002, conforme decorre do Apenso ADL houve mais de 40 chamadas entre os respectivos números de telemóveis, o que foi evidente na audiência de julgamento de 14.12.2005. Mas o tribunal, usando um critério completamente distinto e contrário, ao que usara quando detectara os registos de chamadas efectuadas por alguém do número usado pelo arguido E e por alguém de um número de telefone afecto à sua Clinica médica, que não sabemos qual, desvalorizou a existência destas chamadas e credibilizou as declarações do assistente condenando assim, ilegitimamente, o Recorrente. Dois pesos, duas medidas.
96)     A tudo o que o Recorrente acusa o tribunal a quo de ter “esquecido” ou ter sido desvalorizado na sua árdua tarefa de julgar a imensa prova que perante si foi produzida ao longo dos anos – e como vimos não de todos que duraram a fase do julgamento, há que acrescer uma prova relevante para auxiliar a compreender a personalidade e o carácter do assistente AI, que integra o Apenso Z-11 de fls.. 142 a 164, que é o relatório de perícia colegial sobre a personalidade do declarante, realizada em Março de 2008, pelos peritos CR, CT e CV, requerida pelo tribunal a quo para dar resposta a uma única pergunta, se o AI tinha ou não capacidade de testemunhar no presente processo, mas donde resulta que na escala de Millon II, para o enquadramento do perfil de personalidade (conforme já supra desenvolvido em relação ao assistente AT) – os resultados para o AI, numa escala de 0 a 120, foram os seguintes: Narcísica é de 80;  Compulsiva é de 115; Paranóide é de 110; Delírios psicóticos é de 105; Desejabilidade é de 95;
97)     Apesar de a perícia ter concluído pela sua capacidade para testemunhar, a verdade é que a sua personalidade apresenta traços compulsivos, paranóides e o grau de delírios psicóticos apresenta-se como atingindo quase o máximo da escala, o que seguramente porá em causa a veracidade dos seus relatos, conjugados com as demais provas apresentadas pelo Recorrente que militam quanto á impossibilidade de os factos terem ocorridos.
98)     A decisão recorrida dá também como provado (108.6)  que “O arguido K sabia que o AI que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos”, sendo certo que à data em que teriam sido praticados os actos sexuais- Outubro ou Novembro de 1999, este teria já completado 13 anos, há um ou dois  meses, porque (…), e esta decisão fundamenta-se unicamente no facto de o Recorrente ser (...) (fls. 67.609) da sentença.
99)      Mas o facto de efectivamente o Recorrente ser (...), por si só, visto que não era (...) do AI, não permite distinguir se um rapaz tem 13, 14 ou 15 anos, visto que não há nenhum sinal característico de cada uma das idades referidas, tendo, muitas vezes rapazes de 12 anos uma maturidade prematura, assim como alguns mais velhos poderão ter aparência de ter menos idade.
100)    E quanto AI não feita prova alguma que este aparentasse mais ou menos idade, nem que o Recorrente soubesse a idade do AI, tendo inclusivamente o assistente revelado em audiência de julgamento, ser conhecido pela alcunha de um herói da mitologia grega “(…)”, o que poderia indiciar que teria um desenvolvimento físico precoce. Mas o Recorrente (apesar de não o conhecer) não sabia, nem podia saber a idade do AI, nunca o consultou como (...), nunca viu qualquer documento daquele onde constasse a idade e não foi feita qualquer prova que permita suportar a afirmação que o (...) só por o ser, consegue determinar a idade de 13 anos de um rapaz, que é o fundamento do facto provado que permite o preenchimento do elemento subjectivo do tipo de ilícito, o que impunha a absolvição do Recorrente.
101)    O exercício do contraditório quanto ao assistente AI (tal como aconteceu com os demais assistentes) foi condicionado pela interpretação efectuada pelo tribunal dos normativos dos art. 346º nº 1 e 347º, nº 1, ambos do C.P.Penal, e que não é conforme às garantias constitucionais de defesa do arguido – art. 32º nº 5 da CRP.
102)    O Tribunal a quo julgou provados os factos constantes dos pontos 110 a 110.9 da sentença, o que permitiu julgar verificados todos os elementos do ilícito imputados ao arguido sob o capítulo 4.4.4. do despacho de pronúncia em que é ofendido o assistente AC. Mas se a avaliação da prova produzida em audiência, se tivesse contido dentro dos limites do dis(...) no art. 127º do C.P.Penal – quanto à exigência de certeza necessária, que respeitasse a presunção da inocência do arguido e o princípio do in dúbio pro reo, os factos teriam sido julgados não provados. Mas quanto a este capítulo, o que se verifica é uma análise, ponderação e decisão da prova que não segue um processo lógico ou racional violando a decisão, desta forma, o preceituado no art. 32º nº 2 da CRP, tal como o art. 6º § 2 da CEDH. A livre apreciação da prova não se pode confundir com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressu(...)s valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio su(...) pela ordem jurídica, o que quanto aos factos que integram este capítulo da pronúncia não foi cumprido.
103)    Decorre daqueles factos provados, que o ofendido AC foi vítima de abusos sexuais por parte do Recorrente, durante o ano de 1997, no (...) (...) cito na (...) (…), por, pelo menos, em duas (...) ter praticado actos sexuais com este menor, quando ele teria 9/10 anos de idade. Mas o Recorrente nunca abusou sexualmente de AC, tendo proclamado a sua INOCÊNCIA e salientado a manifesta improbabilidade do relato – actos masturbatórios num gabinete de um Centro de Saúde (…), de grande movimento, sem a porta trancada, que como se provou não tinha fechadura.
104)    Os factos foram dados provados unicamente por o tribunal a quo ter valorado as declarações do próprio assistente (que tinha um interesse na causa, já havia recebido cinquenta mil euros de indemnização, certidões juntas aos autos a fls. 55.479 – apenso Z-16, e pedido de indemnização cível o valor de cento e noventa mil euros, fls. 14.619) e do testemunho da irmã e em deduções e conclusões que extravasam o princípio da livre apreciação da prova e como tal não têm qualquer fundamento.
105)    O tribunal a quo deu como provado que o Recorrente deu (...) no (...) do (…) em 1997 (110.2) mas está documentado nos autos que o Recorrente deixou de acompanhar os alunos de FA, enquanto (...) de família, no ano de 1996, fls. 44.660 a 44.666 – carta do arguido K, do Centro de Saúde (…), extensão da (...) (…), para Directora FA, Dra. RN, por causa da questão da autorização para fazer análise a utentes (13/04/96); Carta da AX para K, sobre a questão das análises, pois está em causa também o laboratório (25/09/96); Carta da K para Directora FA, em resposta carta que antecede, em que ficará apenas disponível para situações de urgência (25/9/06); e carta de 26/9/96 de K para Directora FA, sobre questão de análises, por Dr. HY não deixar os educandos fazerem as análises requisitadas por K ...sendo seu desejo continuar com as boas relações que sempre tem tido com AX; o que é suportado pelas declarações da testemunha ZQ (a.j. de17.09.2007), que começou a exercer a sua qualidade de médica na AX, BF, entre de 1996 a 2001, passando ela, enquanto (...) geral a ver os alunos deste (...) que apenas iam ao (...) do (…) em situações de urgência.
106)    Ainda assim, o tribunal convenceu-se, e mal, que o Recorrente teria observado o assistente em três (...) no ano de 1997, conforme trecho da sentença que se transcreve por dele ser manifesto o erro de raciocínio em que os julgadores incorrem (…) Quanto ao número de vezes que os factos ocorreram, das declarações do assistente, conjugadas com as das educadora QF – que apenas permitem configurar a possibilidade de não estar presente na consulta como uma excepção e não com uma regra -, o Tribunal apenas pode dar como suficientemente provadas duas vezes(…)( pois as (...) foram pelo menos, três vezes, mas uma delas foi aquela em que a educadora esteve presente por causa de mostrar o raio-x” cfe. fls. 67.335 dos autos.
107)    Mas dos documentos juntos aos autos, a fls 35.547 V., que é um documento onde são inscritos manualmente as (...) e exames do assistente, resulta apenas uma única inscrição referente ao Recorrente, datada de 26.12.1997, que é:“Passado credencial pelo Dr. K-TAC”, que por sinal é precedida de um registo de 02.12.1997: “Passei credencial para a consulta de neurologia (1ª consulta) em deficientes Motores”, inexistindo qualquer outro apontamento que mencione o Recorrente, sendo lógica a conclusão que a passagem da credencial pelo Recorrente teria sido prescrita na consulta antecedente. Mas não foi este o percurso lógico efectuado pelo tribunal a quo.
108)   O AC foi inscrito no Centro de Saúde (…), extensão Dispensário (…), no dia 8 de Fevereiro de 1996, e no ano de 1997 esteve no referido centro por quatro vezes, (12/03; 14/7, 23/09; 24/11;), conforme decorre de fls 31.579, local onde o Recorrente não exercia as suas funções nesta extensão, mas sim a médica LLS, que assina a carta a fls.31.578 e especificamente para (...) de alergologia.
109)   E o assistente AC foi inscrito nos cuidados primários, como primeira inscrição no centro de saúde (…), extensão do (…) em 10 de Janeiro de 2000, sendo o seu (...) o Dr. HHA, conforme resulta de fls. 14 do apenso X, mas ainda assim, e em 17.05.2000, o Recorrente atendeu o AC, no centro de saúde (…) - Extensão do (…), tendo anotado na ficha escoliose e grande desnível na anca, pede rx à coluna. (fls 3093), e em 22.01.2001, nova consulta em que foi registado na ficha (...) no computador: “RX. coluna com desvio escoliótico lombar dextro convexo com ligeira rotação dos corpos no sentido da concavidade. leve acentuação da lordose fisiológica lombar….” Maleitas que são compatíveis com as declarações do assistente, que em audiência de julgamento (a.j. 21.11.2005) declara: “Recordo-me que o K, eu ia a uma consulta com, várias (...) com dor de coluna e ele mandava-me despir as calças e as cuecas e mexia no meu pénis” “Porque também houve masturbação. Uma das (...)”, Ele mexia no pénis dele”, “E eu ia lá com dores de coluna e ele mexia sempre no meu pénis, também”, ”Juíza Presidente – Isto aconteceu quê, uma vez? ACSim, uma vez masturbação, mas nas outras vezes ele mexia sempre na minha pila, no meu pénis. Juíza Presidente – E ao todo, a quantas (...) em que o Sr. K tenha mexido no seu pénis é que o senhor se lembra de ter ido? ACNão me lembro, sinceramente, não me lembro. Juíza Presidente – Pelo menos duas vezes? AC – Sim, sim. Juíza Presidente – Três? AC – Ah, ah, creio que foi duas ou três vezes?Juíza Presidente – Mas Sr. AC, quantas vezes é que se lembra de ter ido a estas (...) com o Sr. K a queixar-se das dores na coluna? AC – Pelo menos umas três vezes ele mandou-me fazer uns raios-X num outro hospital que não me lembro qual era, e mandou-me lá ir entregar os raios-X, mas dessa vez não conseguiu fazer nada porque a minha educadora entrou comigo. Deveria ter causado alguma perplexidade aos Ilustres julgadores o facto de haver (...) em 2000/2001 com o Recorrente e o assistente não se ter recusado, visto que se tinha sido abusado há três anos numa consulta, o que revelaria alguma coerência intrínseca nas suas declarações.
110)    Pelo que, seria razoável concluir que o assistente reportava os abusos a estas (...) e não a quaisquer outras para as quais não havia registos conforme certidão emitida pela Coordenadora da Sub-região de Saúde (…) em 08.01.2004 que se encontra a fls 54.484 que diz “Não existem quaisquer outros dados contidos em ficheiros manuais, referentes ao mesmo utente” pelo que seria impossível o Recorrente ter atendido o assistente em 1997 em consulta, sem que estivesse inscrito, o que apenas veio a acontecer em 10.01.2000 e como utente do Dr. HHA.
111)    Mas o tribunal presumiu a existência de, pelo menos três (...) com o Recorrente em 1997 (que não constam registos nos autos) e deduz que o Recorrente, aproveitando uma ida à casa de banho da educadora, ou mesmo o carimbo de uma receita (aqui a experiencia comum diria que as receitas são carimbadas no fim das (...)), abusou do assistente, pelo que mal decidiu o tribunal ao dar os factos como provados constantes do ponto 110.3 da sentença, o que fez violando o dis(...) no art. 127º do C.P.Penal.
112)   Ainda que existissem registos das (...) ou que existisse prova segura que estas tivessem de facto ocorrido em 1997, que pudesse destruir a credibilidade da informação documental certificada e da autoria da Coordenadora da Sub-Região de Saúde (…), os relatos do assistente quanto à descrição do (...) não são fiéis, e apontam para outro gabinete daquele centro de saúde, e a descrição do que era a rotina habitual e o movimento diário no gabinete do Recorrente no Centro de Saúde (…) – que nem sequer fechadura tinha, mas mero trinco e que era regra a entrada dos acompanhantes nas (...), não permitia dar os factos como provados. A tudo isto acresce ainda o facto de o assistente aos 9/10 anos já ter problemas de saúde complicadíssimos, bem como problemas psicológicos, o que tornaria impraticável que estivesse sozinho nas (...), pois a sua capacidade de entender as prescrições e as questões médicas a que teria que responder para um cabal diagnóstico e acompanhamento clínico – e o assistente disse que o Recorrente não falava nas (...) – não o permitiria.
113)   Que assim é, confirmaram as testemunhas WX, enfermeira que prestou serviço naquele centro desde 1989/90 a 2003 (a.j.23.10.2007) que explicou que o gabinete de enfermagem se situava ao lado do gabinete do Recorrente, que este trabalhava de porta semi-enconstada, ia lá muitas vezes e“mal batia já lá estava”, e que em relação às queixas “Nunca houve nenhuma queixa” “Jamais”, e ainda que “os alunos iam sempre acompanhados, os acompanhantes entravam para as (...), o enfermeiro BBV que era enfermeiro chefe e vogal da direcção do centro de saúde da graça, que funcionava na extensão do (…), que não tinha conhecimento de “nenhuma” queixa de doentes quanto ao atendimento do prestado pelo Recorrente, e que os gabinetes são todos diferentes, o mobiliário era idêntico, secretarias marquesas, e que o Recorrente fazia o atendimento dos doentes com a porta “entreaberta” “sempre” e disse ainda que o gabinete do Recorrente situava-se no “primeiro piso, à direita da porta de entrada ao lado do gabinete de enfermagem”, onde era muitas vezes solicitado para dar “sugestões de tratamento em feridas, no atendimento da mulher”, o que acontecia durante a permanência que estava em (...), o que também foi confirmado pelo depoimento da enfermeira ON.
114)    As educadoras da AX que a seguir indicaremos e com referência ao período que o foram falaram da rotina: YZ (desde 1986 a 1999) disse que acompanhou o AC a (...) no Centro de Saúde do Recorrente, não tendo constatado qualquer comportamento anormal ou diferente deste quer em relação ao AC quer a qualquer outro aluno, QN (desde 1988) esclareceu que conhecia o Recorrente pois este era (...) de família dos educandos, embora nunca tenha acompanhados os educandos devido ao seu horário, diz que os mais novos eram sempre acompanhados durante as (...), PS (1995 a 1997), conhecia o Recorrente por este ter sido (...) dos educandos, tendo acompanhado alguns às (...), entrando no gabinete (...) e ai permanecendo até ao final das (...), pensa que era um procedimento normal e habitual relativamente aos restantes educadores e que o (...) nunca lhe pediu para que saísse das (...) ou sequer sugeriu que o fizesse e que existiam directivas no sentido de se acompanharem os educandos ao (...), embora o permanecer no interior do gabinete enquanto durava a consulta fosse prática sua e dos seus colegas, WV, (1986 a Abril de 2001) conhece o Recorrente por este ter sido medico dos alunos internos, acompanhou-os ao centro de saúde, e entrava sempre no (...) durante as (...), e aí permanecia do principio ao fim, sem objecções do (...) a que assim fosse, e esclareceu que nunca viu por parte do arguido qualquer comportamento estranho, nem ouviu qualquer comentário sobre tais factos, já a testemunha YZ, (1986 a 1999) declarou que durante o período em trabalhou na instituição “Acompanhava-os ao Centro de Saúde e dentro do Gabinete”…”Sempre” do princípio ao fim., pelo que a ter havido ausências estas teriam sido confirmadas por alguma das testemunhas.
115)    Ainda que o assistente diga que o Recorrente teria mexido no seu pénis durante alguma consulta (com ou sem luvas), o que o Recorrente nega, e que tal tivesse ocorrido aos 9/10 anos, a médica ZQ em audiência, confirmou que a palpação dos testículos e, observação do pénis, faz parte dos procedimentos nos exames no estádio pubertário completo, o que é confirmado pelos documentos de fls. 52.814/856, que é o manual de “Saúde Infantil e Juvenil Programa – Tipo de Actuação” emitido pela Direcção Geral de Saúde com as orientações técnicas que resultavam do Tratado de Medicina de Família, confirmado também pelo Tratado de Medicina de Família, de RAKEL, 5ª edição, de 1997, junta a fls.52.857/9 dos autos.
116)   O depoimento da testemunha AAO, irmã do assistente, que entrou para a AX em 1992 e saiu em 1997, esteve no mesmo (...), e tinha uma relação próxima com o irmão, substituindo os pais, e declarou que este era acompanhado semanalmente pelo Dr. BL, desde os 7 anos, e que ela costumava acompanha-lo às (...), o que é confirmado pelos documentos de fls.. 35.537, e pelo próprio pedo-psiquiatra em audiência, e também resulta de fls 44, do apenso CS, mas declara só ter sabido dos abusos no dia em que foi acompanhar o seu irmão à policia judiciária para aquele prestar declarações que diz ter assistido, e local donde vinha sempre muito nervoso, que descreve “Que não tinha sido que não tinha sido, que não tinha nada a ver com aquilo, desconhecimentos que também milita a favor da inocência do Recorrente, pois significa que ninguém sabia de eventuais abusos, o que deveria ter sido ponderado pelo tribunal.
117)   Quem o seguiu de perto, educadores e outros que com ele conviveram diariamente não notaram qualquer alteração de comportamento, nem mesmo o pedopsiquiatra, devido a instabilidade emocional contou com o apoio pedopsiquiátrico do Dr. BL, tendo tido alta entre os anos de 1998 e 2002, retomando em Junho de 2002. Não obstante a alta, a verdade é que o especialista, no seu depoimento na qualidade de testemunha (a.j.21.04.2006) deu a sua opinião profissional sobre o assistente: “Olhe senhora Dra. por exemplo, na minha opinião (...), o AC é um rapaz com uma estrutura border line e que inclusivamente corre o risco de fazer outro tipo de descompensação.”.
118)    Da perícia sobre personalidade do AC, realizada em Março de 2008:“ …Juízo Crítico e Juízo da Realidade Comprometidos..”, Apenso Z-11, fls 2 a 24 resulta da escala de Millon II, esquizotíica – 120 em 120, paranóide – 120 em 120, delírios Psicóticos – 115 em 120, valores que nas escalas de paranóide e esquizotípica, “compatível tanto o diagnostico de esquizofrenia, como estados de paranóicos”, e a conclusão de que os seus relatos são “experiencias vivenciadas”…é a comprovação do dito diagnóstico (...), conforme se pode retirar de folhas 320, do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbação Mentais, 4ª Edição, e a respeito do AC no relatório pode ler-se “já aconteceu ouvir vozes dentro da minha cabeça”, esclarecem os peritos relatos de fenómenos pseudo-alucinatorios, sendo os elementos clínicos do HHB, fls. 8.696/701 mais uma comprovação das perturbações mentais do assistente.
119)    Da referida perícia à personalidade, que visava responder á sua capacidade para testemunhar – Apenso Z-11, consta a conclusão que “Somos de opinião, que para o caso em apreço, em decorrência da estrutura psíquica do examinado, deve ser visto com reservas a sua capacidade de testemunhar.”
120)    E resulta também outra conclusão, que deveria ter sido muito elucidativa para o tribunal, visto tratar-se de um parecer técnico emitido por peritos qualificados: “ A partir da análise efectuada somos de opinião que o examinado apresenta uma Perturbação Estado – Limite de personalidade caracterizado por um padrão de instabilidade no relacionamento interpessoal, auto imagem afectos e impulsividade. Existe referência a períodos de dificuldades na discriminação de suas experiências subjectivas internas e a realidade externa, o que acarreta a supressão, por vezes, do pensamento racional e descontrolo de emoções”.
121)    Este assistente prestou declarações por vídeo-conferência, o que levou o tribunal a quo a consignar na sentença recorrida o seguinte “ o que à partida levou sempre o Tribunal a ter particular cuidado na avaliação destas declarações, uma vez que a imediação e a percepção da ressonância emocional dos depoimentos pode ser diferente, da que é apreendida em audiência e com a presença da vítima…”, talvez por essa razão o tribunal não se tivesse apercebido do seu desequilíbrio e lhe tivesse dado credibilidade, o que uma rigorosa avaliação da prova não deixaria passar, atenta a profusão de informação (...) e médica junta aos autos, conforme devidamente evidenciado nas motivações de recurso.
122)    Em audiência de julgamento o AC, por videoconferência, no dia 21 de Novembro de 2005, conforme gravação de DVD1, dos 0m à 1h58, relatou ao Tribunal factos que se passaram consigo e com o Recorrente K, durante o atendimento numa consulta médica: “AC: E eu ia lá com dores de coluna e ele mexia sempre no meu pénis, também. Juíza:E o senhor ia com dores de...? AC – Coluna. Juíza – Isto aconteceu quê, uma vez? AC  – Sim, uma vez masturbação, mas nas outras vezes ele mexia sempre na minha pila, no meu pénis” donde resulta que reporta actos de masturbação, palavra que é por ele expressamente dita, destrinçando assim o que são outros actos, que como visto, até poderiam ser observações prescritas pelas Orientações Técnicas do Ministério da Saúde…
123)    O assistente AC é o único dos assistentes, que não “obedece” ao percurso “normal”, visto que primeiro é alegadamente abusado pelo Recorrente e só passados mais de quatro ou cinco anos terá sido abusado pelo A (pontos 163.4 a 163.5.1 dos factos provados) e também foi o único a não ter sido sujeito ao primeiro teste sobre personalidade, constando dos autos a seguinte informação, “o Assistente não se encontra em condições para realização de exames, Dra. CM, do IML - Atendendo a que o seu estado, altamente sugestivo de impregnação por neurolépticos (fármacos anti-psicóticos), constituía contra-indicação para a realização do exame pericial em questão - fls. 8.781).
124)    Apesar de o Recorrente vir indiciado pelo crime p.p. pelo art. 172º nº 1 do C.Penal, que não supõe penetração, em virtude de o assistente afirmar ter sido abusado pelo co-Arguido A, que negou ter praticado actos sexuais com este rapaz, também foi sujeito a exame pericial sexual, sobre o qual escreveu o Professor LLL, (fls. 52.230) o seguinte: “A presença de soluções de continuidade é indicativa de lacerações recentes, isto é, resultante de traumatismo ocorrido há poucos dias….” e“A presença de soluções de continuidade na mucosa anal aquando do exame de sexologia forense permite concluir que ou o examinando sofria de grave obstipação…ou o examinando teria sido alvo de coito anal poucos dias antes do exame …”, o que revela que as práticas sexuais anais seriam por si praticadas com alguma regularidade.
125)    Relativamente aos factos que o tribunal a quo deu como provados sob os pontos 111 a 111.3.1. da sentença e respeitantes ao assistente X, apesar de não sustentarem qualquer condenação criminal do Recorrente, a verdade é que não tendo praticado nenhum desses actos, não se pode conformar com a valoração efectuada pelo tribunal da prova que manifestamente é insuficiente para os dar como provados, reconhecendo a sentença recorrida que o fez porque: “… em alguma medida foram admitidos pelo arguido A, pois após ter ouvido as declarações do assistente, pediu-lhe desculpa não só pelo que lhe fez, mas por o ter levado para outros locais”.
126)   Quanto às declarações do assistente X, encerram as seguintes contradições que mereceram do tribunal a seguinte apreciação crítica:
127)    Quanto às declarações do próprio ofendido em juízo, o tribunal valorou-as da seguinte forma: “… relato que ao tribunal aparentou ser espontâneo e assim o valorou” – justificando o facto de o assistente ter dado o dito por não dito, quanto ao facto de ter declarado que os factos tinham ocorrido, pelo menos uma vez, antes do Natal de 1996, e que teria sido acompanhado por AP e AV, o qual só ingressara na AX em 04.05.1998 – fls.93 e 97 do Apenso BX, tendo sido colocado no Lar FC do CZ. O X disse só o ter conhecido, dois a três anos depois de ele ter entrado, que foi em 29 de Julho de 1996, pelo que ou se enganara, ou mentia.
128)    Para o tribunal a quo esta contradição foi entendida como um engano, não interferindo com o relato global dos factos do (...), por ser um lapso de memória, justificável na medida em que resulta da experiência dos julgadores, que quando é recuperada uma memória, “… estamos a apanhá-la na última vez em que a "deixámos", e considera que o AV poderia ter sido acrescentado pela exposição mediática – entrevistas e notícias que o assistente deu e leu. Mas, mais uma vez, o Recorrente reconduz esta justificação a uma grosseira violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C.P.Penal, na medida em que contende com o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido.
129)    A ser legítima esta conclusão, deveria o tribunal a quo ter feito aplicação da mesma lógica e explicação para os actos que se referem ao abusador K, visto que o Recorrente foi detido em 31-01-2003, e que lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, que foi ampla e profusamente noticiada em todos os meios de comunicação social ((...) do (…)) o que poderia ter acrescentado falsa informação à recuperação da memória do assistente que apenas em 07-02-2003, presta declarações na Policia Judiciária no âmbito destes autos, antecedida de forte exposição mediática quanto aos alegados locais dos abusos e abusadores…
130)    E assistente prestou declarações perante a JIC em 26-4-2004, a quem admite ter tido a iniciativa de contactar a DR, a quem deu uma entrevista e que, depois disso, “…começou a ser contactado a torto e a direito e a ser pressionado pelas televisões e jornais”.
131)    O próprio colectivo de Juízes admitiu, e aqui bem, como provável que o X, para além de dar entrevista também tivesse acompanhado o processo pelos jornais (fl. 1079 da sentença).
132)    E deveria o tribunal a quo ter ponderado a possibilidade de as suas vivências terem sido transpostas de outras situações vividas noutros locais, noutros tempos, como do “processo de (…)”, cfr certidão constante de fls. 62.539 a 62.747, referente ao acórdão proferido no processo nº 1815/97.0TAOER, pelo 3º Juízo Criminal da Comarca de Oeiras, na qual ficou provado que este teve relações sexuais a troco de dinheiro.
133)    A Juíza Presidente a dado ponto, tamanhas eram as contradições nas declarações do assistente que lhe pergunta (…) “E há mais alguma coisa que o Sr. se lembre de ter dito ontem, que não corresponda à verdade ou que não tenha a certeza do que disse?X – Não, só em nomeação de, só em nomeação dos nomes de colegas.”(…)(declarações prestadas em audiência de julgamento no dia 10.11.200, DVD 1 da 1 e 43 minutos às 2 horas e 10 minutos, fls. 35.133) sendo manifesto nos autos o seu “interesse” no desfecho deste processo: recebeu 50.000,00 Euros de indemnização do Estado no já referido processo arbitral, antes de prestar o seu depoimento em tribunal, Apenso Z-16, e deduziu um pedido de indemnização cível no valor de noventa mil euros contra o Recorrente, fl. 14.517 a 14.534.
134)    O assistente afirma sem qualquer hesitação ter sido abusado pelo menos cinco vezes, desde o final do ano de 1996 e até 06.04.1999, mas também que viu o Recorrente a primeira vez quando este estava a conduzir o seu veículo (…), o que ele só importou em Julho de 1999, fls. 198 e 199 do Apenso DF.
135)    O assistente não localizou o (...) que o Recorrente possuía à data – e que o tribunal deu como provado ser o primeiro (...), sito na (...) (…) nº(…), pois demonstrou amplamente desconhecer que o mesmo se situasse no 1º andar (ao contrário do (...) que o arguido só viria a abrir em 19 de Setembro de 2001) e que o acesso era feito por umas escadas. 136)   E o assistente descreveu o interior do (...) (...) em desconformidade com a descrição do mesmo, efectuada pelas testemunhas DDP que foi assistente do (...) (...) no ano de 1999, e de YG  vizinha e doente do Recorrente indo a (...) naquele (...), ficando claro que o assistente se enganou (ou mentiu) quanto á existência de marquesas no gabinete do Recorrente –(afirmava ter sido abusado em cima das marquesas – quando o gabinete apenas tinha cadeiras que em nada se assemelhavam a marquesas); engana-se ainda quando afirma que a “recepção” tinha um guichet, sendo certo que o (...) de trabalho da recepcionista era uma secretária. Estes enganos ou lapsos de memória, dificilmente se aceitam quando o assistente afirma ter ido ao (...) pelo menos em cinco ocasiões e onde ía para ser abusado sexualmente!!!
137)    Como resulta da sentença a fls 6715, o assistente mentiu, outra vez, em audiência quando afirmou que o documento que se encontra a fls.202 do "Apenso DF, com que foi confrontado, era de sua autoria – texto que fala de dor e o assistente ter escrito motivado pela “… dor a nível familiar… como a nível de toda a prática de que eu já era vítima aí, dentro do CZ. ", visto que esse texto corresponde à letra da canção "Beija Amor" e CD junta aos autos a fls.. 35.745 a 35.747.
138)   Dos depoimentos das testemunhas XM, sua mãe adoptiva, relatou ao tribunal que este não estudava, não tinha qualquer interacção em casa, não respeitava ninguém, que o teve que “devolver” à AX por não suportar o seu comportamento.
139)    IN, testemunha que relatou em audiência que o X lhe havia dito que tinha vindo de França para prestar declarações na Policia Judiciaria, que estava a ser pago para envolver o Co-Arguido H, para dizer que tinha estado na cama como o arguido, que lhe tinha perguntado se era verdade, e o X tinha sorrido, e feito um gesto com o dedo “polegar” e o “indicado” - esfregando-os, como a significar dinheiro – lhe tinha dito “este já cá canta”.
140)    Nenhum dos assistentes confirmou ter estado ou ido ao (...) com o X, o Co-Arguido A, negou conhecer o Recorrente e negou ter levado alguém ao (...), cujo localização também desconhecia, pelo que mal andou o Tribunal a quo a dar os factos referentes ao capítulo 5.2.1. como provados, porque não foi feita qualquer prova que suportasse tal decisão, que se apresenta como arbitrária.
141)   Conclusão que se replica para a apreciação e valoração das provas que deram como provados os pontos 112 a 112.4 da sentença e respeitantes ao assistente AP, que mereceu ao tribunal a quo a seguinte reflexão na sentença recorrida: “É claro que o Tribunal teve que equacionar todas as hipóteses, pelo que, face à interrogação que colocámos, a resposta é: poder corresponder a uma invenção pode”,  “Se queria notoriedade, se queria ser falado? Isso para o Tribunal foi perceptível que, em certa altura ou a partir de certa altura sim.”
142)   E ganhos materiais, acrescenta o Recorrente, pois do processo “arbitral” recebeu 50.000,00 Euros, Apenso Z-16, além da expectativa de ganhar no pedido de indemnização cível no valor de 250.000,00, fls. 14.807 a 14.829, o que deveria ser ponderado para apurar a “espinha dorsal das suas declarações”.
143)    Mas o próprio assistente fez prova da impossibilidade de a prática dos actos sexuais ter ocorrido na data em que foi dado como tendo ocorrido – meados do ano de 1997 e meados do ano de 1998, ao declarar que estava sozinho na sala de espera, uma das vezes chegou a aparecer o CY para ir buscar as chaves do (…), veículo que o Recorrente só importou em Julho de 1999, fls. 198 e 199 do Apenso DF.
144)   E também o facto de não ter revelado conhecer qualquer característica do Recorrente, visto que disse ter visto o Recorrente despido, que não tinha qualquer sinal visível, apenas cabelo comprido e “aquela barbinha”, mas se efectivamente tivesse visto o Recorrente nú não se esqueceria de referir a cicatriz de cerca de 40 centímetros que a(...) todo o abdómen do Recorrente, fls.60.112 dos autos, pelo que os factos que envolvem o Recorrente deveriam ter sido dados, todos, como não provados.
145)    O tribunal a quo fez ainda errada aplicação do regime previsto no art. 71ºdo C.Penal, pois apesar de se ter orientado pelo dois critérios ali fixados, a culpa do agente e as exigências decorrentes do fim preventivo geral especial ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade, entendeu que a culpa se apresenta em elevado grau, e que se verificava especial censurabilidade em cada ilícito pelas circunstâncias que rodearam a prática dos actos como pelo aproveitamento da sua condição como (...), no entanto, esta sua qualidade apenas poderia agravar a sua culpa relativamente aos factos que integram o ilícito criminal em que é ofendido AC, porquanto se deveu como provado que estes teriam ocorrido no Centro de Saúde e enquanto no exercício da sua profissão. Não em relação aos demais.
146)    E sendo o bem o bem jurídico protegido pelos crimes por que o Recorrente veio condenado, a autodeterminação sexual, sendo irrelevante para efeitos do preenchimento objectivo e subjectivo dos pressu(...)s do crime, a verdade é que para efeitos de determinação do grau de ilicitude e da culpa, deveria ter sido tomado em conta a idade dos menores, dois com idades próximas dos 14 anos, nas franjas do limite máximo da idade “protegida”, bem como o facto de se tratar, pelo menos em relação ao AI e ao AT, de jovens sexualmente activos, que se dedicavam às prostituição, circunstâncias que deveriam ter sido ponderadas para apuramento da medida concreta da pena, atenuando-a.
147)    Acresce que a qualificação do dolo como directo, como alegado a propósito de cada um dos crimes em particular, com excepção do crime que teria por ofendido o AC, pressupõe que o Recorrente teria conhecimento da idade dos menores, o que não ficou provado, remetendo a sentença para a sua condição de (...), como fundamento bastante para conhecer a idade dos menores.
148)    Mas a sentença recorrida padece ainda da nulidade por omissão - não aplicação da Lei 29/99 de 22 de Maio, porquanto ao efectuar a operação de cúmulo jurídico da pena, não teve em conta o perdão constante da Lei 29/99, de 22 de Maio, que conforme decorre do referido diploma tem aplicação aos crimes praticados até 25 de Março de 1999, impondo-se que seja considerado no cálculo da pena concreta a redução de pena ali contemplada, de um ano ou um sexto conforme resulte mais favorável ao arguido, padecendo neste aspecto da nulidade da sentença prevista no art. 379º nº 1 da alínea c) do C.P.Penal.
149)   Quanto à determinação da medida concreta da pena, e sem prejuízo do recurso visar a absolvição do Recorrente dos crimes por que foi injustamente condenado, será ainda necessário, por dever de patrocínio que é grato aos seus mandatários, discordar da forma como foi efectuada a determinação da medida concreta da pena, porquanto entendeu que a culpa se apresenta em elevado grau, e que se verificava especial censurabilidade em cada ilícito pelas circunstâncias que rodearam a prática dos actos como pelo aproveitamento da sua condição como (...).
150)    Considerar a sua condição de (...), apenas poderia agravar a sua culpa relativamente aos factos que integram o ilícito criminal em que é ofendido AC, porquanto se deveu como provado que estes teriam ocorrido no Centro de Saúde e enquanto no exercício da sua profissão.
151)    Mas sendo o bem jurídico protegido a autodeterminação sexual, sendo irrelevante para efeitos do preenchimento objectivo e subjectivo dos pressu(...)s do crime, a verdade é que para efeitos de determinação do grau de ilicitude e da culpa, deveria ter sido tomado em conta a idade dos menores, dois com idades próximas dos 14 anos, nas franjas do limite máximo da idade “protegida”, bem como o facto de se tratar, pelo menos em relação ao AI e ao AT, de jovens sexualmente activos, que se dedicavam às prostituição, segundo os mesmos declararam, supostamente tendo ambos ido ao encontro do Recorrente – apesar de estarmos no campo do mero raciocínio abstracto sem qualquer correspondência com a realidade, visto que o Recorrente nega a prática de quaisquer actos.
152)    Acresce que a qualificação do dolo como directo, como alegado a propósito de cada um dos crimes em particular, com excepção do crime que teria por ofendido o AC, pressupõe que o Recorrente teria conhecimento da idade dos menores, o que não ficou provado, remetendo a sentença para a sua condição de (...), como fundamento bastante para conhecer a idade dos menores.
153)    Pelo que não tendo a culpa e grau de ilicitude dos factos sido objecto da devida valoração pelo tribunal recorrido, a pena concreta foi indevidamente calculada, por excesso, tendo a sentença, também nesta parte, violado as regras processuais penais - art. 71º do C.Penal
154)   Sobre o pedido de indemnização cível pode ler-se a sentença recorrida -fls. 68.110 dos autos, que precede a decisão condenatória/absolutória “No presente caso, uma vez que está afastada a responsabilidade penal do(s) arguido(s)/demandado(s), quanto aos crimes pelos quais vinham pronunciados, encontra-se afastada a possibilidade de se fixar qualquer indemnização por perdas e danos emergentes de um crime.”.
155)   E em conformidade com a condenação do Recorrente(…) condeno no pagamento de uma indemnização a pagar a cada um dos demandantes AC, AI e AT, o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais (…)
156)    Parecendo haver assim algum desacerto, entre a primeira parte e a decisão, o que configurará uma nulidade da sentença – art. 374 nº 2 e 377º ambos do C.P.Penal.
157)    Quanto à procedência dos pedidos de indemnização, o pedido no que respeita aos factos constitutivos da responsabilidade do Recorrente, assenta nos factos constantes da pronúncia e que vieram a ser condenados, os quais são impugnados por via deste recurso.
158)    Assim, espera o Recorrente ver alterada a decisão quanto aos factos e aos crimes porque foi condenado, o que a acontecer, acarretará a improcedência dos pedidos de indemnização cível.
159)   Ainda quanto aos pedidos, verifica-se falta de fundamentação quanto à existência de um nexo causal entre os actos sexuais e os su(...)s danos, bem como não estão minimamente fundamentados os pressu(...)s para o cálculo do “quantum” indemnizatório.
160)    Sem prejuízo do tribunal ter condenado o Recorrente por crimes que lhe foram imputados como tendo sido estes os ofendidos, a apontada consequência, única dada como provada, não se reconduz à existência de quaisquer danos morais, que como é sabido correspondem aos prejuízos causados pela ofensa à honra, consideração ou outros bens pessoais.
161)    A fls. 66.634 da sentença, consta como resultante dos alegados actos que configuram abusos sexuais, que os assistentes – todos eles, e quanto ao AC, AI e AT, tiveram medos e temores - respectivamente nos pontos 170.3, 170.9 e 170.19, teve medo, temores, o que é manifestamente insuficiente para fundamentar o montante de € 25.000,00, por assistente.
162)    Acresce que os Relatórios de Perícia Sexual, não podem ser tidos em consideração para o estabelecimento do quantum indemnizatório.
163)    Ficou demonstrado, nomeadamente, através dos esclarecimentos do perito Professor BR, que as perícias físicas realizadas aos assistentes, não podem datar as relações anais, nem tão pouco se tais foram abusivas ou consentidas. Mas o facto de existirem vestígios de práticas recentes parece fazer ruir as ditas consequências dos abusos, na medida em que estas se mantiveram como prática sexual habitual.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, e em consequência ser o Recorrente absolvido dos crimes por que foi condenado, fazendo-se assim
 JUSTIÇA”
(fim de transcrição)
2. Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância extraindo as seguintes conclusões:
“RECURSO DO ARGUIDO K
522.  -  Passando por cima de considerações espúrias sobre as quais nos debruçámos na Motivação, mas que não caberão, por diminuída relevância, nesta sede, no mais que, neste Capítulo, se alega, uma correcção e um esclarecimento se nos impõem;
523.  -  Uma correcção, tendo em conta que o Acórdão proferido no Recurso 6.882/04, da 3ª Secção, do TRL (e que constitui o Apenso "E-I", deste Processo), ao contrário do que vem referido na Motivação, não decidiu "… não pronunciar os arguidos A, N, Q e C, por parte dos crimes cuja prática se lhes atribuía";
524.  -  A não pronúncia, no que ora importa e vem referido, havia sido decidida na Decisão Instrutória (cfr. fls. 20.818 a 20.821), que não no Recurso, e nada tinha a ver com factos, mas, antes, com o modo como havia sido contabilizado o número de crimes, na Acusação, critério que a Mmª JIC não adoptou por dele discordar. O MºPº, de resto, nem sequer impugnou esse segmento da Decisão Instrutória;
525.  -  Um esclarecimento, (...) que, pese embora reconhecendo que (fls. 68.891 e “Conclusão 125ª, a fls. 68.956) «Embora os factos dados como provados não sustentem qual-quer condenação, o Recorrente, que não os tendo praticado e não se podendo conformar com a valoração efectuada pelo tribunal da prova que manifestamente é insuficiente para os dar como provados», ao longo do Recurso, por mais do que uma vez, a Defesa do Arguido K, invoque factos, relativos ao Ofendido X, pelos quais não foi, sequer, incriminado (cfr. item ”5.1.”, do Despacho de Pronúncia), alegando que o depoimento daquele teria contribuído para a formação da convicção da culpabilidade;
526.  -  Todavia, assim não foi. O Tribunal não invocou o referido depoimento, como suporte probatório da condenação do Arguido K, por qualquer dos crimes pelos quais, a final, veio a ser condenado. As declarações de X, segundo o Acórdão, foram relevantes, isso sim, tão só para a condenação do Arguido A, único Arguido que vinha incriminado pela prática dos factos que integram o item “5.1.”, do Despacho de Pronúncia;
527.  -  Em conformidade, há que concluir que pretender discutir, no âmbito do presente Recurso, os factos em apreço, careceria de uma legitimidade que ao Recorrente, manifestamente, não assiste, por falta de interesse em agir -  cfr. artº 401º, nº 2, do CPP;
528.  -  De resto, seria absurdo que o Arguido, não podendo recorrer, nos casos em que foi absolvido, por factos pelos quais tivesse sido pronunciado, pudesse fazê-lo naqueles outros em que nem acusado/pronunciado foi. Pelo que se entenda que a apreciação do referenciado segmento do Recurso, deva ter-se por prejudicada;
529.  -  Quanto à (pretensa) ilegitimidade do MºPº,  para o exercício da acção penal  quanto aos crimes imputados ao Recorrente nos pontos  "4.4.2." - extinção do direito de  queixa  pelo  assistente  AI, porque esta questão tenha já sido tratada, infra, nos itens  "B).1.", "B).1.1." e "B).1.2." e trazido às Conclusões relativas ao Recurso do Arguido MA, o MºPº dá aqui por reproduzidas as correspondentes Conclu-sões (14ª a 33ª);
530.  -  Por outro lado, Na Motivação (fls. 68.717), diz a Defesa do Arguido K:
      "Por despacho de fls.. 27.567, “Ponto 10., 1. d) ”, o tribunal relegou o conhecimento desta questão para a sentença, ao abrigo do preceituado no nº 2 do art. 374º, do C.P.Penal porquanto na sentença deva  estar enunciado, ainda que de forma concisa, os motivos de factos e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.";
531. -  Esta afirmação, salvo o devido respeito, não é inteiramente exacta. No Despacho a que se alude, o Tribunal não refere relegar a questão do "reco-nhecimento", "para a sentença". O que nele se consigna, a fls. 27.570, é, literalmente, do seguinte teor:
       "d) Da inexistência e invalidade do reconhecimento (fls. 24.394, 1.3.2.):
Por fim e a fls. 24.395, o arguido veio dizer que os reconhecimentos feitos em relação a si não obedeceram aos requisitos do art° 147°, do C.P.P., pelo que não podem ser valorados como meio de prova.
Quanto a esta questão, dispõe o art° 374°, n° 2, do C.P.P., que a sentença deve enunciar, ainda que de forma concisa, os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Assim, relego para momento posterior o conhecimento da invalidade ora invocada pelo arguido.";
532.  -  Este Despacho, por sua vez, recaíra sobre o Requerimento do Arguido K, constante de fls. 24.394/5;
533.  -  Já na Decisão Instrutória, a Mmª JIC tivera oportunidade de se pronunciar sobre a validade do "reconhecimento fotográfico", como meio de obtenção de prova, tecendo, a tal respeito, as considerações que, com a devida vénia, se subscrevem (fls. 20.739 a 20.743);
534.  -  Por outro lado, quando, no Despacho em causa (fls. 27.570) se decide relegar "para momento posterior" o conhecimento da invalidade então invocada pelo Arguido K, tal tinha como pressu(...) que, em sede de Acórdão, o "reconhecimento" impugnado tivesse servido para formar a convicção do Tribunal;
535.  - Por isso mesmo, ainda no Despacho em causa, o Tribunal começara por con-signar que "Quanto a esta questão, dispõe o art° 374°, n° 2, do C.P.P., que a sentença deve enunciar, ainda que de forma concisa, os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.";
536.  -  Se é certo que o referido Apenso foi exibido em Julgamento, não o é menos que, no Acórdão, ele não se constituiu como elemento de prova susceptível de ter contribuído para a formação da convicção do Tribunal, o qual, assim se desobriga de sobre o mesmo se pronunciar, assim ficando, irremediavelmente, prejudicada, a obrigação do Tribunal se pronunciar sobre a validade, ou invalidade, de um meio de "prova" que não se considerou relevante;
537.  -  Aliás, quanto a Reconhecimentos propriamente ditos, o Acórdão apenas convo-cou, como suporte probatório, "Reconhecimentos de Locais", nem sequer tendo invo-cado o "Auto de Reconhecimento Pessoal" da Arguida Q, efectuado pelo Assistente AI;
538.  -  Não foi, seguramente, por esquecimento, que o Acórdão não deu relevância à questão. Como dele resulta, o Tribunal deu conta que a Defesa do Arguido K arguira a invalidade do "reconhecimento", referindo-o, expressamente (fls. 66.460);
539.  -  Diga-se, por fim, que, em qualquer caso, ao Tribunal sempre estaria vedado invocar tais "reconhecimentos". Se o tivesse feito, estaria a socorrer-se de prova proibida, uma vez que, não se tendo procedido a reconhecimentos pessoais, nos termos do nº 2, do artº 147º, do CPP, os "reconhecimentos" fotográficos nunca poderiam valer como meio de prova  - cfr. nºs 5 e 7, da norma citada;
540.  -  Por todo o ex(...), entendemos não se ter verificado qualquer omissão de pro-núncia;
541.  -  Relativamente à pretensa nulidade da sentença por alegada omissão de pronúncia quanto à requerida leitura das declarações do Assistente AC prestadas em Inquérito, a Resposta está prejudicada, nesta sede, (...) que já respondido, no âmbito da presente Resposta  -  cfr. infra, "A).7.10." e "B).5.";
542.  -  No Capítulo em que impugna a matéria de facto, a propósito do conhecimento que, comprovadamente, o Acórdão considerou existir entre os Arguidos K e E, a dado passo (fls. 68.739), a Defesa de K consigna o seguinte:
           "Quanto à existência de registos de chamadas, entre a testemunha e números de telefone dos arguidos, entendemos que tais provas além de não terem sido validamente adquiridas nos autos, foram alteradas já após terem sido juntas aos autos, como se demonstrará.";
543.  -  E mais à frente (fls. 68.756):
"Ainda quanto registo de chamadas telefónicas:
           Como já avançámos supra, os registos de chamadas telefónicas correspondem a meio de prova ilegal, e dizemos isto atendendo à forma como estes documentos foram adquiridos nos autos, e que ainda por os registos de chamadas terem sido alterados após o seu ingresso nos autos em 2003, havendo registos de chamadas do ano de 2006.";
544.  -  Daqui e até fls. 68.764, procurando dar expressão ao que, previamente, anunciara, o Recorrente, crendo, porventura, "tirar um coelho da cartola", alonga-se numa extensa exposição, a qual, porque assente em pressu(...)s errados, culmina em conclusões falsas e falaciosas;
545.  -  O MºPº, porque também ele potencialmente visado, lavra, aqui, o seu mais veemente PROTESTO, que enfatizará com um categórico desmentido. É FALSO QUE AS PROVAS RELATIVAS AOS REGISTOS DE CHAMADAS TELEFÓNICAS, EXISTENTES NOS AUTOS, TENHAM SIDO ALTERADAS OU MANIPULADAS, ANTES, OU DEPOIS, DE TEREM SIDO JUNTAS AO PROCESSO;
546.  -  Como tão pouco corresponde à verdade que os registos em causa tenham sido obtidos pelo MºPº sem que tal tivesse sido determinado pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal;
547.  -  Apesar de ser entendimento do Mmº JIC, perante as reiteradas Promoções do MºPº, que a obtenção de tais registos não carecia de autorização judicial, aquele Ma-gistrado determinou, em sucessivos Despachos, a remessa de tais elementos, reco-nhecendo que as Operadoras, sistematicamente, opunham resistência quando a ordem emanava do MºPº;
548.  -  Aliás, chegou a suceder que, porque se manifestasse um não acatamento tempestivo do ordenado por Despachos Judiciais, o Mmº JIC se tenha visto "obrigado" a determinar e a presidir a uma Busca às Operadoras de telecomunicações (cfr., a título de exemplo, fls. 1.326 a 1.331, Despacho do Mmº JIC, sob Promoção do MºPº, constante de fls. 1.314/5, ordenando à TMN a remessa de facturação detalhada que incluía os dados do nº de telemóvel (…), que o próprio Arguido reconheceu, em declarações que prestou em Julgamento, na Sessão de 30.6.2008 ([1]), ter sido o seu número privativo, desde sempre; fls. 6.399, em que o MºPº promove ao JIC que ordene remessa de facturação detalhada, bem como o Despacho correspondente, a fls. 6.418, deferindo; fls. 7.072, o Ofício da TMN, DSJ/14 056/2003/EA, de 24.7.2003, respondendo ao Mandado de Busca e Apreensão de 14.7.2003 - cfr. fls. 6.577 a 6.601);
549.  -  A questão que vem suscitada prende-se, tão só, com o facto de, relativamente ao nº de telefone (…) (registado em nome de K - cfr. fls. 3.744, TMN, (...) K, (...) (…), nº (…),(…)) terem sido detectadas 3 chamadas telefónicas entre aquele número e o (…), regista-do em nome do Arguido E, tal como resulta do Acórdão (fls. 67.163/4);
550.  -  Os dados colhidos que permitiram ao Tribunal dar conta deste cruzamento de chamadas, constam do "Apenso V", Caixa 1, Sobrescrito 42 (constantes, igualmente, da "tape back up", enviada pela TMN, por determinação do Tribunal, composta por 8 CDs - cfr. Despachos de 10.9.2009, a fls. 63.436, de 25.9.2009, a fls. 63.459/60 e de 30.9.2009, a fls. 63.464 a 63.466, para além dos Ofícios de fls. 63.437, 63.458, 63.461 e 63.462, para além do "Auto de Cópia de Suportes Magnéticos", de fls. 63.463) de onde constam os dados relativos ao número afecto ao Arguido K (o (…));
551.  -  A Defesa de K, procurando, como expressamente refere, inquinar os dados contidos naquele referido suporte, procura contaminá-los com um evidente lapso, absolutamente circunscrito e totalmente irrelevante, no que à fidedignidade de todos os restantes suportes que contenham dados de tráfego diga respeito;
552.  -  O lapso detectado reporta-se a um único ficheiro, relativo a um outro nº, o (…) (o qual, relembra-se, o Arguido reivindicara como seu e que não é o nº que se cruzou com o nº do Arguido E), que se contém no CD2 de 8, "Apenso V", Caixa 1, Sobrescrito 42, com o nº (de ficheiro) "20061101.nddn.unl", no qual se contêm registos relativos ao ano de 2006;
553.  -  erro é manifesto, (...) que tais elementos foram remetidos, inicialmente, em 2003, não podendo deles constar, como está bem de ver, registos relativos a 2006;
554.  -  Todavia, a prova de que os dados constantes do ficheiro não foram adulte-rados, decorre, justamente, do facto de a "tape back up", remetida pela TMN, em Setembro de 2009, por ordem do Tribunal, ser precisamente igual ao ficheiro que já constava do processo desde 2003;
555.  -  O LAPSO MANTINHA-SE INTACTO NA ORIGEM;
556.  - Note-se que, o cruzamento de chamadas detectado entre telefones afectos aos Arguidos E e K, se reporta ao ano de 2001 e, como já salientámos, a um número diferente, relativamente ao Arguido K, daquele a que se reporta o ficheiro no qual foi detectado o lapso;
557.  -  Prova de que assim é, decorre, além do mais, de duas circunstâncias:;
558.  -  A primeira, do facto de nenhuma das Defesas, nomeadamente, a Defesa do ora Recorrente, assinalar qualquer outro lapso, (...) que, como é de presumir, tenha consultado todos os suportes que constam dos autos;
559.  -  A segunda, porque, quer o ficheiro imediatamente anterior, quer o que imediatamente se sucede, àquele em que se contém o erro, estão absolutamente correctos;
560.  - O ficheiro errado (como referido, o "20061101.nddn.unl") reporta-se, exclusi-vamente, ao mês de Outubro, supostamente, porque dele decorra, do ano de 2006;
561.  -  Todavia, o ficheiro imediatamente anterior (que, igualmente, se contém no CD2 de 8, "Apenso V", Caixa 1, Sobrescrito 42, mas a que corresponde o nº «de ficheiro» "20021001.nddn"), reporta-se, unicamente, ao mês de Setembro, mas do ano de 2002;
562.  -  Por sua vez, o ficheiro imediatamente posterior ao ficheiro que contém o lapso (que mais não é do que o erro de indicação do ano, do qual deveria constar 2002 e não, como consta, 2006), é o ficheiro, ainda contido no CD2 de 8, "Apenso V", Caixa 1, Sobrescrito 42, ao qual corresponde o nº «de ficheiro» "20021201.nddn,unl", que contém os dados, exclusivamente, do mês de Novembro de 2002;
563.  -  Como se vê, dos 3 ficheiros consecutivos (Setembro, Outubro e Novembro), o primeiro e o último dizem respeito ao ano de 2002, ao passo que o que se refere aos dados de Outubro, por lapso, consigna o ano de 2006, ao invés de, como devia, 2002. Tão simples, como o demonstrado!;
564.  -  Diga-se, por fim, que não só a prova obtida o foi de forma absolutamente conforme à Lei Processual, como, ainda, que a comprovação do conhecimento existente entre os Arguidos K e E resultou da conjugação de várias provas, que não apenas, nem sobretudo, da que se traduziu nas 3 chamadas telefónicas assinaladas;
565.  -  Também a esse respeito, o Acórdão é claro (fls. 67.164):
"Mas para o Tribunal, face à análise de tudo o que antecede - avaliação do depoimento de OM e CCD, WQ e registos telefónicos das chamadas do arguido E e de número associado ao arguido K -, resultou suficientemente assente que o arguido E e o arguido K conheciam-se antes dos factos deste processo.";
566.  -  Daí que, tão pouco quanto ao que vem impugnado e a que se fez referência, assista qualquer razão à Defesa do Arguido K;
567.  - Quanto aos os concretos pontos de facto, alegadamente, incorrectamente julgados, apesar do tom peremptório de muitas das afirmações que compõem a Motivação, curiosamente, dela vão transparecendo, a espaços, dúvidas e hesitações que, mais relevando do subconsciente, sejam por isso mais genuínas. Veja-se, por exemplo, a seguinte declaração (fls. 68.734):
           “Parece assim ter existido, neste segmento da sentença, erro notório na apreciação da prova”.
            “Parece” ?!!!!!
            Mas, se o erro é, pretensamente, notório, à Defesa de K, tão só, “parece” ?;
568.  -  No mais, Senhores Desembargadores, ainda aqui, o Acórdão, estamos segu-ros, basta-se a si próprio. Seja na Prova que convoca, na forma como a relaciona entre si e na correspondente análise crítica, nesta incluído o modo como são rebatidos alguns dos argumentos invocados pelas Defesas, a Decisão do Tribunal é exaustiva, intrinsecamente coerente, lógica e conforme às regras da experiência;
569.  -  (Acórdão – fls. 67.437 a 67.447)  -  “O abuso numa (...) do (…) – a Prova e  a correspondente Análise Crítica”  ;
570. - Relativamente aos factos da "Casa da  (...)", relativos  ao Assistente  AI (Factos Provados  "108." a "109", relativos ao item "4.4.2.",do Despacho de  Pronúncia), ao contrário do que vem afirmado, para o Tribunal, tal como resulta do Acórdão, a prova determinante não consistiu, exclusivamente, nas declarações do Assistente AI, pese embora, como não poderia deixar de ser e é tim-bre nos crimes sexuais, tais declarações tenham sido particularmente relevantes;
571.  -  O Acórdão analisou, exaustiva e perspicazmente, os respectivos depoimentos, investindo-os na importância de que, efectivamente, se revestem, sendo certo que, no que ao Assistente AI diz respeito, para além de ter analisado, detalhadamente, o seu percurso de vida, anterior à, e contemporâneo da, AX (cfr. fls. 67.525 a 67.575), bem como o seu percurso escolar, avaliou os registos de faltas, a que o próprio Recorrente tanta relevância reconhece, bem como os registos dos Livros de Ocorrências dos Lares;
572.  -  Cfr. docs. concretamente referenciados no Acórdão, constantes dos Apen-sos EJ, Pastas 5 e 6, W-13, Livro 1, W-16, 1ª Vol. e Z-15, a que acrescem os depoimentos das testemunhas YV, YW e YY), no que, especificamente, diz respeito ao episódio ocorrido na designada “casa da (...)”, o Acórdão fez apelo, para além, igualmente, dos depoimentos dos Arguidos C e A, aos depoimentos das Testemunhas, Inspectores VM e CF, bem como de AAT e EJ, para além dos docs. constan-tes dos Apensos O-T, AC-L e W-16, e dos docs. de fls. 2.987, 6.503 e  7.108;
573.  -  A Defesa do Arguido K invoca, por outro lado, uma pretensa nulidade, (...) que, segundo alega, o Tribunal terá omitIdo a comunicação de alterações não substan-ciais (ao abrigo do dis(...) no artº 358º, o que configuraria a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, b), um e outro, do CPP) que, segundo o Recorrente, se teriam verificado entre o que dispunha o Despacho de Pronúncia e o que, a final, veio a ser dado como provado no Acórdão;
574.  -  Para que, cabalmente, se alcance o sentido do alegado na Motivação, é fundamental ler o trecho correspondente (fls. 68.799 a 68.802);
575.  -  O Arguido K foi condenado, relativamente aos factos ocorridos numa casa da (...), não por referência aos factos constantes do item “4.1.4.”, da Pronúncia, mas sim, e tão só, pelos factos constantes do item “4.4.2.”;
576.  -  No Acórdão, os “Factos Provadoscorrespondentes ao referido item “4.4.2., são os factos nºs. “108” a “109” (que não, como referido pelo Recorrente, os factos que integram o item “4.1.4.”, do Despacho de Pronúncia, pelos quais apenas foi condenado o Arguido C);
577.  -  A alegação segundo a qual a defesa do Arguido K foi “pensada e executada considerando os factos indiciários contidos nos dois capítulos.” (“4.1.4.” e “4.4.2.”) é total mente destituída de sentido, (...) que ao Argido caberá defender-se dos factos que lhe são imputados e que, directamente, o incriminem, que não por factos que apenas a outro(s) Arguido(s) digam respeito, porque só a eles incriminem;
578.  -  Não obstante, a Defesa do Arguido K, por forma hábil, embora forçada, procu-ra, assim, “colar-se” à factualidade que integra um Capítulo (“4.1.4.”) que não o incrimi-na e pelo qual nem sequer foi acusado, ou pronunciado, de modo a convocar a ques-tão das horas, que, de resto, transcreve, deturpando (o que na Pronúncia se consigna, no item “4.1.4.”, é “por volta das 15 horas”, que não, como referido na Motivação, “após as 15 horas”);
579.  -  Aliás, todos os restantes (3) factos enumerados, segundo os quais se teriam verificado outras tantas alterações não substanciais, para além da referida, sempre seriam de considerar como inócuos, porque irrelevantes;
580.  -  Dependendo das circunstâncias, alterações de tempo, lugar, ou outras, podem, ou não, configurar uma alteração processualmente relevante, impondo-se, no primeiro caso, a comunicação formal da alteração, sem que tal se mostre necessário, na segun-da hipótese;
581.  -  No que ora importa, a modificação temporal em causa, per se, seria irrelevante, tendo em conta que não descaracteriza o facto, seja por referência a uma abordagem naturalística, seja por força de uma concepção normativa. Daí que, não lhe assista qualquer razão quando invoca surpresa, ou, quando alega não terem sido respeitadas as suas garantias de defesa;
582.  -  Como claramente resulte do que vem de demonstrar-se, entre os factos cons-tantes do Despacho de Pronúncia e os que foram dados como provados, em sede de Acórdão, e que impliquem, incriminando-o directamente, o Arguido K ((...) que só esses  - os contidos no item “4.4.2.” -  importem e sejam de considerar no que lhe diz respeito) não se verificou qualquer alteração, nomeadamente, não substancial, que impusesse qualquer comunicação, ao abrigo do art. 358º, nº 1, do CPP, razão pela qual não se configurou qualquer nulidade, designadamente, a invocada pela Defesa do Arguido K;
583.  -  (Acórdão - fls. 67.525 a 67.540) -  "A personalidade de AI e o modo como depôs"  ;
584.  -  (Acórdão - fls. 67.542-  "O Assistente AI e o Arguido A;
585.  -  (Acórdão - fls. 67.549 a 67.553-   "A análise  crítica da  Prova, o  percurso  escolar  do Assistente, os  registos das faltas às aulas, o tempo e o lugar dos  factos  ocorridos na denominada «casa da (...)»"  ;
586.  -  E quanto à Prova Documental e Testemunhal, que sustenta os factos dados como provados, ainda aqui, o Acórdão é, igualmente, exaustivo, não se limitando a in-dicá-la, mas analisando-a criticamente, no contexto global de toda a prova:;
587. - (Acórdão - fls. 67.556 a 67.575- "A Prova Documental e Testemunhal"  ;
588. - (Acórdão - fls. 67.575 a 67.584- "Ainda os factos da «Casa da (...)» - análise  crítica (cont.)"  ;
589. - (Acórdão - fls. 67.584 a 67.595- "O depoimento do Arguido A - a medida da      corroboração"  ;
590. - (Acórdão - fls. 67.595 a 67.602- "O depoimento do Assistente AI - Recensão Crítica"  ;
591. - (Acórdão - fls. 67.602- "A identificação do(s) Arguido(s) K (e C) na «Casa da (...)»”  ;
592. - (Acórdão - fls. 67.605 a 67.609- "A identificação do Arguido K;
593.  -  Quanto aos factos  relativos  ao Assistente AC (Factos Provados "110." a "110.9.",relativos ao item "4.4.4.", do Despacho de Pronúncia), o Acórdão explica, fundamentando;
594.  -  (Acórdão - fls. 67.318/9)  -  “Os factos pessoais relativos ao Assistente”  ;
595. - (Acórdão - fls. 67.326 a 67.335) - “O depoimento do Assistente AC – a Prova e respectiva Análise Crítica”  ;
596.  -  No que à impugnação da medida das penas concerne, o MºPº, no Recurso que, oportunamente, interpôs do Acórdão, impugnou as medidas das penas, pugnando por um agravamento geral das mesmas, nomeadamente,  no que ao Arguido K diz respeito;
597.  -  Considera, assim, prejudicada, a necessidade de rebater este segmento do Recurso da Defesa do referido Arguido, remetendo para as considerações expendidas no seu próprio Recurso;
598.  -  O Recorrente há-de aferir, concretizando-os, se os critérios emergentes do artº 71º, do C. Penal, no que lhe diz respeito, foram correctamente aplicados, ou se, ao in-vés, se, tal norma, foi violada. Nada mais!;
599.  -  Não obstante, nas alegações com as quais procura demonstrar não terem sidorespeitados os critérios emergentes do artº 71º, do C. Penal, o Arguido proclama, a espropósito, a sua inocência. Sucede, porém, que o Tribunal assim não considerou, condenando-o;
600.  -  O que aqui haja de discutir-se terá que assentar no pressu(...) da manuten-ção da condenação, (...) que só assim poderão discutir-se as penas. A pretensa inocência não é parâmetro convocável, sob pena de paradoxo;
601.  -  Por outro lado, alega-se que o Recorrente “teve uma postura colaborante para a descoberta da verdade, oferecendo provas da sua inocência”. Da sua verdade, que não a que o Tribunal acolheu, sendo certo que, se o Acórdão, tal como alega a Defesa, não valorou devidamente a culpa e o grau de ilicitude, o doseamento das penas que aplicou ao Arguido K não pecou por excesso, mas, sim, por defeito;
602.  -  A Defesa de K invoca, ainda, a (pretensa) nulidade - artº 379º, nº 1, c), do CPP, por alegada omissão de aplicação do  perdão previsto na  Lei  29/99, de 12 de Maio (que  não 22, como, por  lapso, vem referido);
603.  - Relativamente aos crimes pelos quais o Recorrente foi condenado, a correspondente, e comprovada, delimitação temporal dos factos integrantes dos referidos ilícitos, é a seguinte:
            -  item "4.4.1.", do Despacho de Pronúncia  - (Assistente AT) - Março/Abril de 2000 -  cfr. Acórdão, "Factos Provados" "107." a "107.2.";
            -  item "4.4.2.", do Despacho de Pronúncia  -  (Assistente AI) - Outubro/Novembro de 1999 -  cfr. Acórdão, "Factos Provados" "108." a "108.2.";
            -  item "4.4.4.", do Despacho de Pronúncia  -  (Assistente AC) -  Ano de 1997  -  cfr. Acórdão, "Factos Provados" "110.2." a "110.4.";
604.  -  Tendo em conta o dis(...) no nº 1, do artº 1º, da Lei nº 29/99, de 12 de Maio, o perdão, a ser aplicável, sê-lo-ia, tão só, no que diz respeito aos factos relativos ao item "4.4.4.", do Despacho de Pronúncia  -  (Assistente AC) -, (...) que só estes foram praticados em datas anteriores a 25 de Março de 1999;
605.  -  Todavia, nos termos do artº 4º, do referido Diploma, "o perdão a que se refere a presente lei é concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa" (nos) "três anos subsequentes à data da entrada em vigor da presente lei, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada.";
606.  -  A Lei 29/99, publicada em DR a 12.5.1999, entrou em vigor, atento o dis(...) no seu artº 14º, no dia seguinte ao da publicação, ou seja, em 13 de Maio de 1999;
607.  -  Em conformidade, tendo o Arguido sido condenado, ainda, pela prática de 2 cri-mes dolosos (artº 172º, do C. Penal, na redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, em vigor desde 7/09/98), qualquer um deles praticado em datas posteriores a 13 de Maio de 1999  - um, nos meses de Outubro, ou Novembro, de 1999 e, outro, em Março, ou Abril, de 2000 -, o perdão sempre seria inaplicável, por força da condição resolutiva prevista no artº 4º, da Lei nº 29/99, uma vez que os crimes posteriores, pelos quais o Arguido foi condenado, se contenham nos 3 anos posteriores à entrada em vigor da referida Lei;
608.  -  A questão apenas se poderia colocar se o Recorrente viesse a ser absolvido da prática dos crimes cometidos em Out./Nov., de 1999, ou em Mar./Abr., de 2000, o que por uma mera questão de princípio se admite, sem conceder. Então, e só então, seria de ponderar a aplicação do perdão em causa;
609.  -  Bem andou, pois, o Acórdão, ao não aplicá-lo, razão pela qual não se configurou qualquer nulidade;” (fim de transcrição).
3. Responderam igualmente a AX e os demais assistentes concluindo da forma seguinte:
I. O recorrente invoca a ilegitimidade do MP para exercer a acção penal quanto aos factos relatados pelo assistente AI constantes do ponto 4.4.2. da pronúncia por o assistente não ter exercido o seu direito de queixa atempadamente, dado ter (…), caducaria aquele a 26-03-2003, data em que se teriam passado 6 meses desde que completou os 16 anos de idade – arts. 113.º, n.º 3 e 115.º, n.º 1 do CP.
II. Porém, todo o raciocínio expendido pelo arguido assenta num equívoco: que o MP exerceu a acção penal em defesa do interesse da vítima e ao abrigo do art.178º do CP, quando é certo que a acusação deduzida contra o arguido ter por base a oportuna queixa do ofendido e assistente AI.
III.  Com efeito, na inquirição de 25-03-2003 a fls. 2973 a 2795, pelo menos 1 dia antes de se dar a caducidade do direito de queixa, o assistente AI “(…) declara desejar procedimento criminal contra todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo-se até alguns dos quais se possa vir a recordar com mais pormenor.”
IV. Se é lícito ao ofendido, quando manifeste a sua vontade de procedimento criminal não nomear desde logo a(s) pessoa(s) dos agentes, o que faz mais tarde, na inquirição de 28-03-2003 a fls.4005 a 4013 dos autos, onde diz que “Continua a desejar procedimento criminal contra os autores dos crimes dos quais foi vitima nomeadamente, o (...) K (…), é inquestionável que a queixa ocorreu em tempo, sendo legítimo o exercício da acção penal pelo MP.
V. Aliás, note-se que o MP, entendendo não poder agir independentemente de queixa em nome do interesse da vítima, arquivou todas as situações em que o queixoso não exerceu atempadamente o direito de queixa por ter mais de 16 anos e 6 meses.
VI. O recorrente também argui a nulidade cominada pela alínea c), do n.º 1, do art. 379º, do CPP, quanto à questão, que suscitou em sede de contestação, da invalidade do reconhecimento fotográfico pelos assistentes que lhe imputam abusos sexuais, alegando que tal questão deveria ter sido objecto de pronúncia.
VII. Contudo, não lhe assiste razão porque só se impunha ao tribunal pronunciar-se sobre a questão da validade ou invalidade do reconhecimento fotográfico do arguido se esse elemento probatório fosse um daqueles em que se fundou a sua decisão sobre a matéria de facto.
VIII. Certo é que, dos elementos de prova elencados no capítulo IV do acórdão – Motivação da Decisão de Facto – no qual o tribunal enumera os elementos probatórios em que se fundou a sua convicção acerca dos factos provados e não provados, não consta qualquer menção relativa aos “reconhecimentos fotográficos”.
IX. Assim, não tendo o tribunal valorado a suposta identificação do arguido por recurso ao álbum de fotografias exibido ao assistente em sede de inquérito enquanto meio probatório que concorreu para a formação da sua convicção, não estamos perante uma questão que o acórdão devesse apreciar, precisamente porque não teve qualquer relevo para a decisão sobre a matéria de facto, não existindo qualquer omissão de pronúncia.
X. O arguido igualmente invoca a nulidade do por omissão da pronúncia, alegando que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento de 27-08-2008 apresentado pela defesa de H, no qual se requereu a leitura das declarações prestadas em inquérito pelos assistentes e testemunhas nele referidos, o qual foi por si subscrito, aderindo aos respectivos fundamentos e pedido, alargando este também às declarações do assistente AC.
XI. No entendimento do arguido, tendo o tribunal, por despacho de 22-10-2008, referido ao primeiro daqueles requerimentos, indeferido a pretendida leitura, sem mencionar especificamente o assistente AC, o que, teria deixado de conhecer de questão que deveria ter sido apreciada.
XII. Todavia, o arguido impugnou esse despacho por meio do recurso inter(...) a fls. 61.076 que, aliás, o arguido manteve (vd. capítulo III – Dos Recursos Retidos, ponto 6 da sua alegação), sendo a esta sede que deve ser apreciada a questão e não como omissão de pronúncia no âmbito do presente recurso, ficando o conhecimento da nulidade invocada prejudicado pela existência daquele.
XIII. De qualquer forma, não lhe assiste razão, (...) que aderindo aos fundamentos e pedido do requerimento do co-arguido H de fls.55.787, sem acrescer qualquer questão substantiva que devesse ser apreciada, viu a sua pretensão indeferida por meio do despacho de 22-10-2008 que, mesmo não tendo referido o assistente AC, conheceu da pretensão do arguido, apreciando os fundamentos subjacentes àquela, que não acolheu.
XIV. Sem qualquer surpresa em sede de recurso que tem por objecto a matéria de facto, o recorrente qualifica como erro de julgamento o exercício de faculdade de livre apreciação da prova que a lei confere ao julgador, alegando que a decisão sobre a matéria de facto viola as regras de valoração da prova sendo arbitrária e contraditória.
XV. Contudo, é evidente que o arguido se esqueceu que a convicção do julgador perante os meios de prova que lhe são presentes não é sindicável pelo tribunal de recurso, que apenas poderá apreciar a completa falta de aderência desta à realidade ou então a preterição de provas que, pelas regras da experiência e lógica jurídica, impunham diferente decisão ao julgador.
XVI. É que o arguido discordando da fundamentação da matéria de facto, pretende que o tribunal de recurso se reveja na sua interpretação da prova chegando às mesmas conclusões a que ele próprio chega, decidindo não terem credibilidade as declarações dos assistentes e do co-arguido A, que reputa de mentirosas.
XVII. Embora a livre apreciação da prova tenha como limite a observância das regras da experiência e da lógica do homem médio su(...) pela ordem jurídica, reconduzindo-se a critérios objectivos que possibilitem o conhecimento do substrato racional da decisão, de forma a ser susceptível de motivação e de controlo, a impressão que os meios de prova geraram no julgador, respeitados que se mostrem aqueles limites, não é censurável em recurso.
 XVIII. É que a decisão do juiz será sempre uma convicção pessoal, concorrendo para a sua formação não só elementos racionais, mas também elementos racionalmente
não explicáveis, inclusive emocionais como, por exemplo, a impressão que suscitou o tom de voz com que o depoimento foi prestado.
XIX. Assim, mostrando-se devidamente fundamentada a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de factos e sendo plausível à luz das regras da experiência e lógica comum, não é passível de ser atacada a convicção que o tribunal formou acerca da prova que lhe foi presente.
XX. Quanto à determinação da medida concreta da pena pelo tribunal a quo, que não é merecedora de reparo, atente-se apenas na chocante posição que o arguido defende de ser menor a censurabilidade da sua conduta por, segundo ele, as vítimas se dedicarem à prostituição (o que não é facto provado) e terem idades “próximas” de 14 anos (duas tinham 13 e a outra 9/10 anos à data dos abusos).
XXI. A aplicação da lei 29/99 de 22 de Maio apenas é equacionável quanto aos crimes contra o assistente AC, anteriores a 25-03-1999, porém, sendo certo que o arguido praticou infracções dolosas em Novembro de 1999 e 2000 – os abusos sobre os assistentes AT e AI, dados por provados –, atento o dis(...) no art. 4º daquele diploma não tem qualquer aplicação.
XXII. É facilmente perceptível que o referido no 3º parágrafo da pág.1697 (fls. 68.110) do acórdão não se trata de uma contradição entre a fundamentação e a condenação do arguido a indemnizar os assistentes em 25.000 euros cada, mas de mero lapso de escrita, que claramente não prejudica a decisão.
 XXIII. Tendo o próprio arguido referir alguns dos danos sofridos pelos assistentes em causa (medo e temores), para além de outros patentes dos autos, a que acresce a prova dos abusos sobre os assistentes demonstra o nexo de causalidade entre o ilícito e dano, sendo fixado o montante indemnizatório em atenção à reparação das consequências dos ilícitos, pelo que não merece qualquer censura a condenação do arguido no pedido civil.

TERMOS EM QUE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE SER CONFIRMADA A PARTE DA DECISÃO AQUI RECORRIDA POR SER A ÚNICA CONFORME À LEI FAZENDO-SE, ASSIM, INTEIRA  JUSTIÇA” (fim de transcrição)
4. Analisando
a) - Ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal relativamente ao assistente AI, que o recorrente configura como nulidade insanável do acórdão
O arguido K inicia o seu recurso pondo em causa o despacho de fls. 66503 e ss. que, no acórdão recorrido, julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de queixa e ilegitimidade do Ministério Público, que havia suscitado em sede de contestação.
Trata-se de questão que o arguido (à semelhança dos arguidos C, H e E) já havia suscitado na fase de instrução, onde a mesma lhe foi indeferida (a ele e aos restantes arguidos).
Os arguidos C e H optaram por apresentar e manter interesse em recurso interlocutório quando a esse despacho proferido em sede de instrução, pelo que esta mesma questão assim suscitada já acima foi abordada na decisão de tais recursos interlocutórios.
Nessa sequência, reiteramos aqui, por ter inteira aplicação, tudo o que naqueles recursos interlocutórios dos arguidos C e H se expôs, até porque neste caso em particular, o menor de que se fala – o AI – é também um dos menores a que se reportam os recursos interlocutórios.
Sem prejuízo disso, iremos abordar especificamente a questão nos termos em que a colocou, neste recurso, o arguido K.
Quanto a este arguido, diz-se no mencionado despacho de fls. 66503 e ss., o seguinte:
“II - Fls. 24.388 a 24.409 (concretamente fls. 24.392, Ponto 1.2.); fls. 24.125 a 24.131 - Arguido K: excepção de extinção do Direito de Queixa em relação ao Assistente AI:
1. A fls. 24.388 a 24.409, na sua contestação - concretamente a fls. 24.392, Ponto 1 .2. - e a fls. 24.125 a 24.131, o arguido K arguiu a excepção da extinção do Direito de queixa, em relação as factos pelos quais está pronunciado relativamente ao assistente AI.
Alegou, em síntese, que atenta a data em que o assistente nasceu - (…) - quando, durante as declarações que prestou, manifestou o desejo de procedimento criminal contra o arguido K, já “...tinha 16 anos, 7 meses e dois dias…” ( pois fizera 16 anos no dia 26/09/2002).
Assim - não invocando, no entanto, qualquer preceito legal -, conclui dizendo que “… o ofendido não exerceu tempestivamente o direito de queixa, pelo que o mesmo se extinguiu”.
1.1. Face à forma como o arguido deduziu e fundamentou o incidente, afigura-se-nos que o arguido pretende que o Tribunal, face a um procedimento criminal que foi iniciado pelo Ministério Público, declare o mesmo extinto, por Ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, por falta de um pressu(...), que é o exercício do direito de queixa pelo ofendido.
2. No despacho de fls. 22.525 a 22.556, concretamente a fls. 22.547, “Ponto III”, o Tribunal proferiu uma decisão genérica de legitimidade do Ministério Público, ao abrigo do dis(...) no art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, decisão em relação à qual o arguido, a fls. 22.850 e segs., interpôs recurso (cfr., tb, Despacho de fls. 24.317, ponto IV).
Por força do Acordão n° 2/95, de 16/05, do S.T.J.-  publicado no D.R. 135/95, Série 1-A -, a decisão genérica proferida pelo Tribunal, ao abrigo do art° 311°, n° 1, do
C.P.Penal, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final o Tribunal tomar decisão quanto a tal questão.
O que passo a fazer.
3. No capítulo 4.4.2., do Despacho de Pronúncia, está imputado ao arguido K a prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art°. 172°. n° 1 e 2, do Código Penal, ocorrido em “... data em concreto não determinada, mas situada entre os meses de Outubro e Novembro de 1999...”, tendo o assistente AI 13 anos de idade.
3.1. Os presentes autos - a investigação que deu origem à Acusação e posteriormente Despacho de Pronúncia, pelo qual o arguido está em julgamento - tiveram origem numa informação que foi feita pela Polícia Judiciária em 25/11/2002 (cfr. fls. 2).
A fls. 46, por despacho datado de 29/11/2002, dá-se a intervenção do Ministério Público, com a promoção do procedimento criminal e abertura de inquérito, sendo que no Despacho de fls. 48, datado de 29/11/2002, é referido estar em causa a investigação de factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de abuso sexual de criança, p. e p. no art° 172°, do C.Penal (cfr. art°s. 241°, 242°, 49°, n° 2 do C.P.Penal e art° 172°, do C.Penal, na versão em vigor à data do Despacho).
Vejamos então qual a legislação aplicável ao caso concreto.
3.2. Com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n° 48/95, de 1 5 de Março, ao Código Penal (que entraram em vigor em 1/10/95), dentro do “Título 1”, da Parte Especial, foi criado um novo “Capitulo V”, englobando os “Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”.
Este capítulo passou a ser constituído pelos artigos 163° a 179°, do C.Penal, dispondo o artr° 178°, nos seus n°s. 1 e 2, quanto à “Queixa”, que:
“...1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s 163° a 165°, 167°, 168° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.
2. Nos casos previstos no número anterior, quando a vítima for menor de 12 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem.”.
A Lei 65/98, de 2 de Setembro (que entrou em vigor em 7/09/98), alterou a redacção do n° 2, deste art° 178°, passando a dizer:
“….2. Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”.
A Lei n° 99/2001 , de 25 de Agosto (que entrou em vigor em 30/08/01), alterou o art° 178°, do C.Penal, passando a ter a seguinte redacção:
“1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s. 163 a 165°, 167°, 168° e 171° a 175° depende de queixa, salvo nos seguintes casos:
a) Quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima;
b) Quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo.
2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, pode o Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima (...).
3. A duração da suspensão…(...).
4. Sem prejuízo do dis(...) nos n°s. 2 e 3, e quando os crimes previstos no n° 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”.
Por sua vez a Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro (que entrou em vigor em 15/09/07), começou por alterar o (anterior) art° 172° do C.Penal - intitulado abuso sexual de criança -, alterando a sua numeração do “art° 172°” para “171°”, passando o crime, em consequência, a ser p. e p. pelo art° 171°, do C.Penal.
Alterou o art° 178°, do C.Penal, excluindo a necessidade de queixa para o procedimento criminal quanto ao crime de “abuso sexual de criança”, p. e p. (agora) no art° 171°, do C.Penal (anteriormente no 172°, do C.Penal, como dissemos).
Mas alteração esta que, por sua vez, tem que ser articulada com a alteração que a Lei 59/07, de 4 de Setembro introduziu ao art° 118°, do C.Penal, nomeadamente o aditamento do “n° 5”, que diz que “…nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, o procedimento criminal não se extingue, por efeito de prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos”.
Do que antecede - e estamos a considerar os regimes sucessivamente em vigor tendo em atenção quer a data da prática do crime e a idade que o assistente (vítima) tinha à sua data, quer a data em que se iniciou o presente processo - , quer pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, quer pela Lei n° 99/2001 , de 25 de Agosto, em relação a situações que à partida estão dependentes de queixa, o Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal, se o crime tiver sido praticado “...contra menor de 16 anos...” e o interesse da vítima o impuser.
O Tribunal não convoca, no entanto, a Lei 59/07 - e isto sob a perspectiva da análise dos regimes sucessivamente aplicáveis, art° 2°, n°4, do C.Penal e art° 29°, da C.R. Portuguesa -, pois o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, vale para todas as normas penais, materiais e processuais.
Quer dizer que este princípio se aplica não só às normas penais substantivas, mas também aquele núcleo de normas processuais penais (materiais) que afectam os interesses do arguido. E a alteração introduzida pela Lei n° 59/07, de 15 de Setembro, ao alterar a natureza do presente ilícito - passando-o de semi-público a público -, é objectivamente um regime mais desfavorável para o arguido que veio suscitar o incidente da ilegitimidade.
3.3. Assim e prosseguindo, resulta - dos dois regimes que estamos a considerar - que no que se refere à categoria de crimes que estamos a tratar, quando tenham sido praticados contra menor de 16 anos, independentemente do exercício do direito de queixa por parte de quem, à partida, é titular desse direito, por razões de interesse público - relacionadas com o que é a tutela do bem jurídico protegido -, mas inerentes e subjacentes ao interesse da vítima, o Ministério Público tem legitimidade para desencadear e exercer a acção penal.
Tem, contudo, é que justificar as razões de facto (objectivas) que levam à sua intervenção no interesse da vítima (cfr., neste sentido, Ac. do S.T.J., 9/04/2003, relatado pelo Sr. Conselheiro Borges de Pinho, P° 02P4628, in www.dgsi.pt Ac. S.T.J., 22/10/03, relatado pelo Sr. Conselheiro Armindo Monteiro, P° 03P2852, in wvvw.dgsi.pt Ac. Tribunal Constitucional n° 403/2007, P° 535/04, relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Torres, in www.dgsi.pt, em que é referida a posição da Sra. Professora Maria João Antunes quanto a esta questão, e vista também não só sob a perspectiva da legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, independentemente de queixa, nestas situações, mas também sob a perspectiva da não admissibilidade da desistência de queixa, em função do especial interesse da vítima, quando o crime tenha sido praticado contra menor de 16 anos).
No caso concreto, atenta a data que está descrita para a prática dos factos, a idade do assistente em relação ao qual está imputado o crime ao arguido e à data dessa prática - o assistente AI - (…), cfr. fls. 34, “Apenso DD” -, era inferior a 16 anos.
Acresce que a fls. 13.552 a 13.554, o Ministério Público, previamente à articulação dos factos que constituíram a Acusação, proferiu Despacho no qual ponderou o interesse da vítima e as razões objectivas que levavam à sua intervenção, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003).
Invocam, em concreto, para fundamentar o interesse dos menores na intervenção do Ministério Público, a situação de institucionalização dos jovens, o quotidiano com deficit afectivo e oriundos de famílias disfuncionais, o dano psíquico que estes factos podem causar nos jovens, cuja reparação pode também passar pela punição do autor dos factos.
Tendo em atenção a vivência do assistente que está agora em causa, o qual não sendo uma “criança da (...)” estava institucionalizado na AX, familiarmente, apesar de ter contactos com uma “família de acolhimento”, era um jovem que manifestava sofrimento pela ausência de contacto com os pais biológicos, tinha acompanhamento pedopsiquiátrico regular e sujeito a medicação com anti-depressivos - cfr. “Apenso DD” e Apenso Z-15, 1° volume, fls. 174 a 487 -, estando descrito o seu envolvimento nestes factos através de um funcionário da própria instituição, não tendo o Assistente, quando esteve perante o Tribunal, manifestado qualquer oposição a que este processo tivesse prosseguido - o que, caso tivesse acontecido, poderia ser um sinal para o Tribunal ter em atenção, quanto à avaliação objectiva do real interesse da vítima, no que se refere à existência desta acção e à decisão tomada pelo Ministério Público; notando-se que se constituiu mesmo como assistente -, consideramos objectivamente relevantes e suficientes, sob a perspectiva do interesse do assistente, tal como a lei o configura, as razões invocadas pelo Ministério Público a fls. 13.552 a 13.554, para a sua intervenção ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003).
4. Em consequência e face ao ex(...), ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 1 e 3 do C.Penal , na versão introduzida pela Lei n° 99/2001 , de 25 de Agosto (sendo que, no segmento concreto, a versão introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, não continha disposição que alterasse de forma substancial o que está em causa no caso concreto), o Tribunal julga improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelo arguido K a fls. 24.388 a 24.409 (concretamente fls. 24.392, Ponto 1.2.) e a fls. 24.125 a 24.131.”
O Ministério Público respondeu a esta primeira questão do recurso do arguido nos seguintes termos:
“o M° P° deduziu Acusação no dia 29 de Dezembro de 2003 - fls. 13.449 a 13.808, vindo, os mesmos, a ser pronunciados, por Despacho de Pronúncia, proferido no dia 31 de Maio de 2004 - fls. 20.738 a 21.014.
Em tais Despachos, acolheu-se a tese que reconhecia, ao M° P°, legitimidade para o exercício da acção penal, tal como veio a acontecer no Acórdão condenatório, ora sob Recurso, relativamente às questões suscitadas pela Defesa do Arguido K.
Também o Despacho Judicial de fls. 17.042 a 17.046 acolhera a mesma argumentação, indeferindo a arguição da nulidade invocada por algumas Defesas.
Justifica-se, pois, que se faça uma breve incursão teórica sobre a natureza dos crimes em análise e do regime processual penal, no que respeita aos pressu(...)s processuais para o exercício da acção penal, consignando-se, todavia, e desde já, “No que aos crimes semi-públicos diz respeito, o Despacho proferido, pelo M°P°, em 29.12.2003 (prévio à, embora integrando a, Acusação), EM CASO ALGUM, ABRANGEU QUALQUER OFENDIDO, RELATIVAMENTE AO QUAL JÁ TIVESSEM DECORRIDO 6 MESES, SOBRE A DATA EM QUE COMPLETARA 16 ANOS DE IDADE.
O art° 178°, n° 1 , do Código Penal, cuja redacção foi introduzida pela Lei65/98, de 2 de Setembro, consigna que:
“o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167°, 168°71° a 175° depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.”
Acrescenta, porém, o número 2, do citado preceito penal, que:
“Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo”.
Cotejando a disciplina do preceito penal, anteriormente aludido, com a dos art°s. 48° e 49°, do CPP, resulta inquestionável que o M° P° dispõe de legitimidade para promover o processo pelo crime abuso sexual de criança, previsto no art° 1 72°, n° 1, e/ou, n° 2, do CP, quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressu(...)s:
- a vítima for menor de 16 anos;
-  o interesse da vítima impuser à procedimento.
Não tem sido unívoca a interpretação inerente ao mencionado preceito penal e, em consequência, no que toca à legitimidade de intervenção do M° P°
Partindo da literalidade do art° 178°, n° 2, do CP, corrobora-se o entendimento expresso por Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas, in “Código de Processo Penal Anotado”, 2° volume, pág. 465, 3a Edição, Rei dos Livros, de acordo com o qual “O M° Pº quando a vítima é menor de 16 anos e na falta de queixa dos titulares do direito (artigo 1 13°), só pode promover o processo quando conclua que a protecção do menor impõe a promoção penal e que a existência de um processo não é prejudicial para a pessoa da vítima.”.
Sintomático de que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, é o facto de não ter incluído as situações em apreço na ressalva do n° 1, do art° 178°, a par da morte ou suicídio da vítima.
Acresce que, a redacção adoptada - anteriormente “menor de 12 anos” e “especiais razões de interesse público” e agora “menor de 16 anos” e “interesse da vítima” -, não pode deixar de ter outro significado que não seja que, para dar início ao procedimento, o Ministério Público não tem que esperar que quem de direito, apresente queixa.
A este entendimento conduzem os antecedentes do preceito, que, pela respectiva oportunidade, importa referir.
Recuando ao Código Penal de 1886, verifica-se que, nos termos do art° 399°, o procedimento criminal não teria lugar “…sem prévia denúncia do Ofendido, ou de seus pais, avós, marido, irmãos, tutores ou curadores”. Porém, sendo a pessoa ofendida menor de 12 anos ou tendo sido cometida violência qualificada por lei como crime público, o crime tinha natureza pública.
A natureza semi-pública dos crimes sexuais foi consagrada como regra pelo art° 211°, n° 1, do CP de 1 982. Todavia, o n° 2, do citado dispositivo, contemplava uma excepção similar à do Código de 1886, quando os crimes tivessem por vítima pessoa menor de 12 anos; fosse cometido por meio de crime público; quando o agente do crime fosse o titular do exercício do direito de queixa; ou quando do crime resultasse ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima, casos em que o crime revestia natureza pública.
A natureza pública de tais crimes era eleita em homenagem a três ordens de razões, respectivamente, o interesse público na perseguição de crimes considerados de especial gravidade - hipótese de utilização de um meio que, por si só, integraria crime público, ou quando o crime sexual tivesse resultado em consequências particularmente gravosas para a vítima -; a presença de actividades com particular desvalor ético, energicamente repelidas pela comunidade - actos sexuais praticados com ou contra menor de 12 anos -; e a necessidade de ultrapassar a inevitável e chocante impossibilidade de procedimento por falta de queixa, por ser o próprio autor do crime o titular do direito de queixa.
Pode concluir-se, conforme o faz o Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 1999, publicado na “Revista Portuguesa de Ciência Criminal’, Ano 9, Fascículo 2 (Abril/Junho), que “Deste modo, dando preponderância ao tratamento dos crimes sexuais como crimes semi-públicos o C. Penal de 1982 continuou a privilegiar o direito da vítima a definir o seu real interesse, se perseguir o crime, a resguardar-se do escândalo e publicidade que essa perseguição penal importaria. (…) Porém, (…) quanto a determinadas situações havidas como mais graves, postergou-se esse eventual interesse da vítima a preservar o seu recato e, dando-se primazia ao interesse público na perseguição criminal, optou-se pelo enquadramento dessa situações na classe dos crimes públicos”.
A revisão operada pelo Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março, determinou, conforme já supra se salientou, que os crimes sexuais, até então sistematicamente inseridos nos “crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade”, passassem a enquadrar-se nos “crimes contra as pessoas”, adquirindo a denominação de “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual’.
Não se tratou, contudo, de mera alteração terminológica, já que, por um lado, a tónica da caracterização foi colocada na vertente da protecção da liberdade sexual das pessoas, e, por outro lado, o diploma penal passou a dispor que “o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer um deles resultar suicídio ou morte da vítima.”.
Em suma, de todas as circunstâncias que, na versão original do Código Penal de 1982, conferiam a qualquer desses crimes a natureza semi-pública, apenas se manteve a acima apontada, tendo-se eliminado todas as demais.
Ora, o n° 2, do art° 178° - que dispunha que nos casos previstos no n° 1, do preceito, quando a vítima fosse menor de 12 anos, o M° P° poderia dar início ao processo, se especiais razões de interesse público o impusessem - não constava do Projecto de Revisão do Código, tendo, no entanto, vindo a ser introduzido pelo DL n° 48/95.
Esta vicissitude legislativa não pode deixar de inculcar que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, pois se essa tivesse sido a intenção, bastaria incluir a hipótese na ressalva do n° 1.
O que decorre, inexoravelmente, é que, nos casos da previsão do art° 178° n° 2, pretendeu-se consagrar que o M° P° não tem que esperar que quem de direito apresente queixa para, nesses casos, dar início ao procedimento, assim se prevenindo os inconvenientes que da tardia reacção do representante do menor, titular do direito de queixa, poderia advir para o bom êxito do procedimento que depois se quisesse instaurar, frustrando o interesse da vítima menor.
Mas, tal não implicou que se tivesse querido preterir a possibilidade de a vítima decidir o interesse para si relevante.
Deverá, assim, entender-se, que cessa o pressu(...) de legitimidade de intervenção do M° P° logo que a vítima possa, nos termos da lei, exercer o direito de queixa, ou se se preferir, a vítima possa decidir qual é, para si, o interesse relevante, se a perseguição penal se a não intervenção.
Em consequência, pode afirmar-se que, completando a vítima 16 anos, perde razão de ser a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178° n° 2, a menos que o Ofendido não possua o discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa. É a disciplina que decorre do cotejo do citado normativo com o art° 113°, n° 3, do CP.
Este entendimento resulta acentuado com a redacção de então do art° 178°, n° 2, do CP (redacção da Lei 99/2001), que expressamente aludia ao “interesse da vítima”.
Com efeito, ao fazer depender o procedimento criminal de queixa nos casos a que se reporta o art° 178°, n° 1, do CP, o legislador concedeu uma especial protecção aos interesses daquela pessoa que, em concreto, é alvo da conduta típica, assim se justificando que só ela disponha de legitimidade para apresentar queixa.
E porque assim é, o art° 178°, n° 2, do CPP, surge como uma forma de evitar a desprotecção do menor de 16 anos - e por isso, incapaz para exercer directamente o direito de queixa (art° 113°, n° 3, daquele diploma) - naqueles casos em que o titular do direito de queixa a não apresenta, quando o interesse da vítima assim o impunha.
A ratio legislativa situa-se em termos de combater e evitar os casos de impunidade resultantes da circunstância da vítima não ter, ainda, capacidade para o exercício do direito de queixa e de o titular desta a não apresentar - veja-se, neste sentido, Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminat’, Ano 9, fasc.° 2°, pág. 328.
Nesta linha de entendimento, a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178°, n° 2, do CP deve, necessariamente, ter-se por subsidiária e porque subsidiária, cessa quando passe a inexistir razão que sob o ponto de vista finalístico a fundamente, ou seja, quando a vítima complete 16 anos e passe a dispor de capacidade para o exercício do direito de queixa.
Em suma, o preceito penal mencionado exige uma leitura conjugada do art° 178°, n° 1, 1ª  parte, e do art° 113°, n°s 3 e 6, ambos do CP, dela resultando que:
a) o art° 178°, n° 2, constitui um dos casos a que se refere o art° 113°, n° 6, do CP;
b) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1ª parte do art° 178°, n° 1, do CP, e a vítima for menor de 16 anos, o M° P° pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse da vítima, dar início ao procedimento criminal;
c) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do M° P° nos moldes consagrados no art° 178°, n°2, do CP.
Assim sendo, consagrando a lei a possibilidade de o Ofendido apresentar queixa a partir da altura em que completa 16 anos - e depois disso não podendo o mesmo ser exercido por mais ninguém (art° 113°, n°s 3 e 6 e 178°, n° 4, do C.P.) - tem de se concluir que o mesmo disporá do prazo geral de 6 meses para a apresentar, sob pena de se esvaziar de conteúdo tal possibilidade.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão, do TRP, de 15.4.2009 (RP 7344/08), (…).
Neste mesmo sentido foi a evolução legislativa posterior relativamente a crimes de natureza semi-pública praticados contra menores de 16 anos.
Assim, o art° 113°, n° 6, do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, consagra expressamente que o Ofendido pode exercer o direito de queixa a partir da data em que perfizer 16 anos, dispondo do prazo geral de 6 meses estipulado no art° 115°, n° 1 , mas agora contado da data em que fizer 1 8 anos.
No caso presente, o Ofendido AI nasceu a (…) e apresentou gueixa no dia 25 de Março de 2003 - conforme Auto de fls. 2.973 a 2.976, isto é, dentro prazo legal de seis meses, contados a partir da data em que perfez 16 anos.
Que o Ofendido pudesse, já anteriormente à reforma de 2007, apresentar queixa, tempestivamente, dentro dos 6 meses posteriores à data em que completasse 16 anos de idade, é entendimento, expressamente, perfilhado, na Motivação (fls. 68.712, in fine).
Assim, há-de concluir-se que AI exerceu, tempestivamente, tal direito de queixa, legitimando o M° P° para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos art°s 49°e 50°, do CPP.
Todavia, mesmo que assim não se entendesse, o M° P° declarou, em Despacho prévio à Acusação propriamente dita, a fls. 13.552 dos autos, que, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C. Penal, considerava que o interesse particular das vítimas do presente processo impunha que o procedimento criminal fosse exercido.
Tal Despacho (defendendo entendimento paralelo ao que veio a ser acolhido no Acórdão) refere, expressamente, que:
“Nos termos do dis(...) no art° 178° n° 4 do CPP, o Ministério Público pode dar início ao procedimento criminal por factos susceptíveis de integrar crimes contra a auto-determinação sexual de menores se os factos forem praticados contra menores de 16 anos e o interesse destes o impuser.
Esta disciplina é, de resto, também, sufragada no art° 113° n° 6, do mesmo diploma legal.
É hoje comummente aceite, que a aferição do interesse do menor na instauração do procedimento criminal implica um juízo de ponderação a levar a cabo com base nos factos indiciária, e objectivamente trazidos ao processo, por forma a determinar se as vítimas em causa, não obstante a inexistência de queixa, são beneficiadas com a tutela penal, ou se, ao invés, resultarão prejudicadas com a instauração da mesma.
Como critério preponderante da referida valoração deve ter-se a vertente reparadora do mecanismo de perseguição penal, a qual pressupõe, por um lado o reconhecimento da qualidade de vítima e, por outro o da reprovação da conduta do agressor.
Nos presentes autos, todos os Ofendidos eram crianças institucionalizadas, oriundas de famílias disfuncionais, com carências afectivas e económicas graves, sem quaisquer referências afectivas e securizantes, verdadeiros sobre viventes.
Quotidianos pobres de afectos, de educação, de normas sociais básicas que lhes permitissem, no futuro, uma integração comunitária saudável e equilibrada foi o passado das crianças que, ao ingressarem numa Instituição vocacionada para a protecção e educação de menores, acalentaram a esperança de um amanhã melhor.
Projectos amputados e sonhos adiados foram, seguramente, os resultados das condutas criminosas que, indiciariamente, as terão visado como alvos.
O dano psíquico provocado pelos actos criminosos, muitas vezes imperceptível aos olhos dos outros, não surge, pois, nestes casos, como uma mera hipótese, mas antes como um facto de verificação certa. Danos cuja reparação passa, não em exclusivo, mas também, pela punição de quem os provocou.
…para as crianças com idade igual ou superior a 8 anos, o processo mental de reparação do dano psíquico passa, com frequência, pelo reconhecimento da sua qualidade de vítima - o que os ajudará a metabolizar os seus sentimentos de culpa e vergonha - e pela punição de quem lhe fez mal” - Relatório Pericial de ffs. 13.192 a 13.198.
No caso vertente, entende o Ministério Público que o início do procedimento criminal desencadeou o processo de reparação psíquica dos menores indiciariamente vitimados. Prova disso é o facto dos mesmos terem prestado declarações e falado sobre factos que, ao longo de muito tempo, não revelaram, em parte por recearem comprometer a sua permanência na Instituição da qual faziam parte alguns dos autores das suas feridas.
Essa atitude activa manifestada pelos menores é um sinal evidente do desejo de iniciarem o seu processo de estabilização emocional e afectiva. Ignorá-lo seria impedi-los de reivindicar um direito que lhes assiste, mas que, não podem exercer pessoalmente.
Proceder criminalmente contra as pessoas que acusam de terem violado um bem que a lei penal elevou à categoria de fundamental para efeitos de sobrevivência da comunidade apresenta-se, assim como um interesse para elas, impondo-se, por tal razão, ao Ministério Público, agir em conformidade com o dis(...) no art° 178° n° 4 do CP.”.
Discutiu-se muito, no âmbito de processos que tiveram origem nos presentes autos, a questão de saber em que momento e qual a forma que a avaliação do interesse da vitima que sustenta a intervenção processual do M° P°, deve ser equacionada por este.
Todavia, a conclusão a que sempre se chegou foi a de que a lei não fixa qualquer momento para ser aferido pelo M° P° qual o interesse da vítima, nem, tão pouco, impõe que seja lavrado um Despacho inicial justificativo de tal posição.
Com efeito, conforme se refere no Acórdão do STJ, de 31.5.2000 - Proc. 272/2000 -, “sempre que sejam notórias as razões de facto em que se apoia o Ministério Público e a própria exigência do procedimento pelo interesse (objectivo) da vítima, a sua não especificação detalhada, só por s nunca pode implicar, necessariamente, a ilegitimidade daquele”.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ, de 3.4.2002 - proc. 02P4628 (consultado em www.dgsi.pt) -, ao considerar que “a constatação de tal interesse público na promoção do procedimento criminal não carece de ser expressamente declarada no processo pelo magistrado titular do mesmo”, quando tal interesse decorra inquestionavelmente do teor dos próprios autos.
Assim, o que é essencial é que os autos contenham elementos suficientes que habilitem o Tribunal e o M° P° a realizar esse juízo de ponderação.
Ora, os presentes autos contêm elementos suficientes para permitir ao Tribunal sindicar a actuação processual do M° P°, em ordem a determinar a sua legitimidade processual.
Conforme se refere no Acórdão do S.T.J., de 9.7.2003 - Proc. 03P2852 (consultado em www.dgsi.pt) -, “sempre que seja demonstrado o estilo de vida dos menores, e comprovadas as notórias consequências da respectiva adopção, em manifesto prejuízo para aqueles, à luz de um critério objectivo, que ninguém ouse refutar, ressalta à evidência a legitimidade do MP, alicerçada no seu interesse(. ..)“.
Ora, encontrava-se demonstrado nos autos que os menores que foram vítimas da actuação criminosa dos Arguidos, eram crianças desprovidas de meio familiar normal, estavam confiados a uma Instituições de protecção e assistência e foram abusados por isso.
O M° P° tem o imperativo constitucional consagrado no art° 69 da CRP de assegurar o cumprimento do direito que todas as crianças têm “à protecção do Estado e da Sociedade com vista ao seu desenvolvimento integral”, sendo também sua tarefa estatutária e legal (art°s 3°, n° 1, a), c) e d), da Lei 47/86 e art° 53°, n° 1 , do CPP, Leis n°s 147/99 e 166/99, de 1 e 14 de Setembro, respectivamente) a obrigação de defender os interesses de determinadas pessoas mais carecidas de protecção, entre elas se contando os menores - neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira “CRP Anotada”, ed. 1993, pág. 830.
Os menores identificados nos autos não tinham qualquer contacto regular com a sua família e o organismo público a que se encontravam confiados não conseguiram protegê-los eficazmente, conforme aliás decorre do modo de vida a que se vinham dedicando.
Assim, está mais que justificada a existência do interesse especial destas vítimas, o qual sempre legitimaria a intervenção processual do M° P°.
Concluímos, reiterando que o entendimento acolhido no Acórdão, só subsidiaria mente se acolhe, (...) que, em primeira linha, a legitimidade do M°P° para exercer a acção penal, no que ao Assistente AI diz respeito, decorre do facto de ter este formulado a queixa e manifestado desejo de procedimento criminal, dentro dos 6 me- ses, subsequentes à data em que completou 16 anos de idade.
Reitera-se:
No que aos crimes semi-públicos diz respeito, o Despacho proferido, pelo M°P°, em 29.12.2003 (prévio à, embora integrando a, Acusação), em caso algum, abrangeu qualquer Ofendido, nomeadamente, o Assistente AI, relativamente ao qual já tivessem decorrido 6 meses, sobre a data em que completara 16 anos de idade, sem formalização de queixa.
Daí que, também quanto à questão suscitada pelo Recorrente K, deva ela ser considerada improcedente”.
Já os assistentes, na sua resposta, afirmam:
“1.1. O recorrente invoca a ilegitimidade do MP para exercer a acção penal quanto aos factos relatados pelo assistente AI que a si respeitam e constantes do ponto 4.4.2. da pronúncia por, segundo ele, o exercício da acção penal pelo MP ter ocorrido ao abrigo do dis(...) no art. 178., do CP (n. 2, na redacção introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, ou n. 4, aditado pela Lei 99/2001, de 21 de Agosto) em momento posterior à data em que o assistente completou 16 anos de idade, 26-06-2002, não tendo este exercido o seu direito de queixa atempadamente cuja caducidade se teria dado em 26-03-2003 data em que perfizeram 6 meses após o assistente ter feito 16 anos.
1.2. Portanto, para o arguido a suposta intervenção do MP dando início ao procedimento em defesa do “interesse da vítima”, nos termos do art.178, n. 2, ou n. 4, do CP, conforme a versão do normativo aplicável, apenas seria possível se tal intervenção se desse antes do ofendido ter, por si, capacidade para deduzir queixa, o que sucederia quando este completasse 16 anos de idade - art.113, n. 3, CP -, mas já não depois dessa data e menos ainda depois de ter caducado o direito de queixa que ocorreria, no seu entender, seis meses após aquela data - art. 115, n. 2, CP.
1.3. Desde logo, diga-se que todo o raciocínio expendido pelo arguido assenta num equívoco: que o MP exerceu a acção penal em defesa do interesse do menor e ao abrigo do normativo citado, quando é certo que no caso vertente a acusação deduzida contra o arguido ter por base a queixa do ofendido e assistente AI.
1.4. Aliás, é de salientar que, ainda que o próprio tribunal tenha ido mais longe como adiante veremos, o entendimento perfilhado pelo MP no que respeita a esta questão, foi precisamente a interpretação restritiva da disciplina do art. 178., n. 2 ou 4, no sentido que a sua intervenção fundada no interesse da vítima independentemente da existência de queixa só é possível antes do menor ter capacidade para, por si, exercer esse direito de queixa.
1.5. Nesse sentido, o despacho de 29-12-2003 a fls. 13.479 a 13.483, ponto “1.2 - Da legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal nos crimes de abuso sexual de menores” conclui o seguinte:
“a) o art°. 178° n °. 2 constitui um dos casos a que se refere o art°, 113° n °. 6 do CP;
b) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1ª parte do art°, 178° n.º. 1 do CP, e a vítima for menor de 16 anos, o Ministério Público pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse da vítima, dar início ao procedimento criminal;
c) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do Ministério Público nos moldes consagrados no art°. 178° n °. 2 do CP.”
1.6. Note-se que, sintomaticamente, esta justificação precede o capítulo em que sob a epígrafe “ARQUIVAMENTOS POR FALTA DE CONDIÇÕES DE PROCEDIBILIDADE” o MP irá mandar arquivar dezenas de situações, entre as quais algumas relativas ao arguido, precisamente porque o(s) queixoso(s) não exerceu(eram) atempadamente o seu direito e tendo já mais de 16 anos não poder o MP agir independentemente de queixa em nome do interesse da vítima. A título exemplificativo reproduz-se a fórmula repetida pelo MP nos arquivamentos com este fundamento (vd. fls. 13.493 e 13.494):
“O ofendido manifestou o desejo de procedimento criminal. Contudo, verifica-se que o direito de queixa não foi tempestivamente exercido, atendendo a que o ofendido, quando foi ouvido no âmbito deste inquérito e denunciou os factos em causa contava já 17 anos.
Nos termos dos art°s. 113° e 115° do CP, verifica-se que o ofendido, apenas poderia ter exercido o direito de queixa até 6 meses depois de ter completado 16 anos, data a partir da qual passou a ter legitimidade para, por si, apresentar queixa, relativamente a factos de que foi vítima enquanto menor de 16 anos e relativamente aos quais os representantes legais não exerceram o direito de queixa por não terem conhecimento dos mesmos.
Por outro lado, face à idade do ofendido, actualmente 18 anos, não é possível ao Ministério Público exercer, em nome do interesse da vítima, independentemente de queixa, nos termos do art°. 178° n °. 4 do CP, o procedimento criminal. Pelo ex(...), e nos termos do art°. 277° n.º 1 do CPP determina-se o arquivamento dos autos nesta parte.
Cumpra o dis(...) no art°. 277° nº 3 do CPP, notificando-se o arguido K e o queixoso.”
1.7. Face ao ex(...) não é possível sustentar, como o faz o arguido, que o MP tenha recorrido à faculdade prevista no art.178. para exercer a acção penal. Ao invés a posição defendida pelo MP investigador e acusador está em linha com o que o arguido defende.
1.8. Porém a realidade é que o assistente deduziu atempadamente queixa pelo que o MP tinha plena legitimidade para exercer a acção penal contra o arguido. Vejamos então porquê:
1.9. O assistente AI nasceu em (…) - vd. Apenso DD, fls.34 -, completando 16 anos em (…), portanto a caducidade do direito de queixa verificar-se-ia em 26-03-2003 - arts. 113., n. 3 e 115., n. 1 do CP -, ou melhor, no dia seguinte (...) que. ainda exerceria oportunamente aquele.
1.10. Ora, na inquirição de 25-03-2003 - fls. 2973 a 2795 -, pelo menos 1 dia antes de se dar a caducidade do direito de queixa, o assistente AI “(...)declara desejar procedimento criminal contra todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo-se até alguns dos quais se possa vir a recordar com mais pormenor.”
1.11. Portanto, inquestionavelmente o assistente exerceu o seu direito de queixa em tempo porque o fez contra todos e quaisquer homens que tenham abusado de si, apenas não prosseguindo a inquirição para identificação dos abusadores “(...) devido ao adiantado da hora e porque se confessa já demasiado cansado e até perturbado com as recordações que se viu na necessidade de fazer, vai-se proceder à interrupção desta inquirição, marcando-se a sua continuação para amanhã.”
1.12. Nem sequer é argumentável que o arguido não foi logo identificado como um dos abusadores, dado que a queixa contra desconhecidos interrompe validamente o prazo de caducidade daquela, sendo lícito ao ofendido, quando manifeste desejo de procedimento criminal não nomear desde logo a(s) pessoa(s) dos agentes.
1.13. Para mais, o assistente quando identifica o arguido como sendo uma das pessoas que dele abusaram criminalmente na inquirição de 28-03-2003 a fls.4005 a 4013 dos autos, não diz que deseja procedimento criminal contra a este mas sim que “Continua a desejar procedimento criminal contra os autores dos crimes dos quais foi vitima nomeadamente, o (...) K, o Dr. C e o indivíduo constante na fotografia n° 8 do álbum de fotografias constante do processo, cuja identidade desconhece.”
1.14. Falece, pois, a alegação do arguido relativa a esta questão porquanto estando em causa um crime semi-público e tendo sido apresentada a respectiva queixa antes de decorrido o prazo de caducidade o MP tinha plena legitimidade para investigar e acusar o arguido pela prática dos factos pelos quais veio a ser condenado.
Não obstante o acima ex(...), somos pelo bem fundado da posição que veio a merecer acolhimento no acórdão, porquanto:
1.15. Antes de mais importa notar que para a questão concreta, afastada que está, e bem, a aplicabilidade do regime instituído pela Lei 59/07, de 9 de Setembro, pela proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e aplicação do princípio da aplicação do regime mais favorável ao arguido, é indiferente a aplicação da redacção do art. 178., n. 2, introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, ou a que resulta da Lei 99/2001, de 21 de Agosto, aditando o n. 4, pois que em ambas as versões se dispõe que, em caso de crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 172, praticados contra menor de 16 anos, o MP pode “dar início o procedimento se o interesse da vítima o impuser”.
1.16. Não suscitando dúvidas que o arguido não questionou a fundamentação expendida pelo MP no despacho de fls. 13.552 a 13.554 que precede a acusação propriamente dita, no qual expõe as razões de facto que justificam a sua intervenção em nome do interesse da vítima - o referido AI -, a questão resume-se a saber se no caso vertente tal faculdade foi usada atempadamente ou não.
1.17. Porém, a premissa em que assenta a argumentação do arguido - de que é vedado ao MP iniciar o procedimento em nome do interesse da vítima desde que o ofendido tenha capacidade para directamente deduzir queixa - não tem acolhimento na letra da lei. É que, seja qual for a versão do art. 178. que se aplique, a da Lei 65/98, ou da Lei 99/2001, a intervenção do MP imposta pelo interesse da vítima depende apenas do crime ter sido praticados contra menor de 16 anos.
1.18. Assim, se o procedimento depender de queixa, como era o caso do crime de abuso sexual de criança antes da entrada em vigor da Lei 59/07, de 9 de Setembro, e o titular do respectivo direito não a ter apresentado estará impedido o MP de promover a abertura do inquérito?
Em nosso entender não: apercebendo-se que os factos que lhe chegaram ao conhecimento são passíveis de integrar um crime semi-público e não tendo o respectivo titular deduzido queixa, o MP, entendendo que o interesse da vítima o impõe, pode dar início ao procedimento, seja nos termos do n. 6, do art. 113., seja nos termos do n. 2 (ou n. 4) do art. 178., do CP, e, se for caso disso, proferir acusação para tanto invocando fundamentadamente aquele interesse, como sucedeu nos presentes autos.
1.19. É que o elemento fulcral da faculdade conferida ao MP de exercer a acção penal independentemente da queixa do respectivo titular é o interesse relevante da vítima em ver, ou não, instaurada a acção penal pelos factos que contra ele foram praticados.
1.20. Tal resulta da própria ratio subjacente à disciplina do n. 2 (ou n. 4), do art. 178.º: salvaguardar o interesse do menor vítima de abusos sexuais da não apresentação atempada de queixa, seja por si, seja pelo seu legal representante, assegurando o andamento adequado e oportuno do procedimento. Igualmente visa tal norma prevenir a perversidade resultante da não apresentação da queixa se dever a o agente do crime ser o próprio representante da vítima, titular do direito de queixa.
1.21. A oportunidade do exercício da acção penal não se compadece, assim, com a inércia do titular do direito de queixa, seja ela voluntária ou não, seja consciente ou não, se o MP constatar que existe interesse relevante da vítima dos abusos que lhe impõe a promoção dos termos do inquérito independentemente de queixa, como sucedeu nos presentes autos.
1.22. Contudo a lei não vai tão longe que permita que tal intervenção se dê, ou mantenha, contra a vontade da vítima capaz, por si, de apresentar queixa, só a esta competindo decidir qual é para si o interesse relevante: se prosseguir a acção penal ou não. Pelo que a intervenção do MP só é possível se o titular do interesse - a vítima - não manifestar vontade em não perseguir criminalmente o agente, desde que tenha capacidade para o fazer.
1.23. Todavia, correlativo da possibilidade conferida ao MP é a obrigação deste justificar objectivamente a existência no caso concreto de interesse relevante da vítima, o qual não é presumido, através de despacho fundamentado no qual convoque as razões de facto que levaram à sua intervenção.
Mas para se ter por cumprida tal exigência não seria necessário que o MP proferisse logo despacho a fundamentar a sua intervenção em nome do interesse da vítima bastando que o fizesse antes de ser proferida a acusação, como sucedeu nos presentes autos.
1.24. Assim, tendo os factos imputados ao arguido recorrente por referência ao ponto 4.4.2. da pronúncia, ocorrido “em data em concreto não apurada, mas situada entre os meses de Outubro e Novembro de 1999, quando o AI, (…), tinha 13 anos, e não tendo este, quando ouvido em sede de inquérito manifestado o seu interesse em não prosseguir o procedimento contra o arguido, e mostrando-se devidamente fundamentada no despacho de fls. 13.552 a 13.554 a existência do interesse relevante da vítima, é legitima a intervenção do MP, independentemente de queixa, para exercer a acção penal, pelo que improcede a excepção deduzida pelo arguido”.
Já o dissemos algumas vezes e vamos repeti-lo: deve haver poucas situações em que a fundamentação do despacho recorrido e as respostas do MP e assistentes sejam tão profundas e assertivas como nesta tão falada questão da ilegitimidade do MP.
Assim, reiterando o que já dissemos nos recursos interlocutórios supra mencionados, este Tribunal concorda inteiramente com o despacho recorrido e com a posição que o MP assumiu nos autos.
Compreende-se à saciedade a lógica da argumentação que lhe serve de base, ao contrário do que acontece com os recursos dos arguidos.
Vejamos.
Para o arguido K, a conclusão a que o Tribunal a quo chegou de que o exercício do direito de queixa foi exercido tempestivamente e de que o MP tinha legitimidade para dar início ao procedimento criminal, decorre de errada interpretação dos factos alegados pelo recorrente em sede de excepção e de uma aplicação da lei no tempo desconforme com o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável ao arguido, e bem assim, da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, contido no art. 29.º da CRP, e que aplica a todas as normas penais, materiais e processuais, invocação de duas decisões do STJ do ano de 2000, e uma do TC de 2007, para confirmação da legitimidade do MP para desencadear a acção penal desde que justifique as razões de facto (objectivas) que levam à sua intervenção no interesse da vítima, que no entanto se debruçaram sobre questão diversa daquela que foi invocada pelo recorrente.
Não se vê, de modo algum, que assista razão ao recorrente, tendo-se mesmo dificuldade em compreender esta argumentação.
Diz o arguido K que o ofendido AI nasceu em (…), pelo que completou 16 anos de idade em (…), mas que apenas manifestou o desejo de procedimento criminal contra o recorrente em 28-04-2003, quando já tinha 16 anos, 6 meses e 2 dias de idade.
E concorda que o ofendido apenas poderia ter exercido o direito de queixa até 6 meses após ter completado 16 anos de idade, mas afirma que ele não o fez.
Ainda que com uma roupagem diferente, o que o arguido vem dizer não é novidade para o Tribunal, pois já em sede de recursos interlocutórios estas mesmas questões foram resolvidas quanto ao menor AI.
O ofendido AI nasceu a (…) e apresentou queixa no dia 25 de Março de 2003, conforme auto de fls. 2973 a 2976, isto é, dentro do prazo legal de 6 meses contados a partir da data em que perfez 16 anos.
Consequentemente, é manifesto que o ofendido exerceu tempestivamente o direito de queixa, legitimando o MP para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos arts. 49.º e 50.º do CPP.
O arguido é que incorre em lapso ao considerar que a queixa só foi apresentada em 28-04-2003, pois está a valorizar a identificação do recorrente, com o que considera que das várias vezes em que o ofendido foi inquirido anteriormente e manifestou interesse no procedimento criminal, só assumiria relevo aquela em que expressamente indicou a pessoa de K.
O ofendido AI referiu, a fls. 2973 (em 25-03-2003), que pretendia procedimento criminal contra “todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo-se até alguns dos quais se possa vir a recordar com mais pormenor”.
O recorrente parece defender que não podem entender-se como exercício do direito de queixa contra si, declarações em que o arguido não é referido expressamente, ou identificado pelo ofendido.
Mas não é, nem tinha que ser, afirmamos nós. Com efeito, nenhuma norma impõe que o seja.
Conforme refere o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2002, in CJ, XXVII, tomo 3, pág. 135, “a queixa vale mesmo contra pessoas não nomeadas”. O que releva é a manifestação do desejo de procedimento criminal, podendo ou não o queixoso ser capaz de identificar desde logo o arguido, como resulta da própria lei. O ofendido exerceu o seu direito de queixa em tempo, embora só tenha identificado o recorrente como um dos arguidos em momento posterior, mas isso em nada contende com um correcto exercício do direito de queixa.
Não ocorreu, portanto, qualquer caducidade do direito de queixa quanto a este ofendido.
Para o arguido K, não é de pôr em causa que o MP possa, se o interesse da vítima o justificar, dar início ao procedimento criminal. Refere é que quando o Ministério Público justificou as razões da defesa dos interesses do menor, em 29-12-2003, já o ofendido AI tinha 17 anos de idade.
Por essa razão, entende que o Tribunal interpretou mal o art. 178.º do CP, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 99/2001, de 25-08, e aplicou retroactivamente a lei, ao aceitar a intervenção do MP após os 16 anos do ofendido.
Parece necessário distinguir aqui dois momentos processuais distintos: aquele em que o MP dá início ao procedimento criminal e aquele em que é proferido despacho a justificar a sua substituição legal para representar os interesses do menor quando este tem menos de 16 anos de idade e não foi apresentada queixa, prosseguindo com o procedimento.
No momento em que o MP deu início ao procedimento criminal, o AI ainda não tinha 16 anos de idade, acrescidos dos 6 meses para exercer o direito de queixa, o que acabou por fazer.
No momento processual em que o MP justifica o interesse no prosseguimento dos autos, suprindo a falta de queixa dos familiares de menores de 16 anos de idade que não apresentaram queixa, já o AI tinha apresentado queixa. Por isso, quanto a ele, não se coloca a questão de o MP ter agido em defesa dos seus interesses, porque na altura em que foi deduzida a acusação já o AI a exercia por si próprio.
Os ofendidos têm um período para apresentar queixa, precisamente para reflectirem se o desejam fazer e não podem ser privados desse prazo para reflexão.
Havendo necessidade de dar início às diligências investigatórias – o que só ao MP compete decidir – aquele deve fazê-lo, sempre que o interesse dos menores o justifique, até porque desconhece qual a posição que os mesmos vão assumir de futuro e não poderá deixar de tutelar os interesses que a lei lhe confiou.
O que não decorre da lei é que o MP tenha que nesse preciso momento em que abre o inquérito justificar de forma profunda porque motivo agiu em defesa dos menores de 16 anos.
Uma coisa é o momento em que se dá início ao processo, e em que o MP dá início à investigação, sem saber que factos indiciários irá acabar por apurar e se os requisitos processuais necessários para deduzir uma acusação acabarão por estar verificados. Na sequência da notícia de um crime credível compete ao MP abrir um inquérito, sem que tenha necessidade de justificar pormenorizadamente o porquê. Nessa altura, nem o MP sabe exactamente quem são a totalidade dos ofendidos e quais as suas idades e situações familiares.
Exigir que o MP fundamente a abertura de um inquérito em defesa do interesse dos menores, quando ainda nada foi investigado, vai contra toda a lógica do nosso sistema processual penal.
Outra coisa é o momento processual em que o MP põe termo ao inquérito, acusando ou arquivando o processo. Aí sim, compete-lhe verificar se estão reunidos os necessários pressu(...)s processuais para acusar e, não estando, arquivar os autos.
Foi o que aconteceu no caso vertente. No despacho prévio à acusação o MP determinou o arquivamento dos autos quanto aos ofendidos maiores de 16 anos, que não exerceram em tempo o direito de queixa, e justificou as situações em que, relativamente aos menores de 16 anos, considerava ser de deduzir acusação, ainda que os legais representantes deles não tivessem apresentado queixa, pois essa era a posição que melhor defendia o interesse desses menores ofendidos.
Entendendo-se se tal decisão é ou não sindicável – no que não há harmonia de posições –, o que é certo é que no caso dos autos, como bem salienta o MP, era inteiramente justificada a sua intervenção. Os menores que foram vítimas no processo eram crianças desprovidas de meio familiar normal, estavam confiados a uma Instituição de protecção e assistência e foram abusados por isso. Os menores identificados nos autos não tinham qualquer contacto regular com a sua família e o organismo público a que se encontravam confiados não conseguiu protegê-los eficazmente, conforme aliás decorre do modo de vida a que se vinham dedicando.
Conclui-se, pois, que está amplamente justificada a existência do interesse especial destas vítimas que legitimou a intervenção processual do MP. Salienta-se, porém, que nessa data o MP já não se reportava ao ofendido AI Antunes, dado que este já tinha apresentado queixa.
Não se verifica, pois, a procedência desta argumentação do arguido K.
Em tudo quanto assim afirmou o arguido laborou em erro, pois assumiu que o menor AI não tinha apresentado tempestivamente queixa, quando o fez, e que o MP tinha a obrigação de justificar a sua intervenção em defesa dos interesses dos menores logo no despacho em que determina o início do inquérito.
O Tribunal a quo não fez, pois, uma errada interpretação dos factos alegados pelo recorrente em sede de excepção na sua contestação, pois justificou, de acordo com todas as normas jurídicas aplicáveis e entendimentos jurisprudenciais dominantes, como devia ser enquadrada a situação do menor AI e dos demais, confirmando a legitimidade do MP para o exercício da acção penal.
Como explicitamente decorre do despacho recorrido, também não há qualquer aplicação da lei desconforme com o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal mais favorável, antes pelo contrário, pois expressamente se consignou essa proibição.
No mais, a afirmação de que o Tribunal recorrido invocou duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça e uma do Tribunal Constitucional, que se debruçaram sobre questão diversa daquela que foi invocada pelo recorrente não se vê de que modo inquine a decisão recorrida. O que é necessário é que as partes desses arestos citadas estejam conformes com os originais. As conclusões que o Tribunal retira dessa jurisprudência citada não passam a estar erradas só porque os Acórdãos em causa não se pronunciavam sobre a mesma questão tal como o recorrente a colocou.
Em conclusão, o despacho recorrido não padece da invocada nulidade insanável, por ter feito uma errónea interpretação e aplicação dos arts. 48.º e 49.º  do CPP, 113.º, n.º 1, 115.º, n.º 1, e 178.º, estes do CP, ao considerar tempestivo o exercício de um direito de queixa, que na realidade o é.
Também este arguido aflora a questão da inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido fez daqueles normativos, por violação do princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado no art. 203.º da CRP.
No entanto, não foi essa a actuação do Tribunal a quo. O Tribunal aplicou, em conjugação, de acordo com a lógica jurídica e o espírito do legislador, as normas jurídicas que no caso vertente se aplicam, interpretando-as de acordo com o espírito da lei.
Não se consegue, por conseguinte, descortinar qualquer inconstitucionalidade da interpretação normativa feita no despacho recorrido, por alegada violação do princípio da legalidade e do art. 203.º da CRP.
Em conclusão, improcede na totalidade a questão da caducidade do direito de queixa/ilegitimidade do MP, suscitada pelo arguido K, reiterando que se adere por completo à profunda fundamentação do despacho recorrido, que não merece qualquer reparo.
b)- Nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia, quanto à inexistência e nulidade do “reconhecimento” ou identificação do recorrente e valoração de tal reconhecimento como prova – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP
Alega o recorrente, que na contestação por si apresentada, suscitou a questão incidental quanto à inexistência e invalidade do seu reconhecimento, tendo o Tribunal a quo, por despacho de fls. 27567, “Ponto 10. 1. d)” relegado o conhecimento dessa questão para a sentença, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do art. 374.º do CPP.
Contudo, alega o recorrente, o Tribunal a quo não tomou conhecimento dessa questão na sentença, apesar de, durante a produção de prova, os assistentes terem sido confrontados com o álbum fotográfico (Apenso AJ), questionados sobre a forma e o momento como procederam à sua identificação ou reconhecimento, omissão de pronúncia que, segundo alega, configura uma nulidade da sentença, conforme prevê a alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, o que deverá ser declarado.
Mais alega, que “A interpretação do art. 147º do C.P.Penal conjugada com o dis(...) nos art. 125º e 127º do C.P.Penal, de forma a permitir que possa valer como identificação de alguém de quem não se conhece quaisquer características físicas e apenas pelo automóvel que possui, a mera indicação sobre uma fotografia que é colectiva – sendo as demais constantes do álbum apenas com uma pessoa – e que contem retratada além de um rapaz ex-(…) um actor português muito conhecido, sem a necessidade de efectuar as operações de reconhecimento previstas no art. 147º do C. P. Penal, viola a constituição e torna a interpretação dos referidos preceitos legais ferida do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da legalidade, das garantias de defesa, de presunção de inocência e ainda o principio do contraditório consagrados no art. 32º nº 1, 2, 5 e 8 da C.R.P.”
Vejamos.
Na contestação apresentada a fls. 24 388 e ss. dos autos principais, o arguido K suscitou a questão prévia, a que apelidou “Da inexistência e invalidade do reconhecimento”, nos termos seguintes:
“46. Nenhum dos ofendidos fez, nas suas declarações, qualquer descrição física do arguido.
47. Na verdade, o "reconhecimento" que do mesmo é feito é por recurso a uma fotografia em que o mesmo aparece acompanhado, para além de outras duas pessoas, de um ex-(…) bem conhecido dos ofendidos, o CY, o qual era ainda, à data em que se iniciaram os presentes autos, atleta da Associação de Trabalhadores da AX, que funcionava no CZ, onde se deslocava semanalmente.
48. Tal fotografia encontra-se inserida no "álbum de fotografias" que constitui o Apenso AJ.
49. Contudo, tal "álbum" não constitui um meio de prova legalmente admissível.
50. Em momento algum o reconhecimento do arguido K obedeceu aos requisitos deste meio de prova e definidos no art. 147º do CPP.
51. Termos em que, não tendo o reconhecimento sido validamente realizado, não pode ser valorado como meio de prova (cfr. art. 147º, nº 4 do CPP).”
Sobre tal questão o Tribunal a quo proferiu, em 7/1/2005, o despacho de fls. 27570 a 27571, com o teor seguinte:
“Por fim e a fls. 24.395, o arguido veio dizer que os reconhecimentos feitos em relação a si não obedeceram aos requisitos do artº 147º, do C.P.P., pelo que não podem ser valorados como meio de prova.
Quanto a esta questão, dispõe o artº 374º, nº 2, do C.P.P., que a sentença deve enunciar, ainda que de forma concisa, os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Assim, relego para momento posterior o conhecimento da invalidade ora invocada pelo arguido.
Notifique.”
Analisado o acórdão recorrido verifica-se que o Tribunal a quo não omitiu a questão, fazendo-lhe referência na pág. 48 (fls. 66461 dos autos principais).
Acontece, que o Tribunal a quo não indicou o Apenso AJ, o designado pelo recorrente “álbum fotográfico”, como prova que tivesse servido para formar a sua convicção sobre a matéria de facto dada como provada ou não provada.
Ou seja, o Tribunal a quo não valorou tal meio de prova, nem assentou a sua convicção nos “alegados” reconhecimentos fotográficos feitos pelos assistentes, nem o podia ter feito na medida em que inexistem nos autos quaisquer “autos de reconhecimento fotográfico”.
Acabou, assim, o tribunal a quo por satisfazer a pretensão do recorrente, não tendo valorado, nem o “álbum fotográfico”, nem os “alegados” reconhecimentos fotográficos.
E, bem, quanto a nós, na medida em que, quando foi proferido o acórdão recorrido já se tinham operado as alterações ao art. 147.º do CPP, levadas a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8, as quais vieram impor que o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só possa valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, isto é, quando for seguido de reconhecimento presencial.
Não padece, pois, o acórdão recorrido da invocada nulidade por omissão de pronúncia, nem foram violados os preceitos constitucionais indicados pelo recorrente, nem quaisquer outros, na medida em que o Tribunal a quo não fez a interpretação do art. 147.º, em conjugação com os arts. 125.º e 127.º, todos eles do CPP, da forma supra referida pelo recorrente.
c)- Nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia, quanto à requerida leitura das declarações do assistente AC prestadas em inquérito – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP
Alega o recorrente, que em 27.08.2008, a fls. 55.787, subscreveu requerimento apresentado pelo arguido H, para leitura das declarações prestadas pelos assistentes e testemunhas ali indicados, aderindo no essencial aos fundamentos ali invocados e aos pedidos constantes nas suas várias alíneas, e estendeu tal pedido ao assistente AC.
Mais alega, que “Por despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de 22.10.2008, foi indeferida a leitura das declarações prestadas em fase de inquérito, quanto aos primeiros, mas o despacho foi omisso quanto à requerida leitura das declarações do assistente AC, sem que o tribunal a quo o tivesse feito posteriormente, pelo que deixou de se pronunciar sobre questão que estava obrigado a pronunciar-se, configurando tal omissão a nulidade prevista no art. art. 379º nº 1 alínea c) do C.P.Penal, o que deverá ser declarado com as necessárias consequências.”
A questão ora suscitada foi-o igualmente no recurso interlocutório inter(...) pelo arguido K, supra referido em II. A. 14., e aí decidida, sendo essa a sede própria.
Daí que, não se entenda muito bem qual a razão porque foi reeditada no recurso do acórdão.
Tanto quanto se consegue alcançar com o alegado pelo recorrente na motivação deste recurso, a nulidade do acórdão teria resultado do facto de o Tribunal a quo não se ter pronunciado pela reparação do lapso, nos termos preconizados pelo MP na resposta ao recurso interlocutório em questão.
Porém, tal omissão, nunca poderia configurar uma nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, pois não se trata de nenhuma questão que tivesse de ser apreciada no acórdão.
É certo que o Tribunal a quo poderia ter corrigido o lapso (se assim o tivesse entendido como tal) constante do despacho, logo que do mesmo se tenha apercebido, ao abrigo do dis(...) no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), e 3 do CPP, mas sempre antes do recurso interlocutório ter subido a esta Relação.
Não o tendo feito, caberia a este Tribunal da Relação proferir decisão no âmbito do recurso interlocutório, considerando, ou não, a existência do suscitado lapso, e, concluindo pela afirmativa, corrigi-lo, quando possível, como veio a acontecer.
Improcede, pois, a invocada nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º n.º 1 al. c) do CPP.
d)- Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, decorrente de o Tribunal a quo não ter julgado o facto de o recorrente ter voltado à casa da (...) cerca de um mês depois da primeira vez
Alega o recorrente na conclusão 64.ª “E apesar de ter sido dado como provado que o Recorrente K estava presente na casa da (...), na quarta-feira, em que os abusos teriam sido praticados por C (104.3) mas, o tribunal a quo não julgou o facto de o Recorrente ter voltado à casa da (...) cerca de um mês depois da primeira vez, onde estaria C, verificando-se que estes factos não constam no elenco dos factos provados nem no elenco dos factos não provados, devendo estar, e tal omissão repercute-se, negativamente na formação da convicção do tribunal a quo quanto à existência dos factos criminosos, o que terá conduzido à decisão sobre a culpabilidade do Recorrente no que a estes factos respeita, configurando esta omissão uma nulidade da sentença, conforme previsto no art. 379º n.1, alínea c) do C.P.Penal.”
Relativamente a esta alegação dir-se-á que o Tribunal a quo não se pronunciou nem tinha que se pronunciar na medida em que o parágrafo da pronúncia a que o recorrente se refere é uma conclusão, não devendo sequer dela constar.
Na verdade a alegação constante do último parágrafo do ponto 4.4.2 da pronúncia de que “Decorrido cerca de um mês, o arguido K voltou à residência mencionada, onde esteve juntamente com o arguido C e outros indivíduos de identidade não apurada e para onde, mais uma vez, foram levados, pelo arguido A, vários alunos da AX, nomeadamente o AI, a fim de, aí, serem sujeitos à prática de actos sexuais por aqueles indivíduos que, para o efeito, se reuniram em tal casa, conforme já se descreveu noutro capítulo deste despacho” é redundante pois refere-se ao já dito anteriormente em 4.1.4.
Mas, ainda que assim não fosse, por se considerar que a omissão em causa alteraria a cronologia dos abusos perpetrados pelo recorrente e pelo arguido C na pessoa do assistente AI – que não altera, conforme já referimos supra no tratamento do recurso deste último arguido – sempre seria irrelevante para a boa decisão da causa e, como tal, insusceptível de acarretar a nulidade do acórdão.
Não é qualquer omissão de pronúncia que dá lugar à nulidade da sentença, mas apenas e tão só aquela que incida sobre factos concretos que sejam relevantes para a boa decisão da causa.
Improcede, assim, a invocada, pelo recorrente K, nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 379.º n.º 1 al. c) do CPP.
e)- Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não aplicação do perdão previsto na Lei 29/99 de 12/5
Alega, ainda, o recorrente na 148.ª conclusão “Mas a sentença recorrida padece ainda da nulidade por omissão - não aplicação da Lei 29/99 de 22 de Maio, porquanto ao efectuar a operação de cúmulo jurídico da pena, não teve em conta o perdão constante da Lei 29/99, de 22 de Maio, que conforme decorre do referido diploma tem aplicação aos crimes praticados até 25 de Março de 1999, impondo-se que seja considerado no cálculo da pena concreta a redução de pena ali contemplada, de um ano ou um sexto conforme resulte mais favorável ao arguido, padecendo neste aspecto da nulidade da sentença prevista no art. 379º nº 1 da alínea c) do C.P.Penal.”
Mas também quanto a esta alegação carece de razão.
Relativamente aos crimes pelos quais o recorrente K foi condenado o perdão da Lei n.º 29/99 de 12/5 só seria susceptível de incidir sobre as infracções de que foi vítima o assistente AC, cujos factos se situam no decurso do ano de 1997 – pontos 110.2. a 110.4. da matéria de facto dada como provada – uma vez que o perdão da citada lei só se aplica a infracções praticadas até 25 de Março de 1999 inclusive (art.º 1.º).
Acontece, porém, que o arguido K foi igualmente condenado pela prática em Outubro/Novembro de 1999 e Março/Abril de 2000 de dois crimes dolosos de abuso sexual de crianças p.p. pelo art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP (na redacção da Lei n.º 65/98 de 2/9).
É-lhe, assim, inaplicável o perdão da Lei n.º 29/99 de 12/5 por ter operado a condição resolutiva prevista no art. 4.º da mesma Lei, qual seja a de o beneficiário do perdão não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes à data da entrada em vigor da mesma Lei, que no caso foi 13 de Maio de 1999.
Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao não ter aplicado ao recorrente o perdão da Lei n.º 29/99 de 12/5.
Improcede, destarte, a invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não aplicação ao recorrente K do perdão previsto na Lei n.º 29/99 de 12/5.
f)- Nulidade do Acórdão decorrente da condenação do recorrente por factos diversos dos constantes da pronúncia sem que tenha sido feita a comunicação de tais alterações nos termos e para os efeitos previstos no art. 358.º n.º 1 do CPP – art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP
A propósito da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto alega o arguido K na 60.ª conclusão do recurso que “Decorria da pronúncia (4.1.4.) que o assistente AI fora sexualmente abusado pelo arguido C numa casa da (...), numa quarta-feira, nos meses de Novembro ou Dezembro de 1999, após as 15 horas, local para onde fora conduzido pelo arguido A, juntamente com quatro ou cinco menores, quando lá se encontrava também, o Recorrente K, mas o tribunal a quo deu como provados, em relação aos factos deste capítulo do despacho de pronúncia, os constantes dos pontos 104 a 104.13.”  
Mais alega, que a decisão recorrida ao proceder a tais alterações relacionadas com o momento em que os factos teriam sido praticados, o número de rapazes que foram para a casa da (...), o local onde os rapazes foram apanhados por A e ainda a (in)existência de práticas sexuais à vista ou em simultâneo – alterações relevantes para uma defesa eficaz da sua pessoa – sem que as mesmas tenham sido objecto de comunicação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 358.º n.º 1 do CPP, é nula nos termos do dis(...) na al. b) do art. 379.º do CPP. 
Dir-se-á quanto a esta questão, que o arguido K não foi condenado por factos diversos dos descritos na pronúncia.
Na verdade, os factos da pronúncia, ocorridos na casa da (...), que o incriminam, são os constantes do capítulo 4.4.2, e não os constantes do capítulo 4.1.4, os quais incriminam apenas o arguido C.
E somente por referência aos primeiros (capítulo 4.4.2 da pronúncia), aos quais correspondem os pontos 108. a 109. da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, é que o arguido K foi condenado.
Sempre se dirá, no entanto, que ainda que o arguido K tivesse sido condenado por referência aos factos descritos no capítulo 4.1.4 da pronúncia, que não foi, o Tribunal a quo não tinha que fazer qualquer comunicação das alterações introduzidas a esse capítulo, a que correspondem os pontos 104. a 104.13. da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido.
Convocamos aqui as considerações teóricas tecidas no recurso interlocutório, supra decidido em II. A. 15., sobre alterações substanciais e não substanciais de factos da acusação ou pronúncia e, ainda, o já decidido relativamente à mesma questão no conhecimento do recurso inter(...) pelo arguido C da decisão final.
Conforme tivemos oportunidade de aí referir, o Tribunal a quo não conseguiu apurar a hora certa em que os factos aconteceram, embora tenha chegado à conclusão que os mesmos ocorreram como constavam da pronúncia num determinado dia, ou seja, numa quarta feira, sem excluir qualquer horário concreto.
Tal traduziu-se numa redução, por falta de demonstração, dos factos de que o arguido C estava pronunciado.
Tratando-se de um minus relativamente aos factos que constavam da pronúncia, não haveria, como não há, necessidade de proceder a qualquer comunicação de alteração de factos. 
O mesmo acontecendo relativamente ao número de rapazes que foram para a casa da (...), que de acordo com a pronúncia eram quatro ou cinco e no acórdão recorrido deu-se como provado que eram pelo menos três, e à não prova da existência de práticas sexuais à vista ou em simultâneo, as quais, à semelhança da mudança do local onde os rapazes foram apanhados pelo co-arguido A – não foi nas imediações do (...) EY, como constava na pronúncia, mas nas imediações do CZ – pela sua falta de relevância para a decisão também não tinham que ser comunicadas.
Pelo ex(...), improcede a arguida nulidade do acórdão decorrente da condenação do arguido K por factos diversos dos constantes da pronúncia sem que tenha sido feita a comunicação de tais alterações nos termos e para os efeitos previstos no art. 358.º n.º 1 do CPP – art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP.
g)- O vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
Na motivação do recurso sob o capítulo “VIIIDa decisão sobre o pedido de indemnização cível - deficiente fundamentação da sentença e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão” alega o recorrente que “Na sentença recorrida pode ler-se a fls. 68.110 dos autos, que precede a decisão condenatória/absolutória “No presente caso, uma vez que está afastada a responsabilidade penal do(s) arguido(s)/demandado(s), quanto aos crimes pelos quais vinham pronunciados, encontra-se afastada a possibilidade de se fixar qualquer indemnização por perdas e danos emergentes de um crime..
E em conformidade com a condenação do Recorrente (…) condeno no pagamento de uma indemnização a pagar a cada um dos demandantes AC, AI e AT, o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais (…)
Parecendo haver assim algum desacerto, entre a primeira parte e a decisão, o que configurará uma nulidade da sentença – art. 374 nº 2 e 377º ambos do C.P.Penal.”
Verifica-se da alegação antecedente que o recorrente confunde os vícios da sentença, a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do CPP, entre os quais está previsto o da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, com nulidades da sentença, consignadas no no n.º 1 do art.º 379.º do CPP, realidades distintas, que acarretam efeitos processuais igualmente distintos.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, verifica-se quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.
A existência deste vício na decisão não acarreta a nulidade da mesma.
Das duas uma, ou o vício é susceptível de ser suprido no Tribunal de recurso ou, caso não o seja, há que determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou restrito à questão concretamente identificada – art.º 426.º n.º 1 do CPP.
No caso dos autos existe uma contradição entre o referido no parágrafo do acórdão recorrido assinalado pelo recorrente e o nele decidido quanto à condenação em indemnização civil a favor dos assistentes/demandantes AC, AI e AT.
Tal contradição não é, porém, insanável, por forma a configurar o vício previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, resultando, antes, de um manifesto lapso.
Na verdade, não é só no dispositivo que consta a condenação do recorrente no pagamento da indemnização de 25. 000 Euros, a título de danos morais, a cada um dos supra referidos demandantes.
Também na fundamentação do acórdão recorrido se consignou nas págs. 1699 e 1700 o seguinte:
 “ 2.1. Mas, tendo por sua vez em atenção os factos que resultaram provados, a sua natureza e extensão, o dis(...) no artº 496º, nº 3 e 494º, do C.Civil,  tendo em consideração a situação económica os demandados, há que:(…)
b)  Condenar o arguido/Demandado K  a pagar a cada um dos demandantes AC, AI e AT,  o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais, absolvendo quanto ao demais pedido.” 
Improcede, assim, o recurso quanto ao invocado vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. 
h)- O vício do erro notório na apreciação da prova
No seio da impugnação da matéria de facto alega o recorrente que o Tribunal a quo a fls. 67164 concluiu, sem que tenha feito constar dos factos provados, que ele e o arguido E se conheciam “… antes dos factos deste processo”.
Mais alega, que os factos mais remotos deste processo são de 1996, respeitantes ao assistente X, mas que o Tribunal a quo os situa erradamente, a fls. 68080, entre o Verão de 1999 e Agosto de 2002. 
Conclui, dessa forma, que o acórdão recorrido padece, nesse segmento, de “erro notório na apreciação da prova”, na medida em que, segundo alega, “qualquer homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente se daria conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.”
Vejamos.
Conforme já tivemos oportunidade de referir supra, ao analisar o recurso da decisão final, inter(...) pelo arguido C, o vício do erro notório na apreciação da prova configura-se quando se retira de um facto dado como provado, ou conjunto de factos dados como provados, uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
Na situação em apreço, verifica-se que, no facto dado como provado sob o ponto 100.4., não se fixou o período temporal em que se estabeleceu o início do conhecimento entre o recorrente e o arguido E, fixando-se apenas que “O arguido K conhecia o arguido E”. 
Porém, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, refere o Tribunal a quo, a fls. 67164 dos autos, que “Mas para o Tribunal, face à análise de tudo o que antecede - avaliação do depoimento de OM e CCDWQ e registos telefónicos das chamadas do arguido E e de número associado ao arguido K -, resultou suficientemente assente que o arguido E e o arguido K conheciam-se antes dos factos deste processo.”
Acontece que, na pág. 1667 do acórdão recorrido (fls. 68080 dos autos) diz-se, a propósito da análise da sucessão de leis penais no tempo, que “A prática dos factos a que dizem respeito os presentes autos, decorreu entre o “Verão de 1999” e Agosto de 2002”.
É manifesto o lapso ao situar-se, nesta parte do acórdão recorrido, o início dos factos dos presentes autos no “Verão de 1999”, quando, conforme resulta da matéria de facto dada como assente, alguns dos factos dos presentes autos terão ocorrido em datas anteriores, reportando-se os mais remotos à segunda quinzena de Agosto de 1996 – cfr. ponto 98.4. dos factos provados.
Assim, quando na pág. 1667 do acórdão recorrido se faz referência ao “Verão de 1999” como sendo a data do início dos factos dos presentes autos queria dizer-se “Verão de 1996”.
Tal lapso, que não configura qualquer vício de erro notório na apreciação da prova, não teve quaisquer consequências ao nível da decisão, uma vez que, aquando da subsunção dos factos ao direito, se fez sempre referência, de forma correcta, às datas ou períodos temporais em que os mesmos ocorreram, em consonância com os factos dados como provados.
Veja-se, a título de exemplo, na pág. 1544 do acórdão recorrido, onde se refere no último parágrafo, “Face à matéria que o Tribunal deu como provada, em relação aos primeiros factos ocorridos “no último trimestre do ano de 1996”, na garagem do CZ e em relação aos factos que ocorreram “ainda no ano de 1996” (…)”, ou na pág. 1584 onde se escreveu, no último parágrafo, “Tendo em conta a matéria que o Tribunal deu como provada em relação aos factos ocorridos “em dia indeterminado da segunda quinzena de Agosto de 1996”, na “(...) de féria que decorreu na Praia (…)” e, ainda, na pág. 1586, onde se diz, no segundo parágrafo, “Tendo em conta a matéria que o Tribunal deu como provada em relação aos factos ocorridos em “dia indeterminado entre Outubro de 1996 e Agosto de 1997”, na garagem de CZ”.
E também não teve quaisquer consequências ao nível da análise da sucessão de leis no tempo, dado que, à data da prática dos primeiros factos – Agosto de 1996 –, já se encontrava em vigor, desde 1/10/95, o CP revisto pelo DL n.º 48/95 de 15/3 e as alterações posteriormente introduzidas aos ilícitos em causa nos autos, pela Lei n.º 65/98 de 2/9, foram consideradas no acórdão recorrido.
Há, pois, que corrigir o lapso, que disso não passa, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, e onde se lê no primeiro parágrafo da pág. 1667 do acórdão recorrido “Verão de 1999” deverá ler-se “Verão de 1996”. 
Ainda no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mais concretamente do ponto 107. dos factos provados, alega o recorrente que “Em audiência de julgamento (16.10.2008) o perito Professor BR, deixou muito claro que as perícias físicas realizadas não podem demonstrar que os assistentes tiveram coito anal nos anos de 1998/99 a 2000/2001 (Perito – Não, não Sr. Dr.. Portanto, nós em rigor em rigor, só podemos estabelecer, portanto, um diagnóstico temporal baseado, portanto, no limite dos dez dias. Até aos dez dias que é o tempo, o tempo médio de que estas lesões… salvo… há sempre casos que fogem á regra mas, quer dizer, o tempo médio de cicatrização das lesões, portanto, é até dez dias. Portanto, até dez dias é recente; para além dos dez dias é não recente.) e (Perito– Não, não se pode fazer datação). Juízo técnico que está subtraído à livre apreciação do julgador, e que não foi considerado pelos Ilustres julgadores, que dele teriam que retirar necessariamente, não que o assistente tivesse sido abusado sexualmente em Março ou Abril de 2000 pelo Recorrente, mas que o assistente apresentava sinais de práticas recentes de coito anal e que estas poderiam ser consentidas.”
Mais alega, que “O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o art.º 163 do C.P.Penal consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, art.º 127º do Código Processo Penal, estando o julgador amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. Ora tal não aconteceu e não se descortina qualquer possibilidade de o tribunal poder divergir do juízo pericial. Conclui-se, assim, que na decisão recorrida e quanto ao ponto em questão foram violadas as regras sobre a apreciação e o valor da prova, o que se enquadra no conceito amplo de erro notório na apreciação da prova (cfr. ensina Castanheira Neves, Há um tal vício quando um homem médio, rectius, um juiz normal, perante o que consta do texto da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal (...) desrespeitou as regras sobre o valor da prova art.º 410º n.º 2 al. c.) do C.P.P.).”
Não assiste razão ao recorrente.
O facto de o Srº perito (...) ter dito em audiência que não era possível fazer a datação dos abusos sexuais não é impeditivo de o Tribunal a quo ter dado como provado, como deu no ponto 107. dos factos provados, que o abuso sexual de que foi vítima o assistente AT ocorreu no mês de Março ou Abril do ano de 2000.
É que para fundamentar a data em que os factos ocorreram o Tribunal a quo baseou-se nas declarações prestadas pelos assistentes AT e AP, conforme resulta da motivação da decisão de facto, e não nas declarações do Srº perito (...).
E não divergiu do juízo técnico e científico inerente à prova pericial, dado que a perícia não estabeleceu, por impossibilidade de datação dos abusos sexuais, qualquer outra data.
Julga-se, pois, improcedente o recurso quanto ao invocado vício de erro notório na apreciação da prova.
i)- A nulidade resultante da valoração de provas proibidas
De igual forma, na impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, alega o recorrente que “Todos os registos telefónicos e facturações de operadores de telecomunicações, constantes dos autos proveniente das operadoras de telecomunicações, com entrada nos autos anterior a 4 de Julho de 2003, incluindo as respeitantes aos números (…) e (…) (que se desconhece a quem pertença), foram adquiridos nos autos em violação às regras contidas nos art. 187º e 188º e 189º todos do CPP, com a redacção em vigor à data em que foram ordenadas e juntas aos autos (DL 317/95 de 28/11) aplicáveis aos registos das chamadas por força da norma contida no art. 190º do CPP., pois não foram precedidos do competente despacho do Juiz de Instrução Criminal.”
Mais alega que “Configurando uma intromissão ilegal nas comunicações conforme resulta do dis(...) no nº 4 do art. 34º da CRP, a prova assim obtida é nula, conforme art. 118º nº 1 e 190º, ambos do CPP, salvo consentimento do visado, que quanto ao Recorrente não foi sequer requerida nos autos.”
E ainda que “os registos de chamadas telefónicas correspondem a meio de prova ilegal” por “terem sido alterados após o seu ingresso nos autos em 2003, havendo registos de chamadas do ano de 2006”.
Vejamos.
Antes de mais, diga-se que existe um lapso na pág. 748 do acórdão recorrido, mais concretamente no ponto (2.5) ao referir-se o número (…) (que o recorrente diz desconhecer a quem pertence) como sendo um número em nome de (...) K.
Como facilmente se detecta, ao escrever-se o número em causa, omitiram-se os números iniciais (…) e repetiu-se o (…) no segundo grupo de números. 
O número, que o recorrente diz desconhecer a quem pertença, mais não é que o número (…) – correctamente indicado na pág. 750 do acórdão recorrido – em nome de “(...) K”.
Lapso perfeitamente natural para quem teve de analisar e escrever tantos números de telefone e sem ser de telefone.
Há, pois, que corrigir tal lapso, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, e onde se lê na pág. 748 do acórdão recorrido, no ponto (2.5), o número (…), deverá ler-se (…).
No que respeita aos registos telefónicos é certo que, numa fase inicial, anterior a 4 de Julho de 2003, houve o entendimento por parte do JIC que o MP era a entidade competente para solicitar tais elementos directamente às operadoras de telecomunicações.
Porém, perante a recusa sistemática das operadoras em fornecerem tais dados directamente ao MP, invocando o sigilo a que estavam obrigadas por lei, levou a que o JIC tivesse proferido o despacho de 4 de Julho de 2003, de fls. 6417 a 6418, através do qual ordenou buscas com a finalidade de obter as facturações detalhadas solicitadas pelo MP, no período entre 1998 e 2003.
Assim, todos os registos telefónicos obtidos através de tais buscas constituem provas validamente adquiridas nos autos, porque obtidas mediante a intervenção do JIC, em observância do dis(...) nos arts. 187.º, 189.º e 190.º, todos do CPP, quer na redacção vigente à data em que foram ordenadas, quer face à actual redacção decorrente das alterações introduzidas a esse diploma legal pela Lei n.º 48/2007 de 29/8.
Quanto à suposta “alteração” dos ficheiros informáticos relativos aos registos de chamadas, após o seu ingresso nos autos, trata-se, como muito bem refere o Ilustre Magistrado do Ministério Público, junto da 1ª instância, na resposta ao recurso, de um evidente lapso circunscrito a um único ficheiro e totalmente irrelevante no que respeita à fidedignidade de todos os restantes suportes que contêm dados de tráfego.
O erro é manifesto, uma vez que os dados foram remetidos inicialmente em 2003, deles não podiam constar registos relativos a 2006.
A prova mais do que evidente que não houve qualquer “alteração” dos registos, após o seu ingresso nos autos, é o facto de a “tape back up” remetida pela TMN, em Setembro de 2009, a solicitação do Tribunal a quo, ser precisamente igual ao ficheiro que já constava no processo desde 2003. Isto é, o lapso mantinha-se desde a origem.
Improcede, pois, in totum a invocada nulidade resultante da valoração de provas proibidas. 
j)- A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
Na parte da motivação relativa à indicação dos concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, alega o recorrente que “A matéria de facto julgada como provada nos pontos 100.1, 100.4, 107 a 107.9, 108 a 108.4 e 108.6 a 108.9, 110.2 a 110.9, 111 a 111.3.1. e 112 a 112.5, da sentença recorrida não têm, salvo o devido respeito, qualquer suporte probatório idóneo, existindo múltiplas situações de evidente erro de julgamento por terem sido dado como provados factos sobre os quais não foi produzida qualquer prova, como existe, em grande medida, apreciação arbitrária e discricionária da prova, que não respeita os limites da regra da livre apreciação da prova, e ainda erro notório na apreciação da prova, a par de outros vícios que contaminam a sentença.”
Depois, no que respeita ao ponto 100.1. diz o recorrente: “Sendo verdade que o Recorrente prestava, e ainda presta serviços como (...) no Centro de Saúde (…), a verdade é que, conforme decorre dos factos consignados como provados sob o ponto 108.6, a sua especialidade é a de Clínico Geral, tendo actualmente o grau de Consultor de (...) Geral.”
Não se entende o que pretende o recorrente com tal alegação.
O ponto 100.1. da matéria de facto dada como provada tem a redacção seguinte:
“100.1. O arguido K prestava serviço como (...) de saúde pública no Centro de Saúde sito na (...) (…), onde recebiam assistência médica os alunos do (...) FA, cuja localização se situava na área de intervenção daquele Centro.”
Por sua vez o ponto 108.6. tem a redacção seguinte:
“108.6. O arguido K sabia que o AI  que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.”
É manifesto o lapso do recorrente ao referir-se a este ponto de facto.
Certamente queria referir-se ao ponto 168.5..
Mas não se descortina qualquer contradição entre os pontos 100.1. e 168.5., nem o recorrente a afirma, sendo certo que ambos os pontos constam da matéria de facto dada como provada, complementando-se.
No que respeita ao ponto 100.4. da matéria de facto dada como provada alega o recorrente que o Tribunal a quo ao dar como provado tal ponto de facto fê-lo “sem qualquer prova válida ou suficiente”.
O ponto em causa tem a redacção seguinte:
“100.4. O arguido K conhecia o arguido E.”
Na fundamentação sobre este ponto de facto diz-se no acórdão recorrido, a fls. 67154 a 67164:
“Como dissemos, o arguido E em sede de Defesa e o arguido K quando falou ao Tribunal, disseram que não se conheciam entre si.
Sucede, contudo, que as testemunhas OM e CCD, ouvidas na audiência, foram relevantes para a convicção do Tribunal de que estes dois arguidos se conheciam.
Estas testemunhas afirmaram ao tribunal ter tido contacto e relacionamento -  embora com âmbito diverso, como veremos - com os arguidos E e K,  sendo que em alguns períodos - cada uma das testemunhas -,  com simultaneidade de contactos/conhecimento com os dois arguidos.
 Na Audiência de Julgamento (AJ 19/07/06) a testemunha OM disse ao Tribunal que nasceu em (…), conheceu o arguido  E em (…), através de um amigo IID. Disse que o arguido E convidou-o para ir viver com ele -  diz a testemunha que teria 14/15 anos -  e esteve a viver numa casa do arguido em (…), num (…)º andar .
Teve relacionamento sexual com o arguido E, o arguido estava quase sempre ausente em (…). Foi também a  (…), várias vezes, a casa de E. Acrescentou que quando viveu com o arguido E frequentou o Externato GGQ, pensa que no ano 97/98, só esteve um ano lectivo, mas que chumbou por faltas.
Com 17 anos foi das últimas vezes que foi a (…) (foi confrontado com as fotografias de fls. 39.158 vº e39.159 e fala delas, referindo-as a uma estada em (…)). Por causa das idas a (…) foi com o “LLJ” ao (…), para a mãe assinar uma declaração, por ser menor ( o Tribunal depreendeu que o “(…)” era pessoa do conhecimento do arguido E, pois na “agenda de capa verde, com riscas a verde mais claro, 1997”,  constantes do Apenso BF -8,  elementos apreendidos ao arguido E, temos a anotação no dia 5 /07/97, Sábado, “(…) e jantar e chegada (…)) 7.000(..)”.
 O arguido E foi uma pessoa, nas suas palavras “ … que me ensinou um pouco daquilo que eu sei….” e que  após ter terminado a relação ainda lhe deu ajuda monetária, esporádica, tendo mantido contacto durante 3 a 4 anos.
Passando a localizar no tempo a altura em que a testemunha OM  conheceu ou viveu com o arguido E,  já vimos que o Tribunal concluiu que o arguido E, entre data próxima e pelo menos posterior a 4/04/1995  e data próxima de 10/12/1999,  teve residência numa casa sita em (…), na (...) (…) nº (…),(…)º (…). 
Por sua vez e na sequência do que já vimos do percurso profissional do arguido E (cfr.  documentos de fls. 927 e 937, do Apenso DZ, volume 6) que por despacho assinado em 2/3/96 o arguido E, já com a categoria de  (…),  foi nomeado para o cargo (…) junto da (…) ((…)) em (…), nomeação esta que foi publicada no DR nº (…), de (…),(…) Série ( cfr. Apenso DZ, Vol. 7, pag. 999, o arguido foi esperado em (…) no dia 1/7/96, sendo que dos documentos de fls. 370 e 371, do Apenso DZ, vol 3, resulta que em 5/08/96, quando comunicou ao (…) a sua partida para férias, já o fez da (…) junto da (…) ( esteve de férias de 5/08/96 a 30/08/96, tendo assumido funções em 2/9/96, fls. 371 e 372 do apenso DZ, volume 3).
Dos documentos dos autos -  nomeadamente de fls. 855 a 881, do apenso DZ, vol 6 -, resulta  que o arguido cessou funções no cargo de (…) para que fora nomeado na (…), em (…), em 3/01/01 (tendo o transporte dos seus móveis para (…) sido feito entre Novembro/Dezembro de 2000).  Quanto à frequência do Externato  GGQ – que a testemunha localizou em 1997 ou 1998, mas só esteve um ano lectivo, tendo chumbado por faltas - resulta dos autos, documentos de fls. 51.789, que OM frequentou o externato GGQ em (…), no ano lectivo 1998/1999, tendo feito a matrícula em 25 de Agosto de 1998 e desistido durante o mês de Novembro do mesmo ano.  
Assim, conjugando as declarações da testemunha com estes elementos, temos que o período em que a testemunha viveu com o arguido E pode ter ocorrido entre  Abril de 1995  e Dezembro de 1999 ( pois foi o período durante o qual o arguido E viveu na (...) (…), no (…) andar). No entanto,  em Novembro de  1998 - data em que sai do Externato -, tendo em atenção a data de nascimento que deu ao Tribunal (28/12/80), ainda tinha 17 anos mas ia fazer os 18 anos.
Após ter saído de casa do arguido E, durante 3 a 4 anos ainda manteve contacto com o arguido. 
Quanto ao arguido K conheceu-o quando ainda tinha “algum contacto” com o arguido E,  mas “… já tinha saído há pouco tempo…” de casa do arguido E. Era uma altura em que a testemunha  andava no (…) a prostituir-se, tendo declarado que foi abordado por K.
Disse que o arguido K convidou-o a ir a sua casa – nesta altura a testemunha  ainda tinha algum contacto com o arguido E, tendo o arguido  K oferecido trabalho à testemunha.
Localizou o período em que teve contacto com o arguido K e disse  “ …antes de começarem as obras na (...) nova…” e até ao fim de 2001.
Disse que o seu pai era doente do arguido K, a testemunha também e a mulher. Foram consultados na (...) na nova, mas também  foram “à velha”.
 A testemunha CCD também declarou ter tido um relacionamento com o arguido EK, mas disse ao Tribunal que não se apercebeu que os dois co-arguidos se conhecessem.
Passando ao arguido K declarou ao tribunal que até ao presente processo – e dizendo, expressamente, independentemente de qualquer indício que resulte no processo -, não conheceu nem teve qualquer contacto, directa ou indirectamente,  com o arguido E.
O arguido E ( como referimos) não prestou declarações em audiência de julgamento, tendo no entanto  requerido a leitura de declarações que prestara perante J.I.C. ( fls. 13.023 a 13.030, mas restritas aos parágrafos que indicou no seu requerimento de fls. 55.958/9).  A leitura foi deferida por Despacho proferido na audiência de Julgamento de 15/10/08 ( cfr. Despacho de fls. 60.390 a 60.392, Ponto II), feita nessa audiência ( cfr. Fls. 60.395/6), mas tendo o arguido, após a leitura, declarado não pretender prestar qualquer esclarecimento.
Assim, prosseguindo com o arguido K ( cfr. AJ 24/06/08), declarou ao tribunal que conhece OM, mas que este foi seu doente, assim como o pai, tendo restringido o seu conhecimento da testemunha a este contacto de natureza profissional.
Declarou que OM contactou-o dias antes do julgamento começar, oferecendo-se para ser sua testemunha, mas tendo pedido dinheiro para pagar umas multas -  uma questão relacionada com trabalhos que teria prestado para o arguido e que este negou, pois declarou que OM nunca trabalhou para si.
Disse, ainda, que OM fez-lhe  “ ameaças” caso não lhe fosse dado dinheiro, tendo-lhe falado pela primeira vez no “(…) E”, com quem tinha vivido, facto que o arguido disse ao Tribunal desconhecer.
Passando à análise dos documentos dos autos, que permitem retirar elementos quanto à altura em que a testemunha OM saiu de casa do arguido E e quanto à  altura em que  travou conhecimento com o arguido K e quanto ao conhecimento do arguido K com a testemunha OM – se era apenas uma relação (...) paciente, ou se era um relacionamento com o conteúdo que a testemunha disse -,  há que fazer o  cruzamento do depoimento da testemunha com elementos constantes dos autos.
Concretamente, neste caso, alguns registos telefónicos.
(1) Começando pelos registos telefónicos das chamadas efectuadas pelo nº (…), pertence ao arguido E ( cfr. Fls. 13.135 dos autos), temos que de acordo com tais elementos:
- entre Agosto de 1999 e Março de 2001 existem chamadas do nº (…) do arguido E, para o nº (…) pertencente a OM   ( cfr.  Apenso V, Caixa 1, Sobrescrito 25 - ver fls. 7.748 -, 1 (UM)  CD remetido pela TMN a fls.  7072, Ofic TMN DSJ/14 056/2003/EA de  24/7/03; ver Fls. 6.577 a 6.601; e ver ofício de 22/7/03 com ref. DSJ/13790/2003/ EA  ( que está a fls. 7096), identificado com “TMN 1”, contendo Facturação de 1/1/98 a 30/9/00, (…) dos números de cartões que TMN  juntou com o ofício de 22/7/03,   lista que está a fls. 7099 a 7109; cfr. Apenso V, caixa 1,  Sobrescrito 42, 8 ( oito) CDs e  1 ( uma) unidade back up remetidas para o Tribunal pela TMN a fls. 63.458, ofic 160520097524 200924342, de 25/09/09, em resposta ao ofic do trib 2593878, de 11/09/09 e 16 ( dezasseis)  CDs correspondentes a duas cópias de seguranças dos oito CDs enviados pela TMN,  cfr. Despacho fls. 63.436, 63.460 e 63.465 e Termo Apens fls. 63.486, concretamente os ficheiros constantes do CD 1/8;  e cfr. também  fls. 17.249 dos autos, ofício da Vodafone  e do qual resulta que de 17/11/98 a 12/03/99, de 12/03/99 a  8/07/02 e desde 8/07/02, o nº (…) está em nome de OM, sendo a morada que consta no contrato a (...) (…), em (…)).
- e olhando para o padrão de tais chamadas, aparecem-nos  registos de chamadas em: dois dias de  Setembro de 99;  um dia de Outubro de  99;  dois dias de  Novembro de 99;  dois dias de  Dezembro de 99 ( no dia 17/12 e no dia 31/12); no dia 1 de Janeiro de 2000;  três dias de Fevereiro de 2000; um registo em Março de 2000; dois dias de Abril de 2000;  dois dias de Maio de 2000; dois dias de Julho de 2000;  quatro dias de Agosto de 2000; quatro dias de Setembro de 2000; um dia em Outubro de 2000; um dia em Novembro de 2000;  um dia em Janeiro de 2001; um dia em Março de 2001; Maio de 2001; Junho de 2001; Julho de 2001;
- como vimos o arguido E, desde Março de 1996 e até ao final de 2000, estava deslocado em (…), como (…) na (…). Estes registos telefónicos dão consistência às declarações da testemunha OM, quando falou do tempo ao longo do qual manteve algum contacto com o arguido E,  vão no sentido mais provável de ocorrerem em alturas em que o arguido vinha a (…) ( as chamadas até ao fim de 2000, naturalmente) e com a regularidade que acima resulta.
(2) No entanto nos autos – para além deste nº (…) atribuído a OM , de 17/11/98 a 12/03/99, de 12/03/99 a  8/07/02 e desde 8/07/02, com a morada no contrato  (...) (…), em (…), cfr. fls. 17.249 dos autos -, resultam ainda outros dois números associados a esta testemunha:
(i) (…)  ( fls. 13.157, de  20/10/00 a 10/08/01; OM) (número este que desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular);
(ii) (…) ( fls. 13.135, 17.255, cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 ( OM) ( com morada em (…));
(iii) (…) ( cfr. fls. 17.250; cartão activado de 13/10/00 a 9/02/02, de 5/07/02 a 11/01/03, de 10/02/03 a 14/06/03 e desde 7/10/03, activado não em nome de OM mas em nome de IIF;  mas sendo a morada a mesma da de OM, (...) (…) em (…));
E do cruzamentos de dados resulta o seguinte:
(2.1.) Do nº (…) pertencente ao arguido E, há chamadas também para os números que antecedem, concretamente ( relação que é meramente indicativa, pois dado o volume de registos existentes nos autos, não é possível a este Tribunal garantir que estes registos são, exclusiva e unicamente os que existem):
- para o nº (…) ( nº de IIF, morada de OM) ( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42);
- entre 15 e 20/12/2000;  Janeiro de 2001; Março de 2001; Abril de 2001; Maio de 2001; Junho de 2001;Julho de 2001;
- para o nº (…) ( nº OM) ( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Setembro de 99; Outubro de  99; Novembro de 99; Dezembro de 99 ; Janeiro de 2000;  Fevereiro de 2000; Março de 2000; Abril de 2000; Maio de 2000; Julho de 2000; Agosto de 2000; Setembro de 2000; Outubro de 2000; Novembro de 2000; Janeiro de 2001;Março de 2001;  Maio de 2001; Junho de 2001; Julho de 2001;
(2.2)  Do nº (…)  utilizado pelo arguido E  (Fls. 13.135/6, cartões reutilizados c/dois titulares distintos 2/5/00 a  29/11/02 – Plano Personalizado de preços (…)desde 26/9/03 -  pré pago, sem indicação do titular e sem carregamentos, sendo que o arguido E alegou que o utilizou  de 2/05/01 a 29/11/02 e ver fls. 26 e 27 Apenso DZ, pasta 1( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
- para o nº (…) ( nº OM) ( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Agosto 2001 ( oito chamadas); Setembro 2001; Novembro 2001; Dezembro 2001; Janeiro 2002
- para o nº (…) ( nº de IIF, morada de OM) : Agosto de 2001           
- para o nº 963 603 258 ( fls. 13.135, 17.255) ( cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 - OM)( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Julho 2001 ( 27 chamadas); Setembro de 2001; Outubro de 2001
(2.3) Do nº (…)  (na aj 30/06/01 o arguido K disse ser seu):
- para o nº  (…) ( fls. 13.157, de  20/10/00 a 10/08/01; OM; desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular)( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Fevereiro 2001 ; Março 2001 ( 16/03; 25/3 ; 27/03 quatro chamadas;  28/03 três chamadas; 29/03 sete chamadas; 30/03 dezasseis chamadas; 31/03 uma chamada); Abril 2001 ( 2/4 treze chamadas; 3/04 dezasseis chamadas; 4/04 quatro chamadas; 5/04 duas chamadas; 6/04 dez chamadas; 8/04 onze chamadas; 9/04 sete chamadas; 10/04 oito chamadas; 16/04 três chamada; 17/04 três chamadas; 19/04 cinco chamadas;  20/04 quatro chamadas; 22/04 duas chamadas) ; Maio 2001 ( quatro chamadas); Julho 2001 ( seis chamadas)
- para o nº (…) ( fls. 13.135, 17.255) ( cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 - OM)( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Agosto 2001; Dezembro 2001;
(2.4) E por sua vez:
-  nº  (…) ( fls. 13.157; de  20/10/00 a 10/08/01; OM; desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular) falou também  para o número (…) (na aj 30/06/01 o arguido K disse ser seu):
Maio 2001  (14/15/16/19, entre as 18h e as 22 horas) ; Julho 2001 ( oito chamadas)
- nº  (…) ( fls. 13.135, 17.255, cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 ( OM) ( com morada em (…)) falou também  para o número (…) (na aj 30/06/01 o arguido K disse ser seu):
Julho 2001 ( dezasseis chamadas) ; Agosto 2001; Setembro 2001; Novembro 2001; Dezembro 2001; Janeiro de 2002
- nº  (…) ( fls. 13.135, 17.255, cartão activado a 13/04/01 e expirado 29/08/03 ( OM) ( com morada em (…)) falou também  para o número (…) utilizado pelo arguido E  (Fls. 13.135/6, cartões reutilizados c/dois titulares distintos 2/5/00 a  29/11/02 –  Plano Personalizado de preços (…) desde 26/9/03 -  pré pago, sem indicação do titular e sem carregamentos, sendo que o arguido E alegou que o utilizou  de 2/05/01 a 29/11/02 e ver fls. 26 e 27 Apenso DZ, pasta 1( cfr. CD1 de 8, Apenso V, cx 1, sob. 42):
Agosto 2001 ( oito chamadas)
(2.5) Do nº (…)  (número em nome de (...) K ):
-  para o nº  (…) ( fls. 13.157) ( de  20/10/00 a 10/08/01; OM; desde 18/02/02  está associado a produto vitamina, sem identificação de titular):
Abril 2001
            Do que antecede resulta, para o tribunal, que durante o ano de 2001 quer o arguido E, quer o arguido K, contactavam, com coincidência de meses – portanto ao mesmo tempo -,  com a testemunha  OM e este contactava os arguidos, no sentido das declarações que prestou ao Tribunal.
E que o relacionamento do arguido K com OM não foi, como o arguido disse ao tribunal, um relacionamento estritamente (...) paciente ou como (...) do pai da testemunha OM.
Isto porque quer o número de contactos telefónicos, as horas a que alguns foram ( tanto durante o dia como a partir das 22 horas)  a sua sucessão por vezes no mesmo dia e em momentos seguidos, não faz sentido com a declaração do arguido.
Faz sim mais sentido com as declarações da testemunha, no sentido de ter tido com o arguido  K um relacionamento para além de (...) paciente.
O que antecede, só por si, não permite, para o tribunal, concluir pelo conhecimento entre o arguido E e o arguido K. Mas cria a possibilidade desse conhecimento ocorrer.
No entanto, valorado face a um outro elemento – e que é a existência de registo de chamadas telefónicas do arguido E, para o número da (...) do arguido K, associado ao depoimento da testemunha WQ- o Tribunal acabou por concluir que estes arguidos conheciam-se. 
A testemunha WQ disse ao Tribunal ter sido empregada doméstica do arguido K, esclarecendo  que estava a trabalhar em casa do arguido numa altura em que este fez a  mudança da casa da “(...) de cima”, para a (...) “ de baixo” no (…) e que é a sua actual casa (...) (…), nº (…),(…)).
E disse ao Tribunal, de forma que avaliando globalmente o seu depoimento foi segura, que viu um dia o arguido E, à hora do almoço, em casa do arguido K. Disse que isto sucedeu na “2ª casa”, o arguido K vinha almoçar a casa, era a testemunha que punha a mesa. Não disse que o arguido E tenha estado a almoçar com o arguido K, mas sim que foi lá a casa à hora do almoço. Conversaram na sala, a testemunha não presenciou a conversa. E disse que não foi só esta vez que o viu ir a casa do seu patrão.
Quanto à localização no tempo disse que isto sucedeu “antes” dos factos deste processo, antes de ser conhecido, mas não conseguiu ser precisa quanto ao ano. Disse que soube o nome do arguido E quando o viu na televisão, por causa destes factos e foi aí que associou a pessoa que vira ao que passava na comunicação social.
A Defesa do arguido K, em momento posterior, tentou abalar a credibilidade da testemunha, trazendo as razões que teriam levado ao despedimento da testemunha, relacionadas com desaparecimento de alguma coisa de casa. Com efeito o arguido, quando prestou declarações, confirmou que a testemunha foi sua funcionária, mas até ao máximo seis meses após ter ido para a sua casa actual (cfr. AJ 24/6/08), acrescentando que foi despedida em 1997/8 e substituída pela sua empregada IC.
No entanto do depoimento da testemunha, e da forma como se apresentou em Tribunal, como falou, não ficámos com a percepção que a testemunha estivesse numa atitude de vingança para com o arguido. Isso não foi perceptível para o tribunal. E se embora tal depoimento, só por si, pudesse não ser suficiente para a convicção do Tribunal, associado ao que temos vindo a dizer e com os registos que se seguem, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha como credível e verídico.
Com efeito e como dissemos, dos elementos dos autos referentes a registos telefónicos e concretamente dos elementos constantes do CD 8, do Apenso a que temos estado a fazer referência, no dia 9/04/2001 existe o registo de três chamadas do nº (…), em nome de “(...) K”, para o nº (…) em nome do arguido E e uma chamada do nº (…), do arguido E, para o (...) do arguido K, como segue (constando o dia, hora e duração da chamada):
(…) ( clin. K) – 9/04/01 – (…)– 0     – (…) ( JLR)
(…) ( E )         - 9/04/01 – (…)– 176  – (…) (K/Clinica)
(…) ( clin. K) – 9/04/01 – (…)– 114 – (…) ( E)
(…) ( clin. K) – 9/04/01 – (…)– 48 – (…) ( E)
(…) ( E )  - 9/04/01 – (…)– 48 –((…) /CXcorreio) (…) ( E)
 (…) ( E )  - 9/04/01 – (…)– 3 – ((…)/CXcorreio) (…) ( E)
(…) ( E )  - 9/04/01 –  (…)- 33 – ((…)/CXcorreio) (…) ( E)
(Cfr. Correspondência  entre registo dos 8 CDs TMN, Apenso V, Caixa 1, Sobrescrito 42 e elementos apreendidos na (...) do arguido K Apenso AQ-1, Caixa 1, Pasta 1).
Em audiência de julgamento o arguido K disse não ter qualquer conhecimento desta chamadas, disse que pode ter sido um cliente da (...) a fazer ( e a receber, acrescentamos) as chamadas.
Acrescentou que independentemente destes registos  e daquilo para que possam apontar, não conhece o arguido E.
Mas para o Tribunal, face à análise de tudo o que antecede - avaliação do depoimento de OM e CCD, WQ e registos telefónicos das chamadas do arguido E e de número associado ao arguido K -, resultou suficientemente assente que o arguido E e o arguido K conheciam-se antes dos factos deste processo.”
Alega o recorrente, acerca da testemunha OM, que “Consta na sentença a fls. 67.156/7, que o período que esta testemunha viveu com o arguido E, pode ter ocorrido entre Abril de 1995 e Dezembro de 1999, e que vivera numa casa daquele em (…), num (…)º andar, quando o arguido estava em (…) como (…), estando então a testemunha a estudar no externato GGQ.
Teria ainda a testemunha dito que, após ter saído de casa do co-Arguido E, ainda teria mantido o contacto com aquele, durante 3 a 4 anos.
Mas esta conclusão quanto ao período temporal em que a testemunha teria vivido com o arguido E, está errada, como decorre da própria sentença.
O tribunal a quo cruzou as seguintes informações retiradas de documentos juntos aos autos, e que refere na sentença, com as declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha para chegar àquela delimitação temporal:
i) Que o OM vivera numa casa em (…), num (…)º andar da (...) (…), pertencente ao arguido E – dando como provado que o arguido tivera essa casa aproximadamente de 04/04/1995 a 10/12/99;
ii) Que o arguido E foi nomeado para o cargo (…) junto da (…) ((…)) em (…), nomeação esta que foi publicada no DR nº (…), de (…), (…) Série (cfr. Apenso DZ, Vol. 7, pag. 999) e que foi esperado em (…) no dia 01/07/1996, sendo que dos documentos de fls. 370 e 371, do Apenso OZ, vol 3, resulta que em 05/08/96, quando comunicou ao (…) a sua partida para férias, já o fez da (…) junto da (…) (esteve de férias de 5/08/96 a 30/08/96, tendo assumido funções em 2/9/96, fls. 371 e 372 do apenso OZ, volume 3) e cessou funções em (…) em 03/01/2001, fls 855 a 881 do apenso DZ, vol.6;
iii) Que o OM frequentou o externato GGQ em (…), no ano lectivo 1998/1999, tendo feito a matrícula em 25 de Agosto de 1998 e desistido durante o mês de Novembro do mesmo ano, tendo chumbado por faltas, fls 51.789.
Ora parece manifesto que se a testemunha referiu que estas circunstâncias se verificavam todas simultaneamente, – a casa em (…), a estadia em (…) do arguido E e a frequência de aulas no Externato, quando a testemunha se relacionou com o arguido E, como afirmou, da conjugação dos elementos, o tribunal deveria ter restringido o período temporal para data posterior a Agosto de 1998 e até 10 de Dezembro de 1999, sendo certo que se a testemunha nasceu em (…), é também possível que quando tivesse ido a (…) ainda tivesse 17 anos de idade.
Neste sentido milita o facto de não haver registos de chamadas entre a testemunha e o co-Arguido E em data anterior a Agosto de 1999 (cfr. fls 67.158 da sentença).
E não de Abril de 1995 a Dezembro de 1999 como erradamente a sentença admite, erro que é evidente e decorrente da própria sentença.”
Acontece, porém, que no acórdão recorrido não se diz que a testemunha OM viveu com o arguido E entre Abril de 1995 e Dezembro de 1999, nem se fixou o período temporal dessa vivência.
Aquilo que se afirma no acórdão recorrido é que a testemunha só podia ter vivido com o arguido E entre esse período temporal, isto é, nem antes de Abril de 1995, nem depois de Dezembro de 1999, por corresponder ao período em que este arguido viveu na (...) (…), n.º (…),(…).º (…), em (…).
Do cruzamento do depoimento da testemunha OM (o qual referiu em audiência, que após ter saído de casa do arguido E ainda manteve contacto com este durante 3 ou 4 anos) com os registos telefónicos, supra referidos, é que o Tribunal a quo concluiu que durante o ano de 2001, quer o arguido E, quer o arguido K contactavam, com coincidência de meses – portanto ao mesmo tempo –, com a testemunha OM.
Mas, como o Tribunal a quo teve o cuidado de referir, só por si, esses elementos – isto é, o depoimento da testemunha OM e os registos telefónicos entre os arguidos E e K e esta testemunha – não permitiam a conclusão de que os arguidos E e K se conheciam.
Porém, tais elementos associados ao depoimento da testemunha WQ, empregada doméstica do arguido K (despedida por este em 1997/8, conforme o mesmo referiu) – a qual disse em audiência ter visto o arguido E em casa do arguido K, por duas vezes – com os registos das chamadas telefónicas do arguido E para o número da (...) do arguido K, criaram a convicção no Tribunal a quo de que estes arguidos já se conheciam desde data anterior aos factos deste processo.
Alega o recorrente, que o Tribunal a quo não ponderou o documento junto aos autos a fls. 45683, donde resulta que à data em que existe o registo de chamadas entre o número de telemóvel do arguido E e um número da sua (...) – 9/4/2001 – “poderia ter estado em (…)”.
Ora, da análise do documento em causa apenas resulta que o recorrente K participou, na qualidade de (...) acompanhante, numa viagem a (…), que decorreu de 5 a 9 de Abril de 2001.
Nada se diz relativamente ao dia e hora em que o recorrente regressou a (…), não sendo, pois, descabida a possibilidade de o recorrente se encontrar na (...) à hora em que são estabelecidos os contactos telefónicos, ou seja, depois das 16h00 do dia 9/4/2001.
Isto é, o documento de fls. 45 683 não infirma a conclusão retirada pelo Tribunal a quo no que respeita à possibilidade de tais contactos telefónicos terem sido estabelecidos, nessa data, entre esses dois arguidos.
Alega, ainda, o recorrente, que sendo os registos de tais contactos telefónicos relativos ao ano de 2001, é abusiva a conclusão retirada no acórdão recorrido, a fls. 67 164, de que o recorrente e o arguido E “… conheciam-se antes dos factos deste processo”, conclusão que, segundo alega, não assenta em quaisquer pressu(...)s ou provas produzidas em audiência de julgamento.
Esquece-se, contudo, o recorrente que o Tribunal a quo teve em atenção, também, o depoimento da sua ex-empregada doméstica, a testemunha WQ, a qual disse ter visto o arguido E por duas vezes em casa do recorrente, e foi despedida em 1997/8, conforme o próprio recorrente referiu em audiência.
Ora, se foi despedida em 1997/8, só antes de ter sido despedida é que podia ter visto o arguido E na casa do recorrente.
Daí que, da conjugação de todos os elementos supra referidos, o Tribunal a quo tenha retirado a conclusão de que o recorrente e o arguido E “conheciam-se antes dos factos deste processo”.  
Alega o recorrente, que a testemunha WQ revelou parcialidade, foi contraditória, imprecisa e confundiu por diversas vezes os períodos temporais em que teria trabalhado para si, sendo notória a mentira.
Porém, o Tribunal a quo fundamentou a credibilidade que este depoimento lhe mereceu, dizendo-se no acórdão recorrido: “A testemunha WQ disse ao Tribunal ter sido empregada doméstica do arguido K, esclarecendo  que estava a trabalhar em casa do arguido numa altura em que este fez a  mudança da casa da “(...) de cima”, para a (...) “ de baixo” no (…) e que é a sua actual casa (...) (…), nº (…),(…)).
E disse ao Tribunal, de forma que avaliando globalmente o seu depoimento foi segura, que viu um dia o arguido E, à hora do almoço, em casa do arguido K. Disse que isto sucedeu na “2ª casa”, o arguido K vinha almoçar a casa, era a testemunha que punha a mesa. Não disse que o arguido E tenha estado a almoçar com o arguido K, mas sim que foi lá a casa à hora do almoço. Conversaram na sala, a testemunha não presenciou a conversa. E disse que não foi só esta vez que o viu ir a casa do seu patrão.
Quanto à localização no tempo disse que isto sucedeu “antes” dos factos deste processo, antes de ser conhecido, mas não conseguiu ser precisa quanto ao ano. Disse que soube o nome do arguido E quando o viu na televisão, por causa destes factos e foi aí que associou a pessoa que vira ao que passava na comunicação social.
A Defesa do arguido K, em momento posterior, tentou abalar a credibilidade da testemunha, trazendo as razões que teriam levado ao despedimento da testemunha, relacionadas com desaparecimento de alguma coisa de casa. Com efeito o arguido, quando prestou declarações, confirmou que a testemunha foi sua funcionária, mas até ao máximo seis meses após ter ido para a sua casa actual (cfr. AJ 24/6/08), acrescentando que foi despedida em 1997/8 e substituída pela sua empregada IC.
No entanto do depoimento da testemunha, e da forma como se apresentou em Tribunal, como falou, não ficámos com a percepção que a testemunha estivesse numa atitude de vingança para com o arguido. Isso não foi perceptível para o tribunal. E se embora tal depoimento, só por si, pudesse não ser suficiente para a convicção do Tribunal, associado ao que temos vindo a dizer e com os registos que se seguem, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha como credível e verídico.” 
Alega, ainda, o recorrente que se o Tribunal a quo tivesse valorado o depoimento da testemunha IC e os documentos de fls. 54 180 a 54218, que são as cópias dos cheques dos pagamentos mensais dos prémios de assiduidade, não teria dado como provado o que consta do ponto 100.4. dos factos provados.
Não explicita, porém, o recorrente de que forma tal depoimento e documentos impunham conclusão diferente daquela a que chegou o Tribunal a quo relativamente ao julgamento desse ponto de facto.
Sempre se dirá, no entanto, que o facto dado como provado no ponto 100.4. é irrelevante, como de resto o próprio recorrente o reconhece na motivação do recurso, face aos crimes pelos quais os arguidos E e K vieram a ser condenados.                       
Relativamente ao ponto 107. dos factos provados diz o recorrente que foi produzida prova no sentido do não conhecimento entre si e o arguido A, pelo que, não podia o Tribunal a quo dar como provados os factos aí consignados.
Indica como provas desse não conhecimento as suas próprias declarações, bem como as declarações do arguido A e, ainda, depoimento das testemunhas OH e SR, respectivamente, (...) e guarda prisional, a exercerem funções no LLT, os quais relataram em audiência de julgamento terem “presenciado um encontro do qual ficaram convencidos que os arguidos em causa não se conheciam”.
Quanto a esta alegação do recorrente oferece-nos dizer que o mesmo convencimento (isto é, o convencimento das testemunhas OH e SR) não teve o Tribunal a quo, o qual, baseando-se no depoimento dos assistentes AP e AT, concluiu que o recorrente e o arguido A se conheciam.
E bem, quanto a nós.
Face às declarações destes assistentes, que mereceram credibilidade por parte do Tribunal a quo, nos termos devidamente explanados no acórdão recorrido, o episódio relatado pelas testemunhas OH e SR, ocorrido no LLT, perde toda e qualquer relevância, mais parecendo tratar-se de uma “encenação” do recorrente e arguido A para darem a ideia que nunca antes se haviam conhecido.
Assim como, face a essas mesmas declarações dos referidos assistentes, deixa de ter qualquer relevância o facto de o recorrente ter negado conhecer o arguido A, o qual, de resto, negou ter praticado qualquer tipo de abuso sexual com qualquer dos assistentes.
Quanto às declarações prestadas em audiência pelo arguido A, atente-se, no que a este propósito, se diz nas páginas 972 a 975 do acórdão recorrido “Aliás, cabe aqui fazer uma referência ao que foram as declarações do arguido A quanto ao arguido K e quanto ao, no caso concreto, ter mandado ou ter levado educando ao (...) do arguido K ou a outros locais.(…)
Quando prestou inicialmente declarações, o arguido A disse que sabia que o (...) do arguido K era em (…), mas não sabia o local certo. Nunca lá tinha ido e nunca lá tinha entrado. Ficou a saber onde era o (...) pelos Inspectores da P.J. Só conhecia o arguido K de o cumprimentar, quando o arguido K ia ver o afilhado jogar (futebol) onde o arguido também jogava algumas vezes.
Mas acrescentou que toda a gente o conhecia na zona de (…), por causa do (…) ( cfr. que o  (…), como o Tribunal concluiu, na posse do arguido K em Julho de 1999, doc. de fls. 52.738 a 52.768).
Num segundo momento confirma que não sabia onde era o (...) do arguido K. Volta a dizer que foi o AP que transmitiu aos Inspectores da Judiciária onde era o (...), nunca levou os educando nem ao (...), nem a casa do arguido, mas admite que uma vez deu uma boleia (referindo-se aos educandos) “a eles”, para perto da casa do arguido K. (…)
Num terceiro momento, em que o Tribunal lhe perguntou se em relação ao arguido K, se se lembrava de alguma situação em tivesse estado ou visto este arguido e relacionado com alunos da AX, o arguido - depois de relatar uma conversa que diz ter sido tida pela “Dra. ZH”, mas que na audição da testemunha ZH não foi feita instância quanto a tal conversa em concreto, pelo que nesta parte não relevou para o Tribunal -, começa por dizer “…eu levei lá…”, mas corrige imediatamente “…nunca levei lá nenhum, portanto, dei boleia a dois rapazes, ao AP e ao AT, perto da casa dele, que eles…portanto não me diziam onde é que era a casa, ali para ao pé (…) depois do (…), deixei-os ali encostados, portanto na paragem  do autocarro, eles foram a a pé depois para a casa do sr. K…nunca fui a casa do sr. K, nem nunca entrei no (...) do sr. K…”. Acrescenta que o arguido nunca o contactou, mas sabe que iam lá rapazes, lá ao (...) (...) e até jogadores.
O arguido foi, sucessivamente, como vemos, rejeitando qualquer conhecimento ou qualquer contacto com o arguido K.
No entanto, quando presta posteriormente declarações quanto ao assistente AI ( cfr. A.J. de 15/12/05), já disse ao Tribunal que deu boleia ao AI para a (...) e que ia ter com o Sr. K ( convocamos o que o Tribunal diz, em sede de análise crítica da prova, quanto analisou estes factos na (...) com o assistente AI,  em relação às conclusões que retirou das declarações do arguido, quanto ao efectivo conhecimento do arguido K). 
Na audiência de julgamento de 17/01/07, admite ao Tribunal ter ido à (...) do arguido K - mas localiza em 99/00 - e disse que deixou rapazes na esquina da (...) do (...).
As declarações do arguido A, na sua globalidade, não foram declarações fáceis analisar. O Tribunal teve que compreender, entender e observar a pessoa que teve na sua frente a falar. O que, reconhecemos, não foi imediato, pois - aliás, tal como sucede com a generalidade das situações - por vezes só à distância é que se conseguiu ver o que a confusão do momento escondia. Isto é, em algumas situações, quando vistas logo no momento as suas declarações tornavam-se incompreensivelmente inconsistentes entre si, mas quando vistas e analisadas na globalidade, foi perceptível o porquê e o sentido daquelas declarações.  
A forma como o arguido declarou os factos ao Tribunal -  e cruzando com a análise concreta dos pontos que estávamos a assinalar, relacionados com os factos do assistente AP  -,  o que foi perceptível ao longo do seu depoimento, de negar ter sido da sua iniciativa levar educando a locais, mas dizer que apenas lhes deu boleias porque lhe pediram ou porque, por acaso, os encontrou, mas de, em momentos posteriores, pedir desculpa aos educando, pelos locais onde os levou, teve o sentido (mais plausível e coerente com o que foi, para nós, a  atitude global do arguido face à admissão dos factos que foi fazendo), o de envolver-se o menos possível como pessoa responsável pelo que aconteceu aos (…).
Para o Tribunal e do que percebeu da sua atitude em audiência de julgamento, o arguido A sentiu responsabilidade no que fez aos jovens da AX, (…) como ele. E teve reacções que traduziram aligeirar da sua culpa, mas sem “deixar” cair “os rapazes” como se lhes referiu por vezes. E este aligeirar de culpa traduziu-se, por vezes, em meias verdades (afirmação que ao longo desta análise crítica o Tribunal vai ilustrando e preenchendo, com referências concretas e situações concretas). Isto é, a percepção que tivemos é que o arguido não deixou de contar com verdade uma parte do facto, mas introduz elementos que não se verificaram, para justificar - pelo menos para si - os que se verificaram.
Por exemplo, na situação que estamos a analisar, começa por negar conhecer o (...) e ter levado ou ter mandado lá ir AP. Em momento posterior admite conhecer o (...) e ter deixado miúdos na “esquina” para irem ao (...) e admite ter levado o AP e o AT a um local, a “casa do arguido” K no (…), mas dizendo que os deixou apenas ao pé de um local para irem a essa casa. Que apenas lhes deu boleia porque estes lhe pediram, afastando assim a responsabilidade da sua iniciativa nessas idas.”
Ou seja, as declarações prestadas pelo arguido A, ao longo das várias sessões da audiência de julgamento, não foram lineares, pelo que, têm de ser entendidas, como bem refere o acórdão recorrido, na sua globalidade.
Só dessa forma, conjugada, as mesmas adquirem sentido, que o Tribunal a quo, de forma tão sábia, diga-se, conseguiu apreender.
Acresce que o arguido A nunca disse que não conhecia o recorrente. Disse sempre que conhecia o recorrente de o ver a assistir aos treinos de futebol do afilhado CY. Nega é que tivesse levado rapazes da AX, a pedido do recorrente, para serem sujeitos a práticas sexuais, limitando-se a referir que deu boleias a alguns dos assistentes, sempre a pedido destes, por forma a, como conclui o acórdão recorrido, afastar a sua responsabilidade.
Ainda em relação ao ponto 107. alega o recorrente que o Tribunal a quo não podia ter dado como provado que o abuso infligido por si ao assistente AT ocorreu nos meses de Março ou Abril do ano de 2000, porquanto decorre dos documentos de fls. 52773, 52784 e 52789 dos autos que no ano de 2000 esteve de férias (…), no período compreendido entre 26.02.2000 e 12.03.2000, data em que regressou a (…).
Mais alega que “Quando regressou a (…), começou a trabalhar no Centro de Saúde (…) e no seu (...) (...), tendo junto aos autos registos do horário que praticava no centro de saúde, fls. 54.486 a 54.546 donde decorre que nos meses de Março e Abril de 2000 trabalhou todas as manhãs, excepto num dia em que esteve doente e às quartas-feiras até às 20 horas. Houve ainda dias, conforme assinalado nos documentos, que saiu pelas 18 horas.
Conjugados estes registos com o depoimento da sua irmã ZV, e também de muitas outras testemunhas, algumas suas pacientes como XL, cujo depoimento se encontra gravado em DVD dos 0 aos 30 minutos, conforme assinalado na acta de fls.48.938, resulta que o Recorrente passava as tardes a trabalhar no seu (...), dali saindo, em regra muito tarde.”
Ora, o ponto 107. situa os factos ocorridos entre o recorrente e o assistente AT  em data em concreto não determinada do mês de Março ou Abril de 2000, pelo que, o facto de o recorrente ter estado de férias (…), no período compreendido entre 26.02.2000 e 12.03.2000, não contraria de forma alguma o vertido nesse ponto de facto.
Os mesmos poderão ter ocorrido entre 13.03.2000 e o final de Abril de 2000.
[1] Cfr. Acta de Julgamento de 30.6.2008, gravação em DVD, dos 0 minutos às 02 horas e 27 minutos.
Também o horário de trabalho do recorrente e o depoimento das testemunhas ZV e XL não inviabilizam a conclusão retirada pelo Tribunal a quo relativamente ao ponto de facto em análise.
A proximidade da moradia onde os factos terão ocorrido – situada no (…)– em relação ao local onde o recorrente tinha o seu (...) (pontos 100. e 107.2. dos factos provados) poderia ser percorrida, de carro, em muito pouco tempo.
E para as práticas sexuais que lhe são imputadas também não necessitaria o recorrente de muito tempo.
Ou seja, o recorrente sempre poderia sair do seu (...) durante a tarde – período do dia em que os factos com o assistente AT terão ocorrido de acordo com a matéria dada como assente no ponto 107.2. – e regressar ao (...) para continuar a atender os seus clientes.
Assim como poderia tê-los praticado no prolongamento da sua hora de almoço.
Alega, ainda, o recorrente, que o AP não podia ter acompanhado o AT, como se dá como provado no ponto 107.2., porquanto, em alguns dias do mês de Março e Abril de 2000, que o recorrente discrimina, ou estava de castigo, ou tinha ido ao dentista, ou tinha fugido para (…), ou tinha saído do lar com umas roupitas para ir trabalhar para as obras.
Relativamente a esta alegação do recorrente limitamo-nos a dizer que os factos sempre poderiam ter ocorrido nas outras datas que o recorrente não discrimina ou em hora distinta daquela do “eventual” impedimento.
No que respeita ao ponto 107.2. alega o recorrente que o assistente AT, apesar de não ter tido a certeza absoluta, identificou a moradia sita no (…), em (…), no nº (…) da (...) (…), como sendo a casa onde teria sido abusado por si, facto este confirmado pelo AP.
Conclui, assim, o recorrente, que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o abuso sexual na pessoa do assistente AT ocorreu nessa morada, e não numa moradia não concretamente apurada, conforme consta do ponto 107.2., devendo, ainda, dar como provado que o autor do abuso foi outra pessoa que não o recorrente, uma vez que nunca aí teve residência ou a disponibilidade desse local.  
Não foi, porém, essa a convicção formada pelo Tribunal recorrido na apreciação que fez das declarações prestadas por estes assistentes, e demais prova produzida em audiência de julgamento, sobre a localização da moradia onde terá ocorrido o abuso sexual perpetrado na pessoa do assistente AT, e acerca do seu autor.
Relembre-se o que a tal propósito se escreveu nas pág. 1029 a 1032 do acórdão recorrido:
“(i) Mas quanto à descrição da casa AT disse que era uma (...), não é um edifício de andares, a casa era cor de rosa por fora, assim um bocado escuro, “…resto, referências não me recordo…”, a casa não dava logo para a (...), tinha um portão pequeno,  “…transpondo esse portão a havia um género de um pátio e a gente dirigia-se à casa…”, se havia quintal ou flores não se recorda. A (...) tinha dois pisos “…a sala onde foi era no (…)…logo que se abria a porta  deparava-se com hall e via umas escadas…para ir para a sala tinha que se passar por uma porta e estava-se na sala…tinha mobiliário mas a descrição do mobiliário não me recordo…”. Já tinha passado por essa (...) …era um atalho para ir para a escola do (…), ( secundária…fica quando se sobe a (...) (…), fica do lado direito, chegando cá acima, quase ao pé do HA  mas do outro lado…).
Acha que foi a pé, não tem a certeza “… porque a gente íamos quase todos os dias à escola do (…), umas vezes íamos de autocarro outras a pé…o (…) passava nas imediações da casa o (…) ia por fora…imediações tipo perto, não passava em frente à casa, quando passava no (…) não via a casa…o terminal do (…) era perto da casa e depois tínhamos que andar cerca de 100, 150, 200 metros…”.
Desta descrição, mas essencialmente da forma como a ia fazendo, em audiência de julgamento ficámos com a percepção de que descrevia um espaço que conhecia.
A fls.605 encontra-se o auto de reconhecimento da “casa do (…)”. O assistente disse que acha que partiu da PJ para fazer esse reconhecimento, pensa que foi com o Inspector CF, “não tenho a certeza, e lembro-me que quando chegamos ali perto da escola do (…), quem começou a dar indicações fui eu…lembro-me termos chegado à escola do (…) e ficarmos do outro lado, onde a Escola do (…) tem paragens à frente mesmo à saída do portão e depois tem uma outra paragem do outro lado. Recordo-me perto dessa paragem ter  dito ao Inspector, que eu não recordo quem era, ter virado aí e depois seguimos um bocado em frente, lembro-me de ter dado uma curva ou duas.”.
“…Foi à segunda tentativa que conseguiu localizar a (...), a gente teve cerca de uma hora no (…)…se bem me lembro hesitei um bocado …”.
(ii) O  Tribunal deslocou-se  à (...) (…) nº (…), no (…). Fez esta diligência com a presença dos assistentes AP e AT.
Em relação a esta diligência e para assegurar que durante o percurso para a diligência e na diligência os Assistentes não se viam um ao outro, o Tribunal determinou que os assistentes fossem transportados em separado para o local, pela autoridade policial que fazia a respectiva segurança, sendo que primeiro o Tribunal ouviu e fez deslocar ao interior da moradia o assistente AP e depois deste sair do local o Tribunal ouviu e fez deslocar ao interior da moradia o assistente AT.
Quer um, quer outro, na audiência de julgamento começaram por identificar o exterior de tal moradia como sendo aquela em que ocorreram os abusos que descreveram por parte do arguido K na pessoa de AT.
Mas tiveram versões divergentes quanto ao portão por onde entraram, AP disse que foi pelo portão que se situa na (...) (…) e tem a(...) o nº (…) e o AT no portão que se situa na (...) (…) e que tem a(...) o nº (…).
Os assistentes entraram na moradia em causa – embora em separado, como acima referi – e  AP após transpor a porta de entrada apontou  uma área à direita, dizendo que ali era uma sala. Quando o Tribunal lhe perguntou se o aspecto da sala e a configuração era tal como estava a ver, declarou não conseguir dizer se o aspecto era assim, declarando não se recordar de mais.
A percepção que tivemos é que, aqui, AP  disse que era aquela moradia, mas não sabia realmente se era aquela ou não, Mentiu deliberadamente? Ou tomou por certo que se foi levado pelo Tribunal era porque devia estar certo e assim confirmou? Não sabemos, mas, no caso concreto e pelo que já dissemos quanto ao que AP dizia recordar ter visto na “garagem”, o (…), estava baralhado.
Quanto a AT, após transpor a porta de entrada, foi dizendo que entrou ali e dirigiu-se para o lado direito, que era uma sala. Mas uma sala que tinha uma porta. A área apontada pelo Assistente, tal como o Tribunal pôde observar e se pode ver na gravação em vídeo da diligência, tinha acesso aberto sem qualquer porta.
A pedido de esclarecimento do Tribunal, quanto à configuração do local, o assistente acrescentou “…mas isto está totalmente diferente…”. E esclarecendo quanto à configuração da escada que existe na entrada da casa e que dá acesso a um andar superior – tendo o Tribunal presente a descrição e desenho do interior da casa que o assistente AT já fizera em audiência de julgamento, em que referiu e desenhou umas escadas.
AT, posicionando-se num local próximo da escada que existia  dentro da casa que o Tribunal estava a inspeccionar, no lado esquerdo de quem transpõe a porta de entrada,  disse “… a escada…não era bem assim…mais direita…não havia esta curva…”.
Também quanto ao conjunto de quatro fiadas de “janelas estreitas em vidro”, que na vertical existem na zona da escada, separadas entre si por uma pequena área de alvenaria,  esclareceu que não era assim, dizendo que  era uma janela completa  com três faixas, havia três vidros pegados,  não havia a separação em alvenaria.
Passando para o exterior da moradia, disse que as  janelas que referiu eram diferentes daquelas, repetindo que era uma janela completa, com as já referidas três faixas (de vidro) e tinha três fileiras de pedra por fora. Insistia que não era assim configuração daquelas “janelas”, insistiu e insistiu.
Andou à volta da casa e na moradia não encontrou as janelas iguais às que disse que a moradia onde esteve com o arguido K  tinha.
Assim, embora tenha começado por dizer que a casa era aquela quando o Tribunal ali se dirigiu, insistia nas diferenças que referimos.
Para o Tribunal esta contradição entre a afirmação que faz e as diferenças que teima existirem, tem um sentido, face ao que foi a avaliação global das declarações do assistente e ao reconhecimento de fls. 605.
O local, a zona de moradias em que a inspeccionada pelo Tribunal se encontra, é um bairro com moradias muito idênticas quanto à sua arquitectura.
A teimosia de AT que as “janelas das escadas” eram diferentes e as apontadas diferenças no interior, fizeram o Tribunal ter dúvidas quanto ao local ser aquele. E era mais “fácil” para o assistente – pelo menos esse é o sentido do tribunal -, no “aparato” em que a diligência de deslocação inevitavelmente se tornou, face ao número de pessoas necessariamente presentes, naquele momento aderir a que a casa era sem sombra de dúvida aquela. 
E da prova produzida em audiência de julgamento - cfr, por exemplo, os depoimentos das testemunhas DJ ( cfr. também os documentos juntos a fls. 48.73 dos autos), AAX, não resultou para o Tribunal  prova suficiente  de que a moradia em que ocorreram os actos foi a morada identificada no Despacho de pronúncia, o nº (…)da (...) (…).
Mas, para o Tribunal, da conjugação do que foram as declarações de AT e AP quanto ao local, do que foram as declarações do arguido A  e que atrás já referimos, quando disse  ( a pergunta do Tribunal, se em relação ao arguido K, se se lembrava de alguma situação em tivesse estado ou visto este arguido e relacionado com alunos da AX),  “…eu levei lá…”, mas corrige imediatamente “…nunca levei lá nenhum, portanto, dei boleia a dois rapazes, ao AP e ao AT, perto da casa dele, que eles…portanto não me diziam onde é que era a casa, ali para ao pé (…) depois do (…), deixei-os ali encostados, portanto na paragem  do autocarro, eles foram a pé depois para a casa do sr. K…nunca fui a casa do sr. K, nem nunca entrei no (...) do sr. K…” ( acrescentando que o arguido nunca o contactou, mas sabe que iam lá rapazes, lá ao (...) (...) e até jogadores), que os actos ocorreram em moradia não concretamente apurada, mas localizada no (…), em (…), no Bairro de moradias onde se situam a (...) (…) e a (...) (…) e na zona dessas (...) ( aliás, zona  próxima da (...) onde então o arguido residia, (...) (…)). Desta declarações do arguido A resultou, também, a convicção que o Tribunal formou quanto aos factos descritos nos pontos “107.” A “107.1”, “107.12”  a “107.14.”.”
A motivação sobre o ponto de facto em causa é, pois, bem esclarecedora das razões que levaram o Tribunal a quo a dá-lo como provado da forma como deu e da apreciação que fez das provas produzidas sobre o mesmo, apreciação essa que se mostra efectuada de acordo com o princípio plasmado no art. 127.º do CPP.
Em relação ao ponto 107.4. alega o recorrente que o facto aí dado como provado não tem qualquer fundamento probatório, visto que o assistente AT nunca referiu que os actos sexuais ocorreram no quarto, mas sim na sala e o assistente AP declarou ter sido no quarto, inexistindo quaisquer outras provas a este respeito, com excepção das suas próprias declarações, através das quais nega estes factos.
Tem efectivamente razão o recorrente na impugnação deste ponto de facto, embora a invocação das declarações do assistente AP não esteja correcta, porquanto relativamente à situação que é dada como provada no ponto em causa o mesmo referiu que dessa vez limitou-se a acompanhar o AT, porque este não sabia bem onde ficava a (...), voltando de seguida para o (...) (cfr. declarações prestadas na audiência de 24/6/2005).
Porém, o assistente AT nas declarações que prestou em audiência sempre referiu que os factos nessa moradia se passaram na sala, não tendo feito qualquer alusão a ter sido conduzido pelo recorrente a um quarto da residência. E outra prova não foi produzida em audiência sobre tal ponto de facto (a não ser as declarações do recorrente, o qual negou a prática dos factos), que impusesse uma conclusão divergente daquilo que foram as declarações do assistente.
Mostra-se, pois, mal julgado o ponto em questão na parte em que refere que o recorrente conduziu o assistente AT a um quarto da residência.
Cremos, contudo, que tal erro foi devido a mero lapso por parte do Tribunal a quo, lapso esse consistente na manutenção no facto provado sob o ponto 107.4. da redacção do despacho de pronúncia (ponto 4.4.1), uma vez que neste constava a alegação de que o recorrente havia conduzido o assistente AT a um quarto da residência.
Importa, pois, alterar o ponto 107.4. dos factos provados, o qual passará a ter a redacção seguinte:
“107.4. Entretanto, o arguido K, que aguardava a chegada do menor, dirigiu-se ao mesmo e manipulou-lhe o pénis, até este ejacular, tendo o menor também manipulado o pénis do arguido.
De seguida, o arguido K introduziu o seu pénis na boca do menor, que o chupou, a mando daquele.”
Passando a constar dos factos não provados o ponto 25.2. com a redacção seguinte:
“25.2. Nas circunstâncias descritas no ponto 107.4. dos factos provados o arguido K conduziu AT a um quarto da residência.”
O ponto 25.2. dos factos não provados do acórdão recorrido passa a ser o ponto 25.3. e a factualidade vertida actualmente neste ponto passa a ser o ponto 25.4..
Esta alteração não substancial dos factos constantes do ponto 107.4. não necessita de ser comunicada (à semelhança do que dissemos supra a propósito do conhecimento do recurso do acórdão inter(...) pelo arguido C, convocando-se aqui a jurisprudência e doutrina aí citada), na medida em que a mesma resulta da posição assumida pela defesa do recorrente K, expressa nas conclusões do seu recurso, pelo que dele já era conhecida.
A que acresce, ainda, o facto de a alteração em si não assumir qualquer relevo para a decisão.
Quanto aos pontos 107.6. e 107.8. dos factos provados alega o recorrente que a “sentença deu como provado que o arguido K sabia que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos, e que a idade desse menor o impedia de se decidir livremente e em consciência pela prática dos actos descritos de que foi vitima, unicamente com fundamento no facto de o Recorrente ser (...), mas a sua qualificação médica não constitui meio de prova do conhecimento da idade, não tendo o Recorrente alguma vez acedido a dados clínicos daquele, nem resulta das regras da experiência (de vida) que alguém possa distinguir a idade de um rapaz com 13 anos e sete meses, que era a idade do AT em Março/Abril de 2000, considerando que nasceu em (…) (Apenso CB Volume 1 – fls 83), pois facilmente se poderá confundir com um de 15 anos.”
Mais alega que “Quanto muito poderia o tribunal a quo ter dado como provado que o Recorrente devesse saber a idade do Recorrente, e que ainda assim se teria conformado com o facto de poder ter menos de 14 anos e praticado assim actos sexuais com aquele e preenchendo o tipo de ilícito com dolo eventual ou equacionado que poderia ter havido erro sobre a idade, o que afastaria a sua punição, atendendo às circunstâncias em que os factos (e a história) se revelam (teria sido o assistente a procurar voluntariamente o Recorrente, e que o assistente “andava na vida”) e que atendendo ao seu percurso de vida, deveria aparentar ter uma idade superior à real.”
No que respeita à impugnação do ponto 107.6. cremos que assiste razão ao recorrente.
Na fundamentação desse ponto de facto diz o Tribunal a quo “Quanto aos factos que o Tribunal deu como provados – que o arguido K sabia a idade do AT, o arguido K é (...), elemento que, no caso concreto, foi o necessário e suficiente para o Tribunal concluir pela prova de tais factos.”
Ora, a qualidade de (...) do recorrente, só por si, não permite tal conclusão.
Não resulta dos factos dados como provados que o recorrente fosse (...) do AT, ou que de alguma forma tivesse acesso aos elementos de identificação deste, nem, ainda, que tivesse conhecimentos especiais que lhe permitissem determinar com rigor a idade do assistente.
Assim, o facto de o recorrente ser (...) não permite concluir que sabia que o AT tinha idade inferior a 14 anos de idade, tanto mais que este tinha, à data dos factos, 13 anos e 6 ou 7 meses.
Porém, essa circunstância – de ser (...) e, como tal, com conhecimentos de anatomia humana superiores à generalidade das pessoas – aliado ao facto de estar habituado a observar rapazes da mesma idade do assistente, uma vez que era (...) de família de vários alunos do (...) FA, conforme resulta do facto dado como provado sob 100.2. – já constituem elementos adicionais para se poder concluir que o recorrente admitiu como possível que o AT tivesse idade inferior a 14 anos de idade, mas ainda assim não se absteve de o sujeitar à prática dos actos sexuais descritos sob os pontos 107.4. e 107.5., actuando, dessa forma com dolo eventual.
Importa, pois, alterar o ponto 107.6. dos factos dados como provados, o qual se encontra mal julgado, passando a sua redacção a ser a seguinte:
“107.6. O arguido K admitiu como possível que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.”
Na análise das penas parcelares será ponderada em que medida a alteração deste ponto de facto poderá influir na sua concreta determinação.
Quanto à impugnação do ponto 107.8. carece de razão o recorrente, pois a circunstância de ser (...) dá-lhe um conhecimento acrescido de que os actos de natureza sexual a que submeteu o AT prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico e que influíam negativamente na formação da respectiva personalidade, tal como aí se deu como provado.
No que respeita à impugnação dos pontos 108. a 108.10. dos factos provados alega o arguido K que o assistente AI declarou em audiência que foi à casa da (...) quando estava no 7.º ano, que era o primeiro ano em que estava na IIR e até confirmou que foi no ano antes de ter reprovado, pelo que o Tribunal a quo deveria ter concluído, que a ser verdade os factos que configuram os abusos sexuais, os mesmos teriam ocorrido até Junho de 1999 – o primeiro ano lectivo começou em Setembro de 1998 e acabou em Junho de 1999 – e não em Outubro/Novembro de 1999 como foi dado como provado.
Carece de razão o recorrente.
Para fundamentar os pontos em causa o Tribunal a quo não se baseou apenas nas declarações prestadas pelo assistente AI tendo-se socorrido, para além da prova testemunhal indicada na motivação, de prova documental constante dos autos, igualmente indicada na motivação da decisão de facto, designadamente, a relacionada com o horário escolar e elementos de avaliação escolar e registos de faltas dadas pelo assistente, nos termos referidos nas págs.1137 a 1140 do acórdão recorrido, que aqui damos por reproduzidos, para concluir, da conjugação de todos esses elementos, que os factos na casa da (...) terão ocorrido no ano lectivo de 1999/2000, por ser o ano de maior absentismo e instabilidade emocional do assistente.
De notar que Outubro/Novembro de 1999 ainda é o início do ano lectivo e que o assistente AI só reprova em Junho de 2000.
É, pois, aceitável e consentânea com as regras da experiência comum, a conclusão retirada pelo Tribunal a quo de que os factos terão ocorrido tal como constavam na pronúncia, enquadrando-os ainda no período temporal referido pelo assistente – ano de 1999 e antes de ter reprovado – tendo ainda presente as dificuldades do assistente AI, assinaladas no acórdão recorrido, em localizar no tempo a ocorrência dos factos.
Alega, ainda, o recorrente que o co-arguido A desmentiu as declarações do AI prestadas em audiência de julgamento – o qual referiu ter ido duas vezes à casa da (...) a convite daquele – negando tê-lo levado à casa da (...), reconhecendo apenas que lhe dera duas vezes boleia para a (...) a uma sexta-feira e a um sábado.
Conclui, dessa forma, que o Tribunal a quo não deveria ter aceite como credíveis as declarações do assistente AI, devendo dar como não provado que o mesmo foi abusado por si numa casa da (...), a qual, de resto, não conseguiu identificar, nem os colegas que foram consigo.
Também quanto a esta argumentação carece de razão o recorrente.
Sobre as declarações prestadas em audiência pelo arguido A quanto aos factos ocorridos com o assistente AI na casa da (...) expendeu-se no acórdão recorrido, págs. 1172 a 1179, o seguinte:
“O arguido A ( na  audiência de julgamento 15/12/05, após ter ouvido sa declarações do assistente AI ) confirmou ao Tribunal ter levado o assistente AI a uma casa na (...) e a (...). 
O seu discurso foi idêntico ao das demais situações, não levou por qualquer combinação que tivesse feito directa ou indirectamente com os arguidos, foi dar boleias pedidas pelos jovens. À “casa da (...)” disse que  levou o AI e mais dois colegas, que eram da (…) mas não sabia os nomes, não tinham aulas, eles passaram pela garagem, iam apanhar o autocarro para a (...) e pediram ao arguido, que passava por ali, para lhes dar boleia para a (...).
Esclareceu que os jovens disseram-lhe  que iam ter com o Sr. K, que o arguido disse não saber quem era, mas que os jovens disseram-lhe ser um grande amigo deles. O arguido ia buscar equipamentos dos iniciados do AX, que jogavam no CZ e levou-os. Diz que os levou duas vezes, num sábado e a uma sexta feira.
Disse que na (...) deixou-os mesmo ao pé  do sítio onde diz “(...)”, deu meia volta e voltou para o estádio do CZ, tanto na 1ª situação como na segunda ( mas temos que notar que, anteriormente, mas nesta sessão, tinha dito que uma das vezes tinha dado boleia no seu carro particular, pois a seguir ia ver o jogo do AX com o (…), no campo (…), não sendo, portanto, no campo do AX; e  num terceiro momento volta a dizer que deu boleia, “com muito gosto”, porque ia para o Estádio do CZ e dizendo que isto sucedeu na primeira e na segunda vez).  Disse também que não foi buscá-los, tanto da primeira como da segunda vez. E aqui justifica, de novo, o que tinha ido fazer da primeira vez (mas dizendo que da primeira vez tinha ido buscar os equipamentos e tinha que ir fazer um transporte dos alunos da Banda,  com o Professor de BF, às 17 h). 
Relacionado com estes factos, afirmou  que nunca falou ao telefone com o AI nem com qualquer outro aluno, isso era uma mentira dos alunos. Mas  notamos que anteriormente (cfr. audiência de julgamento 13/01/05), dissera que tinha falado ao telefone  com o assistente AV e com o assistente AI, embora, quanto a este, “…foi muito pouco tempo…” ( localizando em 2000, 2001, e algum tempo de 2002).
(1) Estas declarações do arguido A vão no sentido de admitir alguma participação nos factos descritos pelo assistente AI - e concordância com alguns dos factos que o AI descreveu -, embora com um sentido diferente daquele dado pelo assistente.
O arguido diz que limitou-se a dar boleia ao AI e a outros rapazes para a (...): confirma a declaração do assistente que era ele e mais rapazes, o transporte foi feito pelo arguido A e o local era (...). Diz que não foi ele arguido que os contactou, não sabia ao que iam, não sabia o prédio em concreto, pois diz que se limitou a deixá-los na localidade, mas acrescenta - o que fez de forma espontânea no seu discurso, sem ter sido perguntado pelo Tribunal, pelo que é coisa que tinha presente -  que os jovens disseram-lhe que iam ter com “o sr. K”, mas que o arguido não sabia quem era. (…)
A forma como o arguido declarou os factos ao Tribunal -  e cruzando com a análise concreta dos pontos que estávamos a assinalar, relacionados com os factos do assistente AI - tem uma justificação para o Tribunal e ligando com o que estávamos a dizer – e com essa justificação -, o arguido declarou que os jovens disseram-lhe que iam ter com “o sr. K”, mas que o arguido não sabia quem era. O sentido com que o Tribunal interpretou esta referência do arguido  -  o que quis transmitir com a sua  a sua declaração nesta parte e com a forma como se referiu ao “Sr. K” -, o sentido  mais plausível e coerente com o que foi, para nós, a  atitude global do arguido face à admissão dos factos, foi o de envolver-se o menos possível. (…)
Quanto aos dias  em que disse ter dado boleia ao AI e a outros rapazes para a (...), aqui e pela leitura da simula foi feita, foi à sexta feira e um sábado, dizendo que uma das vezes foi com o seu carro - e associando esta vez, tal como o Tribunal percebeu o sentido das suas declarações, a uma ida a um jogo de futebol do AX.A.C.  - e pelas suas declarações aparecendo assim associada a um dia de fim de semana, ao sábado.
A outra foi com a carrinha da AX, mas associando esta ida  ao facto de ir fazer uma deslocação de serviço ao campo do AX.A.C.. Querendo assim dizer, para o Tribunal, que não foi com a carrinha da AX fazer uma deslocação que não podia ou devia, mas sim que deu a boleia aos alunos,  “com muito gosto”, porque ficava no caminho do serviço que ia fazer para a instituição ( e a referência a uma sexta feira pelo menos comporta a associação a um dia de trabalho).
Assim, não usou indevidamente os bens da AX o que foi - na percepção do Tribunal - um movimento repetido do arguido, não só para demonstrar que ele não se aproveitou da instituição, mas para  demonstrar que outros é que se aproveitaram.(…)
Transpondo isto para a declaração que em concreto estamos a analisar, o arguido não fez mais do que repetir o movimento que teve nas suas declarações ao longo do julgamento: cola os transportes que admite ter feito dos jovens – mas chamando-lhe  “boleias” - com deslocações que na altura, ou por razão profissional ou por razão pessoal, por “acaso” na altura em que lhe pedem a boleia ia fazer ou tinha programado fazer.”
Foi este o sentido das declarações prestadas em audiência pelo arguido A, declarações essas que, contrariamente ao referido pelo recorrente, corroboram nos aspectos essenciais as declarações do assistente AI, conferindo-lhes acrescida credibilidade.
Não admira, por outro lado, que o assistente não tenha conseguido localizar a casa da (...) onde foi abusado pelo recorrente tendo em atenção que, conforme disse em audiência, apenas lá foi duas vezes e entretanto haviam decorrido mais de 3 anos e 6 meses entre a prática dos abusos que nela foi vítima e a data em que foi efectuada a tentativa de reconhecimento da localização da dita casa. Ao que ainda há a acrescer o facto de na data dos abusos ter a pouca idade de 13 anos. 
Quanto ao facto de o assistente AI não conseguir identificar os colegas que o acompanhavam não se pode extrair a conclusão, como pretende o recorrente, de que o mesmo está a mentir ou a inventar situações de abuso sexual na sua pessoa que não tenham ocorrido.
Conforme o assistente AI disse em audiência de julgamento nunca antes os tinha visto, embora tenha pressu(...) de que se tratava de (…), facto este corroborado pelo arguido A que confirma ter dado boleia para a (...) ao AI e a outros rapazes da AX.
Também alega o recorrente na 75.ª conclusão que “Relativamente a questões relacionadas com o local onde o AI era apanhado por A para ir para a casa da (...), decorrem também aqui evidentes contradições entre o que foram os factos indiciários – que era apanhado junto ao (…) (na (…)) e o que o Assistente declarou em audiência de julgamento – que era apanhado junto ao (…) o que foram as declarações de A – que estava em CZ deu as boleias para a (...), o que levou o tribunal a quo a dar como provado que era apanhado em “… local não concretamente apurado mas combinado com o assistente…” – ponto 108, pelo que a valoração da prova foi, também neste segmento da decisão, arbitrária e violadora do dis(...) no art. 127º do C.P.Penal.”
Mas sem razão.
A este respeito expendeu-se no acórdão recorrido “Se é certo que quanto ao local dos encontros para as “boleias”, o AI começou por dizer que era no “(…)” – declaração inicialmente relacionada com as idas para casa do arguido A -, isto não foi assim admitido pelo arguido A. E das declarações do assistente, quando começou a falar do “ponto de encontro” para os outros locais onde o arguido o levou -  declaração que em dois momentos foi “misturada” com o local onde era o “ponto de encontro” para ir para casa do arguido  -,  o Tribunal ficou com dúvida quanto ao facto se era “sempre” o encontro ali ou não. 
Mas também como já dissemos, considerando a globalidade das declarações do assistente, a proximidade do (…) com o Lar do assistente – no BF -, faz sentido que esse tenha sido  um local de “encontro” para as “boleias” que o arguido deu ao educando. Mas pode ter acontecido, mesmo que a versão não seja exactamente a apresentada pelo arguido A, que em alguma altura ou nas deslocações para outros locais -  por ser a uma hora diferente, por ser num dia diferente por exemplo -, o encontro entre os dois tenha sido em local diferente.
As declarações do assistente também não o afastam, quando globalmente avaliadas. Mas quanto a ter sido junto ao “(…)” -  aquelas situações em que o arguido A se encontrou com o assistente AI para ir à casa da (...) -, como o Despacho de pronúncia descreve,  as declarações do assistente não o permitem na avaliação do tribunal.
Assim e não obstante ser um facto circunstancial, o Tribunal não ter dado como suficientemente assente a versão do despacho de Pronúncia, quanto ao local onde o arguido se encontrava “sempre” com o assistente para o “transporte”.”
Mostra-se, pois, devidamente fundamentado o motivo porque o Tribunal a quo deu como provado que o ponto de encontro foi “em local concretamente não apurado”, sem que se descortine como é que possa ter sido violado o princípio da livre apreciação da prova consignado no art. 127.º do CPP, tal como deve ser entendido, ou seja, nos termos supra ex(...)s na apreciação que dele fizemos no recurso do acórdão inter(...) pelo arguido C.
Questiona o recorrente a credibilidade do reconhecimento que o assistente AI faz da sua pessoa como sendo o seu abusador de uma das vezes em que foi à casa da (...) se afinal o mesmo nem a casa conseguiu localizar, nem identificar os colegas que o acompanharam.
Ora, não é pelo facto de o assistente não ter conseguido localizar a casa da (...), à qual apenas foi duas vezes, nem ter conseguido identificar os colegas que o acompanharam, os quais nunca tinha visto antes e possivelmente não voltou a encontrar, que pode ser (...) em causa o reconhecimento da pessoa que foi o seu abusador de uma das vezes que a essa casa se deslocou.
Como o assistente AI disse em audiência de julgamento, e consta da motivação do acórdão recorrido, quando olhou a primeira vez para o recorrente K na casa da (...) não sabia o seu nome, mas fixou-lhe o rosto. E voltou a vê-lo uma segunda vez nessa mesma casa.
Estranha o recorrente o facto de o assistente AI não ter dito que o reconheceu pelas suas características físicas, tais como a barba, o cabelo, a cicatriz com 41 cm que tem no abdómen, um cordão no pescoço.
Ora, pese embora o assistente não tenha referido as características físicas do recorrente, tais como a barba e o cabelo, não significa que não tenham sido essas mesmas características que lhe tenham facilitado o seu reconhecimento, isto é, que o tenham auxiliado a “fixar o rosto”, como o mesmo referiu.
Já quanto à cicatriz não admira que o assistente AI não a tenha visto pois não resultou provado que o recorrente se despiu para praticar o abuso sexual.
E no que respeita ao cordão do pescoço não se trata de nenhuma característica física do recorrente, mas de um mero adorno, que tanto podia estar a usar, como não, quer na data em que o AI foi abusado na casa da (...), quer na outra em que apenas o viu nessa mesma casa.
Alega, ainda, o recorrente que o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 108.3. e 108.4. unicamente com base nas declarações do assistente AI, o qual “…como é facilmente perceptível nas suas declarações, não se comove, não hesita, não descreve detalhes da habitação, como por ex. o chão, o sofá, a cama, o tecto, ou do seu agressor, a sua cicatriz, o seu odor corporal, o seu peso, o que dizia, se usava preservativo, lubrificante, a brutalidade da penetração, os seus sentimentos, a vergonha, a tristeza…. Nada! Não resultará das regras da experiência que quem é abusado não faz um relato desta ligeireza, o que revela na resposta que dá à Juiz a quo quando lhe pergunta, então e depois? Resposta do AI: O procedimento normal. Eu vinha-me embora e ia para o (...) com o Sr. A.”
Não foi, porém, essa a impressão colhida pelo Tribunal a quo no que concerne às declarações prestadas em audiência pelo assistente AI, conforme decorre da motivação do acórdão recorrido, mas antes que a forma como o assistente depôs em audiência quando passou a descrever os abusos de que foi vítima era a de constrangimento e dificuldade “por ser qualquer coisa negativa, que reproduzir aqueles factos lhe causava.”
Com esta alegação e outras de semelhante teor que o arguido K faz ao longo da motivação do recurso, que nos dispensamos de reproduzir porque não vêm referidas em concreto a nenhum ponto de facto que pretenda impugnar, visa o recorrente pôr em causa o processo de valoração da prova feito pelo Tribunal a quo, sem que, contudo, invoque a violação de qualquer dos passos para a formação da livre convicção do julgador.
No que concerne aos pontos 108.5. e 108.5.1. alega o recorrente na conclusão 92.ª que “Errou também o tribunal a quo ao dar como provado que após a saída da dita casa da (...), o A tivesse dado dinheiro ao assistente AI, como se fez consignar nos factos provados (108.5) ou que o A tivesse recebido dinheiro por ter conduzido o assistente à casa da (...), porque tendo o A negado os factos, a prova reduziu-se às declarações do AI, e quanto a estes factos o que ele declarou foi não ter a certeza de ter visto o A a receber de alguém.”
Carece, porém, de razão.
Na fundamentação de tais pontos de facto refere-se no acórdão recorrido, na pág. 1172, que o assistente AIQuanto a receber dinheiro, disse que sempre recebeu do arguido A antes de chegar ao (...), quer quando esteve com o arguido A quer quando foi à (...), mas não foi seguro quanto ao montante.
Disse, também (cfr. audiência de julgamento 5/12/05) que na sua memória não tinha a certeza de ter visto o arguido A a receber dinheiro de alguém, quando foi à (...). Mas em relação ao ele, assistente, receber dinheiro foi seguro, pois das suas declarações resulta que recebia sempre.”
E no que respeita ao recebimento de dinheiro por parte do arguido A por levar os menores aos locais onde foram abusados consignou-se no acórdão recorrido, na pág. 1197, que “O Tribunal deu como provado que o arguido A deu dinheiro ao assistente. O arguido levou o AI a esse local para a prática, por parte dos arguido C e K, de actos de natureza sexual no assistente.
Assim, tendo o assistente recebido dinheiro do arguido A após estes actos, não havendo interferência ou associação de qualquer outras pessoas aquela acção de o assistente ter recebido o dinheiro - e embora não haja qualquer admissão por parte do arguido A deste recebimento, nem registos de depósitos na conta bancária do arguido A, nem o educando viu o arguido receber o dinheiro - e tendo o Tribunal dado como assente que foi o arguido A que levou o assistente à casa na (...), é da experiência comum e da natureza das coisas, que o arguido A recebeu alguma quantia monetária  (  porque foi dinheiro o que o assistente recebeu do arguido A), por ter levado o AI
Razão pela qual o tribunal deu tal matéria como provada.”
Ou seja, o Tribunal recorrido socorreu-se das regras da experiência para concluir, e bem quanto a nós, que se o assistente AI recebeu dinheiro do arguido A para ir à casa da (...), também ele A terá recebido dinheiro, como forma de pagamento, para levar o AI e outros alunos da AX a essa casa.
Porque resulta da “natureza das coisas”, como bem refere o Tribunal a quo, isto é, o arguido A não teria pago ao assistente AI se ele próprio não recebesse dinheiro por esse serviço que lhe havia sido encomendado.
Quanto à impugnação do ponto 108.6. alega o recorrente na conclusão 98.ª que “A decisão recorrida dá também como provado (108.6) que “O arguido K sabia que o AI que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos”, sendo certo que à data em que teriam sido praticados os actos sexuais- Outubro ou Novembro de 1999, este teria já completado 13 anos, há um ou dois  meses, porque (…), e esta decisão fundamenta-se unicamente no facto de o Recorrente ser (...) (fls. 67.609) da sentença.”
Mais alega, que “(…) o facto de efectivamente o Recorrente ser (...), por si só, visto que não era (...) do AI, não permite distinguir se um rapaz tem 13, 14 ou 15 anos, visto que não há nenhum sinal característico de cada uma das idades referidas, tendo, muitas vezes rapazes de 12 anos uma maturidade prematura, assim como alguns mais velhos poderão ter aparência de ter menos idade.”
E ainda que não foi feita prova alguma “(…) que este aparentasse mais ou menos idade, nem que o Recorrente soubesse a idade do AI, tendo inclusivamente o assistente revelado em audiência de julgamento, ser conhecido pela alcunha de um herói da mitologia grega “(…)”, o que poderia indiciar que teria um desenvolvimento físico precoce. Mas o Recorrente (apesar de não o conhecer) não sabia, nem podia saber a idade do AI, nunca o consultou como (...), nunca viu qualquer documento daquele onde constasse a idade e não foi feita qualquer prova que permita suportar a afirmação que o (...) só por o ser, consegue determinar a idade de 13 anos de um rapaz, que é o fundamento do facto provado que permite o preenchimento do elemento subjectivo do tipo de ilícito, o que impunha a absolvição do Recorrente.”
Relativamente a este ponto de facto assiste razão ao recorrente.
Na fundamentação deste ponto diz-se no acórdão recorrido que o Tribunal deu como provado que o arguido K sabia que o AI tinha idade inferior a 14 anos por ser (...).
Convocamos aqui o que dissemos supra relativamente à impugnação do ponto 107.6..
A qualidade de (...) do recorrente, só por si, não permite tal conclusão.
Não resulta dos factos dados como provados que o recorrente fosse (...) do AI, ou que de alguma forma tivesse acesso aos elementos de identificação deste, nem, ainda, que tivesse conhecimentos especiais que lhe permitissem determinar com rigor a idade do assistente.
Assim, o facto de o recorrente ser (...) não permite concluir que sabia que o AI tinha idade inferior a 14 anos de idade.
Porém, essa circunstância – de ser (...) e, como tal, com conhecimentos de anatomia humana superiores à generalidade das pessoas – aliado ao facto de estar habituado a observar rapazes da mesma idade do assistente, uma vez que era (...) de família de vários alunos do (...) FA, conforme resulta do facto dado como provado sob 100.2. – já constituem elementos adicionais para se poder concluir que o recorrente admitiu como possível que o AI tivesse idade inferior a 14 anos de idade, mas ainda assim não se absteve de o sujeitar à prática dos actos sexuais descritos sob os pontos 108.3. e 108.4., actuando, dessa forma com dolo eventual.
Há, pois, que alterar o ponto 108.6. dos factos dados como provados, o qual se encontra mal julgado, passando a sua redacção a ser a seguinte:
“108.6. O arguido K admitiu como possível que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.”
Na análise das penas parcelares será ponderada em que medida a alteração deste ponto de facto poderá influir na sua concreta determinação.
Relativamente à impugnação dos pontos 110. a 110.9. da matéria de facto dada como provada alega o recorrente na 105.ª conclusão que “O tribunal a quo deu como provado que o Recorrente deu (...) no (...) do em 1997 (110.2) mas está documentado nos autos que o Recorrente deixou de acompanhar os alunos de FA, enquanto (...) de família, no ano de 1996, fls. 44.660 a 44.666 – carta do arguido K, do Centro de Saúde (…), extensão da (...) (…), para Directora FA, Dra. RN, por causa da questão da autorização para fazer análise a utentes (13/04/96); Carta da AX para K, sobre a questão das análises, pois está em causa também o laboratório (25/09/96); Carta da K para Directora FA, em resposta carta que antecede, em que ficará apenas disponível para situações de urgência (25/9/06); e carta de 26/9/96 de K para Directora FA, sobre questão de análises, por Dr. HY  não deixar os educandos fazerem as análises requisitadas por K ...sendo seu desejo continuar com as boas relações que sempre tem tido com AX; o que é suportado pelas declarações da testemunha ZQ (a.j. de17.09.2007), que começou a exercer a sua qualidade de médica na AX, BF, entre de 1996 a 2001, passando ela, enquanto (...) geral a ver os alunos deste (...) que apenas iam ao (...) do (…) em situações de urgência.”
Dir-se-á no que a esta alegação respeita que no ponto 110.2. dos factos provados apenas consta que “O arguido K, em 1997, deu (...) no (...) (...) sito na (...) (…), em (…), sendo aí levados os alunos da AX do (...) FA, por se situar na área de intervenção.” Não se diz nesse ponto de facto que as (...) dadas nesse ano aos alunos da AX foram-no na qualidade de (...) de família.
Ou seja, tais (...) podiam ter sido dadas no âmbito das referidas situações de urgência a que aludiu a testemunha ZQ.
De resto, da análise dos documentos de fls. 44660 a 44666 nem sequer resulta que o recorrente tenha efectivamente deixado de ser (...) de família dos utentes da AX do (...) FA no Centro de Saúde da (...) (…), dado que na última carta – a datada de 26/9/96, junta a fls. 44665 a 44666 – o recorrente manifesta o seu desejo de continuar a manter as boas relações que sempre tinha tido com a AX, desconhecendo-se como finalizou o “diferendo” que a troca de correspondência, entre si e a Directora do (...) FA, leva a crer ter existido.
A verdade é que, conforme resulta do documento de fls. 35547 verso, em 16/12/97 foi passada credencial pelo recorrente para o assistente AC fazer uma TAC e já nessa altura a testemunha ZQ exercia funções como médica de (...) geral no (...) FA, desde Junho ou Julho de 1997 (e não desde 1996 como alega o recorrente, dado que a testemunha em audiência, após ter referido inicialmente esse ano, corrigiu o seu depoimento, tendo dito que afinal celebrou o contrato, em regime de avença, com a AX em 1997, o qual terminou em 28/1/2002).  
O facto de não existirem registos das (...) no Centro de Saúde da (...) (…), no ano de 1997, não invalida que as mesmas tenham sido realizadas pelo recorrente, conforme consta dos pontos 110.2. e 110. 3. dos factos provados, o que foi confirmado pelas testemunhas QF e AAO.
A testemunha ZQ nos anos de 2000 e 2001 ainda exercia as funções de médica no (...) FA e, no entanto, o recorrente em 17/5/2000 e 22/1/2001 deu (...) ao assistente AC no Centro de Saúde da (...) (…), como resulta de fls. 3092 a 3093, pese embora, de acordo com a ficha de inscrição, junta aos autos a fls. 54480, o seu (...) de família fosse nessa altura o Drº HHA.
A respeito destas (...) em 2000/2001 alega o recorrente que aos julgadores de 1.ª instância deveria ter causado alguma estranheza o facto de o assistente não se ter recusado a ir a essas (...), visto ter sido abusado três anos antes, o que revelaria alguma coerência intrínseca nas suas declarações.
Não se nos afigura assim tão estranha essa falta de recusa, pois que a mesma implicaria necessariamente indicar o motivo, ou seja, contar a terceiros, designadamente, à sua educadora, que havia sido vítima de abuso sexual por parte do recorrente, o que o assistente nunca quis revelar, como referiu em audiência, pela vergonha que isso lhe causava.
Alega o recorrente que no ponto 110.4. o Tribunal a quo não esclarece o que foi manipulado, dando como provado que “manipulou-lhe”.
É por demais evidente que se trata de um manifesto lapso, faltando no ponto em causa a palavra “o pénis” por referência ao “manipulou-lhe” e que constava da pronúncia.
Cumpre corrigir tal lapso, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, passando o ponto 110.4. a ter a redacção seguinte:
“110.4. Durante, pelo menos, duas das (...) referidas nos pontos “110.3.” dos factos provados, o arguido K disse a AC para despir as calças e as cuecas, que se deitasse na marquesa e manipulou-lhe o pénis, enquanto, simultaneamente, o AC mexia no pénis do arguido, a seu pedido, também até à ejaculação.”
Alega, ainda, o recorrente, que era impossível abusar sexualmente do assistente AC no Centro de Saúde da (...) (…) porquanto o assistente estava sempre acompanhado durante as (...) pela respectiva educadora, além de que era seu hábito dar as (...) com a porta entreaberta, conforme referiram as testemunhas WX e BBV, ambos enfermeiros naquele centro no período em questão.
No que respeita ao facto de o recorrente ter por “hábito” dar as (...) com a porta entreaberta não se pode retirar a conclusão que o recorrente nunca deu (...) com a porta fechada.
Tal “hábito” não seria impeditivo de, por vezes, o recorrente fechar a porta no decurso de algumas (...).
Relativamente ao acompanhamento feito pela educadora do assistente AC às (...), no ano de 1997, consignou-se na motivação do acórdão recorrido, nas págs. 921 a 922, que “A testemunha QF confirmou ter sido educadora em FA desde Fevereiro de 1997, substituiu a educadora YZ no acompanhamento dos educandos ao (...). Lembra-se de AC, mas não se recorda de ter sido falado alguma coisa em especial.
Confirmou que quando entrou em Fevereiro de 1997 o (...) de família dos educandos de FA era o arguido K e pensa que nessa altura não havia mesmo (...) no (...). Confirmou ter acompanhado AC à consulta do arguido neste ano.  
Tendo começado por dizer que os educandos iam sempre acompanhados pela educadora à consulta, disse que podia suceder serem acompanhados por um aluno mais velho e o educador ir lá ter. Isto vai no sentido do depoimento da testemunha  AAO,  irmã do assistente e que também esteve internada no (...), que disse ao tribunal ter acompanhado o  seu irmão e outros educandos, à consulta do Dr. K e sem a educadora (…)”
Confirmou que no ano de 1997 o levou várias vezes à consulta do arguido, embora não saiba explicar porque é que não está registado nos documentos de fls. 35.537 e segs. que lhe foram exibidos. Esta parte do seu depoimento teve especial relevância, pois resultou claro que estas (...) a que o acompanhou e das quais não viu o registos, não eram (...) por causa da asma, ou dos problemas de visão que AC tinha, pois nestas problemáticas não era o arguido K que o seguia. E o recordar-se que foram várias (...) afasta que estivessem em causa apenas (...) de rotina, pois estas – como a sua colega tinha dito - faziam no início do ano escolar, o que tem sentido.
E esta particular parte do seu depoimento, associada ao teor do documento de fls. 35.547 vº, levou o Tribunal a dar como plausível e, em consequência, suficientemente assente, que os factos relatados por AC passaram-se de facto em 1997.
O facto de ter dito que sempre acompanhou os educandos, face ao que disse também a irmã do assistente, não exclui a possibilidade de o que o assistente relatou ter ocorrido e ter estado na consulta sózinho com o arguido.
Os educadores explicaram que iam com vários educandos à consulta e é da experiência do dia a dia, de quem vai com crianças ao (...), que entre a ida à casa de banho de um, entre uma qualquer inscrição que fosse necessário fazer, ou carimbo de receita ou documento ( estamos a falar de 1997), ou pós consulta com a enfermeira de um outro educando, que a situação de um educando poder ter estado sozinho na consulta, como o AC diz que esteve, ocorresse.”
Mostra-se, pois, devidamente fundamentada a convicção do Tribunal a quo quanto à possibilidade de o assistente AC ter ficado sozinho com o recorrente nas (...) que referiu e de se terem verificado os abusos nos termos por si relatados.
Fundamentação essa que está feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 127.º do CPP, sobre o qual tivemos oportunidade de nos debruçar, em termos gerais, na apreciação do recurso inter(...) pelo arguido C da decisão final, considerações que nos dispensamos de aqui e agora repetir, mas que convocamos por serem de interesse comum a todos os recursos.
Alega também o recorrente na conclusão 115.ª que “Ainda que o assistente diga que o Recorrente teria mexido no seu pénis durante alguma consulta (com ou sem luvas), o que o Recorrente nega, e que tal tivesse ocorrido aos 9/10 anos, a médica ZQ em audiência, confirmou que a palpação dos testículos e, observação do pénis, faz parte dos procedimentos nos exames no estádio pubertário completo, o que é confirmado pelos documentos de fls. 52.814/856, que é o manual de “Saúde Infantil e Juvenil Programa – Tipo de Actuação” emitido pela Direcção Geral de Saúde com as orientações técnicas que resultavam do Tratado de Medicina de Família, confirmado também pelo Tratado de Medicina de Família, de RAKEL, 5ª edição, de 1997, junta a fls.52.857/9 dos autos.”
Porém, o que resulta dos factos dados como provados sob o ponto 110.4. e das declarações do assistente AC, prestadas no decurso da audiência de julgamento, não é que o recorrente se limitou a mexer no seu pénis, mas que o recorrente manipulou-lhe o pénis, “enquanto, simultaneamente, o AC mexia no pénis do arguido, a seu pedido, também até à ejaculação.” 
Tais práticas não vêm previstas no Manual e Tratado citados pelo recorrente como fazendo parte dos procedimentos (...)s a observar no “exame no estádio pubertário completo”, nem em quaisquer outros tratados ou manuais, como o recorrente K bem sabe.
Procura, ainda, o recorrente pôr em causa a credibilidade do relato dos abusos feito pelo assistente AC socorrendo-se da perícia à personalidade que a este foi realizada em Março de 2008 – Apenso Z-11 – visando responder à sua capacidade para testemunhar, da qual consta a conclusão que “Somos de opinião, que para o caso em apreço, em decorrência da estrutura psíquica do examinado, deve ser visto com reservas a sua capacidade de testemunhar.”
Porém, o Tribunal a quo teve em atenção o resultado dessa perícia na avaliação que fez da credibilidade que as declarações do assistente AC lhe mereceu, conforme consta da motivação do acórdão recorrido, referindo-se na pág. 908 que as conclusões constantes da perícia do Apenso Z-11 impuseram particular atenção à forma como as mesmas eram prestadas, para vir a concluir, em termos gerais, no que às declarações deste assistente dizia respeito, que “A insistência em audiência, a necessidade que por vezes é perceptível nas vítimas que são ouvidas em audiência, para contar coisas, de modo a que quem as está a ouvir acredite nelas, podia ter levado AC a preencher, a ir mais além do que foi.
Mas, dentro da sua fragilidade, que mesmo através da videoconferência foi perceptível para o Tribunal, disse o que, para o tribunal, conseguiu recordar.
Para o tribunal a sua atitude não foi de quem esteve a contar uma coisa inventada, até porque não tinha, para nós – e lembramos as conclusões constantes da perícia do Apenso Z-11 – a argúcia e estrutura necessária para, com a simplicidade com que acabou por falar, fazê-lo da forma que fez.”
E, mais concretamente no que aos abusos perpetrados pelo arguido K concerne, vir o Tribunal a quo a concluir sobre a credibilidade que as declarações deste assistente lhe mereceu, que “Sem deixar de ter em atenção as fragilidades que à partida estavam apontadas a este assistente, em audiência teve um discurso, uma forma de explicar, que fez sentido, que para o tribunal deu a sensação e a percepção de relato de algo vivenciado. Pela instância e contra instância a que foi sujeito, pelas particulares e especificas perguntas que foram feitas pela Defesa do arguido K e pela forma explicativa e adequada à realidade como respondeu, não ficámos com dúvidas quanto à vivência dos factos que estão em causa neste momento.”
Cremos, pois, que se mostram bem julgados os pontos 110. a 110.9. da matéria de facto dada como provada, face à conjugação das provas produzidas e análise que delas foi feita pelo Tribunal a quo.
Impugna, ainda, o recorrente os pontos 111. a 112.9. da matéria de facto dada como provada, relativos aos assistentes X e AP.
Porém, pela prática desses factos (correspondentes aos capítulos 5.1 e 5.2.1 da pronúncia) não foi o recorrente condenado por qualquer ilícito criminal, nem o podia ser na medida em que por eles não foi acusado e/ou pronunciado.
Na verdade, no que concerne aos factos que seriam susceptíveis de fazer incorrer o arguido K na prática de crimes de abuso sexual de crianças nas pessoas dos assistente AP e X foi determinado o arquivamento dos autos por não ter sido exercido tempestivamente o direito de queixa – fls. 13492  a 13493 e 13494 a 13495 dos autos.
Tais factos apenas foram vertidos na acusação e, subsequentemente, na pronúncia, na medida em que configuravam crimes de lenocínio imputados ao arguido A.
E só nessa medida foram conhecidos e dados como provados no acórdão recorrido – por configurarem crimes de lenocínio pelos quais o arguido A veio a ser condenado.
Relativamente a esse segmento da decisão proferida sobre a matéria de facto carece o recorrente de legitimidade e/ou interesse em agir para a impugnar na medida em que não foi proferida contra si, nem lhe é desfavorável – arts. 61.º, n.º 1, al. i), e 401.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.
Como bem refere o Magistrado do Ministério Público na resposta a este recurso “(…) seria absurdo que o Arguido, não podendo recorrer, nos casos em que foi absolvido, por factos pelos quais tivesse sido pronunciado, pudesse fazê-lo naqueles outros em que nem acusado/pronunciado foi.”
Assim sendo, não irá este Tribunal ad quem conhecer da impugnação feita pelo recorrente K da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada relativa aos pontos 111. a 112.9..
Termos em que se julga, nos termos supra ex(...)s, parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
l)- Medida concreta das penas parcelares e única
Alega o arguido K na 145.ª conclusão que “O tribunal a quo fez ainda errada aplicação do regime previsto no art. 71ºdo C.Penal, pois apesar de se ter orientado pelo dois critérios ali fixados, a culpa do agente e as exigências decorrentes do fim preventivo geral especial ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade, entendeu que a culpa se apresenta em elevado grau, e que se verificava especial censurabilidade em cada ilícito pelas circunstâncias que rodearam a prática dos actos como pelo aproveitamento da sua condição como (...), no entanto, esta sua qualidade apenas poderia agravar a sua culpa relativamente aos factos que integram o ilícito criminal em que é ofendido AC, porquanto se deveu como provado que estes teriam ocorrido no Centro de Saúde e enquanto no exercício da sua profissão. Não em relação aos demais.”
Mais alega que “(…) sendo o bem o bem jurídico protegido pelos crimes por que o Recorrente veio condenado, a autodeterminação sexual, sendo irrelevante para efeitos do preenchimento objectivo e subjectivo dos pressu(...)s do crime, a verdade é que para efeitos de determinação do grau de ilicitude e da culpa, deveria ter sido tomado em conta a idade dos menores, dois com idades próximas dos 14 anos, nas franjas do limite máximo da idade “protegida”, bem como o facto de se tratar, pelo menos em relação ao AI e ao AT, de jovens sexualmente activos, que se dedicavam às prostituição, circunstâncias que deveriam ter sido ponderadas para apuramento da medida concreta da pena, atenuando-a.”
E ainda que “Acresce que a qualificação do dolo como directo, como alegado a propósito de cada um dos crimes em particular, com excepção do crime que teria por ofendido o AC, pressupõe que o Recorrente teria conhecimento da idade dos menores, o que não ficou provado, remetendo a sentença para a sua condição de (...), como fundamento bastante para conhecer a idade dos menores.”
Para vir a concluir “Pelo que não tendo a culpa e grau de ilicitude dos factos sido objecto da devida valoração pelo tribunal recorrido, a pena concreta foi indevidamente calculada, por excesso, tendo a sentença, também nesta parte, violado as regras processuais penais - art. 71º do C. Penal.”
Por sua vez o MP no recurso por si inter(...) do acórdão final pede um agravamento das penas parcelares e pena única nos termos seguintes:
“125.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDO K :
- 1.  Com referência  ao Capítulo “4.4.2”, do Despacho de Pronúncia :
            - 1 (um) crime previsto no artº 172º, nºs. 1 e 2,  do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (não obstante o que se assinalou em “G2.1)”.
- 2.  Com referência  ao Capítulo “4.4.4”, do Despacho de Pronúncia :
            - 2  (dois)  crimes previstos no artº 172º, nº 1, do C. Penal, na redacção do DL 48/95, de 15 de Março, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes.
- 3.  Com referência  ao Capítulo “4.4.1”, do Despacho de Pronúncia:
- 1 (um) crime previsto no artº 172º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos de prisão;”
Vejamos.
No que respeita aos critérios a observar relativamente à determinação da medida concreta das penas parcelares e pena única convoca-se aqui tudo o que ficou dito supra na apreciação que fizemos do recurso do acórdão inter(...) pelos arguidos C e E.
Convoca-se igualmente tudo o que a propósito da análise desses recursos foi transcrito do acórdão recorrido e que diz respeito, de forma genérica, a todos os arguidos.
Importa agora atentar ao que no acórdão recorrido se refere especificamente quanto à determinação das penas parcelares a impor ao recorrente K.
Aí se refere, na pág. 1675:
“Relativamente ao arguido K e mais uma vez tendo em conta premissas semelhantes, importa considerar que a respectiva culpa apresenta-se também em elevado grau.
Verifica-se, quanto a si, especial censurabilidade em cada ilícito, assente também nas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos, mormente tendo em conta o manifesto aproveitamento das especiais condições de vulnerabilidade das vítimas, mas também tendo em conta o aproveitamento da sua condição enquanto (...), factor de algum modo determinante na ausência de qualquer suspeição inicial sobre si por parte das vítimas, mas antes condição de aproximação.
Também quanto a este arguido a dimensão global da ilicitude é intensa, como “supra” defendido quanto aos demais arguidos.
O dolo foi directo.
A sua postura em julgamento não foi de todo colaborante, mas antes de negação perante os graves factos de que vem acusado.
Revelou também ausência de arrependimento e/ou interiorização da ilicitude da sua conduta, o que igualmente não se confunde, à semelhança do arguido E, com a sua alegada homossexualidade, precisamente por estarem em causa realidades bem diversas não confundidas por este Tribunal.
A favor do arguido K temos a sua integração social e económica, igualmente não suficiente para justificar uma mudança da sua parte, mas antes facilitando a prática dos ilícitos por si cometidos.
São evidentes os laços familiares que nutre com o seu agregado familiar. São evidentes os apoios que a esse nível dispõe.
A falta de antecedentes criminais, atenta a natureza dos crimes, não afasta de igual modo quanto a si as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se justificam.”
Vindo a final o arguido K a ser condenado nos termos seguintes:
“E - Arguido K:
I - 1. (Com referência  ao capítulo 4.4.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
            a) 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e  2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. (Com referência  ao capítulo 4.4.4, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AC:
            b) 2  (dois)  crimes p.p. 172º, nº 1, do C.Penal, praticados pelo arguido,  na versão em vigor à data da sua prática ( Dec.Lei nº. 48/95, de 15 de Março), na pena de 3 (três) anos de prisão, para cada um dos crimes.
3. (Com referência  ao capítulo 4.4.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AT:
c) 1 ( um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1  e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 ( quatro) anos e 6 (seis) meses  de prisão.
II - Em CÚMULO, condenar  o arguido K na pena única de 7 (sete) anos de prisão.”
Há, porém, que referir o lapso de escrita que o acórdão recorrido possui na pág. 1687 ao referir-se a pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão relativamente ao crime praticado na pessoa de AI, quando o que resulta da fundamentação geral do acórdão é que a pena pela prática desse crime é de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, conforme consta do dispositivo.
Na verdade, não foi referida no acórdão recorrido qualquer circunstância que levasse à diferenciação da pena a impor relativamente ao mesmo tipo de crime praticado pelo arguido na pessoa do AT, sendo que por este crime foi-lhe fixada a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
Trata-se, pois, de manifesto lapso de escrita, que vai ser corrigido por este Tribunal ad quem, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, passando a ler-se no ponto 5.3.5. da pág. 1687 do acórdão recorrido, em conformidade com o que consta no dispositivo, o seguinte:
5.3.5. Com referência  aos crimes pelos quais cumpre condenar o arguido K:
1. (Com referência ao capítulo 4.4.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
            a) 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98).     
Segundo o recorrente a sua qualidade de (...) apenas poderia agravar a sua culpa relativamente aos factos que integram o ilícito criminal em que é ofendido AC, porquanto se deu como provado que estes teriam ocorrido no Centro de Saúde e no exercício da sua profissão. Não em relação aos demais.
Carece, porém, de razão.
Na verdade, a sua qualidade de (...) agrava a sua culpa em termos gerais, porquanto é portador de um maior conhecimento sobre as consequências dos abusos sexuais no normal desenvolvimento das vítimas e na formação das suas personalidades, sendo-lhe, por isso mesmo, mais exigível a não adopção dos comportamentos delituosos que foram dados como provados. 
Alega também o recorrente que o Tribunal a quo não teve em atenção para efeitos de determinação do grau de ilicitude e da culpa a idade dos menores, dois com idades próximas dos 14 anos, nas franjas do limite máximo da idade “protegida”, bem como o facto de se tratar, pelo menos em relação ao AI e ao AT, de jovens sexualmente activos, que se dedicavam à prostituição.
Quanto ao facto de se tratar de jovens sexualmente activos, que se dedicavam à prostituição, tal não resulta dos factos provados.
Em relação à idade das vítimas à data da prática dos factos – uma delas com 13 anos e a outra com 13 anos e 6 ou 7 meses – pese embora a ela não se refira expressamente o acórdão recorrido, foi certamente sopesada na medida concreta das penas parcelares, caso contrário as mesmas não se situariam, como situaram, no terço médio acima do seu limite mínimo.
No que concerne à circunstância de se ter dado como provado – em função das alterações introduzidas à matéria de facto por este Tribunal ad quem no âmbito do conhecimento da impugnação que dela fez o recorrente – que o arguido K agiu com dolo eventual, no que à idade dos assistentes AT e AI respeita, dir-se-á que pouca relevância adquire na determinação da medida concreta das penas parcelares relativas aos crimes em que são vítimas estes dois assistentes, uma vez que o dolo continua a ser directo no que concerne aos demais elementos da acção típica, apresentando-se, na globalidade, muito intenso.
Cremos, pois, que foram bem doseadas as penas parcelares e única impostas ao recorrente K, as quais devem ser mantidas, improcedendo, nessa medida, o recurso por este inter(...), bem como o recurso inter(...) pelo MP.
m)- A condenação em indemnização civil
Alega o recorrente que “Ainda quanto aos pedidos, verifica-se falta de fundamentação quanto à existência de um nexo causal entre os actos sexuais e os su(...)s danos, bem como não estão minimamente fundamentados os pressu(...)s para o cálculo do “quantum” indemnizatório.”
Carece, porém, de razão.
Resulta dos factos dados como provados que os assistentes/demandantes AC, AT e AI foram objecto de abusos sexuais por parte do recorrente K.
Resulta também dos factos dados como provados que o arguido K sabia que os actos de natureza sexual a que submeteu os referidos assistentes/demandantes prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico e que influíam negativamente na formação das respectivas personalidades.
Resulta, ainda, da factualidade dada como provado que o arguido K actuou de modo voluntário, livre e consciente com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos.
Mais resulta provado que em consequência dos abusos de que foram vítimas os referidos assistentes tiveram medos, temores.
E, ainda, que o arguido K é (...) de profissão, tem rendimentos mensais provenientes da sua actividade profissional, em regime liberal, no montante de € 6.000,00 e despesas fixas mensais, incluindo da sua estrutura profissional, no montante de € 3.500,00.
Na fundamentação do acórdão recorrido, na parte relativa ao conhecimento dos pedidos de indemnização civis deduzidos nos autos, após a enunciação dos preceitos legais em que se baseia a obrigação de indemnizar, refere-se nas págs. 1699 a 1700, o seguinte:
“ 2.1. Mas, tendo por sua vez em atenção os factos que resultaram provados, a sua natureza e extensão, o dis(...) no artº 496º, nº 3 e 494º, do C.Civil,  tendo em consideração a situação económica os demandados, há que:(…)
b)  Condenar o arguido/Demandado K  a pagar a cada um dos demandantes AC, AI e AT,  o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais, absolvendo quanto ao demais pedido.”   
Mostra-se, pois, estabelecido na decisão recorrida o nexo causal entre os comportamentos delituosos do recorrente e os danos morais produzidos nos assistentes AC, AI e AT, bem como o fundamento legal em que se baseia a obrigação de indemnizar tais danos.
Indemnização essa que foi fixada de acordo com o critério estabelecido na lei – o critério da equidade – cujo quantitativo teve em conta o grau de culpabilidade do recorrente (elevado), bem como a sua situação económica (razoável) e dos lesados (precária).
Convocamos aqui as considerações e jurisprudência citada sobre a mesma questão na análise que fizemos do recurso inter(...) pelo arguido E
O montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) arbitrado a cada um dos supra referidos assistentes como compensação dos danos morais por estes sofridos, decorrentes de medos e temores por força de actos de abuso sexual de que foram vítimas quando ainda crianças e das inevitáveis sequelas no seu normal desenvolvimento físico e psicológico, parece-nos, pois, justo e adequado.
Razão porque, nesta parte, improcede o recurso do arguido K.
D) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELO ARGUIDO N (incluindo o recurso do MP no que concerne à medida das penas parcelares e única)
1. Da motivação do recurso extrai o arguido N as seguintes (transcritas) conclusões:
1.         A MATÉRIA DADA COMO PROVADA NOS PRESENTES AUTOS INSUFICIENTE
PARA A DECISÃO - artigo 410 n. º 2 a) DO CPP leitura da matéria de facto dada como provada, sendo impossível extrair a lógica, o momento através do qual seria possível aos arguidos preparar o local dos factos criminosos, articular-se para poder perpetrar os actos sexuais, é impossível decidir-se como se decidiu. Há um vazio de percurso no raciocínio entre os factos provados e a decisão que não permite dar suporte e sentido à mesma, nos termos em que vinha delineada pela pronúncia. Ou seja, da leitura dos factos dados como provados decorre, apenas e só, que os assistentes, em dias e horas, não concretamente apurados, estiveram na (...) (…), n.º(…), e que foram sujeitos a determinadas práticas sexuais.
2.         Mas, atentas as especificidades dos factos sujeitos a julgamento, nomeadamente o facto do local de abuso distar a mais de 200 kms dos (...)s onde se encontravam os assistentes, de o local dos abusos ser uma residência familiar, da circunstância de ter de existir, necessariamente, articulação entre os arguidos para que se perpetrassem os actos, o Tribunal teria que explicitar na factologia dada como provada - em ordem a proferir uma decisão de condenação ­os modus operandi que permitiriam que o crime tivesse tido lugar. São pressu(...)s dos próprios factos em si. A não ser assim, verifica-se, como se invoca, a insuficiência da matéria de facto que permita a decisão de condenação.
3.         Por outro lado, existe factualidade que resultou da discussão da causa e não consta quer dos factos provados, quer dos não provados, sendo certo que também se não faz qualquer referência sobre a sua desnecessidade para a boa decisão da causa ou o entendimento de que não constituem factos, nomeadamente, a que resulta dos seguintes meios de prova:
4.         Documentos constantes nos Apensos ABA-B, Pasta 6, EB, CK, V, caixa 2, resposta ao ofício 2849, fls. 4256, fls. 10471, Apenso CL, pasta 3, fls. 932; Depoimento de EM, educador, dia 17/5/2006, a seguinte transcrição do seu depoimento gravado em suporte magnético, conforme exarado em acta, Fls. 49645 dos autos, Apenso W12, 1º Volume e ainda súmula enviada pela AX a fls. 28360 a 28365, Apenso Z-17,fls. 7, nota de 23/12/99, Apenso EB, fls. 111; 113,115, Apenso V, caixa 2, diskete 1, resposta a oficio 2849, Apenso EB fls. 117, fls. 166, Apenso ABA-B, pasta 6, fls. 1158 e seguintes, Apenso EB, fls. 118, Depoimento de VU; dias 17/11/2006 e 23/11/2006, conforme acta e depoimento gravado nos CDs 1,2, 3 e 4 Depoimento de IH; ouvida em AJ de 11/10/2006, conforme gravação no CD 1, 4ª faixa, Depoimento de OS; ouvido em AJ de 17/10/2007, cujo depoimento se encontra gravado em OVO, de 1h04mn a 1h32mn, Apenso EB fls. 121; 123, 124, 125, 126, 127, 130, 131, 167, 128, 133, Apenso CK fls. 207 a 213, 217/ a 222, 227, 237, 10398 Volume 49, Depoimento do Prof. Dr. EEW dos dias 12 de Maio de 2008 e 30 de Maio de 2008, conforme depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital e documentação aí junta, Exame de fls. 4643,
5.         O que impõe o reenvio do processo para novo julgamento, conforme o dis(...) nos artigos 410 n.º 2 a) e 426º do CPP.
Se assim não se entender;
6.         ERRO NOTÓRIO NA APREClAÇÂO DA PROVA_ Violação do Principio in dúbio pró reo_ artigo 41Oº n.º 2 c) do CPC
(...) O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza devia ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece a dúvida final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio politico jurídico da presunção da inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus da prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade.“ 7.         Não foi que sucedeu nestes autos. Condenados em praça pública ao longo de oito morosos e extenuantes oito anos, os arguidos vieram a ser condenados, mesmo quando, quanto mais não fosse, se impunha a dúvida sobre a sua culpabilidade. Este erro dantesco por parte do Tribunal é bem patente á medida que o texto da decisão se vai desenvolvendo. E, é perceptível, do próprio texto da decisão, a qualquer homem medido que o Tribunal não decide com base naquela certeza que é permitida aos Tribunais. O Tribunal, equacionando pagina após página a dúvida, a ausência de explicações lógicas, razoáveis, de acordo com a experiência e o senso comum...movimenta-se circularmente, num esforço vão, de se auto convencer dos factos, escudando-se por detrás de expressões vagas e vazias de conteúdo, como "eco" dos acontecimentos, "ressonância emocional"....
8.Contudo, na dúvida, o Tribunal decidiu contra o arguido e incorreu na violação do Principio in Dúbio Pro Reo, que se engloba no erro notório da apreciação da prova e impõe o reenvio do processo para novo julgamento, conforme o dis(...) nos artigos 410 n.º 2 c) e 426º do CPP.
Se ainda assim não se entender,
9. Relativamente ao menor AI, imputando um crime de abuso sexual ao arguido H e um crime de lenocínio p.p. pelo artigo 176º n.º 1 do CPenal na versão conferida pela Lei 65/98 de 2.09, ao arguido recorrente, e por referência ao capítulo 6.7.2 do despacho de pronúncia, o Tribunal deu como provado que:
125. Num dia indeterminado do último trimestre de 1999, antes do Natal, o arguido A marcou encontro com o menor AI, então com treze anos de idade, junto à garagem de CZ, para um dos dias seguintes.
125.1. No dia combinado o AI chegou ao local do encontro, tendo o arguido A aparecido com uma das carrinhas (…) da AX de (…) lugares, após o que foram apanhar pelo menos mais dois menores;
125.2. Tendo seguido para a cidade de (...), para casa da arguida Q, para que os menores aí fossem sujeitos a práticas sexuais por indivíduos adultos do sexo masculino.
125.3. Ao chegarem à (...), os menores e o arguido A foram recebidos pelo arguido N.
125.4.No interior da (...) encontravam-se os arguidos N, H e mais dois adultos que não foi possível apurar. - Pagina 171 do Acórdão (…)
10. Contudo, no despacho de pronúncia tais factos têm lugar a um Sábado;
11. O Tribunal não comunicou ao arguido, nos termos do dis(...) no artigo 358º ou 359º do CPP[1] qualquer alteração aos factos descritos na pronúncia. O Tribunal, em sede de deliberação, também não deu cumprimento ao preceituado no n.º 3 do artigo 424º do CPP.
12. O arguido apresentou e orientou a sua defesa, parece até que única via de defesa possível no caso destes autos, no sentido de demonstrar que, naquele Sábado em concreto, não era possível ter cometido o crime de lenocínio que lhe foi imputado. E juntou aos autos documentação nesse sentido, v.g. a constante dos Apensos EB e CK, bem como arrolou testemunhas que depuseram especificamente sobre factos relativos aos Sábados indicados no despacho de pronúncia, entre os quais os relativos ao assistente AI, tentando o arguido demonstrar que não estava no local nos dias indicados e como tal, não poderia ter praticado o crime.
13. O Tribunal ao dar como provado que os factos descritos no capitulo 6.7.2 da pronúncia relativos ao AI, tiveram lugar a um dia indeterminado trimestre do ano de 1999, em vez de, num Sábado, previamente combinado num dia indeterminado do ultimo trimestre do ano de 1999, incorreu numa nulidade, cuja declaração e consequências se requerem.
14. A alteração em causa, configura, sem dúvida, pelo menos, uma alteração não substancial de facto, com relevo para a decisão da causa e, como tal, obrigatoriamente, comunicada à defesa.
Com efeito, a alteração não substancial de factos será aquela modificação da factualidade ou modificação da qualificação jurídica que não seja essencial, em virtude do substrato fundamental já se encontrar descrito na acusação ou n a pronuncia.
15. Mas, no caso concreto, outras nuances há a considerar:
Na verdade, um momento diferente da prática das infracções que prejudique a estratégia de defesa pode implicar uma alteração substancial dos factos descritos na acusação. Com efeito, meras rectificações do local ou do tempo dos factos seriam irrelevantes, SE NÃO DIMINUISSEM AS GARANTIAS DE DEFESA[2], como se verifica no caso concreto.
16. A acusação tal como é vertida funciona como uma garantia para o arguido, uma garantia de que é daqueles factos, da forma como são narrados, e não outros que tem que se defender, que tem que orientar a sua estratégia de defesa.
17. Verifica-se nestes termos a nulidade parcial do Acórdão, nos termos do dis(...) no artigo 379º, nº1 b) do C.P.P, por violação do dis(...) no artigo 358º e 424º n.º 3 do CPP, devendo os autos regressar á primeira instância para ser dado cumprimento ao dis(...) no artigo 358º do CPP.
Se assim não se entender;
18. Nulidade do Acórdão por violação do dis(...) no artigo 379º n.º 1 a) do CPP e 127º do CPP.
18. A sentença deverá constituir um todo que, lógica e coerentemente, conduza ao conhecimento do raciocínio feito pelo julgador para chegar às conclusões que chegou.
19. Deve ser clara e persuasiva.
20. O acórdão em crise, salvo o muito e devido respeito, é obscuro e ininteligível na sua fundamentação, que se revela, além disso, pouco sólida, equivalendo a ausência de fundamentação.
21. O Tribunal recorre à generalização da matéria acusatória, não se debruçando em concreto sobre a prova produzida, não fazendo um exercício crítico de análise das provas apresentadas - quer as da acusação, quer as da defesa.
22. Embora sujeita a prova, nos termos do dis(...) no artigo 127º do CPP ao principio da Livre Apreciação, a verdade é que:
23. A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional "puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação" - cfr. Prof. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal,1,            43. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material” [3]
24. O Colectivo estriba-se numa expressão vazia e irracional que os factos dados como provados são limitados ao período em que o Tribunal teve a certeza para além da dúvida razoável, que há correspondência entre a situação concreta que o assistente relata e o que são factos objecto deste processo.
25. O Tribunal não reproduz o caminho lógico e racional através do qual atingiu essa certeza, limitando-se a dizer que, criou a convicção que os factos com o arguido N passaram-se, o que equivale, salvo o devido respeito, a dizer nada, conforme desenvolvemos mais pormenorizadamente em sede de motivação.
26. São conhecidos por todo o mundo casos de falsas denúncias de abusos sexuais.
Com as características deste processo, em que é a própria histeria da comunicação social que faz nascer um inquérito judicial, existem também vários casos no mundo inteiro.
27. Há sinais, que desde logo, deviam ter alertado para o que veio a suceder nestes autos, há sinais claros e evidentes que a investigação foi mal conduzida, que existiu precipitação por parte dos investigadores.
E tudo isto concorre para a impugnação da matéria de facto:
28. A pertinência de, nesta sede, fazermos uma análise, tanto quanto possível, exaustiva de ocorrências anómalas e/ou duvidosas, bem como ausência de métodos de investigação dirigidos adequados a este tipo de investigação, que tiveram lugar durante o inquérito que precedeu a acusação, prende-se, não só com o facto do Tribunal recorrido, face às linhas de defesa apresentadas pelos arguidos, ter tido a necessidade de, ao longo do acórdão (conferir página 792 e seguintes do acórdão) efectuar uma análise à postura dos elementos da Policia Judiciária durante a investigação, que, no entender do mesmo Tribunal recorrido, excluiu a hipótese de "manipulação ou contribuição para a criação de uma história".
29. Com que, obviamente não concordamos, mas também de demonstrar que o inquérito se encontra pejado de precipitações que contribuíram para a dedução de uma acusação totalmente infundada, infundamentada e inverosímil.
30. A questão é substancialmente diferente daquela que é colocada pelo Tribunal recorrido.
31. Que possam não existir indícios directos ou indirectos de industriação, manipulação e preparação de prova...até podemos admitir. Mas seguramente, compulsado o inquérito, há indícios - indícios fortes - de, pelo menos, total precipitação, negligência, desistência de linhas de investigação aparentemente tão credíveis como outras - sem qualquer motivo patente e plausível, conforme desenvolvido nos pontos sob o capítulo IV da motivação "O Inquérito".
32. Poderão tais indícios concorrer para absolvição dos arguidos, em concreto para a absolvição do arguido recorrente? Certamente, que pelo menos criam num espírito isento e imparcial a dúvida sobre o cometimento dos actos, em virtude de a aquisição originária da prova, ser ela própria, um rol de incoerências. E a dúvida impõe a absolvição.
33. Com efeito, o Tribunal fez uma avaliação superficial e genérica da actuação da Policia Judiciária, bem como dos elementos de prova pré adquiridos na fase de inquérito, que não contemplou, precisamente, factos que podem/devem suscitar dúvidas.
34. Levantam-se-nos também dúvidas, desde logo, sobre a motivação destes assistentes. Como "surgem" neste processo? Porque motivo é que AP vai ter com X a (…) e a partir daqui dá-se a sua intervenção nestes autos? Porque motivo, no processo de (…) não denunciam estes abusadores, se efectivamente tivessem sido abusados por N e H, nomeadamente?
35. Qual a verdadeira relação e actividades a que se dedicavam AP e X? Qual a intervenção da Comunicação Social na obtenção ou influência destes e de outros depoimentos?
36. O Tribunal não equacionou estas questões, não fez uma análise crítica das mesmas, evitou, ostensivamente, retirar conclusões de factos que estão devidamente comprovados nos autos.
37. O Tribunal estriba a sua convicção geral, sobre a veracidade dos factos constantes na pronúncia, "socorrendo-se" das declarações prestadas por A, co-arguido.  
38. Ora, o arguido CSS mentiu, omitiu ou dissimulou, na perspectiva do recorrente, no que concerne aos pedidos de desculpas que perante o Tribunal apresentou aos assistentes que confessou ter abusado ou levado para os alegados locais de abuso, certo que é que tais pedidos de desculpa, contribuíram para que o Tribunal entendesse que A sentiu responsabilidade no que fez aos jovens da AX e, consequentemente, tal facto contribuiu para a credibilização do arguido e dos factos que declarou em Tribunal e da forma como declarou.
39. Sucede que tal entendimento por parte do Tribunal é manifestamente erróneo. Bastará ouvir as gravações das declarações de A para perceber que as mesmas são um emaranhado de incoerências, contradições, frases feitas reproduzidas mecanicamente, desprovidas de qualquer credibilidade para prova dos factos vertidos na pronúncia.
40. Bastará ler o relatório do IRS de fl.s 65 907, o qual o Tribunal não teve em consideração.
41. E no RELATÓRIO DE PERíCIA COLEGIAL DE PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA FORENSE,
Realizado pelo DM, conforme Fls. 54341 e ss. é bem patente que o arguido, para si, na sua consciência, não assume o desvalor dos actos por si praticados, referindo nessa sede: (…) Nega ter cometido abusos sexuais enquanto aluno e funcionário embora admita que, em Março de 2002, e apenas nessa altura, teve contactos sexuais com AS e vários alunos: "violar quer dizer, não foram obrigados, foi masturbação, sexo oral, dava-lhes dinheiro para eles comprarem bolos.. com alunas da casa nunca tive nada, nem de fora nem de dentro…eram rapazes de quinze, dezasseis, dezassete anos.. ".  
42. E os peritos referem: (...) De igual modo, quando aborda a temática relacionada com a sua "colaboração" com os rapazes da AX, a sua narrativa estende-se, ampla, rápida, fluida, circunstanciada, sem tergiversar, sendo o argumento repetido e quase decalcado do que anteriormente afirmara. Quando o interrogamos acerca da sua responsabilidade e culpabilidade em alguns dos acontecimentos, explicita afirmações repetidas e semelhantes, sem pestanejar, quase sempre breves, cuja credibilidade suscita aos peritos imensas reticências (ex: quando levou os rapazes á casa de (...) pela primeira vez não sabia o que eles lá iam fazer).
43. Ora, a prova pericial constitui prova vinculada, nos termos do dis(...) no artigo 163Q n.Q 2 do CPC, devendo o Tribunal fundamentar quando divergir do juízo contido no parecer dos peritos. E o Tribunal diverge dos peritos na medida em que atribui à postura do co-arguido em julgamento um valor que a mesma, objectivamente, não tem, socorrendo-se de tal elemento credibilizador para sustentar a condenação do arguido recorrente.
44. O Tribunal não tem conhecimentos científicos que lhe permitam ter tirado conclusões diferentes das que chegaram os peritos sobre a personalidade de CSS e sobre a sua forma de encarar os ilícitos por si cometidos, sem fundamentar e daí utilizar essas suas conclusões para conferir credibilidade ao co-arguido.
45. O Tribunal violou o comando do artigo 163º n.º 2 e errou no julgamento da prova, contrariando na sua decisão as conclusões dos peritos.
46. ASSISTENTES:
47. AI
48. Vem o arguido condenado pelos seguintes factos:
49. 6.7.2. Ofendido AI
50. 125. Num dia indeterminado do último trimestre de 1999, antes do Natal, o arguido A marcou encontro com o menor AI, então com treze anos de idade, junto à garagem de CZ, para um dos dias seguintes.
51. 125.1. No dia combinado o AI chegou ao local do encontro, tendo o arguido A aparecido com uma das carrinhas (…) da AX de (…) lugares, após o que foram apanhar pelo menos mais dois menores;
52. 125.2. Tendo seguido para a cidade de (...), para casa da arguida Q, para que os menores aí fossem sujeitos a práticas sexuais por indivíduos adultos do sexo masculino.
53. 125.3. Ao chegarem à (...), os menores e o arguido A foram recebidos pelo arguido N.
54. 125.4.No interior da (...) encontravam-se os arguidos N, H e mais dois adultos que não foi possível apurar. - Pagina 171 do Acórdão
55. Factos que aqui se impugnam especificadamente, por incorrectamente julgados, impondo-se serem julgados não provados, de acordo com as seguintes provas concretas: Declarações do assistente em audiência de julgamento dos dias 29/11/2005, 30/11/2005, 5/12/2005, 6/12/2005, 7/12/2005, 14/12/2005 e 15/12/2005, gravadas no respectivo sistema integrado de gravação, conforme exarado em acta. Apenso BQ3º Volume, a fls. 444, Apenso BQ7, fls. 1456,A, nas suas declarações de 16 de Dezembro de 2004, gravadas no respectivo suporte (DVD) conforme exarado em acta. Apenso V/Caixa1/7CDR/STAIC/1998-2003.Auto de fls. 5939.Apenso Wl0, Livro 5,Depoimento de BL, ouvido na AJ de 19/4/2006, conforme acta de julgamento respectiva e depoimento gravado nos CDs 1, 2, 3 e 4, W-16, 5ª,17/FEV. FLS 191, RELATIVO A ANO 2000,Apenso DO, Fls. 31, 24, 19, 17, 16, 4,Depoimento da testemunha CCJ, ouvido em AJ de 17/9/2007, conforme acta de julgamento respectiva e gravação no DVD, 1h29 às 2h03, Apenso W10, livro 4,Apenso Z-15, fls. 149, 150,Apenso U 1- 1º Volume, apenso CG, fls. 32 e seguinte, fls. 163, Apenso Z-l1, fls. 56 199 dos autos, fls. . A fls. 60 995, Apenso EJ volume 5,
Com efeito,
56. No período considerado no acórdão condenatório, isto é, um dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999:
57. O AI era estudante na Escola IIR.
58. Conjugando os elementos de prova que constam dos autos, nomeadamente, registo de faltas do assistente e documentos apresentados pelo arguido recorrente, apenas sobram os dias 15/10, 13/10; 26/10, 22/11, 19/11 e 10/12 como dias em que o AI pudesse ter ido a (...), a casa da arguida Q, local onde o arguido N teria aberto a porta, conforme declarou o assistente em audiência.
59. A diz o seguinte:
"que o Sr. AI foi com ele a (...) duas vezes e que todos os arguidos estavam presentes, excepto o Sr. C  (…) que, a primeira vez que levou o Sr. AI a (...), só iam quatro jovens, pois levava os atletas do ténis para (…); na segunda vez iam seis ou sete.
(...) que, das vezes que levou o Sr. AI a (...), foram na (…) e não o foi buscar a BF, ele já estava em CZ com os outros alunos. (...) que, as viagens a (...) em que levou o Sr. AI, foram combinadas entre o arguido e os jovens, pois estes já tinham o resto combinado com o Sr. EV.”
60. Assim, temos a versão do assistente que diz ter ido a (...), numa (…),(…), em 1999 antes do Natal.
61. Atenta a prova nos autos, essas datas só poderiam ser as supra referidas.
62. E A declarou que levou o assistente a (...), depreende-se, em Março de 1999 (em virtude do torneio de ténis), mas numa (…).
63. De acordo com os registos das carrinhas relativamente ao ano de 1999, o que se pode concluir é que, quem foi a (…) foi o motorista VO com a (…) e que é duvidoso que a (…) tenha saído.
64. Concluímos ainda que no período referido A, recorrendo para o efeito aos dados relativos à utilização do seu telefone, estava em (…). Pelo que, objectivamente, conforme desenvolvemos na motivação, Como datas possíveis para a ocorrência dos factos ficam os dias 19/10, 22/10, 25/10, 26/10 e 10/12, sendo que o arguido H apresentou prova nos autos que demonstra não ser possível ter estado em (...) em todas as datas referidas, à excepção de 10/12.
65. Ora, o assistente declara que viu N e H nas duas vezes que esteve em (...). Não pode assim estar a falar verdade, e face aos elementos apresentados, gera-se obrigatoriamente a dúvida, senão a certeza que AI não esteve em (...) nas circunstâncias que relatou ao Tribunal.
Ainda que assim não fosse:
66. Das declarações do assistente resultou ainda o seguinte;
67. Das vezes que foi a (...), nunca recebeu dinheiro nem viu ninguém receber.
68. Depois de ter ido a (...) com o Sr. A, só lá voltou para fazer o reconhecimento, com os inspectores da PJ.
69. O reconhecimento referido pelo AI foi efectuado no dia 24 de Junho de 2003 mas este começou a ser ouvido em 18 de Fevereiro de 2003.
70. Esta diligência não tem qualquer força probatória, pelos motivos seguintes:
71. Em Junho de 2003, qualquer pessoa deste país saberia descrever o exterior da "casa de (...)" sendo facto público e notório que a sua imagem e a sua descrição e localização concreta apareceram milhares de vezes nos meios de comunicação social, quer televisão, quer imprensa escrita.
72. Tendo em consideração o número de vezes que o assistente diz ter ido a (...) - ­antes do reconhecimento - três, os anos que distam entre as idas e o reconhecimento (12-1999 a 6-2003), o facto de, alegadamente, ter sido conduzido por outrem, é praticamente impossível que o assistente tivesse a capacidade, de, sem quaisquer dúvidas, indicar o trajecto concreto, como ali se encontra consignado.
73. Pelo que se infere que: ou o assistente não indicou o trajecto da forma escorreita que resulta do auto ou o assistente foi a (...) em data anterior, mas recente, ao reconhecimento que efectuou com a Policia Judiciária.
74. O que aqui se deixou dito vale também para a descrição que o assistente fez do exterior da casa em Tribunal, nomeadamente: quando declarou que a casa onde esteve, em (...), fica situada numa (...) sem saída e com um descampado à frente.  
75. E que, soube o nome da localidade (...), logo na primeira vez que lá foi, no regresso a (…).
76. O Tribunal, de uma forma, dir-se-ia circular, acaba por admitir a sua própria dúvida: na pagina 1215 do acórdão, relativamente a (...) que o assistente ­segundo os elementos do seu processo DX - fez e que decorreram no ano de 1998 e 1999, descreve os caminhos numa aparente lembrança viva e depois manifesta dúvidas.
77. Como pode o Tribunal não questionar a indicação do trajecto no reconhecimento (esquerdas, direitas, virar à esquerda no cruzamento) sem dúvidas, se, relativamente, a factos efectivamente vividos, relativamente recentes, mas vividos em poucas ocasiões, o AI demonstra dúvidas....naturalmente!?
78. Como pode o Tribunal não questionar que o assistente, em 2005, não se conseguisse recordar que para ir para o (…), tem que passar (…), mas que, em 2003 conseguisse dar indicações tão cirúrgicas, como as que, aparentemente, deu no acto do reconhecimento ao local.
79. O Tribunal admite que se interrogou...mas não retirou daí as devidas consequências, nomeadamente no que concerne à credibilidade das declarações de AI, face às regras da experiência, da lógica e do senso comum.
80. O assistente declarou ter sabido o nome da Q através da comunicação social e do Sr. N na PJ, no dia em que prestou as declarações.
81. A identificação da Q foi, um momento das declarações do assistente que, no entender do Tribunal lhe conferiram credibilidade.
82. No entanto, não é credível que o assistente AI tivesse reconhecido em AJ ou antes a arguida Q, sendo plausível face às suas declarações que o assistente tenha apenas indicado a arguida Q em consequência do aparecimento daquela na Comunicação Social ligada aos factos da Casa de (...).
83. AI não se expôs;
84. AI foi cauteloso e calculista e declarou apenas aquilo que sabia ser o que se esperava da sua resposta.
85. Não podemos esquecer como se inicia a questão do reconhecimento, com o MP - vide pagina 1223 do acórdão - a perguntar ....relativamente à arguida Q, eu ontem confesso que não percebi bem se o reconhecimento que o assistente diz ter feito, embora de relance, da arguida...se foi por aquela vez em que diz tê-Ia visto de relance...ou se foi pelo reconhecimento que depois foi pelas fotografia, enfim, que foram exibidas ou pela comunicação social?...se tem a certeza hoje, uma vez que a arguida Q está aqui, se a pessoa que viu de relance daquela vez, é a senhora que está aqui?
86. A palavra relance é utilizada três vezes; o assistente ouve a questão; tem tempo para pensar e responde os seus argumentos "lógico-dedutivos" sem "ressonância afectiva" sem impressão de relato vivido: 1º Estavam na sala, ouviam uma senhora falar; 2Q a casa só tinha homens e viu uma senhora a passar; 3Q Teve a certeza que era a arguida Q "A senhora da Casa de (...)" quando a viu na Comunicação Social.
87. Acontece que - como é publico e notório - a arguida Q nunca apareceu na Comunicação Social com a cara a descoberto, mas sempre com um lenço sobre a mesma.
88. Por isso o assistente, cautelosamente, não se lembra de ter visto a cara da arguida.
89. É patente, decorrendo da própria fundamentação do acórdão, que AI não reconheceu a arguida Q e que AI não se expõe.
90. Mas há mais motivos para que não mereçam credibilidade as declarações do assistente AI:
91. No exame psicopatológico do AI, como variante em relação aos exames das outras testemunhas, destaca-se a existência de defesas do tipo maníaco, de fuga para a frente e com recurso a situações de humor, bem como humor com colorido hipomaniaco.
92. Levado à letra significa isto que o examinado se apresenta divertido, desinibido, com um discurso superficial e mais virado para o jogo de palavras do que para os seus conteúdos, perdendo-se nos seus objectivos e com completa falta de lógica.
POR OUTRO LADO,
93. Resultam, das declarações prestadas pelo AI em audiência de julgamento e do relato que efectuou sobre os factos aos peritos do IML, diferenças significativas. O assistente não pode equivocar-se quanto ao facto de ter ido a (...) em Sábado ou dias de semana. OU são Sábados ou dias de semana;
94. Não pode equivocar-se quando faz distinções com aparente apelo à memória (uma vez no final de 1999; duas vezes no principio de 2000) quanto à localização temporal dos factos, para depois em audiência de julgamento referir uma situação completamente diferente.
95. Havendo várias discrepâncias entre o relato que fez perante os peritos e as que foram efectivamente prestada em sede de audiência de julgamento.
96. Pelo que, é absolutamente relevante para a verdade, para esta decisão que ­na apreciação global dos depoimentos prestados pelos assistentes em sede de audiência de julgamento - se tome em linha de conta (não para prova directa positiva ou negativa de factos) os relatos que, eles próprios forneceram aos peritos sobre os factos, que alegadamente, sucederam, nos pontos em que tais factos - como supra referimos, se encontram em oposição frontal com o que foi declarado em audiência.
97. Nesta medida, não ficam dúvidas que o relato do assistente não é credível, ou pelo menos, muito duvidoso. E a dúvida aproveita ao arguido.
98. Face aos elementos de prova OBJECTIVOS constantes no processo, uns apresentados pela defesa, outros existentes já nos autos, em virtude de actividade investigatória e das declarações prestadas pelos assistentes, que;
99. Tanto no que concerne ao AI, como no que concerne aos demais assistentes que implicam os arguidos nos factos criminosos, que os factos dados como assentes, não fogem, PELO MENOS à dúvida razoável de que os mesmos poderão não ter ocorrido, como de facto não ocorreram.
100.     E mal andou o Tribunal quando deu como assente que, em (...), AI foi abusado e que o "promotor" de tal abuso foi o arguido recorrente.
101.     O Tribunal não concretiza o conceito do qual se socorre, ou seja, o que é, na verdade ressonância emocional para o Tribunal e que justifica, em exclusivo que o Tribunal confira relevância às declarações do Assistente.
102.     Mas é sabido que vários elementos podem contribuir para uma aparente "ressonância emocional", por nós interpretada como querendo significar "compatibilidade do relato com a eventual exteriorização das correspondentes emoções" e que, nada têm que ver com a veracidade do que se relata.
103.     Quando dos autos, como é o caso, resulta a existência de prova material, objectiva, em contradição com tal "ressonância material", o Tribunal devia mandatoriamente ter aquilatado e analisado criticamente o motivo pelo qual, esses elementos não contribuíram para a formação da sua convicção e não foram suficientes para ilidir a imputação.
104.     Para o Tribunal, para além da "ressonância emocional" um outro aspecto confere credibilidade às declarações do assistente. O facto de assumir que terá ido a (...) por causa do dinheiro que recebia.
105.     Não assiste razão ao Tribunal.
106.     E isto porque também quanto aos factos perpetrados em exclusivo pelo arguido A e imputados a este pelo AI, e que de resto, o arguido confessou, resulta das suas declarações quanto a estes factos que o fazia porque recebia vantagens, seja dinheiro, seja carregamentos no telemóvel.  
107.     Este era, de resto, um modus operandi do arguido A e AI, não foi excepção, os factos que praticou com aquele, fê-lo para usufruir de vantagens. Ora, mesmo mentindo quanto à identidade dos seus abusadores e das idas a (...), não teria qualquer lógica ou sentido que dissesse que ia por outro motivo qualquer. O assistente socorre-se de memórias que, em parte serão verdade, apenas a estende a outros "actores".
108.     E no âmbito neste processo auferiu também vantagens, MUITO ANTES DAS PRESENTES CONDENAÇÕES, ou seja, no início no ano de 2006 o assistente recebeu a quantia de cinquenta mil euros proveniente do Tribunal Arbitral, criado pelo Estado, especificamente para as "vítimas" da AX.
109.     O Tribunal reconhece inconsistências a AI. Mas conclui que o comportamento do AI é mais compatível com quem relembra uma verdade, do que quem reproduz uma mentira criada com terceiros, com que não podemos concordar, impondo-se a absolvição do arguido por ausência de factos seguros que suportem a sua condenação.
110.     Relativamente a este assistente, o Tribunal deu por provado que:
111.     6.5.1. Ofendido AT.
112.     120. Em dia indeterminado do último trimestre do ano 2000, o arguido A levou menores, alunos da AX, entre os quais AT, então com 14 anos de idade à casa de (...), para que os mesmos aí fossem sujeitos a práticas sexuais por indivíduos adultos do sexo masculino. 
113.     120.1. Ao chegarem à (...), os menores e o arguido A foram recebidos pelo arguido N que entregou um envelope com dinheiro ao primeiro, como pagamento pelo facto de o mesmo ter conduzido a tal casa os menores alunos da AX para, aí, serem abusados sexualmente, abandonando este arguido, de seguida, a residência. - Página 169 do Acórdão
114. Factos que, aqui, expressamente se impugnam, na media que em os mesmos se encontram incorrectamente julgados, impondo-se decisão diversa sobre os mesmos, ou seja, deverão ser dados como não provados, sendo que para o efeito, o recorrente indica as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, cfr. Artigo 412º a) e b) do CPP: Declarações do assistente prestadas em audiência de julgamento Dos dias 23/1/2006, 25/1/2006, 30/1/2006, 1/2/2006, 2/2/2006, 7/2/2006 e 8/2/2006, fls. 1116.fls. 1117,apenso T - 2, fls. 12456, fls. 36 168. ,fls.91 do Apenso Y, Apenso Z-16, fls. 89, Apenso CC, fls. 2, Apenso DA .AP ouvido em AJ de 20-06­2005, conforme acta respectiva e suporte magnético onde se encontra gravado o depoimento, CDs 1 e 2, A diz, em 2/2/2006, conforme acta e depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, Apenso EB, Apenso CK, Apenso V/Caixa1/7CDR/STAIC/1998-2003.
115.     O assistente declarou ter ido a (...) com os Senhores AP, AN, AV e outros cujos nomes o assistente não se recorda.
116.     O Tribunal - pagina 1433 - a propósito desta alegação do AT quanto à ida a (...) com o AP, localizada no período (fim do ano 2000) em que os factos vieram a ser dados como provados, substitui-se ao assistente e desvaloriza a situação, acabando por concluir que é AT que está equivocado, pois, como decorre dos documentos nos autos (apenso DA) o AP foi, em 14 de Abril de 2000 conduzido ao (...) IIT.  
117.     Contudo, o Tribunal esquece-se é do seguinte. O AP ouvido em AJ de 20-06-2005, declara que a primeira vez que foi a (...), foi abordado pelo Sr. A, dentro do recinto do (...), que lhe disse que iam dar uma volta e não demoravam. Dentro da carrinha (…), já estavam outros colegas, entre eles o Sr. AV, AN e AT.
118.    Daqui decorre que os dois assistentes estão ambos objectivamente equivocados; ou que os factos não teriam ocorrido em 2000, mas sim em período anterior ou então, os assistentes faltam à verdade.
119.     E a nossa opinião é que, efectivamente faltam à verdade, na medida em que foram os mesmos que, espontaneamente, introduziram a identidade um do outro "naquele acontecimento".
120.     Perante as declarações do assistente em sede de audiência de julgamento e confrontando-as com as prestadas no âmbito da perícia sobre a personalidade e com as declarações feitas no âmbito da perícia de natureza sexual podemos concluir que existem várias discrepâncias que deveriam ter sido valoradas pelo Tribunal, nomeadamente, quanto à credibilidade das mesmas.
121.     Ora, o arguido vem condenado pela prática de um crime de lenocínio, correspondente ao crime de abuso sexual pelo qual vem condenado o arguido H.
122.     Das declarações prestadas em sede de audiência depreende-se que esta vez teria sido a terceira vez em que teria ido a (...).  
123.     O Tribunal recorrido diz o seguinte acerca deste assistente:”da avaliação global das declarações deste assistente, os factos colocam-se no ultimo trimestre de 2000 porque as três semanas a um mês depois das aulas começarem - a data que disse quando falava livremente, quando dizia a impressão que tinha - aponta para esse período.
124.     (...) no caso do AT e convocando o que dissemos nos outros pontos, o depoimento que prestou, o que expressou ao longo das declarações, por vezes via-se com uma incapacidade para explicar mais, apresentou quanto à narração do abuso, sinais de emoção e, consequentemente, veracidade" - página 1436 do acórdão recorrido.
125.     Das declarações do assistente AT resulta, indubitavelmente, que o mesmo a ter ido a (...) no contexto constante na pronúncia, o que o arguido obviamente impugna por não ser verdade, terá ido em Sábados ou Domingos do período considerado na condenação.
126.     Mal andou, pois o Tribunal recorrido, ao dar como provado que Em dia indeterminado do último trimestre do ano 2000, o arguido A levou menores, alunos da AX, entre os quais AT, então com 14 anos de idade à casa de (...), para que os mesmos aí fossem sujeitos a práticas sexuais por indivíduos adultos do sexo masculino.
127.     O Tribunal cometeu, em primeira linha, um manifesto erro de julgamento, porque das declarações do assistente decorre cristalinamente que o mesmo alegadamente foi a (...) em Sábados ou Domingos e que eram fins de semana que estava de castigo na AX. Pelo que o Tribunal devia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 358º do CPP, ou não o fazendo, como não fez, não tinha outra hipótese que não absolver o arguido da prática do crime.
Contudo, sem prescindir, vejamos:
128. As declarações do assistente reconduzem-nos aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano 2000, aos fins de semana, Sábado ou Domingo, o que limita os dias para a ocorrência dos factos, às seguintes datas e correspondente localização nas mesmas do arguido recorrente:

7/10/00[4]
8/10/00
(...)
14/10/00
15/1000
(…)/(…)/(…)Apenso EB fls. 169 entrada na AE em (…) e saída em (…) pelas 20.04
Apenso V: Chamada efectuada a partir da (…) 15,17; 17, 04 (14/10)
21/10/00
22/10/00
(…)/(…)Apenso V: chamadas a partir de (…).
 Apenso EB, Fls. 169 do dia 20 ao dia 22 leva à conclusão que N esteve fora de (...) todo o fim de semana, cfr. Admitiu MP a fls. 10325
28/10/00[5]
29/10/00
(...)
4/11/00
5/11/00
(…)/(…)/(…)/(…)Apenso ABA-B- Pasta 8, fls. 1776 pagamentos com cartão em (…)
Apenso EB fls. 169: Entrada na AE em (…) pelas 21.37, saída em (…) pelas 21.46 (…), Fls. 172 EB, pelas 21.30
Apenso V: (…) 15.43
11/11/00
12/11/00
(…)/(…)(…)Apenso EB, fls. 169: Entrada na AE em
(…), saída em (…) pelas 12.59
18/11/00[6]
19/11/00
(...)
25/11/00[7]
26/11/00
(...)
2/12/00[8](...)
3/12/00 (...)
9/12/00
10/12/00
(…)Chamada a partir de (…), Apenso V
Apenso EB fls. 169, os registos do dia 8 ao dia 10, levam à conclusão que N passou todo o fim de semana fora, como admite MP a fls.0326 considerando que é provável que N não tenha estado na tarde de dia 9 em (...)
16/12/00[9]
17/12/00
(...)
23/12/00[10](...)
30/12/00[11]
31/12/00
(...)

128.     O arguido A faz movimentos com o cartão Multibanco, nas seguintes datas e locais conforme Apenso ABA-B- Pasta d) e acciona BTS, no sentido que permite concluir que: atenta a prova existente nos autos, que ficam em aberto dois dias para que os factos pudessem 5 e 25 de Novembro de 2000, que são dias em que o arguido estaria em (...), não existindo registos da localização de A.
129.     Destas, apenas a data de 25 de Novembro é possível, porque em 5 de Novembro o arguido N demonstra que não está em (...). Mas o assistente declara que foi a (...) quatro vezes, o que já se demonstrou não ter sido possível, nas circunstâncias e com os intervenientes que refere. O que impõe, pelo menos, a dúvida sobre a veracidade das suas declarações no aspecto global.
Ainda que assim não fosse.
130. O assistente AT fez o reconhecimento da casa de (...) em 3 de Fevereiro de 2003.Tendo em consideração o número de vezes que o assistente diz ter ido a (...) - antes do reconhecimento - quatro - os anos que distam entre as idas e o reconhecimento  (2000 a 2-2003), o facto de, alegadamente, ter sido conduzido por outrem, à luz das regras da experiência do senso comum e da lógica, é praticamente impossível que o assistente tivesse a capacidade, de, sem quaisquer dúvidas, e não se ter enganado e indicar o trajecto concreto, como ali se encontra consignado.[12]
131. Daqui poder-se-á, com segurança, inferir que, de duas uma: ou o assistente não indicou o trajecto da forma escorreita que resulta do auto ou o assistente foi a (...) em data anterior, mas recente, ao reconhecimento que efectuou com a Policia Judiciária.[13]
132. E, em consequência tal elemento de prova - o auto de fls. 1117 - é de muito frágil valor probatório, não se podendo aferir do mesmo, com rigor e segurança, como é que o assistente localiza a "a casa de (...)".
133. Nesta matéria da identificação da casa da arguida, cabe também fazer o seguinte reparo:
O Tribunal, na página 1434, sustenta que o assistente fez a localização da casa da arguida Q de forma segura, mediante a indicação da casa, quando confrontado com fls. 12452 a 12457 e 939, com as legendas tapadas.
Ora, uma vez mais, o Tribunal foge às regras da lógica e do bom senso, fazendo um esforço irrazoável no sentido que o AT sabe que local é o local plasmado nas fotografias que lhe foram exibidas. Pois bem, o AT sabe identificar a casa, assim como milhares de pessoas neste país o saberão fazer, atenta a exposição que a mesma teve desde o dia 31 de Janeiro de 2003.
134. AT, foi sujeito a perícia sobre a personalidade nos termos dos artigos 160º, 151º e 131º n. 3 do C.P.P.[14][15] Aí, relatou à perita que:
"... esteve cerca de dois três meses sem contacto com o A...Ao fim desse tempo, diz que A disse ao seu Colega AP que iam ao (…). No fim de semana seguinte, saíram do (...) por volta das 8 horas da manhã, e dirigiram-se a (...):
AT refere que "íamos numa (…)...era eu o AP, o AV (...) e mais dois alunos que não sei o nome e o A...chegámos por volta da uma e meia duas horas, e fomos para uma (...) (…), que não dá para ver nada lá para dentro, tem tipo uma chapa por trás...tinha uns passeios com relva à volta. O A tocou à porta e veio um senhor abrir a porta...acho que se chama N...tinha óculos...depois o H escolheu o AP...eu fui com o BD. (...) Parámos para jantar e chagámos a (…) por volta das 22 horas...a frequência com que se deslocavam a (...), segundo o descrito era mensal, e sempre aos fins de semana "umas vezes íamos aos Sábados, outras aos domingos ...”
134. Sujeito a perícia de natureza sexual[16] pelo Prof. Dr. BR, o AT relata:[17]
"Fui levado pelo A a casa de umas pessoas (sic)" . Mais refere que a Policia Judiciária chegou até si através das declarações de um seu colega de quarto de nome AP.
(...) entrou para o CZ em 1999 com 13 anos de idade, onde, pouco depois, viria a conhecer A (...) a primeira vez que me levou tinha eu para aí 14 anos, disse-me que ia conhecer uma pessoa importante…"começou a levar-me aos Sábados, com outros colegas meus à casa de (...)...umas vezes íamos no carro dele outras numa das carrinhas do (...)...ele ia buscar-nos às nove e tal, chegávamos a (...) à uma e tal da tarde...(...) vinha um senhor abrir a porta...esperávamos na sala e depois mandavam-nos subir a escada, cada um para o seu quarto… não me lembro dos nomes, só das caras...passávamos lá umas duas ou três horas… fui lá umas cinco ou seis vezes.. o AP ia lá mais...isto durou até às férias do verão passado...” (sic).
135. O arguido vem condenado pela prática de um crime de lenocínio, correspondente ao crime de abuso sexual pelo qual vem condenado o arguido H. Das declarações prestadas em sede de audiência depreende-se que esta vez teria sido a terceira vez em que teria ido a (...).
136. O Tribunal recorrido diz o seguinte acerca deste assistente:"da avaliação global das declarações deste assistente, os factos colocam-se no ultimo trimestre de 2000 porque as três semanas a um mês depois das aulas começarem - a data que disse quando falava livremente, quando dizia a impressão que tinha - aponta para esse período.
(...) no caso do AT e convocando o que dissemos nos outros pontos, o depoimento que prestou, o que expressou ao longo das declarações, por vezes via-se com uma incapacidade para explicar mais, apresentou quanto à narração do abuso, sinais de emoção e, consequentemente, veracidade” - pagina 1436 do acórdão recorrido.
137. É inaceitável que o Tribunal considere que a existência de emoção (que existiu apenas na óptica do Tribunal) confere veracidade ao depoimento seja deste ou doutro assistente nestes autos se, quando confrontado com elementos extrínsecos e intrínsecos ao próprio depoimento se verificam incongruências, contradições inultrapassáveis e que sugerem, NO MíNIMO A DÚVIDA, sobre a ocorrência dos factos.
138.     Exame pericial sexual: foi a (...) com 14 anos (Setembro de 2000 por referencia à sua data de nascimento 20/9/1986); Com A, uma vez nas carrinhas da AX outra vez no carro dele; saíam de (…) nove e tal chegavam uma e tal; foi lá 5/6 vezes, passavam lá 2/3 horas, Foi sempre com o AP e foi através deste que a Policia Judiciária chegou a si; Não lembra nomes, só caras; os factos ocorreram "até ao Verão passado", o que nos coloca no ano 2002, tendo em conta que a perícia é efectuada em 2003;
139.     Exame à personalidade: AT refere que iam numa (…), o AP, o AV, e mais dois alunos que não sabe o nome e o A...depois o H escolheu o AP...eu fui com o BD. (...) Parámos para jantar e chagámos a (…) por volta das 22 horas...a frequência com que se deslocavam a (...), segundo o descrito era mensal, e sempre aos fins de semana "umas vezes íamos aos Sábados, outras aos domingos..."
140.     Em audiência: foi quatro vezes a (...); as quatro vezes que foi a (...), foi sempre na carrinha (…) e com o Sr. A; Estavam em (...) os Senhores C, E, H e K; depois chegaram o Sr. N e mais dois ou três adultos; O assistente afirmou que chegaria a (…) por volta das 19h30, 20h00 porque era a esta hora que jantavam no lar.
141.     É manifesto que, por muito que se relevem incongruências e contradições, se se partisse do principio que AT falava verdade ­que não falou! - as supra assinaladas deixam-nos, evidentemente, convencidos que AT não falou a verdade. Não é credível a sua versão dos factos.
142. Sobre o depoimento de AN, convocamos aqui a apreciação/motivação do Tribunal face a este depoimento, nomeadamente, o constante da pagina 1426, no que concerne à Ausência de motivação, de análise crítica da prova, relativamente e em concreto a este assistente.
143. A apreciação do Tribunal deste depoimento em particular, estriba-se, salvo o muito e devido respeito, em fórmulas genéricas, vazias, telegráficas, inconcretizadas e inconcretizaveis.
144. O Tribunal não consegue explicar porque motivo valida, credibiliza o depoimento em causa, parecendo-nos, a nós, que, nem houve da parte do Tribunal um esforço para convencer da bondade da sua decisão concreta.
145. E isto que acabamos de referir liga-se não só com a questão da fundamentação, mas sobretudo com a questão da impugnação da matéria de facto.
146.     O recorrente impugna assim os pontos 119., 119.1, 119.2, 119.3, 119.4, 119.5, 119.6 e 119.9, da matéria de facto dada como provada, relativos ao assistente AN, na medida em que, conforme demonstraremos infra, tais pontos encontram-se incorrectamente julgados, devendo tal matéria in totto, ser julgada não provada.
147.     Deverão ser alterados os seguintes factos nos seguintes termos:
97.1. Os pais do menor separaram-se quando o mesmo era ainda uma "criança de colo", tendo sido entregue aos cuidados dos avós maternos e do pai que vivia no sótão da mesma habitação. Depois de ser internado na AX, em 14 de Setembro de 1998, o menor começou a passar os fins de semana com a mãe em 21 de Março de 1999.
a mãe, de vez em quando, aos fins de semana, na casa desta.
97.2. Durante a sua permanência na AX, o menor ficava alguns fins de semana e as férias no Lar, fazendo parte das (...) de Verão que aquela Instituição tradicionalmente organiza. 
97.3. Era no Lar que recebia visitas da mãe e da tia avó, familiares que lhes prestavam apoio, bem como o pai, com quem passava alguns fins de semana. A partir de Março de 1999 começou a estar com a mãe ao fim de semana, em virtude do padrasto ter começado a cumprir a pena de prisão a que foi condenado, pelo abuso sexual do menor.
148. As provas que impõe decisão diversa são as seguintes, em cumprimento do dis(...) no artigo 412º b) do CPP:
declarações do assistente prestadas em Audiência de Julgamento dos dias 19/12/2005, 21/12/2005, 5/1/2006; 6/1/2006, 9/1/2006, 10/1/2006, 11/1/2006, 16/1/2006, 20/1/2006, 23/1/2006 gravadas no sistema de gravação digital integrado, conforme exarado em acta;Exame de fls. 50, Volume I, Apenso CJ;Depoimento de Dr. BR em AJ de dia 16/10/2006, cujo depoimento se encontra gravado nos CDs 1, 2 e 3;fls. 73 e 74 do apenso Z-15;fls. 75 APENSQ-Z-15),Fls. 78, apenso Z-15.Apenso CC, Fls. 71 e seguintes Fls. 23 392 Fls. 34 do Apenso Z-16 ,Apenso CJ,Depoimento de educador LLU, ouvido em AJ de 20/8/2007, cfr. Acta de julgamento e gravação do depoimento nos termos ali exarados, DVD 1h26mn às 2h31 mn, Depoimento da educadora DDI, ouvida em AJ de 12/10/2007, conforme acta de julgamento e suporte de gravação DVD 1 dos 0mn às 3h21mn,apenso Z-17, fls. 1, 1 verso, 6 verso, 7, 29 e seguintes, 38 e seguintes, Apenso Z-15, I Volume, tis. 13 e 16,Fls. 6 apenso CJ, Depoimento de EM, educador, dia 17/5/2006, a seguinte transcrição do seu depoimento gravado em suporte magnético, conforme exarado em acta, Fls. 49645 dos autos.Apenso W12- 1Q Volume e ainda súmula enviada pela AX a fls. 28360 a 28365Z-17,fls. 7, nota de 23/12/99,Apenso EB, fls. 111; 113,115, Apenso V, caixa 2, diskete 1, resposta a oficio 2849,Apenso EB fls. 117, fls. 166, Apenso ABA-B, pasta 6, fls. 1158 e seguintes, Apenso EB, fls. 118 ,Depoimento de VU; dias 17/11/2006 e 23/11/2006, conforme acta e depoimento gravado nos CDs 1,2, 3 e 4 Depoimento de IH; ouvida em AJ de 11/10/2006, conforme gravação no CD 1, 4ª faixa, Depoimento de OS; ouvido em AJ de 17/10/2007, cujo depoimento se encontra gravado em DVD, de 1h04mn a 1h32mn, Apenso EB fls. 121; 123, 124, 125, 126, 127, 130, 131, 167, 128, 133, Apenso CK fls. 207 a 213, 217/ a 222, 227, 237, 10398 Volume 49.Depoimento do Prof. Dr. EEW dos dias 12 de Maio de 2008 (0mn aos 5mn) e 30 de Maio de 2008, (dos 0mn aos 40mn) conforme depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital relatório cuja admissão aos autos se encontra a fls. 52956.exame de fls. 4643
149. O AN foi sujeito a exame de natureza sexual, conforme fls. 50 do I Volume do Apenso CG, ou fls. 4645 a 4651, no dia 17 de Março de 2003. O perito, Professor Dr. BR, conclui:
a) Quanto à aparência/exame objectivo:
Que o examinando exibe biótipo atlético, raça mista, evidenciando uma idade aparente compatível com a idade cronológica[18] (Muito curiosamente, o Tribunal considera que o AN aparente menos idade que a que efectivamente tem)
b) Quanto a práticas sexuais:
Apresenta sinais compatíveis com a prática repetida de coito anal, embora as tenha negado.[19] …à observação do ânus constata-te um claro apagamento das pregas da mucosa, algumas erosões da mucosa de coloração nacarada e varizes homorroidárias de coloração violácea".
150. Quanto a este aspecto, esclareceu o perito subscritor do exame, Dr. BR em AJ de dia 16/10/2006, cujo depoimento se encontra gravado nos CDs 1, 2 e 3.
151 . Quanto à conclusão a que chegou o perito - que o assistente apresenta sinais de prática repetida de coito anal - conjugadas com os esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento, não permitem, logicamente, concluir i) que o assistente tenha sido abusado pelo arguido ii) e, por outro lado, tendo o assistente sido objecto de práticas dessa natureza, também não se pode concluir com margem de segurança, há quanto tempo tenham ocorrido essas práticas.
152. Conjugando o que antecede com a documentação nos autos, (do apenso decorrre que o AN terá sido abusado pelo padrasto), nomeadamente fls. 73 e 74 do apenso Z-15, temos que o AN terá, efectivamente, sido sujeito a abuso sexual, quer pelo padrasto, quer por um primo, em (…), quanto tinha 7 anos. E, na data desta informação, 25/2/1999, o AN está muito preocupado com a ida a Tribunal, tem medo que o ameacem e o agridam…fica a pensar no que lhe fizeram (violação) e tem medo que venham à noite fazer-lhe mal (Tio de (…), primo e padrasto).
153. O AN vinha apresentando comportamentos anormais, do ponto de vista sexual, querendo manter relações sexuais com um outro educando (fls. 75 APENSO-Z-15), sendo sugerido pela equipa educativa o apoio terapêutico, comportamento que foi observado em 19/11/1998, cfr. Fls. 78, apenso Z-15.
154. Assim, tendo em consideração que:
6) O assistente apresenta apagamento das pregas da mucosa, algumas erosões da mucosa de coloração nacarada e varizes homorroidárias de coloração violácea 11.
7) Que, efectivamente, terá sido objecto de actos de coito anal, pelo menos, entre o período de 1993-1997;
8) Que o apagamento das pregas da mucosa anal terá lugar se o coito anal é regular;
9) E o assistente, segundo a acusação, bem como a sentença recorrida sustentam que os factos de abuso sexual se terão passado em (...) no ano de 1999/2000;
10) E o exame sexual foi efectuado em 2003, a questão que se coloca, é obviamente, a da pouca fiabilidade deste exame no apoio à tese da acusação e que veio a vingar na condenação e a incerteza sobre se os sinais encontrados remontam às datas em que o menor foi abusado por familiares, apenas e só, ou se, efectivamente, desde então o assistente manteve práticas de coito anal.  
155.     Motivo do exame (informação fornecida pelo próprio) [20] [21]:
Um dia, eu e outros tínhamos estado a limpar um autocarro na garagem de CZ e, depois, dos outros se terem ido embora, o A...perguntou-me se queria ir dar uma volta...eu aceitei e ele levou-me até ao pé do (…)...parou o carro e começou a falar-me de coisas sexuais e a apalpar-me a picha por cima das calças eu não gostei...mas ele disse-me que ia gostar.... [22]
Combinou ir buscar-me no Sábado seguinte à garagem de CZ…Ievou-me a uma carrinha até uma casa que ficava muito longe nessa altura nem sabia onde ficava, mas agora já sei que era em (...) era uma (...) dentro da cidade...quem abriu a porta foi um senhor careca com óculos, para aí com 50 anos...lá dentro estavam outros dois, mais ou menos da mesma idade...eles depois saíram e ele disse-me para eu me despir na sala...meteu-me a picha na boca...depois disso o A levou-me lá várias vezes aos Sábados, com outros rapazes da AX já não me lembro muito bem, mas era mais ou menos de 15 em 15 dias o tal senhor da primeira vez ficava quase sempre comigo...essas coisas duraram até eu ter 14 ou 15 anos...fazia aquilo pelo dinheiro que me pagavam... 
156. O exame sexual supra referido foi efectuado numa fase embrionária do presente processo - 17 de Março de 2003 - tendo o assistente sido ouvido a primeira vez em inquérito a 16 de Janeiro de 2003, conforme auto de inquirição de fls. 561 e seguintes dos autos.
157. AN foi sujeito a uma primeira perícia sobre a personalidade nos termos do dis(...) dos artigos 160º, 151º e 131º n. 3 do C.P.P.[23]. Aí, relatou à perita que:
“...depois deste alegado acontecimento, que ocorreu quando tinha cerca de 11/12 anos, esteve algum tempo sem contacto com o A, referindo que fazia tudo para não se encontrar com ele, chegando a esconder-se. Contudo e como não ia a casa dos pais e precisava de dinheiro, acabou por procurar A tendo-lhe dito "então, disseste que depois falávamos, mas nunca mais disseste nada..." (sic). Terão então combinado encontrar-se no dia seguinte para falarem o que veio a acontecer nas imediações da escola. Combinaram um novo encontro para Sábado ...."no Sábado, depois do almoço encontrámo-nos e fomos a uma casa em (...)...eu, o AT, o AP, o X e mais alguns, ás vezes o (…) ....a casa era (…), tinha uma porta (…), logo ao lado, são duas (...)s idênticas por fora...sobe-se a escada para entrar, lá dentro tem tipo um hall de entrada, os quartos dois ou três, havia uma sala onde normalmente estava o E e mais pessoal...eu normalmente ficava na sala e os outros iam para os quartos, ficava outro na sala...às vezes entrávamos para a sala, outras vezes para o corredor e depois distribuía-se… estava lá mais pessoal, mas não sei quem é...sei que um era careca aparentava os seus 50 para ai…da primeira vez começámo-nos a despir lá na sala...como velho chegava lá e era o costume...começava a mexer pelo pénis e depois mexia-me no ânus...ele fazia-me sexo anal e oral a mim...eu também a ele."
158. Por decisão do TRIBUNAL ARBITRAL PARA INDEMNIZAÇÃO DAS VíTIMAS DA AX, [24] o Estado foi condenado, PREVIAMENTE A QUALQUER DECISÃO NESTES AUTOS, a pagar ao AN o montante de cinquenta mil euros. De salientar que os factos ali dados como provados, não o foram nestes autos.
159. Em 8 de Outubro de 1999, documento de fls. 19, apenso CJ, o AN recusa o contacto com o pai e tem sido apoiado pela mãe aos fins de semana.
160. Em 3 de Maio de 2000, de acordo com a informação de Doe. 11 - apenso CJ, o AN mantém contactos mais frequentes com a mãe e com os avós maternos, durante os fins de semana e pequenos períodos de férias.
161. O educador LLU, ouvido em AJ de 20/8/2007, dr. Acta de julgamento e gravação do depoimento nos termos ali exarados, DVD 1h26mn às 2h31 mn, confirma que o AN ia praticamente todos os fins de semana a casa.
162. A educadora DDI, ouvida em AJ de 12/10/2007, conforme acta de julgamento e suporte de gravação DVD 1 dos 0mn às 3h21mn, também confirma: AN passava com a mãe o fim de semana, primeiro de quinze em quinze dias e depois de semana a semana. Até 2001 foi todos os fins de semana a casa. Mais referiu que o AN quando entrou no Lar era revoltado, porque havia sido abusado pelo padrasto.[25]
163. Dos documentos constantes no apenso Z-17 (Documentação existente no CED do CZ) fls. 2 e seguintes, confirma-se essa factualidade.
164. As motivações para o assistente colaborar ou aderir a uma história colectiva de abusos são claras: estatuto, pagamento de indemnização, pagamento de carta de condução, [26] já no decurso do ano de 2005.
165. Esta ilação é fundamentada também no seguinte depoimento:
Confirmado por EM, educador, dia 17/5/2006, a seguinte transcrição do seu depoimento gravado em suporte magnético, conforme exarado em acta:
166. De acordo com o período delimitado no acórdão, ou seja, os factos terem ocorrido num Sábado entre Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000, são, então possíveis as seguintes datas para a ocorrência dos mesmos:
DEZEMBRO: 4, 11, 18 e 25
JANEIRO: 1/7/8/16/22/29
166. De acordo com o REGISTO DE OCORRÊNCIAS DO LAR FG[27], no dia 4 de Janeiro de 2000, o AN encontrava-se no Lar, tendo ido "trocar uns sapatos à sapataria (…), conforme anotação no respectivo dia. E, segundo registo no seu processo psicossocial, apenso Z-17,fls. 7, nota de 23/12/99, o AN passou as férias de Natal em (…) e o Natal com o educador UM.
167. E da documentação que supra se referiu e se encontra resumida em quadro, na motivação, decorre, inevitavelmente, a conclusão que AN, se esteve em (...), nesta ou noutra qualquer ocasião, não foi abusado pelo arguido recorrente, pois nem este, nem o co-arguido A se encontravam em (...) nas datas possíveis para a ocorrência dos factos.
167. O Tribunal não colocou em crise ou sequer se pronunciou sobre a prova que o arguido recorrente apresentou em sua defesa. Não desvalorizou os elementos objectivos que se encontram no processo e que demonstram que o arguido não estava em (...) no período considerado na decisão condenatória. Há aqui desde logo um erro manifesto no julgamento destes factos, por impossibilidade material dos mesmos serem dados como provados, tal como vêm delimitados na condenação.
Mas, ainda que assim não fosse e sempre por mera cautela,
168. Das declarações do assistente cujos trechos se transcreveram na motivação, resulta, inequivocamente o seguinte:
d) Foi a (...) durante um ano, mais ou menos de 15 em 15 dias, seguramente, 20 vezes;
e) Desde que começou a ir a (...), antes do seu aniversário e à excepção da Páscoa (de 2000) manteve sempre relações sexuais com N, até se deixar do esquemas, o que aconteceu quando voltou a estar fins de semana com a mãe.
f) Manteve relações sexuais com o arguido 11, 12 vezes.
169.O Tribunal quanto aos factos que não deu como provados, refere que E não deu porque o arguido E apresentou ao Tribunal prova suficiente, para criar a dúvida ao Tribunal se os factos que estão imputados ao arguido se passaram efectivamente na Páscoa do ano de 2000 e com o arguido N até Outubro de 2000, pois é o próprio assistente a dizer que após a ida a (…) não foi mais a (...).
170. De acordo com a informação de Fls. 6 apenso CJ AN vai a (…) de 15 a 23 de Setembro de 2000. E o que o assistente diz é que manteve sempre relações sexuais com N, desde a primeira vez que foi a (...), à excepção do período da Páscoa.
171. Não colhe, por ininteligível, esta argumentação do Tribunal. E o que queremos V dizer com isto é o seguinte:
O arguido não abusou do assistente, como aliás, nunca na sua vida cometeu qualquer acto desta natureza. E, nessa medida, o que é mentira para vinte actos, é mentira para um.
172. O que também é um facto indesmentível é que o arguido apresentou nos autos prova suficiente que não podia ter cometido tal crime, em (...), nas doze vezes que lhe foram imputadas e que o assistente confirmou em Audiência de Julgamento.
Com efeito,
173. Neste aspecto particular é pertinente relembrar o depoimento de VU, ouvida nos dias 17/11/2006 e 23/11/2006, conforme acta e depoimento gravado nos CDs 1,2, 3 e 4.
174. Esta pessoa teve muitas dificuldades na admissão da sua relação com N e na sua descrição da mesma. A relação existente entre os dois foi de resto confirmada pelas testemunhas IH, ouvida em AJ de 11/10/2006, conforme gravação no CD 1, 4ª faixa, e OS, ouvido em AJ de 17/10/2007, cujo depoimento se encontra gravado em DVD, de 1h04mn a 1h32mn, que conviveram com a testemunha e arguido enquanto durou a sua relação e que confirmaram a existência do almoço do dia 1/1/2000.
175. A conjugação deste depoimento com outros elementos constantes nos autos leva à conclusão que, de facto N esteve por vários locais, menos em (...). Nomeadamente os elementos constantes no apenso ABA-B pasta 6, elementos que foram tratados a partir de documentação original enviada pelos bancos e pelo SIBS:
A fls. 1158 e seguintes temos os movimentos bancários relativos a operações de baixo valor - pagamentos de portagens, naquelas datas, com o cartão n.Q (…), cujo titular era o arguido, e que se encontram descriminados nos quadros supra e infra.
Acresce ainda que:
178. Se o AN tivesse falado com verdade em audiência - que não falou - há outro aspecto a ter em consideração que não falharia, como falhou.
179. O Prof. EEW confirmou na audiência de julgamento do dia 12 de Maio de 2008 e 30 de Maio de 2008, conforme depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, conforme exarado em acta, já na senda dos exames periciais efectuados que o arguido N apresenta um pénis com abundante pele sobre o prepúcio e com um grau de hipersensibilidade moderada da face direita da haste peniana.
180. No relatório de exame de fls. 4643 confirma o perito que o examinando padece de patologia peniana designada por fimose, existindo um moderada redução da elasticidade do bordo prepucial, admitindo-se que em erecção exista uma maior dificuldade na retracção do prepúcio sobre a glande (…) nos casos de fimose existe uma hipersensibilidade da glande que pode ocasionar algum desconforto ou dor, cujo grau veio a ser aferido no exame efectuado pelo Prof. EEW, que foi junto aos autos no dia 10/5/2008, conforme acta de julgamento, a fls. 52 956 dos autos.
181. Em audiência, confirmou o Dr. EEW que o pénis do arguido tem a glande coberta por pele que não se retrai, mesmo em erecção. Confirmou que a patologia apresentada pelo arguido lhe causaria algum desconforto, alguma dor e até alguns sinais inflamatórios (vermelhidão) em caso de prática sexual anal. Resulta também do exame que o arguido possui um pénis com uma dimensão inferior aos padrões da população portuguesa.
Dos exames efectuados, da inquirição do Prof. EEW e do Prof. BR pode concluir-se que:
i) O pénis do arguido tem uma configuração diferente, perceptível à observação, apresentando  a glande coberta mesmo em erecção;
j) Que tem uma dimensão inferior à média;
k) Que a patologia que apresenta causa dor e/ou sinais inflamatórios na prática de sexo anal;
I) Que a masturbação será um acto que causa desconforto e/ou dor de grau variável.
181. O depoimento do mesmo não colhe também por aqui. Se o assistente estivesse a relatar factos verdadeiros, se o assistente tivesse, como diz, mantido relações sexuais onze, doze vezes com o arguido recorrente, relações essas que implicavam sexo anal, oral e masturbação, atentas as regras da lógica, experiência e senso comum, não é aceitável que o assistente não recordasse uma característica tão evidente e limitadora da pratica sexual, nomeadamente anal e masturbatória. Mas AN não refere um único aspecto que se ligue a esta aparência menos comum do órgão sexual do arguido, pelo contrário.
182. O assistente referiu, nas declarações que prestou em 5/1/2005, já supra identificadas que:
183. A última vez que foi a (...) coincidiu, mais ou menos, com a altura em que começou "a lidar com a mãe e que então deixou de entrar nestes esquemas", quando voltou a estar fins de semana com a mãe....O AN declarou que a primeira vez que foi a (...) foi antes do seu aniversário e depois das férias de Verão", declarações prestadas no dia 20/1/2005, CDs 1 e 2.
184. Ora, do apenso Z-17 (Documentação existente no CED do CZ) fls. 2 e seguintes, verifica-se o seguinte:
- fls. 6, 7ª anotação 99/05/04, o AN começa ter (...) com psicóloga todas as terças feiras;
- fls. 7, 6ª anotação 21/3/99 o AN vai passar a ir todos os fins de semana a casa da mãe;
-fls, 30 no relatório de execução consigna-se que o menor teve três anos de convívio aos fim de semana com a mãe. 
185. Daqui decorre - com factos suportados por prova documental que o assistente desde, pelo menos Março de 1999 passou os fins de semana com a mãe, o que é incompatível com as declarações prestadas de que, durante um ano, de quinze em quinze dias foi a (...) para ser abusado.
186. Demonstrando o arguido, como demonstrou, durante o julgamento que era impossível a ocorrência dos factos, conforme decorrem da pronúncia e conforme decorrem do teor das declarações globais do assistente, como cindir o depoimento do mesmo e considerar credível um único facto que tem todas as características narrativas dos restantes?
187. Tendo em conta o núcleo de factos, a forma como tais factos foram descritos em Tribunal, as regras da lógica, da experiência e do senso comum não permitem cindir os mesmos em verdadeiros e falsos ao mesmo tempo. AN mentiu, quando relatou ter sido abusado pelo arguido.
188. E o Tribunal violou o dis(...) no artigo 127º do CPP, porque de acordo com as regras da lógica, da experiência e do senso comum não é possível dar como provado que os factos sucederam da forma como o Tribunal deu.
189. Não há estrutura lógica no relato do assistente AN, não há coerência intrínseca do relato, limitando-se o mesmo à repetição exaustiva de frases feitas e expressões decalcadas umas das outras, conforme pode ser verificado pela audição das mesmas.
190. No exame sexual AN, nas informações que fornece dá conta de um senhor careca com óculos, para aí com 50 anos…lá dentro estavam outros dois, mais ou menos da mesma idade.. eles depois saíram e ele disse-me para eu me despir na sala...meteu-me a picha na boca...depois disso o A levou-me lá várias vezes aos Sábados, com outros rapazes da AX.. já não me lembro muito bem, mas era mais ou menos de 15 em 15 dias.. o tal senhor da primeira vez ficava quase sempre comigo.
191. E, na perícia sobre a personalidade relata o mesmo: havia uma sala onde normalmente estava o E e mais pessoal...eu normalmente ficava na sala e os outros iam para os quartos, ficava outro na sala...às vezes entrávamos para a sala, outras vezes para o corredor e depois distribuía-se...estava lá mais pessoal, mas não sei quem é...sei que um era careca aparentava os seus 50 para aí...da primeira vez começámo-nos a despir lá na sala...como velho chegava lá e era o costume...
192. OU seja: AN identifica o seu abusador como "um senhor careca com óculos" e identifica o arguido E pelo nome, sendo obviamente tal identificação fruto das imagens constantes na Comunicação Social. Contudo, não refere o nome de N.
193. Ora, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, no dia 19/12/2005, O assistente declarou que soube o nome dos arguidos através da comunicação social, depois de já ter prestado declarações na PJ.
Então, porque motivo - se não fosse a falsidade -o assistente não referiu aqui o seu principal abusador? A dúvida é pertinente e levanta questões obvias sobre o modo e o método que levou à identificação dos arguidos e que condicionou ab initio o curso do processo.
194. O facto de o Tribunal, no dia da leitura da súmula do acórdão (dia 3/9/2010) não ter procedido à leitura, por lapso, segundo foi comunicado à mandatária do arguido, os factos provados relativamente a este assistente e ainda a circunstância de ter absolvido o arguido do pedido cível contra si deduzido, avolumam, para o recorrente, a percepção que, de resto já tinha, da enorme fragilidade deste depoimento em termos probatórios.
195. Passemos agora à análise da questão "Da possibilidade de ocorrência nos factos na casa sita na (...) (…), n. (…)", identificada no ponto 14. Pagina 1254 do acórdão recorrido, o que implica a imputação directa e necessária de crimes ao arguido recorrente e, como tal a sua legitimidade, para nesta sede discutir tal ponto em concreto.
196. Os factos 118.5, 118.3, 118.9, 118.14, 118.13, 118.14 e 118.5 encontram-se incorrectamente julgados, devendo ser julgados não provados.
As provas concretas que impõem que tais factos sejam dados como não provados são:
Declarações de A de 09-10-2006. conforme fls. 39 990,Cd2/4 - Faixa3Fls.13 136 Apenso V, caixa 1/7CDR/STAIC 1998-2003L Declarações do assistente em audiência de julgamento dos dias 29/11/2005, 30/11/2005, 5/12/2005, 6/12/2005, 7/12/2005, 14/12/2005 e 15/12/2005, gravadas no respectivo sistema integrado de gravação, conforme exarado em acta, Apenso BQ3Q Volume, a fls. 444, Apenso BQ7, fls. 1456, A, nas suas declarações de 16 de Dezembro de 2004, gravadas no respectivo suporte (DVD) conforme exarado em acta, Apenso V/Caixa1/7CDR/STAIC/1998-2003, Auto de fls. 5939, Apenso WI0, Livro 5L Depoimento de BL, ouvido na AJ de 19/4/2006, conforme acta de julgamento respectiva e depoimento gravado nos CDs 1, 2, 3 e 4, W-16, 5º,17/FEV.    FLS 191, 
RELATIVO A ANO 2000, Apenso DO, Fls. 31, 24, 19, 17, 16,Depoimento da testemunha CCJ, ouvido em AJ de 17/9/2007, conforme acta de julgamento respectiva e gravação no DVD, 1h29 às 2h03, Apenso W10, livro 4, Apenso l-15, fls. 149, 150, Apenso U 1- 1Q Volume, apenso CG, fls. 32 e seguinte, fls. 163, Apenso l-l1, fls. 56 199 dos autos, Apenso W10, Livro 5. Apenso W10, Livro 5, DR. BL, ouvido na AJ de 19/4/2006, Declarações do assistente prestadas em audiência de julgamento Dos dias 23/1/2006, 25/1/2006, 30/1/2006, 1/2/2006, 2/2/2006, 7/2/2006 e 8/2/2006, fls. 1116.fls. 1117, apenso T - 2, fls. 12456, fls. 36 168. , fl.91 do Apenso V, Apenso l-16, fls. 89, Apenso CC, fls. 2, Apenso DA r AP ouvido em AJ de 20-06-2005, conforme acta respectiva e suporte magnético onde se encontra gravado o depoimento, CDs 1 e 2, A diz, em 2/2/2006, conforme acta e depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, Apenso EB, Apenso CK ,Apenso V/Caixa1/7CDR/STAIC/1998-2003, declarações do assistente prestadas em Audiência de Julgamento dos dias 19/12/2005, 21/12/2005, 5/1/2006; 6/1/2006, 9/1/2006, 10/1/2006, 11/1/2006, 16/1/2006, 20/1/2006, 23/1/2006 gravadas no sistema de gravação digital integrado, conforme exarado em acta, Exame de fls. 50, Volume I, Apenso CJ, Depoimento de Dr. BR em AJ de dia 16/10/2006, cujo depoimento se encontra gravado nos CDs 1, 2 e 3; fls. 73 e 74 do apenso Z-15; fls. 75 APENSO-Z-15), Fls. 78, apenso Z-15, Apenso CC, Fls. 71 e seguintes, Fls. 23 392, Fls. 34 do Apenso Z-16, Apenso CJ, Depoimento de educador VL, ouvido em AJ de 20/8/2007, cfr. Acta de julgamento e gravação do depoimento nos termos ali exarados, DVD 1h26mn às 2h31 rnn, Depoimento da educadora DDI, ouvida em AJ de 12/10/2007, conforme acta de julgamento e suporte de gravação DVD 1 dos 0mn às 3h21mn, apenso Z-17, fls. 1, 1 verso, 6 verso, 7, 29 e seguintes, 38 e seguintes, Apenso Z-15, I Volume, fls. 13 e 16, Fls. 6 apenso CJ,Depoimento de EM, educador, dia 17/5/2006, a seguinte transcrição do seu depoimento gravado em suporte magnético, conforme exarado em acta, Fls. 49645 dos autos, Apenso W12-1Q Volume e ainda súmula enviada pela AX a fls. 28360 a 28365, apenso Z-17,fls. 7, nota de 23/12/99,Apenso EB, fls. 111; 113,115, Apenso V, caixa 2, diskete 1, resposta a oficio 2849, Apenso EB fls. 117, fls. 166 Apenso ABA-B, pasta 6, fls. 1158 e seguintes, Apenso EB, fls. 118, Depoimento de VU; dias 17/11/2006 e 23/11/2006, conforme acta e depoimento gravado nos CDs 1,2, 3 e 4 Depoimento de IH; ouvida em AJ de 11/10/2006, conforme gravação no CD 1, 4ª faixa, Depoimento de OS; ouvido em AJ de 17/10/2007, cujo depoimento se encontra gravado em DVD de 1h04mn a 1h32mn, Apenso EB fls. 121; 123, 124, 125, 126, 127, 130, 131, 167, 128, 133, Apenso CK fls. 207 a 213, 217/ a 222, 227, 237,10398 Volume 49, Depoimento do Prof. Dr. EEW dos dias 12 de Maio de 2008 (0mn aos 5mn) e 30 de Maio de 2008, (dos 0mn aos 40mn) conforme depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital relatório cuja admissão aos autos se encontra a fls. 52956, exame de fls. 4643.
197. O facto 118.5 deverá ser alterado nos seguintes termos:
118.5. Desde há cerca de 15 anos aluga quartos a pessoas que, por razões das suas vidas profissionais, tinham de residir temporariamente em (...). Desde 1995 que está inscrita como ama da Segurança Social de crianças de 3 meses a 3 anos de idade, recebendo crianças em sua casa, na qualidade de ama, pelo menos desde essa data.
198. E isto porque, a redacção do facto dado como provado é efectuada por cópia da decisão instrutória, como se alcança facilmente. Sucede que a decisão instrutória foi proferida, como é sabido, em 2004, o que nos reconduzia à data de 1995. Ora, constando tal facto como consta na decisão recorrida, faz reportar ao ano de 2001, por referência à data da prolacção do acórdão, o que fica fora do alcance das circunstâncias temporais dos factos dados como provados, facto que o arguido recorrente tem interesse directo em ver alterado.
199. Uma vez mais não podemos concordar com a apreciação que fez o Tribunal recorrido, quanto aos factos dados como provados em (...). O Tribunal começa assim por analisar alguns depoimentos de pessoas que foram arroladas pelas defesas e que depuseram sobre o local em causa, bem como modo de vida da arguida Q.
200. Olvidando da sua apreciação elementos e elementos concretos, objectivos, palpáveis, que contrariam as declarações de A e dos assistentes, alguns, que vimos supra e outros que iremos continuar a expor.
201. O Tribunal recorrido efectuou uma análise das declarações prestadas pela arguida Q em sede de audiência de discussão e julgamento, que se encontra plasmada nas paginas 1268 e seguintes do acórdão e, que quanto a nós, é, contraria às regras da experiência, da lógica e do senso comum e completamente oposta aos raciocínios que o Tribunal vem fazendo relativamente em situações que considera plausíveis/não plausíveis.
202. Em primeiro lugar, a questão suscitada pelo Tribunal do pretenso conhecimento entre a arguida e o arguido A, nomeadamente pelo facto de a arguida se ter referido a A por A, aquando de uma instância do Tribunal - vide pagina 1271- facto que leva o Tribunal a concluir (ou a insinuar!?) que a informalidade do tratamento pode ser, [28] associada a outros elementos, (que elementos!?) valorada como indicio de que a arguida Q conhecia ou contactou com o arguido A, [29]
203. Contudo, tal valoração foge às regras da lógica e do bom senso. E se o Tribunal, como disse por variadíssimas vezes, quanto a A, teve que entender a pessoa que tinha na sua frente (e parece-nos que não entendeu)[30], não se vislumbra porque motivo, aparentemente, o Tribunal não fez esse mesmo esforço relativamente à arguida Q que, é pessoa simples e humilde, que praticamente não sabe ler nem escrever e que, quando prestou declarações, manifestamente se refere a A por "A", por ser esta a forma como mesmo é vulgarmente conhecido na Comunicação Social, o que constitui facto publico e notório. A é "A" para milhares de portugueses!
203. Quanto a esta matéria, da possibilidade da ocorrência dos factos em (...), o Tribunal também não deixou de, pertinentemente, se interrogar (página 1275) como é que, atenta a normalidade das coisas, alguém disponibiliza a sua casa para estes actos, tendo a viver por baixo da sua casa a filha e os netos. E porque é que foi escolhida uma casa em (...) quando os seus utilizadores.
204. Só que o Tribunal não responde lógica e objectivamente a estas questões. O Tribunal, quanto a esta matéria utiliza expressões vagas e indeterminadas - v.g. pagina 1278 - cada elemento de per si pode ser pouco, mas conjugado com outros assume peso - e não se alcança o raciocínio, através do qual, o Tribunal, sempre guiado pela lógica, bom senso e experiência, conclui que atenta a normalidade das coisas, tais factos se poderiam ter passado naquela casa, naquelas circunstâncias. Mas,
205. A verdade é que a prova - única disponível que o Tribunal tem, as declarações dos assistentes e do co-arguido A - é, como vimos, supra, débil, frágil, inconsistente, incoerente e contraditória com factos objectivos, da mesma não se podendo extrair qualquer conclusão plausível, sobre a ocorrência dos factos.
206. E, o Tribunal, na análise que efectuou relativamente aos "Depoimentos de (...)" não cuidou dos seguintes:
207. TL, proprietário do Restaurante (…), ouvido em AJ de 7/5/2007, conforme depoimento gravado no respectivo suporte integrado de gravação digital, proprietário do restaurante (…), cuja fotografia se encontra a fls. 1471/ com a seguinte legenda (onde o AV costumava almoçar com o A) e cujo depoimento foi muito esclarecedor, na medida em que o restaurante estava aberto todos os dias da semana até às 11.00h, trabalhavam no mesmo 7 empregados 3 cozinheiros. Nunca viu o arguido A em (…), nunca viu ou teve conhecimento de alguém ter visto em (...) o arguido H, sendo certo que o restaurante em causa se encontra de frente para a (...) da casa da arguida Q, conhece N há mais de dez anos. É sócio-gerente da Cervejaria (…) que abriu em 1998. O estabelecimento não fecha nenhum dia e está aberto das 10.30h até às 23.00h. São 7 empregados e três cozinheiras. Os empregados servem à mesa e balcão.
Em (...) nunca viu A - nunca o viu no seu restaurante- nem as os outros arguidos.
Miúdos viu a brincar no descampado, mas eram miúdos conhecidos da vizinhança.
 Nunca por lá viu carros que chamassem à atenção. Consegue ver todos os prédios da (...) (…) do Restaurante, pois é todo em vidro.
 As pessoas que vão ao restaurante com carros de alta cilindrada são espanhóis. Aos fins de semana há muito movimento por causa dos bares e das discotecas. No restaurante não se deixavam entrar crianças para comprar tabaco.
Nunca viu nem ouviu qualquer referência sobre a presença, nomeadamente, do Sr. H em (...).
208. WT, ouvida em AJ de dia 4/6/2007, com depoimento gravado no respectivo sistema integrado de gravação digital, vizinha da arguida Q, com três filhos pequenos que lanchavam muitas vezes em casa da arguida Q, aos fins de semana muito frequentemente; Nunca viu H ou N naquela zona.
209. OF, ouvido em AJ de 19/07/2007, com depoimento gravado no respectivo sistema integrado de gravação digital, que conhece a arguida Q e que teve uma filha sua à mesma entregue enquanto ama da Segurança Social.
210. BBE, ouvida 17/9/2007, fls. 47781, cujo depoimento se encontra gravado no DVD das 2h03 mn às 2h03, (?), foi hóspede da arguida Q desde Dez. 2000 a Set. 2003. Não avisava previamente quando saia ou quando chegava. Sabe que a arguida tomava conta de crianças, havia sempre 4/5 crianças, bem como os netos que estava, sempre em casa da arguida.
211. US, ouvida em AJ de 24/9/2007, cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital, foi hóspede da arguida desde 1996, sendo que em 1997/98 viveu em casa da arguida com o marido. Em Abril de 1999 teve um bebé, e no último mês de gravidez ficou em casa por recomendação médica. Em Dezembro de 1999, ficaram em (...), porque o marido tinha começado a trabalhar há pouco tempo. Tem a certeza que em Março de 1999 ficou todos os dias em casa da arguida, incluindo fins de semana, por recomendação médica. O neto da arguida tinha na altura cerca de 3 anos.
212. IY, (...), residente no 1º andar do n.º 221 desde 19831 nunca se apercebeu de qualquer movimentação estranha, os pais das crianças que frequentavam a casa, metade eram funcionários do Hospital.
213.BBKl filha da arguida Q, ouvida na audiência de julgamento de 4/12/20061 depoimento gravado no CD 3, 2ª e 3ª faixa e CD 4, 1ª faixa que confirmou viver com os filhos no andar de baixo da residência da arguida.
214. Ainda neste capitulo da possibilidade de ocorrência dos factos em (...), o Tribunal, na pagina 1283, refere, no que concerne ao arguido r....Quanto aos factos relativos ao seu dolo, bem como ao seu envolvimento como pessoa responsável pelo contacto com a arguida Q para a cedência da sua casa, da conjugação das declarações do arguido A (…) das declarações de AI, AT ou AN, foi globalmente consentâneo que era o arguido N que lhes abria a porta ou que dava os sobrescritos ao arguido A. O Tribunal ficou convicto que foi o arguido N a contactar a arguida Q, para que esta disponibilizasse a sua casa...
…. Porquê (...) é resposta que o Tribunal não pode dar.
... É que se o Tribunal acabou por acreditar nos assistente e no arguido A, de forma que, para si, afastou a dúvida razoável, é também nisso que se funda a convicção.
215. O Tribunal admite que não há elementos coadjuvantes dessa convicção (em prol de que os factos sucederam) nomeadamente contactos telefónicos entre os arguidos, acabando o Tribunal por concluir que tal não exclui a possibilidade de haver contactos que, de forma simples e sem necessidade de artifícios complicados fossem feitos.
216. Mas, perguntamos nós, quais????? Não exclui a possibilidade!??? Ora, com o muito e devido respeito, o Tribunal não pode tratar esta matéria como de se estatística se tratasse. Não há configuração de hipóteses. Há - ou não há! - prova de factos. E se não há, ou há dúvida sobre o modo como era possível, atenta, a normalidade das coisas tal facto ou tais factos terem acontecido, o arguido tem que ser absolvido.
217. OU seja, o Tribunal pretende acreditar na versão dos assistentes e do co-arguido A, mas não tem um único, UM ÚNICO, repetimos, elemento de prova, material, objectivo que corrobore as versões dos mesmos.
218. Aliás, quanto à disponibilidade da casa e do que considerou o Tribunal recorrido, sem qualquer apoio factual, veja-se que o assistente AT, nem sequer declara em consonância com AI e AN: ....na segunda vez que foi à casa de (...), e chegando os jovens à sala, já lá se encontravam os Senhores C, E, H e K; depois chegaram o Sr. N e mais dois ou três adultos e quem abria a porta da casa de (...), era um senhor que ele não consegue identificar, apenas se lembra que tinha umas calças Levi's, com os bolsos em "V", iguais às que o assistente queria e que o Sr. N aparecia pouco depois dos jovens entrarem e ficava a falar com o Sr. A no hall.
219. O Tribunal conclui - pagina 1287 - que ....o não dar uma situação como provada e dar outra como provada, se "fragiliza"...foi a prova feita. Todas as outras situações podem ter ocorrido, mas a forma como foram expressas, expostas e reveladas perante o Tribunal face à pronúncia (…) não permitiram dizer ao Tribunal de forma segura, dizer que o episodio de vida que hoje foi contado, era exactamente aquele que a pronuncia descrevia...
É claro que a lei consagra o mecanismo do artº 358º do C..P.Penal. Mas o Tribunal só o pode usar (...) para as situações (….) em que temos o indicio seguro que o acontecimento é exactamente o mesmo.
220. Mas a fragilidade é por demais evidente e estende-se a todas as situações relativas aos factos que o Tribunal deu por ocorridos em (...).
De facto, dos depoimentos supra indicados extrai-se, claramente, que não é credível ­de acordo com as regras da lógica, da experiência e do senso comum - que a arguida, com quatro, cinco crianças em casa, mais os netos, mais a filha, mais os hospedes que em dias de semana ou fim de semana fizesse o seguinte:
3) Abandonasse a casa com as crianças que lhe estavam confiadas, pelo tempo necessário à prática dos actos;
4) Ou, não abandonando, estaria a arguida com as referidas crianças num quarto, enquanto noutro o arguido H, N e outros adultos não identificados, se encontravam com os menores.
221. Não pode colher a argumentação do Tribunal neste sentido que estes factos podiam e, segundo o Tribunal, ocorreram em (...), na residência da arguida Q, constituindo outro entendimento, salvo o muito e devido respeito, violação intolerável das regras da experiência, lógica e sendo comum, elas próprias limite à Livre Apreciação da prova consagrada no artigo 127º do CPP.
222. Para justificar o facto de na AX ninguém ter dado conta da situação que veio a ser dada como provada - idas a (...) - considerou o Tribunal que por um lado os jovens não falavam e por outro não haveria tanto rigor e controlo dos alunos como era su(...).
223. Não é verdade, o entendimento do Tribunal na medida em que as situações detectadas foram reportadas, conforme confirmam vários depoimentos:
Veja-se depoimento de BQ, ouvido em audiência de julgamento no dia 13/3/2006 conforme depoimento gravado no respectivo sistema de gravação digital (CD 1, 2 e 3);
224. De forma geral, os educadores tiveram conhecimento do caso (…) - detectaram dinheiros, situações anómalas - porque motivo não detectariam se os assistentes fossem a (...)?
Controlavam as horas dos educandos do almoço, dos banhos e dos jantares; os educandos iam ao cinema, uma a duas vezes por mês, confirmavam onde estavam os educandos durante a tarde, se não os vissem no lar, as idas para casa eram previamente combinadas.
225. Os educadores e os documentos constantes nos autos demonstram que havia atenção por parte dos profissionais relativamente aos menores e que as situações problemáticas eram, efectivamente, detectadas. Aliás, da documentação nos autos nota-se mais rigor por parte dos educadores do que, muitas vezes por parte de progenitores: Veja - se, por exemplo (atenta e extensão dos depoimentos sobre esta matéria) os depoimentos de:
226. ML, ouvida em AJ de 22/2/2007 e 1/3/2007, depoimento gravado no suporte DVD dos 2h02mn às 4h55mn, que confirmou especificamente que: quando o padrasto do AN saiu da prisão, o 1M ficou um tempo sem ir a casa, ficava no Lar. Acha que não é possível o AN ter ido 20 vezes a (...), pois eles nunca saíam do Lar antes das 2 e às sete tinham que estar no Lar. O AN não participava muito em actividades ficava a ver televisão.
O AT ficava muitas vezes no lar de castigo e quando era de castigo era mesmo de castigo. Nunca se lembra de ao fim de semana o AN não jantar.
227. UM, ouvido em AJ de 5/3/2007 depoimento gravado em DVD dos 2h42mn às 3h59 mn;
228. EK, ouvida em AJ de 5/3/2007 das 4h41 mn às 5h21 mn e 9/3/2007, depoimento gravado no DVD das 2h30mn às 4h15mn; das 2h30 às 4h15 mn;
229. AAU, ouvido em AJ de 14/5/2007, DVD das 0h18mn, às 3h59 mn.
230. VL, ouvido em AJ de 20/8/2007, depoimento no DVD 1h26 e 2h31 mn;
231. DDI, ouvida em AJ de dia 12/10/2007, depoimento gravado no DVD 0mn às 3h21mn,
232. DDQ, ouvida em AJ de 5 e 19/11/2007, conforme depoimento gravado nos respectivos DVDs dos 52mn a 1H10 mn e dos 51mn a 1h15.
233. EN, ouvido em AJ dos dias 13/12/2006 e 14/12/2006, com depoimento gravado nos CDS 1, 2, 3 e 4, cujo trecho se deixa transcrito.
234. DDU, ouvida em AJ de dia 14/12/2006, depoimento gravado no respectivo suporte digital, disse:
235. Apenso Z-15, fls 46, fls. 50, Fevereiro de 2003, em que detectada a situação de consumo de estupefacientes por parte do AN, o mesmo é levado ao CAT, delineando-se um plano para lidar com a situação. Fls. 52, perante a suspeita de consumo é pedido despiste.
236. Em suma, de tudo quanto ficou explanado nas conclusões e ainda na motivação, deverão ter SER DADOS POR NÃO PROVADOS OS FACTOS: 118.3, 118.4, 118.5, 118.7, 118.9, 118.13, 118.14, 118.13, 118.14, 118.15 (pagina 167 do acórdão) 119, 119.1, 119.2, 119.3, 119.4, 119.5, 119.6, 120., 120.1, 125., 125.1, 125.2, 125.3, 131, 135, 141. E DEVERÃO SER ALTERADOS NOS TERMOS SUGERIDOS: 97.1, 97.2, 97.3 ..
237. O arguido foi condenado, nos termos seguintes:
Arguido N:
1. (Com referência ao capítulo 6.2.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AN:
a) 1 (um) crime p.p. pelo 172°, n° 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. (Com referência ao capítulo 6.5.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT:
b) 1 (um) crime p.p. pelo 176°, n. 1, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois) anos de prisão
3. (Com referência ao capítulo 6.7.2. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
c) 1 (um) crime p.p. pelo 176°, n° 1 e 3, do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão.
II - EM CÚMULO, foi condenado na pena de seis anos e dois meses de prisão.
238. De igual modo quanto a este arguido se apresenta a respectiva culpa em elevado grau.
É evidente a especial censurabilidade por si demonstrada em cada ilícito, sendo tanto patente nas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos.
Ao relatos dos assistentes foram demonstrativos do manifesto aproveitamento das especiais condições de vulnerabilidade das mesmas, bem como da ausência de respeito pela autodeterminação sexual de cada uma delas.
Também quanto a ele a dimensão global da ilicitude é intensa, nos mesmos moldes já explanados quanto aos anteriores arguidos.
A sua postura em julgamento não foi de todo colaborante, mas antes desculpabilizante, mas há que ter em atenção que foi de acordo com a sua atitude de negação dos factos.
Não demonstrou qualquer arrependimento.
A favor do arguido N temos apenas a sua integração social e económica, que, de qualquer forma, não foi igualmente suficiente para justificar uma mudança da sua parte, mas antes facilitando a prática dos ilícitos por si cometidos. Sofreu uma condenação no decurso do julgamento, por prática de crime diverso, diversidade essa que não afasta de igual modo quanto a si as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se justificam.
239. Quanto à condenação com referência ao capítulo 6.2.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AN:
a) 1 (um) crime p.p. pelo 172°, n° 1 e 2, do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
240. Entendemos que, face aos critérios previstos no artigo 71º do CP, ao facto do assistente à data dos factos ser um adolescente e por comparação ao que vem sendo a jurisprudência nacional (comparativamente a casos em que pais abusam de filhos e tais penas se fixam à volta do cinco anos), a pena aplicável se mostra desproporcionada, impondo-se a sua redução, com efeitos, no cúmulo global, que sendo de ponderar a suspensão da sua execução, ao abrigo do dis(...) no art.e 50.º do CP.
241. Quanto aos pedidos cíveis, o arguido foi condenado no pagamento de indemnização:
Com referência ao capítulo 6.5.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT:
b) 1 (um) crime p.p. pelo 176°, n. 1, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois) anos de prisão
3. (Com referência ao capítulo 6.7.2. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
c) 1 (um) crime p.p. pelo 176°, n° 1 e 3, do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão.
242. Ora, tendo sido dado por provado que o crime ocorreu, caberá, em ultima análise ao agente perpetrador do acto em si ser condenado em valor superior, tendo em consideração, nomeadamente, que os danos produzidos por um e outro diferem e em extensão e qualidade. Assim, quanto aos pedidos cíveis no valor de 25 000.00 cada um, os mesmos deverão ser reduzidos equitativamente.
Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimentos de V. Exas, deverá ser dado provimento integral ao recurso apresentado e em consequência ser reenviado o processo para novo julgamento ou, assim não se entendendo, ser reenviado à Primeira Instância para suprimento dos vícios formais, ou ainda assim não se entendendo, deverá ser concedido provimento à impugnação da matéria de facto, absolvendo-se o arguido,                                                                                                    COMO É DE JUSTIÇA“
2. Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância extraindo as seguintes conclusões:
“RECURSO DO ARGº N
610.  -  Se é legítimo discordar da Fundamentação, não é compreensível que se invoque a sua inexistência. Sobre o Tribunal não impenda qualquer obrigação de convocar, analisando-a criticamente, TODA a Prova produzida em Julgamento. Neste caso, aliás, se assim fora, ainda agora a Mmª Juíza Relatora estaria a redigir o Acórdão, tanta foi a "prova" irrelevante, porque espúria, trazida a debate;
611.  -  Como ensina o STJ, "O juiz aprecia a prova produzida – que se mede pelo seu peso e não pelo número", por recurso a "critérios de razoabilidade", para tanto bas-tando a "fundamentação e motivação necessárias à decisão"  - destaques e sublinhados nossos;
612.  -  Finalmente, porque como, linearmente, decorra do Acórdão, a formação da convicção do Tribunal resultou da conjugação de inúmeros elementos de prova, não se limitando às referidas declarações, sem prejuízo, naturalmente, da relevância que às mesmas foi reconhecida, atenta a especificidade própria dos crimes de natureza sexual;
613.  -  A Defesa de N sustenta a sua argumentação na premissa, segundo a qual, "Os factos que vieram a ser imputados aos arguidos, bem como os que vieram a ser dados como provados, pressupõem necessária e previamente" um conjunto de pressu(...)s, que enumera;
614.  -  Este raciocínio enferma, desde logo, de um equívoco, (...) que confunde o objecto do processo, thema probandum ut universi, com o resultado da livre avaliação levada a cabo pelo Tribunal, relativamente à Prova produzida em Julgamento, podendo dar como provados determinados factos, e, como não provados, outros tantos;
615.  -  Tal como se encontram formulados, nenhum dos pretensos pressu(...)s se constitui como conditio sine qua non da factualidade que, quanto a si, o Tribunal deu como assente;
616.  -  De entre os pressu(...)s enunciados, e a mero título indicativo, toda a factualidade que foi imputada, no Acórdão, ao Arguido N, e com base na qual este foi condenado, não exigia que conhecesse o Arguido A e, muito menos, desde 1996, como não exigia que conhecesse o Arguido C, ou que tivesse sido N a pedir à Arguida Q que abandonasse a sua residência aquando da chegada de A e dos Menores;
617.  -  Esta pretensa "omissão" configuraria, segundo o Recorrente, a "insuficiência da matéria de facto que permita a decisão de condenação" (fls. 70.470), concluindo que "Em su-ma, faltam necessariamente elementos que permitam formular um juízo seguro de condena-ção";
618.  -  A conjugação das duas afirmações, que vêm de transcrever-se, é exemplo de uma muito generalizada confusão entre a "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada" e a "insuficiência de prova, como suporte da decisão";
619.  -  A Defesa de N, para além de ter incorrido no referido equívoco, leu mal o Acórdão quando, a seu respeito, escreveu o seguinte:
"Aliás, o Tribunal tem consciência das limitações da matéria de facto provada, quan-do motiva a mesma:
O Tribunal admite que não há elementos coadjuvantes dessa convicção (em prol de que os factos sucederam) nomeadamente contactos telefónicos entre os arguidos, acabando o Tribunal por concluir que tal não exclui a possibilidade de haver contactos que, de forma simples e sem necessidade de artifícios complicados fossem feitos. (…)
Em suma, faltam necessariamente elementos que permitam formular um juízo seguro de condenação.";
620.  -  Não foi isto que o Tribunal declarou. O Acórdão não refere, nem, sequer, deixa a entender, ter consciência de qualquer limitação "da matéria de facto provada". Seria, aliás, estranho que o tivesse feito. O que, no Acórdão, se consigna, reporta-se, exclusivamente, à Prova, que não aos factos, nem, muito menos, aos "Factos Provados", como, cristalinamente, resulta do trecho contido a fls. 67.696/7);
621.  -  Por outro lado, prosseguindo na indistinta referência a "Prova" e a "Factos", a Defesa do Arguido N dá mostras, uma vez mais, de perfilhar o entendimento segundo o qual competiria ao Tribunal, em sede de Acórdão, pronunciar-se sobre todos os fac-tos e sobre todas as provas. Não tem, como já tivemos oportunidade de assinalar e, consequentemente, nos dispensamos de aqui reiterar;
622.  -  Começando por enumerar os elementos de prova com base nos quais, na opinião do Recorrente, o Tribunal deveria ter chegado a conclusão diversa da que acolheu, "retira-se a conclusão que o arguido não se encontrava em (...) na esmagadora maioria das datas em que os factos pudessem ter tido lugar";
623.  -  Admitindo-se que, ao aludir a datas, a Defesa se reporte às que foram conside-radas no Acórdão, o Arguido, implicitamente, admite ter estado em (...), nalgumas delas, (...) que, igualmente, reconheça ter estado ausente daquela cidade, "tão só", na esmagadora maioria das datas em causa;
624.  -  Não seria, assim, possível  - ainda e sempre seguindo a linha de raciocínio do Recorrente -, que os factos pelos quais foi condenado possam ter ocorrido, justamente, nas poucas vezes que, não obstante, permaneceu em (...) ?;
625.  -  No que ao presente Capítulo diz respeito (pretensa verificação do vício previsto nos nºs. 1 e 2, a), do artº 410º, do CPP) e ao modo como a Defesa o encerra, no texto da Motivação, fica claro que, ao referenciar a prova que enumera e ao convocar os conteúdos de excertos de depoimentos produzidos em Julgamento, a Defesa de N confunde o que sejam os vícios que hão-de resultar do texto da decisão recorrida, com impugnação da matéria de facto;
626.  -  Em conformidade, forçoso será concluir que, invocando os vícios do artº 410º, do CPP, a Defesa do Arguido N o faça em sentido impróprio, mais não visando do que colocar em crise a convicção do Tribunal, relativamente aos factos dados como provados, sendo manifesta a improcedência do que, no presente segmento, vem ale-gado, atendendo a que o Arguido foi condenado pela prática de crimes de Abuso Se xual de Crianças e de Lenocínio, cujos elementos típicos são integrados pelos factos que o Tribunal deu como provados;
627.  -  Quanto ao invocado vício de erro notório na apreciação da prova, para que se tenha por verificado, há-de traduzir-se num vício de raciocínio no julgamento da prova, evidenciado por uma simples leitura da decisão e que não escape à observação do comum dos observadores;
628. - Exemplos impressivos, são-nos fornecidos pelo saudoso Conselheiro Maia Gonçalves:
         "Serão, portanto, casos de erro notório na apreciação da prova aquele em que um acórdão recorrido menciona que o arguido estava às 10 horas de um dia em Coimbra e às 10 horas e 30 minutos desse mesmo dia em Lisboa e aquele em que se diga que o arguido deu um tiro procurando atingir o coração da vítima, que efectivamente atingiu e esfacelou, mas que não houve da sua parte intenção de matar.";
629.  -  São erros desta natureza que a Defesa de N imputa ao Acórdão, ainda para mais porque, pretensamente, sejam visíveis à vista desarmada ? Se são, não indica um único. Aliás, nem poderia fazê-lo, (...) que inexistentes;
630.  -  Acresce que o Recurso confunde dúvidas  - que o Tribunal apenas invoca nos casos, e só nesses, em que, coerentemente absolveu, por aplicação do in dubio pro reo -  com a análise da Prova a que o Tribunal procedeu, de forma exaustiva, dando conta, no Acórdão, de todo o percurso mental que desenvolveu ao longo da correspon-dente análise crítica;
631.  -  Como ensina o STJ, a violação do princípio in dubio pro reo "só pode ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o Colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido";
632.  -  Daí que, nenhum dos excertos que, na Motivação, se transcrevem, ilustrem ou consintam, a conclusão segundo o qual o Tribunal tenha errado notoriamente na ava-liação da Prova, ou, ainda, que, condenando, o tenha feito sob reserva mental, com dú-vidas;
633.  -  E  - cabe perguntar - como seria possível que, atenta a natureza das coisas, ao Tribunal não se tivessem colocado as questões de que, transparentemente, o Acórdão dá conta ?;
634.  -  A interrogação é o cerne e o sinal do juízo crítico. O Tribunal interroga-se, anali-sa e diz, quer onde chegou, quer quando não tenha logrado chegar, retirando, num ca-so e noutro, as ilações que a Lei impõe e aplicando o Direito aos factos;
635.  -  Neste caso, e no que à "Casa de (...)" diz respeito, o que, no Acórdão, o Tribunal questiona, não é se os factos aconteceram em (...), naquela casa, mas, antes, porquê em (...), porquê na casa da Arguida Q;
636.  -  Dando como assente, fundamentadamente, que os factos aconteceram em (…), naquela casa, o Acórdão limita-se a reconhecer não ter logrado apurar porque foi escolhida, quer aquela cidade, quer aquela casa;
637.  -  Quanto à nulidade do Acórdão  -  artº 379º, nº 1, b), com referência aos artºs. 358º e 424º, nº 3, ambos do CPP, tendo em conta que a questão (em epígrafe) suscitada pela Defesa do Arguido N, o foi, igualmente, no Recurso oportunamente inter(...) pelo MºPº, em termos, no essencial, considera-se prejudicada a necessidade de tecer quaisquer outras considerações;
638.  -  Acresce que na Motivação, as contradições sucedem-se em catadupa, resul-tando, claras, do próprio texto da Motivação recorrente. Nesta, a cada passo, são produzidas afirmações, logo desmentidas pelo seu contrário. Fica sem saber-se se, para o Recorrente, afinal, o Acórdão explica, ou não explica, se analisa, ou deixa de analisar, se se estriba, ou não se estriba, se motiva, ou não motiva, se aprecia, ou, porque ignore, deprecia;
639.  -  A final, para além de considerar violado o artº 127º, do CPP, a Defesa do Argui-do N imputa ao Acórdão a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, a), (...) que, segundo alega, não teria sido dado cumprimento ao nº 2, do artº 374º, um e outro, ainda do CPP;
640.  -  No que à pretensa violação do artº 127º diz respeito, remetemos para o que, a propósito, expusemos em "CA).2." e que aqui se convoca. Já quanto à alegada falta de Fundamentação do Acórdão, tendo em conta o que vem de dizer-se, mais não nos resta do que, discordar, (...) que não se tem por verificada a imputada nulidade;
641.  -  No que diz respeito à longa dissertação sobre literatura científica, relativa a crimes sexuais, respondemos, invocando, tão só, os trechos do depoimento do Prof. Félix Lopez, Professor na Universidade de Salamanca, com inúmera obra publicada e reputado Especialista, no que aos crimes sexuais diz respeito, cujo impressivo curriculum consta dos autos (fls. 37.316 a 37.389), e com o qual concluímos, dando-lhe a palavra, por referência aos segmentos transcritos na Motivação, relativos às declarações que prestou em Julgamento, sem esquecer que o Professor F. Lopez teve oportunidade de ler os depoimentos dos assistentes, prestados em Inquérito, bem como as perícias a que foram sujeitos;
642.  -  (Acta da Sessão de Julgamento, de 21.12.2006 - I cassete do lado B dos 31.16 aos 25.33 minutos do lado A da II cassete e em CD, 1ª faixa do CD 2); (Acta da Sessão de Julgamento, de 21.12.2006, II cassete do lado B dos 26.45 aos 6.48 minutos do lado A da III cassete e em CD, 2ª faixa do CD 3); (Acta da Sessão de Julgamento, de 09.02.2007, DVD);
643.  -  Quanto à impugnação da matéria de facto propriamente dita, também nesta sede não se disfarça um "toque" ficcional, sobretudo no que à composição dos sub títulos diz respeito ("O Processo de (…)", "O estranho caso do telemóvel de AV", "O Caso das Fotografias de fls. 939. O Mistério da Casa de (...)");
644.  -  Valha que, ao menos para a Defesa do Arguido N, esta admita (fls. 70.511) que "possam não existir indícios directos ou indirectos de industriação, manipulação e preparação de prova", ainda que "… seguramente, compulsado o inquérito, há indícios - indícios fortes - de, pelo menos, total precipitação, negligência, desistência de linhas de investigação aparentemente tão credíveis como outras - sem qualquer motivo patente e plausível";
645.  -  Igualmente, a Defesa reconhece que o Tribunal, "face às linhas de defesa apresentadas pelos arguidos," teve "a necessidade de, ao longo do acórdão (conferir página 792 e seguintes do acórdão) efectuar uma análise à postura dos elementos da Policia Judiciária durante a investigação, que, no entender do mesmo Tribunal recorrido, excluiu a hipótese de "manipulação ou contribuição para a criação de uma história", como ainda que "O Tribunal analisou os depoimentos prestados perante o Tribunal "com o mencionado objectivo de despistar e isolar indícios da possibilidade ou da eventualidade de contribuição dos Inspec-tores da Policia Judiciária, com os actos e diligências que efectuaram na fase do inquérito - os quais identificam a qualidade e a quantidade das intervenções que tiveram no processo ... ";
646.  -  Daí que, no mais que compõe os primeiros sub-capítulos, da designada "Impug-nação da Matéria de Facto", ao MºPº não se lhe ofereça dizer mais do que o Acórdão, a tal respeito, refere, (...) que a argumentação que na Motivação se invoca, face ao que o próprio Recor-rente admite e reconhece (no mais das vezes, limitando-se a suscitar dúvidas), prejudique a necessidade/conveniência de quaisquer outras considerações., para além das que do próprio Acórdão resultam;
647.  -  Tão só, uma pequena ressalva: Na Motivação, atribuem-se algumas afirma-ções, produzidas em Julgamento, ao Sr. Perito do INML, Prof. BR;
648.  -  Tais afirmações foram complementadas com um esclarecimento que não vem transcrito, segundo o qual, pese embora o Sr. Perito não possa excluir, em tese  - co mo, de resto, nem poderia deixar de ser -, a hipótese de contaminação, não considere que tal se tenha verificado, em concreto, no que aos Jovens que observou diz respeito ("… e foi nesse sentido que eu me pronunciei quer dizer, portanto, sendo possível repito, por-tanto, acho que é improvável."  - cfr. depoimento prestado na Sessão de Julgamento de 16.10.2006, Acta respectiva, I Cassete);
649.  -  Esta opinião, vinda de um Perito, é, aliás, corroborada por uma Testemunha cujo depoimento  - está-se em crer -, nenhuma das Defesas  - porventura, com excepção da Defesa do Arguido A -  ousará qualificar de hostil ou pouco credível;
650.  -  O Dr. LF, ao tempo Director Nacional-(...) da Policia Judiciária, respondeu, sem hesitar, a uma pergunta formulada pelo MºPº, (e que se prendia com a actuação da Equipa da Polícia Judiciária, constituída pela Srª Coordenadora, Drª CCU, pelo Sr. Inspector-Chefe, BZ e pelos restantes Srs. Inspectores que a in-tegravam e com a possibilidade de os procedimentos seguidos terem contribuído para a "inquinação" dos depoimentos das Vítimas):;
651.  -  "MºPº – O Senhor Doutor tem algum indício concreto, pela observação que pôde fazer do acompanhamento que teve, de que tenha havido alguma inquinação?
Dr. LFNão, Senhor Doutor.".
(Cfr. Acta De Julgamento de 20.10.2006, II Cassete (áudio), lado A, dos 22 aos 28.53 minutos e em CD, 2ª faixa do CD 2);
652.  -  No mais, "fala" o Acórdão;
653.  -  (Acórdão  -  fls.  67.204 a 67.219)  -  "A exaustiva análise da actuação da Polícia Judiciária"  ;
654. - (Acórdão - fls. 67.219 a 67.220) - "Da indagação relativamente á possibilidade  de criação de uma "história", pelos  Assistentes (enunciado da metodologia e dos elementos atendíveis, no Acórdão)"  ;
655.  -  Depois de assim enunciar a análise a que irá proceder, o Acórdão dá início, a partir daqui a uma análise detalhada e minuciosa tendente a aferir se, por contaminação recíproca e/ou da Comunicação Social, houve, ou não, a criação de uma "história" colectiva (análise que se prolonga até fls. 67.318, onde se inicia a avaliação crítica dos factos relativos aos diversos itens incriminadores do Despacho de Pronúncia, bem co-mo aos depoimentos de cada um dos Assistentes, enquadrada pelas suas condições de vida, percurso na AX e toda a envolvência relevante), e para cujos segmentos a presente Resposta remete, aqui os dando por reproduzidos;
656.  -  Uma nota, em particular, sobre o Assistente AV. É indisfarçável que, para a Defesa do Arguido N  - como, de resto, para algumas outras Defesas -, o facto de o Tribunal ter reconhecido que não logrou compreender a personalidade e o modo de funcionamento da estrutura mental do Assistente AV, acabou por se constituir num inesperado revés;
657.  -  O Acórdão, consequentemente, afirma que o depoimento do Assistente não sustentou outra condenação, que não seja aquela que incriminava o Arguido A, relativamente ao abuso por este consumado na pessoa de AV, abuso esse que o próprio Arguido confessou;
658.  -  Compreendemos  - e aplaudimos -  o expresso reconhecimento da incapacidade em compreender AV. Também aí se revela a seriedade intelectual com que o Tribunal abordou os factos e o modo individualizado e personalizado como analisou cada um dos Assistentes e cada um dos depoimentos, sem prejuízo da avaliação global a que, tão pouco, se furtou;
659.  -  Disso mesmo se deu conta no Acórdão;
660.  -  (Acórdão  -  fls. 67.700 a 67.702)  -  "O Assistente  AV  e a reconhecida incapacidade do Tribunal em percebê-lo (factor, quanto a  nós, de  credibilização  intelectual do Acórdão)"  ;
661.  -  No que ao Arguido A diz respeito, a Defesa do Arguido N, invocando o "Relatório de Perícia Colegial de Psiquiatria e Psicologia Forense" a que foi sujeito o Arguido, realizado pelo Hospital DM e constante de fls. 54.341 e ss., alega que "O Tribunal violou o comando do artigo 163º n.º 2 e errou no julgamento da prova, contrariando na sua decisão as conclusões dos peritos.";
662.  -  Tenha-se em conta, antes do mais, que o Relatório a que se alude é um duplicado do original do Relatório que consta de fls. 54.749 e ss. (cfr. fls. 54.748), convocado pelo próprio Acórdão, a fls. 67.756;
663.  -  Por outro lado, a invocação de "declarações" atribuídas, no Relatório, ao Argui-do, é ilegal, (...) que não se destina a colocar em crise a própria Perícia, única situação em que, de acordo com a adaptação que fazemos da doutrina do já referido Ac. do TRL, de 21.3.2007, (e que constitui o Apenso de Recurso "AF", do Processo);
664.  -  Ao invés do que se alega, o Tribunal não contrariou as conclusões dos Srs. Peritos. Pelo contrário! Após analisar o depoimento do Arguido A, o Acórdão conclui que a pessoa (A) a que se tem vindo a referir, "É a pessoa que está tratada e retratada nas conclusões da Perícia que lhe foi feita, concretamente o que se encontra a fls. 54.777 a 54.784 (subscritas pelos Sra. Peritos Dra DO e Prof. Doutor DN, os quais prestaram esclarecimentos em audiência de julgamento quanto à perícia efectuada)." (ibidem, fls. 67.756);
665.  -  Aliás, no "Relatório Pericial", para além do que, de forma selectiva e descontex-tualizada, se transcreve na Motivação, conclui-se, ainda, o seguinte (Conclusão "12)", do Relatório, a fls. 54.782):;
666.  -  "Explicita ter "colaborado" com rapazes da AX. Verbaliza esta temática sem tergiversar, com fluidez, explicitando os mesmos conteúdos, sem aparentes contradições quando refere quando, onde, como, para junto de quem os transportou, etc., circunstâncias em que não hesita, reproduz quase o mesmo, em momentos diferentes e da mesma forma. Tende a ser pormenorizado, minucioso, procurando propiciar inúmera informação, jamais se furtando a abordar a temática, Pelo contrário, distende-se, amplo, escorreito, seguro de si e das suas afirmações, convicto de que expressa a verdade." ;
667.  -  Como se poderá constatar, do que no Acórdão se consigna, relativamente ao perfil do Arguido A e ao modo como foi analisado o seu depoimento, não só não se verifica qualquer divergência com as Conclusões da Perícia, como, antes, total convergência;
668.  -  Ilustrando o que vem de dizer-se, tenham-se em conta os seguintes excertos do Acórdão, no qual o Tribunal analisa a personalidade, as atitudes, as reacções e o depoimento do Arguido A, e que desmentem, de forma cabal, o alegado pela Defesa do Arguido N:;
669.  -  (Acórdão  -  fls. 67.412/3)  -  "Análise da perfil psicológico do Arguido A"  ;
670.  -  (Acórdão  -  fls. 67.587)  -  "Análise da perfil psicológico do Arguido A e do respectivo depoimento"  ;
671. - (Acórdão  -  fls. 67.752 a 67.756) -  "Análise da perfil psicológico do Arguido A e do respectivo depoimento (conclusão)"  ;
672.  -  Pelo que não possa deixar de concluir-se não se ter verificado qualquer viola-ção do dis(...) no artº 163º, nº 2, do CPP;
673.  -  A Motivação passa, então, a analisar os depoimentos dos Assistentes AI (AI), AT (AT) e AN (IM). O MºPº, porque entenda, ainda aqui, que mais não careça do que louvar-se na Fundamentação do Acórdão, aqui deixa, referenciados, os correspondentes segmentos do Acórdão, pela ordem relativa aos itens do Despacho de Pronúncia, que não pela indicada na Motivação;
674.  -  Item "6.2.1.", do Despacho de Pronúncia  -  (Assistente AN)
(Acórdão)  -  fls. 67.836)  -  "O modo como o Assistente depôs"  ;
675.  -  (Acórdão - fls. 67.837 a 67.841)  -  "A ida de AN a (...)"  ;
676.  -  Item "6.5.1.", do Despacho de Pronúncia  -  (Assistente AT)
(Acórdão - fls. 67.841 a 67.848)  -  "Os factos pessoais relativos a AT, O relacionamento com o Argº A, A ida a (...)"  ;
677.  -  Item "6.7.2.", do Despacho de Pronúncia  -  (Assistente AI)
(Acórdão - fls. 67.525 a 67.548)  -  "O Depoimento de AI, "O percurso de AI na AX, "  ;
678.  -  (Acórdão - fls. 67.549 a 67. 552)  -  "A localização no tempo"  ;
679.  -  (Acórdão - fls. 67.556 a 67.576)  -  "Da Prova Testemunhal e Documental (Análise Crítica)"  ;
680.  -  (Acórdão - fls. 67.609 a 67.643)  -  "Dos Factos em (...) - o Relato, Dos Factos em (...)  -  Análise Crítica" ;
681.  -   (Acórdão - fls. 67.648 a 67.699)  -  "Análise Crítica (cont.)"  ;  
682.  -  Quanto ao Capítulo relativo à possibilidade de os factos terem ocorrido em (...), o MºPº dará início à correspondente Resposta, convocando, desde já, a aprofundada análise que, no Acórdão, aborda a questão em apreço, completando a referência com alguns elementos adicionais que considera pertinentes e relevantes;
683.  -  Não obstante, nunca será demais relembrar uma ilação que o Tribunal consig-nou no Acórdão (fls. 67.696/7) e que, a nosso ver, como já tivemos oportunidade de referir antes, é crucial na abordagem deste tema e na avaliação dos elementos de prova apresentados pelas Defesas de alguns Arguidos, nomeadamente, pela Defesa do Arguido N, tentando demonstrar a impossibilidade de estarem em (...) nos períodos referenciados na Pronúncia, ora circunscritos àquelas situações que o Tribunal, comprovadamente, deu como assentes;
684.  -  O Acórdão como, expressamente, refere, não desconsiderou os inúmeros registos apresentados pelas Defesas. Pelo contrário! Todavia, relativizou, fundamen-tadamente, a sua importância, (...) que não excluiu a possibilidade de terem sido utilizados outros telefones, para além dos que foram referenciados. Tudo isso resulta da natureza das coisas, da experiência da vida e das regras às quais o Julgador não só não pode, como não deve, deixar de atender;
685.  -  Aliás, quanto à fidedignidade da prova apresentada pela Defesa de N, é bem ilustrativo o depoimento (prestado na Audiência de 11.7.2007 - cfr. Acta respectiva, em su-porte DVD) de QI, ao tempo, ex-Mulher do Arguido, por exemplo, quando referiu que quanto aos cartões MB, cada um tinha o seu. No entanto, quer a depoente quer HM utilizavam-nos ambos, indiferentemente;
686.  -  No que ao Arguido N diz respeito, atente-se, ainda, na quantidade de números de telemóvel relativamente aos quais, comprovadamente  - como resulta dos Docs. que se indicam - tinha a disponibilidade:
No Ano de 1999:
1 - (…) - carregamentos efectuados, por exemplo em 21.4.99, 23.9.99, 20.10.99,8.11.99, 16.11.99,23.12.99 (cfr. fls. 721, 726, 731, 734, 735 e 738, do Apenso ABA-R, Vol. 3);
2 - (…)- carregamentos efectuados, a título de exemplo, em 11.8.99, 17.9.99, 29.10.99, 23.12.99 (cfr. fls. 725, 728, 733 e 738, do referido Apenso) e, ainda, fls. 13.135;
3 -  (…)- carregamentos efectuado, por exemplo, em 8.10.99, 24.10.99, 8.11.99, 22.12.99 (fls. 730, 732, 734 e 737 do Apenso "ABA-R", Vol. 3) e fls. 17.240;
4 - (…)- carregamento efectuado, por exemplo, em 23.10.99 (fls. 732, do referido Apenso) - e fls. 17.253.
No ano de 2000:
Além dos referidos telemóveisutilizados no Ano de 1999, e que o Arguido mantém, ao  longo do Ano de  2000, efectua, ainda, carregamentos  referentes a outros números de telemóveis (cfr.. fls. 625, do Apenso "ABA-R"):
1 - (…) (desde 15.3.2000 - fls. 17.240);
2 - Telemóvel cuja referência de MB é  (…);
3- (…) (com carregamentos em 11.2.00,13.3.2000, 29.3.2000 - fls. 742, 745, 746, do Apenso "ABA-R", Vol. 3);
4 - Mimo - 567407749 (com carregamentos em 6.3.2000, 11.3.2000 ,22.3.2000, 30.3.2000 e 28.4.2000 - fls. 744, 745, 746, 748, do referido Apenso);
5 - (…) (14.4.2000, 30.4.2000, 18.5.2000 - fls. 747, 748 e 750, do referido Apenso);
6 - Cartão da rede Optimus cuja referência é (…) (carregamento efectuado, por exemplo, no dia 15.5.2000, fls. 750, do referido Apenso).
Em 1998, aquando do Requerimento para o concurso da AX, a que se cândidatou, o Arguido fornecera, ainda, o Telemóvel (…) (cfr. fls. 1123);
687.  -  Acresce que, quanto à recolha de dados do tráfego telefónico, o Acórdão dá conta das dificuldades que as Operadoras referem, no que diz respeito á sua recuperação, sendo certo que tal acabou por não ser possível relativamente a alguns períodos de tempo;
688.  -  (Acórdão - fls. 67.172 a 67.179)  -  "Das dificuldades na obtenção dos registos das chamadas telefónicas"  ;
689.  -  Tão pouco os registos de presenças nas aulas que decorriam em (…), aos Sábados, são fidedignos;
690.  -  Para além de resultarem, dos mesmos, faltas de assinaturas do Arguido N, correspondentes às faltas que deu, foram anotadas, em Julgamento, na sequência da prova documental, situações em que, nos horários em que seria su(...) N estar em aula, (...) constar da respectiva folha a sua assinatura, existirem registos de Via Verde do seu veículo em zonas distantes de (…);
691.  -  A título de exemplo, note-se o facto de, em várias sessões, o nome do Arguido ter sido manuscrito, não constando o seu nome na lista dactilografada dos alunos inscritos no curso – vd., por exemplo, Doc. nº 43, do Apenso EB -, estando a folha das presenças de 15 de Janeiro de 2000 registado numa folha A-4 agrafada ao registo dactilografado que se encontra em branco, conforme se afere de fls. 85, do Apenso CK, do qual consta cópia certificada de todos os documentos relativos à assiduidade, matrícula, horário e legislação referentes ao Curso, existentes na Faculdade (…);
692.  -  Reforçando as dúvidas sobre a sua credibilidade, constata-se que existem dias em que as assinaturas não podem ter sido realizadas pelo Arguido;
693.  -  Assim, relativamente ao dia 9 de Outubro de 1999, verifica-se que o Arguido entrou na A1, pela portagem de (…), às 14H49M, em direcção a (…), onde saiu pelas 16H05M, tendo ao mesmo tempo, pelas 14H30M, assinado a folha de presença no Curso (…) (cfr. fls. 78 e 166, do Apenso "EB");
694.  -  O mesmo se passa relativamente ao dia 16 de Outubro de 1999, em que o Arguido entrou na A1, em (…), pelas 12H53M, em direcção a (…), onde saiu pelas 14H07M, tendo, no entanto, assinado a folha de presença referente à aula das 14H30M, desse mesmo dia, no referido Curso (…) (cfr. fls. 83 e 166, do Apenso "EB");
695.  -  No mais que importa, permitimo-nos, ainda aqui, remeter para o Acórdão;
696.  -  (Acórdão - fls. 67.666 a 67.690)  -  "Da possibilidade da ocorrência dos factos      na  casa sita na (...) (…), nº (…), em  (...)
697.  -  Acresce que pretender retirar da prova que foi produzida em Julgamento, que havia controlo sobre os Alunos da AX, nomeadamente, os Internos, por parte dos responsáveis, ou, da esmagadora maioria daqueles a quem incumbia a responsabilidade de por eles zelar, distorce, em absoluto, as óbvias conclusões que dela não podem deixar de retirar-se;
698.  -  Aliás, cabe perguntar porque razão foi o Estado Português condenado, por um Tribunal Arbitral  - cuja Decisão consta do Processo (Apenso Z-16, cfr. Termo de Apensação de fls. 55.488-A e Despacho fls. 55.479) - a pagar indemnizações a algumas das Vítimas;
699.  -  O total descontrolo nas entradas nas, e saídas das, instalações, da AX  - cujos registos foram, detalhadamente, analisados pelo Tribunal e de que o Acórdão dá conta -, seja dos Alunos Internos, seja de viaturas (quanto a estas, o exemplo do Arguido A é, por demais, paradigmático), foi notório ao longo da Prova produzida em Julgamento;
700.  -  Por outro lado, foi penoso, ouvir tantos depoimentos de Ex-(...)es, actuais e Ex-Directores, actuais e Ex-Educadores, para além de outros Funcionários da AX, que, não poucas vezes, em mais não se traduziram do que em auto-justificações absolutamente inverosímeis, de Pessoas que alegavam nunca ter desconfiado de nada e que não faziam a mínima ideia de que algo de errado se passava;
701.  -  As fugas dos Alunos, desde há muito, eram uma constante, como constante era a indiferença perante a sorte das Crianças e do seu paradeiro;
702.  -  Os processos disciplinares que, ao longo dos tempos, foram sendo instaurados ao Arguido A e dos quais os principais responsáveis da AX tinham conhecimento, relacionavam-se, na maior parte dos casos, com abusos sexuais;
703.  -  Por outro lado, os "Livros de Registos de Ocorrências dos Lares"  - que constam do Processo, às dezenas, e que integram os Apensos "W-10" e "W-11", que o Acórdão convoca, são um painel impressionante de desleixo, de indiferença e de negligência;
704.  -  Nesses Livros de Ocorrências, os Educadores registavam, pelo próprio punho, assinando-os, os factos mais salientes que, no dia-a-dia dos Lares que compunham os diferentes (...)s da AX, iam ocorrendo;
705.  -  Porque não sonhassem que, algum dia, os conteúdos de tais registos viessem a ser conhecidos, revestem-se de uma veracidade cuja importância é relevantíssima;
706.  -  Quantas vezes, quem depunha em Julgamento, pretendendo que de nada des-confiara e que, na AX, tudo marchava sem sobressaltos, foi confrontado com registos da sua própria autoria, que desmentiam, completamente, o que se dizia e o quadro "idílico" com que se procurava convencer o Tribunal;
707.  -  Esses Livros são um repositório do que foi a AX, durante décadas. Esses Livros, são, a um tempo, a impressão digital de um tempo e o "dedo acusador" que aponta para um conjunto de Pessoas que não souberam merecer estar onde estavam;
708.  -  O Tribunal não se deixou embalar por "cantos de sereia", nem tapou os ouvidos, como Ulisses. Leu, ouviu, quis compreender, avaliou e, como não podia deixar de ser, retirou as ilações que se impunham. E, no final, disse, proclamando a Verdade do que foi a AX;
709.  -  (Acórdão - fls. 67.289 a 67.310)  -  "Do controlo (ou da falta dele) sobre os Educandos da AX;
710.  -  O MºPº, no Recurso que, oportunamente, interpôs do Acórdão, impugnou as medidas das penas, pugnando por um agravamento geral das mesmas, nomeadamente, no que ao Arguido N diz respeito;
711.  -  Considera, assim, prejudicada, a necessidade de rebater este segmento do Recurso da Defesa do referido Arguido, remetendo para as considerações expendidas no seu próprio Recurso;”
3. Responderam também a AX e os demais assistentes concluindo da forma seguinte:
I. No entender do arguido, não explicando o tribunal o facto da casa de (...) distar 200km dos (...)s e ser uma residência familiar e o facto de os crimes exigirem a articulação entre os arguidos, verificar-se-ia a insuficiência da matéria de facto, por existir um hiato de raciocínio entre os factos provados e a decisão.
II. Contudo, a ponderação destas circunstâncias apenas interessam à análise crítica da prova para justificar a maior ou menor credibilidade que algum meio de prova mereça, não tendo o tribunal que se pronunciar acerca deles se entender não terem relevância para a decisão.
III. Note-se que o tribunal não deu como provada a existência, sequer informal, de uma “rede” de pedofilia de que os arguidos integrassem, que não ponderou, embora tenha sido aflorada.
IV. Assim como, não deu como provado que os arguidos se conheciam, excepto os arguidos K e E e, mesmo quanto a estes, frisou que tal não relevava para a verificação dos ilícitos ou para a graduação da pena.
V. Para qualificar a conduta como preenchendo os elementos do tipo o julgador apenas tem que dar como provados factos relativos àqueles, fundamentando o seu juízo, não lhe sendo exigível que explique todas as circunstâncias que rodeiam o ilícito em si.
VI. Não é que elas não sejam úteis, não são é necessárias e muito menos imprescindíveis, para se dar como provado os factos ilícitos e, em consequência, condenar o arguido.
VII. Os factos emergentes da discussão da causa – como os listados na conclusão 4 –, poderão ser apreciados pelo tribunal se entender que revestem utilidade para sustentar ou impugnar alguma das soluções plausíveis para a causa que se prefiguram perante o julgador.
VIII. Se o tribunal não vislumbrar qualquer utilidade na ponderação de tais factos e meios de prova não está obrigado a explicar o porquê de não os considerar, não incorrendo, por isso, em insuficiência da matéria de facto para a decisão.
IX. Aliás, o tribunal deixou bem claro sobre que matéria recaiu o seu juízo (cfr. fls.66.515 e 66.516).
X. É que o tribunal deve perseguir autonomamente verdade material tal como a percepciona da prova que lhe é presente e não aceitar a verdade parcial, do arguido como uma das soluções a ponderar para alcançar aquela.
XI. O princípio in dubio pro reo é a imposição dirigida ao juiz de decidir a favor do arguido, emitindo um juízo de non liquet, se não se encontrar convencido, para além de toda a dúvida razoável, da veracidade ou falsidade de um facto.
XII. Dúvida razoável é a que não possa ser ultrapassada com recurso às regras da experiência e lógica do homem médio su(...) pela ordem jurídica e existirá quando a decisão reconheça que, após análise crítica dos meios de prova validamente produzidos em juízo, valorados com observância das normas legais, se admite mais do que uma decisão de facto plausível.
XIII. Não é uma regra probatória relativa à valoração da prova – credibilidade que merece um dado meio de prova – mas sim à decisão sobre a matéria de facto: inexistência de prova suficiente para convencer o julgador da realidade de um facto.
XIV. Para que dúvida seja sindicável pelo tribunal de recurso tem que resultar, expressa ou implicitamente, da própria decisão que o tribunal perante um facto ficou com dúvidas sobre a sua realidade, decidindo contra o arguido.
XV. No caso vertente, o acórdão questionou a credibilidade dos meios de prova e a sua convicção acerca destes, ponderou diferentes teses, e decidiu sem manifestar, expressa ou implicitamente, alguma reserva intelectual à realidade de um facto relevante para a decisão.
XVI. Assiste razão ao arguido quanto à falta da comunicação das alterações não substanciais quanto ao ponto 6.7.2 da pronúncia, pelo que, deverá ser o acórdão julgado parcialmente nulo – artigo 379.º, n.º 1, b), CPP –, por violação do dis(...) no 358.º, n.º 1, do mesmo diploma, devendo baixar os autos à 1.º instância para ser dado cumprimento àquele normativo.
XVII. No que respeita à nulidade por vício de falta de fundamentação e dando por adquirida a enumeração dos factos provados e não provados (capítulo III - págs. 102 a 317 do acórdão), é absolutamente evidente a forma exaustiva com que foram elencados os meios de prova valorados pelo tribunal para a formação da sua convicção (capítulo IV - págs. 318 a 536) e a extrema minúcia e cuidado com que o tribunal recorrido os analisou explicando a credibilidade que lhe mereceram e o porquê da prevalência de uns sobre outros, dissecando as teses das defesas em confronto com a prova (capítulo V - págs. 537 a 1495).
XVIII. Saliente-se que não é lícito ao tribunal compor o seu raciocínio com ilações que não decorram exclusivamente das provas que entendeu corresponderem à realidade.
XIX. Sendo certo que o tribunal raramente dará por provada toda a matéria constante do libelo acusatório, só estará viciada a decisão quando as falhas do encadeado acusatório são suficientes para imporem ao julgador a dúvida razoável sobre a culpabilidade do arguido, e não quando, apesar daquelas falhas, o julgador dispõe de elementos suficientes para estabelecer aquela culpa, sem alternativa igualmente plausível a esse juízo.
XX. No caso sub judice, o tribunal entendeu que não dispunha de condições para, além de dúvida razoável, dar como provadas muitas das imputações aos arguidos, absolvendo-os quanto a estas, e condenando quanto aos ilícitos em que teve a certeza que os arguidos praticaram.
XXI. Relativamente à sua ininteligibilidade e obscuridade, o acórdão é perfeitamente claro apreendendo-se sem dificuldades o raciocínio que levou o tribunal a convencer-se da realidade dos factos que deu como provados.
XXII. Dado que o arguido não manifesta o que não logrou compreender da motivação da decisão sendo lícito concluir que a apreendeu perfeitamente simplesmente não concordando com ela.
XXIII. No que tange à violação da livre apreciação da prova, o que o arguido pretende é que o tribunal de recurso se reveja na sua interpretação da prova chegando às mesmas conclusões a que ele próprio chega.
XXIV. Sendo inquestionável que a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto foi devidamente fundamentada e é plausível à luz das regras da experiência e lógica comum, apenas é sindicável o erro quanto aos pressu(...)s probatórios da convicção do julgador e não a impressão que a prova gerou no espírito deste.
XXV. Quanto à impugnação da matéria de facto e no que se refere ao ponto 6.5.1. – AT – refira-se que os assistentes não conseguiram precisar determinados pormenores meramente circunstanciais dos factos objecto dos autos.
XXVI. A “dificuldade de localização geográfica” é típica dos verdadeiros abusados sexuais, como nos disse em AJ o DR. BL, ouvido na AJ de 19/4/2006, conforme acta de julgamento respectiva e depoimento gravado nos CDs 1,2,3 e 4: para a vítima, “a representação da pessoa é mais importante do que a representação de objectos… é normal que não consigam fazer a localização geográfica… miúdos com este tipo de background falham muito nisso””.
XXVII. O tribunal a quo, para além do que refere o arguido para tentar demonstrar os equívocos espácio-temporais do assistente, socorre-se das considerações que antes expendeu na sua análise crítica e no que tange à valoração das declarações do assistente por referência aos pontos 4.3.1 e 4.4.1. O que não foi diferente, “…quer no sentido da expressão emocional, quer no sentido da confusão quanto ao tempo, ou com quem foi.” (2º §, pg. 67845 do acórdão).
XXVIII. Para além disso, o arguido obviamente e porque não é factor descredibilizador, não convoca o episódio ocorrido com a identificação da casa onde ocorreram os abusos situada no nº (…) da (...) (…).
XXIX. O Assistente, sabendo perfeitamente qual a casa para onde foi conduzido pelo arguido A, manteve a indicação pese embora a “turbulência” das inquirições a que foi submetido.
XXX. O Assistente ATconfirmou a permanência naquela casa do arguido N, confirmou ter recebido dinheiro por ter ido aquela casa, não teve a percepção da arguida Q.” (sublinhados nossos e por referência a fls. 67846 e 67847 do acórdão)
XXXI. Um aspecto importante para além do relatado e que contribui, em nosso ver, para a credibilização acrescida do relato do assistente é o que diz respeito à falta de percepção da arguida Q.
XXXII. Fácil seria ao Assistente, se mentiroso e os factos não tivessem ocorrido, “implantar” a arguida Q na casa. Não foi o que aconteceu.
XXXIII. Enquanto o Tribunal aceita e credibiliza objectivamente os relatos do assistente, o arguido, porque manteve uma postura de falta de colaboração com o Tribunal, julga da forma que, ao longo do tempo foi uma das linhas de defesa: a mentira.
XXXIV. Mas, a “ressonância de verdade” que, para o Tribunal transparece dos relatos é algo que se insere na esfera de liberdade do julgador e que, por isso, se encontra subtraída à análise superior do Tribunal ad quem.
XXXV. Pois, para a formação da convicção concorrem não só elementos racionais, emergentes da actividade cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis, inclusive emocionais, como, por exemplo, a impressão que suscitou no espírito do julgador o tom de voz com que um depoimento foi prestado (vd. Prof. Figueiredo Dias, "Direito Processual Penal ", Coimbra Editora, vol. I, ed. 1974, vol. I, pág. 204).
XXXVI. O Tribunal a quo dá como provado que os factos terão ocorrido no último trimestre de 2000, em dia indeterminado. E, tal resulta dos depoimentos do assistente e da conjugação deste com os demais elementos de prova convocados pelo Tribunal.
XXXVII. O relato do assistente transcrito na perícia de natureza sexual realizada pelo Dr. BR, indica-nos que que o arguido A começou a levar o assistente aos Sábados.
 XXXVIII. A leitura das palavras do assistente não é a de que o arguido A apenas levou o assistente a (...) aos Sábados. Começou por ser, aos Sábados… não se compreendendo a razão do arguido quando pretende colocar em contradição os depoimentos do assistente nas diversas fases e/ou momentos processuais ora convocáveis.
XXXIX. Quanto ao ponto 6.2.1. – AN – cfr. fls. 1425 a 1429 do acórdão, em que o Tribunal discorre para explicar porque valida e porque credibiliza o depoimento do assistente AN.
XL. Fá-lo porque “Em relação aos factos em (...), AN descreveu que foi a este local e localiza os factos poucos meses depois de ter estado com o arguido A, foi no ano em que não foi a casa e face aos elementos constantes de fls. 96 do apenso CJ, a partir de 8/10/99 ficou na AX sem ir a casa.”
XLI. O arguido A confirmou ter levado o assistente, convocando o tribunal a análise que sucessivamente temos vindo a fazer quanto ao sentido e avaliação das declarações do arguido.
XLII. Quanto aos factos na casa de (...), o assistente faz uma descrição da casa que para o Tribunal foi congruente com o espaço que conhece (fls. 67838 do acórdão), sem esquecer que o seu interrogatório foi bastante minucioso.
[1] O art. 358º do CPP tem subjacente o princípio do contraditório, que, em relação ao arguido, representa uma concretização do seu direito de defesa, aqui no sentido de que nenhuma decisão deve ser proferida sem previamente lhe ser dada ampla e efectiva possibilidade de a contestar.
[2] Assim decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 27/5/1999 disponível em www.dgsi.pt
[3] Ac. RC em www.dgsi.pt
[4] AN Foi para casa, cf. Nota a fls. 339, apenso W5-1
AP Já não está na AX /H encontra-se todo o dia na área de (…) e (…)
[5] H esteve todo o dia na área de (…) e (…)
[6] /H (…) e (…)/
[7] H em gravação, (…) e (…)
[8] H (…) e (…)
[9] H na área de (…) e (…)
[10]  H (…) e (…)
[11] H (…) e (…)
Aliás, essa realidade de “dificuldade de localização geográfica2 é típica dos verdadeiros abusados sexuais, como nos disse em AJ o DR. BL, ouvido na AJ de 19/4/2066, conforme acta de julgamento respectiva e depoimento gravado nos CDs 1, 2, 3 e4, tendo referido que, para a vítima, “a representação da pessoa é mais importante do que a representação de objectos… é normal que não consigam fazer a localização geográfica…miúdos com este tipo de background falham muito nisso”
[13]
[14] Apenso CC, Fls. 71 e seguintes
[15] Apenso CC, Fls. 2 e seguintes
[16] Foi confirmado pelo perito, DR. BR, em AJ de 25/9/2006, conforma acta e depoimento nos suportes magnéticos, conforme ali exarado, que as informações constantes dos exames em itálico, correspondem ao discurso directo do examinado.
[17] Fls. 4545
[18] Observação compatível com o depoimento de UM, educador, ouvido em AJ de 5/3/2007, conforme acta de julgamento e gravação do depoimento DVD 2h42 a 3h59, refere “O AN sempre foi muito forte, com 12, 13 anos era mais ou menos da minha altura”
[19] Aqui cabe sublinhar o seguinte, quanto à confirmação pericial de “prática repetida de coito anal”: a testemunha NS, ouvido em AJ do dia 22/2/2007, conforme acta referida, disse em Tribunal que foi “ao IML, não sabe porquê, nunca ninguém lhe tendo explicado e que a pessoa que lhe fez os testes confirmou que ele tinha sido violado” o que ele nega veementemente.
[20] Foi confirmado pelo perito, DR. BR, em AJ de 16/9/2006, conforme acta e depoimento gravado no respectivo sistema de gravação digital, conforme ali exarado, que as informações constantes dos exames em itálico, correspondem ao discurso directo do examinado.
[21] Quanto à questão da possibilidade de conhecimento das declarações prestadas pelos Assistentes nos autos de perícias feitas pelo IML e quanto à possibilidade de confrontar os assistentes com tais declarações: despacho de fls. 39633 e seguintes AJ de 25/9/2006, confirmado por Ac. RL Pº 524/06- 3ª Secção
[22] Este episódio é referido com o mesmo detalhe e de forma igual na audiência de 19/12/2005, cujo depoimento do assistente se encontra gravado, no DVD 1 dos 0Mn a 3h04mn.
[23] Apenso CC, Fls. 71 e seguintes
[24] Fls. 34 do Apenso Z-16 – Factos provados, com base em: exame médico legal e psicológico, depoimentos de: BP, BL, Pedopsiquiatra, BI, psicólogo, BZ.
Que: os pais do requerente separam-se quando o mesmo ainda era criança de colo, tendo perdido o contacto com ambos, entre os anos de 1999 e 2000 foi o requerente alvo de praticas de masturbação, por parte de um funcionário da AX com as funções de motorista; Entre os anos de 1999 e 2000 o requerente e outros alunos da AX, sempre levados pelo aludido motorista, foram alvos de práticas de masturbação, sexo oral e sexo anal por parte de vários adultos do sexo masculino, estranhos à AX e em locais previamente combinados entre o funcionário e os referidos indivíduos.
[25] Facto que é consentâneo com a anotação no livro de ocorrências do Lar FG de 21/3/2000 “Segundo informou a Dra. XZ o padrasto fica detido seis meses, portanto o AN parra a ir todos os fins de semana a casa da mãe” – apenso W5 livro 1 e 2
[26] Fls. 49645 dos autos.
[27] Apenso W12 – 1º Volume e ainda súmula enviada pela AX a fls. 28360 a 28365
[28] Negrito e sublinhado nossos.
[29] Negrito e sublinhado nossos.
[30] Senão como compreender o facto de a apreciação por parte do Tribunal acerca da personalidade de A, da sua pretensa “auto responsabilidade ser diametralmente oposta à opinião de peritos e técnicos, como supra se expôs????
I. Sendo esta a parte da fundamentação que justifica a credibilização das palavras do assistente AN, não se compreende onde está a sua falta ou inexistência, como pretende o arguido, ora recorrente!
II. Das declarações da arguida ressalta a espontaneidade com que revelou a “familiaridade” com o arguido A, tendo tratado por A (o que apenas aconteceu com o arguido C e que é justificável pela sua relação profissional com o mesmo) – (fls. 1271 do acórdão).
III. Ressalta também, para fundamentar a credibilização atribuída ao relatado pelos assistentes em geral e pelo assistente AN em particular, a contradição encontrada entre as declarações da arguida em julgamento e as prestadas anteriormente perante JIC:
IV. A arguida não conseguiu justificar a discrepância entre umas e outras, tendo o Tribunal encontrado justificação para a omissão da verdade, na tentativa de “…desligar-se da declaração que em altura anterior tinha feito, e que na sua (...) tinha visto “grandes máquinas”, mas dizendo que se destinavam era a casa do vizinho.” (sublinhado nosso – fls. 1275 do acórdão),
V. Sendo que o Tribunal a quo, bem, valorou e credibilizou as declarações dos assistentes e do arguido A quanto à ocorrência dos factos em (...).
VI. O tribunal, no seu esforço contínuo de justificação objectiva e de fundamentação sustentada do que iria ser a sua decisão, justifica-o, dizendo: “Cada elemento per si pode ser pouco, mas conjugado com outros assume peso, sentido e força intrínseca quanto à sua força probatória. “
VII. Esta a justificação para demonstrar quão bem andou o Tribunal a quo na sua análise da prova, sua justificação e sua fundamentação, para concluir pela demonstração dos factos que entendeu dar como provados e que in casu se pretendem colocar em crise pelo arguido sem sentido ou razoabilidade.
VIII. Pois, também ao contrário do que pretende o arguido, a fundamentação foi “objectivada até onde pode ser. Isto porque no processo pelo qual explicamos porque é que chegámos a determinada conclusão, interpretámos determinado gesto, modo de estar ou de falar, com determinado sentido, há necessariamente uma componente de convicção não inteiramente objectivável. É aquilo que advém da imediação.” (fls 67690 do acórdão).
IX. Razão conclusiva porque suficientemente demonstrada a justificação dada pelo Tribunal para a validação e consequente veracidade atribuída às declarações do assistente AN.
X. Quanto ao “pénis” do arguido N, para além das suas reduzidas dimensões face aos padrões da população portuguesa, apenas é de ressaltar o facto de a fimose de que padece não ser de todo impeditiva da prática dos abusos sexuais de natureza anal na pessoa dos jovens assistentes, como atesta o Perito por si indicado,
XI. Pois, a mesma apenas “…lhe causaria algum desconforto, alguma dor e até alguns sinais inflamatórios (vermelhidão).” Sendo que estas circunstâncias devem ser ponderadas face à graduação “moderada” da fimose em causa.
XII. O que não seria, de todo, plausível exigir ao assistente que recordasse pois, o mesmo não estava a manter relações sexuais com o arguido. Estava a ser por ele ABUSADO SEXUALMENTE!
XIII. Razão porque, completamente destituída de qualquer razoabilidade, falece a pretensão do arguido.
XIV. Quanto ao demais, o arguido considera que o Tribunal violou o princípio ínsito no artigo 127º do C.P.P., o da livre apreciação da prova, matéria que se remete para as conclusões XXIII e XXIV (ponto 4) supra.
XV. Por último e quanto aos pedidos cíveis em que o arguido foi condenado, o mesmo aduz um argumento que também não pode colher. A diferente graduação penal ao nível da sanção por cada um dos crimes por que foi condenado não deve nem pode ter, necessariamente, uma diferente correspondência a título de ressarcimento cível.
XVI. A reparação do dano não patrimonial deverá obedecer a juízos de equidade tendo em conta as circunstâncias concretas do caso (arts. 496.º, n.º 3, CC), devendo o quantum indemnizatório, ter em consideração não só a situação económica do agente, mas também a do lesado (art. 494.º CC), constituindo, assim, mais uma compensação do que uma indemnização. Falece, também aqui, a razão do arguido.
NESTES TERMOS, NOS MAIS DE DIREITO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS. DEVE JULGAR-SE PARCIALMENTE NULO O ACÓRDÃO – ART. 379.º N.º 1, B), DO CPP –, POR NÃO COMUNICAÇÃO AO ARGUIDO DE ALTERAÇÕES NÃO SUBSTANCIAIS REFERENTES AO PONTO 6.7.2. DA PRONÚNCIA DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA, BAIXAR OS AUTOS À 1º INSTÂNCIA PARA SER DADO CUMPRIMENTO AO N.º 1, DO ART. 358.º DO DIPLOMA CITADO, QUANTO AO DEMAIS NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, CONFIRMANDO-SE A PARTE DA DECISÃO AQUI RECORRIDA, COM A EXCEPÇÃO REFERIDA, POR SER A ÚNICA CONFORME À LEI FAZENDO-SE, ASSIM, INTEIRA                                                                      JUSTIÇA”
4. Analisando
a) - Vícios previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP
Alega o arguido N, que no acórdão recorrido existe um vazio de percurso no raciocínio entre os factos provados e a decisão, que não permite dar suporte e sentido à mesma, nos termos em que vinha delineada pela pronúncia.
Mais alega que, “… atentas as especificidades dos factos sujeitos a julgamento, nomeadamente o facto do local de abuso distar a mais de 200 kms dos (...)s onde se encontravam os assistentes, de o local dos abusos ser uma residência familiar, da circunstância de ter de existir, necessariamente, articulação entre os arguidos para que se perpetrassem os actos, o Tribunal teria que explicitar na factologia dada como provada - em ordem a proferir uma decisão de condenação ­os modus operandi que permitiriam que o crime tivesse tido lugar. São pressu(...)s dos próprios factos em si. A não ser assim, verifica-se, como se invoca, a insuficiência da matéria de facto que permita a decisão de condenação.”
 Alega, ainda, o arguido, que existe factualidade que resultou da discussão da causa e não consta quer dos factos provados, quer dos não provados, sendo certo que também se não faz qualquer referência sobre a sua desnecessidade para a boa decisão da causa ou o entendimento de que não constituem factos e enumera, de seguida, alguns meios de prova documental e testemunhal, dos quais, em seu entender, retira-se a conclusão que não se encontrava em (...) na esmagadora maioria das datas em que os factos podiam ter tido lugar e que a arguida Q tinha ao seu cuidado, durante os dias de semana, crianças em idade pré-escolar, facto que não consta entre a matéria provada ou não provada.
Conclui que, também dessa forma, padece a decisão recorrida do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Vejamos.
 Como resulta da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
A insuficiência a que se reporta a citada al. a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Ora, a factualidade dada como provada é mais do que suficiente para integrar os crimes pelos quais o arguido N veio a ser condenado.
O facto de não se ter dado como provado determinado circunstancialismo que vinha alegado na pronúncia não significa que a decisão recorrida padece do vício que o recorrente lhe pretende assacar.
Ou seja, o facto de não ter resultado provado que o arguido N conhecia o arguido A pelo menos desde 1996, uma vez que este levava habitualmente menores, alunos e ex-alunos da AX, a casas de que o arguido E tinha a disponibilidade, sitas em (…), que o arguido N era visita dessas casas, que nelas se encontrava com o arguido H, que conhecia o arguido C pelo menos desde 1998, e, ainda que, os arguidos C, A, H, K, E e N decidiram unir esforços para poderem, em total reserva, continuar a sujeitar menores de 16 anos a actos sexuais e que organizaram-se, então, numa estrutura informal que lhes permitiria obter, sempre que quisessem, mas com toda a segurança, crianças e jovens menores de 16 anos para as suas práticas sexuais, não faz com que a decisão recorrida padeça do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, pois que, tais factos – dados como não provados – não são constitutivos dos crimes pelos quais o arguido N veio a ser condenado.
Também a circunstância de o Tribunal recorrido não ter encontrado resposta para o facto de os encontros terem ocorrido numa casa em (...) ou para a ausência de registos de contactos telefónicos entre os arguidos não permite assacar à decisão recorrida o invocado vício.
São circunstâncias coadjuvantes que ajudariam eventualmente a fortalecer a convicção do Tribunal, mas o certo é que o Tribunal a quo considerou que as provas produzidas eram suficientes para dar como assente a factualidade que deu como provada e esta, só por si, é suficiente para integrar os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais o arguido foi condenado.
Por outro lado, também não configura o invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão a circunstância de o Tribunal a quo não ter retirado dos meios de prova que o recorrente indica nas páginas 17 e 18 da motivação do seu recurso, a conclusão que ele recorrente retira, ou seja, que “não se encontrava em (...) na esmagadora maioria das datas em que os factos pudessem ter tido lugar”.
E também não configura tal vício o facto de o Tribunal a quo não ter dado como provado, com base nos depoimentos das testemunhas que o recorrente indica na pág. 19 a 21 da motivação do seu recurso, que a arguida (…) tinha ao seu cuidado, durante os dias de semana, crianças em idade pré-escolar.
Verifica-se, de tais alegações, que o recorrente confunde o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, vício esse que, como referimos supra, tem de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, com impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
Alega, ainda, o arguido, que a decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, porquanto, “É evidente que o Tribunal expressa ao longo do texto da decisão recorrida, patente nos segmentos que acabámos de transcrever, um estado de dúvida e reserva em que o Tribunal se encontrou, mormente na possibilidade de ocorrência dos factos em (...). E isto sucede, porque decorre da decisão recorrida, conjugada com as regras da lógica e da experiência, que o Tribunal, efectivamente, não está seguro de que os factos pudessem ter ocorrido nas circunstâncias de modo em que são configurados na pronúncia, nomeadamente porque no local em questão se encontram os filhos e os netos da arguida; porque não existe nenhum elemento objectivo coadjuvante da convicção que os factos ocorreram, o que não é curial com as regras da lógica e da experiência, atenta a configuração dos factos.”
O vício do erro notório na apreciação da prova configura-se quando se retira de um facto dado como provado, ou conjunto de factos dados como provados, uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
Verifica-se, porém, da alegação do recorrente, que o mesmo confunde o vício de “erro notório na apreciação da prova” com “valoração da prova”, que constituem realidades completamente distintas.
O erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.
Da leitura do acórdão recorrido verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.
Não padece, assim, a decisão recorrida de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, designadamente, aqueles que lhe são apontados pelo recorrente.
b) - A violação do dis(...) no n.º 2 do art. 163.º do CPP
Alega o arguido que o Tribunal a quo violou o dis(...) no n.º 2 do art. 163.º do CPP contrariando as conclusões dos peritos que elaboraram o relatório de perícia colegial de psiquiatria e psicologia forense, de fls. 54341 e ss., realizado ao arguido A, pelo DM.
Ora, salvo o devido respeito, não vemos em que medida o Tribunal a quo contrariou as conclusões do relatório (...) em matéria que só aos peritos (...)s diga respeito.
Essencialmente o que resulta das conclusões de tal relatório (...) é que o arguido A evidencia limitações intelectuais, sem que consubstanciem qualquer atraso mental, que tais limitações intelectuais não o impedem de ter capacidade de entender a ilicitude dos seus comportamentos e apreender as regras morais e legais vigentes na nossa sociedade, nomeadamente no que concerne aos crimes de que é acusado.
É certo que ao longo do relatório – que não nas conclusões – se refere que “Quando o interrogamos acerca da sua responsabilidade e culpabilidade em alguns dos acontecimentos, explicita afirmações repetidas e semelhantes, sem pestanejar, quase sempre breves, cuja credibilidade suscita aos peritos imensas reticências (ex: quando levou os rapazes à casa de (...) pela primeira vez não sabia o que eles lá iam fazer).”
Porém, em relação a esta última parte é feita uma nota de rodapé, que o recorrente omite, do seguinte teor “Não nos queremos, nem devemos, substituir ao tribunal, afirmando que esta ou aquela afirmação corresponde, ou não, à realidade, porque entendemos que o tribunal tem competência e condições ímpares para se pronunciar a este propósito”.
Ou seja, é o próprio relatório (...) que refere que a credibilidade a atribuir às declarações do arguido A incumbe ao Tribunal, na qualidade de entidade com competência e condições ímpares para o fazer, como não podia deixar de ser, por ser matéria reservada ao poder jurisdicional (Veja-se neste mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2ª edição actualizada, 2008, em anotação ao art. 151.º).
Concluindo, o Tribunal a quo não divergiu, na sua convicção, das conclusões dos peritos (...)s no que respeita ao juízo técnico e científico inerente à perícia realizada ao arguido A, não tendo, por conseguinte, que fundamentar qualquer divergência, por inexistente.  
Não foi, pois, violado o dis(...) no n.º 2 do art. 163.º do CPP.
c) - Nulidade do acórdão nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por violação do dis(...) nos arts. 358.º e 424.º, n.º 3, do CPP
Alega o arguido que o Tribunal a quo ao ter dado “como provado que os factos descritos no capitulo 6.7.2 da pronúncia relativos ao AI, tiveram lugar a um dia indeterminado trimestre do ano de 1999, em vez de, num Sábado, previamente combinado num dia indeterminado do ultimo trimestre do ano de 1999, incorreu numa nulidade, cuja declaração e consequências se requerem.”
Alega, ainda, que a alteração em causa configura, pelo menos, uma alteração não substancial de facto, com relevo para a decisão da causa e, como tal, deveria ter sido obrigatoriamente comunicada à defesa, mas que, no caso concreto, até configura uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, por lhe terem sido diminuídas as garantias de defesa.
Requer, assim, que seja declarada nula a sentença nessa parte e ordenado por este Tribunal da Relação que, em primeira instância, seja dado cumprimento ao dis(...) no art. 359.º ou, caso assim não se entenda, ao dis(...) no art. 358.º n.º 1 do CPP.
Vejamos.
A questão suscitada pelo arguido foi igualmente suscitada pelo MP, pelos assistentes e pelo arguido H no recurso que interpuseram do acórdão final. Porém, o arguido N coloca a hipótese de tal alteração ser substancial, o que implicaria o cumprimento do dis(...) no art. 359.º do CPP e não do art.º 358.º do CPP.
Cremos, porém, que não lhe assiste razão nessa parte.
Na pronúncia constava que:
“6.7.2.1 - Num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999, antes do Natal, o arguido A marcou encontro com o menor AI, então com 13 anos de idade, junto à garagem de CZ, para o sábado seguinte, depois do almoço.”
Com referência a essa factualidade foi dado como provado no ponto 125. o seguinte:
“125. Num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999, antes do Natal, o arguido A marcou encontro com o menor AI, então com 13 anos de idade, junto à garagem de CZ, para um dos dias seguintes.”
Convocamos aqui tudo o que dissemos sobre o que deve ser entendido por alterações substanciais e não substanciais de factos constantes da acusação ou pronúncia na apreciação do recurso interlocutório supra referido em II. A. 15..
Transpondo o que aí dissemos para o caso ora em análise há que referir que a alteração operada não configura nenhuma alteração substancial dos factos constantes da pronúncia.
Na realidade, a alteração em causa não transforma o quadro factual da pronúncia em outro diverso ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais ou materialmente relevantes de construção e identificação factual.
Do ponto de vista do homem médio, a imagem e valoração social que se tem da alteração factual mantém-se a mesma quanto a esses elementos.
Também a alteração em causa não inviabiliza a defesa dos arguidos, muito embora a possa dificultar.
Não pode, pois, considerar-se tal alteração factual como configurando uma alteração substancial dos factos da pronúncia.
Trata-se, porém, de uma alteração não substancial dos factos da pronúncia, com relevo para a decisão da causa, a qual deveria ter sido comunicada aos arguidos por ela afectados, nos termos previstos no art. 358.º, n.º 1, do CPP, na medida em que implica um alargamento das datas possíveis em que os factos ocorreram. Ou seja, a ocorrência dos factos deixou de estar circunscrita a um Sábado do último trimestre de 1999, alargando-se o período temporal para qualquer outro dia da semana, para além dos Sábados, embora sem excluir estes.
A não comunicação de tal alteração não substancial dos factos da pronúncia aos arguidos por ela afectados, consubstancia a nulidade, nesta parte, do acórdão recorrido, nos termos do dis(...) na al. b) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
Há, pois, que determinar a baixa dos autos à 1ª instância para que, em audiência de julgamento, seja dado cumprimento ao dis(...) no art. 358.º n.º 1 do CPP e termos subsequentes.
Procede, pois, nesta parte o recurso inter(...) pelo arguido N.
d) - Nulidade do acórdão por violação do dis(...) no art. 379.º n.º 1 al a) do CPP
De acordo com o dis(...) na al. a) do art. 379.º do CPP é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b), do mesmo Código.
O n.º 2 do art. 374.º do CPP preceitua que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
A fundamentação da sentença é de vital importância, conforme já tivemos oportunidade de referir supra, na medida em que é através dela que é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso exercer o controle da decisão, avaliando-se o processo lógico ou racional que levou à convicção do julgador em determinado sentido e não noutro.
Alega o arguido N que o acórdão recorrido “é obscuro e ininteligível na sua fundamentação, que se revela, além disso, pouco sólida, equivalendo a ausência de fundamentação” e que “O Tribunal recorre à generalização da matéria acusatória, não se debruçando em concreto sobre a prova produzida, não fazendo um exercício crítico de análise das provas apresentadas - quer as da acusação, quer as da defesa.”
Requer, assim, que seja determinada a anulação do acórdão recorrido “na parte relativa à motivação dos factos dados como provados em (...), designadamente:
118.3, 119., 119. 1, 119.2, 119.3, 119.5, 119.6, 120, 120.1, 125, 125.1, 125.2, 125.3, 125.4, 131 e 135. 
A fim de ser dado cumprimento à exigência prevista no artigo 374º n.º 2 do CPP.”
Vejamos.
O acórdão recorrido, para além de elencar as provas em que se baseou para fundamentar a decisão de facto a que chegou, faz uma análise critica dessas mesmas provas, diremos que quase exaustiva, ao longo de 1125 páginas, das 1760 páginas de que é com(...).
Verifica-se, ao longo dessas 1125 páginas, a enorme preocupação e esforço hérculeo do Tribunal recorrido em transmitir o processo lógico-racional que o levou a alcançar a sua convicção, em ordem a poder ser sindicado pelo Tribunal de recurso, e apreendido, quer pelos destinatários da decisão, quer pelos cidadãos em geral.
Porém, no que aos factos ocorridos em (...) respeita, o Tribunal a quo não se pronunciou relativamente às provas oferecidas pela defesa do arguido N, designadamente, as constantes do Apenso EB, provas essas entregues aquando do seu interrogatório levado a cabo em 16 de Outubro de 2003.
Com tais provas pretende o arguido N provar que não se encontrava em (...) na maior parte dos fins de semana dos anos de 1999 e 2000.
Sobre tais provas entregues pela defesa do arguido N o Tribunal a quo limitou-se a enunciá-las como sendo provas que foram consideradas na decisão recorrida, não tendo feito qualquer análise critica sobre o seu conteúdo, sendo que, da sua conjugação com as provas constantes do Apenso V, Caixa 2, disquete 1, e do Apenso ABA-B, pasta 6, parece resultar que nos sábados dos meses de Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000 o arguido N não se encontraria em (...), pelo que, os factos dados como provados sob os pontos 119. a 119.11. a ocorrerem não o podiam ter sido no período temporal aí indicado.
Importava, pois, que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado expressamente sobre tais provas, analisando-as criticamente, dizendo se as mesmas foram consideradas, e em que medida, na determinação dos factos dados como provados e não provados. 
A falta de análise critica das provas apresentadas pela defesa do arguido N, que configura insuficiência de fundamentação do acórdão recorrido, na parte relativa aos factos ocorridos em (...), e determina a nulidade parcial do acórdão, nos termos previstos no art. 379.º n.º 1 al. a) e 374.º n.º 2, ambos do CPP, impossibilita este Tribunal de recurso de conhecer da impugnação da matéria de facto levada a cabo pelo recorrente N quanto a tais factos.
Impõe-se, assim, ordenar o suprimento da nulidade em causa, devendo o Tribunal a quo proferir novo acórdão em que proceda à análise critica das provas oferecidas pela defesa do arguido N, procedendo à reabertura da audiência se tal se mostrar necessário, bem como a eventual comunicação de alterações que se possam colocar, nos termos do dis(...) nos arts. 358.º ou 359.º do CPP.
Com o ora decidido, prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente N, bem como pelo MP no recurso que interpôs pedindo o agravamento das penas parcelares e única impostas a este arguido pela 1.ª instância.
E) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELO ARGUIDO H  (incluindo o recurso do MP no que concerne à medida das penas)
1. Da motivação do recurso extrai o arguido H as seguintes (transcritas) conclusões:
1. Recursos interlocutórios em que mantém interesse, o que se declara para os efeitos do art. 412º nº 5 do C.P.P.
A) Da fase de instrução: o recurso inter(...) a 29 de Março de 2004 referente a nulidades arguidas no requerimento de abertura de instrução, prescindindo-se, porém, da apreciação da matéria relativa às conclusões I) a M);
B) Da fase do julgamento, antes do início da produção de prova: o recurso inter(...) a 28 de Dezembro de 2004 do despacho que validou os actos jurisdicionais praticados pelo juiz de instrução;
C) Da fase do julgamento, até às alegações finais: o recurso inter(...), a 3 de Novembro de 2005, do despacho exarado na acta de 12 de Outubro de 2005; o recurso inter(...), a 13 de Novembro de 2008, do despacho referente ao indeferimento da leitura das declarações prestadas no inquérito de assistentes e testemunhas; o recurso inter(...), a 20 de Novembro de 2008, do despacho referente à leitura das declarações prestadas por AV;
D) Da fase do julgamento, depois das alegações finais: o recurso inter(...), a 25 de Março de 2010, do despacho que indeferiu a nulidade suscitada quanto à falta de fundamentação do despacho que notificou o arguido da alteração da pronúncia (pendente no Tribunal Constitucional); o recurso inter(...), a 25 de Março de 2010, das diligências probatórias requeridas a 5 de Fevereiro de 2010;
E) Relativamente ao recurso inter(...) a 13 de Novembro de 2008, para uma adequada ponderação dos mecanismos conscientes ou inconscientes que levaram à construção de uma verdadeira fantasia colectiva, o recorrente – admitindo que a valoração desses depoimentos pode, desde já, ser feita pelo Tribunal da Relação – não deve deixar de, neste recurso, lançar mão desse material probatório, que a Relação tomará na devida conta se deferir esse segmento do recurso inter(...), ou seja, se deferir a possibilidade de valorar o que, nesse âmbito, foi dito no inquérito; se a Relação o indeferir, tal valoração não poderá ser feita e, nesse caso, os senhores Juízes Desembargadores deverão passar “por cima” dessas partes do recurso, que irão devidamente assinaladas.
2. Nulidade do acórdão
F) H foi acusado e pronunciado pela prática de um abuso sexual na pessoa do menor AI, de 13 anos de idade, supostamente ocorrido num sábado do último trimestre do ano de 1999, antes do Natal, na (...) de (...) (cfr. ponto 6.7.2.1 da pronúncia).
G) Foi assim com estupefacção que leu, no acórdão recorrido, que o tribunal deu como provado que o crime em apreço teria sido cometido “num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999” (cfr. factos provados sob o nºs 125, 125.1 a 125.8); e, analisando a análise crítica da prova, isso terá decorrido do facto do tribunal ter dado crédito à versão do jovem de que esses abusos teriam ocorrido, nesse período, mas a um dia da semana.
H) Isto é, H foi acusado de ter cometido um crime num sábado indeterminado do último trimestre de 1999; defendeu-se disso mesmo, desde logo com a apresentação de álibis com a contestação, que continuou a sustentar durante o julgamento; todavia, acabou condenado por ter praticado tal crime nesse período, mas a um dia da semana.
I) O acórdão, no segmento em análise, é nulo, irremediavelmente nulo, por força do dis(...) nos arts. 358º, 359º e 379º nº 1-b) do C.P.P.
J) Mas também sofre de idêntico vício a parte do acórdão que se reporta aos crimes atribuídos a H no prédio da Av. (…).
K) Nas situações de abuso supostamente ocorridas na Av. (…), em (…), em qualquer uma das duas situações aí abrangidas, a pronúncia descreve as circunstâncias da ocorrência dos crimes através do enunciado de que “o arguido H contactou o arguido A e pediu-lhe que levasse a uma residência sita na Av. (…) (…) dois menores da AX, a fim de os sujeitar à prática de actos sexuais consigo” (1ª situação) e de que “decorridos cerca de um ou dois meses, o arguido H voltou a contactar com o arguido A, e pediu-lhe novamente que levasse à morada mencionada um menor da AX, a fim de sujeitar o mesmo à prática de actos sexuais” (cfr. ponto 4.3.1 da pronúncia).
L) Em face desses factos, uma das linhas da defesa de H foi a de demonstrar que não conhecia A, nem nunca, directa ou indirectamente, o teria contactado para o que quer que fosse, o que foi logo dito na contestação e decorre daquilo que se passou na audiência de julgamento; veja-se, por exemplo, a comparação efectuada aos registos de tráfico telefónico de um e de outro, bem como a sistemática impugnação de qualquer ponto por onde se pudesse pretender estabelecer uma ligação que realmente nunca existiu; quando A – num segmento das suas declarações que mais parecia um momento de uma ópera bufa – pretendeu que a ligação se fazia através do porteiro FFK, já falecido e reformado desde os anos 80, a defesa de H fez juntar aos autos a documentação que comprovava o cariz delirante daquela mentira.
M) Em relação a ambas as situações, o que o tribunal deu como provado foi que A levou os menores àquelas moradas para o efeito de serem abusados por H “por contacto não concretamente apurado” (cfr. factos provados sob os nºs 106 e 106.12).
N) Em suma, tendo H sido condenado com base numa circunstância de modo diferente da que constava da pronúncia – passando a ser considerado que a ligação entre A e H se deu “por contacto não concretamente apurado”, sendo esse elemento relevante para a defesa, como era –, sem que se tenha procedido à prévia comunicação prevista no art. 358º nº 1 do Código de Processo Penal, o acórdão – nos segmentos em pauta – é igualmente nulo.
O) É inconstitucional, por violação do princípio constitucional do acusatório e das garantias de defesa, a eventual interpretação normativa dada ao art. 358º nº 1 do C.P.P, no sentido de que não tem que ser comunicada ao arguido a alteração do dia em que supostamente teria sido cometido o crime por que vem acusado, caso a defesa tenha sido estruturada tendo em conta esse dado, designadamente através de apresentação de álibi; idem, para o caso da alteração do contacto estabelecido com um comparticipante de facto na acção criminosa por via do qual teria supostamente sido atraído a vítima, caso a defesa tenha sido estruturada tendo em conta esse dado, designadamente através da sustentação de que não conhece esse intermediário.
3. Do mérito do acórdão
P) Vai impugnada a matéria de facto que o tribunal julgou como provada, com referência ao seu su(...) relacionamento com A, N e Q, aos su(...)s actos sexuais praticados com os menores AT, AI e AP, ao seu su(...) conhecimento desses menores, às suas supostas deslocações à Av. (...), à (...) de (...) ou a qualquer outro local onde supostamente tivesse por si sido praticado qualquer acto de abuso sexual, uma vez que NÃO É VERDADE QUE TAIS FACTOS TENHAM OCORRIDO.
Q) Tal factualidade é a que consta dos factos provados e assentes no acórdão recorrido sob os nºs 106 a 106.22, 113 a 116, 120 a 124, 125 a 127 e 131 a 135.2, o que se concretiza para os efeitos do art. 412º nº 3-a) do Código de Processo Penal, que impõe a especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, quando o recorrente pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, como é o caso.
R) Determinando igualmente a lei, na alínea b) do nº 3 do mesmo art. 412º, que, nesse caso, o recorrente tem de indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, desde já se adianta que essa especificação foi feita ao longo da motivação do recurso, através da referência ao consignado na acta, quando se trate de provas que tenham sido gravadas, ou por remissão para o processo principal ou apensos, quando se trate de prova documental ou pericial.
S) Contudo, relativamente à prova gravada que se prende com a factualidade imputada a H nas casas que são objecto da SEGUNDA PARTE do recurso, segue, em anexo a estas conclusões, delas fazendo parte integrante, uma listagem com a identificação dos concretos suportes magnéticos donde constam, tal como referido na sessão respectiva.
T) O acórdão funda-se exclusivamente naquilo que denomina de ressonância de veracidade das declarações de AT, AP e AI, as quais seriam igualmente confirmadas parcialmente pelo arguido A, o conjecturado angariador.
U) Porém, o acórdão faz uma errónea apreciação da prova, o que constitui o objecto central deste recurso.
V) Verifica-se a completa inconsistência do que estas quatro personagens disseram, o que decorre do carácter das contradições, lacunas e incongruências dos seus depoimentos, que – pela natureza, gravidade, número e encadeamento – não podem nem devem permitir uma avaliação positiva acerca da plausibilidade e verosimilhança dos seus depoimentos, de forma a concluir por um razoável grau de probabilidade da ocorrência daquilo que narraram.
W) Pelo contrário, só é possível uma apreciação intelectual que, baseada na objectividade do processo, conclua no sentido de que os seus relatos não são plausíveis nem verosímeis, havendo uma baixíssima probabilidade de terem relatado a verdade, o que resulta de uma análise centrada nos seguintes critérios: i) a memória do local aonde se foi; ii) a memória de com quem se foi; iii) a memória de quando, como e porque se foi; iv) a memória do que lá se passou.
X) O tribunal omitiu uma avaliação da congruência global dos depoimentos, refugiando-se numa ideia puramente psicológica de ressonância da veracidade, observada através de tiques verbais ou fisionómicos, sem corroboração periférica ou externa de qualquer elemento, desconsiderando toda a restante prova.
Y) Essa interpretação do princípio da livre convicção do juiz é geradora de uma decisão arbitrária, que fica submetida ao preconceito de quem julga, o que implica que o acórdão recorrido consubstancia uma intolerável violação do princípio da presunção da inocência, tal como consagrado no art. 6º da CEDH.
Z) Por estrito dever de patrocínio, o advogado não pode deixar de arguir a natureza excessiva da pena que foi aplicada a H, uma vez que o tribunal, em qualquer caso, não utilizou criteriosamente os factores de ponderação na determinação da medida da pena, como estipula o art. 71º nº 2 do Código Penal, designadamente as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior aos factos e a circunstância de já estar a ser julgado – e, no fundo, “preso” à ordem deste processo, que tomou conta da sua vida e da sua família – vai para oito anos.”
2. Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância extraindo as seguintes conclusões:
“RECURSO DO ARGUIDO H
370.  -  O conteúdo do "SUMÁRIO" com que anuncia o que irá ser o seu Recurso dá, só por si, conta das dificuldades que, ao MºPº, se coloquem, ao pretender responder a uma Motivação que, pelo que dela decorra, mais se assemelha a um "romance", do que a uma Peça Processual dirigida a um Tribunal Superior;
371.  -  Seja porque constituído que está, num longuíssimo repositório de mais de 600 páginas, eivado, não poucas vezes, de matéria absolutamente espúria, que, porque irrelevante, o Acórdão, pura e simplesmente, não convoca, nem estava obrigado a convocar, ou, ainda e sobretudo, porque abusivamente enxameie a exposição de referências cuja invocação lhe esteja vedada;
372.  -  Não obstante, não pode o MºPº deixar de, desde já, dar conta de um procedimento adoptado pelo Recorrente, e que, a todos os títulos, se verbera (cfr. já referenciáramos em "A).6.8.");
373.  -  A Defesa de H, na "Conclusão "E)", do Recurso por si inter(...)  - corolário do que se referira, na Motivação, a fls. 69.862 -, consigna, expressamente, o seguinte:
"Relativamente ao recurso inter(...) a 13 de Novembro de 2008, para uma adequada ponderação dos mecanismos conscientes ou inconscientes que levaram à construção de uma verdadeira fantasia colectiva, o recorrente  - admitindo que a valoração desses depoimentos pode, desde já, ser feita pelo Tribunal da Relação  - não deve deixar de, neste recurso, lançar mão desse material probatório, que a Relação tomará na devida conta se deferir esse segmento do recurso inter(...), ou seja, se deferir a possibilidade de valorar o que, nesse âmbito, foi dito no inquérito; se a Relação o indeferir, tal valoração não poderá ser feita e, nesse caso, os senhores Juízes Desembargadores deverão passar "por cima" dessas partes do recurso, que irão devidamente assinaladas.";
374. - Na Motivação (a fls. supra assinaladas), pasme-se, acrescentara-se ainda:
"Sendo deferida a valoração dessas declarações para aferir da credibilidade do que foi dito em julgamento, deverá a relação de Lisboa, por uma questão de economia processual, verificar se essa leitura é suficiente - mesmo sem o confronto dos declarantes com o teor desses relatos -, sem necessidade de fazer baixar o processo à 1ª instância. A relação é uma instância de julgamento de facto e não pode deixar de exercer os poderes em que, em nome do povo, administra a justiça.";
375.  -  Diga-se, sem peias: A Defesa de H sabe bem que assim não é! O que vem de transcrever-se é de tal forma grave que, a ser como pretendido, constituir-se-ia, para os anais do Processo Penal Português, como uma total postergação dos princípios do contraditório, da imediação, da oralidade, do direito ao recurso, em suma, da estrutura acusatória que emerge do edifício constitucional plasmado na CRP;
375.  -  Do que aqui se trata, verdadeiramente, mais não é do que o corolário de uma habilidade serôdia em que, ao longo do Julgamento, algumas Defesas, mas particularmente a Defesa de H, foram pródigas;
376.  -  Vezes incontáveis, através dos Requerimentos de leitura de declarações prestadas em Inquérito, nos termos do dis(...) no artº 356º, do CPP, procurou dar-se a conhecer, ao Tribunal, o conteúdo dos respectivos Autos, especificando-se, na própria formulação daqueles, pretensas contradições existentes entre os depoimentos ali prestados e os que decorriam do Julgamento;
377. -A Defesa de H  - tal como refere -  interpôs Recurso do Despacho de fls. 60.474 a 60.490 (Ponto II, cuja Motivação consta do fax de 13/11/08, c/ original a fls. 60.964 a 60.977 e a Resposta do MºPº, de fls. 62.375 a 62.388), nos termos do qual o Tribunal indeferiu o Requerimento que solicitava a leitura de depoimentos prestados em Inquérito, independentemente do acordo dos restantes Sujeitos Processuais;
378.  -  O Recurso foi admitido, a subir, a final, com o Recurso que viesse  - como veio -  a ser inter(...) do Acórdão final. O Recorrente, ao abrigo do dis(...) no artº 412º, nº 5, do CPP, declarou, expressamente, manter interesse na apreciação e decisão do mesmo  - cfr. Conclusão "E)", do Recurso, cujo teor integral se transcreveu;
379.  -  Daí que, ao contrário do que se afirma, a eventual procedência do referido Recurso não permita que "a valoração desses depoimentos pode, desde já, ser feita pelo Tribunal da Relação";
380.  -  A proceder o referido Recurso  - o que, está-se em crer, não irá suceder -, o Tribunal da Relação de Lisboa determinaria que o processo baixasse à Iª Instância, a fim de, nesta, ser reaberta a Audiência, lidos os Autos de Declarações, cuja leitura tivesse sido requerida, ao abrigo do artº 356º, nºs. 2, b) e 5, do CPP, exercendo-se o correspondente contraditório  - direito que a Defesa de H parece reservar para si próprio -, e proferindo-se novo Acórdão, no âmbito do qual  - e só então -, o Tribunal poderia apreciar livremente os conteúdos dos Autos cuja leitura tivesse sido efectivada;
381.  -  O procedimento pro(...) pela Defesa do Arguido H, subscrita por Mandatários experientes e sabedores, assenta numa construção que não se coíbe de sugerir, caso o referido Recurso improceda, que "tal valoração não poderá ser feita e, nesse caso, os senhores Juízes Desembargadores deverão passar "por cima" dessas partes do recurso, que irão devidamente assinaladas."; Acresce que a proposta é tanto mais grave, quanto é certo que, ao contrário do que se afirma, as partes do Recurso que contêm alusões a, ou transcrições de, conteú-dos de depoimentos não lidos em Audiência, prestados nas fase de Inquérito  - e, mesmo, na fase de Instrução, como se verá -, não vêm, como tal assinalados;
382.  -  Acresce que a proposta é tanto mais grave, quanto é certo que, ao contrário do que se afirma, as partes do Recurso que contêm alusões a, ou transcrições de, conteúdos de depoimentos não lidos em Audiência, prestados nas fase de Inquérito  - e, mesmo, na fase de Instrução, como se verá -, não vêm, como tal assinalados;
383.  -  Se é certo que, nas "fichas" que constituem os "Anexos" dos diversos Capítulos da Motivação, se indicam as declarações que se transcrevem, produzidas nas referidas  fases, a verdade é que não se faz qualquer referência, distinguindo e assinalando as que, efectivamente, foram lidas, e, como tal, desde já valoráveis, das que o não foram  - estas, a imensa maioria -  sendo, por isso, ininvocáveis;
384.  -  Não se vê, assim, como possam, os Senhores Desembargadores, "passar por cima" de tais depoimentos, a não ser que se lhes exija a leitura das Actas das 463 Sessões de Julgamento, por forma a determinar quais os que podem e não podem ser conhecidos;
385.  -  Além do que vem de dizer-se, não fica por aqui o engenho para, a todo o custo, obrigar a "passar por dentro", o que não possa ser passado "por cima". Para além das "fichas" onde se transcrevem os depoimentos, o Recurso encontra-se pejado de alusões a depoimentos de acesso proibido, seja sob a forma de discurso indirecto, seja por transcrição de pequenos excertos, um e outros, integrados ao longo da Motivação, que o MºPº não deixou de assinalar;
386.  -  Quanto à junção de 2 "Pareceres", pelas mesmas razões que já invocámos relativamente ao Recurso do Arguido E, (...) que ambos se destinem a influenciar, alterando-a, a matéria de facto, a sua admissão é legalmente proibida, devendo ser rejeitados, a tanto acrescendo que, ainda assim, os quesitos a que se propõem responder configuram matéria completamente irrelevante, porque inócua;
387.  -  Como tivemos já oportunidade de referir, a Defesa de H polvilha o Recurso de referências ilegais, (...) que vedado lhe estivesse invocá-las, por violação dos artºs. 355º e 356º, do CPP;
388.  -  O MºPº indicará, nesta sede, todas as que conseguiu detectar  - e são inúmeras -, sem prejuízo de uma ou outra que o discernimento de V. Exªs., Senhores Desembargadores, certamente não deixará passar em claro;
389.  -  Como, igualmente, salientámos, no Recurso a que ora cumpre responder, convocam-se, ainda, transcrevendo-os, parte de "depoimentos" de Assistentes, por forma e com propósitos que não se contêm no âmbito do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.3.2007, o qual confirmou o Despacho proferido em Acta, na Sessão da Audiência de Julgamento de 25.9.2006, constante de fls. 39.633 a 39.644, o qual constitui caso julgado formal, onde, no Despacho recorrido, confirmado pelo TRL, se escreve, a dado passo : "…não sendo permitido ao Tribunal do Julgamento fazer uso livremente das declarações prestadas pelas alegadas vítimas na fase de inquérito perante um Perito, a não ser no âmbito da valoração dessa Perícia como meio de prova…";
390.  -  Como facilmente se pode constatar, a invocação de tais "declarações" não visa, implícita ou explicitamente, impugnar, ou colocar em crise, a validade científica e, consequentemente, a probidade probatória das próprias Perícias (único caso em que tal lhe seria consentido, por força do decidido, quer no Ac. do TRL, de 21.3.2007, quer no Despacho recorrido, por aquele confirmado, onde, recorde-se, se conclui não ser "… permitido ao Tribunal do Julgamento fazer uso livremente das declarações prestadas pelas alegadas vítimas na fase de inquérito perante um Perito, a não ser no âmbito da valoração dessa Perícia como meio de prova.";
391.  -  O que procura alcançar-se mais não é, tão só e uma vez mais, do que o mero confronto de declarações, na insana procura de alegadas (reais ou putativas) contradições;
392.  -  Em conformidade, porque as transcrições não tenham por objectivo colocar em crise as Perícias, no âmbito das quais foram produzidas, e tendo em conta que só com esse fim o poderiam ter sido, a sua utilização, com propósito diverso, é ilegal, porque contrário ao Despacho do Tribunal, confirmado pelo Acórdão do TRL, sendo, como tal, ininvocável;
393.  -  Assim, numa só Conclusão, enumerar-se-á, porque ilegal e, como tal, proibida, a invocação de:
1.  -  Todo o Capítulo designado por "A decisão instrutória" (fls. 69.841 a 69.843), a qual mais não visa do que aludir, velada e indirectamente, a declarações, sem se transcreverem ou referenciarem, nalguns casos, sem, sequer, se identificarem os respectivos autores ("E só é possível "desconstruir" a fantasia desses rapazes," que, até aí - «fls. 69.842, linhas 16 a 18», não se nomeiam - "recorrendo a uma análise global dos seus depoimentos"), e que, por isso, são ininvocáveis;
2.  -  Todos os §.s 2º e 3º, a fls. 69.861, recheado de declarações prestadas em Inquérito, não lidas em Audiência;
3.  -  Fls. 69.924, as 2 primeiras linhas do penúltimo § ("Relativamente… in-quérito,");
4.  -  Fls. 69.926, 2º §, linhas 7 a 11, ("De resto,… não acredita.");
5.  -  Fls. 69.938, 4º § e nota de rodapé (2);
6.  -  Fls. 69.939, 3º §, 4 últimas linhas do 4º § ("ainda para mais… para a acusação") e todo o 6º § ((...) que, do que aqui se trata, mais não é do que relatos de Senhores Advogados, investidos em Detectives/Testemunhas);
7.  -  "Para compreender a raiz da fantasia, tem de se ir ao inquérito", diz o Recorrente, a fls. 69.940.
Ainda que, ilegalmente, a partes do Inquérito que não foram lidas em Audiência, como jamais se cansará de reafirmar o MºPº.
Daí que seja ilegal a transcrição, desde o 2º §, de fls. 69.940, até ao final de fls. 69.942;  
8.  -  Fls. 69.947, penúltimo §, 3 últimas linhas ("qual seria… de 2003?");  
9.  -  Fls. 69.948, 3º §, último período e 4º §, última frase ("o que… (ficha 39).");
10.  -  Fls. 69.949, 2º §, de "coisa que…" até "(fichas 12 e 14)" e último §, 2º pe-ríodo ("Recordar-se-á… de 2003");
11.  -  Fls. 69.951, 2º §;
12.  -  Fls. 69.952, 3º §, desde o início até "(ficha 56)";
13.  -  Fls. 69.954, toda a folha, à excepção do 1º §;
14.  -  Fls. 69.955, 1º e 2º §s;
15.  -  Fls. 69.958, todo o 2º § (ademais, invocando-se uma ficha  - "54-A" -  inexistente);
16.  -  Do "Anexo ao Capítulo IV" (fls. 69.965 e ss.), é ilegal a transcrição de conteúdos das "fichas" nºs. 3 (inexiste no Processo), 12, 14, 16, 39, 54 (quanto a esta, foram, tão só, lidas na Audiência de 30.01.2006, ao abrigo do artº 356º, nºs. 2, b) e 5, do CPP, linhas 91 a 93, do Auto de Inquirição, a fls. 567, sendo certo que o excerto correspondente nem sequer foi transcrito na ficha em apreço), 56, 57, 58, 59 e 80 (nesta, o que se transcreve não foi lido em Audiência; na Sessão de 24.01.2005, foram lidos, para além de outro Auto os excertos referidos na respectiva Acta «fls. 17.709, li-nhas 18 a 21, fls. 17.711, linhas 24 a 26», nos quais não se inclui o que se transcreve e que corresponde a «linhas 24 a 27, de fls. 17.710 e linhas 1 a 9, de fls. 17.711»);
17.  -  Fls. 70.097, 4º § ("AP… (fichas 45 e 46)");
18.  -  Fls. 70.098, até último §, onde se refere ("falha em absoluto");
19.  -  Fls. 70.099, linhas 2 a 7;
20.  -  Fls. 70.100, último §;
21.  -  Fls. 70.101, 4º e 6º §s;
22.  -  Fls. 70.102, 5 primeiras linhas e 5º §, 2º período;
23.  -  Fls. 70.104  -  Uma vez mais, expressamente, diz o Recorrente: "Para compreender a sua história, não se pode passar sem conhecer o inquérito.".
Uma vez mais, diz o MºPº, se comete uma ilegalidade.
Proibida a invocação dos 2º, , , 6º e 7º §s;
24.  -  Fls. 70.107  -  a ficha "26-A" não consta do Processo, não estando referenciada como tal;
Do 3º §, a que corresponde a "ficha 138" (fls. 70.219), só com as 3 linhas que se iniciam em "Dentro de…", até "AX" foi, o Arguido A, confrontado em Audiência (cfr. já referimos no item "16."). Dai que seja legalmente proibida a invocação constante do § 3º, de fls. 70.107 (para além da ficha "138", como se consignará adiante);
25.  -  Do "Anexo ao Capítulo V" (fls. 70.110 e ss.), é ilegal a transcrição de conteúdos das "fichas" nºs. 21, 22, 24, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 53, 81, 84, 85, 97, 98, 99, 100, 101, 104, 105, 106, 107, 138 (parcialmente, cfr. assinalado no item anterior "24.");
26.  -  Do "Anexo ao Capítulo VI" (fls. 70.364 e ss.), é ilegal a transcrição dos conteúdos constantes da "ficha" nº 11;
27.  -  Fls. 70.404, 2º §;
28.  -  Fls. 70.405, 2º e último §;
29.  -  Do "Anexo ao Capítulo VII" (fls. 70.406 e ss.), é ilegal a transcrição dos conteúdos constantes das "fichas" nºs. 1 e 2;
394.  -  Por outro lado, a forma como, nas Conclusões do Recurso, se dá, ou procura dar, cumprimento ao dis(...) nos nºs. 3 e 4, do artº 412º, do CPP, suscita-nos algumas reservas, tendo em conta as implicações que uma deficiente, senão mesmo inexistente, especificação dos factos, pode comportar, ao menos no que se reporta à formulação das "Conclusões";
395.  -  Na Conclusão "Q)", por exemplo,  consigna-se uma referência genérica, que não especificada, aos itens do Acórdão, relativos aos "Factos Provados" que se indicam;
396.  -  A Lei impõe ao Recorrente que especifique "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados", não parecendo que se baste com uma remissão global para itens do Acórdão onde se contenham, aí sim, os factos a impugnar;
397.  -  Por outro lado, no que à especificação das concretas provas que, no entender do Recorrente, impõem decisão diversa da recorrida, a Motivação apresenta, igualmente, deficiências;
398.  -  A fls. 69.855 (1º §), alude-se a pretensas declarações do Arguido A, sem que se forneça qualquer referência relativamente ao local e momento em que tais declarações terão sido prestadas;
399.  -  Em nota de rodapé "(1)", do Capítulo "III", a fls. 69.915, refere-se que "A defesa de H fez juntar aos autos, em Agosto de 2008, um organizado dossier de comunicação social, com centenas de entradas, a fim de que fosse valorada a influência do contexto noticioso no processo judicial.", sem que se esclareça se o referido "dossier" foi, ou não, admitido, onde se encontra  - se no Processo principal, se nalgum Apenso -, enfim, não se fornecem os elementos que, sequer, permitam uma fácil consulta do documento que se invoca;
400.  -  A fls. 69.922/3/4, transcrevem-se excertos dos apensos "BX", "DA" e "Z-17", sem se mencionar, dentro dos mesmos, a respectiva localização, para além de se fazer referência a inúmeros elementos de prova  - documentais e/ou testemunhais -, sem qualquer especificação que permita a sua localização, onde foi dito o que se diz ter sido dito;
401.  -  A fls. 69.959, refere-se que "AV depõe…", sem qualquer referência ao local onde conste tal alegado depoimento;
402.  -  Em conformidade, tendo em conta o dis(...) no artº 417º, nº 3, do CPP, entende, o MºPº, que o Recorrente deve ser convidado a aperfeiçoar a Motivação, nos termos que se deixaram expressos, sem prejuízo de outras obscuridades que, porventura, o próprio Tribunal da Relação de Lisboa descortine;
403.  -  No Recurso que, oportunamente, interpôs, o MºPº suscitou a nulidade do Acórdão, nos termos do dis(...) nos artºs. 379º, nº 1, b) e 358º, ambos do CPP, relativamente à factualidade dada como provada nos itens "125." e ss., dos "Factos Provados", no Acórdão, os quais se reportavam ao Capítulo "6.7.2.", do Despacho de Pronúncia;
404.  -  Daí que, quanto ao referido segmento, o Recorrente e o MºPº assumam posições concordantes, excepto quando a Defesa de H reputa de irremediável a nulidade em causa. Não é!;
405.  -  O Recurso, todavia, vai mais longe, imputando igual vício, no que diz respeito ao Capítulo "4.3.1.", do Despacho de Pronúncia e itens "106." e ss., dos "Factos Provados", no Acórdão, pese embora, reconheça que "sem a mesma intensidade do caso anterior, que não tem discussão.";
406.  -  Alega a Defesa que o facto de o Tribunal ter dado como provado (cfr. item "106.", dos "Factos Provados"), tão só, que o Arguido A, "por contacto não concretamente apurado", tenha levado 2 menores a uma residência sita na (...) (...), em (…), onde se encontrava o arguido H, a fim de este os sujeitar à prática de actos sexuais consigo, quando é certo que, na Pronúncia, se alegava que o Arguido H contactara com o Arguido A a quem pediu que levasse dois menores da AX a uma residência sita na (...) (...), em (…), a fim de os sujeitar à prática de actos sexuais consigo, configurando uma alteração não substancial, imporia ao Tribunal a prévia comunicação da alteração, nos termos do artº 358º, do CPP;
407.  -  Ao assim não proceder, ainda segundo o Recorrente, o Acórdão teria incorrido na já referida nulidade, prevista nos artºs. 379º, nº 1, b) e 358º, ambos do CPP;
408.  -  Como  ensina  o  STJ, “uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia pressupõe uma modificação com relevância para a decisão da causa, não bastando para tal que a matéria de facto provada não seja inteiramente coincidente com a verti-da na acusação ou na pronúncia.”;
409.  -  No que ora importa, a modificação em causa, per se, é irrelevante, tendo em conta que não descaracteriza o facto, seja por referência a uma abordagem naturalística, seja por força de uma concepção normativa;
410.  -  Note-se, desde logo, que a própria Motivação não tem dúvidas, antes o afirmando, expressamente (fls. 69.856), que, do que se trata, é de uma mera "circunstância de modo diferente da que constava na pronúncia". E diz bem! Os factos constitutivos do crime permaneceram intocados, como inalteradas ficaram as circunstâncias envolventes relevantes;
411.  -  O Tribunal tão só não deu como provado, por que modo, e entre quem, tenha sido estabelecido o contacto que culminou com a ida dos Menores à casa da Av. (...), facto que em nada abala a Defesa de H;
412.  -  Alega-se, em contrário, que "Era um elemento relevante para a defesa de H" interrogando, ainda, "Se o contacto não fora estabelecido entre H e A, então como fora? ";
413.  -  O Tribunal entendeu que a prova produzida não logrou determiná-lo, sendo tal facto absolutamente inócuo;
414.  -  Mas a Defesa de H insiste: "Perante essa comunicação, a defesa de H poderia, por exemplo, ter ensaiado a tentativa de demonstrar que não teriam existido ligações telefónicas entre H, A e D. DV, a residente  - que chegou a ser constituída arguida -  na fracção onde os menores dizem que os menores dizem que os abusos foram cometidos: o (…)º (…). do nº (…) da Av. (...).";
415.  -  Mas, onde dizem os Menores ? E, sobretudo, onde dizia a Pronúncia que os factos ocorreram no (…)º (…), do nº (…), da Av. (...)? Não diz, como tão pouco o deu como provado o Acórdão! Neste, tal como vinha referido no Despacho de Pronúncia, dá-se como provado que os factos ocorreram "numa fracção do prédio correspondente ao Lote (…), nº. (…), em (…)";
416.  -  E como lograria a Defesa demonstrar (facto negativo) não ter havido ligações telefónicas entre ambos os Arguidos ? Ainda que tal fosse possível, onde alude a Pronúncia a contactos telefónicos ? Não alude! Como não alude o próprio Acórdão. Ou, para o Recorrente, os contactos só por telefone são susceptíveis de se estabelecer ?;
417.  -  A fixação do Recorrente, nos telefones, é, no mínimo, bizarra. E, ainda que fosse por esse meio, porque não poderia sê-lo por um qualquer telefone, estranho aos milhões de registos que, efectivamente, constam do processo ? Uma simples cabine telefónica, um cartão pré-pago inominado - para além dos muitos que foram associados ao Arguido H e que o Acórdão referencia, um a um -  não seriam susceptíveis de escapar à mais porfiada, quão inútil, investigação ?;
418.  -  Daí que, não lhe assista qualquer razão quando invoca a pretensa relevância de um facto relativamente ao qual, bem vistas as coisas, o que está em causa mais não é do que um facto não provado, um minus, relativamente ao que da Pronúncia constava, irrelevante na caracterização do facto e insusceptível de afectar a defesa do Recorrente;
419.  -  As garantias de Defesa que, enquanto Arguido, lhe assistem, foram, e estão, completamente asseguradas, pelo que não é lícito concluir-se ter-se verificado qualquer alteração relevante, formalmente, não substancial, dos factos descritos na Pronúncia, a qual impusesse qualquer comunicação, ao abrigo do artº 358º, nº 1, do CPP;
420.  -  Pelo que é de considerar improcedente a arguida nulidade;
421.  -  Quanto à medida das penas, o MºPº, no Recurso por si inter(...), impugnou a medida das penas aplicadas ao aqui Recorrente, o Arguido H. Nessa medida, limitamo-nos a remeter para o que, nessa sede, se alega e requer, sem necessidade de quaisquer outros considerandos;
422.  -  Ao dar cumprimento, pese embora, deficiente e incompleto (cfr., infra, em "A)" e "A).6."), ao dis(...) no artº 412º, nº 5, do CPP, a Defesa de H aproveita para, mais uma vez, de forma absolutamente deslocada e redundante, discorrer acerca do artº 356º, do CPP;
423.  -  Na indicação dos Recursos nos quais se declare manter interesse, não cabe o (repetitivo) desenvolvimento das alegações produzidas nos Recursos que se referenciam, uma vez que será no âmbito da apreciação desses mesmos Recursos que as questões neles suscitadas, serão decididas;
424.  -  Nos capítulos que se seguem, invocam-se, amiúde, factos (de entre outros, o episódio de 1982, o Teatro (…), uma casa em (…)) e Prova, ou segmentos de Prova, que, não só, não incriminam o Recorrente, como, tão pouco, foram considerados pelo Acórdão, como elementos principais, ou mesmo, meramente circunstanciais, susceptíveis de ter contribuído para a formação da convicção do Tribunal, quanto à culpabilidade do Arguido, no que aos crimes por que foi condenado diz respeito;
425.  -  Do que neles se trata, tendo em conta a forma e a praticamente nula relevância que lhes foi reconhecida pelo Acórdão, é de matérias, essencialmente, espúrias, que o Recurso convoca, apenas e só, por um lado, porque a lógica do enredo e a ligação dos fios da narrativa assim lho imponham e, por outro lado, como meio de nelas tentar descortinar mais um punhado de pretensas contradições;
426.  -  No que ao primeiro diz respeito  - os factos ocorridos em 1982, a que o Recorrente se refere, epigrafando, além do mais, como "Era uma vez… uma fuga de amor" -, o MºPº atentará, tão só, na justa medida em que o Recurso nele coloca "a semente da fantasia";
427.  -  Tenha-se em conta que o episódio em causa  - a fuga, em Março de 1982, de 2 alunos da AX, NZ e LLV, a primeira, inquirida no Inquérito e ouvida em Julgamento, o segundo, cujo depoimento prestado em Inquérito, foi lido em Audiência, e que vieram a ser encontrados por Educadores da Instituição, numa casa de (…), então habitada pelo Arguido E -, ocorreu num tempo em que nenhum dos Assistentes era aluno da AX, pela singela razão que nenhum deles era, sequer,… nascido;
428.  -  O Tribunal não deu, nem tinha que dar, como provado, que os Assistentes, nomeadamente, os que incriminaram o Arguido H, ALGUMA VEZ TIVESSEM, ao menos, TOMADO CONHECIMENTO DE TAL EPISÓDIO;
429.  -  É, aliás, por isso, que o Recorrente tanto se afadiga em descobrir uma ligação entre esses factos, temporalmente longínquos, e, num primeiro momento, o eclodir deste Processo, em Novembro de 2002, bem como, num segundo momento, a alegada influência que, directa, ou indirectamente, eles teriam exercido na pessoa dos Assistentes;
430. -  A tese, segundo a Defesa, é que esse elo de ligação, consciente ou inconscientemente, terá sido a Comunicação Social;
431.  -  Como se vê, a construção de tão fantasiosa, quão rebuscada, explicação, mais não visa do que desqualificar os factos que, verdadeiramente, incriminaram o Arguido H, procurando centrar as atenções em aspectos que, se interessantes sob o ponto de vista da ficção, são irrelevantes, na perspectiva, seja da realidade ontológica, seja da realidade jurídico-processual;
432.  -  Após se historiar o que foi "A Fuga de Amor" e o que se lhe seguiu, a Defesa faz uma primeira alusão ao que, para si, se constitui como o cerne ficcional que teria contaminado todo o desenrolar dos acontecimentos: a famosa "banhada" (que o Recorrente, porventura, num descuido inconsciente, curiosa e significativamente, apelida de "história";
433.  -  A "banhada", segundo se consigna, "pode razoavelmente depreender-se dos elementos ex(...)s que a fonte da informação terá sido SU";
434.  -  Para que se perceba bem o que está em causa, os acontecimentos de 1982 - porque é de 2 episódios que se trata, entre os quais, apesar nada terem em comum, se procura, à viva força, estabelecer relação -  podem, assim, resumir-se:;
435.  -  1º episódio - De acordo com a Testemunha SU (inquirido, em Julgamento, a 27.3.2006), num momento em que ele próprio, o HHS e o LLW, todos alunos da AX, viam televisão, ao aparecer no ecrã o então (…) H (cujo nome desconheciam, mas que terá sido referido por um Educador), o HHS  - que, segundo o SU, se prostituía, tal como o BBF, nos (…) -  terá dito que já tinha pregado uma "banhada" a H, significando com isso que lhe tinha roubado uma carteira, presumivelmente, na sequência de um contacto que com aquele teria mantido;
436.  -  Mais tarde, ainda segundo SU, ao saber da prisão de H, ficou muito preocupado por ter pensado que o Arguido H poderia ter sido preso por causa da história da "banhada", vindo, por isso, a revelar que o próprio HHS, entretanto, lhe desmentira o que dissera e que tudo não passara de uma gabarolice sua;
437.  -  SU, alegadamente, num arroubo de consciência, vai a casa de H contar a este o pretenso desmentido do HHS (não reconhecendo, no entanto, que tenha apresentado desculpas). Ainda segundo a Testemunha, este episódio terá ocorrido em data anterior ao que se descreverá como "2º episódio";
438.  -  Ver-se-á, adiante, a inconsistência e impossibilidade de as coisas terem acontecido como a Testemunha narrou;
439.  -  2º episódio  -  Em Março de 1982, 2 alunos da AX, NZ (inquirida, em Julgamento, em 15.3.2006) e HHS (não ouvido em Julgamento), namorados um do outro e ambos alunos da AX, desapareceram;
440.  -  Através de um amigo comum, o LLW, igualmente aluno da Instituição, veio a descobrir-se que o jovem casal se encontrava numa casa em (…), casa essa habitada pelo Arguido E. Na verdade, vieram ali a ser encontrados por alguns Educadores que se deslocaram ao local;
441.  -  Na sequência desta deslocação, suscitaram-se duas questões que não podem reputar-se senão como controversas:;
442.  -  - uma, a referência que teria sido feita, eventualmente, pelo porteiro (identificado no Processo, embora não ouvido em Julgamento, (...) que, entretanto, falecido), ao facto de H, alegadamente, ser frequentador da referida casa de E;
443.  -  - outra, a referência a uma famosa caixa de fotografias de cariz sexual, de entre as quais constariam 2 em que, pretensamente, numa delas, seria visível o Arguido H;
444.  -  O Acórdão, nas poucas referências que faz ao episódio, justifica a incursão na perspectiva de tentar perceber se alguns dos Arguidos, ao contrário do que sempre afirmaram, efectivamente se conheciam, ou não, desde datas anteriores às datas em que foram cometidos os crimes pelos quais vinham pronunciados;
445.  -  É nestes episódios que a Defesa de H pretende ver ancorada a origem da sua implicação no Processo, (...) que alguma explicação seja forçoso que apresente, embora não a que corresponde à verdade que o Acórdão acolheu;
446.  -  SU (cfr. Acta de 27.3.2006 - I cassete do lado B dos 9.40 aos 25.40 minutos do lado A da II cassete e em CD, 4ª faixa do CD1 e 1ª faixa do CD 2 e Acta de 27.3.2006, II cassete do lado A dos 25.50 minutos aos 35.20 minutos e CD 2ª e 3ª faixa do CD 2) trabalhava, ao tempo em que depôs e já desde cerca de 2002/2003, no "(…)";
447.  -  Tinha como "patrão", a Testemunha AAM, amigo confesso do Arguido H, desde há cerca de 45 anos (cfr. Acta de 11.10.2007, DVD, dos 36 aos 46 minutos);
448.  -  O seu depoimento, claramente comprometido, é errático e vacilante, desdizendo, a cada passo, o que antes havia dito;
449.  -  É relevante relembrar que, na Sessão de Julgamento de 27.3.2006, o MºPº requereu, ao abrigo do dis(...) no artº 356º, nºs. 2, b) e 5, do CPP, a leitura do "Auto de Declarações" (que se integrava no Procº 16.868/82, da Comarca (…), instaurado que havia sido na sequência da fuga dos Menores e da sua localização na casa de E) constante de fls. 44 e 45, do "Apenso T", o qual se reporta ao depoimento de SU, prestado perante a PJ, a 25.11.1982;
450.  -  O Recorrente, que tanto acusa o MºPº de obstrução à leitura de depoimentos, opôs-se;
451.  -  No entanto, nessa mesma Sessão, a própria Defesa de H requereu, tendo sido admitida, por Despacho logo proferido em Acta, a junção, aos autos, de um exemplar da edição de 30.11.2002, do Jornal "CX", do qual consta uma entrevista que SU deu àquele Jornal, ao Jornalista CCZ (arrolado pelo Arguido H e inquirido em Audiência de Julgamento, a 25.6.2007 - cfr. Acta de Julgamento, da referida data, DVD, dos 30 aos 56 minutos), facto por ambos confirmado;
452.  -  Nessa entrevista, SU, sob o nome fictício de "SU", diz, além do mais, o seguinte: "SU (nome fictício) tinha 14 anos e era aluno da escola DT quando foi prestar declarações à Polícia Judiciária por causa do desaparecimento de dois colegas. Ainda hoje não consegue explicar porquê, mas a verdade é que na altura disse ao agente LLX que "o HHS (o aluno desaparecido), em casa do E, este fazia-lhe b…e vários amigos dele assistiam e tiravam fotografias." Pior: "Os amigos do E eram estrangeiros e um português que trabalhava na televisão, o H.";
453.  -  E mais à frente: "Hoje, com 34 anos feitos, SU refez a vida. "Sofri muito mas consegui endireitar-me. Com isto tudo tenho medo de ser descoberto e de ser despedido.";
454.  -  Como se vê, SU sabia mais do que disse em Julgamento, onde, nomeadamente, negou ter receio de ser despedido do "(…)". Sabe mais, muito mais, do que a "banhada", alegadamente, contada por HHS, (...) que o que refere na entrevista não se limita à versão resumida que imputa a HHS;
455.  -  Como se viu, na entrevista, refere que a "banhada" "deve ter sido" uma invenção do HHS. Tratava-se, portanto, tão só de uma mera suposição. É com base, apenas, nessa "suposição", que vai a casa do Arguido H, a 29 de Novembro de 2002, não para pedir desculpa (segundo sempre negou ter feito, embora na entrevista o reconheça), mas, antes, porque aterrorizado com a perspectiva de engrossar o número de desempregados;
456.  -  Note-se que, em Julgamento, admitiu saber que AAM era muito amigo de H;
457.  -  SU diz que só cerca de 1 Mês depois de ter ido a casa de H é que se encontrou, pessoalmente, com o HHS e que só então este lhe terá confirmado que a história da "banhada" era mentira. Esse alegado encontro, todavia, nunca foi confirmado, muito menos pelo próprio HHS;
458.  -  Logo, SU foi a casa de H, "contricto" e "arrependido", antes desse pretenso encontro, tão só, porque supusera, entretanto, que a história da "banhada" não passara disso mesmo e não porque o HHS lho tivesse desmentido;
459.  -  SU, enfim, supôs. E, com ele, a Defesa do Arguido H;
460.  -  No mais, e porque a Defesa de H tenha sido exaustiva  - e habilmente selectiva, como era, de resto, seu direito -, transcreveremos os segmentos mais significativos, dos depoimentos prestados, em Audiência, pelas Testemunhas NZ e KX, cuja relevância, a este respeito, é patente, carecendo, para uma cabal compreensão, de bem mais do que a Defesa de H seleccionou;
461.  -  Acrescentar-se-ão, ainda, transcrições de alguns "Autos de Declarações", rele-vantíssimos, lavrados na fase de Inquérito, e cuja leitura teve lugar em Julgamento, ao abrigo do artº 356º, nºs. 2, b), e 5, do CPP ((...) que, ao contrário do Recorrente, só destes nos valhamos);
462.  -  O conteúdo do depoimento da TESTEMUNHA NZ, inquirida na Sessão de 15.3.2006, é revelador.
(CFR. ACTA DE 15.3.2006 - 1ª PARTE) - O depoimento da Testemunha,  encontra-se gravado em cassete audio (I cassete do lado A dos 0 aos 7 minutos do lado B) e em CD (1ª faixa do CD1).
(CFR. ACTA DE 15.3.2006 - 2ª PARTE) - O depoimento da Testemunha encontra-se gravado em cassete audio (I cassete do lado B dos 7.53 minutos aos 22.57 minutos do lado A da II caassete)  e CD (2ª faixa do CD 1 e 1ª faixa do CD 2).
(CFR. ACTA DE 15.3.2006 - 3ª PARTE) - O depoimento da Testemunha encontra-se gravado em cassete audio (II cassete do lado A dos 22.57 aos 42.37 minutos do lado B)  e CD (2ª faixa do CD 2 e 1ª faixa do CD 3).
(CFR. ACTA DE 15.3.2006 - 4ª PARTE) - O depoimento da Testemunha encontra-se gravado em cassete audio (II cassete do lado B dos 42.37 aos 39.45 minutos do lado A da III cassete)  e CD (2ª faixa do CD 3);
(A transcrição do depoimento, dada a sua extensão, não se reproduz nesta sede, remetendo-se para a Motivação);
463.  -  Tal como o depoimento da TESTEMUNHA KX, inquirida na Sessão de 04.5.2006.
(CFR. ACTA) - O depoimento da Testemunha,  encontra-se gravado em cassete audio (III cassete do lado A dos 30.34 aos 29.38 minutos do lado A da IV cassete) e em CD (3ª faixa do CD 3 e 1ª faixa do CD 4). (CFR. ACTA - APÓS INTERRUPÇÃO, MAS NO MESMO DIA) - O depoimento da Testemunha encontra-se gravado em cassete audio (IV cassete do lado A dos 29.38 aos 7.12 minutos do lado B) e CD (1ª faixa do CD 5).
(AINDA CFR. ACTA - APÓS INTERRUPÇÃO, MAS NO MESMO DIA) - O depoimento da Testemunha encontra-se gravado em cassete audio (IV cassete do lado B dos 7.12 aos 16.25 minutos) e CD (2ª faixa do CD 5)
(A transcrição do depoimento, dada a sua extensão, não se reproduz nesta sede, remetendo-se para a Motivação, incluindo a leitura dos depoimentos prestados em Inquérito, a qual teve lugar no âmbito da instãncia, ao abrigo do dis(...) no artº 356º, nºs. 2, b) e 5, do CPP); 
464.  -  V. Exªs., Senhores Desembargadores, saberão bem, estamos certos, discernir a literalidade do que foi dito, do que, calando ou negando, não se disse, tendo em conta, num caso e noutro, que se tratava de Testemunhas absolutamente aterrorizadas. E, ainda assim, quanto do que conseguiram dizer  - e foi tanto! -  nos ajuda a perceber melhor, muito melhor, o que seja a real dimensão da tão propalada "banhada" e a desmistificar a ficção que, à volta dela e por causa dela, a Defesa do Arguido H quis construir);
465.  -  Têm-se, ainda, em conta, pela sua importância, os depoimentos de:
-  PL (inquirida em Julgamento a 12.3.2007 -  o depoimento da Testemunha, encontra-se gravado em DVD, dos 57 minutos a 01 hora e 23 minutos, cfr, Acta respectiva), a qual, além do mais, refere que a então Educadora, NY (actual Mulher do Arguido C, com quem contraiu matrimónio, já durante o decurso do Julgamento), que foi uma das Educadoras que se deslocou a (…), em 1982, e que trouxe a NZ e o HHS, de regresso à AX, lhe contara, já após o eclodir deste processo, que um nome que ali era referido era o de H, facto que, no entanto, NY desmentiu em Julgamento;
- OQ (inquirido em 28.01.2008, cfr. Acta de 28.01.2008 - o depoimento da Testemunha, encontra-se gravado em DVD, dos 0 minutos até 01 hora e 12 minutos), outro dos Educadores que, em 1982, se deslocou a (…);
466.  -  Para finalizar, reputa-se de toda a conveniência ler os depoimentos prestados em Inquérito e lidos em Audiência, ao abrigo do artº 356º, nºs. 2, b) e 5, do CPP;
467.  -  NY, uma das Educadoras que, em 1982, se deslocou a (…) e que trouxe de volta os alunos fugidos, não era ainda, ao tempo em que foi ouvida no Inquérito, casada com o Arguido C (cfr. AUTO DE INQUIRIÇÃO DE NY, A FLS 35 E 36, PERANTE A PJ, EM 27.11.2002, LIDAS EM AUDIÊNCIA, NA SESSÃO DE 30.4.2007, AO ABRIGO DO ARTº 356º, NºS. 2, B) E 5, DO CPP), cujo conteúdo se reproduz na Motivação;
468.  -  AUTO DE INQUIRIÇÃO DE LLY, A FLS 39 A 41, PERANTE A PJ, EM 27.11.2002, LIDAS EM AUDIÊNCIA, NA SESSÃO DE 22.10.2008, AO ABRIGO DO ARTº 356º, NºS. 2, B) E 5, DO CPP, cujo conteúdo se reproduz na Motivação;
469.  -  AT, (…) e AI, (…), foram as Crianças que o Tribunal deu como provado terem sido sexualmente abusadas pelo Arguido H. Eram, ainda, Adolescentes quando depuseram em Tribunal. Os seus depoimentos foram corroborados por outros elementos de Prova, em termos que o Acórdão, exemplarmente, explica, e, atente-se, nasceram cerca de 5 anos após a história da pretensa "banhada" e 4 anos e ½ depois da ""Fuga de Amor", como lhe chama o Recorrente;
470.  -  São estes Jovens que a Defesa de H alega terem sido levados a incriminá-lo, à conta de uma objectiva e rocambolesca aliança entre Polícias, Magistrados, Psiquiatras, Psicólogos, uma (...)a da AX, e, naturalmente, a Comunicação Social, em particular, alguns Jornalistas;
471.  -  Onde está a prova, ao menos, o indício, de que aqueles Jovens tivessem, sequer, tomado conhecimento de tais episódios ?
Onde está a prova de que aqueles Jovens se interessassem pelo que a Comunicação Social dizia, quando é certo que a maioria disse em Tribunal que não liam, não viam, porque isso lhes fazia reavivar o que lhes era doloroso recordar ?;
472.  -  "A "banhada", é o que é: uma palavra entre aspas.
A Realidade, essa, desgraçadamente, foi bem diferente do que quer fazer crer a Defesa de H;
473.  -  O Recurso do Arguido H, após se estender em genéricas considerações, num segmento da Motivação que designa por "CAPÍTULO III  -   "A SEMENTE DA FANTASIA", (...) que, o que a tal respeito ali se refira, para além de conclusões genéricas, especulativas e retóricas, está dito e redito, noutros segmentos do Recurso, não nos impõe que, a propósito, teçamos qualquer comentário;
474.  -  Acto contínuo, o índice remete para a "SEGUNDA PARTE - A ACÇÃO DA FAN-TASIA", a qual se inicia com o "CAPÍTULO IV  -  A CASA DA (...) (…)" (fls. 69.934 e ss.), prosseguindo com o "CAPÍTULO V  -  A CASA DE (...)" (fls. 70.088 e ss.);
475.  -  Estes 2 Capítulos correspondem, assim, aos dois locais onde ocorreram os abusos sexuais por cuja prática foi condenado o Arguido H 476.  -  Como já tivemos oportunidade de salientar, é, sobretudo, nestes 2 Capítulos, que a Defesa inclui um maior número de transcrições ilegais (cfr. infra, itens "CB).5.1." e "CB).5.2.2."), sendo, por isso, ininvocáveis, quer as fichas, como tal, assinaladas, quer os segmentos da exposição com elas relacionadas;
477.  -  O MºPº, uma vez mais, responderá às questões suscitadas, destacando as partes do Acórdão que tratam das respectivas matérias;
478.  -  Como exemplo da invocada "genuinidade" e "espontaneidade" com que, alegadamente, as Testemunhas por si arroladas depuseram, no que à chamada "Casa (...)" diz respeito, tenha-se em conta, como mero exemplo, os excertos, transcritos na Motivação, do depoimento da Testemunha DB, prestado, em Julgamento, em 15 e 20.11.2006, o dono da empresa de estafetas que ocupava o R/C do prédio em causa (cfr. Acta de 20.11.2006 - O depoimento da testemunha encontra-se gravado em cassete áudio, I cassete do lado B dos 19.04 aos 30.07 minutos do lado A da II cassete e em CD, 4ª faixa do CD 1 e 1ª faixa do CD 2); (cfr. Acta de 20.11.2006 - O depoimento da Testemunha encontra-se gravado em cassete audio, III cassete do lado A dos 4.30 aos 33.18 minutos do lado A da III cassete e em CD, 3ª faixa do CD 2) e (cfr. Acta de 20.11.2006 - O depoimento da testemunha encontra-se gravado em cassete audio, III cassete do lado A dos 33.18 aos 38.02 minutos e em CD, 2ª faixa do CD 3);
479.  -  No mais, dá-se conta das referências relativas à localização dos segmentos do Acórdão que, a este respeito, se transcreveram na Motivação, relativos aos factos que dizem respeito à casa sita na Av. (...);
480.  -  (Acórdão - fls. 67.461 a 67.490)  -  " Depoimento do Assistente AT Análise Critica, Conjugação com outros   elementos de Prova, outra Prova Testemunhal, Prova Documental e Conjugação da Prova; 
481.  -  O Tribunal disse e fundamentou o que disse. Explicou como chegou onde chegou, desenvolvendo um raciocínio absolutamente conforme com a lógica e com as regras da experiência comum;
482.  -  A Defesa de H não abalou, minimamente, a coerência do julgado, nem, muito menos, demonstrou que outra conclusão se impunha, derrogando-a, à que se encontra plasmada no Acórdão;
483.  -  Na exposição que integra o "Capítulo V", da Motivação, a Defesa do Arguido H, sem que logremos alcançar porquê, aborda factos que o Acórdão considerou como… "não provados" ("É neste contexto que se toma primordial indagar se aquela moradia foi ou não objecto de obras", diz o Recorrente, a fls. 70.091, ao passo que, no Acórdão, se consignou, a fls. 67.667 - "O Tribunal, do que viu, também não ficou com a percepção que, na sua estrutura, a casa tivesse sofrido obras recentes que alterassem a localização das divisões, de forma a que onde anteriormente fosse uma sala agora fosse uma escada, por exemplo.");
484.  -  Aliás, a Defesa do Arguido acaba, ela própria, por concluir que "Este é, pois, um dado assente e que já ninguém discute neste processo.". Mas se é um dado assente, cabe perguntar, para quê convocá-lo?!;
485.  -  Por outro lado, como tivemos já oportunidade de salientar, este Capítulo, tal como o anterior, está pejado de transcrições ilegais e, por isso, ininvocáveis. Também estas foram devidamente referenciadas;
486.  -  A Defesa do Arguido CC, para além de remeter para os conteúdos dos depoimentos, insertos nas "fichas" que anexa e com as quais, uma vez mais, debalde, se esforça em demonstrar o que apelida de "inconsistência absoluta dos depoimentos", invoca a nulidade do reconhecimento da casa de (...), efectuado por um Assistente - AV -, cujo depoimento, de uma maneira geral, o Tribunal não valorou, honestamente reconhecendo não ter logrado "decifrar o seu modo de funcionar intelectualmente";
487. - A esse respeito, (Acórdão  - fls. 67.700 a 67.702)  -  "O Depoimento do Assistente AV
488.  -  No Recurso, dá-se particular ênfase ao depoimento da Jornalista CCN, ouvida, em Julgamento, a 06 de Novembro de 2006. Entusiasmada, a Defesa de H vai ao ponto de afirmar (fls. 70.099) tratar-se de um "dos mais relevantes depoimentos produzidos em tribunal para desmascarar esta história";
489.  -  Não indo tão longe na adjectivação, o MºPº reconhece a importância do depoimento, do qual, no entanto, retira conclusão diametralmente oposta à do Recorrente;
490.  -  A Testemunha, em síntese, afirmou (cfr. Acta de 6.11.2006 - II cassete, do lado A, dos 1.36 aos 18.10 minutos e em CD, 3ª faixa do CD 2, bem como em cassete áudio, II cassete, do lado B dos 18.10 aos 47.01 minutos e em CD, 1ª faixa do CD 3) que quando entraram em (...), o AP teve algumas dúvidas mas acabou por localizar a chamada casa de (...). As casas eram todas parecidas. A depoente não fez esforço nenhum para que ele encontrasse a casa. Quando se aproximaram da entrada de (...), a depoente perguntou-lhe: ”e agora?”. Ele, primeiro, descreveu a casa, dizendo que era uma casa com dois andares e que no piso de baixo havia uma sala e no piso superior havia quartos;
491.  -  Mais referiu que havia (...) parecidas. Não andaram muito tempo enganados e chegaram lá. Dentro da (...) ele não hesitou. Apontou a casa. Teve dúvidas da (...) mas não da casa. O AP fez uma referência qualquer à noite, que tinha lá estado de noite, ou chegado de noite. Chegaram à casa de (...), exclusivamente, por força das indicações do AP. Nem a depoente, nem o cameraman lhe deram qualquer indicação;
492.  -  A própria Testemunha reconheceu que se a depoente voltasse a (...), teria muita dificuldade em localizar a casa;
493.  -  Esta pequena sinopse do testemunho de CCN corresponde ao essencial do que foi dito, tal como se poderá comprovar, quer pelo próprio teor da "ficha" referenciada na Motivação  - que não na exposição, onde se seleccionam frases, de forma descontextualizada -, quer da própria gravação do depoimento, que aqui se invoca;
494.  -  Aliás, cabe perguntar que indicações poderia ter dado a Srª Jornalista, se ela própria desconhecia de que casa se tratava e onde, dentro da cidade de (...), a mesma se situava ?;
495.  -  Mais invoca o Recorrente a pretensa nulidade do reconhecimento pessoal da Arguida Q, efectuada por AP, nas instalações da PJ. Uma vez mais, independentemente de tudo, o Recurso falha o alvo, (...) que o Reconhecimento em apreço não foi, sequer, invocado no Acórdão, não tendo, consequentemente, contribuído para a formação da convicção do Tribunal;
496.  -  Por fim, last but not least, saliente-se, porque relevantíssimo, o que no Acórdão se consigna, relativamente aos alegados álibis, apresentados pela Defesa do Arguido H, como pretensa prova da impossibilidade de ter estado em (...), nas datas em que a Pronúncia ali o coloca;
497.  -  (Acórdão - fls. 67.696/7)  -  ""Da possibilidade de contactos entre Arguidos"   ;
498.  -  O Acórdão como, expressamente, refere, não desconsiderou os inúmeros registos apresentados, in casu, pela Defesa do Arguido H;
499.  -  Todavia, relativizou a sua importância, (...) que não excluiu a possibilidade  - de resto, ainda que reportando-se a situações pontuais, admitidas, em Julgamento, pelo próprio Arguido - de terem sido utilizados outros telefones, de os que foram referenciados terem sido utilizados por outrem, que não o Arguido, que os identificadores Via Verde possam ter sido utilizados noutros veículos, que não apenas naqueles a que estavam associados, que os movimentos MB pudessem ter sido levados a cabo por outras pessoas, que não o titular, etc., etc.;
500.  -  Tudo isso resulta da natureza das coisas, da experiência da vida e das regras às quais o Julgador não só não pode, como não deve, deixar de atender;
501.  -  (Acórdão - fls. 67.180 a 67.202)  -    "Da utilização de telefones por parte do arguido H"  ;
502.  -  No mais, Senhores Desembargadores, "fala", ainda e sempre, o Acórdão;
503.  -  (Acórdão - fls. 67.525 a 67.536) -  "O depoimento do Assistente AI, O percurso de AI D. Nunes na AX"  ;
504.  -  (Acórdão - fls. 67.549 a 67. 552)  -  "A localização no tempo"  ;
505.  -  (Acórdão - fls. 67.556 a 67.576)  -  "Da Prova Testemunhal e Documental  (Análise Crítica)"  ;
506.  -  (Acórdão - fls. 67.609 a 67.643)  -  "Dos Factos em (...) - o Relato, "Dos Factos  em (...)  -  Análise Crítica" ;
507.  -   (Acórdão - fls. 67.648 a 67.699)  -  "Análise Crítica (cont.), Da possibilidade da ocorrência dos factos na casa de (...), O Depoimento da Arguida Q, Análise Crítica - (conclusão)" ;
508.  -  Tal como já havíamos referido, a propósito da chamada "Casa (...)", o que ora vem de transcrever-se, a propósito da "Casa de (...)", dispensa quaisquer outras considerações, bastando-se a si próprio;
509.  -  O Tribunal disse e fundamentou o que disse. Explicou como chegou onde chegou, desenvolvendo um raciocínio absolutamente conforme com a lógica e com as regras da experiência comum;
510.  -  A Defesa de H não abalou, minimamente, a coerência do julgado, nem, muito menos, demonstrou que outra conclusão se impunha, derrogando-a, à que se encontra plasmada no Acórdão;
511.  -  No que aos Capítulos "VI ("O Teatro (…)")"  e "VII ("Uma Casa em (…)")" diz respeito, o MºPº terá em conta o facto de, reconhecidamente, nenhum deles, seja em sede de Despacho de Pronúncia, seja, natural e consequentemente, em sede de Acórdão, incriminarem o Arguido H;
512.  -  Pretender discutir, no âmbito do presente Recurso, os "episódios" em apreço, careceria de uma legitimidade que ao Recorrente, manifestamente, não assiste, por falta de interesse em agir  - cfr. artº 401º, nº 2, do CPP;
513.  -  De resto, seria absurdo que o Arguido não podendo recorrer, nos casos em que tenha sido absolvido por factos pelos quais tivesse sido pronunciado, pudesse fazê-lo naqueles outros em que nem acusado/pronunciado foi;
514.  -  A própria Defesa, de resto, o reconhece, ao consignar:
-  quanto ao "Teatro (…)", que "H não foi incriminado por nenhum facto ocorrido no Teatro (…)", e, ainda, que "A sentença de 3 de Setembro de 2010 não dá como provado que tenha ocorrido o que quer que seja de relevante para este processo, no Teatro (…), tendo absolvido A do crime de lenocínio";
515.  -  Quanto à denominada "Casa em (…)", que "H não responde por qualquer crime cometido numa casa de (…)";
516.  -  Pelo que, em primeira linha, o MºPº entenda que a apreciação dos segmentos do Recurso, correspondentes aos Capítulos "VI" e "VII", deva ter-se por prejudicada;
517.  -  Diga-se, por fim, que, também nestes Capítulos, se contêm referências ilegais a depoimentos ininvocáveis, tanto no que diz respeito às fichas, como tal, assinaladas, quer aos segmentos da exposição com elas relacionadas;
518.  -  Que o Arguido H proclame a sua inocência, compreende-se!. Mas que, do mesmo modo, reiteradamente, invoque e se bata  - e com que denodo! - (com excepção, naturalmente, do Arguido A), pela inocência dos restantes Arguidos, que sempre alegou não conhecer, até ao eclodir do Processo, há-de convir-se, constitui carta branca e auto de fé que não deixa de surpreender;
519.  -  Dir-se-á que, uma vez que os Assistentes "mentem", no que lhe diz respeito, "mentirão", igualmente, quanto aos Arguidos C, E, K, N e Q. E porque teria que ser assim ? A "mentira" só o é se for una e indivisível ? Porquê ?;
520.  -  Se sempre reclamou que a sua presença, no "enredo", se deveu, além do mais, ao facto de os Assistentes terem querido enriquecer o que apelida de "…", com a presença de uma personalidade famosa, de todos conhecida, como forma de se auto-promoverem, como não admitir, ao menos, a possibilidade de, pese embora "mentindo" quanto a si, as Vítimas possam falar verdade, quanto aos restantes, ou a algu(m)ns dos restantes ?!;
521.  -  A Defesa de H nunca esclareceu esta questão;”
(fim de transcrição)
3. Responderam a AX e os demais assistentes concluindo da forma seguinte:
“Questão prévia I: Por com tal transcrição se violar os arts. 355.º e 125.º (a contrario sensu), do CPP, requer-se a V.Exas., desde já e sem conhecimento de mérito, o desentranhamento do presente recurso e a sua devolução ao arguido, convidando-se este a apresentar nova motivação expurgada de todas as transcrições de declarações dos assistentes prestadas em fase de inquérito e não lidas em julgamento constantes de fls.69.861, 69.981, 70.005, 70.006, 70.021, 70.024, 70.026, 70.054, 70.055, 70.094, 70.096, 70.097, 70.098, 70.099, 70.101, 70.103, 70.104, 70.106, 70.107, (págs. 31, 154, 178, 179, 194, 197, 199, 227, 228, 267, 269, 270, 271, 272, 274, 276, 279 e 280 do recurso), 70131, 70132, 70147, 70148, 70149, 70150, 70151, 70371 e 70407 dos autos, bem como quaisquer outras com o mesmo teor e que aqui não se enumerem.
Se assim não se entender, e atenta a manifesta ilegalidade das transcrições das declarações em causa, deverão as págs. do recurso onde as mesmas se façam e acima enumeradas ser desentranhadas e devolvidas ao arguido.
Questão prévia II: Face à sua absoluta falta de cabimento legal, por ser extemporânea, inadmissível em fase de recurso e não poder ser conhecida pelo tribunal ad quem, não deve ser admitida a junção dos “pareceres (...)s” de fls. 70.432 a 70.445 (pág. 605 a 618 do recurso) por violação do art.165.º, do CPP, pelo que devem, em consequência, ser aqueles desentranhados e devolvidos ao recorrente, o que desde já se requer a V.Exas.
I. O arguido invoca a nulidade do acórdão ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, b), do CP por violação da imposição da comunicação de alterações não substanciais constante do art. 358.º, n.º 1, também do CPP, com referência ao ponto 4.3.1 da pronúncia.
II. Para tanto alega que, tendo desenvolvido uma linha de defesa assente na tese que nunca contactou com o arguido A, o facto do acórdão dar como provado um “contacto não concretamente apurado” quando na pronúncia constava que teria contactado aquele outro arguido pedindo que lhe levasse dois assistentes, seria uma alteração dos factos descritos naquela que deveria ter sido comunicada.
III. Porém, o tribunal não alterou qualquer facto da pronúncia, apenas não julgou provada parte da factualidade referente ao contacto (que deu por provado): i. é que tenha ocorrido entre os arguidos e o seu teor, o que apenas representa a redução da matéria de facto que constava da pronúncia.
IV. O julgador poderia até nem dar como provado que tivesse acontecido algum contacto, porque, para condenar, não tem que dar como provados todos os factos constantes da pronúncia mas somente os que importem a verificação dos elementos do tipo incriminador.
V. Conforme tem sido jurisprudência constante do STJ, não se verifica uma alteração, seja substancial ou não substancial, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, para os efeitos do art.358.º, n.º 1, do CPP, quando os factos julgados provados representam um "mínus" relativamente àqueles.
VI. O art. 358.º, n.º 1, do CPP apenas se refere à alteração ou introdução de factos novos que relevem para a decisão da causa por deles decorrer uma diferente qualificação da conduta ou por importarem ao preenchimento do tipo ou da sua agravação, e sejam desconhecidos pelo arguido prejudicando a preparação da sua defesa.
VII. E os factos que relevam para a decisão da causa, são aqueles de cuja prova depende em alguma medida a verificação da factualidade típica ou de circunstâncias agravantes, o que não é certamente o caso do contacto que representa um elemento meramente circunstancial.
VIII. Apesar de garantir a defesa eficaz do arguido, obrigando que se comuniquem todas as alterações relevantes do ponto de vista da defesa, o Tribunal Constitucional igualmente tem decidido que estas se referem somente aos factos que relevam para a verificação da factualidade típica ou de circunstâncias agravantes, pelo que a interpretação do acórdão – que não houve qualquer alteração – não é inconstitucional por não atentar contra as garantias constitucionais de defesa do arguido.
IX. É que o normativo em causa visa impedir que o arguido seja surpreendido com factos para os quais não preparou defesa, mas já não quando, os factos que divergem da literalidade da pronúncia em nada prejudicam a defesa eficaz do arguido, por não representarem qualquer alteração da ilicitude típica da conduta (vd. Acs. do TC 330/97, 674/99 e 72/05 in http://w3.tribunalconstitucional.pt).
X. A correlação temática que deve existir entre a pronúncia e o acórdão, como corolário do princípio do acusatório, não pode, pois, ir tão longe que pelo mero facto do tribunal dar como provados menos factos dos que constavam na acusação se entenda que fica prejudicada a estratégia de defesa.
XI. Entrando na apreciação que o arguido faz do mérito do acórdão, antes do mais, e tal como o arguido:
É VERDADE TUDO QUANTO OS ASSISTENTES RELATARAM RELATIVAMENTE AOS ABUSOS OCORRIDOS NA CASA DE (...) E DA (...) (...)!
XII. Para o arguido, a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao princípio da livre apreciação da prova assenta numa ideia subjectivada e preconceituosa que, sem qualquer fundamento objectivo levou à conclusão que as declarações das vítimas era credíveis e, por isso, lhes atribuiu veracidade e, em consequência, decide condenando, impressão do arguido que os assistentes discordam.
XIII. O acórdão, na sua diversa, longa e profunda análise crítica da prova contraria a asserção e a razão do arguido.
XIV. O que faz em diversos momentos que os assistentes, com carácter meramente exemplificativo, chamam à colação, a saber:
XV. Desde logo quanto ao assistente AP, o qual é para o arguido o urdidor da trama, o Tribunal a quo, ponderando, concluiu pela vivência dos factos alegados, pela credibilidade do relato e veracidade dos factos que deu como provados.
XVI. Para o Tribunal, teria sido bem mais fácil ao assistente – se estivesse a mentir –, “construir” uma história com factos, tempos, locais e personagens que, “colados”, não falhariam.
XVII. Não é o que acontece e, as imprecisões, incongruências e erros quanto àqueles aspectos são um enorme factor de credibilização dos actos criminosos que os arguidos cometeram na pessoa dos assistentes.
 XVIII. Veja-se, a fls. 67.340 e 67.353, a análise que o Tribunal faz de diversos documentos para suportar a sua decisão.
XIX. Também, a posição, postura e conteúdo das declarações do arguido A, quer quanto aos transportes dos jovens para os diversos locais onde os crimes ocorreram,
XX. Quer a interpretação (“leitura”) que o Tribunal faz das mesmas quanto ao verdadeiro conhecimento, participação e envolvimento do arguido A nos factos criminosos que, nos locais dos autos, foram perpetrados na pessoa dos assistentes pelos arguidos – cfr. fls. 67470, 67471, 67745, 67746 dos autos;
XXI. É da conjugação dos diversos e numerosos elementos de prova que o Tribunal justifica a “ressonância da verdade” que atribui às declarações dos assistentes – cfr. 67.487 e 67.488 dos autos.
XXII. As idas dos assistentes a (...) para, na casa da arguida Q, sita na (...) (…), serem abusados sexualmente pelos arguidos, são suportadas do ponto de vista de prova, entre outras, pela apreciação que o Tribunal retira do comportamento do assistente AP à data da realização da deslocação do Tribunal ao local;
 XXIII. Em (...) e nessa casa, o Tribunal impressiona-se com a espontaneidade e carácter “mecânico” das movimentações do assistente AP – fls. 67497 e 67498;
 XXIV. Para ter ficado com a convicção que “AP esteve lá, no interior daquela casa: o gesto na entrada foi mecânico demais para quem não soubesse o que ia fazer.” – fls. 67499.
XXV. Constata-se, com um carácter verdadeiramente excepcional, que o Tribunal se muniu de muitas e isentas cautelas para demonstrar porque concluiu pela veracidade dos factos que deu como provados.
 XXVI. Esta é, para os assistentes, a expressão clara da apreciação jurídica que cria, pese embora as vicissitudes (também elas excepcionais destes autos), aquela aceitação pacífica na comunidade da decisão, in casu, de condenação.
XXVII. Razão porque, se demonstra injustificada a, também ela extensa, alegação do arguido e,
XXVIII. Ao invés, justificada a bondade da decisão de condenação do arguido H, pelos crimes de abuso sexual dados como provados na pessoa aos assistentes.
 XXIX. O que na verdade o arguido H, atacando a forma como se usou a liberdade na apreciação, pretende, é que o tribunal ad quem se reveja na sua interpretação da prova produzida em juízo chegando às mesmas conclusões a que ele próprio chega.
XXX. Esquece-se, no entanto, que sempre estará subtraída da sindicância recursiva a convicção que o Tribunal formou a coberto do princípio da imediação, o qual, em conjunção com a regra da livre apreciação da prova, objectivamente lhe permitiu valorar a prova, mormente as declarações dos assistentes, como o fez.
 XXXI. O que o tribunal de recurso poderá apreciar será a errada asserção sobre o que consta de um meio de prova, ou a desconsideração de provas que, pelas regras da experiência e lógica jurídica, impunham ao julgador diferente decisão relativamente a um dado ponto de facto.
XXXII. É certo que a liberdade de apreciação tem como limite a observância das regras da experiência e da lógica do homem médio su(...) pela ordem jurídica, reconduzindo-se a critérios objectivos que possibilitem o conhecimento do substrato racional da decisão, tornando-a susceptível de motivação e controlo.
XXXIII. Porém a decisão do juiz será sempre uma convicção pessoal, concorrendo para a sua formação não só elementos racionais, mas também elementos racionalmente não explicáveis, inclusive emocionais como, por ex.º, a impressão que suscitou o tom de voz com que o depoimento foi prestado.
XXXIV. Assim, sendo inquestionável que a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto foi devidamente fundamentada e é plausível à luz das regras da experiência e lógica comum, apenas é sindicável o erro quanto aos pressu(...)s probatórios da convicção do julgador e não a impressão que a prova gerou no espírito deste.
XXXV. Quanto à violação do princípio da presunção de inocência, atento o n.º 2 do art. 6.º da CEDH invocado, não se alcança, nem o arguido esclarece, em que medida a decisão fere aquele princípio, apenas se podendo presumir que não é àquele mas ao princípio in dúbio pro reo, a que se refere.
XXXVI. E da leitura do acórdão é manifesto que este não violou a imposição dirigida ao juiz de decidir a favor do arguido se não se encontrar convencido, para além de toda a dúvida razoável, da aderência de um facto à realidade emitindo um juízo de non liquet.
XXXVII. Dúvida razoável é a que não possa ser ultrapassada com recurso às regras da experiência e lógica comum e existirá quando a decisão reconheça que, após análise crítica dos meios de prova validamente produzidos em juízo, valorados com observância das normas legais, é possível mais do que uma decisão de facto plausível e razoável.
XXXVIII. Mas para que a dúvida seja sindicável em recurso, tem que resultar da própria decisão, expressa ou implicitamente, que o tribunal perante um facto ficou com dúvidas sobre a sua realidade, decidindo contra o arguido.
XXXIX. No caso vertente, o acórdão questionou a credibilidade dos meios de prova e a sua convicção acerca destes, ponderou diferentes teses, e decidiu sem manifestar qualquer reserva intelectual quanto à realidade de um facto relevante para a decisão.
XL. Sendo certo que o tribunal raramente dará por provada toda a matéria constante da pronúncia, só estará viciada a decisão quando as falhas do encadeado acusatório são tais que impõem ao julgador a dúvida razoável sobre a culpa do arguido e não quando, apesar daquelas falhas, ele dispõe de elementos suficientes para estabelecer aquela culpa, sem alternativa igualmente plausível a esse juízo.
XLI. No caso sub judice, o tribunal entendeu que não dispunha de condições para, além de dúvida razoável, dar como provadas muitas das imputações aos arguidos, absolvendo-os quanto a estas, mas condenando quanto aos ilícitos em que teve a certeza que os arguidos os praticaram.
XLII. É que o tribunal deve perseguir autonomamente verdade material tal como a percepciona da prova que lhe é presente e não aceitar a verdade parcial, do arguido como a única solução a ponderar para alcançar aquela.
XLIII. Quanto à medida da pena aplicada, o acórdão a págs. 1669 a 1676 expôs os critérios que seguiu na determinação da pena concreta, que são, como não podia deixar de ser, os que resultam do art. 71.º n.º 1 e 2, CP, ponderados dentro da moldura penal abstractamente aplicável ao tipo em causa com vista às finalidades que decorrem do art. 40.º, do CP.
XLIV. Assim, na fixação da pena deve-se atender à culpa do arguido (limite máximo da pena), às exigências da prevenção geral (tutela do bem jurídico violado e da validade do ordenamento jurídico), e especial (a ressocialização do agente).
XLV. As circunstâncias que depõem a favor ou contra o arguido enumeradas no n.º 2 do art. 71.º. são os elementos de que se socorre o julgador na operação intelectual de determinação da medida concreta da pena, e permitem objectivar até onde é possível o juízo quanto à pena.
XLVI. Tenha-se presente que a actividade de determinação da pena, respeitados que sejam critérios e exigências legais, é de difícil, se não mesmo impossível, sindicância pelo tribunal ad quem, que apenas se pode socorrer de uma análise jurisprudencial comparativa para se decidir pela manifesta desproporcionalidade da pena em apreço.
XLVII. Assim, condenando-se o arguido a uma pena de 3 anos de prisão (art. 172.º n.º 1, do CP) e a duas de 4 anos e 6 meses de prisão (art. 172.º n.º 2, do CP) e sendo as molduras penais aplicáveis de 1 a 8 anos (n.º 1) e de 3 a 10 anos (n.º 2), as penas parcelares são inferiores a metade da moldura abstracta, não se mostra ofendido o princípio da proporcionalidade.
XLVIII. No que se refere às circunstâncias pessoais e conduta do arguido, o tribunal ponderou a sua integração social e familiar, a ausência de antecedentes criminais, a postura de negação em julgamento, a falta de arrependimento, o alarme social causado pelo ilícito cometido e a especial censurabilidade da conduta do arguido não sendo sustentável que não tenha atendido de forma criteriosa aos itens do art. 71.º, n.º 2, do CP.
XLIX. A duração do processo não é um factor a ter em conta, mas não deixe de se dizer que o arguido esquece que é um dos principais responsáveis pela demora daquele pelas inúmeras diligências probatórias que lhe foram consentidas e que levaram ao absurdo a os direitos de defesa, para além de esquecer que também para as vítimas é um calvário aguardar por 8 anos uma decisão.
NESTES TERMOS, NOS MAIS DE DIREITO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS. E NO QUE RESPEITA ÀS QUESTÕES INCIDENTAIS A DECIDIR PREVIAMENTE DEVE:
A) DESENTRANHAR-SE A MOTIVAÇÃO DE RECURSO A QUE SE RESPONDE E DEVOLVÊ-LA AO ARGUIDO CONVIDANDO ESTE JUNTAR NOVA MOTIVAÇÃO EXPURGADA DE TODAS AS TRANSCRIÇÕES DE DECLARAÇÕES DOS ASSISTENTES PRESTADAS EM FASE DE INQUÉRITO E NÃO LIDAS EM JULGAMENTO, OU, SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, DESENTRANHAR AS PÁGINAS DA MOTIVAÇÃO QUE CONTÊM TAIS TRANSCRIÇÕES;
B) DESENTRANHAR-SE AS OPINIÕES MÉDICAS JUNTAS Á MOTIVAÇÃO DE RECURSO CONSTANTES.
NO QUE RESPEITA AO MÉRITO DO RECURSO, DEVE:
C) JULGAR-SE PARCIALMENTE NULO O ACÓRDÃO, NOS TERMOS DO ART. 379.º N.º 1, B), DO CPP, POR NÃO COMUNICAÇÃO AO ARGUIDO DE ALTERAÇÕES NÃO SUBSTANCIAIS REFERENTES AO PONTO 6.7.2. DA PRONÚNCIA E, EM CONSEQUÊNCIA, BAIXANDOS OS AUTOS À 1º INSTÂNCIA PARA SER DADO CUMPRIMENTO AO N.º 1, DO ART. 358.º DO DIPLOMA CITADO;
D) QUANTO AO DEMAIS NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, CONFIRMANDO-SE A PARTE DA DECISÃO AQUI RECORRIDA, COM A EXCEPÇÃO REFERIDA EM C), POR SER A ÚNICA CONFORME À LEI FAZENDO-SE, ASSIM, INTEIRA JUSTIÇA”
4. Analisando
Questão Prévia
A admissibilidade da junção com a motivação de recurso de dois pareceres (...)-legais
Com a motivação do recurso juntou o arguido H dois pareceres (...)-legais com os quais pretende pôr em causa a credibilidade que as declarações do assistente AT mereceram ao Tribunal a quo e, consequentemente, a matéria de facto dada como provada.
Dispõe o art. 165.º do CPP sob a epígrafe “Quando podem juntar-se documentos”que:
“1 – O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 – Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para a realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.
3 – O dis(...) nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsulto ou de técnicos, os quais podem ser juntos até ao encerramento da audiência.”
Resulta da análise deste preceito que o limite máximo temporal para a junção aos autos de pareceres (...)-legais é o encerramento da audiência em 1.ª instância.
Verifica-se, assim, que os pareceres juntos pelo recorrente com a motivação do recurso para este Tribunal de Relação foram-no fora do período temporal em que a lei permite a sua junção, sem que o recorrente tenha sequer invocado qualquer razão justificativa para a sua apresentação tardia.
Termos em que, não serão os mesmos considerados na decisão a proferir por esta Relação.
a) - Nulidade do acórdão nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por violação do dis(...) no art. 358.º do mesmo diploma legal
Alega o arguido H nas conclusões F) a I) que foi acusado e pronunciado pela prática de um crime de abuso sexual na pessoa do menor AI, supostamente ocorrido num sábado do último trimestre do ano de 1999, antes do Natal, na (...) de (...), tendo-se defendido disso mesmo, desde logo com a apresentação de álibis com a contestação, que continuou a sustentar durante o julgamento. Todavia, o Tribunal a quo veio a dar como provado que o crime em causa teria sido cometido “num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999”.
Conclui, assim, que o acórdão recorrido é nulo, nesse segmento, nos termos do dis(...) no art. 379.º n.º 1 al. b) do CPP, uma vez que não lhe foi feita previamente a comunicação dessa alteração de factos da pronúncia, ao abrigo do regime previsto no art. 358.º n.º 1 do mesmo diploma legal, sendo inconstitucional, por violação do princípio do acusatório e das garantias de defesa, a eventual interpretação normativa dada ao art. 358.º n.º 1 do CPP no sentido de que não tem de ser comunicada ao arguido a alteração do dia em que supostamente teria sido cometido o crime por que vem acusado, caso a defesa tenha sido estruturada tendo em conta esse dado, designadamente através de apresentação de álibi.
Esta questão foi igualmente suscitada pelo MP e pelos assistentes no recurso que interpuseram do acórdão final, bem como pelo arguido N, e já foi apreciada no âmbito deste último, concluindo-se pela nulidade do acórdão nessa parte, pelo que, quanto a tal questão, que afecta igualmente o arguido H, procede o recurso.
Alega, ainda, o arguido H nas conclusões J) a N) que sofre de idêntico vício a parte do acórdão que se reporta aos crimes que lhe são atribuídos no prédio da Av. (...), porquanto, em qualquer uma das duas situações aí abrangidas, a pronúncia descreve as circunstâncias da ocorrência dos crimes através do enunciado de que “o arguido H contactou o arguido A e pediu-lhe que levasse a uma residência sita na Av. (...) (…) dois menores da AX, a fim de os sujeitar à prática de actos sexuais consigo” (1ª situação) e de que “decorridos cerca de um ou dois meses, o arguido H voltou a contactar com o arguido A, e pediu-lhe novamente que levasse à morada mencionada um menor da AX, a fim de sujeitar o mesmo à prática de actos sexuais” (cfr. ponto 4.3.1 da pronúncia).
Mais alega, que em face desses factos, uma das linhas da sua defesa foi a de demonstrar que não conhecia A, nem nunca, directa ou indirectamente, o teria contactado para o que quer que fosse.
Porém, alega o arguido H, “Em relação a ambas as situações, o que o tribunal deu como provado foi que A levou os menores àquelas moradas para o efeito de serem abusados por H “por contacto não concretamente apurado” (cfr. factos provados sob os nºs 106 e 106.12).”
Concluindo o recorrente, que ao ter sido condenado com base numa circunstância de modo diferente da que constava da pronúncia, sendo esse elemento relevante para a sua defesa, sem que se tenha procedido à prévia comunicação prevista no art. 358.º n.º 1 do CPP, o acórdão é igualmente nulo nesse segmento, nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP.
Não cremos, porém, que nessa parte lhe assista razão.
Vejamos.
No ponto 4.3.1 da pronúncia constava que “Em Dezembro de 1999 ou Janeiro de 2000, em dia em concreto não determinado, o arguido H contactou com o arguido A e pediu-lhe que levasse a uma residência sita na (...) (...), numa fracção do prédio correspondente ao Lote (…), nº. (…), em (…), dois menores da AX, a fim de os sujeitar à prática de actos sexuais consigo.”
E um pouco mais à frente que “Decorridos cerca de um ou dois meses, o arguido H voltou a contactar com o arguido A, e pediu-lhe novamente que levasse à morada mencionada um menor da AX, a fim de sujeitar o mesmo à prática de actos sexuais.”
Porém, na decisão recorrida deu-se como provado, por referência a esse ponto da pronúncia, sob o ponto 106. o seguinte:
“Em Dezembro de 1999 ou Janeiro de 2000, em dia em concreto não determinado, o arguido A, por contacto não concretamente apurado, levou a uma residência sita na (...) (...), numa fracção do prédio correspondente ao Lote (…), nº. (…), em (…), dois menores da AX, onde se encontrava o arguido H, a fim de este os sujeitar à prática de actos sexuais consigo.”
E, ainda, por referência ao mesmo ponto da pronúncia, sob o ponto 106.12. dos factos provados o seguinte:
“Decorridos cerca de um ou dois meses, o arguido A, por contacto não concretamente apurado, voltou a levar novamente ao arguido H e à morada mencionada, um menor da AX, a fim de o arguido H o sujeitar à prática de actos sexuais.”
Dando-se como não provado sob os pontos 24. e 24.2. que tenha sido o arguido H que, nessas circunstâncias, contactou com o arguido A.
Ora, tal alteração traduziu-se numa redução, por falta de demonstração, dos factos de que o arguido H estava pronunciado, isto é, o Tribunal a quo não conseguiu apurar entre quem foi estabelecido o contacto para o arguido A levar até ao arguido H os menores da AX, mas apenas que esse contacto foi estabelecido.
Convocamos aqui as considerações teóricas tecidas no recurso interlocutório supra decidido em II. A. 15. sobre alterações substanciais e não substanciais de factos da acusação ou pronúncia.
Quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º do CPP.
No caso, o não apuramento entre quem foi estabelecido o contacto é um minus relativamente aos factos que constavam da pronúncia, pelo que não haveria, como não há, necessidade de proceder a qualquer comunicação de alteração de factos.
Alega o recorrente que é inconstitucional, por violação do princípio do acusatório e das garantias de defesa, a eventual interpretação normativa dada ao art. 358.º n.º 1 do CPP no sentido de que não tem de ser comunicada ao arguido a “alteração do contacto estabelecido com um comparticipante de facto na acção criminosa por via do qual teria supostamente sido atraído a vítima, caso a defesa tenha sido estruturada tendo em conta esse dado, designadamente através da sustentação de que não conhece esse intermediário.”
Não explicita o recorrente de que forma são violados os princípios constitucionais a que alude, sendo certo que nem sequer indica as normas que, em concreto, do diploma fundamental são violadas. 
Presume-se que o recorrente se esteja a referir ao art. 32.º da CRP, o qual estabelece que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso” – n.º 1, e ainda que o “processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do acusatório” –  n.º 5.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes no sentido de que não é inconstitucional a dimensão normativa do art. 358.º do CPP que considere não constituir alteração não substancial dos factos relevante as situações em que os factos em que assenta a condenação integrem o mesmo (ou até outro) tipo legal de crime e representem “um minus” em relação ao que constava da pronúncia.
Vejam-se, entre outros, os Ac. do Tribunal Constitucional n.º 72/05 e 674/99.
Neste último, refere-se “… liminarmente se exclui a eventual inconstitucionalidade das normas em causa enquanto interpretadas no sentido de se não considerar como alteração dos factos a consideração no acórdão condenatório de factos que se afastam da pronúncia tão só em decorrência de nem toda a factualidade nesta descrita ter vindo a ser dada como provada na audiência de julgamento, ou então porque os factos provados constituem uma redução relativamente aos factos constantes da pronúncia.”
Pelo ex(...), quanto à invocada nulidade do acórdão, nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por violação do dis(...) no art. 358.º do mesmo diploma legal, procede apenas parcialmente o recurso inter(...) pelo arguido H, nos termos supra referidos, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância para que, em audiência de julgamento, seja dado cumprimento ao dis(...) no art. 358.º n.º 1 do CPP no que respeita à alteração não substancial dos factos relativos ao ponto 6.7.2. do despacho de pronúncia e demais termos subsequentes.
b) - Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
Alega o recorrente que pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto quanto aos pontos 106. a 106.22., 113. a 116., 120. a 124, 125. a 127. e 131 a 135.2..
Verifica-se, porém, que o recorrente não deu cumprimento ao dis(...) no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, nem nas conclusões, nem na motivação do recurso.
De acordo com o n.º 3 deste preceito o recorrente ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
E o n.º 4 do mesmo artigo estabelece que, quando as provas tenham sido gravadas, as menções das als. a) e b) devem ser feitas por referência ao consignado na acta de julgamento, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Como se refere no Ac. do STJ de 28/10/2009, proferido no âmbito do Proc. 121/07.9PBPTM.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt a impugnação deve ser feita ponto por ponto, não relevando uma impugnação genérica ou imprecisa dos factos.
Ora, o recorrente, pese embora tenha começado por indicar os pontos de facto que pretendia impugnar, ao longo de 583 páginas tece as mais variadas considerações sobre o acórdão recorrido, refere-se a provas produzidas indiscriminadamente durante o inquérito, instrução e julgamento, sem que, contudo, faça qualquer referência aos concretos pontos de facto que está a impugnar.
Ou seja, o recorrente impugna de forma genérica a matéria de facto, não especificando em relação a cada ponto de facto as razões da sua discordância.
Nestes casos em que o recorrente não dá cumprimento ao ónus de impugnação especificada, nem nas conclusões, nem na motivação de recurso, não há que endereçar-lhe convite para aperfeiçoamento, pois tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Neste sentido se pronunciaram os Ac. do Tribunal Constitucional n.ºs 259/2002 de 18/6/2002 e 140/2004 de 10/3/2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos jurisprudência que se mantém actual face às alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007 de 29/8 ao CPP.
Na verdade, o preceituado actualmente no n.º 3 do art. 417.º do CPP mais não é do que a consagração dessa mesma jurisprudência do Tribunal Constitucional, que não constava do preceito na redacção anterior.
O convite só pode ser dirigido ao aperfeiçoamento das conclusões e nunca à própria motivação, conforme resulta do dis(...) nos n.ºs 3 e 4 do art. 417.º do CPP, que, de seguida, se transcreve:
“3 – Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artº 412º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
4 – O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.”
Em anotação a este preceito diz Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, 2008, “O convite ao aperfeiçoamento não pode constituir uma ocasião para o recorrente modificar o âmbito do recurso, tal como ele se encontra fixado na motivação. Portanto, as conclusões formuladas na sequência do convite estão vinculadas ao âmbito dos fundamentos do recurso já apresentado e não podem dele divergir.”
Termos em que, improcede a “pretensa” impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
c) - Violação do princípio da presunção de inocência consagrado no art. 6.º da CEDH
Alega o arguido H na conclusão Y) que o acórdão recorrido consubstancia uma intolerável violação do princípio da presunção de inocência, tal como consagrado no art. 6.º da CEDH.
Não explicita, porém, o recorrente de que forma ocorreu a violação de tal princípio (de acordo com o qual qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada), nem a mesma se vislumbra.
Pelo que, também nessa parte improcede o recurso.
d) - Medida das penas parcelares e única
Alega o recorrente na conclusão Z) que “Por estrito dever de patrocínio, o advogado não pode deixar de arguir a natureza excessiva da pena que foi aplicada a H, uma vez que o tribunal, em qualquer caso, não utilizou criteriosamente os factores de ponderação na determinação da medida da pena, como estipula o art. 71º nº 2 do Código Penal, designadamente as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior aos factos e a circunstância de já estar a ser julgado – e, no fundo, “preso” à ordem deste processo, que tomou conta da sua vida e da sua família – vai para oito anos.”
Não refere o arguido se aquilo que considera excessiva é a pena única ou se são as penas parcelares, ou ambas.
O MP, por seu lado, no recurso inter(...) do acórdão final, pugna, em relação a este recorrente, pelo agravamento de cada uma das penas parcelares para 5 anos de prisão e da pena única para 7 anos e 6 meses de prisão.
Convocamos aqui as considerações de ordem genérica, no que respeita aos critérios a observar relativamente à determinação da medida concreta das penas parcelares e pena única, tecidas na apreciação do recurso inter(...) pelos arguidos C e E.
Convoca-se igualmente tudo o que a propósito da análise desses recursos foi transcrito do acórdão recorrido e que diz respeito, de forma genérica, a todos os arguidos.
Atentemos, pois, ao que se refere no acórdão recorrido especificamente quanto à determinação das penas parcelares e única a impor ao arguido H
Aí se refere, nas págs. 1674 a 1675:
“Quanto ao arguido H, e sempre tendo em conta que na realização dos fins das penas (protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, nº 1 do Código Penal) as exigências de prevenção geral constituem, nos casos dos crimes de natureza sexual e/ou com crianças uma finalidade de primordial importância, igualmente se dirá que quanto a este arguido a respectiva culpa apresenta-se em elevado grau desde logo pela especial censurabilidade em cada ilícito cometido.
As circunstâncias que rodearam a prática dos actos traduzem precisamente esse mesma culpa que assenta, no essencial, no desvalor da liberdade e autodeterminação sexual das vítimas face à respectiva personalidade em formação.
A dimensão global da ilicitude é intensa e considerável, sendo grande o alarme e insegurança social que este tipo de crimes apresenta, desde logo atentas as repercussões na vida das vítimas.
O dolo foi directo.
A sua postura em julgamento foi de negação, mesmo quando confrontado perante o discurso das vítimas cujo depoimento sempre desvalorizou. Não revelou arrependimento e/ou interiorização da ilicitude da sua conduta, mas também não admitiu a prática dos factos.
A seu favor temos apenas a sua integração social, familiar e económica, que o arguido sempre afirmou em julgamento. Esta integração, no entanto, não foi suficiente para justificar uma mudança da sua parte, mas antes facilitou a prática dos ilícitos por si cometidos.
A falta de antecedentes criminais, atenta a natureza dos crimes, não afasta de igual modo quanto a si as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se justificam.”
Tendo a final o arguido H sido condenado da forma seguinte:
D -  Arguido H:
I - 1. (Com referência  ao capítulo 6.7.2. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AI:
a) 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 ,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  3 (três) anos de prisão
2. (Com referência  ao capítulo 4.3.1., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AT:
a) 2 (dois) crimes p.p. 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  4 (quatro) anos e 6 ( seis) meses de prisão, para cada um dos crimes.
II – EM CÚMULO, condenar o arguido H na pena única de 7 (sete) anos de prisão.”
Do ex(...) resulta que o Tribunal a quo teve em atenção as circunstâncias referidas no art. 71.º do CP na determinação das penas parcelares impostas ao arguido, designadamente, as suas condições pessoais.
Diz-se na pág. 1674 do acórdão recorrido que a actuação do arguido foi com dolo directo.
Há, no entanto, que dizer que a sua actuação foi com dolo eventual no que à idade dos assistentes respeita (o que de resto foi considerado no acórdão recorrido nas págs. 1630 e 1632), pese embora tal circunstância pouca relevância adquira na determinação da medida concreta das penas parcelares, uma vez que o dolo continua a ser directo no que concerne aos demais elementos da acção típica, apresentando-se, na globalidade, muito intenso.  
No que respeita à pena parcelar imposta ao arguido H relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 125. a 127. (capítulo 6.7.2 do despacho de pronúncia), relacionados com o assistente AI, não nos vamos agora pronunciar, face à nulidade do acórdão nessa parte, ficando prejudicado o conhecimento do recurso do MP no que respeita à questão de direito suscitada quanto ao erro na subsunção de tais factos ao direito e respectiva medida da pena parcelar.
Relativamente às duas penas parcelares de 4 anos e 6 meses impostas ao arguido H pela prática de dois crimes p.p. pelo art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pessoa do assistente AT (factos dados como provados sob os pontos 106. a 106.25., com referência ao capítulo 4.3.1 do despacho de pronúncia), face à factualidade dada como provada e ponderadas as circunstâncias a que alude o art. 71.º n.º 2 do CP, parecem-nos bem doseadas, sendo as mesmas de manter, improcedendo, nessa parte, quer o recurso do arguido H, quer o do MP quanto ao pedido do seu agravamento.
Nada impede, antes pelo contrário, tudo aconselha que se faça desde já o cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, ficando de fora a pena parcelar relativa aos factos ocorridos em (...).
Resulta do dis(...) no n.º 1 do art. 77.º do CP que, em caso de concurso efectivo de crimes, é aplicável ao agente dos crimes uma pena única.
Esta pena única tem como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas ao arguido nos crimes em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – n.º 2 do mesmo preceito.
Assim temos, como limite mínimo da pena única 4 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo 9 anos de prisão.
Na determinação da medida concreta desta pena única ter-se-á em conta, no seu conjunto, os factos e a personalidade do arguido.
Para além dos critérios gerais de determinação da medida da pena contidos no art. 71.º n.º 1 do CP, a lei estabelece no art. 77.º n.º 1 do CP um critério especial para determinação da pena concreta do concurso.
Dentro dos limites da moldura penal do concurso há-de ser encontrada a pena única, em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, sendo sempre de considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente do crime. 
Ora, o conjunto dos factos dados como provados, praticados pelo arguido H, que integram o concurso, e a conexão existente entre os factos concorrentes, dão-nos uma noção de gravidade muito acentuada do ilícito global levado a cabo pelo arguido.
Assim, atendendo aos factos considerados na sua globalidade, à personalidade do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial, às condições da sua vida, à ausência de antecedentes criminais, mas também de arrependimento, entende-se que ao arguido H deverá ser imposta a pena única de 6 anos de prisão.
Caso o arguido venha a ser condenado pelos factos ocorridos em (...), no que respeita ao crime em que é ofendido AI, há que desfazer o cúmulo ora efectuado por forma a nele integrar a pena que lhe venha a ser aplicada.  
F) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELO ARGUIDO A
1. Da motivação do recurso extrai o arguido A as seguintes (transcritas) conclusões:
“1- O recorrente foi condenado por ter abusado da "vitima" T;
 2 - Todavia, o Tribunal "a quo" alterou a acusação, socorrendo-se do artº 358º do CPP, quando não se provou que no ano indicado na acusação o recorrente tivesse a disponibilidade da habitação.
3- Ora, nessa matéria o tribunal " a quo" assumiu poderes do Ministério Publico, violando o principio do acusatório.
4 - O tribunal "a quo" cometeu a nulidade do artº 119° al. e) do CPP, pois houve uma invasão da competência do Ministério Publico e violação dos direitos de defesa, quando nos factos 13 a fls. 66714 mudou a data para o ano de 2002.
5 - O tribunal favoreceu a posição da acusação e prejudicou o recorrente, que fez prova que assim não foi.
6 - A mudança de ano da acusação para o ano indicado no acórdão ofendeu o direito de defesa do recorrente, substituindo-se o tribunal ao M° Pº, em clara violação do principio do acusatório.
7 - A norma do artº358º do CPP e materialmente inconstitucional se interpretada, como foi pelo tribunal "a quo" no sentido de o Tribunal de julgamento poder alterar a acusação, de forma a condenar o arguido por factos não constantes da acusação, ofendendo a norma do artº 32° n° 1 e 5 da CRP e art° 6° n° 1 da CEDH. Conjugada com a norma do art° 8° da CRP o que expressamente se argui;
8O tribunal "quo" condenou o recorrente pelos factos relativos as vitimas" T, V, U, AQ e AF, mas da prova produzida em audiência, analisada criticamente, não resulta ter o recorrente praticados os factos;
9 - O recorrente foi internado na AX com 4 anos e passou a ser abusado sexualmente, tendo crescido nesse meio de aculturação, sendo ensinado que os actos sexuais com alunos eram o normal, o que deveria ser feito;
10 – O recorrente foi também vitima desse estado de coisas, desses ensinamentos, tendo a sua personalidade sexual sido moldada ao costume, ao uso na AX;
11 - O recorrente não teve pai nem mãe, viveu sempre na orbita da AX, sendo para ele normal essas praticas, porque as aprendeu sempre;
12 - Depois do processo principal o recorrente decidiu ajudar o M° P° e o tribunal na descoberta da verdade, tendo confessado os factos próprios e revelado as circunstancias de tempo, modo e lugar onde os co-arguidos abusaram dos menores da AX;
13 - O relatório pericial elaborado pelo DM e constante a fls. dos autos vai no sentido de se ele não tivesse sido criado na AX não teria sido abusados sexual;
14 - Foi o Estado, a AX, que moldou a personalidade do recorrente, que o destruiu, e que fez dele abusador;
15 - Durante o processo o recorrente sempre defendeu os magistrados, os agentes da PJ, e sempre se manteve firme na incriminação, sustentada factualmente, dos factos imputados aos co-arguidos;
16 - A favor do recorrente militam as circunstancias do art° a 71° n° 2 als a), b c), d), e) , f) e art° 72 ° n° 1 e 2 als. a) e c) do C Penal;
17 - Por outro lado, em relação a cada vitima, o recorrente deve apenas ser condenado pela pratica de um único crime, na forma continuada, nos termos dos  art° 30º n° 1, 2 e 3 do C° Penal, sendo certo que ele foi alterado em 2007 para não deixar duvidas da aplicabilidade aos crime que estão em causa nos autos;
18 - Foi essa a intenção legislativa,
19 - Alem do que antes mesmo da alteração legislativa o STJ já assim julgava, como julgou no caso de DU, referido nos autos;
20 - O recorrente deve ser condenado na pena de um ano em relação a cada vitima e na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução;
21 - A suspensão da pena justifica-se porque o recorrente confessou, colaborou com a descoberta da verdade, mostrou-se arrependido, e uma vitima, não tem antecedentes criminais, já não trabalha na AX;
22 - E a pedofilia e considerada uma doença pela Organização Mundial de saúde, sobretudo no caso concreto, quando se sabe e foi dado como provado que o recorrente foi abusado desde os 4 anos e formou a sua personalidade nas condições que a AX lhe forneceu: abusos sexuais com norma;
23 - A pena de 18 anos significa a pena perpetua e a condenação do recorrente de forma injusta, pois colaborou e seria um péssimo exemplo para os que quiserem colaborar;
24 - O recorrente entende que os factos indicados sob os n°s 99 a 99.21 ; 160 a 160°14; e todos os factos relativos ao processo Apenso F foram incorrectamente julgados;
25 -     O recorrente entende que a prova testemunhal, as declarações daqueles indivíduos referidos nos factos indicados na conclusão precedente, cotejado com as declarações do recorrente, entre as quais as que vão como Doc. nº 1 impunham a absolvição.
26 — O recorrente entende que devem ser renovadas as provas testemunhais e por declarações de arguido e de assistentes, por transcrição da prova oral produzida em audiência.
27 - O recorrente mantém interesse em todos os seus recursos intercalares e que estão retidos.
NESTES TERMOS, deve ser julgado procedente o recurso e em consequência absolvidos os crimes relativos as "vitimas" T, V, U, AQ AF, julgado nulo o acórdão na parte em que alterou os factos da acusação quanto ao assistente T, julgada inconstitucional a norma do artº 358° do CPP, bem como verificada a nulidade do artº 119º al. e) do CPP e ofendida a norma do artº 32º n° 1 e 5 da CRP e artº º nº 1 da CEDH, e violada a norma do artº 30° n°s 1, 2 e 3 , e 50° e seguintes , 71º e 72º do C. Penal, condenando-se o recorrente na pena de 5 anos de prisão e suspensa na sua execução.”(fim de transcrição)   
2. Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância extraindo as seguintes conclusões:
“RECURSO DO ARGUIDO A
135.  -  Quanto ao Recurso do Arguido A, comece por dizer-se que, tendo em conta o dis(...) no artº 412º, nº 3, do CPP, o Arguido, na Motivação de Recurso apresentada, limita-se a fazer afirmações genéricas e conclusivas, não indicando nenhuma prova concreta que imponha uma conclusão diferente da retirada pelo Tribunal e limitando-se, no que à indicação das provas que sustentam a sua discordância, a juntar, em anexo, uma transcrição, contendo  - para além das declarações iniciais dos Arguidos, relativas, exclusivamente, às respectivas identificações -  partes do seu próprio depoimento, sem, contudo, dar cumprimento ao dis(...) no nº 4, do art. 412º, do CPP;
136.  -  O Recorrente não menciona, como lhe era exigido, seja na Motivação, seja  nas Conclusões, qualquer referência às Actas em que foram produzidas as declarações, cuja transcrição junta, omitindo as respectivas datas e sem que a indicação dos correlativos suportes tenha alguma correspondência com os que, naquelas, se encontram referenciados;
137. - Na Conclusão 25ª, do Recurso, o Arguido A alude a depoimentos de indivíduos que não identifica e cujos suportes, datas, ou Actas de Julgamento, não menciona, os quais, na sua óptica, imporiam a sua absolvição, no segmento relativo aos factos referenciados na Conclusão precedente (24ª);
138.  -  Daí que, tendo em conta o dis(...) no art. 417º, nº 3, do CPP, com referência aos nº.s 3 e 4, do art. 412º, ambos do CPP, entende-se ser de convidar o Recorrente a esclarecer, completando, ou aperfeiçoando, as questões em apreço, sob pena de, não o fazendo, o Recurso não ser conhecido na parte afectada;
139.  -  O Recorrente, na Conclusão 26ª, do Recurso, declara entender “que devem ser renovadas as provas testemunhais e por declarações de Arguido e de assistentes, por trans-crição da prova oral produzida em audiência”;
140.  -  Desconhece-se o sentido e o alcance da pretensão assim formulada, no que à expressão “por transcrição da prova oral produzida em audiência” diz respeito, como, tão pouco, se fica a saber a que Assistentes se refere o Recorrente, (...) que não os identifica;
141.  -  O Acórdão não padece de qualquer dos vícios a que alude o nº 2, do art. 410º, do CPP, tanto assim sendo, que, o próprio Arguido, não invoca a verificação de qualquer deles, nomeadamente, nos segmentos em que pretende colocar em crise a matéria de facto;
142.  -  Tão pouco  invoca  quaisquer  razões  que, no seu entender, fossem  idóneas  a concluir que a renovação da (qual ?!) prova permitisse evitar o reenvio do processo;
143.  -  Pelo que, em conformidade, entende-se, desde já, ser de desatender a referida pretensão;
144.  -  Tendo em conta o que se deixou dito, para além do mais, infra, em “CB).2.1.1.”, o MºPº considera prejudicada, ao menos por ora, a possibilidade de responder ao segmento do Recurso que, pretensamente, impugna a matéria de facto, (...) que, para além de, nele, se limitar a juntar transcrição de excertos das suas próprias declarações, não concretizando quaisquer outros elementos probatórios que devam impor decisão diversa, o Recorrente dá corpo a uma Motivação que, para além de processualmente deficiente, é manifestamente infundada;
145.  -  Vem o Arguido invocar a nulidade prevista no artº 119º, e), do CPP, pois "houve uma invasão da competência do Ministério Público e violação dos direitos de defesa”, quando o Tribunal "mudou o ano da acusação", favorecendo "a posição da acusação" e prejudican-do o Recorrente "que fez prova de que assim não foi", para, acto contínuo, invocar a pretensa inconstitucionalidade, do artº 358º, do CPP;
146.  -  Do confronto dos segmentos do Acórdão que comunicaram alterações (não substanciais - cfr. Despacho de fls. 63.619 a 63.621) ao Recorrente, resulta que:
             1. A alteração não substancial de factos foi comunicada nos termos do artº 358º, nºs. 1 e 2, do CPP;
            2. O Arguido requereu prazo para apresentar prova;
            3. O Arguido arguiu a nulidade do Despacho;
            4. O Tribunal indeferiu a arguição de tal nulidade;
            5. O Arguido não recorreu;
            6. Este Despacho transitou em julgado;
            7. O Arguido não requereu a produção de qualquer outra prova;
147.  -  o Tribunal recorrido cumpriu todas as formalidades legais, tendo comunicado a alteração ao Arguido e concedido o prazo para defesa, tal como obriga o artº 358 do CPP, sendo certo não ter aquele recorrido nem tendo arrolado, ou requerido, a admissão/produção de qualquer prova, pelo que, tais Despachos, transitaram em julgado;
148.  -  Nos requisitos a que o MºPº haverá de ater-se, na estruturação de uma peça acusatória,  acolheu-se um conceito normativo de facto, traduzido este na exigência de “narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao Arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”, mas, já não, da obrigatoriedade de menção, de entre outras, das circunstâncias de tempo e de lugar, ainda que “relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”, as quais deverão ser mencionadas, tão só, “se possível”;
149.  -  Por outro lado, a vinculação temática, típica de uma estrutura acusatória do pro-cesso, comporta excepções, coerentemente decorrentes do facto de, tal estrutura, ser mitigada por um princípio de investigação, o qual, de igual sorte, se impõe ao Tribunal;
150.  -  Daí que, constituindo-se a Acusação como elemento nuclear da delimitação do objecto do processo, este não se esgote naquela, antes lhe sendo adjacentes, como verdadeiros elementos estruturantes, quer os factos relevantes invocado pela Defesa, quer os que, de igual modo relevantes, resultem da discussão da causa;
151.  -  Se assim é, com correspondente ênfase hão-de colocar-se as garantias de defesa, sobretudo, aquelas que, necessariamente, decorram, da mutabilidade que, ao longo do iter processual, maxime, do julgamento, seja imposta  - para o que ora nos importa, de forma não substancial -  à versão que, originariamente (Acusação ou Pronúncia), constituía o acervo factual de que o Arguido cumpriria defender-se;
152.  -  É deste contexto que emerge o dis(...) nos artºs. 358º e 359º, do CPP, verdadeiro corolário do compromisso regulador entre a natureza acusatória, os princípios da investigação, da identidade e da vinculação temática, as alterações ao objecto do processo e as garantias de defesa;
153.  -  Numa e noutra, dessas normas, se salvaguarda a preservação da matriz que, sob pena de descaracterização, deve permanecer imutável na definição do objecto do processo, sem prejuízo das alterações que se imponham e justifiquem na demanda da verdade material, sujeitas, não obstante, a uma disciplina que não ponha em causa a amplitude dos direitos de defesa do Arguido;
154.  -  À luz do que vem de dizer-se, não poderá deixar de concluir-se que falece razão, em toda a linha, à Defesa de A, pelo que, do que se tratou, mais não foi do que uma mera modificação pontual das circunstâncias relativas ao período de tempo, ou de local, em que ocorreram, normativamente considerados, os factos típicos integradores de alguns  - uma ínfima parte -  dos ilícitos imputados ao Arguido;
155.  Não se tratou, assim, como referido pela Defesa do Recorrente A, nem de crime diverso, nem, tão pouco, de uma nova Acusação. Tratou-se, isso sim, de alteração meramente circunstancial, que em nada afectou a caracterização identitária dos ilícitos que vinham imputados;
156.  -  O Recorrente invoca, ainda, a inconstitucionalidade do artº 358º, do CPP, quando interpretado e aplicado com o alcance, sentido e oportunidade que resulta do Despacho recorrido, por pretensa violação da norma constitucional (ou de norma pela Constituição acolhida  - cfr. artº 6º, da CEDH e artºs. 8º e 16º, da CRP), constante do artº 32º, nºs. 1 e 5, da CRP;
157.  -  o MºPº, não obstante, entende que as garantias de defesa, constitucionalmente tuteladas, não sofreram qualquer compressão, designadamente, porque a própria norma cuja aplicação suscitou a invocação de desconformidade constitucional, consagra o direito de a Defesa reorganizar a sua estratégia, indicando, ou requerendo, novos elementos de prova. Aliás, o Tribunal concedeu, para o efeito, o prazo requerido;
158.  -  O Tribunal Constitucional já, por várias vezes, se pronunciou pela conformidade do artº 358º, do CPP, com a Lei Fundamental, interpretado em diversas perspectivas e dimensões, mas sendo constante e transversal o entendimento segundo o qual, a referida norma, assegura, plenamente, as garantias de defesa, a estrutura essencialmente acusatória do processo, e o direito a um julgamento justo e equitativo;
159.  -  Em jeito de conclusão, e a título meramente ilustrativo, convoca-se o Ac. do Tribunal Constitucional, nº 130/98, de 7 de Maio de 1998:
“Assim, é uma exigência do princípio da plenitude das garantias de defesa do Arguido que os poderes de cognição do Tribunal se limitem aos factos constantes da acusação; porém, se, durante a audiência, surgirem factos relevantes para a decisão e que não alterem o crime tipi­ficado na acusação nem levem à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, respeitados que sejam os direitos de defesa do Arguido, pode o Tribunal investigar esses factos indiciados, ex novo e, se se vierem a provar, integrá-los no processo, sem violação do preceituado no artigo 32º, n.º1 e 5 da Constituição.”;
160.  -  Pelo que é de concluir inexistir qualquer violação das normas constitucionais invocadas;
161.  -  O Recorrente A discorda, ainda, da medida da pena única que lhe foi aplicada;
162.  -  A medida da pena aplicável ao Arguido, por força dos critérios consagrados no artº 77º, nº 2, do C. Penal, variava entre 6 (seis) anos de prisão (a pena parcelar mais elevada) e 384 (trezentos e oitenta e quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão (soma das penas parcelares aplicadas);
163.  -  O Acórdão recorrido levou em consideração as particulares condições pessoais do Arguido, a forma como colaborou com o Tribunal, na descoberta da verdade, e o seu passado de aluno interno da "AX", pese embora não possa ter deixado de levar em conta o elevadíssimo grau de culpa patenteado nas condutas do Arguido, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir e as consequências das referidas condutas para as Vítimas que, para sempre, ficarão marcadas pela sua actuação criminosa;
164.  -  A possibilidade de ponderação, tal como pretendido, de uma suspensão da execução da pena, está, assim, inelutavelmente comprometida, (...) que a pena única que lhe foi aplicada   - 18 anos de prisão -  mostra-se justa, adequada e proporcional, não devendo, por isso, merecer qualquer reparo;
165.  -  O Recorrente alega, ainda, que "vendo a história pessoal do Recorrente, os factos dados como provados, a conclusão só pode ser que os factos foram praticados de forma homogénea, no quadro de uma mesma situação exterior e que diminuiu consideravelmente a culpa do agente", assim pugnando pela figura da continuação criminosa;
166.  -  O Acórdão não escamoteou a questão e a ela deu resposta, fundamentando, no sentido de rejeitar a aplicação do artº 30º, do Código Penal, concluindo que "A prá-tica dos factos, de forma repetida, deveu-se a uma repetição da vontade do seu autor, de ter ou manter relacionamento de natureza sexual  com os educandos da AX que o Tribunal deu como provado. Não foi o “primeiro” relacionamento que levou, conduziu ou “aconselhou” à  repetição do facto, pois tal resultou, exclusivamente, da vontade do Ar-guido.";
167.  -  Em conformidade com tudo o que vem de expor-se, no que ao Recurso do Arguido A diz respeito, entende-se ser de, no mínimo, negar-lhe provimento, confirmando-se o Acórdão recorrido, nos seus precisos termos (sem prejuízo da procedência, por que se propugnou, do Recurso oportunamente inter(...) pelo MºPº, na parte tocante);”
3. Responderam igualmente a AX e os demais assistentes concluindo da forma seguinte:
I. Não se trata de nenhuma nulidade, de nenhuma invasão da esfera de competências do MP mas, tão-só do exercício de uma faculdade acometida ao tribunal de julgamento, desde que salvaguardados os direitos de defesa do arguido – o que aconteceu.
II. Os dispositivos do artigo 358º do Código de Processo Penal são um imperativo do princípio do contraditório e, ao invés do que entende o arguido, são salvaguarda de uma defesa eficaz.
III. Estes dispositivos consubstanciam-se e resumem-se à notificação do arguido e à consequente concessão de tempo para preparação de defesa, se requerido.
IV. O que o arguido contesta é, pura e simplesmente, a existência da norma e a sua consequente aplicação.
V. Foi comunicada a alteração e foi concedido prazo para a preparação da defesa do arguido, o qual, diga-se, não o requereu nem aduziu qualquer defesa. Antes se conformou com o sentido da alteração propugnada pelo tribunal a quo.
VI. Contrariando a alegada e não fundamentada inconstitucionalidade da norma aduzida pelo arguido, diga-se que “não viola o princípio das garantias de defesa a norma constante do n.º 1 do artigo 358º do CPP, interpretada em termos de – surgindo durante a audiência de julgamento em processo penal factos relevantes para a decisão da causa e que não alterem o crime tipificado na acusação, nem levam à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis – poder o tribunal investigar esses factos, desde que se faculte ao arguido a oportunidade processual de organizar, quanto a eles, a sua defesa.” (Ac. do Tribunal Constitucional de 5 de Fevereiro de 1998, Proc. n.º 373/96; in BMJ, 474, 69);
VII. Soçobra assim toda a argumentação do arguido relativamente à nulidade resultante da aplicação do artigo 358º do CPP e a pretensa inconstitucionalidade resultante da sua interpretação jurídica.
VIII. Entende o arguido ter existido erro na sua condenação em concurso real em relação a cada vítima pois devia, ao invés, ter sido condenado num único crime continuado em relação a cada uma das vítimas.
IX. Porém, o arguido não invoca ou faz alusão a qualquer dos elementos que, nos termos do que prevê o artigo 30º do código penal, possam permitir ao tribunal ad quem aferir da sua verificação.
X. Assim, não respeitando as conclusões do arguido o normativo do n.º 2 do artigo 412º do CPP e caso o tribunal não considere precludido o respectivo direito, deve o mesmo ser convidado para os termos do n.º 3 do artigo 417º do Código de Processo Penal.
TERMOS EM QUE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE SER CONFIRMADA A PARTE DA DECISÃO AQUI RECORRIDA POR SER A ÚNICA CONFORME À LEI FAZENDO-SE, ASSIM, INTEIRA  JUSTIÇA”(fim de transcrição)
4. Analisando
a) - Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
Depreende-se das conclusões do recurso que o arguido A pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Porém, não deu cumprimento ao dis(...) no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
De acordo com tal preceito, pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como as provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos respectivos suportes técnicos de gravação, no que respeita à prova testemunhal.
No presente caso, o arguido nem sequer chega a identificar na motivação os pontos da matéria de facto que pretende impugnar, limitando-se a alegar, de forma genérica, que “não praticou abusos sexuais sobre a “vítima” AQ” e que “Analisada a prova pertinente, não há prova de que o recorrente tenha praticado os factos em relação a este indivíduo que foram dados como provados”.
Mais alega, que “não praticou actos sexuais de relevo com a vítima AF, sendo que da prova produzida em audiência não resulta o que foi dado como provado no acórdão final.”
Depois nas conclusões já diz:
24 - O recorrente entende que os factos indicados sob os n°s 99 a 99.21 ; 160 a 160°14; e todos os factos relativos ao processo Apenso F foram incorrectamente julgados;
25 -     O recorrente entende que a prova testemunhal, as declarações daqueles indivíduos referidos nos factos indicados na conclusão precedente, cotejado com as declarações do recorrente, entre as quais as que vão como Doc. nº 1 impunham a absolvição.
26 — O recorrente entende que devem ser renovadas as provas testemunhais e por declarações de arguido e de assistentes, por transcrição da prova oral produzida em audiência.
Esta impugnação genérica feita nas conclusões do recurso não dá cumprimento ao dis(...) nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Se o recorrente pretendia impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, deveria ter especificado em relação a cada ponto de facto que considera incorrectamente julgado, as provas que impunham decisão diversa da recorrida, por referência aos respectivos suportes técnicos de gravação, no que respeita à prova testemunhal, uma vez que houve lugar a gravação.
Isto é, o recorrente deveria identificar em relação a cada ponto da sua discordância as razões da sua discordância.
Nestes casos em que o recorrente não dá cumprimento ao ónus de impugnação especificada, nem nas conclusões, nem na motivação de recurso, não há que endereçar-lhe convite para aperfeiçoamento, conforme já tivemos oportunidade de referir na análise que fizemos do recurso do acórdão inter(...) pelo arguido H, pois tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Convoca-se aqui a jurisprudência do Tribunal Constitucional e doutrina citadas na análise do recurso do acórdão inter(...) pelo arguido H.
Termos em que, improcede a “pretensa” impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
b) - A invocada nulidade do art. 119.º, al. e), do CPP
Alega o recorrente na 4.ª conclusão que “O tribunal "a quo" cometeu a nulidade do artº 119° al. e) do CPP, pois houve uma invasão da competência do Ministério Publico e violação dos direitos de defesa, quando nos factos 13 a fls. 66714 mudou a data para o ano de 2002.”
Mais alega nas 5.ª e 6.ª conclusões que “O tribunal favoreceu a posição da acusação e prejudicou o recorrente, que fez prova que assim não foi” e que “A mudança de ano da acusação para o ano indicado no acórdão ofendeu o direito de defesa do recorrente, substituindo-se o tribunal ao M°Pº, em clara violação do principio do acusatório.”
De acordo com o preceituado na al. e) do art. 119.º do CPP constitui nulidade insanável a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do dis(...) no art. 32.º.
Estas regras de competência a que se alude no preceito têm a ver com a competência material, funcional e territorial dos tribunais, cuja violação o recorrente não invoca.
A alteração da data dos factos constantes da acusação ou pronúncia é possível ser feita pelo tribunal de julgamento, desde que o seja nos termos previstos no art. 358.º do CPP, com salvaguarda dos direitos de defesa do arguido, como foi o caso.
Conforme resulta da acta da audiência de julgamento do dia 6/11/2009, por despacho de fls. 63619 a 63621, em relação ao objecto do Proc. 1718/02.9JDLSB-F – Processo Apensado (NUIP 3137/01.5JDLSB) foi feita a comunicação da alteração não substancial de factos constantes da acusação, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 358.º do CPP.
Pela defesa do arguido A foi requerido prazo para preparação da defesa, prazo esse que lhe foi concedido.
Na sessão seguinte da audiência de julgamento, veio o arguido arguir a nulidade insanável do despacho de fls. 63619 a 63621, na parte em que comunicou uma alteração não substancial de factos, em relação aos actos respeitantes a T, nos termos do art. 119.º, als. d) e e), do CPP, e, subsidiariamente, caso a nulidade fosse julgada improcedente, a separação de processos “… relativamente aos factos relativos ao assistente T e V …”, nos termos do art. 30.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP, por pretender requerer mais diligências de prova – cfr. fls. 63626 a 63630.
Por despachos de fls. 63876 a 63881 e 63916 a 63917 foi julgada improcedente a arguida nulidade, bem como a requerida separação de processos, despachos esses dos quais o arguido não interpôs recurso, pelo que, transitaram em julgado.
O arguido não requereu a produção de qualquer outra prova.
Termos em que, se julga improcedente a invocada nulidade.
c) - A inconstitucionalidade do art. 358.º do CPP na interpretação feita pelo Tribunal a quo
Alega o arguido na 7.ª conclusão que a norma do art.358.ºdo CPP é materialmente inconstitucional se interpretada, como foi pelo tribunal "a quo" no sentido de o Tribunal de julgamento poder alterar a acusação, de forma a condenar o arguido por factos não constantes da acusação, ofendendo a norma do art. 32.°, n.°s 1 e 5, da CRP, e art. 6.°, n.° 1, da CEDH, conjugada com a norma do art. 8.° da CRP.
Não, tem, porém, razão.
Convocamos aqui tudo o que já dissemos sobre as garantias de defesa em processo criminal e os princípios do acusatório e do contraditório consagrados no art. 32.º da CRP e art. 6.º, n.º 1, da CEDH, na análise que fizemos supra em II. A. 15. acerca dos recursos interlocutórios sobre as alterações de factos da pronúncia comunicadas aos arguidos.
A interpretação que é feita pelo Tribunal a quo é conforme aos preceitos constitucionais indicados pelo recorrente, bem como o preceito da CEDH.
As garantias de defesa consagradas em tais preceitos foram asseguradas ao arguido, na medida em que o Tribunal a quo lhe concedeu prazo para o mesmo preparar a sua defesa em função da alteração não substancial dos factos que lhe comunicara e o mesmo nada requereu.
Não pode, pois, agora vir dizer que ficaram postergadas as suas garantias de defesa.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, várias vezes, pela conformidade do art. 358.º do CPP com a Constituição, interpretado em diversas perspectivas e dimensões, sendo constante o entendimento segundo o qual a norma em causa assegura plenamente as garantias de defesa, a estrutura acusatória do processo e o direito a um julgamento justo e equitativo.
Improcede, pois, o recurso quanto à suscitada inconstitucionalidade.
d) - O crime continuado
Alega o arguido nas 17.ª e 18.ª conclusões que “… em relação a cada vitima, o recorrente deve apenas ser condenado pela pratica de um único crime, na forma continuada, nos termos dos  art° 30º n° 1, 2 e 3 do C° Penal, sendo certo que ele foi alterado em 2007 para não deixar duvidas da aplicabilidade aos crime que estão em causa nos autos; e ainda que “Foi essa a intenção legislativa”.
Vejamos.
De acordo com o dis(...) no art. 30.º do CP, são pressu(...)s do crime continuado:
a) a homogeneidade da forma de execução do crime;
b) a lesão do mesmo bem jurídico;
c) a unidade do dolo; e
d) a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
O n.º 3 do art. 30.º do CP, aditado pela Lei 59/2007 de 4/9, não alterou em nada o entendimento jurisprudencial e doutrinal já existente sobre o crime continuado.
Aquilo que veio a estabelecer-se com esse n.º 3, de forma redundante, não é que nos crimes contra bens pessoais, tratando-se da mesma vítima, se deve unificar sempre as condutas, mas antes que nesses crimes a pluralidade de vítimas é obstáculo a essa unificação. Ou seja, nesse tipo de crimes a continuação criminosa só pode estabelecer-se respeitando à mesma vítima, desde que estejam reunidos os demais requisitos do crime continuado, designadamente, uma diminuição acentuada da culpa do agente.
Neste sentido se tem pronunciado, de forma unânime, o STJ, citando-se a título de exemplo os Ac. de 19/3/2009, de 25/3/2009 e de 14/5/2009, proferidos no âmbito dos Proc. 09P0483, 09P0490 e 07P0035, respectivamente. 
Ora, no caso dos autos falta nos factos provados a existência de uma circunstância externa que tenha levado o arguido à repetição dos factos delituosos e que diminua de forma acentuada a sua culpa.
 Foram circunstâncias endógenas que motivaram a reiteração do seu comportamento, e não circunstâncias a ele exteriores, que o levaram a sucumbir, determinando a repetição dos factos delituosos.
Como se refere no Ac. do STJ de 5/12/2007, proferido no âmbito do Proc. 0783989, disponível in www.dgsi.pt. “Na verdade, o elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele. Quando os factos revelarem que a reiteração criminosa resulta antes de uma pré-disposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada.”
No mesmo sentido o Ac. do STJ de 25/11/2009, proferido no âmbito do Proc. 490/07.0TAVVD.S1, disponível in www.dgsi.pt. no qual se refere “ A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição; isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.”
E, ainda, o Ac. do STJ de 7/1/2010 proferido no âmbito do Proc. 922/01.1GAABF.S1, igualmente disponível in www.dgsi.pt.
Assim sendo, deve considerar-se que a conduta do arguido integra tantos crimes, quantas as resoluções criminosas adoptadas, devendo as várias condutas típicas ser punidas em concurso efectivo de infracções.
Donde se conclui, que face aos factos dados como provados, não se verifica nenhuma situação que configure a prática pelo arguido A de crime continuado, pelo que, também nessa parte improcede o recurso.
e)- A medida das penas parcelares e única
Alega o arguido A que a pena de 18 anos de prisão que lhe foi imposta é injusta, não teve em atenção a sua colaboração na descoberta da verdade, nem o facto de ter confessado os factos, ter-se mostrado arrependido e ter sido ele também uma vítima da AX, pelo que entende dever ser condenado em 1 ano de prisão em relação a cada vítima e na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.
Vejamos.
O acórdão recorrido condenou o arguido A da forma seguinte:
“- (Processo Apensado, NUIPC nº 3137/01.5JDLSB)
1. Na pessoa de  T:
a)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e  2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  4 (quatro) anos de prisão.  
b) 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  4 (quatro) anos de prisão.
c) 1 (um) crime p.p. 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três) anos de prisão.
d) 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e  2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  4 (quatro) anos de prisão.  
e)  1 (um) crime p.p. 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos  de prisão.     
2. Na pessoa de  U:
f) 1 (um) crime p.p. 164º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos  de prisão.
3.  Na pessoa de V:
g) 1 (um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  3 (três) anos  de prisão.  

- ( No Processo Principal - NUIPC 1718/02.9JDLSB  )
4. (Com referência  ao capítulo 9.6, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AH:
h) 1 (um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 9 ( nove) meses  de prisão.     
i) 1 (um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos  de prisão.     
j) 1 (um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos  de prisão.     
l)  1 (um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  3 (três) anos  de prisão.                
5. (Com referência  ao capítulo 2.1., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de X:
m) 1 ( um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos  de prisão. 
n) 1 ( um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos  de prisão.    
o) 1 ( um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos  de prisão.
p) 1 ( um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de  2 ( dois) anos  de prisão,
q) 1 ( um) crime p.p., pelo artº 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos  de prisão. 6. (Com referência  ao capítulo 5.1., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de X:
r) 1  ( um ) crime p.p. 176º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 48/95, de 15/03), na pena de  3 (três) anos  de prisão.
s) 1  ( um ) crime p.p. 176º, nº 1 , do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 48/95, de 15/03), na pena de 2 ( dois) anos  de prisão.  
7. (Com referência  ao capítulo 2.6., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
t)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática  (D.Lei 48/95, de 15/03), na pena de 2 (dois) anos  de prisão.     
u)  46 ( quarenta e seis) crimes p.p. 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei  65/98, de 2/09), na pena de  4 (quatro) anos  de prisão, para cada um dos crimes.
v)  6 (seis) crimes p.p. 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09) praticados pelo arguido, na pena de  3 ( três) anos  de prisão, para cada um dos crimes.
x)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática  (Lei  65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos  de prisão, para cad um dos crimes.     
8. (Com referência ao capítulo 4.1.4., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AI:
z) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal ( Lei  65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos  de prisão
9. (Com referência  ao capítulo 4.4.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AI:
aa) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal ( Lei  65/98, de 2/09), na pena de  2 (dois) anos  de prisão.
10. (Com referência  ao capítulo 6.7.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AI:
bb) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº. 172º. nº. 1 do Código Penal ( Lei  65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos  de prisão.
11. (Com referência  ao capítulo 9.9, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AG :
cc) 1 ( um ) crime p.p. pelo artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal ( Lei 65/98, de 2/09), na pena de 3 ( três) anos  de prisão.     
dd) 1 ( um ) crime p.p. pelo artº 166º, nº 1, do C.Penal ( Lei 65/98, de 2/09), na pena de 1 (um) ano  de prisão.  
12. (Com referência  ao capítulo 9.10, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AA :
ee) 1 ( um ) crime p.p. pelos artºs. 166º, nº 1 e 2, 22º, 23º, 73º ( sob a forma tentada) do C.Penal (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses  de prisão.     
ff) 1 ( um ) crime p.p. pelos artºs. 166º, nº 1 e 2, 22º, 23º, 73º ( sob a forma tentada) do C.Penal (Lei 65/98, de 2/09), na pena de  1 (um) ano e 6 (seis) meses  de prisão.     
gg) 1 ( um ) crime p.p. pelo artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal ( Lei 65/98, de 2/09), na pena de 3 (três)  anos  de prisão.     
13. (Com referência  ao capítulo 9.14, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AF:
hh)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 3, al. b), do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de  2/09), na pena de 6 (seis) meses  de prisão.     
14. (Com referência  ao capítulo 9.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AD:
ii) 1 ( um ) crime p.p. no artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09), na pena de 3 (três) anos  de prisão.  15. (Com referência  ao capítulo 9.3, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AW:
jj)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática  (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois ) anos  de prisão;
ll)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e 2, 22º, 23º e 73º, ( sob a forma tentada)  do C.Penal  (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão.
16. (Com referência  ao capítulo 9.4, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AM:
mm) 3 (três) crimes p.p. pelo artº  172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão; por cada crime, conforme correcção do lapso a que se vai fazer referência infra na apreciação do recurso inter(...) pelo MP. 
17. (Com referência  ao capítulo 9.11, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AY:
nn) 2 ( dois ) crimes p.p. pelos artºs. 166º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 1 (um)  ano de prisão, para cada um dos crimes.   
oo)  5 ( cinco ) crimes p.p. no artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão, para cada um dos crimes.
18. (Com referência  ao capítulo 9.5, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AB:
pp) 1 (um) crime p.p. pelo artº  172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois) anos de prisão;
qq) 1 (um) crime de violação, agravado,  p. e p. pelo artº 164º, nº 1 e 177º, do Código Penal,  na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98 ), na pena de 6 (seis) anos de prisão.     
19. (Com referência  ao capítulo 9.5, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AR:
rr) 1 (um) crime de violação, agravado,  p. e p. pelo artº 164º, nº 1 e 177º, do Código Penal,  na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 6 (seis)  anos de prisão.          
20. (Com referência  ao capítulo 9.13, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AS:
ss)  1 (um) crime p.p. 172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 1 (um) ano de prisão ;
tt)  2 (dois) crimes p.p. 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática   ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um dos crimes.
21. (Com referência  ao capítulo 2.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AP:uu) 1 ( um) crime p.p. no artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( D.Lei 48/95, de 15/03), na pena de 3 (três) anos de prisão
22. (Com referência  ao capítulo 2.8, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AU:
vv) 2 ( dois) crimes  p.p. pelo  172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Dec.- Lei nº. 48/95, de 15 de Março), na pena de 4 ( quatro)  anos de prisão, para cada um dos crimes.
23. (Com referência  ao capítulo 5.2.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AP:
xx)  1  ( um ) crime p.p. 176º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 48/95, de 15/03), na pena de 3 ( três ) anos de prisão.   24. (Com referência  ao capítulo 9.17. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AC:
zz)  1  ( um ) crime p.p.  no artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  3 ( três )  anos de prisão.
25. (Com referência  ao capítulo 2.3. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AV:
aaa) 1  ( um ) crime p.p.  no artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três )  anos de prisão.     
26. (Com referência  ao capítulo 2.4. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  Y:
bbb)  1  ( um ) crime p.p.  no artº 166º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três )  anos de prisão.     
ccc)   7 (sete) crimes p.p.  no artº 166º, nº 1, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de  2 ( dois)  anos de prisão para cada um dos crimes
  27. (Com referência  ao capítulo 2.5. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AT:
ddd) 2 ( dois) crimes p.p. 172º, nº 1 e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 ( quatro ) anos de prisão, para cada um dos crimes.    
28. (Com referência  ao capítulo 4.4.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AT:
eee) 1 ( um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1 ,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois) anos de prisão.  
29. (Com referência  ao capítulo 2.7. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AN:
fff) 1 ( um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1 ,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois) anos de prisão.  
30. (Com referência  ao capítulo 2.9. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AQ:
ggg) 1 ( um ) crime p.p. pelo 166º, nº 1  e 2,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três ) anos de prisão.
31. (Com referência  ao capítulo 4.1.3. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  Y:
hhh) 2 (dois) crimes p.p. pelo 176º, nº 1  e 3  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três ) anos de prisão, por cada um dos crimes. (já de acordo com a correcção do lapso a que se vai fazer referência infra na apreciação do recurso inter(...) pelo MP) 
32. (Com referência  ao capítulo 4.3.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AT:
iii) 2 ( dois ) crimes p.p. pelo 172º, nº 1,    do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois ) anos de prisão, por cada um dos crimes.  
33. (Com referência  ao capítulo 5.2.5.. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AP: jjj) 1 (um) crime p.p. pelo 176º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( DLei 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 3 ( três ) anos de prisão.  
34. (Com referência  ao capítulo 6.2.1.. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AN:
lll) 1 ( um ) crime p.p. pelo 172º, nº 1,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 ( dois ) anos de prisão.   
35. (Com referência  ao capítulo 6.5.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de  AT:
mmm) 1 (um) crime p.p. pelo 176º, nº 1 e 3,  do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três ) anos de prisão.  
II – EM CÚMULO, condenar o arguido A na pena única de 18  (dezoito) anos de prisão.”
Na determinação da medida concreta das penas parcelares a impor ao arguido A expendeu-se no acórdão recorrido o seguinte:
“No caso, a culpa do arguido A apresenta-se em elevadíssimo grau desde logo pela especial censurabilidade em cada ilícito, assente nas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos, agravada pela então qualidade e idade das vítimas e pelo tempo que duraram os abusos – sendo relativamente a algumas das vítimas desde o início da infância até pré-adolescência -; a desconsideração do valor fundamental da liberdade e autodeterminação sexual.
O arguido A revela através dos actos por si praticados características de um predador sexual, o que eleva as necessidades de prevenção especial.
A dimensão global da ilicitude é intensa, sendo grande o alarme e insegurança social que este tipo de crimes apresenta, com consequências psicológicas devastadoras para as vítimas, e que as acompanharam e acompanharão para o resto da vida e cuja dimensão não é quantificável.
A favor do arguido A não deixamos de ter em atenção o movimento que teve em em relação a alguns assistentes, em sede de audiência de julgamento, de pedir-lhes desculpa pelos actos que praticou, pelo “mal que lhes fez”, o que revela, mesmo que “a posteriori”, alguma consciência da gravidade e das consequências da sua conduta. A maior parte das vítimas declarou aceitar os respectivos pedidos de desculpa.
Tratou-se, porém e sempre, de um juízo crítico limitado.
Certo é também que pese embora o tivesse afirmado, o arguido nunca chegou a confessar os factos de forma absoluta, antes se tendo escudado nessa declaração de vontade, anunciando-a, sem nunca a concretizar em pleno.
Tratou-se, porém, de uma confissão que, pese embora parcial, foi relevante, de modo a poder ser aproveitada por este Tribunal quanto ao apuramento da matéria de facto.
O arguido, pese embora tivesse sempre mantido um discurso desculpabilizante, não procurou mudar a sua actuação face aos educandos da AX, não procurou ajuda para mudar.
Actuou com dolo directo, mas foi também ele uma vítima num outro tempo. De abusado passou a abusador e tanto não foi olvidado por este Tribunal.
A falta de antecedentes criminais que quanto a si se verifica, atenta a natureza dos crimes por si praticados, não afasta as elevadas necessidades de prevenção geral e especial.”
Ora, analisadas as penas parcelares impostas ao arguido A verifica-se que todas elas se situam perto do limite mínimo legalmente previsto.
Assim, em relação aos crimes de abuso sexual de crianças p.p. pelo art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na redacção da Lei 65/98 de 2/9 (aquela que foi considerada mais favorável ao arguido), a pena mínima é de 3 anos de prisão e a imposta ao arguido A foi de 4 anos de prisão por cada crime; os crimes de abuso sexual de pessoa internada p.p. pelo art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na redacção da mesma Lei, a pena mínima é de 1 ano de prisão e ao arguido foi imposta a pena de 3 anos de prisão por cada; o crime de violação p.p. pelo art. 164.º n.º 1 do CP, na redacção da mesma Lei, a pena mínima é de 3 anos de prisão e o arguido foi condenado em 4 anos de prisão.
E, contrariamente ao referido pelo arguido A, o Tribunal a quo teve em atenção na determinação da medida concreta das penas parcelares e única quer a sua confissão parcial dos factos, quer a circunstância de o arguido ter sido ele também, em outro tempo, uma vítima de abusos sexuais perpetrados no seio da AX.
Mostram-se, pois, bem doseadas as penas parcelares impostas ao arguido A, as quais são de manter, com excepção das relativas aos crimes perpetrados em (...), face à supra declarada nulidade parcial do acórdão no que a  tais crimes respeita, nulidade que igualmente o afecta.
Nada impede, porém, antes tudo o aconselha, conforme já dissemos supra na análise que fizemos do recurso inter(...) pelo arguido H, que seja desde já efectuado o cúmulo jurídico das restantes penas parcelares impostas ao arguido.
Assim sendo, as penas parcelares a considerar para o cúmulo jurídico são todas as referidas supra com excepção das indicadas sob 10. 34. e 35. de 2 anos de prisão, 2 anos de prisão e 3 anos de prisão, respectivamente.
Convocamos aqui, também, as considerações tecidas na análise do recurso do arguido H sobre o critério especial a observar na determinação da pena concreta do concurso, estabelecido pelo art. 77.º do CP.
Assim temos como limite mínimo da pena única a impor ao arguido A 6 anos de prisão – a pena parcelar mais elevada que lhe foi imposta – e  como limite máximo 25 anos de prisão.
Na determinação da medida concreta desta pena única ter-se-á em conta, no seu conjunto, os factos e a personalidade do arguido.
Ora, o conjunto dos factos dados como provados, praticados pelo arguido A, que integram o concurso, e a conexão existente entre os factos concorrentes, dão-nos uma noção de gravidade muito acentuada do ilícito global levado a cabo pelo arguido.
Assim, atendendo aos factos considerados na sua globalidade, à personalidade do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial, às condições da sua vida, à ausência de antecedentes criminais, à confissão parcial dos factos, entende-se que ao arguido A deverá ser imposta a pena única de 15 anos de prisão.
Caso o arguido venha a ser condenado pelos factos ocorridos em (...), há que desfazer o cúmulo ora efectuado por forma a nele integrar a pena, ou penas, que por tais crimes lhe venham a ser aplicadas.
G) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
1. Da motivação do recurso extrai o Ministério Público as seguintes (transcritas) conclusões:
“1.  (Por refª a “A1)”)  -  No Despacho de Pronúncia, com referência aos factos descritos no Capítulo “6.7.2” e “6.8” (fls. 20.936/9), imputara-se ao Arguido A a prática de 1 crime de abuso sexual de crianças, previsto no artº 172º, nº 1, do C. Penal (cfr. fls. 21.005 - “1.-cc.”);
2.  (Por refª a “A1)”)  -  De acordo com os factos ali descritos, o período temporal em que os mesmos teriam ocorrido situar-se-ia a um Sábado, indeterminado, do último trimestre do ano de 1999;
3.  (Por refª a “A1)”)  -  Em sede de Acórdão, o Tribunal  deu como provados os factos integrantes da prática do crime, situando-os, no entanto, “Num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999…”, que não, necessariamente, a um Sábado;
4.  (Por refª a “A1)”)  -  O período temporal a que o Acórdão se reporta, deixando de circunscrever a prática dos factos a um dos Sábados, do último trimestre de 1999, alarga as datas possíveis em que os mesmos ocorreram a qualquer dos dias compreendidos no referido trimestre;
5.  (Por refª a “A1)”)  -  O Tribunal não comunicara, ao Arguido, qualquer alteração da factualidade descrita na Pronúncia, relativamente ao segmento em causa;
6.  (Por refª a “A1)”)  -  Ao fazê-lo, sem, previamente, comunicar a correspondente alteração (não substancial), ao abrigo do dis(...) no artº 358º, o Acórdão configurou a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, b), um e outro, do CPP;
7.  (Por refª a “A1)”)  -  Em conformidade, entende-se dever o Tribunal da Recurso decretar, nesta parte, a nulidade do Acórdão, ordenando-se a baixa do processo à Iª Instância, por forma a dar cumprimento ao dis(...) no artº 358º, nº 1 do CPP, e termos subsequentes (tal como defendido em “C1)”, “D1)” e “E2)”, (...) tratar-se da mesma factualidade);
8.  (Por refª a “B1)”)  -  Por referência ao Capítulo “4.1.3”, do Despacho de Pronúncia (que imputara, ao Arguido C, a prática de 2 crimes de Abuso Sexual de Pessoa Internada, previstos no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal), o Tribunal absolveu o Arguido C, da prática dos 2 crimes pelos quais vinha pronunciado, condenando (e bem), no entanto, o Arguido A, por referência aos mesmos factos, pela prática de 2 crimes de Lenocínio, previstos no artº 176º, nºs. 1 e 3, do C. Penal (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro);
9.  (Por refª a “B1)”)  -  De acordo com a fundamentação respectiva, plasmada no Acórdão (fls. 68.028 a 68.032), a absolvição ficou a dever-se ao facto de, “na avaliação do Tribunal”, não se terem dado como “suficientemente provados todos os elementos constitutivos do crime que está em causa e pelo qual o arguido C foi pronunciado.”, conclusão, com a qual, o MºPº, frontalmente, discorda;
10.  (Por refª a “B1)”)  -  A absolvição do Arguido ficou a dever-se à não comprovação de que o Assistente Y soubesse, antes e durante os abusos sexuais de que foi vítima, por parte do Arguido C, que este era (...)-(...) da AX (AX), ou, sequer, que desta fosse funcionário (...) que se exigirá, além do mais, que se verifique uma diminuição da possibilidade da vítima opor resistência;
11.  (Por refª a “B1)”)  -  O crime em apreço (artº 166º, do C. Penal), na parte que aqui releva, tem mantido, desde o DL 48/95, de 15 de Março, até ao presente, uma estrutura, no essencial, intocada, seja no que diz respeito à tipificação, propriamente dita, seja no que toca às molduras penais;
12.  (Por refª a “B1)”)  -  Desde logo, fica patente que, da letra da lei, ou seja, do argumento literal, não se retira qualquer exigência de que, à conduta do agente, corresponda uma diminuição da capacidade de resistência da vítima, (...) que, quando o legislador entendeu consagrar tal requisito, disse-o, de forma expressa, como resulta, v.g., da norma imediatamente antecedente (o artº 165º do C. Penal, que incrimina o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência);
13.  (Por refª a “B1)”)  -  A exigência de diminuição, ou eliminação, da capacidade de resistência da vítima, sendo requisito (diferenciador) do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, não o é do crime de abuso sexual de pessoa internada, uma vez que, fundamentalmente, o que está em causa, neste crime (artº 166º), é o aproveitamento da situação de internamento da vítima e o maior e mais fácil acesso que, por força das funções que exerce, a ela tem o agente;
14.  (Por refª a “B1)”)  -  A crença na protecção que espera dos agentes da instituição que a acolhe, investindo a vítima numa putativa situação de conforto, fragiliza, naturalmente, a sua capacidade de percepção/reacção, ao ser abordado por aqueles em quem, em princípio, mais confiará;
15.  (Por refª a “B1)”)  -  No seio da Comissão de Revisão do CP, de 95, ainda no que toca à discussão sobre o preceito em causa, em momento algum se gerou polémica, ou, sequer, se aludiu a qualquer exigência de inclusão, na respectiva tipificação, do requisito que o Acórdão, ora sob recurso, postula, segundo o qual, a conduta do agente tenha que ser apta a tornar a vítima incapaz de resistir;
16.  (Por refª a “B1)”)  -  Por outro lado, radicando, na norma, a protecção da “independência sexual da pessoa internada”, como verdadeiro “bem jurídico complexivo” - sem olvidar que, tratando-se, como se trata, de menor de 14 anos de idade, a tónica do bem jurídico tutelado há-de reportar-se, não à violação da liberdade, mas, antes, da insusceptibilidade de autodeterminação sexual  -, não pode deixar de ter-se em conta que, àquela protecção, acresce o facto de o legislador se ter deixado “… guiar também pela incolumidade do exercício de funções no estabelecimento respectivo; é dizer, pelo entendimento que o alcance das finalidades que o estabelecimento se propõe, supõe a correcção dos procedimentos que a tenham lugar em matéria sexual…”, tutela, essa, que, assim, igualmente, foi postergada, pelas condutas do Arguido C, relativamente ao menor Y;
17.  (Por refª a “B1)”)  -  Acresce que o Arguido C não começou por agir, directamente, sobre a Vítima, antes encarregando o Arguido A de o abordar e levá-lo até si, “a um local entre ambos combinado.”;
18.  (Por refª a “B1)”)  -  O Tribunal  deu como pro-vado que “O arguido C sabia que o menor Y era um aluno interno da AX que ali havia sido admitido em virtude de ter uma situação familiar problemática e a quem as pessoas ligadas funcionalmente àquela instituição – especialmente os seus dirigentes – inspiravam autoridade e dever de obediência.”;
19.  (Por refª a “B1)”)  -  Ou seja, ainda que se considere ter o Arguido C agido, de forma mediata (extraneus), por intermédio do Arguido A (intraneus), aproveitando-se das especiais relações que este fomentava e mantinha com os alunos da AX, designadamente, com o menor Y, tal facto sempre implicaria, como implicou, que essas especiais relações, porque comunicáveis, se lhe transmitissem, assim se configu-rando, em pleno, a ilicitude típica comparticipada, relativa ao crime em apreço  - cfr. artº 28º, nº 1, do C. Penal;
20.  (Por refª a “B1)”)  -   Aliás, na 2ª situação a que os factos se reportam, ocorridos entre Novembro de 1999 e Janeiro de 2000, quando C volta a pedir a A que lhe traga o menor, o Acórdão deu como provado (cfr. “103.8”, dos “Factos Provados”), que o pedido vi-sou já, por parte do Arguido C, especifica e expressamente, o menor Y, tendo o Tribunal dado como provado que o Arguido sabia tratar-se de um aluno interno da AX;
21.  (Por refª a “B1)”) - A razão pela qual C escolheu, como mediador, A, é-nos fornecida pelo próprio Acórdão, em sede de análise crítica da prova (e de forma particularmente exaustiva, cfr. fls. 66.966 a 67.137), na qual se analisam, quer os percursos dos Arguidos C e A, dentro da AX, quer a actuação do primeiro, relativa-mente ao segundo, em especial, a forma a forma como C (que foi instrutor em 3 dos processos disciplinares que, ao longo do tempo, foram sendo instaurados ao Arguido A, alguns já relacionados com práti-cas sexuais envolvendo o Arguido e alunos da AX), apesar de estar a par das sucessivas e reiteradas condutas de A, protegia este;
22.  (Por refª a “B1)”)  -  Daí que, não possa deixar de reiterar-se que, da conjugação dos “Factos Provados” com a “Fundamentação” (e, de entre esta, da “Análise Crítica da Prova”), resulta, à evidência, ter o Tribunal dado como assente que o Arguido C, por si e, sobretudo, por intermédio do Arguido A, tirou partido do cargo que ocupava na AX, aproveitando as facilidades que este lhe facultava e tirando partido do relacionamento privilegiado que mantinha com o Arguido A e com a imagem de autoridade e o dever de obediência que sabia que este inspiraria, como inspirou, no menor Y, que sabia tratar-se de aluno da Instituição;
23.  (Por refª a “B1)”)  -  E, se assim é, há que reconhecer que o conteúdo do item “21.6”, dos “Factos não Provados”, relativo ao Capítulo “4.1.3”, possa inculcar, numa primeira abordagem, a ideia de uma contradição na “Fundamentação”;
24.  (Por refª a “B1)”)  -  Todavia, prova de que assim não é, resulta da própria “Fundamentação”, (...) que, nesta (cfr. fls. 68.025 a 68.032, na parte relativa ao Capítulo “4.1.3”, que ora nos ocupa), o Tribunal não sustenta a absolvição, na alegada “não prova” do aproveitamento “das funções ou do lugar que, a qualquer título,” o” (agente) “exerce ou detém,…”, omitindo toda e qualquer referência a esse requisito.
25.  (Por refª a “B1)”)  -  A absolvição deveu-se ao facto de se ter considerado, como elemento (igualmente, não provado) integrante do tipo (abuso sexual de pessoa internada), a incapacidade de resistência, por parte da vítima, ou a especial dependência, desta, relativamente ao agente directo do crime, decorrente do facto de não se ter dado como provado que o menor Y, à data dos abusos sexuais de que foi vítima, soubesse que o Arguido C era dirigente, ou, sequer, funcionário, da AX;
26.  (Por refª a “B1)”)  -  Na enumeração dos “Factos Provados”, fica claro que, ao invés, o Acórdão dá, como provado, o referido aproveitamento, por parte do Arguido C (itens “103.18.” - O arguido C sabia que o menor Y era um aluno interno da AX, que ali havia sido admitido em virtude de ter uma situação familiar problemática e a quem as pessoas ligadas funcionalmente àquela institui-ção – especialmente os seus dirigentes – inspiravam autoridade e dever de obediência e “103.20.” - O arguido C agiu sempre de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que a conduta atrás descrita lhe era proibida pela lei penal.”;
27.  (Por refª a “B1)”)  -  O conteúdo destes factos demonstra, de forma inequívoca, que o Arguido C sabia que “as pessoas ligadas funcionalmente àquela instituição”, “inspiravam autoridade e dever de obediência” aos alunos da AX, pelo que, sabendo, como sabia, que o menor Y conhecia a qualidade de funcionário de A  - daí, tê-lo encarregue de o recrutar -, o aproveitamento dessa situação, por parte do Arguido C, ainda que mediado pelo Arguido A, mais não traduz do que a verificação do requisito (aproveitamento, por força da re-lação hierárquica, pese embora, cúmplice e protectora, sobre A), essencial à consumação do crime em causa;
28.  (Por refª a “B1)”)  -  Pelo que, será forçoso concluir, que o conteúdo do item “2.1.6”, embora dispensável, porque susceptível de interpretação equívoca, não configura qualquer contradição, interpretado que deve ser  - conjugado com todos os elementos referenciados -, restritivamente, como dando por “não provado”, e, como tal, afastando-o, o aproveitamento, directo e imediato, do Arguido C, sobre o menor Y;
29.  (Por refª a “B1)”)  -  Em conformidade, porque configurado um erro na subsunção da factualidade provada, ao Direito, o Tribunal deveria, ao invés, ter condenado o Arguido C, pela comissão de 2 crimes de Abuso Sexual de Pessoa Internada, previsto no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na pena, que se entende como ajustada, de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos referidos crimes;
30.  (Por refª a “C1)”)  -  No Despacho de Pronúncia, com referência aos factos descritos no Capítulo “6.7.2” (fls. 20.936/7), imputara-se ao Arguido H a prática de 1 crime de abuso sexual de crianças, previsto no artº 172º, nºs. 1 e 2, do C. Penal (cfr. fls. 21.009 - “4.-e.”);
31.  (Por refª a “C1)”)  -  De acordo com os factos ali descritos, o período temporal em que os mesmos teriam ocorrido situar-se-ia a um Sábado, indeterminado, do último trimestre do ano de 1999;
32.  (Por refª a “C1)”)  -  Em sede de Acórdão, o Tribunal deu como provados os factos integrantes da prática do crime, situando-os, no entanto, “Num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999…”, que não, necessariamente, a um Sábado;
33.  (Por refª a “C1)”)  -  O Tribunal não comunicara, ao Arguido, qualquer alteração da factualidade descrita na Pronúncia, relativamente ao segmento em causa, sendo certo que o período temporal a que o Acórdão se reporta, deixando de circunscrever a prática dos factos a um dos Sábados, do último trimestre de 1999, alarga as datas possíveis, em que os mesmos ocorreram, a qualquer dos dias compreendidos no referido trimestre;
34.  (Por refª a “C1)”)  -  Ao fazê-lo, sem, previamente, comunicar a correspondente alteração (não substancial), ao abrigo do dis(...) no artº 358º, o Acórdão configurou a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, b)  - um e outro, do CPP -, no qual se postula ser nula a sentença “que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artºs. 358º e 359º ”;
35.  (Por refª a “C1)”)  -  Em conformidade, entende-se dever o Tribunal de Recurso decretar, nesta parte, a nulidade do Acórdão, ordenando-se a baixa do processo à Iª Instância, por forma a dar cumprimento ao dis(...) no artº 358º, nº 1, do CPP, e termos subsequentes (tal como defendido em “A1)”, “D1)” e “E2)”, (...) tratar-se da mesma factualidade);
36.  (Por refª a “C2)”)  -  Sem prejuízo do que vem de assinalar-se (relativamente a “C1)”, Conclusões30.” a “35.”), a condenação do Arguido, pela factualidade descrita no Capítulo “6.7.2”, do Despacho de Pronúncia, errou na qualificação dos factos, ao incriminá-los, não pelo nº 2 (como devia), mas, antes (como não podia), pelo nº 1, do artº 172º, do C. Penal;
 37.  (Por refª a “C2)”)  - No Acórdão, dando-se como provada a prática, pelo Arguido H, de um abuso sexual (neste se incluindo coito oral) sobre menor (AI), ao  tempo (último trimestre de 1999), com 13  anos de idade, os factos correspondentes teriam que ser integrados pelo artº 172º, nº 2, do CP, na redacção (então vigente) da Lei 65/98, de 2 de Setembro, justamente, aquela, que equiparara o coito oral à cópula e ao coito anal;
38.  (Por refª a “C2)”)  -  Daí que, o Tribunal tenha determinado o quantum da pena (3 anos de prisão), de entre a moldura penal abstracta de 1 a 8 anos de prisão, relativa ao nº 1, da referida norma, quando é certo que deveria ter-se reportado ao nº 2, ao qual corresponde uma moldura abstracta de 3 a 10 anos de prisão;
39.  (Por refª a “C2)”)  -  O Acórdão configurou, assim, erro na subsunção dos factos, ao Direito, o que implicará a aplicação de uma pena concreta (parcelar e, consequentemente, com reflexo na pena unitária) mais gravosa, caso venha a confirmar-se a factualidade dada como provada, na sequência do procedimento por que se propugnou em “C1)”;
40.  (Por refª a “D1)”)  -  No Despacho de Pronúncia, com referência aos factos descritos no Capítulo “6.7.2” e “6.8” (fls. 20.936/9), imputara-se  ao Arguido N a prática de 1 crime lenocínio de menores, previsto no artº 176º, nºs. 1 e 3, do C. Penal (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro - cfr. fls. 21.010 - “6.-g.”);
41.  (Por refª a “D1)”)  -  No Despacho de Pronúncia, com referência aos factos descritos no Capítulo “6.7.2” e “6.8” (fls. 20.936/9), imputara-se ao Arguido N a prática de 1 crime lenocínio de menores, previsto no artº 176º, nºs. 1 e 3, do C. Penal (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro - cfr. fls. 21.010 - “6.-g.”);
42.  (Por refª a “D1)”)  -  De acordo com os factos ali descritos, o período temporal em que os mesmos teriam ocorrido situar-se-ia a um Sábado, indeterminado, do último trimestre do ano de1999;
43.  (Por refª a “D1)”)  -  Em sede de Acórdão, o Tribunal deu como provados os factos integrantes da prática do crime, situando-os, no entanto, “Num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999…”, que não, necessariamente, a um Sábado;
44.  (Por refª a “D1)”)  -  O Tribunal não comunicara, ao Arguido, qualquer alteração da factualidade descrita na Pronúncia, relativamente ao segmento em causa, sendo certo que o período temporal a que o Acórdão se reporta, deixando de circunscrever a prática dos factos a um dos Sábados, do último trimestre de 1999, alarga as datas possíveis em que os mesmos ocorreram a qualquer dos dias compreendidos no referido trimestre;
45.  (Por refª a “D1)”)  -  Ao fazê-lo, sem, previamente, comunicar a correspondente alteração (não substancial), ao abrigo do dis(...) no artº 358º, o Acórdão configurou a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, b)  - um e outro, do CPP -, no qual se postula ser nula a sentença “que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artºs. 358º e 359º ”;
46.  (Por refª a “D1)”)  -  Em conformidade, entende-se dever o Tribunal de Recurso decretar, nesta parte, a nulidade do Acórdão, ordenando-se a baixa do processo à Iª Instância, por forma a dar cumprimento ao dis(...) no artº 358º, nº1, do CPP, e termos subsequentes (tal como defendido em “A1)”, “C1)” e “E2)”, (...) tratar-se da mesma factualidade);
47.  (Por refª a “E1)”)  -  Relativamente aos factos constantes dos itens “6.2.1” e “6.8”, do Despacho de Pronúncia, o Acórdão deu como provada a factualidade constante dos itens “118.3”, “118.4”, “119” a “119.7”, “119.9” a “119.11”, “135” e “135.2”, dos “Factos Provados”;
48.  (Por refª a “E1)”)  -  Há que ter, ainda, em conta, que, quanto ao primeiro dos (12) crimes, descritos neste Capítulo, e relativamente à Arguida Q, não há quaisquer factos não provados, (...) que os itens “37” a “37.20”, dos “Factos não Provados”, dizem, tão só, respeito a 11 (descritos a fls. 20.921, a partir do 2º parágrafo – inclusive – e até fls. 20.924) dos 12 crimes que vinham imputados à Arguida, mas não quanto ao primeiro dos crimes descritos, no referido Capítulo, do Despacho de Pronúncia «desde o início do Capítulo “6.2.1”, a fls. 20.919, até ao 1º parágrafo – inclusive – de fls. 20.921);
49.  (Por refª a “E1)”)  -  A Arguida Q vinha pronunciada, com referência aos factos descritos nos Capítulos “6.2.1” e “6.8”, do Despacho de Pronúncia, pela prática de 12 crimes de lenocínio, previstos no artº 176º, nºs. 1 e 3, do C. Penal;
50.  (Por refª a “E1)”)  -  O MºPº não põe em causa a absolvição da Arguida, pela prática de 11 dos 12 crimes imputados, justamente, aqueles a que corresponde a factualidade descrita na 2ª parte do Capítulo “6.2.1”, tão pouco colocando em crise a absolvição, pelo crime de lenocínio, no que diz respeito aos factos descritos na parte inicial do referido Capítulo;
51. (Por refª a “E1)”) -  O MºPº discorda, isso sim, da desconsideração da referida factualidade como potencialmente integrante da prática de 1 crime de abuso sexual de criança, previsto no artº 171º (ou 172º, na redacção anterior à Reforma de 2007), nº 1, do C. Penal, em comparticipação criminosa com o autor material do abuso (N) e, como tal, condenado;
52.  (Por refª a “E1)”)  -  A Lei 59/2007, de 4 de Setembro, alterou a tipificação do (então) crime de “Lenocínio e Tráfico de Menores”, previsto no artº 176, do C. Penal, deixando de prever (no nº 1, do artº 175º), como elemento disjuntivo do tipo, a conduta daquele que “fomentar, favorecer ou facilitar” a prática de actos sexuais de relevo, por, ou em menor de 16 anos (ou de 14, com referência ao nº 3, na redacção anterior), restringindo a punibilidade, enquanto lenocínio de menores, àquele que “fomentar, favorecer ou facilitar” o exercício da prostituição de menor;
53.  (Por refª a “E1)”)  -  Todavia, tal não significa que, à modificação do crime de lenocínio de menores, tenha correspondido uma descriminalização da conduta excluída;
54.  (Por refª a “E1)”)  -  No âmbito da Unidade de Missão para a Reforma Penal, concluiu-se que “… a supressão, no nº 1, da expressão “ou a prática de actos sexuais de relevo” se deve a que o exercício da prostituição já inclui todos os actos sexuais de relevo, sendo por isso desnecessária a referência a tais actos.”, e, ainda, que “a propósito do artº 175º  - Lenocínio de Menores -, … a supressão da expressão “ou a prática de actos sexuais de relevo” tem a mesma explicação que a alteração idêntica introduzida ao artº 169º… ”;
55.  (Por refª a “E1)”)  -  Consequentemente, a restrição à tipificação do crime de Lenocínio de Menores, operada pela  Reforma de 2007, impõe  concluir que a conduta excluída do tipo, não só não se individualizou, como ilícito penal autónomo, como, tão pouco, foi reinserida em norma diversa, por  opção de inserção sistemática;
56.  (Por refª a “E1)”)  -  Tendo em conta, antes do mais, que, reportando-se os factos a Dezembro de 1999/Janeiro de 2000, importará determinar a evolução legislativa que, a partir da redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, (em vigor, no referido período), alterou o C. Penal, com vista à determinação do regime que, em concreto, mais favoreça a Arguida (cfr. artº 2º, nº 4, do CP);
57.  (Por refª a “E1)”)  -  Desde então e até à data, com relevância para o propósito afirmado, tendo em consideração as alterações, sucessivamente, introduzidas  pelas  Leis  nº 99/2001, de 25 de Agosto e nº 59/2007, de 4 de Setembro, haverá que concluir serem elas absolutamente irrelevantes, no que à factualidade, que aqui está em causa, diz respeito;
58.  (Por refª a “E1)”)  -  Acresce que, tratando-se, no caso que nos ocupa, de menor, com 13 anos de idade (o Assistente AN), não se coloquem, quanto à idade, quaisquer dificuldades, resultantes da sucessão de leis;
59.  (Por refª a “E1)”)  -  Ora, se assim é, não cabe dúvida que, já no âmbito do Despacho de Pronúncia (itens “6.2.1” e “6.8”), e no que concerne à Arguida, a factualidade aí descrita era enquadrável por mais do que uma norma penal, assim se configurando o chamado concurso aparente “de leis, de tipos de crimes e, portanto, de infracções”;
60.  (Por refª a “E1)”)  -  Já ao tempo da Acusação, a incriminação correspondente era susceptível de reportar-se, quer ao lenocínio de menores (artº 176º), quer ao abuso sexual de crianças (artº 172º);
61.  (Por refª a “E1)”)  -  O critério decisivo para aferição do concurso aparente há-de reportar-se, em última análise, aos bens jurídicos que tutelam as normas jurídicas potencialmente incriminadoras, sendo certo que, num e noutro caso, o que visa proteger-se é “o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual”, a tanto acrescendo o facto de as normas em causa se inserirem, na sistemática do Código Penal, nos “Crimes contra a Autodeterminação Sexual”;
62.  (Por refª a “E1)”)  -  Acresce que, a Jurisprudência, contrariando alguma Doutrina ([1]), vem, reiteradamente, negando a qualidade de “crimes de mão própria” a diversos tipos legais, nomeadamente, ao crime de violação, considerando, quanto a este, que o que está em causa não é a cópula, em si, mas o forçar outrem a mantê-la;
63.  (Por refª a “E1)”)  -  Mutatis mutandis, assim deverá ser entendido, relativamente ao abuso sexual de crianças, ainda que não esteja em causa o constrangimento físico, e/ou psicológico, mas, antes, a violação da incapacidade de autodeterminação sexual da vítima, por força da presunção legal, segundo a qual, o menor de 14 anos de idade é, intelectualmente, insusceptível de, livremente, se autodeterminar;
64.  (Por refª a “E1)”)  -  Por outro lado, o facto de a Reforma de 2007, ter excluído da incriminação do crime de lenocínio de menores a prática de actos sexuais de relevo, prejudica, porque inútil, a determinação do bem jurídico dominante (nos casos de concurso aparente consumptivo, da lex consumens, ou, da lex consumta), (...) que, com tal exclusão, o concurso de normas precluíu, operando a “repristinação” da norma (antes, artº 172º, ora, 171º, do C. Penal) que, com aquela, concorria;
65.  (Por refª a “E1)”)  -  O Despacho de Pronúncia, adoptando a lógica sistemática da Acusação, reuniu, no Capítulo “6.8”, a descrição do dolo, relativamente, além do mais, aos crimes de lenocínio, imputados aos Arguidos A, N e GN, nos Capítulos “6.2” a “6.7” (cfr. fls. 20.937);
66.  (Por refª a “E1)”)  -  De toda a factualidade descrita na Pronúncia, relativamente à denominada “Casa de (...)”, o Acórdão deu, como provados, tão só, os factos descritos nos Capítulos “6.2.1” e “6.7.2” (um e outro, como se disse, complementados pelo Capítulo “6.8”);
67.  (Por refª a “E1)”)  -  A circunstância de o Tribunal ter dado como provado, quanto aos factos que integram o Capítulo “6.2.1”, do Despacho de Pronúncia, além do mais, que a Arguida Qfoi contactada pelo arguido N no sentido de lhe conceder a troco de uma contrapartida, a utilização da sua residência sita na (...) (…) nº (…), em (…), a fim de aí poderem ter lugar encontros para práticas sexuais entre homens adultos e menores.”, que o Arguido N agiu “nas ocasiões e circunstâncias descritas, mediante prévio acordo por si estabelecido com a arguida Q” e que agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal.”, impõe que se conclua estarem preenchidos todos os elementos do crime previsto no artº 171º, do C. Penal, relativamente à Arguida Q, em comparticipação com o Arguido N;
68.  (Por refª a “E1)”)  -  Note-se que a circunstância de se ter dado como provado que a Arguida tomou conhecimento que a cedência da sua casa se destinava a encontros de índole sexual, entre homens adultos e menores, não obsta à verificação do dolo, uma vez que, ao aceder à proposta que lhe foi apresentada pelo Arguido N, a Arguida Q, sabendo que se tratava de menores (de 18 anos), admitiu, implicitamente, que os menores pudessem ter idade inferior a 14 anos de idade. Ao não excluir essa possibilidade, a Arguida admite-a, (...) que, que quem admite o mais, forçosamente, admite o menos;
69. (Por refª a “E1)”)  -  Acresce determinar se, sendo comparticipante, a actuação da Arguida Q há-de ser-lhe imputada a título de co-autoria, ou, de mera cumplicidade, à luz do critério que vem sendo afirmado, seja pela Jurisprudência, seja pela Doutrina, como factor distintivo da (co-)autoria e da cumplicidade, segundo o qual, o autor, ao contrário do cúmplice, possui “o domínio do facto”;
70.  (Por refª a “E1)”)  -  A Arguida Q acordou, previamente, a cedência da sua casa, para os fins que não desconhecia e a disponibilização, pela Arguida, da sua residência, era indispensável para que o Arguido N, residente que era em (...), consumasse o crime pelo qual foi condenado;
71.  (Por refª a “E1)”)  -  A não participação directa, da Arguida Q, na consumação do abuso, não é condição da qualificação da sua conduta, como mera cumplicidade, (...) que cada comparticipante, para que possa ser tido como co-autor, não carece de participar na execução integral dos actos que integram o desígnio acordado;
72.  (Por refª a “E1)”)  -  A factualidade dada como provada, relativamente à Arguida Q e ao segmento de que ora nos ocupamos, levou o Tribunal, não obstante, a absolvê-la, concluindo, ainda assim, que a arguida Q  “agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal”;
73.  (Por refª a “E1)”)  -  Para além de ter incorrido num claríssimo paradoxo, na medida em que resulta do próprio texto da Decisão recorrida e que traduz uma contradição insanável entre a Fundamentação (no segmento da enumeração dos “Factos Provados”) e o Dispositivo, deu azo ao vício contido no artº 410º, nº 2, b), do CPP, vício esse, no entanto, que, podendo e devendo ser suprido, pelo Tribunal de Recurso, obsta ao reenvio do processo, para novo julgamento, na parte tocante (cfr. artº 426º, nº 1, do CPP);
74.  (Por refª a “E1)”)  -  Todavia, a condenação da Arguida, nos termos em que, por ela, se propugna, não pode deixar de ser precedida de uma comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos do dis(...) no artº 358º, nº 3, do CPP;
75.  (Por refª a “E1)”)  -  Com referência aos factos em apreço, a Arguida vinha pronunciada, além do mais (e para o que ora importa) pela prática de 1 crime de Lenocínio, previsto no artº 176º nºs 1 e 3, do C. Penal (na redacção da Lei 65/98);
76.  (Por refª a “E1)”)  -  Tendo em conta o entendimento que vem de perfilhar-se (a condenação da Arguida pela prática, em co-autoria, de um crime previsto no artº 171º, nº 1, do C. Penal), tal implicará a prévia comunicação da alteração da incriminação, comunicação, essa, que, nos termos do dis(...) no artº 424, nº 3, do CPP, incumbiria, em princípio, ao Tribunal de Recurso proceder;
77.  (Por refª a “E1)”)  -  E dissemos “incumbiria”, (...) que haverá, igualmente  - tal como defendemos, infra, além do mais, em “E2)” -, que proceder à comunicação, à Arguida Q, de uma alteração de factos, nos termos do dis(...) no artº 358º, nº 1, do CPP, ainda que relativamente a factualidade diversa;
78. (Por refª a “E1)”) - Daí que, porque entendamos que tal comunicação, podendo dar azo a produção suplementar de prova, a qual, a ocorrer e a ser admitida, deverá ter lugar na Iª Instância, também a esta caberá proceder à comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos do nº 3, do artº 358º, do CPP, o que se impõe, além do mais, por questões de economia e de unidade procedimental;
79.  (Por refª a “E1)”)  -  Todavia, por mera cautela e condicionalmente, sem prejuízo de poder decidir-se deverem as penas ser aplicadas na Iª Instância, entende-se ser de aplicar à Arguida Q, por comissão, em co-autoria, de 1 crime de abuso sexual de crianças, previsto no artº 172º, nº 1, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, a pena de 3 (três) anos de prisão efectiva;
80.  (Por refª a “E2)”)  -  Relativamente aos factos constantes dos itens “6.7.2” e “6.8”, do Despacho de Pronúncia, o Acórdão deu como provada a factualidade constante dos itens “118.3”, “118.4”, e “125” a “134”, dos “Factos Provados” e, como não provados, os factos constantes dos itens “43” a “44.2”, dos “Factos não Provados”;
81.  (Por refª a “E2)”)  -  A Arguida Q vinha pronunciada, com referência aos factos descritos nos Capítulos “6.7.2” e “6.8”, do Despacho de Pronúncia, pela prática de 1 crime de lenocínio, previsto no artº 176º, nºs. 1 e 3, do C. Penal;
82.  (Por refª a “E2)”)  -  O MºPº não põe em causa a absolvição da Arguida, pelo crime de lenocínio, discordando, isso sim, da desconsideração da referida factualidade como, potencialmente, integrante da prática de 1 crime de abuso sexual de criança, previsto no artº 171º (ou 172º, na redacção anterior à Reforma de 2007), nº 1, do C. Penal, em comparticipação criminosa com o autor material do abuso (H) e, como tal, condenado;
83.  (Por refª a “E2)”)  -  A Lei 59/2007, de 4 de Setembro, alterou a tipificação do (então) crime de “Lenocínio e Tráfico de Menores”, previsto no artº 176, do C. Penal, deixando de prever (no nº 1, do artº 175º), como elemento disjuntivo do tipo, a conduta daquele que “fo-mentar, favorecer ou facilitar” a prática de actos sexuais de relevo, por, ou em menor de 16 anos (ou de 14, com referência ao nº 3, na redacção anterior), restringindo a punibilidade, enquanto lenocínio de menores, àquele que “fomentar, favorecer ou facilitar” o exercício da prostituição de menor;
84.  (Por refª a “E2)”)  -  Todavia, tal não significa que, à modificação do crime de lenocínio de menores, tenha correspondido uma descriminalização da conduta excluída;
85.  (Por refª a “E2)”)  -  No âmbito da Unidade de Missão para a Reforma Penal, de 2007, concluiu-se que “… a supressão, no nº 1, da expressão “ou a prática de actos sexuais de relevo” se deve a que o exercício da prostituição já inclui todos os actos sexuais de relevo, sendo por isso desnecessária a referência a tais actos.”, e, ainda, que “a propósito do artº 175º  - Lenocínio de Menores -, … a supressão da expressão “ou a prática de actos sexuais de relevo” tem a mesma explicação que a alteração idêntica introduzida ao artº 169º… ”;
86.  (Por refª a “E2)”)  -  Consequentemente, a restrição à tipificação do crime de Lenocínio de Menores, operada pela  Reforma de 2007, impõe  concluir que a conduta excluída do tipo, não só não se individualizou, como ilícito penal autónomo, como, tão pouco, foi reinserida em norma diversa, por  opção de inserção sistemática;
87.  (Por refª a “E2)”)   Tendo em conta, antes do mais, que, reportando-se os factos ao último trimestre 1999, importará determinar a evolução legislativa que, a partir da redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, (em vigor, no referido período), alterou o C. Penal, com vista à determinação do regime que, em concreto, mais favoreça a Arguida (cfr. artº 2º, nº 4, do CP);
88.  (Por refª a “E2)”)  -  Desde então e até à data, com relevância  para  o  propósito afirmado, tendo em consideração as alterações, sucessivamente, introduzidas  pelas  Leis  nº 99/2001, de 25 de Agosto e nº 59/2007, de 4 de Setembro, haverá que concluir serem elas absolutamente irrelevantes, no que à factualidade, que aqui está em causa, diz respeito;
89.  (Por refª a “E2)”)  -  Acresce que, tratando-se, no caso que nos ocupa, de menor, com 13 anos de idade (o Assistente AI), não se coloquem, quanto à idade, quaisquer dificuldades, resultantes da su-cessão de leis;
90.  (Por refª a “E2)”)  -  Ora, se assim é, não cabe dúvida que, já no âmbito do Despacho de Pronúncia (itens “6.7.2” e “6.8”), e no que concerne à Arguida, a factualidade aí descrita era enquadrável por mais do que uma norma penal, assim se configurando o chamado concurso aparente “de leis, de tipos de crimes e, portanto, de infracções”;

91.  (Por refª a “E2)”)  -  Já ao tempo da Acusação, a incriminação correspondente era susceptível de reportar-se, quer ao lenocínio de menores (artº 176º), quer ao abuso sexual de crianças (artº 172º);
92.  (Por refª a “E2)”)  -  O critério decisivo para aferição do concurso aparente há-de reportar-se, em última análise, aos bens jurídicos que tutelam as normas jurídicas potencialmente incriminadoras, sendo certo que, num e noutro caso, o que visa proteger-se é “o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual”, a tanto acrescendo o facto de as normas em causa se inserirem, na sistemática do Código Penal, nos “Crimes contra a Autodeterminação Sexual”;
93.  (Por refª a “E2)”)  -  Acresce que, a Jurisprudência, contrariando alguma Doutrina ([2]), vem, reiteradamente, negando a qualidade de “crimes de mão própria” a diversos tipos legais, nomeadamente, ao crime de violação, considerando, quanto a este, que o que está em causa não é a cópula, em si, mas o forçar outrem a mantê-la;
94.  (Por refª a “E2)”)  -  Mutatis mutandis, assim deverá ser entendido, relativamente ao abuso sexual de crianças, ainda que não esteja em causa o constrangimento físico, e/ou psicológico, mas, antes, a violação da incapacidade de autodeterminação sexual da vítima, por força da presunção legal, segundo a qual, o menor de 14 anos de idade é, intelectualmente, insusceptível de, livre-mente, se autodeterminar;
95.  (Por refª a “E2)”)  -  Por outro lado, o facto de a Reforma de 2007, ter excluído da incriminação do crime de Lenocínio de Menores a prática de actos sexuais de relevo, prejudica, porque inútil, a determinação do bem jurídico dominante (nos casos de concurso aparente consumptivo, da lex consumens, ou, da lex consumta), (...) que, com tal exclusão, o concurso de normas precluíu, operando a “repristinação” da norma (antes, artº 172º, ora, 171º, do C. Penal) que, com aquela, concorria;
96.  (Por refª a “E2)”)  -  O Despacho de Pronúncia, adoptando a lógica sistemática da Acusação, reuniu, no Capítulo “6.8”, a descrição do dolo, relativamente, além do mais, aos crimes de lenocínio, imputados aos Arguidos A, N e GN, nos Capítulos “6.2” a “6.7” (cfr. fls. 20.937);
97.  (Por refª a “E2)”)  -  De toda a factualidade descrita na Pronúncia, relativamente à denominada “Casa de (...)”, o Acórdão deu, como provados, tão só, os factos descritos nos Capítulos “6.2.1” e “6.7.2” (um e outro, como se disse, complementados pelo Capítulo “6.8”);
98.  (Por refª a “E2)”)  -  No que ao Capítulo “6.7.2” diz respeito (e de que ora se trata), o Acórdão é absolutamente específico e exaustivo, ao caracterizar o dolo, reportando-se, nos itens “133” e “134”, dos “Factos Provados”, expressamente, aos factos que, justamente, são tratados e dados como provados, nos itens “125” a “125.9” (e não a “125.11”, como, por lapso, se refere, tal como assinalamos, no presente Recurso, em “G4.1)”);
99.  (Por refª a “E2)”)  -  São, assim, de considerar, como preenchidos, todos os elementos, objectivos e subjectivos, do tipo, necessários e suficientes à condenação da Arguida, tendo em conta os factos dados como provados, no Acórdão, relativos ao Capítulos “6.7.2.” e “6.8”, da Pronúncia;
100.  (Por refª a “E2)”)  -  Na verdade, a circunstância de o Tribunal ter dado como provado, quanto aos factos que integram os Capítulos “6.7.2.” e “6.8”, do Despacho de Pronúncia, além do mais, queA arguida Q, ao ceder a utilização da sua casa   nas ocasiões e circunstâncias descritas nos pontos “125.5.” a “125.11” dos factos provados,  sabia que a mesma se destinava a que adultos do sexo masculino ali estivessem com jovens do sexo masculino, admitindo que pudessem ser praticados actos com conteúdo sexual e admitindo que os jovens pudessem ter idades inferiores a 14 e 16 anos e cedeu-a para receber uma contrapartida.” e, ainda, que “A arguida Q agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal.”, impõe que se conclua estarem preenchidos todos os elementos do crime previsto no artº 171º, do C. Penal, relativamente à Arguida Q, em comparticipação com o Arguido H;
101. (Por refª a “E2)”) - Acresce determinar se, sendo comparticipante, a actuação da Arguida Q há-de ser-lhe imputada a título de co-autoria, ou, de mera cumplicidade, à luz do critério que vem sendo afirmado, seja pela Jurisprudência, seja pela Doutrina, como factor distintivo da (co-)autoria e da cumplicidade, segundo o qual, o autor, ao contrário do cúmplice, possui “o domínio do facto”;
102.  (Por refª a “E2)”)  -  A Arguida Q acordou, previamente, a cedência da sua casa, para os fins que, comprovadamente, conhecia e a disponibilização da sua residência, era indispensável para que o Arguido N, residente que era em (...), consumasse o crime pelo qual foi condenado;
103.  (Por refª a “E2)”)  -  A não participação directa, da Arguida Q, na consumação do abuso, não é condição da qualificação da sua conduta, como mera cumplicidade, (...) que cada comparticipante, para que possa ser tido como co-autor, não carece de participar na execução integral dos actos que integram o desígnio acordado;
104.  (Por refª a “E2)”)  -  A factualidade dada como provada, relativamente à Arguida Q e ao segmento de que ora nos ocupamos, levou o Tribunal, não obstante, a absolvê-la, concluindo, ainda assim, que a arguida Q  “agiu por forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal”;
105.  (Por refª a “E2)”)  -  Para além de ter incorrido num claríssimo paradoxo, na medida em que resulta do próprio texto da Decisão recorrida e que traduz uma contradição insanável entre a Fundamentação (no segmento da enumeração dos “Factos Provados”) e o Dispositivo, deu azo ao vício contido no artº 410º, nº 2, b), do CPP, vício esse, no entanto, que, podendo e devendo ser suprido, pelo Tribunal de Recurso, obsta ao reenvio do processo, para novo julgamento, na parte tocante (cfr. artº 426º, nº 1, do CPP);
106.  (Por refª a “E2)”)  -  Todavia, a condenação da Arguida, nos termos em que, por ela, se propugna, não pode deixar de ser precedida de uma comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos do dis(...) no artº 358º, nº 3, do CPP;
107.  (Por refª a “E2)”)  -  Com referência aos factos em apreço, a Arguida vinha pronunciada, além do mais (e para o que ora importa) pela prática de 1 crime de Lenocínio, previsto no artº 176º nºs 1 e 3, do C. Penal (na redacção da Lei 65/98);
108.  (Por refª a “E2)”)  -  Tendo em conta o entendimento que vem de perfilhar-se (a condenação da Arguida pela prática, em co-autoria, de um crime previsto no artº 171º, nº 1, do C. Penal), tal implicará a prévia comunicação da alteração da incriminação, comunicação, essa, que, nos termos do dis(...) no artº 424, nº 3, do CPP, incumbiria, em princípio, ao Tribunal de Recurso proceder;
109.  (Por refª a “E2)”)  -  E dissemos “incumbiria”, (...) que haverá, igualmente (tal como defendemos, infra, em “A1)”, “C1)” e “D1)”), que proceder à comunicação, à Arguida Q, de uma alteração de factos (período temporal descrito no Despacho de Pronúncia, diverso, sem prévia comunicação de alteração do período temporal mais lato, do que foi dado como provado, quanto a este item «“6.7.2”», em sede de Acórdão), nos termos do dis(...) no artº 358º, nº 1, do CPP;
110.  (Por refª a “E2)”) - Daí que, porque entendamos que tal comunicação, podendo dar azo a produção suplementar de prova, a qual, a ocorrer e a ser admitida, deverá ter lugar na Iª Instância, também a esta caberá proceder à comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos do nº 3, do artº 358º, do CPP, o que se impõe, além do mais, por questões de economia e de unidade procedimental;
111.  (Por refª a “E2)”) - Todavia, por mera cautela e condicionalmente, entende-se ser de aplicar à Arguida Q, por comissão, em co-autoria, de 1 crime de abuso sexual de crianças, previsto no artº 172º, nº 1, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, a pena de 3 (três) anos de prisão efectiva;
112.  (Por refª a “E2)”) -  Em conformidade com o referido, igualmente, por mera cautela e condicionalmente, sem prejuízo de poder decidir-se deverem as penas ser aplicadas na Iª Instância, entende-se como adequado que, em resultado do Cúmulo Jurídico das penas parcelares sugeridas em “E1)” e “E2)”, a Arguida seja condenada na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva, (...) não se ter dado como provado qualquer facto, ou circunstância pessoal, que permita compaginar o juízo de prognose favorável que aconselhasse a suspensão da execução da pena;
113.  (Por refª a “F)”)  -  O MºPº discorda do doseamento de algumas das penas parcelares e únicas aplicadas aos Arguidos C, E, H, K e N;
114. (Por refª a “F)”) - No Acórdão, o Tribunal fundamentou a determinação da medida das penas, especificando os motivos pelos quais, seja em sede de prevenção especial, seja quanto às necessidades de prevenção especial, em termos que não nos merecem qualquer reparo;
115.  (Por refª a “F)”)  -  Não se trata, pois, de impugnar o Acórdão, na vertente da correspondente fundamentação, mas, apenas, na subsunção dos pressu(...)s em que assenta, à determinação concreta das penas aplicadas;
116.  (Por refª a “F)”)  -  Os factos provados, seja no que à ilicitude diz respeito, seja no que se prende com a culpa, bem como as condições pessoais, reportadas, umas e outras, a cada um dos Arguidos, não divergem, de entre eles, de forma significativa, disso mesmo dando conta o próprio Acórdão, ao dosear as penas parcelares por obediência a um critério, predominantemente, homogéneo, o que, tão pouco, se questiona;
117. (Por refª a “F)”) -  Todos os Arguidos em causa negaram a prática dos factos, (com excepção do Arguido E, que, pese embora, apenas prestando declarações sobre as suas condições pessoais, todavia, não confessou; tal facto, porque traduzindo o exercício de um direito, não prejudicou o Arguido, sendo certo que, por outro lado, não lhe permitiu colher os dividendos que uma confissão sempre seria susceptível de implicar), o que não dá quaisquer garantias, seja de íntimo arrependimento ((...) que a sua afirmação é barrada pela negação da prática dos factos), seja de conformação futura com o ordenamento jurídico-penal;
118.  (Por refª a “F)”)  -  Todos os referidos Arguidos cometeram os factos num período de tempo muito circunscrito, sendo certo que, não se podendo aferir o conjunto das condutas por uma propensão delitiva específica, estar-se-á um pouco mais além da mera plurioca-sionalidade;
119. (Por refª a “F)”) - Tanto quanto resulta dos respectivos certificados do registo criminal, não tinham antecedentes criminais, à data da prática dos factos, os bens jurídicos violados são, essencialmente, os mesmos e todos eles estão socialmente inseridos;
120. (Por refª a “F)”) - As exigências de prevenção geral são fortíssimas, tanto mais, quanto é certo, que, este caso, despoletou, na comunidade, uma sensibilidade que não o precedia;
121.  (Por refª a “F)”)  -  A discordância que assinalamos prender-se-á, a um tempo, com a  subvaloração da intensidade do dolo, e da ilicitude do facto, e com a consequente tradução na medida das penas, a qual ficou aquém do “quantum concretamente adequado de protecção”, pelo que, em conformidade, fazendo correcta aplicação dos critérios emergentes dos artºs. 71º e 77º, do C. Penal, julgam-se ajustadas as penas (parcelares e únicas) que passam a indicar-se;
122.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDO C :
1.  Com referência  ao Capítulo “4.1.4”, do Despacho de Pronúncia :
            -  1 (um) crime previsto no artº 172º, nº 1 e  2,  do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
-  2.  Com referência  ao Capítulo 4.1.1”, do Des-pacho de Pronúncia :
        - 1 (um) crime previsto no artº 166º, nº 1, do C. Penal, na redacção do DL  49/85, de 15 de Março, entende-se ser de manter a pena aplicada, de 3 (três) anos de prisão;
        -  3.  Com referência  ao Capítulo 4.1.3”, do Despacho de Pronúncia (tendo em conta a condenação por que se propugna, infra, emB1)”, no pressu(...) da respectiva procedência) :
            - 2 (dois) crimes previstos no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos crimes;
Em Cúmulo Jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão;
123.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDO E :
1.  Com referência  ao Capítulo “4.2.1”, do Despacho de Pronúncia :
            a) - 2 (dois) crimes previstos no artº 172º, nºs. 1 e 2,  do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setem-bro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, por cada um dos crimes;  
            b) - 1 (um) crime previsto no artº 175º, nº 1, do C. Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;  
Em Cúmulo Jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
124.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDO H :
- 1.  Com referência  ao Capítulo “6.7.2”/“6.8”, do Despacho de Pronúncia :
- Tendo em conta o entendimento que se perfilha, infra, em “C1)” e “C2)”, no âmbito do presente Recurso, considerar-se-ia  prejudicada, por ora, a possibilidade de nos pronunciarmos, nesta sede, sobre a pena correspondente ao crime em causa.
- Todavia, porque não possa deixar de admitir-se a possibilidade de improcedência, ou de parcial procedência, do que reclama, por mera cautela e condicionalmente, entende-se que a pena aplicada, ao Arguido H, deverá ser agravada para 5 (cinco) anos de prisão.
- 2.  Com referência  ao Capítulo “4.3.1”, do Despacho de Pronúncia :
- 2 (dois) crimes previstos no artº 172º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, por cada um dos crimes;
Em  conformidade com  o  referido em “1.”, igualmente, por mera cautela e condicionalmente, entende-se como adequado que, em resultado do cúmulo jurídico, o Arguido seja condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
125.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDO K :
- 1.  Com referência  ao Capítulo “4.4.2”, do Despacho de Pronúncia :
            - 1 (um) crime previsto no artº 172º, nºs. 1 e 2,  do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (não obstante o que se assinalou em “G2.1)”.
- 2.  Com referência  ao Capítulo “4.4.4”, do Despacho de Pronúncia :
            - 2  (dois)  crimes previstos no artº 172º, nº 1, do C. Penal, na redacção do DL 48/95, de 15 de Março, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes.
- 3.  Com referência  ao Capítulo “4.4.1”, do Despacho de Pronúncia:
- 1 (um) crime previsto no artº 172º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos de prisão;
126.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDO N :
- 1.  Com referência  ao Capítulo “6.2.1”/“6.8”, do Despacho de Pronúncia :
            - 1 (um) crime previsto no artº 172º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- 2.  Com referência  ao Capítulo “6.5.1”/“6.8”, do Despacho de Pronúncia :
            - 1 (um) crime previsto no artº 176º, nº 1, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- 3.  Com referência  ao Capítulo “6.7.2”/“6.8”, do Despacho de Pronúncia :
- Tendo em  conta o  entendimento que se perfilha, infra, em “D1)”, no âmbito do presente Recurso, considerar-se-ia prejudicada, por ora, a possibilidade de, nesta sede, nos pronunciarmos sobre a pena correspondente ao crime em causa.
Todavia, porque não possa deixar de admitir-se a possibilidade de improcedência, ou de parcial procedência, do que se reclama, por mera cautela e condicionalmente, entende-se que a pena aplicada ao Arguido N, deverá ser agravada para 4 (quatro) anos de prisão.
Em  conformidade com  o  referido, igualmente, por mera cautela e condicionalmente, entende-se como adequado que, em resultado do cúmulo jurídico, o Arguido seja condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
 127.  (Por refª a “F)”)  -  ARGUIDA Q :
- 1.  Com referência  aos Capítulos “6.2.1”/“6.8” e “6.7.2”/“6.8” , do Despacho de Pronúncia :
- Tendo em  conta o  entendimento que se perfilha, infra,  em “E1)” e “E2)”, no âmbito do presente Recurso, considerar-se-ia prejudicada a possibilidade de, nesta sede e, desde já, nos pronunciarmos sobre a pena correspondente ao crime em causa.
Todavia, porque não possa deixar de admitir-se a possibilidade de parcial procedência, do que se reclama, por mera cautela e condicionalmente, entende-se ser de aplicar à Arguida Q, por comissão, em co-autoria, de 2 crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artº 172º, nº 1, do C. Penal, na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro, a pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um dos referidos crimes.
Em  conformidade com  o  referido, igualmente, por mera cautela e condicionalmente, entende-se como adequado que, em resultado do Cúmulo Jurídico, a Arguida seja condenada na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva, (...) não se ter dado como provado qualquer facto, ou circunstância pessoal, que permita compaginar o juízo de  prognose favorável que aconselhasse a suspensão da execução da pena;
128.  (Por refª aos Capítulos “G1.1)” a “G5.2”)  -  (...) que todos os itens assinalados se reportam a erros, lapsos, ou obscuridades, para os quais se propôs a correspondente correcção/aclaração, nos termos do dis(...) no artº 380º, do CPP, por forma que não se veja como mais sucinta possa ser  - tendo em conta a própria natureza do que se impõe que sejam as Conclusões -, permitimo-nos, nesta sede, e no que aos referidos itens diz respeito, dar aqui por integralmente reproduzidos os respectivos conteúdos e proposta, assim se evitando a sua inútil e desgastante repetição;
129.  (artº 412º, nº 2, b) e c), do CPP)  -  No âmbito e ao longo das Conclusões que vêm de formular-se, o MºPº, tal como lhe é im(...) pela sua condição de Recorrente, e ao abrigo do dis(...) nas b) e c), do artº 412º, do CPP, indicou já, quer o sentido em que, no seu entender, “o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada”, bem como, nos casos em que entendeu ter havido “erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”;
130.  (artº 412º, nº 2, a), do CPP)  -  Dando cumprimento ao dis(...) na a), do nº 2, da referida norma, considera-se terem sido violados os artºs. 26º, 28º, nº 1, 30º, nº 1, 71º, 77º, nº 1, 166º, nºs. 1 e 2, 171º (antes, 172º), nºs. 1 e 2, 175º (antes, 176º), todos do Código Penal, bem como os artºs  358º, nºs. 1 e 3, com referência à nulidade prevista no artº 379º, nºs. 1, b) e 2, e nº 3, do artº 410º, nº 2, b), do artº 410º, com referência ao artº 426º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
Por todo o ex(...), provido que seja o presente Recurso, propugna-se pela aplicação dos procedimentos que se deixaram expressos, no segmento em que tal implique a baixa do processo à Iª Instância, sem prejuízo de no mais, e desde já, se decidir, relativamente a todas as restantes questões suscitadas.” (fim de transcrição)
2. Responderam a AX e demais assistentes alegando que “nada têm a dizer para contrariar as doutas alegações do Ministério Público que, na íntegra, sufragam.”
3. Respondeu o arguido C concluindo:
1. No que ao Recorrido C respeita, o recurso inter(...) pelo Ministério Público incide: i) sobre o segmento do Acórdão em que se deliberou a absolvição daquele pelos dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos e puníveis (p. e p.) nos termos do art.º 166.º, nrs. 1 e 2 do CP, no que respeita aos factos que lhe eram imputados sob o n.º 4.1.3 do despacho de pronúncia (relativos ao Assistente Y), e; ii) sobre a medida concreta da pena aplicada ao Recorrido no que tange ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do art.º 172.º, nrs. 1 e 2[3] do CP (relativo ao Assistente AI) e consequente alteração da pena única resultante do cúmulo jurídico.
O recurso do Ministério Público é, por expressa opção do Recorrente, circunscrito a matéria de direito.
Porém, o Recorrido C interpôs ele próprio recurso do Acórdão, versando matéria de facto, razão pela qual, de harmonia com o dis(...) no art.º 414.º, n.º 8 do CPP, todos os recursos serão apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Em tal recurso, o ora Recorrido C não impugnou a matéria de facto assente como provada sob os nrs. 102 a 103.20 (factos enumerados sob o n.º 4.3.1 do despacho de pronúncia, atinentes aos su(...)s abusos perpetrados sobre o Assistente Y relativos aos episódios do (…) e de (…)).
Nem o poderia ter feito, já que nesse segmento decisório não houve decisão desfavorável ao ora Recorrido, o que, por falta de legitimidade e de interesse em agir, lhe vedou a possibilidade de, nessa parte, interpor recurso, nos termos do dis(...) no art.º 401.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 do CPP.
Mas tal não significa que, em virtude da interposição de recurso por parte do Ministério Público[4], recurso esse restrito a matéria de direito, fique agora o Recorrido C impossibilitado de, na resposta, impugnar a matéria de facto na qual se louva o Ministério Público para sustentar o pedido da sua condenação pela prática dos supra mencionados crimes.
Desde logo porque a decisão absolutória não transitou em julgado.
Por outro lado porque, nestas circunstâncias, a limitação da resposta do Recorrido C às questões de direito suscitadas pelo Recorrente conduziria à inutilização prática da possibilidade de recurso relativamente à decisão da matéria de facto, o que contraria frontalmente a garantia de um duplo grau de jurisdição, constitucionalmente consagrada no art.º 32.º, n.º 1 in fine da CRP.
Na verdade, caso viesse a ser concedido provimento ao recurso a que ora se responde – o que se concebe tão só a benefício de raciocínio – a decisão da matéria de facto da 1.ª Instância, que o Recorrente não impugna, fundamentaria uma ulterior decisão de condenação que não teria sido sindicada por qualquer instância de recurso.
Sob outra perspectiva, também se afigura inadmissível que, através da restrição do recurso a matéria de direito, o Recorrente procure prevalecer-se de decisão da matéria de facto que lhe seja total ou parcialmente desfavorável, dessa forma tolhendo ao Recorrido a possibilidade de impugnar a decisão de facto, da qual não poderia, ab initio, recorrer.
Tal hipótese equivaleria a uma fixação atrabiliária do objecto do recurso por parte do Recorrente, o que, manifestamente, é contrário ao dis(...) nos arts. 402.º e 403.º do CPP.
Assim, e por mera cautela, desde já argui o Recorrido a inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 401.º, nrs. 1 e 2, 402.º, n.º 1, 403.º, n.º 1 e 413.º, n.º 1, todas do CPP, se interpretadas com o sentido de, não assistindo ao recorrido legitimidade para recorrer de decisão que lhe foi favorável (maxime de decisão absolutória) e inter(...) recurso pelo sujeito processual a quem tal decisão desfavorece, restrito à matéria de direito, não ser possível ao recorrido, na sua resposta, impugnar a decisão sob recurso na sua totalidade (abrangendo, também, a matéria de facto), por violação do princípio da igualdade das armas e do direito ao recurso, decorrentes, respectivamente, dos arts. 13.º e 32.º, n.º 1 in fine da CRP.
Sublinhe-se que o Recorrido C sempre negou a totalidade dos factos que lhe são imputados e não se conforma em deduzir a sua defesa, agora em sede de recurso, com fundamento em estritas razões de direito.
Por essa razão, os considerandos que seguidamente se expenderão no sentido da demonstração da improcedência do recurso, na medida em que se sustente o bem fundado da decisão recorrida no que respeita à subsunção dos factos ao direito, não deverão em caso algum ser tomados como um reconhecimento da prática de tais factos por parte do ora Recorrido, prática que este sempre negou peremptoriamente ao longo do processo e que agora novamente repudia.
O Recorrente Ministério Público, na tese que sustenta na sua motivação, incorre em errada interpretação do tipo penal aqui em causa, vertido no art.º 166.º do CP.
E incorre também em deficiente entendimento dos fundamentos que, no Acórdão em apreço, conduziram à absolvição daquele no que aos dois crimes em causa respeita.
A improcedência do recurso, restrito que se encontra este à matéria de direito, resulta, com cristalina evidência, dos próprios termos em que o Recorrente enuncia a questão controvertida, começando por aludir aos factos provados e não provados e ao texto do tipo penal constante do art.º 166.º do CP.
Na decisão da matéria de facto consignou-se, entre os factos não provados, o seguinte: “21.6. O arguido C praticou todos os factos descritos aproveitando-se da sua qualidade de funcionário da AX e da autoridade que lhe conferia o facto de ser (...)-(...) da Instituição, pretendeu valer-se e valeu-se da reverência;” (Cfr. a p. 235 do Acórdão)
Assim, não tendo resultado provado este facto, enunciado na Pronúncia – pelo contrário, tal facto foi julgado como não provado – não se verifica o preenchimento de um elemento do tipo objectivo do crime em causa, qual seja: o aproveitamento das funções ou do lugar pelo agente do crime no cometimento do facto.
E, sem ter impugnado a decisão da matéria de facto, não pode o Recorrente propugnar a condenação do Recorrido C, uma vez que, mantendo-se inalterado o facto não provado constante do n.º 21.6, qualquer decisão condenatória pelo crime de abuso sexual de pessoa internada incorreria no vício previsto no art.º 410.º, n.º 2 al. a) do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [sendo igualmente concebível a verificação do vício a que alude a al. b) do mesmo preceito, já que, mantendo-se inalterado o julgamento de tal facto como não provado, daí inevitavelmente resultaria contradição insanável entre a fundamentação e a decisão].
Tanto bastará, singelamente, para que o recurso deva, nesta parte, ser julgado improcedente.
O Recorrente Ministério Público intenta, não obstante, demonstrar que a decisão procedeu a uma errada interpretação do tipo incriminador em causa, constante do art.º 166.º do CP.
Em concreto, invoca que o entendimento subjacente à decisão absolutória assenta na consideração de um elemento típico inexistente quer na letra quer no espírito do preceito legal: a incapacidade de resistência da vítima relativamente “ao agente directo do crime”(sic).
Ora, da simples leitura da fundamentação daquele trecho decisório do Acórdão, facilmente se depreende que as razões da conclusão pelo não preenchimento do tipo constante do art.º 166.º não se resumem à apontada pelo Recorrente.
Da leitura do trecho a pp. 1618 e s. do Acórdão sob recurso decorre, com toda a evidência, que o Tribunal a quo: i) não fundamentou exclusivamente a decisão numa pretensa incapacidade de resistência vítima, e; ii) longe de omitir qualquer referência à não prova do elemento consistente no aproveitamento do cargo ou lugar, expressamente convoca o facto constante do n.º 21.6 dos factos não provados na fundamentação.
O correcto entendimento da fundamentação da decisão recorrida, no que respeita à conclusão pelo não preenchimento do tipo objectivo do crime previsto no art.º 166.º do CP, só logrará desde logo alcançar-se tendo presente os pontos 21.1., 21.6, e 21.7 dos factos não provados, a pp. 234 e s. do Acórdão.
Deste núcleo de factos não provados em julgamento, sem que a decisão recorrida tenha dado preponderância a algum deles em detrimento dos outros, resulta claro o fundamento da absolvição do Recorrido.
Tão pouco procede a crítica, também invocada pelo Recorrente, de que o Tribunal a quo teria incorrido numa confusão interpretativa entre os elementos típicos do crime de abuso sexual de pessoa internada com os do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. nos termos do art.º 165.º do CP.
A doutrina tem entendido, com acerto, que o bem jurídico protegido pelo tipo incriminador em referência é a livre determinação sexual do internado ou a independência sexual da pessoa internada.
Certo é que, inequivocamente, o tipo objectivo do crime exige uma relação fáctica entre o agente do crime e a vítima, assente no denominador comum às diversas espécies enunciadas no tipo, de que o primeiro exerça funções ou detenha lugar em algum dos estabelecimentos ali referenciados e de que a vítima nele se encontre internada.
Esta particularidade, assente na relação de poder que, nos estabelecimentos da natureza dos elencados na norma, se estabelece entre quem neles exerce funções e quem ali se encontra internado é que constitui o fundamento e também o limite da tutela penal outorgada através da incriminação do abuso sexual de pessoa internada.
Daqui decorrem, porém, consequências dogmáticas no que respeita à interpretação do tipo e à delimitação dos comportamentos puníveis, defendendo a melhor doutrina a rigorosa interpretação restritiva do próprio preceito, especialmente na medida em que tal relação de poder, atenta a natureza dos estabelecimentos e o grau de dependência que daí decorra para as pessoas ali internadas se vá atenuando ou esbatendo.
E importará ter em atenção a natureza tipicamente relevante da relação estabelecida entre o agente do crime e a vítima, que se prende com a interpretação do elemento do tipo objectivo que exige que a pessoa internada esteja de qualquer modo confiada àquele ou se encontre ao seu cuidado.
Também neste domínio a doutrina tende a ser especialmente rigorosa, salientando que tal relação deve ser de natureza factual efectiva, deve traduzir-se num relacionamento pessoal minimamente reiterado entre o agente e a vítima, não sendo bastante que o primeiro se encontre institucionalmente vinculado, a qualquer título, ao estabelecimento de internamento.
O Acórdão recorrido nem sequer sufragou uma interpretação tão restritiva da norma em apreço.
Esta conclusão é patente quer no que se refere à natureza da AX como estabelecimento de ensino com internato de alunos (de “internato massificado”) e às relações de poder que daí emergiam, quer, por exemplo, no que respeita ao local da prática do crime, que admitiu, com assinalável latitude, poder ocorrer fora dos limites espaciais dos estabelecimentos de internamento, de ensino ou de lazer da AX (conforme decorre do que na decisão recorrida se consignou a pp. 1616 e ss.).
Não se vislumbra na fundamentação da decisão absolutória qualquer confusão entre os elementos típicos do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. no art.º 165.º do CP e o crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto no artigo seguinte daquele diploma legal.
Na verdade, a incapacidade de opor resistência que caracteriza o crime previsto no art.º 165.º do CP radica em motivos de ordem psíquica ou física que são atinentes à pessoa da vítima (e, nesse sentido, independentes de uma prévia relação entre esta e o agente do crime, que poderá ser qualquer pessoa ao invés do que sucede no crime de abuso sexual de pessoa internada), sendo que tal incapacidade poderá ser ocasional ou permanente.
Diverso é o caso em que se encontra a vítima no crime de abuso sexual de pessoa internada, em que, não estando em causa uma incapacidade psíquica ou física de opor resistência, se verifica uma situação de dependência desta ante o agente do crime, que é susceptível de condicionar a sua liberdade e autodeterminação sexual, mas que decorre da relação de poder a que a vítima se encontra sujeita em razão do internamento.
Essencial à prova do elemento aproveitamento, consagrado no tipo objectivo do crime previsto no art.º 166.º, é, pois, “(…) que se prove que foi a dependência física ou psíquica da vítima originada pelo seu internamento que conduziu à sua não resistência ao facto” (cfr. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit. p. 487).
Ora, conforme se lê no Acórdão sob recurso: (…) é necessário, contudo, nestas situações, que se verifique que a "medida de dependência sexual" susceptível de ser criada seja forte - tal como a doutrina exige para as situações ocorridas nos hospitais ou estabelecimentos prisionais - e que se verifique uma diminuição da possibilidade da vítima opor resistência, decorrente de uma dependência psíquica (relevante), pessoal, que a vítima tenha criado em relação ao funcionário "agressor", por causa e no contexto do internamento. Aproveitando-se o funcionário desse facto. (…) Sucede que, no caso concreto, face à matéria de facto que resultou nos pontos "21." a "21.7." dos factos não provados (…) não podemos concluir que, na situação concreta, existiu a especial relação de dependência, proximidade, pessoal (…)” (cfr. p. 1618 e s. do Acórdão). 
Em suma: i) nem confusão alguma se verifica, na decisão sob recurso, entre os elementos do tipo objectivo do crime de abuso sexual de pessoa internada e os do crime do art.º 165.º do CP; ii) nem o Tribunal a quo omite, na fundamentação da decisão absolutória, qualquer referência à falta de prova do elemento típico consistente no aproveitamento das funções ou do lugar por parte do ora Recorrido. 
O Recorrente aduz ainda uma segunda linha argumentativa, através da qual procura construir uma hipótese de comparticipação criminosa susceptível de sustentar a condenação do Recorrente, fazendo-o, uma vez mais, sem impugnar a decisão da matéria de facto.
Visa, dessa forma, contornar o insuperável escolho que constitui o facto não provado sob o n.º 21.6, chegando ao ponto de afirmar – contra toda a evidência – que o Tribunal a quo afinal deu como provado o aproveitamento por parte do Recorrido.
Segundo essa tese, pretende-se que o Recorrido C teria exercido o aproveitamento da função ou do lugar por intermédio do Arguido A, prevalecendo-se da especial relação que este mantinha com o Assistente Y e da imagem de autoridade e do dever de obediência que aquele Arguido neste último inspirava. O facto não provado sob o n.º 21.6, à luz desta “nova leitura” sugerida pelo Recorrente, deveria tão só ser entendido com o sentido de não ter resultado provado “(…) o aproveitamento directo e imediato do Arguido C [o aqui Recorrido], sobre o menor Y” (cfr., a p. 23 da motivação do recurso – destaque no original).
Uma primeira objecção que se pode dirigir a esta tese é a de que a mesma assenta na premissa de que a decisão recorrida só absolveu o Recorrente por ter entendido que a sua conduta não gerou a incapacidade de o Assistente opor resistência ao abuso, tendo a fundamentação omitido qualquer referência à não prova do aproveitamento, consignada sob o facto não provado n.º 26.1, que o Recorrente expressamente apoda de “dispensável” e “susceptível de interpretação equívoca” (cfr., novamente, a p. 23 da motivação do recurso).
Uma segunda objecção, de índole substancial, resulta de o Recorrente, tendo em vista sustentar uma situação de comparticipação criminosa entre o Recorrido e o Arguido A no cometimento dos factos ora em apreço, não especificar precisamente que forma de comparticipação tem em vista (co-autoria, autoria mediata, instigação, cumplicidade).
Mais do que isso, não deixa de sublinhar que o Arguido A, pelo mesmo núcleo de factos, foi condenado (e bem, na óptica do Recorrente) pela prática de dois crimes de lenocínio (cfr. a p. 13 da motivação do recurso).
Ora, se o Arguido A foi condenado pela prática de crime autónomo – de lenocínio – diverso do crime de abuso sexual de pessoa internada, precisamente pelos mesmos factos em que se pretende que este tenha comparticipado, com o Recorrido C, na prática deste último crime, então o Recorrente deveria, para ser coerente com a tese que sustenta, pretender a alteração da condenação do Arguido A pelo crime do lenocínio para o crime de abuso sexual de pessoa internada (o qual está em relação de concurso aparente, na modalidade de consumpção, com o crime de lenocínio).
As dúvidas adensam-se ainda mais quando o Recorrente invoca o art.º 28.º do CP, sustentando que as “especiais relações” existentes entre o Arguido A e o Assistente Y se transmitiriam ao Recorrido C.
É certo que: “[O] crime de abuso sexual de pessoa internada é um crime específico próprio, uma vez que a ilicitude depende de uma qualidade especial do agente (ocupar uma função ou um lugar no estabelecimento)” [cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal, cit., p. 19, anot. 22 (destaque no original, sublinhado nosso).] 
O que caracteriza este crime não é, pois, uma relação especial, mas sim uma qualidade especial, categorias que, por serem substancialmente diversas, a letra do art.º 28.º, n.º 1 do CP distingue pela disjuntiva ou. 
Relação especial do agente existirá, por exemplo, no homicídio qualificado pela relação de parentesco entre este e a vítima [cfr. o art.º 132.º, nrs. 1 e 2 al. a) do CP]. E qualidade especial verificar-se-á, por exemplo, no crime de prevaricação de advogado ou de solicitador, o qual só poderá ser cometido por agentes que detenham alguma daquelas condições profissionais (cfr. o art.º 370.º do CP). 
No caso sub judice quer o Recorrido C quer o Arguido A reúnem a qualidade especial tipicamente relevante para o crime em causa: ambos eram funcionários da AX, instituição onde o Assistente Y se encontrava internado.
Assim, um e outro são intraneus, porque em ambos se verifica a qualidade exigida pelo tipo incriminador constante do art.º 166.º do CP e que delimita o círculo dos possíveis agentes deste crime.
O Recorrente Ministério Público incorre numa confusão entre o que seja qualidade especial do agente e relação especial do agente, o que, pela base, inquina todo o seu raciocínio.
É certo que o aproveitamento, enquanto elemento do tipo objectivo deste crime, implicará uma relação fáctica entre o agente e a vítima – como supra se assinalou – mas essa relação não é, em si, tipicamente relevante enquanto dissociada do elemento aproveitamento.
E muito menos é essa relação que caracteriza o crime enquanto crime específico próprio. Isso decorre de uma qualidade do agente: a de exercer função ou deter lugar no estabelecimento de internamento da vítima.
A relação pessoal que se estabelece entre o agente do crime e a vítima é, assim, um pressu(...) do elemento típico aproveitamento, mas não é, a se, tipicamente relevante, muito menos para delimitar o círculo da autoria do crime.
Uma última objecção à tese de comparticipação sustentada pelo Recorrente – embora sempre na ignorância quanto à espécie que se teve em vista no recurso – resulta da qualificação, defendida pela melhor doutrina, do crime de abuso sexual de pessoa internada como crime de mão própria, categoria de crimes que não admite a co-autoria, a autoria mediata e a instigação..
A tudo sempre acresceria que, a configurar-se uma qualquer situação de comparticipação entre o Recorrente e o Arguido A no que respeita ao cometimento dos crimes de abuso sexual de pessoa internada ora em apreço, os factos que a consubstanciassem deveriam ter sido integrados no objecto do processo, fosse por constarem da Pronúncia – o que corresponderia à normalidade dos casos – fosse por via de uma alteração de factos, ex vi do dis(...) nos arts. 358.º ou 359.º do CPP, determinada em sede de julgamento.
Manifestamente, nada disto ocorreu no caso vertente, o que constitui mais uma razão que decisivamente milita no sentido da improcedência do recurso.
De resto, o Recorrente não se terá apercebido que ao pretender a condenação do Recorrido C por um dos dois crimes supostamente praticados sobre o Assistente Y estaria – caso o recurso fosse provido – a fazer incorrer a decisão que assim viesse a ser tomada em nulidade idêntica às que aponta ao Acórdão em recurso, sob as epígrafes A1), C1) e D1) da motivação que apresenta (cfr., respectivamente, as conclusões 1 a 7, 30 a 35 e 40 a 46).
No que se refere ao segundo daqueles crimes (…), relativamente às circunstâncias de tempo, o Tribunal a quo deu como factos provados os constantes dos nrs. 103.8, 103.9 e 103.10.
Especificamente, quanto ao ponto 103.9: “Assim, em dia em concreto não determinado, entre o mês Novembro de 1999 e Janeiro de 2000, tinha o menor 13 anos de idade, o arguido A dirigiu-se-lhe, no pátio do (...) e mandou-o ir ter consigo à garagem, onde lhe disse para entrar na sua viatura”.
E, entre os factos não provados, consignou o seguinte: “21.4. Os factos descritos no ponto 103.9 dos factos provados, ocorreram num sábado.”
Ora, a situação que vem de se descrever é em tudo idêntica àquelas que – bem, do ponto de vista do ora Recorrido – levaram o Ministério Público a arguir a nulidade do Acórdão, ex vi do dis(...) no art.º 379.º, n.º 1 al. b) do CPP, por violação do preceituado no art.º 359.º do mesmo diploma legal.
À semelhança do que sucedeu nas situações enunciadas no recurso do Ministério Público, também no que tange a este crime não foi comunicada ao Recorrido C, em audiência de julgamento, qualquer alteração não substancial dos factos.
Assim, no caso de eventual procedência do recurso – que por mera hipótese se concebe – outra possibilidade não haverá que não seja a propugnada pelo aqui Recorrente a respeito das apontadas nulidades do Acórdão: “a baixa do processo à 1.ª Instância, por forma a dar cumprimento ao art.º 358.º, n.º 1 do CPP, e termos subsequentes” (cfr. as conclusões que enunciou sob os nrs.7, 35 e 46)
- A título subsidiário (caso sejam julgadas insubsistentes as razões supra aduzidas no sentido da improcedência do recurso): quanto à matéria de facto provada sob os nrs.102 a 103.20 do Acórdão recorrido.
Como de início se alegou, não pode o ora Recorrente conformar-se com a inviabilização prática do seu direito de recorrer da decisão de matéria de facto no que respeita à matéria descrita sob o n.º 4.1.3. do despacho de pronúncia, na parte correspondente aos nrs. 102 a 103.20 dos factos provados (cfr., p. 144 a 147 do Acórdão recorrido).
Liminarmente, note-se que o Tribunal a quo deixa transparecer, na fundamentação, algumas reservas quanto à decisão de considerar o factos supra descritos como provados, o que é patente no seguinte trecho: “18.2. Quanto aos factos que o Tribunal deu como provados no ponto 4.1.3. do despacho de pronúncia, a convicção do Tribunal assentou nas declarações de Y - que para o Tribunal tiveram uma linearidade de discurso, coerência intrínseca quando sujeito ao apertado contraditório. Y não mostrou ao Tribunal conhecer o arguido C de forma próxima, ou sabendo mesmo, nessa altura, que era (...) (...) da AX, prestou as suas declarações de forma que aparentou se sincera e expressiva. Não demonstrou ser uma pessoa elaborada, antes demonstrou alguma simplicidade na forma de expressão e compreensão. Mas as declarações do arguido A corroboraram, no caso concreto, os factos narrados pelo assistente. (Cfr. p. 1438 do Acórdão recorrido.)
Na verdade, na sessão da audiência de julgamento de 6 de Fevereiro de 2006 (cfr., a respectiva acta, de fls. 36.566 e ss., a fls 36569 a 36 573), o Assistente foi, ao abrigo do dis(...) no art.º 356.º, n.º 3 al. b) do CPP, confrontado com as declarações que havia prestado perante a Mma. Juíza de Instrução (cujo auto consta de fls. 19149 a 19151). Tais declarações foram-lhe parcialmente lidas, e o Assistente teve ocasião de ler o respectivo auto.
Ora, quando convidado a explicar tais declarações e a justificar as razões de tamanha divergência quanto aos factos constantes da pronúncia (que parcialmente resultaram provados), o Assistente Y refugiou-se na falta de memória! (O que resulta patente das suas declarações, registadas no CD1, 1ª, 2ª e 3ª faixa e CD2, 1ª e 2ª faixa; CD3, 1ª e 2ª faixa – cfr. acta da sessão da audiência de julgamento de fls. 36.566 e ss.).
O outro vício que se aponta à fundamentação prende-se com a relevância probatória que o Tribunal a quo atribuiu às declarações prestadas em audiência de julgamento pelo Arguido A, que expressamente convoca como elemento decisivo de corroboração da versão dos factos (e das declarações) do Assistente Y.
Se bem se atentar no teor das declarações do Arguido A, facilmente se conclui que delas não resultará corroboração alguma.
Efectivamente, o que relatou em audiência – pela forma e no momento em que o fez – limitou-se, no que ao ora Recorrido releva, a “reproduzir” o que lhe teria sido contado pelo próprio Assistente Y.
Na verdade, o Arguido A nunca afirmou ao Tribunal que o Recorrido lhe pedira que lhe levasse alunos fosse a que local fosse para com eles manter contactos de natureza sexual. Como também nunca declarou ter visto o Recorrido em qualquer dos locais para onde reconheceu ter transportado alunos e onde estes teriam sido sujeitos a abusos sexuais, limitando-se a dizer que, em alguns casos, os Assistentes (e, no que aqui releva, o Y) lhe contaram que ele estava lá.
Assim, quanto à intervenção do Recorrido nos factos que lhe são imputados, as declarações do Arguido A não traduzem o relato de factos que este tenha, pessoal e directamente, presenciado. Constituem, ao invés, um discurso em segundo grau, um relato daquilo que supostamente lhe terá sido contado pelo Assistente Y.
Em suma, as declarações prestadas em audiência pelo Arguido A nada de atendível acrescentam à prova por declarações do Assistente, uma vez que se limitam ao relato daquilo que este Arguido lhes terá ouvido contar a propósito dos factos em que implica o ora Recorrido. Traduzem, nitidamente, um depoimento indirecto ou “de ouvir dizer” de nulo valor probatório.
Haverá que ter presente que a prova por declarações do arguido obedece, no que ao thema probandum respeita, ao dis(...) no art.º 128.º, n.º 1 do CPP (para o qual remete o art.º 140.º, n.º 2), devendo o depoimento incidir sobre factos de que o depoente “possua conhecimento directo”. Consabidamente, porém, o regime legal deste meio de prova é distinto do da prova testemunhal, como desde logo resulta da estrutura sistemática do Título II (“Dos meios de prova”) do Livro III do CPP, na qual as regras atinentes à prova testemunhal correspondem ao Capítulo I e as respeitantes à prova por declarações do arguido, do assistente e das partes civis é inserida no Capítulo II.
A norma constante do art.º 129.º do CPP (“Depoimento indirecto”) não é aplicável ao depoimento indirecto de arguidos. Desde logo por força de um argumento literal, qual seja o de, no art.º 140.º, n.º 2 do CPP – que rege em matéria de declarações do arguido – não haver remissão para o art.º 129.º, remetendo-se expressamente e apenas para o art.º 128.º, que consagra o princípio geral segundo o qual o depoimento deve traduzir o conhecimento pessoal e directo do depoente acerca dos factos que constituem o objecto da prova.
Por outro lado, o carácter de norma excepcional de que se reveste o art.º 129.º do CPP impede a sua aplicação analógica a outros meios de prova por declarações que não a prova testemunhal.
Assim, não se revestirá de valor probatório algum o depoimento indirecto de um arguido acerca do que ouviu dizer a um assistente: “(…) não vale como meio de prova: 1. o depoimento indirecto de arguido sobre o que ouviu dizer a co-arguido, um assistente, uma parte civil, uma testemunha ou perito (…)” (cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in Comentário do Código de Processo Penal cit., a pp. 347 e s., nota 10.)
Ao valorar, em sede de apreciação crítica da prova, as declarações prestadas pelo Arguido A na parte em que lhes confere relevância como meio de corroboração do depoimento prestado pelo Assistente Y, o Tribunal a quo violou o dis(...) nos arts. 125.º, 128.º, n.º 1, 129.º (por inaplicável) e 140.º, n.º 2, todos do CPP. A utilização, na fundamentação da decisão, de prova proibida, constitui causa de nulidade desta, ex vi do dis(...) no art.º 379.º, n.º 1 al. c) do CPP.
Termos em que deverá ser declarado sem qualquer valor probatório o depoimento do Arguido A, na parte mencionada na fundamentação da decisão da matéria de facto que se refere à prova dos factos constantes dos nrs. 102 a 103.20 dos factos provados (enquanto meio de corroboração das declarações do Assistente Y), nos termos descritos a pp. 1437 a 1440 do Acórdão recorrido, com a consequente nulidade do mesmo, ex vi do dis(...) no art.º 379.º, n.º 1 al. c) do CPP.
O que vem de se sustentar decorre estritamente da análise do teor literal do Acórdão sob recurso, sem necessidade de confronto entre este e quaisquer outros elementos dos autos. Quer isto significar que a suscitada nulidade do Acórdão pode e deve ser conhecida por esse Venerando Tribunal, nos termos do dis(...) no art.º 410.º, n.º 3 do CPP.
Ou, em alternativa, que, dando-se sem qualquer efeito a prova resultante das declarações do Arguido A, se altere a decisão da matéria de facto do Acórdão recorrido, julgando-se como não provados os factos constantes dos nrs. 102 a 103.20 dos factos provados (de pp. 144 a 147 do Acórdão recorrido).
Pretende o Recorrente Ministério Público o agravamento da pena concreta aplicada ao Recorrido na sua condenação pelo crime de abuso sexual de crianças, (relativo ao Assistente AI), da pena de 4 anos e 6 meses para a pena de 5 anos de prisão.
No recurso, porém, alegando razões de ordem genérica, não permite descortinar qual a razão que fundamenta a sua discordância relativamente à pena concretamente aplicada ao Recorrido no Acórdão sob recurso.
O ora Recorrido – como se alegou – pede, no recurso que interpôs do Acórdão em apreciação, a absolvição da prática daquele crime e, a título subsidiário e pelas razões que ali fundamentadamente aduziu, a redução da pena que lhe foi aplicada. Por esse motivo, brevitatis causa, remete e dá por integralmente reproduzido na presente resposta tudo quanto alegou sobre aquela matéria sob o ponto V. da sua Motivação de recuso, de pp. 205 e ss.” (fim de transcrição)
4. Respondeu o arguido E alegando que:
“A fls 68453 a 68455, o Ministério Público pugna pela aplicação ao recorrido de penas superiores às que lhe foram aplicadas.
Invoca para tal, genericamente, a subvaloração da intensidade do dolo e da ilicitude do facto e que as exigências de prevenção geral são fortíssimas.
Fica-se por tais generalidades sem as reportar aos factos em relação aos quais o recorrido foi condenado, faltando a motivação do recurso.
Quanto às exigências de prevenção geral, invoca que “este caso despoletou, na comunidade, uma sensibilidade que não o precedia.”
Tal sensibilidade não foi despoletada nem desenvolvida pelo recorrido e o que está em causa não é “este caso” mas os crimes pelos quais o recorrido foi condenado. E a invocada sensibilidade do “caso” despoletada na comunidade funciona, por si mesma, como prevenção geral, não podendo contribuir para a plicação de penas mais graves.
Contrariamente ao alegado pelo Ministério Público, a fls 68453, a medida das penas aplicadas ao recorrido não ficou aquém do quantum concretamente adequado de protecção. Foi muito além do adequado, que, como o recorrido demonstrou no recurso por si inter(...), impunha, se estivessem provadas – e não estão – os factos em relação aos quais foi condenado, a atenuação especial das penas aplicáveis e a suspensão da sua execução.
Nestes termos e sobretudo pelo que doutamente será suprido, deve ser negado provimento ao recurso, sem confirmação da medida das penas aplicadas ao recorrido.”
5. Respondeu o arguido K, em conjunto ao recurso do MP e dos assistentes, concluindo da forma seguinte:
A) A Resposta que é apresentada recai sobre a parte do recurso do Ministério público identificada sob a alínea F) “Da Medida (de algumas) das Penas Parcelares e Únicas, alínea G) 2 e sobre o recurso apresentado pela assistente AX.
B) Ao abrigo do dis(...) no artigo 412º nº 5 ex vi o dis(...) no art. 413º nº 4 ambos do C.P.Penal, o arguido reitera a manifestação de interesse no julgamento dos recursos retidos que a seguir identifica:(…)
C) Quanto ao Recurso inter(...) pelo Ministério Público: no que ao arguido K respeita, este não se conformou com a concreta medida das penas parcelares e da pena única que lhe foram aplicadas, por discordar do doseamento efectuado, entendendo ter sido subvalorada a intensidade do dolo, e da ilicitude do facto, com a consequente tradução na medida das penas, a qual ficou aquém do “quantum concretamente adequado de protecção”.
D) Em conformidade com tal entendimento, pugna o Ministério Público que, fazendo-se uma correcta aplicação dos critérios emergentes dos artºs. 71º e 77º, do C. Penal, seriam ajustadas as seguintes penas (parcelares e únicas):com referência ao Capítulo “4.4.2”, do Despacho de Pronúncia na pena de 5 (cinco) anos de prisão, ao Capítulo “4.4.4”, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos crimes e com referência ao Capítulo “4.4.1”,na pena de 5 (cinco) anos de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
E) Não assiste razão ao Ministério Público, tendo o Tribunal a quo errado também no que à determinação das penas respeita, mas por ter sobrevalorizado ou sobrevalorado a intensidade do dolo, e em algumas situações ter errado na sua qualificação, (...) que seria evidente que os comportamentos deveriam ter sido punidos não a título de dolo directo mas a título de negligência ou a título de dolo eventual, e da ilicitude dos factos.
F) O Tribunal aplicou ao arguido penas unitárias exageradamente excessivas, o que foi devidamente alegado pelo arguido no recurso apresentado, com as fundamentações ali expressas que aqui tem como reproduzidas.
G) Apesar de manifestar a sua inconformidade com as penas aplicadas, o Ministério Público é incapaz de revelar/fundamentar os concretos factos que revelam uma maior intensidade do dolo ou do maior grau da ilicitude, ou porque considera 8 (oito) anos como o quantum concretamente adequado de protecção, o que a acontecer em resposta ao requerido pelo Ministério Público, efectivamente tratar-se-ia de uma arbitrariedade, e já não os 7 (sete) anos que foram efectivamente aplicados operado o cúmulo jurídico.
H) Não foram especificados os factos concretos que expressariam a alegada intensidade do dolo ou da ilicitude dos factos, porque na verdade inexistem fundamentos, assim como não existia fundamento para pôr em crise as absolvições dos 14 (catorze) crimes pelos quais o arguido foi de igual forma julgado.
I) Revela-se intrigante e inquietante que o Ministério Público venha em recurso pedir a agravação da pena única para todos os arguidos com excepção de A, declarando que não o faz, porque entende como ajustada a pena única aplicada de 18 anos de prisão – que fica longe do limite máximo previsto no art. 77º nº 2 do C. Penal, dos 25 anos, apesar de afirmar discordar de algumas das penas parcelares, sabido que o arguido A foi condenado pela prática de 126 crimes – que nem sequer corresponde à totalidade dos crimes que o arguido confessou ter praticado, e a mera soma aritmética das penas ascende a mais de 400 anos, tendo o tribunal a quo em sede de determinação da medida da pena salientando que a culpa do arguido se apresentava…em elevadissímo grau desde logo pela especial censurabilidade de cada ílicito, assente nas circunstâncias que rodearam a prática dos mesmos, agravada pela então qualidade e idade das vítimas e pelo tempo em que duraram os abusos - sendo relativamente a algumas das vítimas desde o inicio da infância até à pré-adolescência…” e que o arguido revelou características de um predador sexual, elevando as necessidades de prevenção geral (sublinhado e itálico nossos).
J) Este estado de inquietação e desconfiança relativamente à desigualdade de actuação por parte do Ministério Público, no que aos arguidos respeita, é ainda catalizado pela alegação do arguido A no seu recurso do acórdão que vem expressamente declarar ter feito “… um acordo com o M.P. no sentido de colaborar e ter os benefícios legais”, conforme art.2º das suas motivações, e ainda de forma mais acutilante “…a confissão e colaboração do recorrente, o acordo que fez com o Ministério Público…”art. 49º da sua motivação de recurso.
K) No decurso do julgamento já tinham existido manifestações pelo arguido A respeitantes a um pretenso “acordo” pela testemunha QA (prestou declarações em 03.10.2007 e cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, dos 0 às 02h24m)e inclusivamente foi declarado verbalmente pelo Ilustre mandatário do arguido a existência de tal acordo, o que mal se entende visto o princípio da oportunidade não conferir ao Ministério Público a possibilidade de efectuar acordos que impliquem redução da pena.
L) Releva ainda o Ministério Público, em alegações, ter pedido a condenação do arguido pela prática de todos os crimes por que vinha pronunciado e por quais foi julgado – 18 (dezoito) crimes de abuso sexual de menores, p.p. pelos nº 1 e 2 do art. 172º do C.Penal, em pena de prisão superior a 5 anos, não suspensa na sua execução.
M) Entendemos que o tribunal a quo fez efectivamente errada aplicação do regime previsto no art. 71ºdo C. Penal, atendendo que apesar de se ter orientado pelos critérios ali contidos, a culpa do agente e as exigências decorrentes do fim preventivo geral especial ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade, entendeu que a culpa se apresenta em elevado grau, e que se verificava especial censurabilidade em cada ilícito pelas circunstâncias que rodearam a prática dos actos como pelo aproveitamento da sua condição como (...), tendo ficado por explicar as circunstancias que rodearam a prática dos actos, e a especial censurabilidade em cada ilícito, principalmente quanto à alegada confiança na sua condição como (...) – visto que o AT alegadamente fora abusado na suposta residência do arguido e o AI desconhecia a profissão do arguido.
N) Quanto aos crimes respeitantes ao assistente AC (ponto 4.4.4 da pronúncia) atenta a data em que os mesmos teriam sido praticados, errou ainda o tribunal a quo na operação do cúmulo jurídico da pena, não teve em conta o perdão constante da Lei 29/99, de 22 de Maio, omissão que reputámos configurar nulidade da sentença prevista no art. 379º nº 1 da alínea c) do C.P.Penal.
O) O Tribunal a quo deixou ainda de atender ao critério legal de determinação da medida da pena contido no art. 71º nº 2, alínea e) do C. Penal, que é “A conduta anterior ao facto, e a posterior a este…”, especialmente relevante no caso dos autos, em que os factos criminosos se circunscrevem a um período temporalmente anterior ao conhecimento do inquérito superior a dois anos – os mais remotos cuja autoria é imputada ao arguido remontam a 1997 e os mais recentes a Março/Abril de 2000.
P) Se existe alguma critica que possa ser efectuada à determinação efectuada no acórdão à concreta medida das penas parcelares e da pena única aplicadas ao arguido K, é que esta efectivamente fez errada subsunção dos pressu(...)s em que assenta à medida concreta das penas aplicadas, não por defeito mas sim por excesso, pelo que o recurso inter(...) pelo Ministério Público, nesta parte terá que improceder.
Q) Quanto à apontada disparidade, no Acórdão, relativamente à indicação da pena concreta (4 anos/4 anos e 6 meses de prisão - cfr. itens “2.5.1.-a)”, a fls. 68.046/7, “5.3.5.-1.-a)”, a fls. 68.100 e “”E-I-1.-a)”, a fls. 68.150) e nos termos do dis(...) no art. 380º nº 1 alínea b) do C.P.Penal, esta contradição deverá ser corrigida desde que não importe modificação essencial, assim se entendendo que tal apenas será possível na medida em que esta correcção não afecte a medida concreta da pena, caso em que deixaria de se conter na mera correcção da sentença.
R) Relativamente ao Recurso inter(...) pela assistente AX (AX) e quanto ao segmento da sentença que absolveu todos os arguidos do pedido de indemnização civil que deduzira nos autos, quanto aos alegados danos não patrimoniais, por su(...)s danos sofridos na sua imagem, que avalia em 500.000,00 Euros, diga-se que este foram demandados todos os arguidos e ainda HD e PN, o que a AX omite no recurso.
S) Compulsada a motivação de recurso constata-se que a recorrente AX entende que os primeiros três requisitos que configuram a responsabilidade civil por factos ilícitos, geradora da obrigação de indemnizar, e que se traduzem na existência de um facto danoso, a ilicitude deste e a sua imputabilidade ao agente estariam verificados pela prova dos factos constitutivos do ilícito penal, e quanto aos requisitos do dano e o nexo da causalidade deveriam ter-se por preenchidos porquanto seriam factos públicos e notórios.
T) Mas face à prova produzida nos autos, parece evidente que a ter havido danos causados à imagem da AX, tais danos resultam exclusivamente de comportamentos que apenas aquela (seus dirigentes e funcionários) são imputáveis.
U) A AX visa unicamente, por via de recurso, colmatar a ausência da alegação de factos no seu pedido cível, lançando mão de uma nova construção artificial, a de factos públicos e notórios, quer para preencher o nexo de causalidade quer para os alegados danos sofridos na imagem institucional da AX...mas não expôs um único facto concreto causador de danos e gerador de responsabilidade, nem descreveu ou concretizou os danos supostamente sofridos, como se impunha, sendo um perfeito mistério o aquilatar do valor de 500.000,00 Euros como indemnização bastante, assim tendo obviado ao pleno exercício do contraditório pelo arguido K, e vedado ao tribunal a quo a possibilidade de apreciar a verificação dos requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito geradores da obrigação de indemnizar - judicata secundum allegata partium.
V) O tribunal a quo não deixou de apreciar quaisquer fundamentos alegados pela AX, porque na realidade, esta não alegou factos que permitissem a produção de prova, mas meras conclusões, factos inócuos, juízos de valor e conceitos jurídicos.
W) No seu petitório (fls 14952/14981) a AX limitou-se a esboçar um nexo de causalidade assente nos art. 46º a 48º bis, assente nas seguintes afirmações: "…fruto da conduta dos Arguidos no seu conjunto...", “... e em grande parte devido à conduta dos Arguidos..." e "Fruto da actuação dos Arguidos...".
X) Os crimes pelos quais o arguido foi pronunciado e julgado – 18 (dezoito) crimes de abuso sexual de menores, p.p. no artigo 172º nº 1 e 2 do C.Penal, protegem bens jurídicos distintos dos que legitimariam o pedido de indemnização por danos não patrimoniais resultantes da ofensa ao bom nome da demandante.
Y) Os alegados factos notórios constantes do ponto 13 do recurso ao qual se responde, são mero repositório de conclusões formuladas pela assistente, estando ao tribunal vedado apreciar, dando como provado ou não provado, alegações da recorrente que capciosamente envereda por uma construção artificial sem qualquer fundamento fáctico, bem sabendo que, pelo menos desde os anos 80 que a AX era associada à prostituição de menores praticada nos (…), mesmo debaixo dos narizes dos seus altos dirigentes.
Z) Os factos alegadamente praticados pelo arguido não constituem causa adequada dos danos não patrimoniais reclamados pela AX, não sendo susceptíveis de preencher o nexo de imputação objectiva previsto no art. 563º do C. Civil.
AA) A existirem danos, o arguido K é totalmente alheio à respectiva produção e a responsabilização da AX nos autos não foi passível de ser conhecida, porque o tribunal a quo se considerou absolutamente incompetente, mas foi-o há seis anos pelo Estado, podendo ler-se na Resolução do Conselho de Ministros n.º 104/2004, de 21 de Julho:"No âmbito das atribuições legalmente previstas, especialmente nas que se referem ao acolhimento, educação e formação de jovens, a AX e, através desta, o Estado estão adstritos a deveres de vigilância, de salvaguarda e promoção dos interesses dos jovens alunos da instituição. Os eventuais casos de abusos sexuais respeitantes a alunos da AX consubstanciam uma situação susceptível de violar aqueles deveres e, em consequência, de determinar a responsabilidade da AX e do Estado pelos danos causados”.
BB) A fls 55.479 dos autos e no Apenso Z-16, o Estado, na sequência da dita Resolução, consta que indemnizou no âmbito do “julgamento” no Tribunal Arbitral Para Indemnização das Vítimas AX”, todos e cada um dos assistentes pela quantia máxima prevista para o efeito, ou seja em 50.000,00 Euros, nada mais nada menos que o "... montante máximo a atribuir por cada indemnização..." (montante que não pode ser ultrapassado em caso algum) vedando assim que os assistentes viessem mais tarde a demandar a AX e o Estado.
CC) Esquece a AX o que consta a fls. 19 do despacho de pronúncia e fls. 20756 dos autos:"o que a análise destes autos desde logo revela é uma realidade impressionante. Tão ou mais importante (se é que é possível graduar a sua relevância) do que a noticiada angariação de alunos menores da AX para práticas sexuais fora da instituição, é a dimensão (assustadora) dos relatos de ilícitos sexuais perpetrados dentro dos muros dos vários (...)s por inúmeras pessoas pertencentes ou ligadas à instituição, alunos mais velhos. educadores, (...) e funcionários”.
DD) Nos pontos 11, 13, 35 a 46, 48 a 49, 59 a 61, 79 e 81 dos factos provados constantes do acórdão, decorre que a AX não é a vítima, mas antes a única culpada de danos que tenham sido causados aos seus educandos, e à sua própria imagem, que desavergonhadamente imputa aos arguidos, pelo que sempre estaria excluído o direito a uma indemnização, de acordo com o dis(...) no artigo 570º do Código Civil, ex vi do teor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 104/2004, de 21 de Julho, sobretudo nesta sede processual penal.
EE) A pretendida reparação dos danos pelo arguido, seria contrária ao sentimento geral de justiça, como, mais grave ainda ilegal, porque a AX, com a sua conduta, contribuiu, por omissão, para a verificação dos danos que invoca como lhe tendo sido causados antes, durante e após a alegada prática de ilícitos, pelo que, também por esta via, deve ser excluído o direito de indemnização que a AX se arroga, por a ele ter dado causa.
FF)  Ainda que se admitisse por verificados os pressu(...)s do artigo 484º do Código Civil, sempre a produção de danos teria resultado directamente e sido por demais "amplificada pela mediatização do processo", facto a que o arguido, ao contrário da AX, é absolutamente alheio, antes sendo uma vítima dessa mediatização, devendo ter recaído sobre a AX, sobre o Estado e também aos agentes da mediatização do processo, a obrigação de indemnizar.
GG) Assim, e concluindo,
            Entende-se ser de negar provimento aos recursos inter(...)s pelo     Ministério Público e pela AX,
V.Exas farão, contudo, a melhor JUSTIÇA”
6. Respondeu também o arguido H, em conjunto ao recurso do MP e dos assistentes, concluindo da forma seguinte:
A. A nulidade do acórdão, arguida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, no que diz respeito à condenação de H com referência a uma factualidade diferente da que consta da pronúncia, é manifesta, tal como já se sustentara no recurso inter(...) por H (cfr. conclusões F) a I) da sua motivação de recurso); a ter lugar tal crime, também é evidente que existiria erro na subsunção dos factos ao direito, como sustenta o MINISTÉRIO PÚBLICO; por outro lado, tem ainda a AX razão quanto à alegação de que o Tribunal não se pronunciou sobre parte da factualidade constante do pedido de indemnização civil, o que igualmente gera a nulidade do acórdão.
B. Mas já não têm razão – nem o MINISTÉRIO PÚBLICO, nem a AX – quanto ao agravamento das penas aplicadas e quanto à condenação de H numa indemnização a favor da AX.
C. E não têm os recorrentes razão, antes de mais, pela simples razão de que H não cometeu qualquer um dos crimes por que foi acusado, pronunciado ou condenado, como já se defendeu no recurso por si próprio inter(...), o qual se dá por reproduzido.
D. Em qualquer caso, a pena aplicada seria sempre excessiva – e não demasiado branda – como já se sustentou na motivação do recurso inter(...) por H (cfr. conclusão Z, que se dá por reproduzida).
E. Por outro lado, o pedido de indemnização formulado pela AX não poderia proceder pelas razões já expostas na resposta oportunamente formulada por H (cfr. fls. 24367 a 24380 do processo), que se dá por reproduzida. Ademais, considerando a matéria apurada, nunca a AX teria sequer legitimidade para formular qualquer pedido de indemnização civil, uma vez que está sobejamente provado que a instituição foi responsável pela falta da adequada vigilância que era devida aos menores abusados, porque menores abusados houve com certeza, mas seguramente não pelo arguido H.
F. Em face da nulidade do acórdão no que diz respeito à condenação de H, por um dos crimes cometidos, o MINISTÉRIO PÚBLICO pede que o Tribunal de Recurso decrete a baixa do processo à 1ª instância, para dar cumprimento ao dis(...) no art. 358º nº 1 do C.P.P..
G. Porém, previamente à questão suscitada por tal pedido – e sem prejuízo de se entender que a comunicação de tal alteração formulada nesta fase do processo consubstanciaria os vícios que já foram aduzidos pelo recorrente H quanto a outras alterações que lhe foram comunicadas entre Novembro de 2009 e Janeiro de 2010 –, naturalmente tem de se ter presente o dis(...) no art. 379º nº 2 do C.P.P., que estipula que a nulidade da sentença pode ser suprida pelo tribunal a quo.
H. Na verdade, a nulidade em apreço pode e deve ser apreciada e suprida pelo tribunal a quo, exortando-se o Tribunal a que não o deixe de o fazer – tão manifesto é que a nulidade ocorreu – a fim de poupar arguidos e assistentes à gravosa situação que decorrerá, se o Tribunal o não fizer, de terem de esperar pela mais do que certa declaração de nulidade que o Tribunal de Recurso há-de proferir.
I. E deve fazê-lo não apenas quanto à nulidade arguida pelo Ministério Público, mas igualmente quanto às nulidades suscitadas pela defesa de H nas conclusões F) a O) da motivação do recurso por si inter(...), bem como eventualmente quanto a outras nulidades suscitadas pelos restantes sujeitos processuais.
J. Já após a prolação do acórdão condenatório, o arguido teve acesso a novos meios de prova, só produzidos após tal data, que são da maior relevância para a sua defesa.
K. Trata-se de entrevistas dadas pelos assistentes AV E AP a órgãos de comunicação social portuguesa, bem como a publicação do assistente AV de um livro denominado “(…)” (edição (…)) – cfr. Docs. 1, 2 e 3.
L. Suscita-se assim a questão de se saber se a lei do processo admite agora a junção de tais documentos. Ou seja, é ou não admissível a junção de novos elementos de prova, produzidos em momento posterior à prolação do acórdão condenatório e, por isso mesmo, do conhecimento do arguido apenas após tal prolação?
M. O art. 165º nº 1 do C.P.P. estipula o seguinte: “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”. Não há, na legislação processual penal, norma que preveja essa possibilidade em sede de recurso.
N. Para alguma jurisprudência, não há lacuna – relativamente à situação da junção de documentos em sede de recurso – e a regra do art. 165º nº 1 do C.P.P. veda a junção de documentos em momento posterior ao encerramento da audiência de 1ª instância. Pode, todavia, sustentar-se – posição que é a do Recorrente – que se está perante uma lacuna, a qual deve ser suprida com recurso à regra aplicável do processo civil, já que não seria conforme ao nosso sistema jurídico tão drástica limitação, ainda por cima no processo em que, mais do que em qualquer outro, rege o princípio da verdade material. Ora, o art. 524º nº 1 do C.P.C. admite a junção de documentos no caso de recurso, quando a sua apresentação não tenha sido possível até aquele momento, como aqui acontece.
O. Porém, mesmo que assim se não entenda, a verdade é que a lei processual penal tem de ser lida à luz dos princípios constitucionais, designadamente do que dispõe o art. 32º nº 1 da CRP, que estipula que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
P. Pelo ex(...), argui-se a inconstitucionalidade do entendimento normativo dado ao art. 165º nº 1 do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 428º e 431º do C.P.P., no sentido em que não é admissível, após a prolação da sentença da 1ª instância, a junção de documentos relevantes para a defesa do arguido – em sede de recurso que abrange a matéria de facto –, quando esses documentos foram produzidos após a prolação daquela sentença da 1ª instância, só então sendo do conhecimento do arguido.
Q. Tal entendimento normativo viola as garantias de defesa e o direito ao recurso consagrados no art. 32º nº 1 da CRP, bem como o princípio do processo equitativo previsto no art. 20º nº 4 da CRP, tal como no art. 6º da CEDH.
R. No que diz respeito a AV, a relevância das suas declarações – quer as directamente prestadas perante a comunicação social, quer as que constam do livro por si publicado – resulta do facto de, em segmentos relevantíssimos, elas serem ostensivamente contraditórias com aquelas que produziu em audiência de julgamento, sendo assim um elemento fundamental para avaliar a natureza da construção fantasiosa que este assistente arquitectou, a qual acabou por inquinar os outros alegados ofendidos, que por si foram liderados, como pelo próprio é assumido.
S. Da análise feita às situações descritas nos nºs 25 a 46 desta resposta, é evidente que a entrevista dada à FFE e o livro dado à estampa (cfr. Docs. 1 e 3) são muito relevantes para traçar o quadro fantasioso, efabulatório ou mentiroso de AV, como resulta desses exemplos, devidamente conjugados com as demais declarações do assistente proferidas no processo.
T. É verdade que a sentença desvaloriza o depoimento de AV pelo facto de não ter conseguido “captar, decifrar o seu modo de funcionar intelectualmente” (cfr. pág. 1288 do acórdão), mas estes novos elementos probatórios permitem ir mais longe, reforçando a natureza fantasiosa da sua intervenção.
U. De resto, o acórdão condenatório inclui o assistente AV no rol dos declarantes que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal (cfr. pág. 320 e 321 do acórdão).
V. Por outro lado, não pode deixar de se ter presente a tese do Recorrente, que sustenta que o processo de construção da fantasia é exactamente desencadeado por AV, imediatamente alargado a AP e AT, três jovens adolescentes, antigos colegas de lar e quarto.
W. Nesse processo de fantasia, foi fundamental o mecanismo de inquinação provocado por AV, que, a 25/03/2003, durante o exame de natureza sexual efectuado perante o INML, afirma, sobre si próprio, que é “um dos que mais têm colaborado com a Polícia Judiciária para que se faça justiça”. Corroborando tal facto, AP, a 31/03/2003, durante idêntico exame, afirma “Sou eu e o AV, que é muito meu amigo, que temos dito tudo à Polícia Judiciária…”.
X. Está, pois, amplamente justificada a relevância das declarações prestadas por AV – à FFE e em livro – que constam dos Docs. 1 e 3, cuja junção ora se requer.
Y. No que respeita a AP, a entrevista dada à DR no dia da leitura do acórdão – onde o assistente declara estar preso por tráfico de droga, responsabilizando a AX por aquilo que lhe aconteceu (cfr. Doc. 2) – é relevante para a apreciação do recurso interlocutório inter(...) a 25 de Março de 2010, relativamente ao despacho que indeferiu, entre outras diligências probatórias, o pedido de reinquirição de tal assistente, particularmente para a apreciação do seu perfil psicológico, com fortes marcas anti-sociais, o que não pode deixar de ser ponderado na valoração do seu depoimento.
Z. As referências – efectuadas nesta resposta – a depoimentos prestados em audiência de julgamento remetem para as gravações efectuadas pelo Tribunal, nos exactos termos referidos nas actas dos dias em que neste requerimento foi mencionado que as declarações foram prestadas.”  (fim de transcrição)
7. Respondeu a arguida Q, em conjunto ao recurso do MP e dos assistentes, concluindo da forma seguinte:
                                                           1ª
A arguida foi totalmente absolvida em primeira instância o que
                                                          2ª
A inibe de recorrer do acórdão proferido, porque não vencida – por força do dis(...) no artigo 401 nº. 1 alínea b) do C.P.P..
                                                         3ª
Contudo não pode a arguida aceitar quanto consta dos nºs. 118.3, 118.15 (primeiro com este número), 118.13 a 118.15 (os segundos com estes números), 119 a 120, 125 a 132, 133, 134 e 135.2 dos factos provados - pois, assentando neles toda a motivação dos recorrentes, não correspondem à verdade.
                                                         4ª
É porém necessário fazer uma distinção: os nºs. 118.15 (primeiro deste número), 118.13 a 118.15 (segundos com estes números), 119 a 120 e 125 a 132, descrevem em concreto a presença dos dois assistentes recorrentes em casa da arguida.
                                                       5ª
Os restantes referem-se ao comportamento da mesma arguida e à consciência que teria tido dos factos.
                                                       6ª
Quanto ao primeiro grupo de factos (supra conclusão 4ª) a demonstração da sua falsidade imporia a análise da prova produzida em audiência – análise que a arguida, porque não recorrente não pode agora fazer.
                                                      7ª
Quanto aos restantes factos apontados, nem isso é necessário: basta mostrar que a sua prova não está minimamente fundamentada no douto acórdão recorrido.
                                                         8ª
Não resiste contudo a arguida a ressaltar alguns aspectos do primeiro grupo de factos – que apontam decididamente para que não se deveriam ter tido como provados.
Assim,
                                                         9ª
O próprio Colectivo reconhece que não encontra explicação para que tenha sido escolhida a casa da arguida em (...) – fls. 1284 do douto acórdão.
                                                       10ª
Depois, basta analisar o vídeo da inspecção judicial à casa da arguida para se concluir que a casa que os assistentes ali ouvidos referem não pode ser aquela, já que
                                                      11ª
A localização e descrição dos compartimentos que fazem não corresponde à realidade actual, que não sofreu modificação por obras em momento algum, como não corresponde a descrição das escadas que dizem ser de madeira quando são em pedra mármore.
                                                      12º
Os próprios depoimentos dos recorrentes, que o Tribunal a quo longamente analisa são contraditórios entre si e, cada um deles, em si mesmo incoerente em especial,
                                                      13º
No que toca às datas, horas e número de vezes em que se teriam deslocado a (...), ao percurso que teriam seguido para ali chegar, às pessoas que os teriam acompanhado e à identificação das pessoas que dizem ter encontrado na casa.
                                                     14º
Não se podendo ir mais longe na análise da prova produzida neste aspecto, resta-nos confiar que esse Venerando Tribunal o faça ao apreciar o recurso inter(...) pelos arguidos que, porque condenados, o puderam fazer.
                                                    15º
Por tudo o que se expõe, embora convicta de que são falsos tais factos, a arguida passará a raciocinar a partir daqui como se verdadeiros fossem.
            Mas,
                                                    16º
Já o mesmo se não dirá quanto aos restantes “factos provados” imputados à arguida pois
                                                    17ª
Notar-se-á que a única motivação invocada pelo Tribunal a quo para essa prova desdobra-se em dois aspectos.
                                                    18º
No primeiro, refere que “há factos que o Tribunal deu como provados em relação à mesma, que têm a ver com o presente ponto do Despacho de Pronúncia, mas também com outras situações relacionadas com factos ocorridos em (...) “.
Só que,
                                                     19º
Além das relativas aos assistentes/recorrentes o Tribunal não teve por provadas quaisquer “outras situações relacionadas com factos ocorridos em (...)”!!!
                                                    20º
Não podem ser pois elas a fundamentação do que se teve por provado.
                                                    21º
Quanto ao segundo aspecto apenas invoca o Tribunal a quo em concreto, “as declarações da arguida” e “a audição das testemunhas que já assinalámos anteriormente, vizinhas, amigos e parentes da arguida”.
                                                    22ª
Mas a arguida sempre negou todos os factos e os depoimentos, que o Tribunal refere e que longamente analisou de fls. 1255 a 1262 do douto acórdão, também não referem quaisquer destes factos e até exprimem a convicção de que não seriam possíveis ou prováveis.
                                                    23º
Carece pois totalmente de fundamentação a decisão do Tribunal de dar por provados os factos constantes dos ns. 118.3, 133, 134 e 135.2 dos “factos provados”.
                                                   24º
É pois nulo por falta de fundamentação ou por contradição com a fundamentação, nos termos do dis(...) no artigo 379 nº. 1 alínea a) por referencia ao artigo 374 nº. 2 do C.P.P., tudo o que em tais números se teve por assente.
                                                   25º
E necessariamente teria que ser assim pois, além das passagens que especificamente se referem, nada nos autos permitiria chegar aquelas conclusões.
Assim,
                                                   26º
Não se sabe porque se afirma que foi a arguida quem disponibilizou a sua casa pois
                                                   27º
Tal não pode concluir-se da circunstância de ela residir ali já que, para além dela, ali residiam também o seu marido, a sua filha e genro.
                                                   28º
Quanto às intenções da arguida, como se pode afirmá-las, se apenas duas pessoas nos autos disseram tê-la visto - os assistentes AV e AI – e ninguém refere a mínima conversa mantida ou palavra com ela trocada?
                                                   29º
Como pode dizer-se que a arguida tinha consciência que a “sua conduta era proibida pela lei penal” se, para além de tudo o mais, a lei penal então vigente e a que actualmente vigora são bem diversas e certamente ambas desconhecidas da arguida?
                                                    30ª
Porque se diz que a arguida admitiu que os menores/recorrentes pudessem ter idades inferiores a 14 anos, se em ponto algum se provou ou indiciou que ela os tenha visto?
                                                    31ª
O Tribunal deu apenas por assentes tais factos porque carecia dum actor secundário para completar o quadro que traçara e lhe parecia que mais ninguém para além da arguida poderia desempenhar esse papel.
                                                    32ª
Mas isso não é certamente prova e as respostas que deu aos factos relativos à arguida são evidentemente nulas, por não fundamentadas em qualquer prova directa ou indirecta.
                                                    33º
Ora é nestes “factos provados” que assenta toda a motivação dos recursos, quer do M.P. quer dos assistentes – o que desde logo importa a improcedência dos mesmos.
                                                    34º
Mas ainda que assim não fosse, os recursos deveriam na mesma improceder, o que procuraremos mostrar começando pela análise do recurso do M.P..
                                                     35º
Defende o M.P. que, não sendo aplicável o dis(...) no artigo 176 do C.P., na redacção vigente à data dos factos imputados, sempre os mesmo seriam puníveis pela contemporânea redacção do artigo 172 do mesmo diploma.
                                                     36º
O que seria assim porque os factos que tem por provados preencheriam objectivamente ambas as disposições: não se aplicando a do artº. 176 haveria que aplicar a outra, a do artº. 172.
Só que
                                                     37º
Se se optasse pela aplicabilidade do regime penal vigente à data dos factos haveria que aplicá-lo na sua globalidade e não apenas numa parte do seu dispositivo e assim
                                                    38º
Vigorando em simultâneo o artº. 176 e o artº. 172, o primeiro necessariamente excluía a possibilidade de aplicação do segundo.
                                                    39º
Por isso e salvo o devido respeito, a argumentação do M.P. neste ponto assenta numa inadmissível amputação do regime penal que pretende aplicar – o artº. 172 nunca poderia ser aplicável.
                                                    40º
Mas, embora por razões diversas, também o não podia ser o antigo artigo 176: esta disposição foi substituída pelo actual artº. 175, mais favorável à arguida e que por isso o Tribunal a quo aplicou.
                                                    41º
Resta pois averiguar se poderia aplicar-se o dis(...) no artº. 171 nº. 1 e 2 na sua redacção actual.
                                                    42º
Neste ponto haverá que fazer uma distinção entre o que se refere ao assistente AN e o que respeita ao assistente AI.
                                                   43º
Quanto ao primeiro a argumentação do M.P. só pode socorrer-se do “facto provado” nº. 118.3.
                                                   44º
Mas este facto apenas considera provado que a arguida sabia que a casa se destinava a manutenção de relações com “menores” e não “com menores de 14 anos”.
                                                  45º
Sempre faltaria pois um elemento que deveria integrar o dolo da arguida: o conhecimento de que a idade do assistente era de 13 anos.
                                                   46º
O M.P. pretende que a imputação à arguida do crime do artº. 171 nº. 1 se fizesse na qualidade de co-autoria mas
                                                   47º
A arguida não teve a mínima participação pessoal no facto e nem sequer consciência de que a sua acção seria “indispensável à produção da finalidade e do resultado”, o que
                                                   48º
Resulta claro se se verificar que no ponto nº. 44.2 dos “factos não provados” se assentou que não se ter provado que a arguida sabia que “a disponibilização da referida casa permitiria mais facilmente aos arguidos referidos concretizarem as práticas sexuais descritas…”.
                                                    49º
O mesmo se terá que dizer relativamente ao assistente AN pois
                                                   50º
A simples possibilidade de que a arguida admitisse que a casa pudesse servir para prática de actos com conteúdo sexual e admitisse ainda que os jovens pudessem ter idades inferiores a 14 e 16 anos – como se escreve no ponto 133 dos “factos provados” , sempre seria insuficiente para lhe atribuir a condição de co-autora já que
                                                   51ª
Como se escreve lapidarmente no douto acórdão do S.T.J. que o M.P. cita, deve “cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros”.
                                                   52º
Não é com certeza o que sucede com a arguida.
                                                   53º
Já quanto ao recurso dos assistentes AN e AI, terá que repetir-se o quanto se vem dizendo: tudo o que se teve por “factos provados” relativamente à arguida é nulo por absoluta falta de fundamentação.
                                                    54º
Quanto ao mais, na parte criminal, só existe uma diferença entre este recurso e o do M.P.: aqui pretende-se que a arguida seria cúmplice de crimes p. e p. pelo vigente artº. 171 do C.P. enquanto o M.P. lhos imputa a titulo de co-autoria.
                                                    55º
Nos termos do artigo 27 do C.P. a cumplicidade exige que a arguida dolosamente tivesse prestado auxilio, material ou moral, à prática por outrem dum facto doloso.
Ora,
                                                    56º
Quanto ao assistente AI o facto de não se ter provado que a arguida tinha conhecimento de este ter 13 anos, exclui, só por si, que tivesse conhecimento de que o ocorrido com ele constituía um crime doloso e excluí por isso que o comportamento da arguida fosse doloso.
                                                     57º
Igualmente quanto ao assistente AN, a simples possibilidade de que a arguida apenas admitisse que tivesse 13 anos, exclui que esta soubesse constituir crime o que com ele se passara e por isso, que o eventual auxilio dela fosse doloso.
                                                    58º
Pretendem ainda estes recorrentes que, embora absolvida dos crimes imputados, a arguida deveria ser condenada a pagar-lhes uma indemnização.
                                                    59º
Não se provou que a arguida conhecesse estes assistentes, não resulta dos autos qualquer relacionamento da arguida com eles, não consta que os tivesse contactado de qualquer forma.
                                                      60º
A única coisa que poderia ter-se por provado, seria que a arguida tivesse tido conhecimento de que a sua casa poderia servir para prática de actos sexuais com menores.
                                                      61º
Mas mesmo essa prática, embora pudesse constituir facto moralmente censurável, não era só por si facto criminoso, nem sequer facto ilícito, na medida em que
                                                       62º
É hoje incontroverso que o direito não é o polícia de qualquer moralidade pública mas apenas daquela parte da mesma que se entenda atingir interesses vitais da vida em sociedade.
                                                       63º
Para existir direito a indemnização falece pois, desde logo, a prova da existência de facto ilícito imputável à arguida.
                                                       64º
Aliás os danos indemnizáveis que se tiveram por provados seriam apenas os constantes dos ns. 170.9 e 170.14 – que os assistentes tiveram medos e temores – pois

                                                       65º
Se tiveram por não provados os constantes dos pontos 74.11 e 74.16 dos “factos não provados”: que, em consequência dos factos deste processo, as expectativas “ dos assistentes de “ter uma vida feliz e equilibrada e ter uma sexualidade normal ficaram destruídas”.
                                                        66º
Mas parece evidente que quanto a tais danos se não provou nem a causalidade nem o carácter culposo da conduta da arguida pois
                                                       67º
Se não provou que ela tivesse conhecimento das características concretas de tais factos.
                                                       68º
Nada tem pois a arguida a indemnizar e
                                                      69º
Terá que acentuar-se ainda que, conforme consta do ponto 2.12 dos “factos provados” o assistente AI nem sequer formulou pedido cível de indemnização contra esta arguida.
                                                     70º
Quanto ao recurso da assistente AX terá que dizer-se que o mesmo é verdadeiramente escandaloso.
                                                     71ª
No ponto 74.25 dos “factos não provados” considerou-se como tal que “a AX é olhada com suspeição e descrédito por causa da actuação dos arguidos”.
                                                      72º
A análise exaustiva que o Tribunal a quo faz dos processos disciplinares que a partir de 29/02/80 foram instaurados ao arguido A (fls. 565 e segs do douto Acórdão) e das nulas consequências que extraiu dos mesmos demonstra cabalmente que nestes autos a AX não devia ser assistente mas sim arguida.
Daí que,
                                                      73º
Embora se reconheça a nobreza da missão confiada à AX de proteger crianças em risco, é por demais evidente que a não cumpria e por isso
                                                      74º
Infelizmente há muito não gozava do bom nome que procura nos autos imputar-se-lhe.
                                                      75º
Pretender que o comportamento da arguida, que nem sequer se provou que soubesse que os assistentes eram alunos da AX, causou danos ao bom nome que esta nem tinha, é evidente despudor.
                                                     76º
Nenhuma indemnização deve ser pois atribuída a esta assistente e muito menos uma indemnização a cargo da arguida Q.
                                                     77º
Por último: ambos os recursos – dos assistentes particulares e da AX – pedem a imputação à arguida de crimes que lhe não são imputados na pronúncia e
                                                     78º
Todos os recorrentes reconhecem que não foi comunicada à arguida em audiência de julgamento qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos, como o impunha o artigo 358 nº. 3 do C.P.P., nem sequer
                                                    79º
Durante o julgamento foi sequer aflorada tal alteração de qualificação, pelo que, só esse facto importaria por si mesmo que essas alterações fossem agora feitas – sob pena de colocar em crise todos os direitos de defesa da arguida.
Nestes termos,
                                                     80º
Com o douto suprimento de Vs. Exas., confirmando-se o douto acórdão recorrido no que toca à total absolvição da arguida e julgando-se improcedentes os recursos do M.P. e dos assistentes, se fará mais uma vez
                                                J U S T I Ç A”
8. Analisando
a) - Nulidade do acórdão nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por violação do dis(...) no art. 358.º do mesmo diploma legal, no tocante aos arguidos A, H e N, todos com referência ao assistente AI
Esta questão já foi apreciada no âmbito dos recursos inter(...)s pelos referidos arguidos, tendo-se concluído pela nulidade, nessa parte, do acórdão recorrido, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância para que, em audiência de julgamento, seja dado cumprimento ao dis(...) no art. 358.º, n.º 1, do CPP, no que respeita à alteração não substancial dos factos relativos ao ponto 6.7.2. do despacho de pronúncia e demais termos subsequentes.
Nada mais há a acrescentar, procedendo o recurso do MP quanto a esta questão.
b) - Erro na condenação do arguido H, por referência ao item “6.7.2”, do despacho de pronúncia, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto no art. 172.º, n.º 1, do CP (na redacção da Lei 65/98, de 2 de Setembro), a qual deveria ter sido feita pelo n.º 2 daquele preceito
Conforme já referido na apreciação do recurso inter(...) pelo arguido H da decisão final, face à nulidade do acórdão nessa parte, ficou prejudicado o conhecimento do recurso do MP no que respeita à questão de direito suscitada quanto ao erro na subsunção de tais factos ao direito e respectiva medida da pena parcelar.
c) - Erro na absolvição do arguido C, pela prática de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos no art. 166.º, n.ºs 1 e 2 do CP, por referência a factos relativos ao assistente Y, por considerar não ser requisito do tipo previsto na norma em causa a diminuição/anulação da capacidade de resistência da vítima
Esta questão foi já apreciada no âmbito do recurso inter(...) pelo arguido C da decisão final, dando-se aqui por reproduzido tudo o que a esse respeito aí foi dito.
Improcede, pois, quanto a esta questão o recurso do MP.
d) Erro na absolvição da arguida Q, porquanto encontrando-se o crime de lenocínio, ab initio, numa relação de concurso aparente com o crime de abuso sexual de crianças, deveria ter sido condenada como comparticipante nos crimes de abuso sexual de crianças pelos quais foram condenados os arguidos N e H (relativos a (...)), após comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos dados como provados e da alteração do período temporal dado como provado, relativamente ao descrito na pronúncia, nos termos e para os efeitos do dis(...) no art. 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP
O conhecimento desta questão fica prejudicado face à declarada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos supra referidos em II. B. 3. D) 4. c) e d) (pág.  3160 a 3165), e à possível alteração, nessa parte, da matéria de facto nele dada como provada.
Se, face à factualidade que vier a ser fixada pela 1.ª instância, se concluir pela incriminação da arguida Q como comparticipante nos crimes de abuso sexual de crianças imputados aos arguidos N e H (na pessoa dos assistentes AN e AI, respectivamente), então, deverá a condenação da arguida por tais crimes ser precedida da comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos da pronúncia, nos termos do dis(...) no art. 358.º, n.º 3, do CPP, bem como da comunicação da alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia relativa ao período temporal em que os mesmos ocorreram no que concerne ao AI, nos termos previstos no n.º 1 do art. 358.º do CPP.     
e) - Medida de algumas das penas parcelares e únicas aplicadas aos arguidos C, E, H, K e N
Questão apreciada no âmbito dos recursos inter(...)s da decisão final pelos arguidos em causa.
f) - Erros, lapsos, obscuridades e ambiguidades (supríveis), cuja  eliminação/alteração  não  importa  modificação essencial (art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP) em segmentos do acórdão recorrido relativos aos arguidos A, K, N e Q
ARGUIDO A
Alude o MP, com inteira razão, que, com referência ao Capítulo “2.2”, do despacho de pronúncia, no acórdão recorrido, a fls. 68018  (linha “3”, item “2.1.42. a)”), faz-se referência a “AV”, quando é certo que os factos respectivos se reportam ao assistente “AP” - conforme resulta claramente, quer da factualidade descrita no referido Capítulo do despacho de pronúncia (fls. 20847 a 20850), quer no acórdão recorrido nos “Factos Provados” (itens “92” a “92.15” – fls. 66534 a 66536), sendo certo que, num e noutro caso, não se faz qualquer referência a AV.
Em conformidade, impõe-se a correcção do respectivo lapso, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, onde na 3.ª linha de fls. 68018 (pág. 1605 do acórdão) se lê "AV" deve ler-se "AP".
Mais alega que, tal como referido a fls. 68016 do acórdão recorrido  (Capítulo “2.1.43”) e com referência ao Capítulo “4.1.3”, do Despacho de pronúncia, vinha imputada, ao arguido A, a  prática de 2 crimes, previstos no art. 176.º, n.ºs 1 e 3, do CP (aqui incorreu o MP em lapso, pois trata-se de fls. 68019 e não de  fls. 68016).
Tendo em conta a factualidade dada como provada, nos itens “102” a “103.24”, dos “Factos Provados” (fls. 66557 a 66559), conjugados com os itens “21” a “21.7”, dos “Factos não Provados” (fls. 66648/9), do acórdão recorrido, dúvidas não restam de que a referida factualidade integra a prática do crime previsto no art. 176.º, n.ºs 1 e 3, do CP (na redacção, então vigente, da Lei 65/98, de 2 de Setembro).
Não obstante, a fls. 68019, seguramente que por mero lapso, após uma primeira referência à incriminação da pronúncia, mencionando-se o art. 176.º, n.ºs 1 e 3, do CP, na mesma página, consigna-se que: “a actuação do arguido integra a prática, em autoria material, de 2 (dois) crimes p.p. 176º, n. 1, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática;”. 
A fls. 68020, volta a referenciar-se, correctamente, o ilícito, por reporte ao art. 176.º, n.ºs 1 e 3, do CP.
Por sua vez, seja na parte relativa à determinação da pena (fls. 68097, item “31”), seja no próprio Dispositivo (fls. 68140, item “31”), faz-se, em ambos os casos, referência ao art. 176.º, n.ºs 1 e 2, do CP.
Trata-se de lapso manifesto de escrita, o qual, muito provavelmente, terá sido induzido pelo facto de a Lei 65/98, de 2 de Setembro, ao conferir nova redacção ao art. 176.º, do CP, introduziu um novo número na norma, tendo convertido o anterior n.º 2, em n.º 3.
Em conformidade, impõe-se a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, onde na 18.ª linha de fls. 68019 (pág. 1606 do acórdão recorrido) se lê “crime p.p. 176º, nº 1” deve ler-se “crime p.p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3”, na 16.ª linha de fls. 68097 (item 31) onde se lê “p.p. pelo 176º, nº 1 e 2” deve ler-se “p.p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3” e na 16.ª linha de fls. 68140 (item 31) onde se lê “p.p. pelo 176º, nº 1 e 2” deve ler-se “p.p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3”.
Por outro lado, no despacho de pronúncia, com referência ao Capítulo “5.2.3”, imputara-se, ao arguido A, a prática de 2 crimes, previstos no art. 176.º, n.ºs 1 e 2 (ou 3), (na redacção do DL 48/95, de 15 de Março, ou da Lei 65/98, de 2 de Setembro, respectivamente)  - cfr. fls. 20909/10 e 21 005, “s.”.
No acórdão recorrido, não obstante toda a respectiva factualidade tenha sido considerada como não provada (cf. fls. 66659 a 66662, itens “32” a “34.5”, dos “Factos não Provados”), consignou-se, expressamente, a correspondente absolvição, mas, tão só, quanto a 1 dos 2 crimes, omitindo-se qualquer menção ao segundo dos crimes em causa.
Não se tratando de omissão de pronúncia - o que sempre configuraria a nulidade prevista no art. 379º, n.º 1, al. c), do CPP -, (...) que o Tribunal teve em conta, apreciando e decidindo, toda a matéria de facto, mais não se estará do que perante um mero lapso, por omissão de escrita, pelo que, em conformidade, se impõe a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, a fls. 68011 (pág. 1598 do acórdão recorrido) em "2.1.36." deve ler-se nas linhas 14.ª e penúltima: "- 2 (dois) crimes de lenocínio…" e onde naquela folha na alínea a) se lê “32.” a “32.8” deve ler-se “32.” a “34.5.”.
Por sua vez a fls. 68143 (pág. 1730 do acórdão recorrido) onde na al. o) se lê “1 (um) crime de lenocínio” deve ler-se “2 (dois) crimes de lenocínio”.
Com referência ao Capítulo “5.2.5”, do despacho de pronúncia, no acórdão recorrido, a  fls. 68017/8/9  (item “2.1.42. b)”), conclui-se pela condenação do arguido A, relativamente ao crime pelo qual vinha pronunciado (art. 176.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na redacção do DL 48/95, de 15 de Março - cfr. fls. 21.005, “u.”), tal como, aliás, resulta do acórdão recorrido, designadamente, dos itens “113” a “117.2”, dos “Factos Provados” (fls. 66577 e 66578).
A condenação é confirmada na parte relativa à determinação da pena (fls. 68098, “33.-iii)”), fazendo-se-lhe corresponder uma pena de 3 anos de prisão, e, ainda, reiterada, em sede de Dispositivo, a fls. 68140/1 (item “33”-“jjj”).
Todavia, por evidente lapso, consignou-se, ainda em sede de Dispositivo (fls. 68144, item “III”-“q)”), a absolvição pelo mesmo crime.
Porque decorre, à evidência, de todos os elementos referidos, que o Tribunal a quo, ao condenar, fez correcta subsunção dos factos que deu como provados, ao Direito, não poderá deixar de se considerar que a dupla condenação/absolvição, pelo mesmo crime, configura um manifesto erro de inserção/escrita, devendo, como tal, ser considerado e corrigido, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP, o que se determina.
Assim, dá-se por não escrito todo o item "q" de fls. 68144 (pág. 1731 do acórdão).
Mais refere o MP ter havido lapso na menção, a fls. 68020, do acórdão recorrido, ao Capítulo “6.2.3”, do despacho de pronúncia, quando se  quereria fazer referência ao Capítulo “6.2.1” (como resulta, claramente, do facto de, na pronúncia, não existir o referido Capítulo “6.2.3” - cf. fls. 20919 a 20924).
Como se alcança, quer da subsunção dos factos ao Direito (fls. 68098, item “34.”-“jjj)”), quer do próprio Dispositivo (fls. 68141, item “34”-“ III)” e 68144, item “III”-“s)”), numa e noutro se faz correcta referência, não ao Capítulo “6.2.3”, mas ao Capítulo “6.2.1”, do despacho de pronúncia.
Tratando-se, pois, de evidente lapso de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP, o que se determina.
Assim, onde na antepenúltima linha de fls. 68020 (pág. 1607 do acórdão) se lê "Capítulo “6.2.3” deve ler-se "Capítulo “6.2.1”.
Por  referência ao Capítulo “7.3”, do despacho de pronúncia, mais houve lapso de escrita a fls. 68012 (antepenúltima linha) e a fls. 68014 (1.ª linha), do acórdão recorrido, relativamente à desconformidade entre o número de crimes referenciados numericamente e a correspondente referência por extenso (“3 (dois)”), sendo certo que, no respectivo Dispositivo, a menção do número de crimes pelos quais o arguido foi absolvido (cfr. fls. 68144), está correctamente expressa (“3 (três) crimes”).
Tratando-se, pois, de evidente lapso de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP, o que igualmente  se determina.
Assim, onde, quer a fls. 68012 (antepenúltima linha) quer a fls. 68014 (1.ª linha) do acórdão recorrido, se lê "3 (dois)" deve ler-se "3 (três)".
Por referência ao Capítulo “9.4”, do  despacho de pronúncia, o Dispositivo do acórdão recorrido, no item “16. mm)” (fls. 68137), por lapso, omite que a “pena de 2 (dois) anos de prisão” corresponde a cada um dos (3) crimes pelos quais o arguido A foi condenado, tal como, e bem, é referenciado a fls. 67984 (item “2.1.21.-a)”) e 68094 (item “16.-mm)”).
Tratando-se, pois, de evidente lapso, por omissão de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP, o que se determina.
Assim, onde no item “16. mm)” de fls. 68137 (pág. 1724 do acórdão) se lê “pena de 2 (dois) anos de prisão” deve ler-se “pena de 2 (dois) anos de prisão, para cada um dos crimes”.
Por referência ao Capítulo “9.7”, do despacho de pronúncia, o Dispositivo do acórdão recorrido, certamente por lapso, omite (vd. fls. 68145 - pág. 1732 do acórdão) a absolvição pela prática do crime pelo qual o arguido A vinha pronunciado, absolvição, essa, que o acórdão recorrido, expressamente, consigna, no item “2.1.11.”, a fls. 67969/70.
Tratando-se, pois, de evidente lapso, por omissão de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão) entre as alíneas "gg)" e "hh)" passará a constar uma nova alínea, que se identificará como "kk)" dizendo: "Com referência ao Capítulo “9.7”, do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1 do Código Penal".
Por referência ao Capítulo “9.9”, do despacho de pronúncia, o acórdão recorrido, em sede de subsunção dos factos ao Direito, pese embora, quer condenando, correctamente, por 1 crime previsto no art. 166.º, n.ºs 1 e 2 e por 1 crime previsto no art. 166.º, n.º 1, do CP (cfr. item “2.1.12.-a)”, a fls. 67972 e item “11.”, a fls. 68093), quer, ainda correctamente, absolvendo por 2 crimes previstos no art. 166.º, n.º 1, do CP (cfr. item “2.1.12.-b)”, a fls. 67972), em função do número de crimes imputados ao arguido A, em sede de pronúncia (4 crimes, tal como resulta de fls. 67970 a 67972, 68093 e 68136), na parte do Dispositivo, condenando, correctamente, por 1 crime previsto no art. 166.º, n.ºs 1 e 2 e por 1 crime previsto no art. 166.º, n.º 1, do CP (na redacção da Lei 65/98, de 4 de Setembro), relativamente às absolvições (fls. 68145 – item “III-ii)”), absolvendo, correctamente, por 2 crimes previstos no art. 166.º, n.º 1, do CP por mero lapso, absolve, indevidamente, pela prática de 1 crime previsto no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP.
Tratando-se, pois, de evidente lapso de escrita, por inserção anómala, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão) devem ter-se por não escritas as duas últimas linhas da alínea "ii)".
Por referência ao Capítulo  “9.10”, do despacho de  pronúncia, o acórdão recorrido, pese embora condenando e absolvendo, correctamente, em função do número de crimes imputados ao arguido A, em sede de pronúncia [4 crimes, tal como resulta dos itens “2.1.16.-a) e b)”, de fls. 67974 a 67976 (págs. 1561 a 1563 do acórdão), “12.-ee), ff) e gg)”, a fls. 68093 (pág. 1680 do acórdão), “12.-ee), ff) e gg)”, a fls. 68136 (pág. 1723 do acórdão) e “III-jj)”, a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão], por lapso, relativamente ao número de absolvições (fls. 68145 - item “jj)”), e tendo em conta a lógica que foi adoptando, deveria ter omitido a referência a qualquer absolvição, pela prática dos crimes previstos no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP, (...) que, relativamente a dois deles, condenou, mas, pela forma tentada.
Tratando-se, pois, de imprecisão, por diferença de critério, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão) devem ter-se por não escritas as duas últimas linhas da alínea "jj)".
Por referência ao Capítulo “9.12”, do despacho de pronúncia, o Dispositivo do acórdão recorrido, por lapso, omite (a fls. 68146) a absolvição pela prática dos crimes pelos quais o arguido A vinha pronunciado, absolvição, essa, que o Acórdão recorrido,  expressamente, consigna [cfr. item “2.1.22.-a)”, a fls. 67984/5 (pág. 1571/2 do acórdão)].
Tratando-se, pois, de evidente lapso, por omissão de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP, o que se determina.
Assim, a fls. 68146 (pág. 1733 do acórdão) entre as alíneas "ll)" e "mm)" passará a constar uma nova alínea, que se identificará como "ss)" dizendo: "Com referência ao Capítulo “9.12”, do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, nº 3, alíneas a) e b), do C. Penal".
Por referência ao Capítulo “9.16”, do despacho de pronúncia, o Dispositivo do acórdão recorrido, por lapso, omite (vd. fls. 68146) a absolvição pela prática dos crimes pelos quais o arguido A vinha pronunciado, absolvição, essa, que o acórdão recorrido, expressamente, consigna [cfr. item “2.1.24.-a) e b)”, de fls. 67988 a 67992 (págs. 1575 a 1579 do acórdão)].
Tratando-se, pois, de evidente lapso, por omissão de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º, do CPP.
Assim, a fls. 68146 (pág. 1733 do acórdão) entre as alíneas "oo" e "pp)" passará a constar uma nova alínea, que se identificará como "tt)" dizendo: "Com referência ao Capítulo “9.16”, do despacho de pronúncia: 1 (um) crime previsto no art. 166.º, n.º 1, do C.Penal e 1 (um) crime previsto no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal".
Mais tem razão o MP quando refere que houve inserção, por lapso, dos 2 (dois) primeiros parágrafos (5 linhas), de fls. 68023, do acórdão recorrido, (de “Assim e por…”, até “da sua prática.”), por constituir excrescência  anómala.
Tratando-se, pois, de evidente lapso de inserção, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção/eliminação, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, a fls. 68023 (pág. 1610 do acórdão) dão-se por não escritas as cinco primeiras linhas.
Refira-se, finalmente, que o MP igualmente assinala que:
"Tal como referido a fls. 68.016, do Acórdão (Capítulo “2.1.41”) e com referência ao Capítulo “2.9”, do Despacho de Pronúncia, vinha imputada, ao Arguido A, a prática de 3 crimes, previstos no artº 166º, nº 1 e, ainda, 2 crimes previstos no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal.
Tendo em conta a factualidade dada como provada, nos itens “148” a “148.14”, dos “Factos Provados” (fls. 66.589 a 66.591), dúvidas não restam de que a referida factualidade integra a prática do crime previsto no artº 166º, nºs. 1 e 2, do C. Penal.
O Acórdão assim considerou, seja na subsunção dos factos ao Direito (fls. 68.097, item “30”), seja no próprio Dispositivo (fls. 68.140, item “30” e 68.143, “j)”).
Não obstante, seguramente que por mero lapso, a fls. 68.016, item “2.1.41”, omitindo-se a referência ao nº 2, do artº 166º, consignou-se que:
Em consequência, cumpre condenar o arguido pela prática, em autoria material:
- 1 ( um) crime p.p. pelo 166º, nº 1 , do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável ao arguido).”  - sublinhado nosso.
Tratando-se de simples lapso de escrita, propõe-se a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no artº 380º, do CPP." (fim de transcrição).
Também tem aqui razão o MP, se bem que, contrariamente ao que refere, a factualidade em causa dada como provada não está contida nos itens “148” a “148.14”, dos “Factos Provados” mas nos itens “99” a “99.21” dos factos provados.
Estando-se perante um mero lapso, por omissão de escrita, impõe-se em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, na 16ª linha de fls. 68016 (pág. 1603 do acórdão) deve ler-se "- 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.ºs 1 e 2,  do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática".
Repara este Tribunal superior que nesse capítulo "2.1.41." o menor AQ, por mero lapso, aparece referido como "(…)", o que importa, oficiosamente, corrigir, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, onde na segunda linha de fls. 68016 (pág. 1603 do acórdão) se lê "(…)" deve passar a ler-se "AQ".
ARGUIDO K
Com referência ao Capítulo “4.4.2”, do despacho de pronúncia, refere o MP ter havido disparidade, no acórdão recorrido, relativamente à  indicação da pena concreta (4 anos/4 anos e 6 meses de  prisão - cfr. itens “2.5.1.-a)”, a fls. 68046/7, “5.3.5.-1.-a)”, a fls. 68100 e “”E-I-1.-a)”, a fls. 68150).
Com efeito, na subsunção dos factos ao Direito, com referência à prática de um crime (dado como provado), previsto no art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a fls. 68100 consigna-se a pena de “4 (quatro) anos de prisão”, ao passo que, no Dispositivo, a fls. 68150, pelo mesmo crime, refere-se uma pena de “4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão”.
Tratando-se de manifesto lapso de escrita, impunha-se corrigi-lo, para que aquela pena parcelar concreta passasse a ser sempre indicada como sendo de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, tal como consta, e bem, no Dispositivo.
Foi o que oportunamente se decidiu, quando apreciámos o recurso do arguido K para aí ora se remetendo.
ARGUIDO N
Assinala o MP que, por referência ao Capítulo “7.3”, do despacho de pronúncia, o arguido N vinha pronunciado pela prática de 2 crimes de lenocínio, previstos no art. 176.º, n.ºs 1 e 3, e por 1 crime de lenocínio, previsto no art. 176.º, n. 1, ambos do CP (cfr. fls. 21010, item “6.-j”).
Acrescentando: "Todavia, no Acórdão, por lapso, omite-se (cfr. item “2.6.3.”, a fls. 68.052) a referência à absolvição pela prática do crime previsto no artº 176º, nº 1, ao passo que, no Dispositivo, se absolve, não (como se devia) pela prática de 2 crimes, previstos no artº 176º, nºs.1 e 3 e pela prática de 1 crime previsto no artº 176º, nº 1, ambos do C. Penal, mas, antes (como não se podia), pela prática de 3 crimes previstos no artº 176º, nºs. 1 e 3, do referido diploma. Tratando-se, pois, de evidente lapso de escrita, propõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no artº 380º, do CPP."
Contudo, não tem aqui o MP inteira razão.
Da atenta leitura de todo o ponto 2.6.3., a fls. 68052 (pág. 1639 do acórdão), constata-se, por um lado, a assinalada omissão.
Com efeito, no despacho de pronúncia, imputa-se ao arguido  N "Com refª. ao capítulo 6.3.1: 1 (um) crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nº. 1 do Código Penal" e "Com refª. ao capítulo 7.3: 2 (dois) crimes de lenocínio, pp. e pp. pelo artº. 176º. nºs. 1 e 3 do Código Penal e um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº. 176º. nº. 1 do Código Penal" (vd., respectivamente, alíneas b) e j) do ponto 6 da pág. 288 da decisão instrutória).
Assim, o Tribunal a quo em 2.6.3. do acórdão recorrido, a fls. 68052, em que alude, em conjunto, aos capítulos  6.3.1. e 7.3. do despacho de pronúncia, esqueceu-se de mencionar um dos referidos crimes de lenocínio, previsto no art. 176.º, n.º 1, do CP, pelo qual o arguido N vinha pronunciado, bem como de o absolver da prática do mesmo.
Porém, por outro lado, já no que ao dispositivo respeita, o arguido N é, e bem, absolvido, com referência  ao capítulo 6.3.1, do despacho de pronúncia, da prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1 do CP, e, com referência  ao capítulo 7.3, do despacho de pronúncia, da prática de dois crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3, do CP, e de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, do CP, como se alcança, respectivamente,  das alíneas b) e h) do ponto III da pág. 1739 do acórdão.
Destarte, não tem razão o MP quando refere que no dispositivo o arguido N foi absolvido "(como não se podia), pela prática de 3 crimes previstos no artº 176º, nºs. 1 e 3".
Deste modo, dando-se tão-só parcial procedência ao peticionado pelo MP, verificamos estar-se perante um mero lapso, por omissão de escrita apenas a fls. 68052, impondo-se determinar, visto o dis(...) no art. 380.º do CPP, a respectiva correcção.
Assim, onde, quer na 14ª linha, quer na 23ª linha, de fls. 68052 (pág. 1639 do acórdão), se lê "- 1 (um) crime p.p. pelo 176º, nº 1,  do C. Penal" deve ler-se "- 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 176.º, n.º 1, do C. Penal".
Repara este Tribunal ad quem que, nesse capítulo "2.6.3.", o arguido N, por mero lapso, aparece referido, a dado passo, no género feminino, o que importa, oficiosamente, corrigir, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, onde na 12.ª linha de fls. 68052 (pág. 1639 do acórdão), se lê "está imputado à arguida" deve passar a ler-se "está imputado ao arguido".
ARGUIDA Q
Refere o MP, com inteira razão, ter havido lapso de escrita, na referência operada no item “133”, dos “Factos Provados”, no acórdão recorrido, aos itens “125.5” a “125.11”, igualmente, dos “Factos Provados”, (...) que inexistem os itens “125.10” e “125.11” (vd. fls. 66584/5 - pág.s 171 e 172 do acórdão), devendo considerar-se o reporte, tão só, aos itens “125.5” a “125.9”.
Tratando-se, pois, de evidente lapso de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º do CPP.
Assim, onde na segunda linha de fls. 66586 (pág. 173 do acórdão) se lê “nos pontos “125.5.” a “125.11” deve passar a ler-se “nos pontos “125.5.” a “125.9”.
Refere ainda o MP que a fls. 66579/80 (pág. 166/167 do acórdão recorrido), no Capítulo relativo aos “Factos Provados”, do denominado Processo Principal, repetem-se os itens  “118.12” (1 vez, a fls. 68579), “118.13” (2 vezes, a fls. 66580), “118.14” (1 vez, a fls. 66580) e “118.15” (1 vez, a fls. 66580).
E tem razão. Tratam-se de evidentes lapsos de escrita, na numeração dos factos provados, que aparecem repetidos, por mais do que uma vez, impondo-se a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º, do CPP, o que se determina.
Assim, onde na penúltima linha de fls. 66579 (pág. 166 do acórdão recorrido) se lê "118.12." deve passar a ler-se "118.14." e onde na folha seguinte (66578, pág. 167 do acórdão recorrido) se lê, sucessivamente, "118.13.", "118.14.", "118.15.", "118.13.", "118.14." e "118.15.", deve, respectivamente, passar a ler-se "118.15.", "118.16.", "118.17.", "118.18.",  "118.19." e "118.20.".
E, consequentemente, onde na pág. 1283 do acórdão recorrido se referem, na fundamentação, "os factos que o Tribunal deu como provados nos pontos" (…) "118.13. a 118.15." deve passar a ler-se "118.18. a 118.20."
Tudo isto, obviamente, sem embargo do que vier a ser decidido, e em conformidade ficar prejudicado, relativamente à arguida Q e também, por ali serem igualmente visados, os arguidos N e A no tocante aos factos de (...).
Finalmente, menciona o MP que a fls. 66649 do acórdão recorrido), no item “21.7”, dos “Factos não Provados”, alude-se, por mero lapso, aos “pontos “103.” a “103.26” dos factos provados”. Devendo tal remissão ser entendida com referência, tão só, aos itens “103” a “103.24”, dos “Factos Provados”, (...) que, no acórdão recorrido, inexistem os itens “103.25” e “103.26”.
E tem razão. Aliás, é o que se alcança da numeração dos itens constante na pág. 147 do acórdão recorrido e foi isso que se consignou, e bem, quer na alínea a) da pág. 1606 quer na segunda linha da pág. 1617, ambas do acórdão recorrido, quando se aludiu a "os pontos constantes dos  nºs. “102.” a  “103.24.”  dos “factos provados”". 
Tratando-se de evidentes lapsos de escrita, impõe-se, em conformidade, a respectiva correcção, nos termos do dis(...) no art. 380.º, do CPP, o que se determina.
Assim, onde no item 21.7 da pág. 235 do acórdão recorrido se lê “Nas circunstâncias descritas nos pontos “103.” a “103.26” dos factos provados” deve passar a ler-se "Nas circunstâncias descritas nos pontos “103.” a “103.24” dos factos provados".
H) RECURSO DO ACÓRDÃO INTER(...) PELOS ASSISTENTES  AX, Y, AN E AI 
1. Da motivação do recurso extraiem os assistentes as seguintes (transcritas) conclusões:
“PONTO I
1. No entender dos aqui recorrentes a decisão sub judice padece de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, e em consequência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, b) e c), do CPP, assim como, entendem não ser requisito do tipo previsto no artigo 166º, do CP a diminuição ou anulação da capacidade de resistência da vítima.
2. Razão pela qual não podem aceitar a absolvição do arguido C pela prática de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos e punidos no artigo 166º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, por referência aos factos  relativos ao Assistente Y e descritos nos pontos 102 a 103.24, dos factos provados e 21.1, 21.6 e 21.7, dos factos não provados, do Acórdão (4.1.3 do Despacho de Pronúncia).
3. Da factualidade provada relativamente ao arguido C, com referência ao capítulo 4.1.3 do despacho de pronúncia, em relação ao assistente Y, estava imputado ao arguido a prática em autoria material de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, prevista e punida pelo artigo 166º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
4. Sendo que quanto à matéria dada como provada e constantes dos factos dados como provados a 102 a 103,24, o tribunal considerou que estão preenchidos elementos constitutivos do tipo.
5. Sustenta no entanto o tribunal a quo que é elemento do tipo legal que haja um aproveitamento da vítima por parte do agente, aproveitamento esse da incapacidade do sujeito em dar o seu consentimento ou ser coagido a tal motivado pelo internamento, e quanto elemento subjectivo, o dolo tem de abranger não só o acto sexual, como a incapacidade da vítima de opor resistência e o seu aproveitamento pelo agente.
6. Ora no caso concreto, em relação ao assistente Y, os actos ocorreram fora do espaço da AX. Numa casa fora da AX. O que deve ser abrangido pelo conceito de internamento.
7. Concluiu no entanto, no nosso entender mal, que não foi possível concluir que na situação concreta existiu a especial relação de dependência, proximidade pessoal, que tivesse permitido ao Tribunal estender aos factos ocorridos entre o arguido e o educando, no trajecto e transporte que fez deste. O que levou o Tribunal a considerar que não se encontram suficientemente provados todos os elementos constitutivos do tipo do crime pelo qual o arguido se encontrava pronunciado, tendo em consequência absolvido o arguido C pela prática em autoria material de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previsto e punido pelo artigo 166º, nº 1 e 2 do CP.
8. Ora, o tribunal a quo considerou como não preenchidos elementos constitutivos do tipo, quando na verdade, salvo melhor opinião, não são requisitos do tipo os elementos enunciados no acórdão.
9. Do texto da lei, conforme decorre do acima enunciado, não resulta, ao invés da posição sustentada pelo Tribunal a quo, por um lado que a vítima tenha de ter conhecimento das funções ou do lugar específico exercido pelo arguido, mas tão só que o agente se aproveite dessas mesmas funções ou do lugar que a qualquer título exercia na AX.
10.  Não resulta, no nosso entender, do tipo de abuso sexual de pessoa internada previsto no artigo 166º, nºs 1 e 2, do CP, ao contrário da posição sustentada no acórdão, o requisito de diminuição/anulação da capacidade de resistência da vítima.
11. Tal será de necessária verificação para preenchimento dos elementos do tipo por exemplo abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punido no artigo 165º do CP.
12.  Com efeito o Tribunal deu como provado que o assistente Y aquando da prática dos factos pelo arguido C estava confiado à guarda e confiança da AX, pois estava internado, instituição esta que é um estabelecimento de educação onde o arguido desempenhava as funções de (...) (...) da instituição, sendo que resultou provado o temor reverencial que provocava no assistente Y.
13.  Assim como resultou provado a consciência e o conhecimento que o arguido tinha dessa circunstância, pretendeu valer-se disso agindo de modo livre e consciente.
14.  Razão pela qual, face aos factos provados, encontrando-se preenchidos todos os elementos necessários à condenação do arguido C em relação ao assistente Y por dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previsto e punido pelo artigo 166º, nºs 1 e 2, do CP
PONTOS II e III
15.  Quanto à arguida Q, com referência ao capítulo 6.7.2 do despacho de pronúncia, face à matéria que o tribunal deu como provada nos pontos 125 a 135.2, em relação ao assistente AI, encontra-se provado que em relação aos factos ocorridos num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999, antes do Natal, em casa da arguida Q em (...), que o arguido H esteve com o assistente AI sendo que a actuação do arguido integra a prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 172º, nº 1, do CP.
16.  Dos factos provados resultou ainda provado, no que em particular respeita à arguida Q que (133 e 135.2 dos factos provados), ao ceder a utilização da sua casa nas ocasiões e circunstâncias descritas nos pontos 125.5 a 125.11 dos factos provados, sabia que a mesma se destinava a que adultos do sexo masculino ali estivessem com jovens do sexo masculino, admitindo que pudessem ser praticados actos com conteúdo sexual e admitindo que os jovens pudessem ter idades inferiores a 14 e 16 anos e cedeu-a para receber uma contrapartida.
17.  Convoca no entanto o Tribunal a recentes alterações legislativas, nomeadamente as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4/09, sustentando ser actualmente exigível que a arguida tenha conhecimento de que está a facilitar a prática de prostituição, isto é, a prática remunerada de actos sexuais de relevo.
18.  Com referência ao capítulo 6.2.1 do despacho de pronúncia, em relação ao assistente AN em relação ao arguido N, face à matéria que o tribunal deu como provada nos pontos 119 a 119.11 e 135 a 135.2, designadamente que em relação aos factos ocorridos em dia indeterminado entre Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000 a actuação do arguido integra a prática em autoria material de um crime previsto e punido pelo artigo 172º nº s 1 e 2 do CP, tendo sido condenado.
19.  Resultou provado o seguinte: Ao disponibilizar a utilização da casa referida, nas ocasiões e circunstâncias descritas, mediante prévio acordo por si estabelecido com a arguida Q, o arguido N visava que nela fossem sujeitos a práticas sexuais, que incluíam masturbação, coito oral e coito anal, menores de 16 ou de 14 anos, alunos da AX, que para esse local eram transportados pelo arguido A, perpetrados por si, pelo co-arguido H e por outros adultos de identidades não apuradas.
20.  Bem como que: A arguida Q consentiu ceder o imóvel referido, com o propósito de receber uma contrapartida. A arguida Q agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal. Tendo no entanto o tribunal decidido absolver a arguida pelas mesmas razões atrás referidas.
21.  Perante a condenação dos arguidos N e H pela prática cada de um crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo 172º nº 1 do CP, a conduta da arguida Q caracteriza-se por contribuir prestando ajuda material, através do fornecimento do local para a pratica dos abusos, devendo ser classificada como de cumplicidade.
22.  A ideia central que preside à participação é a de que esta colaboração no facto do autor e, por conseguinte, a sua punibilidade supõe a existência de um facto principal (doloso) cometido pelo autor. Existindo cumplicidade quando o cúmplice presta auxílio (material) a um facto doloso, auxílio doloso a facto doloso.
23.  Quem coloque menores à disposição de abusadores, recebendo ou não dinheiro para tal, deverá no entender dos assistentes ser considerada comparticipante do crime de abuso sexual, afastado que se encontra o crime de lenocínio, nos termos e com os fundamentos do acórdão objecto de recurso.
24.  Pelo que não se encontrando condenada a arguida pela prática do crime de lenocínio, dada a existência de concurso aparente, sempre se verifica a prática pela mesma do crime de abuso sexual de criança, como comparticipante/cúmplice.
25.  Motivo pelo qual entendem os assistentes ter existido erro na absolvição da arguida relativamente aos factos constantes dos itens 6.2.1 e 6.7.2, devendo a arguida ser condenada como comparticipante no crime de abuso sexual praticado pelo arguido H (em relação ao assistente AI) e pelo crime de abuso sexual praticado pelo arguido N (relativamente ao assistente AN) (previstos e punidos pelo artigo 172º, nºs 1 e 2, do CP), devendo consequentemente, em cumprimento do dis(...) no artigo 358º do CPP, tal implicar a comunicação da alteração temporal dada como provada relativamente ao descrito na pronúncia.
PONTO IV
26.  Ao absolver, como fez, o tribunal deveria ter apreciado a questão da responsabilidade civil da arguida, isto por força da previsão do artigo 377º, nº 1 do CPP;
27.  Os actos imputados à arguida configuram um ilícito e não são geradores de responsabilidade contratual, antes sim, de responsabilidade aquiliana ou por factos ilícitos.
28.  O Tribunal, absolvendo a arguida, estava vinculado a apreciar a ilicitude da sua conduta para concluir pela decisão relativa à sua responsabilidade civil.
29.  Esta imperatividade e conduta resultam, quer da Lei, quer da Jurisprudência fixada pelo Assento 7/1999 publicado no DR nº 179 - 1ª Série, de 3-8-1999,
30.  Estão verificados e provados, todos os pressu(...)s do dever de indemnizar: o facto e a sua ilicitude, a imputabilidade do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade adequada;
31.  O Tribunal, para além de ter o dever de apreciar a responsabilidade civil da arguida nos termos supra evidenciados, deveria ter, conclusivamente, condenado a arguida em indemnização a favor dos assistentes ora recorrentes, mesmo mantendo-se a sua absolvição penal;
32.  Pois, é por força da autonomia entre as duas responsabilidades que é plausível que o Tribunal absolva da responsabilidade criminal, mas possa conhecer da responsabilidade civil.
33.  Sendo que esta última é a responsabilidade emergente do facto ilícito criminal, ou seja, a responsabilidade a que se refere o artigo 483º, nº 1 do Código Civil.
34.  Os factos imputados à arguida, mesmo que na óptica de simples demandado, configuram ilícito civil, violador de direitos dos demandantes e causador de prejuízos aos mesmos, estando-se, por isso, manifestamente fora do campo da responsabilidade contratual.
35.  Errou, pois tinha o dever de retirar da absolvição criminal as consequências que daí adviriam para a parte civil.
36.  Ao omitir por completo qualquer alusão sobre a questão de deveria ter conhecido, o Ac. recorrido incorreu em omissão de pronúncia, na medida em que há ausência completa de tomada de decisão sobre aspecto que devia impositivamente apreciar –  ex vi do nº 1 do artigo 377º do CPP.
37.  A omissão de pronúncia fere o acórdão de nulidade, nessa parte, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP, a qual, como resulta do nº 2 do mesmo aresto, é de conhecimento oficioso.
PONTO V
38.  A recorrente deduziu pedido de indemnização contra todos os arguidos com fundamento em responsabilidade civil por factos ilícitos pelo dano não patrimonial que sofreu: ofensa ao bom nome e consideração.
39.  O acórdão recorrido deu como provados os factos que preencheram os tipos incriminadores por que vieram a ser condenados os arguidos A, C, E, H, K e N.
40.  Relativamente à Q, embora o tribunal a tenha absolvido por aplicação da lei mais favorável ao arguido, deu como provados parte dos factos por que vinha acusada, nessa medida podendo estes servir para o preenchimento dos pressu(...)s indemnizatórios da responsabilidade civil.
41.  (...) isto, a verificação dos três primeiros pressu(...)s de que depende a obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos – o facto danoso, a ilicitude deste e a sua imputabilidade ao agente – é uma decorrência da prova dos factos constitutivos do ilícito penal em que também se funda o pedido civil.
42.  No entender da recorrente, a procedência do pedido indemnizatório fica, assim, exclusivamente dependente da prova dos dois restantes pressu(...)s cuja verificação a lei substantiva civil exige: o dano e o nexo de causalidade.
43.  Para esse fim a demandante alegou os factos articulados do art. 44º a 48º-A do pedido civil, todavia apenas se pronunciando o tribunal acerca dos 44º a 46º e de forma reflexa, na medida em que aqueles coincidiram com artigos do despacho de pronúncia, dando-os por provados.
44.  Sendo que destes os alegados nos 47º a 49º do pedido, assim como os 44º a 46º dados por provados, são instrumentais relativamente à determinação da existência do dano, alegando-se a demonstração da natureza do dano e o nexo de causalidade entre este e a conduta dos arguidos nos 47º-A e 48º-A.
45.  Seria então necessária a produção de prova específica destinada a convencer o tribunal a quo da exactidão do alegado nos arts. citados? No entender da recorrente não, visto aqueles serem factos notórios e, como tal não carecerem de prova, nem sequer de alegação; cfr. art. 514.º, n.º 1, CPC ex vi art.4.º, CPP.
46.  Para efeitos desta norma, notório é o facto que é do conhecimento geral, que é do domínio comum da sociedade, de tal forma que o seu conhecimento pelo cidadão médio regularmente interessado e informado sobre a sociedade em que se integra é a regra, não sendo necessário o julgador recorrer a operações lógicas e cognitivas, ou a juízos presuntivos para o conhecer.
47.  Quais então os factos articulados nos 47º a 48º-A que recaem em tal classificação por serem do conhecimento da generalidade dos cidadãos regularmente informados e interessados:
(i) O facto da AX ser uma instituição antiga que data, pelo menos da época da monarquia (48º);
(ii) O facto da AX ser uma instituição dedicada ao acolhimento e educação de crianças, (47º);
(iii) O facto dos educandos acolhidos da AX serem crianças desprotegidas, provenientes de famílias, elas próprias, desfavorecidas (47º);
(iv) Conhecendo-se o facto referido em (i) também se tem conhecer que o número de educandos acolhidos pela AX ao longo dos anos se cifra em milhares (48º);
(v) O facto do cidadão médio português julgar louvável uma instituição que tem por fim o acolhimento de crianças desvalidas (49º);
(vi) O facto da existência de investigação criminal sobre a prática de actos sexuais com educandos da AX, mercê da intensa divulgação mediática da mesma (47º-A e 48º-A);
(vii) O facto dos (então eventuais) autores de tais actos serem os arguidos agora condenados criminalmente pelo acórdão recorrido (47º-A e 48º-A);
(viii) O facto de, até ao desencadear da investigação criminal referida, em que eram investigados, entre outros, os arguidos, o cidadão médio não associar a AX a actos de pedofilia (47º-A e 48º-A);
 (ix) O facto de, com a divulgação mediática primeiro da investigação criminal e depois do processo judicial, o português comum passou a associar automaticamente o nome AX a práticas pedófilas (47º-A e 48º-A);
(x) O facto de essa associação ser normalmente depreciativa: antes do escândalo a AX era uma instituição que educava crianças desfavorecidas, depois passou a ser o cenário de práticas pedófilas (47º-A e 48º-A);
(xi) O facto de todas as associações positivas ao nome AX serem hoje em dia obscurecidas pela associação depreciativa ao fenómeno da pedofilia (47º-A e 48º-A);
(xii) O facto de esta associação se ir manter por um período de tempo relativamente dilatado, mercê do enorme impacto mediático que o processo tem e continuará a ter (47º-A e 48º-A);
(xiii) O facto de, caso não tivessem ocorrido os abusos que os arguidos cometeram com educandos da recorrente, essa associação pejorativa do nome da AX ao fenómeno da pedofilia não sobreviria (47º-A e 48º-A).
48.  Assim, atento o dis(...) nos citados normativos, o tribunal a quo, deveria ter julgado os articulados a 47º, 48º, 49º, 47º-A e 48º-A do pedido como factos notórios, dando-os por provados com a formulação do pedido ou outra que entendesse.
49.  Pelo que, considerando os factos integradores dos crimes por que foram condenados os arguidos e os factos notórios que não careciam de prova, deveria o tribunal ter julgado verificados os pressu(...)s da obrigação de indemnizar e, consequentemente, condenado os arguidos no pedido – neste sentido vd. Ac. Relação de Coimbra de 22/06/2010 – Proc. 1803/08.3TBVIS.C1 – in www.dgsi.pt.
50.  Não o tendo feito, deverá fazê-lo o Venerando Tribunal da Relação para que se recorre.
51.  Ainda que assim não se entenda, sempre teria o acórdão incorrido na nulidade cominada para a falta de fundamentação.
52.  A decisão absolutória sobre o pedido civil deve ser motivada de forma a permitir ao demandante, e ao tribunal de recurso, percepcionar o raciocínio lógico-jurídico seguido pelo julgador na sua decisão.
53.  Ora, relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pela AX o acórdão apenas diz o seguinte:
“Atendendo aos factos a que resultaram não provados, há que: a) Absolver o arguido/demandado A do pedido cível contra si deduzido pelo(s) demandantes (…) AX” [2. a) a fls. 1698 da decisão] e “b) Absolver os arguidos/demandados C, E, H, K, N e Q do pedido cível contra si deduzido pela Demandante AX” [2. b) a fls.1698 da decisão].
54.  Não se refere, portanto, o acórdão aos factos alegados dizendo que são insuficientes para a procedência pedido, ou insusceptíveis de o fundamentar, nem se identificam aqueles que, no entender do tribunal, deveriam ter sido dado como provados para que tivesse acolhimento o pedido civil, nem se invoca qualquer razão legal que obste ao conhecimento do pedido.
55.  Porém, sabendo-se que o tribunal deu por provados os factos que fundamentam a condenação dos arguidos e que implicam a verificação de três pressu(...)s da obrigação de indemnizar: facto, ilicitude e imputabilidade ao agente,
56.  E que os restantes requisitos indemnizatórios – dano e nexo de causalidade –dependem de factos que foram alegados pela demandante alguns dos quais foram dados por provados (44º a 46º) e outros nem sequer foram conhecidos pelo tribunal (47º a 48º-A), que não os elencou nos factos provados ou não provados,
57.  Não é possível à demandante discernir se a absolvição dos arguidos do pedido se deve a não ter alegado factos suficientes ou susceptíveis de alicerçar a sua pretensão, a não ter logrado fazer prova dos factos constitutivos do seu direito ou a alguma razão legal que obstasse à procedência do pedido.
58.  Por outro lado, admitindo-se que o tribunal os entendeu como não provados, sempre teria que fundamentar de facto a sua decisão a esse respeito fazendo referência aos meios de prova e às razões que determinaram a sua convicção negativa.
59.  Não sendo, assim, perceptível do acórdão o motivo pelo qual os arguidos foram absolvidos do pedido verifica-se a omissão da fundamentação da decisão de facto, o que importa a nulidade do acórdão na parte correspondente – art. 379.º, n,º 1, a), por remissão para o art.374.º, n.º 2, CPP.                                                   
60.  Por outro lado, dos factos alegados no pedido para demonstrar o dano e nexo de causalidade – 44º a 48º-A – o tribunal apenas se pronunciou de forma reflexa quanto aos articulados sob 44º, 45º e 46º, nada dizendo acerca dos 47º a 48º-A.
61.  Sabendo-se que estes factos são os únicos donde pode resultar demonstrado o dano e o nexo de causalidade é inquestionável a sua relevância para decidir da procedência da pretensão indemnizatória.
62.  Face ao objecto do pedido e aos factos que interessam a este já provados (os respeitantes à conduta dos arguidos), poderia julgar-se aqueles não provados, ou decidir-se que eram insuficientes ou insusceptíveis de sustentar o pedido, o que não se pode é, pura e simplesmente, ignorá-los.
63.  Note-se que os factos em causa não são meros argumentos em apoio de uma tese, mas sim uma questão fulcral por a sua prova ser imprescindível para a boa decisão da pretensão que o sujeito processual pretende ver apreciada pelo tribunal.
64.  (...) que essa pretensão já se encontra parcialmente fundada com a condenação dos arguidos, e que o tribunal a quo não decidiu alguma questão da qual resulte prejudicada a sua apreciação, do conhecimento daqueles factos depende a decisão acerca do pedido civil.
65.  Assim, ao não o fazer o tribunal a quo deixou de conhecer de uma questão que devia apreciar, incorrendo em omissão de pronúncia nos termos do art. 379.º, n.º 1, c), CPP, também por isso sendo nula a parte do acórdão que absolveu os arguidos do pedido.                                                  
66.  Por último, a não inclusão de factos relevantes para a decisão no elenco dos provados ou não provados sempre constituiria uma nulidade a conhecer oficiosamente pelo tribunal de recurso:
67.  Tendo sido alegados factos – os articulados sob os arts. 46º a 48º (2º) do petitório – que, em abstracto, são um factor a ter em conta na apreciação de um pedido por danos morais, o  acórdão ao não especificá-los como provados ou não provados, violou o dis(...) no citado n.º 2 do art. 374.º, cominando o art. 379.º, n.º 1, a), para tal vício a nulidade do acórdão na parte em que decide do pedido.
NESTES TERMOS, NOS DEMAIS DE DIREITO E COM O, SEMPRE DOUTO, SUPRIMENTO DE V.EXAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:

A) SER CONDENADO O ARGUIDO C, POR REFERÊNCIA AO ITEM 4.1.3 DO DESPACHO DE PRONÚNCIA, PELA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE ABUSO SEXUAL DE PESSOA INTERNADA, PREVISTOS E PUNIDOS PELO ARTIGO 166.º, N.OS 1 E 2, DO CP;                                               
B) SER CONDENADA A ARGUIDA Q, POR REFERÊNCIA AOS ITEMS 6.2.1 E 6.7.2 DO DESPACHO DE PRONÚNCIA, PELA PRÁTICA, NA QUALIDADE DE COMPARTICIPANTE, DE DOIS CRIMES DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS, PREVISTOS E PUNIDOS PELO ARTIGO 172º, N.OS 1 E 2, DO CP, PARA TANTO OBSERVANDO-SE A DISCIPLINA DO ARTIGO 358º DO CPP E MAIS TERMOS LEGAIS APLICÁVEIS;
C) SER CONDENADA A ARGUIDA Q NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DEDUZIDO PELOS DEMANDANTES AN E AI, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS CONSTANTES DAQUELE;
D) SEREM CONDENADOS OS ARGUIDOS A, C, E, H, K, N E Q NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DEDUZIDO PELA DEMANDANTE AX NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS CONSTANTES DAQUELE;
OU, ASSIM NÃO SE ENTENDENDO,
E) SER JULGADO NULO O ACÓRDÃO POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 379.º, N.º 1, C) E 379.º, N.º 1, A), POR REMISSÃO AO ARTIGO 374.º, N.º 2, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, NA PARTE EM QUE ABSOLVE OS ARGUIDOS A, C, E, H, K, N E Q, DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO  CIVIL   DEDUZIDO   PELA  DEMANDANTE AX, POR OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO, DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES QUE DEVERIA CONHECER E DE ESPECIFICAÇÃO DE FACTOS ALEGADOS PELA DEMANDANTE.
                           ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”
2. Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância concluindo que: 
“As matérias invocadas no Recurso dos Assistentes, no que à parte criminal do Acórdão recorrido diz respeito (itens “I”, “II” e “III”), são, no essencial, concordantes com algumas das questões suscitadas no Recurso, oportunamente, inter(...) pelo MºPº, concluindo-se, num e noutro, por forma parcialmente coincidente. Assim, sobre o Recurso em causa, o MºPº não teceu quaisquer considerações, (...) que não se registam divergências que o justifiquem;”
3. Respondeu o arguido C concluindo que:
Os factos alegadamente praticados pelo ora Recorrido não constituem causa adequada dos danos não patrimoniais reclamados pela Recorrente, não sendo susceptíveis de preencher o nexo de causalidade de imputação objectiva previsto no art.º 563º do CC.
Ademais;
O Recorrido não praticou qualquer facto ilícito de que tenha sido vítima a Recorrente, não incorrendo em obrigação de a indemnizar pelo que quer que seja (cfr. art.º 483º, n.º 1 do CC).
           Pelo que bem andou, nesta parte, o Tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido de indemnização civil da Recorrente AX, por não provado.
Termos em que deverá ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, confirmando-se o Acórdão, quer na parte relativa à absolvição dos crimes alegadamente perpetrados contra o Recorrente Y quer quanto à improcedência do pedido de indemnização civil da Recorrente AX, só assim se fazendo a costumada Justiça!”
4. Respondeu também o arguido E alegando que:
“A fls 68541 e seguintes, a AX impugna, no seu recurso, a absolvição do recorrido do pedido de indemnização civil por ela deduzido.
Afirma, a fls 68556, que a “identificação do dano e o nexo de causalidade entre este e a conduta dos arguidos ficou alegado nos 47º-A e 48º-A”, reconhecendo que “o alegado no 46º-A é conclusivo.”
Alega nos artºs 46º-A, 47º-A e 48º-A (fls 14978) a “conduta dos Arguidos no seu conjunto”, a “conduta dos Arguidos”, a “actuação dos Arguidos”, respectivamente, do que resulta que também é conclusivo o alegado nos artºs 47º-A e 48º-A.
A alegação da conduta, da actuação dos arguidos, de que a recorrente pretende fazer depender a pretensão de indemnização pelo recorrido é mera conclusão, sem invocação dos factos concretos por ele praticados para obter a sua condenação na indemnização.
Faltando tal invocação, falta a cusa de pedir configurada no artº 498º-4 do Código de Processo Civil, não podendo proceder o pedido.
Sem indicação dos factos concretos, incluindo a sua componente temporal, o demandado não podia defender-se, designadamente excepcionando a prescrição estabelecida no artº 498º do Código Civil, incluindo o decurso do prazo 20 anos (artº 309º do Código Civil) de prescrição ordinária a contar de eventual facto danoso invocado.
O acórdão absolve o recorrido e os co-arguidos do pedido de indemnização deduzido pela recorrente “atendendo aos factos que resultaram não provados” (fls 68111) e a recorrente não invoca factos praticados pelo recorrido que tenham resultado provados e que sejam relevantes para fundamentar a condenação na indemnização pedida. Nem podia fazê-lo, pois não os alegou no pedido que deduziu.
E continua a não os alegar na motivação do recurso. É que os factos dados como provados relativamente ao recorrido são ineficientes em danosidade à recorrente. Não são reportados ao âmbito da recorrente, à sua estrutura, ao seu espaço, aos seus dirigentes, ao seu funcionamento.
Se um aluno dum (...) privado for vítima de abuso sexual em fim de semana ou férias com a família, o abusador de modo algum causa danos ao (...). E, se o abuso for mediatizado com referência ao (...), o dano que daí possa é imputável aos órgãos mediáticos.
Nestes termos e sobretudo pelo que doutamente será suprido, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a absolvição do recorrido do pedido de imdemnização civil contra ele deduzido pela AX.”    
5 - Analisando
a) - Erro na absolvição do arguido C, pela prática de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do CP, por referência a factos relativos ao assistente Y
Esta questão foi já apreciada no âmbito do recurso inter(...) pelo arguido C da decisão final, dando-se aqui por reproduzido tudo o que a esse respeito aí foi dito.
Improcede, pois, quanto a esta questão o recurso dos assistentes. 
b) - Erro na absolvição da arguida Q relativamente aos factos constantes dos itens 6.2.1 e 6.72, porquanto encontrando-se o crime de lenocínio numa relação de concurso aparente com o crime de abuso sexual de crianças, deveria ter sido condenada como comparticipante nos crimes de abuso sexual praticados pelos arguidos H (em relação ao assistente AI) e N (relativamente ao assistente AN) devendo consequentemente, em cumprimento do dis(...) no art. 358.º do CPP, tal implicar a comunicação da alteração temporal dada como provada relativamente ao descrito na pronúncia
Conforme referimos supra, a propósito de questão semelhante suscitada no recurso inter(...) pelo MP da decisão final, o conhecimento desta questão fica prejudicado face à declarada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos supra referidos em II. B. 3. D) 4. c) e d) (pág.  3160 a 3165), e à possível alteração, nessa parte, da matéria de facto nele dada como provada.
Se, face à factualidade que vier a ser fixada pela 1ª instância, se concluir pela incriminação da arguida Q como comparticipante nos crimes de abuso sexual de crianças imputados aos arguidos N e H (na pessoa dos assistentes AN e AI, respectivamente), então, deverá a condenação da arguida por tais crimes ser precedida da comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos da pronúncia, nos termos do dis(...) no art. 358.º, n.º 3, do CPP, bem como da comunicação da alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia relativa ao período temporal em que os mesmos ocorreram no que concerne ao AI, nos termos previstos no n.º 1 do art. 358.º do CPP.     
c) - Erro na absolvição da arguida/demandada Q relativamente aos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos pelos assistentes AN e AI
Alegam os recorrentes que o Tribunal a quo condenou, por força dos factos dados como provados e com a sustentação da fundamentação de facto que os suportou, os arguidos N e H pelos crimes por que vinham pronunciados.
Porém, por força da aplicação do princípio da lei mais favorável ao agente, absolveu a arguida Q dos mesmos factos, os quais incidem sobre os pontos 6.2.1 e 6.7.2 da pronúncia.
Mais alegam que, no que tange ao pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes AN e AI, quanto à prática pela arguida Q de factos que em si mesmo são geradores de ressarcimento, o Tribunal a quo nada disse, limitando-se a absolver in totum a arguida, sem qualquer alusão, muito menos fundamentação, a tal pedido de indemnização civil.
Alegam, ainda, os recorrentes que, ao absolver, como fez, o Tribunal de primeira instância deveria ter apreciado a questão da responsabilidade civil da arguida, por força da previsão do art. 377.º, n.º 1, do CPP, tanto mais que a arguida não foi absolvida por falta de prova, mas sim em resultado de uma alteração legislativa e por aplicação do princípio da lei mais favorável. E até porque a reparação civil arbitrada em processo penal não é um mero efeito da condenação.
Concluem os recorrentes que, ao omitir por completo qualquer alusão sobre a questão que deveria ter conhecido, o Acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, que o fere de nulidade nessa parte, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
Quanto ao AI, com o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes.
Senão vejamos.
Como resulta de todo o ponto 2 do relatório do acórdão recorrido:
- A fls. 14517 a 14534 o assistente X apresentou pedido de indemnização civil contra Q, pedindo a condenação desta, solidariamente com outros co-arguidos, no montante de 90.000,00€ (noventa mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pela demandada ao demandante, com a prática dos factos a que se referem os autos, acrescida dos danos que se viessem a apurar em sede de execução de sentença, quantia essa actualizada à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal;
- A fls. 14538 a 14556 o assistente Y apresentou pedido de indemnização civil contra Q, pedindo a condenação desta, solidariamente com outros co-arguidos, no montante de 93.000,00€ (noventa e três mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pela demandada ao demandante, com a prática dos factos a que se referem os autos, acrescida dos danos que se viessem a apurar em sede de execução de sentença, quantia essa actualizada à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal;
- A fls. 14776 a 14786 o assistente AN apresentou pedido de indemnização civil contra Q, pedindo a condenação desta, solidariamente com outros co-arguidos, no montante de 175.000,00€ (cento e setenta e cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pela demandada ao demandante, com a prática dos factos a que se referem os autos, acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento;
- A fls. 14807 a 14828 o assistente AP apresentou pedido de indemnização civil contra Q, pedindo a condenação desta, solidariamente com outros co-arguidos, no montante de 100.000,00€ (cem mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pela demandada ao demandante, com a prática dos factos a que se referem os autos, acrescida dos danos que se viessem a apurar em sede de execução de sentença, quantia essa actualizada à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal;
- A fls. 14876 a 14896 o assistente AT apresentou pedido de indemnização civil contra Q, pedindo a condenação desta, solidariamente com outros co-arguidos, no montante de 80.000,00€ (oitenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pela demandada ao demandante, com a prática dos factos a que se referem os autos, acrescida dos danos que se viessem a apurar em sede de execução de sentença, quantia essa actualizada à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal;
- A fls. 14913 a 14933, o assistente AV apresentou pedido de indemnização civil contra Q, pedindo a condenação desta, solidariamente com outros co-arguidos, no montante de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pela demandada ao demandante, com a prática dos factos a que se referem os autos, acrescida dos danos que se viessem a apurar em sede de execução de sentença, quantia essa actualizada à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal.
Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foram admitidos, entre outros, estes seis pedidos de indemnização civil deduzidos contra a arguida Q.
Por seu turno, importa aqui assinalar, o assistente AI, a fls. 14697 a 14707, apresentou pedido de indemnização civil contra os arguidos A, K, N, H e C, mas não contra a arguida Q, como aliás esta relembra na conclusão 69.ª da sua resposta ao recurso dos assistentes (“Terá que acentuar-se ainda que, conforme consta do ponto 2.12 dos "factos provados" o assistente AI nem sequer formulou pedido cível de indemnização contra esta arguida”), pese embora, certamente por lapso, aluda a um ponto dos “factos provados” quando, em realidade, o ponto 2.12 em causa está insíto no relatório.
Que AI não apresentou pedido de indemnização civil contra a arguida Q resulta não só de fls. 14697 a 14707 dos autos, mas também do que no acórdão recorrido se consignou em “2.12” do relatório (pág. 22) e em “6. L” da fundamentação/dispositivo (pág. 1692), pese embora não seja isso que, certamente por lapso, mais adiante, nas págs. 1698/1699 do acórdão revidendo, se consagra, já que aí se expendeu: “Atendendo aos factos que resultaram não provados,  há que: (...) g) Absolver a arguida/demandada Q do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AV, AI, AN, AP e AT”, ou seja, incluiu-se indevidamente neste rol de demandantes o assistente AI.
Tratou-se, assim, de manifesto lapsus calami, pois ressalta inequivocamente do contexto que foi ali cometido um mero erro material de escrita, facilmente inteligível e não essencial para a compreensão do acórdão na sua globalidade, podendo ser corrigido pelo Tribunal de recurso, nos termos do art. 380.°, n.° 1, al. b) e n.° 2, do CPP.
Com efeito, dispõe o art. 380.º do CPP, no seu n.º 1, que “O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o dis(...) no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial” e no seu n.º 2 “Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso”.
Nestes termos, e antes de mais, este Tribunal da Relação entende dever corrigir oficiosamente, visto o dis(...) no art. 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2 do CPP, e em conformidade com o expendido supra, o erro acima indicado – indevida inclusão do assistente AI no rol de demandantes da arguida/demandada Q –, atenta a circunstância de tal correcção não importar em modificação essencial ao ali decidido.
Assim, onde em g) da pág. 1699 do acórdão recorrido se lê “Absolver a arguida/demandada Q do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AV, AI, AN, AP e AT” passar-se-á a ler “Absolver a arguida/demandada Q do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AV, AN, AP e AT”.
Feita esta correcção, avancemos, então, no que ao assistente AN concerne.
E aqui não podemos deixar de dar razão aos recorrentes.
Na verdade, o acórdão recorrido não se pronunciou, como devia, no que concerne à eventual responsabilidade civil da arguida, nos termos previstos no n.º 1 do art. 377.º do CPP, tanto mais que, como assinalam os recorrentes, a arguida não foi absolvida por falta de prova, mas sim em resultado de uma alteração legislativa e por aplicação do princípio da lei mais favorável.
Neste sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, 2008, em anotação ao art.º 377.º do CPP, pág. 961, citando alguma jurisprudência “De igual modo, se após o julgamento pelo tribunal de 1ª instância o arguido for absolvido da prática do crime por descriminalização da conduta, amnistia ou prescrição do procedimento criminal ou falta de outro pressu(...) processual, o tribunal deve conhecer do pedido de indemnização fundado em responsabilidade extracontratual ou pelo risco, sendo certo que esta responsabilidade deve ser aferida pela lei vigente à data da prática dos factos (acórdão do TRP, de 18.11.1998, in CJ XXIII, 5, 225)”.
Tal omissão de pronúncia configura a nulidade do acórdão, nessa parte, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, o que se declara.
Deverá, pois, a 1.ª instância suprir a nulidade em causa, no que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante AN contra a arguida/demandada Q, caso se venha a manter a absolvição penal desta arguida.
d) - Erro na absolvição dos arguidos/demandados A, C, E, H, K, N e Q relativamente ao pedido de indemnização civil contra aqueles deduzido, por danos não patrimoniais, pela assistente AX
Antes de mais, importa atentar, por um lado, em que termos a assistente AX deduziu o pedido de indemnização civil contra os arguidos, e, por outro lado, o que no acórdão recorrido se expendeu e decidiu a este propósito.
Assim, a demandante AX deduziu o pedido em causa nos seguintes termos:
"B) Dos danos não patrimoniais: a ofensa ao bom nome.
44.º Conforme anteriormente referido a AX é um instituto público dotado de autonomia administrativa, financeira, técnica e pedagógica, sob a tutela do Ministério do Trabalho e Segurança Social, Cfr. Arts. 1.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 335/85 de 20 de Agosto, com as alterações resultantes do Decreto-lei n. ° 50/2001 de 13 de Fevereiro.
45.º Foi fundada em (…) por (…) de CZ, com vista a dar resposta às preocupações existentes com a ordem pública e saneamento social, transformando-se a breve trecho numa modelar escola para as famílias mais desamparadas do País.
46.º Ao longo dos séculos, a AX sofreu várias reformas, alargou a sua actuação a áreas específicas da formação profissional, modificou e modernizou as suas instalações e desenvolveu um notável trabalho de apoio a crianças e jovens, designadamente, com deficiências físicas.
47.º Como é bem sabido, a actividade centra-se no acolhimento, educação, ensino, formação e inserção social de crianças e jovens em perigo ou em risco de exclusão social.
48.º Graças ao trabalho desenvolvido pela AX, ao longo dos séculos, dezenas de milhares de jovens puderam aspirar a uma educação condigna e, mercê desta, a uma integração social que de outra forma lhes estaria vedada.
49.º A AX enquanto tal é, pois, uma instituição merecedora de louvor e o reconhecimento.
46.º(-bis) Porém, fruto da conduta dos Arguidos no seu conjunto, o bom nome e a consideração devidos à instituição AX, sofreu um rude golpe.
47.º(-bis) Com efeito, nos dia que correm e em grande parte devido à conduta dos Arguidos, amplificada pela mediatização do processo, a AX é imediatamente ligada ao flagelo da Pedofilia e olhada quase como se de uma "escola de prostituição infantil" se tratasse.
48.º(-bis) Fruto da actuação dos Arguidos, séculos de um trabalho notável de apoio a jovens desfavorecidos e a jovens com deficiências físicas foi esquecido, sendo a AX olhada com suspeição e descrédito.
49.º(-bis) Não obstante tratar-se de um dano de difícil ou impossível quantificação, a AX avalia em 500.000€ o dano causado à sua imagem pela actuação dos Arguidos no seu conjunto, quantia esta em que devem ser solidariamente condenados.
Nestes termos,
Requer-se muito respeitosamente a V. Exa. o prosseguimento da acção penal, que deve culminar, sendo caso disso, na condenação dos Arguidos nas penas e sanções aplicáveis à prática dos crimes de que vêm acusados;
Mais se requer, em caso de condenação, que seja aceite e julgado procedente o pedido de indemnização civil ora formulado." (fim de transcrição, sendo que a numeração de artigos com "-bis" é da nossa iniciativa, atenta a circunstância de nesses artigos do pedido de indemnização civil a assistente, por lapso, voltou a repetir os nºs 46.º a 49º)

Por seu turno, no acórdão recorrido, como se alcança de págs. 1696 a 1699, expendeu-se a este propósito:
"AX (Fls. 14.952 a 14.982), deduziu pedido de indemnização cível contra:
A
C
E
H
K
N
Q
1. Dispõe o artº 129º, do Código Penal, que “a indemnização por perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil”. Com efeito, o artº 483º, do Código Civil impõe aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 
Por sua  vez, dispõe  o artº 71º, do Código de Processo Penal, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”.(…)
Face ao artº  483º, do C. Civil,  só aquele que com dolo ou mera culpa praticar o acto ilícito fica obrigado a indemnizar. É pois necessária a constatação de um nexo psicológico entre o facto e o lesante e a possibilidade de exercer um juízo de censura jurídica sobre a pessoa que podia e devia ter agido de modo diferente e não o fez.
Se da prova se puder concluir que o lesante quis praticar o facto ou representou a sua realização como uma consequência previsível do seu comportamento e persistiu nele, terá actuado com dolo (configurado em termos de responsabilidade civil). Se, pelo contrário, apenas se puder concluir que o previu mas que, por desleixo ou inconsideração, confiou que não o alcançaria, ou que não representou sequer essa possibilidade mas foi imprevidente ou descuidado, terá actuado com mera culpa. A distinção não é irrelevante, dado que, por força do dis(...) no artigo 494º, do C. Civil, dela resulta, a final,  o regime aplicável ao conteúdo do dever de indemnizar.
Nos termos do artigo 487º,  nº 1, do C. Civil,  a prova da culpa incumbe a quem se arroga com direito à indemnização, a menos que exista presunção legal de culpa.
Somente são indemnizáveis os danos sobrevindos do facto ilícito culposo, artigo 483º, do C. Civil e  desses, apenas aqueles que não se teriam verificado sem o facto enquanto sua causa adequada - artigo 563º, do C. Civil.
Em sede de responsabilidade civil são indemnizáveis os danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade se mostrem merecedores de tutela jurídica - artigo 496º,  nº 1, do C. Civil -  e os danos de natureza patrimonial  - artigo 564º,  nº 1, do C. Civil. O artigo 566º,  nº 2, do C. Civil,  determina que a indemnização deve atender ao valor dos danos, à data mais recente que puder ser considerada. A indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, natureza de reparação, mais do que indemnização.
Passamos, então, a conhecer dos montantes pedidos pela Demandantes.
2. Atendendo aos factos que resultaram não provados, há que:
a) Absolver o arguido/demandando A, do pedido cível contra si deduzido pelo(s) Demandantes Z, AO, AE, AJ, AL, AX.
b)  Absolver os arguidos/demandados C, E, H, K, N, Q, do pedido cível contra si deduzido pela Demandante AX." (fim de transcrição)
Analisando a decisão recorrida verifica-se, no que ora interessa, que nos factos dados por provados (com referência aos autos principais) sob os n.ºs 1 a 30 (cf. págs. 104 a 110 do acórdão recorrido) se deu por assente a seguinte materialidade:
"1. A AX foi fundada em (…) por (…) de CZ, no prosseguimento da reforma anos antes lançada pelo Marquês de Pombal  e  começou por dar resposta a algumas das preocupações com a ordem pública e saneamento social, transformando-se numa escola para as famílias mais desamparadas do País;
2. Ao longo da sua existência a AX sofreu várias reformas, alargou a sua actuação a áreas específicas da formação profissional, modificou e modernizou as suas instalações e desenvolveu um trabalho de apoio a crianças e jovens com deficiências físicas, nomeadamente surdas, mudas e cegas;
3. Desde 1985 a AX, doravante designada pela sigla AX,  caracteriza-se por ser um instituto público dotado de autonomia administrativa, financeira, técnica e pedagógica, sob a tutela do Ministério do Trabalho e Segurança Social /Solidariedade.
Como instituto público destina-se ao acolhimento, educação, ensino, formação e inserção social de crianças e jovens em perigo ou em risco de exclusão social;
4. Até Fevereiro de 2001, a AX detinha a “tutela educativa de todos os menores assistidos” e a tutela jurídica poderia ser requerida sempre que se mostrasse necessária.
Como atribuições detinha a tarefa do apoio e desenvolvimento integral dos menores de ambos os sexos, desde a idade pré-escolar, carecidos de meio familiar normal e ou de meios de subsistência, dando preferência aos órfãos e abandonados;
5. A prossecução de tais objectivos desenvolvia-se nos domínios do ensino, da educação e da integração social, “apoiada nas modalidades seguintes:
a) Internamento em estabelecimentos apropriados, designadamente lares;
b) Semi-internato;
c) Subsídios a alunos semi-internos;
d) Subsídios provisórios de manutenção;
e) Bolsas e subsídios de estudo;
f) Colocação subsidiada em famílias idóneas.”
6. A AX tinha uma estrutura composta pela (...) e pelos estabelecimentos nela integrados, sendo a primeira a “estrutura básica de direcção, administração e orientação técnico-normativa dos objectivos a prosseguir.”.
7. Em 1985 existiam sete estabelecimentos integrados, cada um dirigido por um Director, podendo a AX integrar ou criar novos estabelecimentos, sendo estabelecimentos integrados na AX os (...)s de CZ, EY, DT, BF, EZ, FA e o EX.
8. Para a prossecução das suas finalidades a AX dispunha de órgãos e serviços próprios, sendo que entre 1985 e 2001 a AX era  dirigida e coordenada pelo (...), coadjuvado por dois (...)s, sendo um para os serviços administrativos e outro para os serviços técnicos, detendo  competências previamente determinadas por Lei.
A AX  dispunha, ainda, de um Conselho de ex-alunos, de um Conselho Técnico, de um Conselho Administrativo, de uma Direcção de Serviços Técnicos e outra de Serviços Administrativos e de Estabelecimentos integrados.
9. Por despacho de 17 de Outubro de 1997 , o então (...) da AX, Dr. BQ, delegou nos seus (...)s as competências aí definidas, designando o Lic. FB como (...) do (...) para os Serviços Técnicos e o arguido C como (...) do (...) para os Serviços Administrativos.
10. Os alunos admitidos na AX em regime de internato eram colocados em Lares, os Lares funcionavam sob a alçada de cada (...), estando distribuídos em instalações dentro e fora dos mesmos.
11. Com o decorrer dos anos a AX foi alargando os seus estabelecimentos e integrando novos, tendo desde 1998 cerca de 5000 alunos, dos quais cerca de 800 em regime de internato.
12. Tais alunos, pelo menos até 25 de Novembro de 2002, estavam distribuídos pelos seguintes (...)s e Lares e nos seguintes locais:
a) CZ – situado no (…), em (…), com 5 Lares a funcionar dentro das suas instalações: FC, FD, FE, FF e FG;
b) (...) EY – situado em (…), com Lares a funcionar dentro das suas instalações (FH, FI, FJ, FK e FL) e Lares que funcionam fora delas (FM, FN, FO e FP);
c) DT – situado na R. (…), em (…), com 4 Lares a funcionar dentro das suas instalações (FQ, CW, FR e FS) e um Lar que funciona fora delas ( Lar FT);
d) (...) BF – situado nas imediações do (…), em (…), com apenas dois Lares que funcionam no interior das suas instalações: BE e FU;
e) (...) EZ – situado no (…), em (…), com apenas um Lar que funciona fora das suas instalações:  FV;
f) (...) FA – situado em (…),(…), com uma residência localizada no interior do (...) e os Lares FW e FX que funcionam fora das suas instalações.
g) EX – situado no (…), em (…) e vocacionado para o apoio a educandos com deficiências auditivas, com duas residências e um Lar situados no interior das suas instalações: Residências FY e FZ (surdos) e GA (ouvintes).
h) (...) GB – situado em (…),(…), com dois Lares que funcionam nas suas instalações, um de ouvintes e outro de surdos cegos, estando vocacionado para o apoio a crianças e jovens com deficiências auditivas e visuais.
i) GC – situada na (…), com um Lar em (…) e um polo de ensino da (…).
13. Até ao ano de 2002 os alunos internos que residiam nos vários Lares ficavam entregues a uma equipa de Educadores que, no entanto, pelo menos nos Lares do CZ,  nunca pernoitava com os educandos.
Entre as 22 horas e as 7 horas do dia seguinte, nos lares onde não pernoitava Educador, os internos ficavam apenas  ao cuidado de um monitor que, em regra, era um aluno mais velho, sem nunca ultrapassar os 21 anos de idade, a quem cabia  gerir e ordenar a vida de cada Lar nesse período, incluindo a  manutenção da disciplina.
14. O  pessoal docente e o corpo de funcionários da AX,  era também recrutado  entre ex-alunos da instituição.
15. Em 13 de Fevereiro de 2001 foi publicada uma nova Lei Orgânica da AX,  mas a estrutura base manteve-se similar, tal como as competências dos (...) e (...)es–(...)s, permanecendo, no essencial, a mesma estrutura nos (...)s e Lares que continuaram a trabalhar nos mesmos moldes.
16. A maioria dos alunos internos da AX são crianças e jovens oriundas de famílias disfuncionais ou com graves dificuldades de subsistência, caracterizando-se por necessitarem de apoios educativos especiais, por apresentarem carências afectivas notórias e por uma ausência de referências parentais sólidas e securizantes.
Os alunos internos estão confiados, de facto, à guarda da AX, o seu dia-a-dia decorre dentro das instalações desta, detendo os seus responsáveis e funcionários a tutela efectiva dos alunos, mesmo nos casos em que a tutela jurídica ainda pertence aos progenitores ou a outros familiares.
17. Em regra e pelo menos até 25/11/2002, no internato os alunos só iam  a casa de familiares em fins de semana e períodos de férias, permanecendo nos Lares a maior parte do tempo.
18. Face ao descrito no “Ponto 17”, destes “ Factos Provados”,   a AX  instituiu um regime de (...), funcionando, pelo menos,  durante os meses de Julho e Agosto, o qual visa proporcionar aos seus alunos internos, fora de (…) e preferencialmente em praias, o gozo de um tempo de actividades lúdicas e lazer. 
19. Para as (...) os  alunos internos eram transportados em autocarros para as localidades onde se realizavam as (...).
20. O material logístico (colchões, roupas, jogos e demais equipamento) era normalmente transportado em carrinhas pertença da AX,  que eram conduzidas pelos motoristas do seu quadro, entre os quais se contava o arguido A.
21. A AX possuía, ainda, uma casa sita em (…), cuja administração era realizada pelo Director do (...) EY, onde se realizavam alguns convívios de fim de semana, dispondo a mesma de camaratas equipadas com camas e beliches e possuindo um jardim onde se realizavam algumas actividades ao ar livre.
22. O  pessoal da AX agrupava-se, de harmonia com classificação estipulada por lei,  em pessoal dirigente, técnico-superior, docente, de assistência médica e religiosa, técnico, técnico-profissional, administrativo, operário e fabril, sendo que a todos era aplicado o estatuto e regime de funcionário público.
23. O cargo de (...) era provido por escolha do Ministro do Trabalho e Segurança Social,  que nomeava também os seus (...)s por proposta do primeiro.
24. A AX  dispunha, ainda, de um corpo clínico, recrutado entre licenciados em Medicina, contratados além do quadro e remunerados nos termos da lei geral, ao qual competia  assegurar todos os actos (...)s de saúde, preventiva ou curativa, em todos os estabelecimentos.
25. Esta equipa médica realizava controlos analíticos aos alunos internos da AX,  periodicamente, sendo os resultados de tais controlos arquivados nos seus processos individuais.
25.1. Entre os rastreios realizados regularmente, contavam-se a despistagem de HIV, hepatites e outras doenças sexualmente transmissíveis.
26. Os resultados analíticos eram depositados na (...) ou nos (...)s, depois de passarem pela (...); na (...) funcionava um serviço de saúde onde eram referenciadas todas as situações de doença detectadas e bem assim todos os resultados de controlos analíticos tidos por anormais. 
26.1. As situações de doença detectadas através dos controlos analíticos ou diagnosticadas em (...) e observações (...)s foram, pelo menos uma vez,  referidas nas reuniões de direcção – (...) ( (...) e (...)es (...)s ) e Directores dos (...)s.  
27. A AX dispunha de uma frota automóvel composta por veículos ligeiros e pesados, os quais eram conduzidos pelo corpo de motoristas da Instituição e eram utilizados  nas deslocações de serviço do pessoal dirigente, no transporte de alunos, na distribuição de correio e equipamento, e na realização de tarefas administrativas que importassem deslocações.
28. Visando fomentar o convívio e a actividade desportiva entre alunos e ex-alunos da AX,  foi criado o “AX (...)”, doravante designado por AX A.C., com autonomia administrativa e financeira e personalidade jurídica própria.
29. O AX A.C.  tinha a sua sede e um campo de jogos situado nas imediações do (…), tendo sido elaborado um protocolo com a AX  segundo o qual poderiam ser utilizadas as instalações desta última em eventos organizados pela primeira.
30. Vários alunos da AX praticavam, ao abrigo do referido protocolo, modalidades desportivas organizadas pelo AX A.C., sendo transportados para treinos e eventos desportivos pelos motoristas da AX,  entre os quais se contava o arguido A, o qual  realizava tal tarefa com frequência." (fim de transcrição)
Por sua vez, na decisão recorrida, com relevância para a questão que ora nos ocupa, foi dado por não provado sob o ponto 74.25. (cf. pág. 297 do acórdão recorrido) que "A AX é olhada com suspeição e descrédito por causa da actuação dos arguidos."
Do supra ex(...), resulta que, apesar dos factos provados, acima transcritos, "referentes à AX", serem reprodução da redacção  constante de fls. 20831 a 20836 do despacho de pronúncia, ali descritos sob “I – A AX;  1 – Estrutura e finalidades”, o certo é que, o facto provado no acórdão recorrido (FpAcR) sob o ponto 3. corresponde ao alegado em 44.º do pedido de indemnização civil da demandante AX (PIC-dAX), o FpAcR sob o ponto 1. corresponde ao alegado em 45.º do PIC-dAX, o FpAcR sob o ponto 2. corresponde ao alegado em 46.º do PIC-dAX, os FpAcR sob os pontos 3. e 16.  correspondem ao alegado em 47.º do PIC-dAX e os FpAcR sob os pontos 4. e 11. correspondem ao alegado em 48.º do PIC-dAX.
Por outro lado, o facto não provado no acórdão recorrido sob o ponto 74.25. dos factos não provados, igualmente acima transcrito, corresponde ao alegado em 48.º-bis do PIC-dAX.
Dito isto, sobra apenas o alegado em 49.º, 46.º-bis e 47.º-bis do PIC-dAX.
Todavia, salvo melhor opinião, nenhum destes três artigos do PIC-dAX devia, ou sequer podia, ser dado por provado ou não provado, por não conterem factos, mas meros juízos de valor e natureza conclusiva.
Com efeito, alegar-se como ali se fez no PIC-dAX que "A AX enquanto tal é, pois, uma instituição merecedora de louvor e o reconhecimento." (art. 49.º), bem como que "fruto da conduta dos Arguidos no seu conjunto, o bom nome e a consideração devidos à instituição AX, sofreu um rude golpe". (art. 46.º-bis) e que "nos dia que correm e em grande parte devido à conduta dos Arguidos, amplificada pela mediatização do processo, a AX é imediatamente ligada ao flagelo da Pedofilia e olhada quase como se de uma "escola de prostituição infantil" se tratasse." (art. 47.º-bis), é matéria completamente despida de factualidade, que consubstancia meros juízos conclusivos e opinativos, e não a identificação de quaisquer factos concretos susceptíveis de sequer indiciarem a verificação de prejuízos reais na sua esfera jurídica.
Tais expressões, certamente pela sua vacuidade e amplitude, não foram dadas como provadas ou não provadas, pois, em rigor, mais não são, repete-se, do que meros juízos conclusivos.
Não passando de juízos conclusivos o Tribunal a quo nunca poderia dar essa matéria como provada, pois os meros juízos conclusivos não são permitidos em sede de julgamento de facto.
Lembre-se que ""ao tribunal apenas cabe responder sobre factos materiais, isto é, fenómenos da natureza ou manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e os factos dos homens", factos esses em que se não integram as meras conclusões ou ilações, ainda que em matéria de facto." (vd.  acórdão do STJ de 13 de Fevereiro de 2003, proferido no proc. n.º 03B056 e consultável in www.jusnet.pt).
Tão pouco, contrariamente ao que a recorrente AX ora defende, são factos notórios o que vem alegado em 49.º, 46.º-bis e 47.º-bis do PIC-dAX.
Senão, vejamos.
O art. 514.º n.º 1 do CPC preceitua que não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
Como ensina Alberto dos Reis, conhecimento geral "é o conhecimento por parte da grande maioria dos cidadãos do País, ou antes, por parte da massa de portugueses que possam considerar-se regularmente informados, isto é, acessíveis aos meios normais de informação." (…) "ou seja, o facto conhecido ou facilmente cognoscível da generalidade das pessoas e dotado, por isso, de carácter de certeza" (…) "Os factos notórios dispensam a prova, porque já gozam do conhecimento geral no lugar e no tempo em que o processo se desenrola, contendo em si mesmos, uma prova preconstituída, formada anteriormente ao processo e munida de maiores garantias externas do que as que o processo poderia dar." (in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 4ª Edição, Coimbra Editora, Ldª, págs. 259/262).
Para Rodrigues Bastos, parece evidente dever dispensar-se a prova dos factos notórios: se eles são conhecidos, quer do juiz, quer dos interessados, a demonstração da sua existência ou ocorrência apresenta-se como supérflua (cf. Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª edição, pág. 76).
Lebre de Freitas precisa o conceito de factos notórios na sua obra Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, na parte em que se refere aos factos de conhecimento oficioso, a pág.s 133/134.
Aí refere que "Por facto notório entende-se um facto do conhecimento geral, isto é, um facto conhecido ou facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas de determinada esfera social, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência".
Mais observa que "No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa" e salienta que "A notoriedade do facto pressupõe que seja indiscutível ter-se verificado, de tal modo que se torna, embora com a relatividade acima apontada, uma característica do próprio facto, da qual deriva que, uma vez estabelecida a notoriedade, o facto em si não carece de prova e é insusceptível de prova contrária".
E esclarece, a propósito das máximas da experiência: "O facto notório não se confunde com as máximas de experiência que o juiz se serve nas operações de prova, dado o carácter indirecto que esta normalmente reveste. As máximas de experiência, necessárias ao raciocínio dedutivo que caracteriza a presunção, revestem natureza geral, ao passo que o facto notório é um facto concreto de conhecimento geral."
Sobre a aplicação legal do conceito indeterminado "factos notórios", e em idêntico sentido, vejam-se, também na doutrina, Castro Mendes, in Do Conceito de Prova em Processo Civil, págs. 711 e segs., Vaz Serra in Provas (Direito Probatório Material), Boletim do Ministério da Justiça, n.° 110, págs. 61 e segs., e Jacinto Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol III , 1972, pág. 87, e, na jurisprudência, os acórdãos do STJ de 11 de Dezembro de 1991, in BMJ, n.º 411.°, pág. 574, de 15 de Março de 2007, proferido no proc. 07B220, e de 14 de Janeiro de 2009, proferido no proc. 2474/08, estes disponíveis in www.jusnet.pt.
Ainda para Alberto dos Reis, os factos notórios classificam-se em duas grandes categorias: "a) Acontecimentos de que todos se aperceberam directamente (uma guerra, um ciclone, um eclipse total, um terramoto, etc.); b) Factos que adquirem o carácter de notórios por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos" (CPC Anot., vol. III, p. 262). Os primeiros não levantam quaisquer dúvidas. Quanto aos segundos, os únicos que podem suscitar dúvidas, diz o mesmo autor "o juiz só deve considerá-los notórios se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média".
E, pese embora, uma definição doutrinal já antiga que diz que "notório tanto pode ser aquilo que é geralmente sabido, como aquilo que é de per si evidente" (Manuel de Andrade, Teoria Geral, Almedina, 4.ª reimpressão, Coimbra, 1974, vol. 2, p. 89), importa reter que, tal como defendem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto na pág. 397, do 2.º volume do Código de Processo Civil Anotado, "São notórios os factos de conhecimento geral, isto é conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência" para, logo de seguida, acrescentarem, com toda a pertinência: "Embora o âmbito da notoriedade apareça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência."
Com efeito, para que um facto seja considerado notório, não é suficiente que ele seja conhecido pela população em geral. Pois, por exemplo, a vox populi (entendida esta como "a opinião da maioria" ou "ponto de vista consensual") sobre a suposta autoria de um crime não corresponde necessariamente à realidade. Nesse sentido extrai-se o ensinamento de Piero Calamandrei "(…) para que un hecho pueda considerarse notorio en sentido proprio no basta que el mismo sea conocido de la generalidad de los ciudadanos en el tiempo y en lugar en que se produce la decisión" (in La Definicion del Hecho Notório, publicado na Revista de Derecho Processual, nº 1 de 1945, pág. 118).
Em suma: um facto notório é, por essência, um facto do conhecimento geral, um facto conhecido do público, entendendo-se por público a grande generalidade dos cidadãos do País a que chegam os meios de informação (pessoas de cultura média), e desde que não haja razão para duvidar da sua ocorrência. Um facto é notório quando é conhecido pelo juiz, sem que este necessite de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos: o facto apresenta-se como notório ao juiz porque ele o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado. É precisamente porque gozam do reconhecimento geral, no lugar e no tempo em que o processo se desenrola, que os factos notórios dispensam a alegação e a prova.
Ora, embora se reconheça que a pedofilia é um fenómeno que concita grande atenção popular a nível nacional e que muitas são as pessoas que diariamente acompanham as notícias relativas ao caso AX, estamos convictos de que a maioria dos portugueses, mormente a maioria daqueles que tem acesso aos meios normais de informação, ignora a amplitude dos objectivos e actividades da AX e o exacto papel desempenhado por esta instituição na sociedade portuguesa, bem como desconhecem os concretos factos perpetrados por cada um dos arguidos, tendo dúvidas sobre a sua ocorrência, o que obsta a que os factos pretendidos como notórios pela assistente, e ora em apreço, pudessem ser, sem mais, dados como provados.
Não se pode dizer que da experiência comum de um homem médio, dotado de um conhecimento normal, resulte como patente que a AX é uma instituição merecedora de louvor e  reconhecimento (art. 49.º) ou que fruto da conduta dos arguidos no seu conjunto, o bom nome e a consideração devidos à instituição AX, sofreu um rude golpe (art. 46.º-bis) ou ainda que nos dias que correm e em grande parte devido à conduta dos arguidos, amplificada pela mediatização do processo, a AX é imediatamente ligada ao flagelo da Pedofilia e olhada quase como se de uma "escola de prostituição infantil" se tratasse (art. 47.º-bis).
Assim, precisamente por o não ser (patente), não podia dispensar-se a assistente de, não só, alegar, mas também demonstrar os factos que suportavam tais afirmações relativas ao mencionado "rude golpe" e a ser a AX "uma instituição merecedora de louvor e reconhecimento", sendo olhada como se de uma "escola de prostituição infantil" se tratasse.
E, sem serem necessárias grandes considerações, fácil é constatar que, face aos factos dados como provados e não provados no acórdão recorrido, inexiste factualidade comprovativa da existência dos danos morais invocados no pedido civil da assistente AX (ofensa ao bom-nome e consideração da instituição demandante), bem como inexiste o imprescindível nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos (que a demandante nunca concretiza qual tenha sido) e os alegados danos ("sofreu rude golpe" e passou a ser "olhada quase como se de uma "escola de prostituição infantil" se tratasse"), que permitisse a condenação dos arguidos/demandados na peticionada indemnização por danos não patrimoniais.
Destarte, não incorreu o acórdão recorrido, nesta parte, nem em insuficiência de fundamentação nem em omissão de pronúncia, não se verificando, assim, as invocadas nulidades, nos termos do art. 379.º n.º 1, als. a) e c), do CPP, sendo a primeira por remissão para o art. 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Assim, bem andou o Tribunal a quo ao absolver os arguidos/demandados do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante AX
Pelo ex(...), improcede, nesta parte, o recurso da recorrente AX.
                                             *    *    *
De acordo com o dis(...) na al. b) do n.º 1 do art. 30.º do CPP o tribunal pode oficiosamente fazer cessar a conexão e ordenar a separação de algum ou alguns processos sempre que a conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado.
Nesta alínea inclui-se, pois, o acautelamento do perigo de prescrição do procedimento criminal.
Alguns dos crimes a que respeitam os presentes autos remontam aos anos de 1996, 1997 e 1998, importando, assim, prevenir a prescrição do respectivo procedimento criminal.
Por outro lado, os crimes imputados aos arguidos A, N, H e Q, ocorridos em (...), são perfeitamente autonomizáveis relativamente aos demais crimes imputados a estes e aos restantes arguidos.
As nulidades apontadas ao acórdão recorrido, que cumpre suprir pela 1.ª instância, estão todas relacionadas com os crimes ocorridos em (...).
Assim, ao abrigo do dis(...) na al. b) do n.º 1 do art. 30.º do CPP, ordena-se a separação de processos relativamente aos arguidos A, N, H e Q, no que aos crimes ocorridos em (...) respeita, por forma a que possam ser supridas pela 1.ª instância tais nulidades.
A separação de processos será concretizada materialmente se, e na medida em que, tal se mostrar necessário.
 III. Dispositivo
Pelo ex(...), acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em:
A) Declarar extinto, ao abrigo do dis(...) no art. 287.º, al. e), do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP o recurso interlocutório inter(...) pelo arguido A a fls. 1300 a 1307 do Proc. n.º 3137/01.5JDLSB, apenso aos presentes autos, com base na sua inutilidade superveniente, nos termos supra referidos em II. A. 1..
B) Negar provimento ao recurso interlocutório inter(...) pelo arguido K do despacho de fls. 17020 a 17055 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 2..
C) Declarar extinto, com base em impossibilidade superveniente, o recurso inter(...) pelo arguido H do despacho de fls. 17020 a 17055 dos autos principais, quanto à questão da violação do princípio do juiz natural (Conclusões n) a q) do recurso), negando-lhe provimento, quanto à invocada excepção da nulidade da acusação deduzida pelo Ministério Público com base na sua excessiva vaguidade, nos termos supra referidos em II. A. 3..
D) Declarar parcialmente extintos, ao abrigo do dis(...) no art. 287.º, al. e), do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, os recursos inter(...)s pelos arguidos C e H do despacho de fls. 17042 a 17046 dos autos principais, com base na sua inutilidade superveniente, no que se refere à apreciação da legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal quanto a outros menores, que não os ofendidos AI e AT, negando-se-lhes provimento quanto ao demais, nos termos supra referidos em II. A. 4..
E) Homologar a desistência do recurso apresentada pelo arguido A a fls. 28255, declarando, em consequência, extinta a instância recursória por aquele iniciada e relativa ao recurso inter(...) do despacho proferido a fls. 22827 a 22828 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 5..
F) Negar provimento aos recursos inter(...)s pelos arguidos H, C e K, do despacho de fls. 25475 a 25488 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 6..
G) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido K do despacho de fls. 28916 (ponto 2.) a 28927, nos termos supra referidos em II. A. 7..
H) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido A do despacho de fls. 30465 a 30466 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 8..
I) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido H dos despachos de fls. 34601 a 34603 e 34604 a 34605 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 9..
J) Declarar extinto, ao abrigo do dis(...) no art. 287.º, al. e), do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, o recurso inter(...) pelo arguido A do despacho de fls. 38247, com base na sua inutilidade superveniente, nos termos supra referidos em II. A. 10..
K) Rejeitar, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 401.º, n.º 2, 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, todos do CPP, o recurso interlocutório inter(...) pelo arguido A do despacho de fls. 41170 dos autos principais, com fundamento em falta de interesse em agir do recorrente, nos termos supra referidos em II. A. 11..
L) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido K do despacho de fls. 51445 a 51450 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 12..
M) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido E do despacho proferido a fls. 55504 a 55506 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 13..
N) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido K do despacho constante do ponto II de fls. 33696 a 33703 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 14..
O) Negar provimento aos recursos inter(...)s pelos arguidos H e K, do despacho constante do ponto II de fls. 60474 a 60490 dos autos principais, que, em consequência, se confirma, com a correcção dos lapsos de escrita acima consignados em II. A. 14., ao abrigo do dis(...) no art. 380.º, n.ºs 1 al. b), 2 e 3 do CPP, nos termos seguintes:
- onde na penúltima linha de fls. 60474 dos autos principais se lê "AU e as testemunhas AZ e CG" deve passar a ler-se "AU, AC e as testemunhas AZ e CG";
- onde na oitava linha de fls. 60475 dos autos principais se lê "AU e as testemunhas AZ e CG" deve passar a ler-se "AU, AC e as testemunhas AZ e CG";
- onde na sexta linha de fls. 60477 dos autos principais se lê "AU e as testemunhas AZ e CG" deve passar a ler-se "AU, AC e as testemunhas AZ e CG";
- onde na quarta linha de fls. 60484 dos autos principais se lê "AU e as testemunhas AZ e CG" deve passar a ler-se "AU, AC e as testemunhas AZ e CG"
e no final dessa mesma página (fls. 60484) deve, ainda, passar a ler-se: "O Assistente AC foi ouvido na audiência de julgamento de 21/11/2005.".
P) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido H, do despacho constante do ponto II de fls. 60575 a 60590 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 14..
Q) Negar provimento aos recursos interlocutórios (na parte em que foram conhecidos) inter(...)s pelos arguidos E, C, K e H dos despachos proferidos a fls. 63918 a 63959, 64055 a 64112 e 65137 a 65225 dos autos principais, nos termos supra referidos em II. A. 15..
R) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelo arguido C da decisão final, no que respeita à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, alterando-se o ponto 104.4. dos factos dados como provados nos termos seguintes:
 "104.4. O assistente AI foi para um quarto, na companhia do arguido C, o qual, após ter tirado o pénis para fora das calças, introduziu-o na boca do menor, aí o tendo friccionado."
Passando a constar dos factos não provados o ponto 22.3. com a redacção seguinte:
“22.3. Nas circunstâncias descritas no ponto 104.4. dos factos provados o assistente AI permaneceu na sala na companhia do arguido C.”
O ponto 22.3. dos factos não provados do acórdão recorrido passa a ser o ponto 22.4. e a factualidade vertida actualmente neste ponto passa a ser o ponto 22.5.;
negando-se-lhe provimento quanto ao demais.
S) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelo arguido E da decisão final, no que respeita à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, alterando-se o ponto 105.13. dos factos dados como provados nos termos seguintes:
“105.13. No interior desta o arguido E dirigiu-se ao AK e disse-lhe para o acompanhar a um quarto.”
negando-se-lhe provimento quanto ao demais.
T) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelo arguido K da decisão final, no que respeita à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, alterando-se os pontos 107.4., 107.6. e 108.6. dos factos dados como provados nos termos seguintes:
 “107.4. Entretanto, o arguido K, que aguardava a chegada do menor, dirigiu-se ao mesmo e manipulou-lhe o pénis, até este ejacular, tendo o menor também manipulado o pénis do arguido.
De seguida, o arguido K introduziu o seu pénis na boca do menor, que o chupou, a mando daquele.”
 “107.6. O arguido K admitiu como possível que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.”
 “108.6. O arguido K admitiu como possível que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 14 anos.”
Passando a constar dos factos não provados o ponto 25.2. com a redacção seguinte:
“25.2. Nas circunstâncias descritas no ponto 107.4. dos factos provados o arguido K conduziu AT a um quarto da residência.”
O ponto 25.2. dos factos não provados do acórdão recorrido passa a ser o ponto 25.3. e a factualidade vertida actualmente neste ponto passa a ser o ponto 25.4..
Corrige-se, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, o lapso existente no ponto 110.4. dos factos dados como provados, o qual passa a ter a redacção seguinte:
“110.4. Durante, pelo menos, duas das (...) referidas nos pontos “110.3.” dos factos provados, o arguido K disse a AC para despir as calças e as cuecas, que se deitasse na marquesa e manipulou-lhe o pénis, enquanto, simultaneamente, o AC mexia no pénis do arguido, a seu pedido, também até à ejaculação.”
E, ainda:
- onde se lê no primeiro parágrafo da pág. 1667 do acórdão recorrido “Verão de 1999” deverá ler-se “Verão de 1996” e onde se lê na pág. 748 do acórdão recorrido, no ponto (2.5), o número 24 551 526, deverá ler-se 962451526;
- passando a ler-se no ponto 5.3.5. da pág. 1687 do acórdão recorrido, em conformidade com o que consta no dispositivo desse acórdão, o seguinte:
“5.3.5. Com referência  aos crimes pelos quais cumpre condenar o arguido K:
1. (Com referência ao capítulo 4.4.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI:
            a) 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime p.p. 172º, nº 1 e 2, do C.Penal, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98).“    
Em tudo o mais, nega-se provimento ao recurso inter(...) pelo arguido K.
U) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelo arguido N da decisão final e, em consequência, declara-se a nulidade parcial do acórdão recorrido, ao abrigo do dis(...) nos arts. 379.º, n.º 1, als. a) e b), 374.º, n.º 2, e 358.º, n.º 1, todos do CPP, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para que, em audiência de julgamento, a realizar pelo mesmo Colectivo, seja dado cumprimento ao dis(...) no art. 358.º, n.º 1, do CPP, e demais termos subsequentes, e se proceda, ainda, à fundamentação da decisão, tudo conforme supra referido em II. B. 3. D) 4. c) e d) (pág.  3160 a 3165), ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente.
V) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelo arguido H da decisão final, quanto à invocada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por não ter sido feita a comunicação prevista no art. 358.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, no que respeita à alteração não substancial dos factos constantes do ponto 6.7.2. do despacho de pronúncia, com os efeitos já determinados supra em U).
Em tudo o mais, nega-se provimento ao recurso inter(...) pelo arguido H.
Mantêm-se as duas penas parcelares de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão impostas pela 1.ª instância ao arguido H, pela prática de dois crimes p.p. pelo art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pessoa do assistente AT (factos dados como provados sob os pontos 106. a 106.25., com referência ao capítulo 4.3.1 do despacho de pronúncia). Em cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, nos termos do dis(...) no art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, condena-se o arguido H na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
W) Negar provimento ao recurso inter(...) pelo arguido A da decisão final.
Mantêm-se as penas parcelares impostas pela 1.ª instância ao arguido A, com excepção das penas indicadas sob 10. 34. e 35. (págs. 1723 e 1728 do acórdão recorrido) de 2 (dois) anos de prisão, 2 (dois) anos de prisão e 3 (três) anos de prisão, respectivamente, relativas aos crimes de (...) (face à declarada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos supra determinados em U)), e, em cúmulo jurídico, nos termos do dis(...) no art. 77.º n.ºs 1 e 2 do CP, condena-se o arguido A na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
X) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelo Ministério Público da decisão final, quanto à invocada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por não ter sido feita a comunicação prevista no art. 358.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, no que respeita à alteração não substancial dos factos constantes do ponto 6.7.2. do despacho de pronúncia, no tocante aos arguidos A, H e N, com os efeitos já determinados supra em U).
Face à declarada nulidade parcial do acórdão recorrido fica prejudicado o conhecimento da questão de direito suscitada no recurso do Ministério Público quanto ao erro na subsunção ao direito dos factos dados como provados sob os pontos 125. a 127. (capítulo 6.7.2 do despacho de pronúncia), no que ao arguido H respeita, bem como quanto à medida da pena parcelar que lhe foi imposta por tal crime.
Prejudicado fica, ainda, face à declarada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos supra determinados em U), e à possível alteração, nessa parte, da matéria de facto dada como provada, o conhecimento da questão suscitada no recurso do Ministério Público relativa ao erro na subsunção dos factos ao direito no que à arguida Q respeita.
Julga-se, ainda, parcialmente procedente o recurso do Ministério Público no que respeita aos erros/lapsos de escrita constantes do acórdão recorrido, os quais se corrigem, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, nos termos seguintes:
- onde na 3.ª linha de fls. 68018 (pág. 1605 do acórdão recorrido) se lê "AV" deve ler-se "AP";
- onde na 18.ª linha de fls. 68019 (pág. 1606 do acórdão recorrido) se lê “crime p.p. 176º, nº 1” deve ler-se “crime p.p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3”;
- onde na 16.ª linha de fls. 68097 (item 31) se lê “p.p. pelo 176º, nº 1 e 2” deve ler-se “p.p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3”;
- onde na 16.ª linha de fls. 68140 (item 31) se lê “p.p. pelo 176º, nº 1 e 2” deve ler-se “p.p. pelo art. 176.º, n.ºs 1 e 3”;
- a fls. 68011 (pág. 1598 do acórdão recorrido) em "2.1.36." deve ler-se nas linhas 14.ª e penúltima: "- 2 (dois) crimes de lenocínio…" e onde naquela folha na alínea a) se lê “32.” a “32.8” deve ler-se “32.” a “34.5.”;
- a fls. 68143 (pág. 1730 do acórdão recorrido) onde na al. o) se lê “1 (um) crime de lenocínio” deve ler-se “2 (dois) crimes de lenocínio”;
- dá-se por não escrito todo o item "q" de fls. 68144 (pág. 1731 do acórdão recorrido);
- onde na antepenúltima linha de fls. 68020 (pág. 1607 do acórdão recorrido) se lê "Capítulo “6.2.3” deve ler-se "Capítulo “6.2.1”;
- onde, quer a fls. 68012 (antepenúltima linha), quer a fls. 68014 (1.ª linha) do acórdão recorrido, se lê "3 (dois)" deve ler-se "3 (três)";
- onde no item “16. mm)” de fls. 68137 (pág. 1724 do acórdão recorrido) se lê “pena de 2 (dois) anos de prisão” deve ler-se “pena de 2 (dois) anos de prisão, para cada um dos crimes”;
- a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão recorrido) entre as alíneas "gg)" e "hh)" passará a constar uma nova alínea, que se identificará como "kk)" dizendo: "Com referência ao Capítulo “9.7”, do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1 do Código Penal";
- a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão recorrido) devem ter-se por não escritas as duas últimas linhas da alínea "ii)"
- a fls. 68145 (pág. 1732 do acórdão recorrido) devem ter-se por não escritas as duas últimas linhas da alínea "jj)";
- a fls. 68146 (pág. 1733 do acórdão recorrido) entre as alíneas "ll)" e "mm)" passará a constar uma nova alínea, que se identificará como "ss)" dizendo: "Com referência ao Capítulo “9.12”, do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 3, alíneas a) e b), do C. Penal";
- a fls. 68146 (pág. 1733 do acórdão recorrido) entre as alíneas "oo" e "pp)" passará a constar uma nova alínea, que se identificará como "tt)" dizendo: "Com referência ao Capítulo “9.16”, do despacho de pronúncia: 1 (um) crime previsto no art. 166.º, n.º 1, do C. Penal e 1 (um) crime previsto no art. 166.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal";
- a fls. 68023 (pág. 1610 do acórdão recorrido) dão-se por não escritas as cinco primeiras linhas;
- na 16.ª linha de fls. 68016 (pág. 1603 do acórdão recorrido) deve ler-se "- 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.ºs 1 e 2,  do C. Penal, na versão em vigor à data da sua prática";
- onde na segunda linha de fls. 68016 (pág. 1603 do acórdão recorrido) se lê "(…)" deve passar a ler-se "AQ";
- onde, quer na 14.ª linha, quer na 23.ª linha, de fls. 68052 (pág. 1639 do acórdão recorrido), se lê "- 1 (um) crime p.p. pelo 176.º, n.º 1, do C. Penal" deve ler-se "- 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 176.º, n.º 1, do C. Penal";
- onde na 12.ª linha de fls. 68052 (pág. 1639 do acórdão recorrido), se lê "está imputado à arguida" deve passar a ler-se "está imputado ao arguido";
- onde na segunda linha de fls. 66586 (pág. 173 do acórdão recorrido) se lê “nos pontos “125.5.” a “125.11” deve passar a ler-se “nos pontos “125.5.” a “125.9”;
- onde na penúltima linha de fls. 66579 (pág. 166 do acórdão recorrido) se lê "118.12." deve passar a ler-se "118.14." e onde na folha seguinte (66578, pág. 167 do acórdão recorrido) se lê, sucessivamente, "118.13.", "118.14.", "118.15.", "118.13.", "118.14." e "118.15.", deve, respectivamente, passar a ler-se "118.15.", "118.16.", "118.17.", "118.18.",  "118.19." e "118.20.".
- onde na pág. 1283 do acórdão recorrido se referem, na fundamentação, "os factos que o Tribunal deu como provados nos pontos" (…) "118.13. a 118.15." deve passar a ler-se "118.18. a 118.20."
- onde no item 21.7 da pág. 235 do acórdão recorrido se lê “Nas circunstâncias descritas nos pontos “103.” a “103.26” dos factos provados” deve passar a ler-se "Nas circunstâncias descritas nos pontos “103.” a “103.24.” dos factos provados".
Em tudo o mais, nega-se provimento ao recurso inter(...) pelo MP.
Y) Julgar parcialmente procedente o recurso inter(...) pelos assistentes AX, Y, AN e AI da decisão final, quanto à invocada nulidade parcial do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do dis(...) no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, no que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante AN contra a arguida/demandada Q, nulidade que se declara e deverá ser suprida pela 1.ª instância, caso se venha a manter a absolvição penal desta arguida.
Face à declarada nulidade parcial do acórdão recorrido, nos termos supra determinados em U), e à possível alteração, nessa parte, da matéria de facto dada como provada, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada no recurso dos assistentes/recorrentes relativa ao erro na subsunção dos factos ao direito no que à arguida Q respeita.
Corrige-se, ao abrigo do dis(...) nos n.ºs 1, al. b), e 2 do art. 380.º do CPP, o erro material de escrita constante da al. g) da pág. 1699 do acórdão recorrido e onde se lê “Absolver a arguida/demandada Q do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AV, AI, AN, AP e AT” passar-se-á a ler “Absolver a arguida/demandada Q do pedido de indemnização cível contra si deduzido por X, Y, AV, AN, AP e AT”.
Em tudo o mais, nega-se provimento ao recurso inter(...) pelos assistentes.
Z) Ordenar, ao abrigo do dis(...) na al. b), do n.º 1, do art. 30.º do CPP, a separação de processos relativamente aos arguidos A, N, H e Q, no que aos crimes ocorridos em (...) respeita, por forma a que possam ser supridas pela 1.ª instância as nulidades supra apontadas ao acórdão recorrido.
A separação de processos será concretizada materialmente se, e na medida em que, tal se mostrar necessário.
A)A) Condenar os arguidos/recorrentes nas custas dos recursos interlocutórios em que decaíram, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Uc’s relativamente ao arguido A e em 5 (cinco) Uc’s quanto aos demais arguidos, por cada recurso.
B)B Condenar os arguidos/recorrentes nas custas pelo decaimento nos recursos inter(...)s da decisão final, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) Uc’s relativamente ao arguido A e em 9 (nove) Uc’s quanto aos demais arguidos.
C)C) Condenar os assistentes/recorrentes nas custas pelo decaimento nos recursos inter(...)s da decisão final, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Uc’s.
D)D) Condenar os demandantes e demandados nas custas dos pedidos civis na proporção do respectivo decaimento.
                                                                       ***
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012
(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas - art. 94.º, n.º 2 do CPP).
[1] Cfr., por todos, Mª João Antunes, in ob. cit., anotação anterior, págs. 579 e 582, § 5 e § 13, defendendo entendimento de que nos permitimos discordar, posto que, admitindo-se, embora, a possibilidade de concurso aparente entre os crimes de lenocínio de menores e de abuso sexual de crianças, se atende à caracterização deste, tão só, por referência a quem levar menor de 14 anos a praticar acto sexual de relevo com outra pessoa, descurando que o agente será, igualmente, ainda, e em primeira linha de enunciado, aquele que pratique tal acto. Está-se em crer que, a omissão quanto a este, se deverá ao facto de considerá-lo, no referido segmento, como “crime de mão própria”, qualificação que, como se deixou expresso, nestes casos, a Jurisprudência refuta.
[2] Cfr., por todos, Mª João Antunes, in ob. cit., anotação anterior, págs. 579 e 582, § 5 e § 13, defendendo entendimento de que nos permitimos discordar, posto que, admitindo-se, embora, a possibilidade de concurso aparente entre os crimes de lenocínio de menores e de abuso sexual de crianças, se atende à caracterização deste, tão só, por referência a quem levar menor de 14 anos a praticar acto sexual de relevo com outra pessoa, descurando que o agente será, igualmente, ainda, e em primeira linha de enunciado, aquele que pratique tal acto. Está-se em crer que, a omissão quanto a este, se deverá ao facto de considerá-lo, no referido segmento, como “crime de mão própria”, qualificação que, como se deixou expresso, nestes casos, a Jurisprudência refuta.
[3]             Na redacção introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro.
[4]             Sendo certo que o Assistente Y também interpôs recurso desta parte do Acórdão (a que se responderá autonomamente) que igualmente restringiu a matéria de direito.