Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13603/14.7T8LSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Por força do disposto no art.º 39, n.º 1, al. c, do Código de Processo do Trabalho, são fundamentos para a suspensão do despedimento colectivo, a provável violação das formalidades previstas no artigo 383° do Código do Trabalho
II – No procedimento cautelar de suspensão do despedimento coletivo está vedado ao tribunal apreciar a fundamentação dos critérios que o fundamentam.

(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO:

Requerente (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A., de autor) e recorrente:   AA
Requerido: BB (Portugal), S.A.

 A A. requereu a suspensão do despedimento invocando preterição dos critérios legais do despedimento coletivo e inexistência de fundamento do despedimento.

O requerido deduziu oposição e defendeu a licitude do despedimento.

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Efectuado o julgamento o Tribunal decidiu pela improcedência da providencia.

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A A. recorreu desta decisão, formulando as conclusões, que se reproduzem:
(…)
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Contra-alegou o R. concluindo:
(…)
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O MºPº teve vista e pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO:

O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil.

O A. impugna a decisão:
a) quanto à matéria de facto;
b) quanto ao direito, entendendo que provavelmente não foram observadas as formalidades constantes do art.º 383 do CT.
Eis, pois, a matéria a conhecer.

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A) Da matéria de facto
(…)
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Os factos relevantes são os necessários à aplicação do direito.
Ora, o art.º 39, n.º 1, al. c) do Código de Processo do Trabalho dispõe:
1. A  suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua: 
(…) c) Nos casos de despedimento colectivo, pela provável inobservância das formalidades constantes do artigo 383.º do Código do Trabalho”.
E o art.º 383 do Código do Trabalho estipula, sob a epígrafe “Ilicitude de despedimento colectivo”:
O despedimento colectivo é ainda ilícito se o empregador: 
a) Não tiver feito a comunicação prevista nos n.ºs 1 ou 4 do artigo 360.º ou promovido a negociação prevista no n.º 1 do artigo 361.º; 
b) Não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido no n.º 1 do artigo 363.º;
c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 4 do artigo 363.º”.

A recorrente pretende que sejam aditados números para apreciar a regularidade da comunicação, a saber:

12) A Requerente sempre esteve colocada e prestou as suas funções em Lisboa e, desde 9/02/2005, esteve colocada no Departamento de Contabilidade.
13) Por decisão do Requerido o site da Comissão de Trabalhadores foi desactivado temporariamente em 9 de Dezembro de 2014.
14) Um dia antes da Requerente receber a carta que constitui o Doc. 21 junto com requerimento inicial.
15) À data da instauração da presente providência cautelar, o referido site mantém-se desactivado e sem possibilidade de acesso.
16) O Departamento de Contabilidade e a Requerente não têm relação directa com a actividade das agências do Requerido e a estrutura de apoio às mesmas.
17) O Departamento de Contabilidade e a Requerente não prestam assistência à rede comercial do Requerido.
 Mas não é meramente a regularidade da comunicação que está em causa; é a sua própria inexistência que releva para a eventual suspensão do despedimento, como veremos melhor infra. Quer dizer, a prova da simples irregularidade é inócua para a pretensão da A., não podendo levar meramente ao provimento da mesma.
Assim, estes factos são irrelevantes em sede cautelar, não havendo lugar à alteração da matéria de facto, o que vale por dizer que improcede o recurso nesta parte.

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São, pois, estes os factos tidos por provados em 1ª instância, que se mantêm:

1. A Requerente foi trabalhadora da Requerida com antiguidade reportada a 10 de Outubro de 1988, exercendo funções na aréa da contabilidade e com a categoria corrrespondente de "técnica de grau 3".
2. A Requerente é filiada no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, sendo a sócia n° 7535.
3. Às relações de trabalho entre as partes aplica-se o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancárario , publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n° 20, de 29 de Maio de 2011, com as suas sucessivas alterações, sendo a última a publicada no BTE n° 08, de 29/02/2012.
4. Ultimamente a Requerente auferia uma retribuição mensal, paga 14 vezes por ano, no valor ilíquido de 1.718,12 €, acrescendo um subsídio de almoço de 9,03 € por cada dia de trabalho prestado.
5. Com data de 11 de Novembro de 2014, a Requerente comunicou à "sua" Comissão de Trabalhadores a intenção de proceder ao despedimento Colectivo de vários trabalhadores seus, comunicação recebida pela referida Comissão no mesmo dia conforme cópia junta a fls. 288.
6. Acompanhavam aquela comunicação 4 anexos, a saber:
Anexo I, motivos do Despedimento Colectivo (fls. 290 e seguintes);
- Anexo II, quadro de pessoal, discriminados por sectores organizacionais da empresa (fls. 308 e seguintes).
- Anexo III, indicação dos critérios que servem de base para a seleção dos trabalhadores a despedir (fls. 336 e seguintes).
- Anexo IV, indicação do número de trabalhadores a despedir e das categorias profissionais abrangidas (fls 342).

7. Seguiu-se uma fase de informações e negociações, cuja primeira reunião ocorreu em 14 de Novembro de 2014. Esta fase terminou no dia 4 de Dezembro de 2014, sem que tivesse sido alcançado um acordo entre a Requerida e a Comissão de Trabalhadores.
8. Com data de 9 de Dezembro de 2014, a Requerida comunicou à Requerente, por escrito, a decisão de proceder ao Despedimento Colectivo, na qual estava integrada, conforme carta cuja cópia esta junta a fls. 417 e seguintes.
9. Ainda nos termos da referida comunicação, foi dada a conhecer á Requerente a data de cessação do contrato de trabalho - 23 de Dezembro de 2014 - e o montante da compensação e outros créditos laborais que o Banco se propunha pagar.
10. No dia 23 de Dezembro de 2014, a Requerida, através de transferência bancária, pagou à Requerente os referidos valores.
11. Entretanto, no mesmo dia 23 de Dezembro de 2014, a Requerente procedeu à devolução à Requerida da quantia de € 36.663,70, correspondente à compensação pelo despedimento.

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De Direito:

A) Noções gerais.
Atenta a data da propositura da ação, em 2014, aplica-se o Código do Processo do Trabalho na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10 (art.º 6.º); e o Código do Trabalho na versão de 2009, com as alterações subsequentes. As alusões a estes diplomas sem outra menção reportam-se a estas versões. 
De acordo com o disposto no art.º 386 do Código do Trabalho, o “trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho,”.
Já vimos os requisitos que importa que se verifiquem para poder haver lugar a suspensão do despedimento.
São eles, nos termos do art.º 39/1/c do CPT e 383 a), b) e c), do CT:
- a falta da comunicação prevista nos n.ºs 1 ou 4 do artigo 360.º
- a não promoção da negociação prevista no n.º 1 do artigo 361.º; 
- a inobservância do prazo para decidir o despedimento, referido no n.º 1 do artigo 363.º;
- a não colocação à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, da compensação prevista no artigo 366.º e dos créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
A recorrente delimita o recurso dizendo que “importa dilucidar as seguintes questões:
1) No âmbito do procedimento cautelar o tribunal pode apreciar a falta ou insuficiência da indicação dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, no âmbito do despedimento colectivo?
2) A falta ou insuficiência da indicação dos motivos e critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, no âmbito do despedimento colectivo, constitui causa de ilicitude desse despedimento e com isso fundamento para a sua suspensão, ao abrigo do 39.º do CPT?
3) No caso em apreço, o Recorrido fez a indicação suficiente dos motivos e critérios de selecção dos trabalhadores a abranger pelo despedimento, designadamente os que abrangeram a Recorrente?”

Pois bem. Tomando por antonomásia a primeira questão, a resposta é simples: não pode. Não pode desde logo porque tal resulta direta e claramente da lei, como vimos, e isso basta por si.
Ainda assim, não obstante a clareza da lei, veja-se na doutrina o que refere Abrantes Geraldes, “Suspensão do Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho”: “em relação ao despedimento coletivo, a suspensão será decretada se, de acordo com o critério de probabilidade, se verificar a sua ilicitude com os seguintes fundamentos” (e enuncia aqueles quatro supra citados. O sublinhado é nosso). Ou seja – não poderia ser de outro modo, face aos termos da lei –: apenas se se verificar alguma daquelas situações.

Na jurisprudência pode ver-se, por todos, os seguintes acórdãos desta Relação:
I - Os fundamentos para a suspensão do despedimento colectivo, no âmbito do procedimento cautelar, encontram-se na provável violação das formalidades previstas no artigo 383º do Código do Trabalho.  II - Ainda que se entenda que a decisão final do despedimento colectivo deve conter os critérios de selecção dos trabalhadores a abranger, a apreciação da fundamentação daqueles mesmos critérios está vedada ao tribunal, no âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento, nos termos do artigo 39º do Código de Processo de Trabalho. - Acórdão de 26.6.13 (Relt Alcina Mendes)
Da contraposição entre a al. b) e c) deste preceito, com a locução adversativa OU a separá-las, parece resultar que o legislador, nos casos de despedimento colectivo, pretendeu que se contemplem apenas situações de natureza formal, por incumprimento das formalidades previstas no art. 383º do CT, afastando a apreciação os fundamentos do despedimento colectivo, certamente por essa ser matéria complexa que não se compadece com a natureza perfunctória própria de uma providência cautelar”. Acórdão de 21 de Novembro de 2012 (Relt. Seara Paixão) – citado no anterior (arestos disponíveis em www.dgsi.pt)

Acompanhamos esta jurisprudência: o processo laboral apenas se refere à decisão do procedimento cautelar de suspensão do despedimento coletivo no art.º 39/1/c e reporta-se exclusivamente à provável inobservância das formalidades constantes do art.º 383 do CT.

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Não se pode ir além do exposto atenta outrossim a natureza cautelar deste procedimento; de outro modo passaríamos a estar perante uma segunda ação, cuja única utilidade seria a tentativa de ultrapassagem, em celeridade, das outras ações de despedimento (já de si, acrescente-se, seja a ação de impugnação e regularidade do despedimento, seja o despedimento coletivo, urgentes, o que tornaria de todo incompreensível e redundante a duplicação processual em que afinal o regime legal cairia [além de um tal entendimento chocar frontalmente com o disposto no art.º 9/3 do Código Civil]).  
Na verdade, a apreciar-se o acerto do cumprimento das formalidades, estaríamos perante uma verdadeira ação, em completo prejuízo da unidade do sistema jurídico, pois ficariam prejudicadas a dependência e a instrumentalidade própria dos procedimentos cautelares (cfr. sobre estas noções, Adelaide Domingos, Procedimento Cautelares Laborais, in Estudos de Direito do Trabalho do IDT, Almedina, V vol., 37 e ss.) -: decretada a existência ou de inexistência de justa causa nada mais restaria para ser decidido na ação principal, a qual perderia a razão de ser (além de levantar uma série de problemas sérios, como o efeito do caso julgado da decisão do procedimento na ação). Ora, sob pena de subversão processual, é na ação que cumpre apreciar a regularidade do despedimento e não no procedimento cautelar, que tem mero carater conservatório ou antecipatório (art.º 362, CPC e 39 CPT). Ou seja, é a evidência da probabilidade da inobservância das formalidades que justifica, in casu, uma antecipação num processo (no caso de despedimento coletivo) já de si urgente.

Assim cumpre apurar, muito simplesmente, se é provável a inobservância de tais formalidades – nem menos nem mais.

Da matéria assente verificamos que:
a) a requerida fez a comunicação à comissão de trabalhadores (n.º 6 dos factos apurados);
b) houve uma fase de informações e negociações (n.º 7);
c) observou prazo de comunicação de mais de 30 dias (n.º 7 e 8);
d) pôs à disposição da trabalhadora a compensação (n.º 9 e 10).
Tendo presentes estes factos, não se vê que seja provável a inobservância das formalidades aludidas no art.º 383, CT, ex vi art.º 39/1/c do CPT.

Estas são as questões pertinentes a conhecer, não cabendo apreciar argumentação de outra índole. Nomeadamente não há que descer ao pormenor de saber se a comunicação foi feita adequadamente e se o motivo do despedimento não existe e nem está devidamente determinado, tudo questões que apenas devem ser dirimidas na ação (coisa diversa poderia ser se a comunicação fosse de tal forma irregular, que saltasse à vista não valer, como por exemplo se nada referisse relativamente ao despedimento. Mas não se vê que seja esse o caso.)

Aliás, o facto de a A., para impugnar a decisão de um procedimento cautelar, por natureza sumário e expedito, julgado pelo Mmº Juiz em 3 páginas, carecer de se espraiar por 38 páginas (e por 62 conclusões, que só elas ocupam 10), é bem a evidência de que só descendo ao pormenor que é apanágio da ação – todavia não apreciado nestes autos cautelares, como é próprio -, é que consegue apresentar argumentos em abono da sua perspectiva. Houvesse erro e ser-lhe-ia certamente fácil impugná-la de forma precisa e concisa.

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Destarte, a decisão recorrida não merece censura, pelo que vai confirmada.

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DECISÃO:

Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e consequentemente confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente.


Lisboa, 29 de abril de 2015

Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes



Decisão Texto Integral: