Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
78383/15.3YIPRT-A.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
SUCUMBÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

Não relevam para a determinação do valor da sucumbência os juros moratórios vencidos na pendência da acção.

– Também não deve ser levado em conta para efeitos de cálculo do valor da sucumbência, o pedido de condenação como litigante de má-fé, já que também não é considerado para aumentar o valor da acção.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


A..., Ré e Reconvinte no processo supra referenciado veio reclamar ao abrigo do disposto no art.º 643.º do CPC, do despacho que não admitiu o recurso interposto da sentença final que a condenou a pagar parte da quantia peticionada, acrescida de juros vencidos e vincendos.

Do despacho reclamado destaca-se o seguinte teor:
“(…) a alçada deste Tribunal de € 5.000,00 nos termos do n.º1 do art.º 44.º da Lei n.º 62/2013 de 26.08, e constituindo-se como valor da presente, fixado na sentença, o montante de € 6.387,37, fácil é de constatar que este supera o da alçada de 1.ª instância.
Porém, a sucumbência da Ré, ora recorrente, não ultrapassa metade daquele valor, já que a sua condenação não excedeu os € 2.392,13, razão pela qual a sentença em apreço e tal como acima já se afirmou, não é susceptível de recurso ordinário.
Donde, revela-se manifesta a inimpugnabilidade recursória da sentença proferida, razão pela qual, nos termos do art.º 641.º n.º2 alínea a) do Cód. Proc. Civil, indefiro o requerimento de interposição de recurso sub judice, não admitindo, por consequência, o mesmo.

Analisados os autos de reclamação foi a mesma julgada improcedente, ou seja, foi decidido manter o despacho reclamado.
Notificada da decisão e inconformada com a mesma, veio a Ré e Reclamante requerer que, nos termos dos artigos 643.º n.º4 e 652.º n.º3, sobre a matéria objecto dos autos recaia acórdão.

Colhidos os vistos legais dos Exmos Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir:

II–OS FACTOS.
        
Relevante para a decisão resulta o seguinte dos autos:
1–O valor da acção foi fixado na sentença final em € 6.387,37.
2–Conforme resulta da sentença final, da qual foi interposto o recurso, ora em apreço, a Ré foi condenada a pagar a quantia de € 2.392,13, bem como “juros de mora à taxa legal calculados sobre o valor acima referido desde a data da sua notificação para o procedimento de injunção que se transmutou na presente, até efectivo e integral pagamento”.

3– Pode ainda ler-se na sentença final o seguinte:
Do Pedido Reconvencional:
De 15.º em diante da oposição oferecida nos autos, a aqui R. deduz pedido reconvencional contra a impetrante, solicitando a condenação desta no pagamento de uma indemnização para ressarcimento dos danos consequentes do incumprimento definitivo em que incorreu na sequência do abandono da obra contratada.
Em face de tal, há, antes de mais, que não olvidar que a presente é tramitada sob a forma especial contida no Dec. Lei n.º 269/98 e à qual, nos termos do n.º1 do art.º 549.º do Cód.Proc. Civil, aplicam-se as regras gerais e comuns do processo civil.
(…)
Concordando integralmente com a posição doutrinal acima vertida, considera este Tribunal que na espécie não é admissível a dedução de pedido reconvencional.
Semelhante inadmissibilidade constitui uma excepção dilatória inominada e do conhecimento oficioso que conduz à absolvição da Autora/Reconvinda da instância reconvencional, o que se declara, nos termos dos artigos 576.º, n.º1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º1, alínea e), todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por via do disposto no n.º1 do art.º 549.º do mesmo diploma legal, o que determino.”

II–O DIREITO.
Cumpre apreciar da questão de saber se é admissível o recurso interposto pela ora reclamante.
Relembremos o disposto no art.º 629 n.º1.º do Código de Processo Civil (CPC):
O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)”.

A admissibilidade de recurso está, assim, dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito: (a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.

Quanto ao primeiro requisito é óbvio que se verifica, como é reconhecido pela 1.ª instância.

A dúvida suscita-se em relação ao segundo requisito, ou seja, relativamente ao valor da sucumbência, que o Tribunal de 1.ª instância entende ser de€ 2.392,13, inferior portanto a metade da alçada do Tribunal recorrido – que é de € 5.000,00, conforme resulta do n.º1 do art.º 44.º da Lei n.º 62/2013 de 26-08). Porém, a Reclamante entende que neste valor deverá ser tido em conta o valor dos juros vencidos desde a data da citação, até integral pagamento. Assim, adicionando ao valor da condenação de capital, o valor dos juros vencidos até à data da sentença, que a Reclamante calcula em € 149,16, obteríamos o valor de € 2.541,29, que já ultrapassaria metade do valor da alçada do Tribunal. Por conseguinte, seria admissível o recurso.

Quid juris?

A questão está, pois, em saber se no cômputo do valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade do recurso, se deve ter em conta o valor dos juros vencidos na pendência da acção.
Com efeito, tem vindo a ser decidido pela jurisprudência, e cremos que de forma correcta, que “não relevam para a determinação do valor da sucumbência os juros moratórios vencidos na pendência da acção, como pretende a recorrente”[1].

Com efeito, nos termos do n.º 2, segunda parte, do artigo 297.º do Código de Processo Civil, «quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos».

“Compreende-se, perfeitamente, a irrelevância do pedido de juros para a determinação do valor da causa. É que o pedido de condenação em juros não constitui o objecto próprio da acção e está fora do âmbito da controvérsia, emergindo, unicamente, como consequência da dedução do pedido principal.

Ora, se o pedido de condenação em juros não releva para a determinação do valor da causa, também não pode ser tido em conta para achar o valor do decaimento do pedido com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não.”[2]

E pode ler-se ainda no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
“Tal como se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Março de 2002 (Revista n.º 4304/2001 da 2.ª Secção), «[a] não ser assim, bem podia acontecer que numa acção de valor inferior à alçada da Relação, portanto, sem recurso ordinário para o Supremo, o mesmo viesse, afinal, a ter lugar. Bastaria que em resultado do pedido acessório de juros a contar da citação, a soma destes com o valor da acção, ou com o da sucumbência, suplantasse a referida alçada.»”

Parece o reclamante pretender incluir no valor da sucumbência o seu decaimento no pedido que formulou de litigância de má-fé, em relação à Autora. O Tribunal decidiu não existir fundamento para condenação da Autora como litigante de má-fé, pelo que absolveu a Autora do pedido de condenação enquanto litigante de má-fé.

Quid juris?

Cremos que, aplicando o mesmo raciocínio elaborado supra, uma vez que o pedido de condenação como litigante de má-fé, não é considerado para aumentar o valor da acção, pelo mesmo motivo não poderá ser considerado para efeitos de cálculo do valor da sucumbência.

Impõe-se concluir, por conseguinte, pelo acerto da decisão reclamada. O recurso interposto pela Reclamante não é legalmente admissível, tal como foi decidido pela Tribunal a quo.

A Reclamante vem invocar também a nulidade da decisão singular, ora impugnada, por se ter limitado a apreciar a questão da admissibilidade do recurso e não ter apreciado a questão suscitada pela Recorrente que é de conhecimento oficioso, da “nulidade da sentença do tribunal a quo, nos termos do art.º 615.º n.º1 alínea b) do C.P.C.”

Cremos que, efectivamente, não foi cometida a invocada nulidade, pois, a este Tribunal, no âmbito da reclamação, competia apenas, conforme resulta do art.º 643.º n.º4 do C.P.C. admitir o recurso, mandá-lo subir ou manter o despacho reclamado. No caso em apreço, tendo decidido manter o despacho reclamado, ou seja pronunciando-se pela não admissibilidade do recurso, não podia conhecer de quaisquer questões suscitadas nas alegações de recurso, designadamente a nulidade da sentença proferida no Tribunal a quo, ainda que tal nulidade seja de conhecimento oficioso.

A Reclamante vem ainda invocar que a decisão anteriormente proferida não apreciou “a matéria da reconvenção que foi apresentada pela Ré aqui reclamante, a qual vai para além da litigância de má-fé, fez um pedido no valor de € 3.000,00 que sobre o qual nem a sentença de 1.ª instância não se pronunciou, nem o Douto Despacho Singular deste Tribunal da Relação, verteu qualquer consideração, para efeitos de valor de admissibilidade de Recurso”.

Vejamos:

Desde logo, não é exacto que a 1.ª instância não se tenha pronunciado sobre o pedido reconvencional. Basta ler a decisão a primeira instância para se verificar que o Tribunal se pronunciou pela inadmissibilidade do pedido reconvencional. Não tendo sido admitido o pedido reconvencional por não ter cabimento legal, é inaplicável o disposto no art.º 299.º n.º2 do C.P.C. na parte em que determina a soma dos valores do pedido reconvencional e do pedido do Autor, para efeitos de determinação do valor da acção.

Por conseguinte, nunca a dedução do pedido reconvencional poderia ter, no caso em análise, qualquer influência na determinação do valor da causa.

Decorre do exposto a improcedência da reclamação deduzida.

III–DECISÃO.
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação e manter o despacho reclamado.
Custas pela Reclamante.



Lisboa, 14 de Dezembro de 2017



Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]Vide neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, Processo 06S2573, disponível em www.dgsi.pt.
[2]             “Idem”.

Decisão Texto Integral: