Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1904/13.6TVLSB.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: ACIDENTE EM SERVIÇO
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
DIREITO DE REGRESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Ocorrendo um acidente, simultaneamente de viação e de serviço, imputável a culpa de terceiro e em que é sinistrado um subscritor da C. G. A., esta entidade, depois de proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, goza do direito de regresso contra aquele terceiro responsável, incluindo seguradoras, nos termos do n.º 3 do art.º 46º do DL n.º 503/99, de 20.11, com vista ao reembolso do capital de remição que pagou pela reparação da respectiva incapacidade permanente.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A Caixa Geral de Aposentações, I.P. veio intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra a F….Companhia de Seguros, S.A ..

Alegou sumariamente que gere o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras prestações especiais, como as previstas no Dec.Lei nº 503/99 de 20/11, que têm por finalidade reparar as lesões decorrentes de acidentes de trabalho de trabalhadores que exerçam funções na Administração Pública.

Ora, nesse contexto, M…, subscritor da C.G.A., como agente da P.S.P., foi vítima de um acidente de viação, igualmente qualificado como acidente em serviço, tendo a A. ficado obrigada, nos termos previstos pelo Dec.Lei n.° 503/99 de 2011, a pagar ao lesado, funcionário do Estado, uma pensão vitalícia ou um capital de remissão, pela diminuição permanente da sua capacidade geral de ganho.

Efetivamente o sinistrado foi objeto de avaliação das lesões decorrentes do acidente de trabalho e a junta médica da C.G.A. fixou uma incapacidade parcial permanente de 20,1%, a que corresponderia o capital de remição no montante global de €45.014,47.

Como a R., que havia assumido a responsabilidade pelo acidente de viação, já havia pago ao sinistrado o montante de €12.000,00, a título de dano biológico, a A. deduziu esse valor ao capital de remição a pagar, tendo apenas liquidado a diferença entre aqueles montantes, ou seja, pagou €33.014,47, tendo na sequência solicitado o seu reembolso à R., que se recusou pagar.

Nestes termos, concluiu pela condenação da R. a pagar-lhe a importância de €33.014,47, acrescido de juros vencidos e vincendos a contar da interpelação para pagamento operada em maio de 2013.

Citada a R. veio contestar, aceitando que assumiu a responsabilidade civil decorrente da circulação relativa ao veículo de matrícula 19-54-VT, através do contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº AU82001481, tendo também assumido a responsabilidade do acidente mencionado na petição inicial, por força do que pagou ao sinistrado, em Outubro de 2009, a indemnização final  no valor de €22.000,00, correspondente a dano biológico (€12.000,00), danos morais (€9.850,00) e despesas de tratamento (€150,00), tendo ainda pago à P.S.P., a entidade patrimonial do sinistrado, o valor de €32.544,22, correspondente a salários, subsídios e despesas médicas.

No entanto, impugnou a incapacidade do sinistrado, os valores pagos pela A. e a que título o fez, defendo não ser responsável pelo pagamento de prestações resultantes de incapacidades inexistentes ou que não resultaram do acidente de viação nos autos.

Por outro lado, como já indemnizou o sinistrado, nos termos definidos no Dec.Lei nº 291/2007 e na Portaria nº 377/2008, encontra-se cumprida a obrigação de indemnizar e nada tem a pagar à A., que só se pode sub-rogar relativamente a direito que o seu beneficiário teria sobre o causador do acidente e não sobre um direito calculado com base em regras definidas por contrato, sendo que a indemnização paga pela R., com quitação total pelo lesado, faz cessar a possibilidade de sub-rogação a favor da A .

Acresce que, nos termos do nº 3 do Artº 31 da Lei nº100/97, se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, tal determina a desoneração da responsabilidade da seguradora que fica limitada àquele montante.

Nestes termos concluiu pela improcedência da ação, devendo assim ser absolvida do pedido.

A)Factos provados:

O tribunal dá como provado, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1)A Caixa Geral de Aposentações, LP. tem por missão gerir o regime de Segurança Social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras prestações de natureza especial, entre estas as previstas no Dec.Lei nº 503/99 de 20/11, que têm por finalidade reparar as lesões decorrentes de acidentes de trabalho de trabalhadores que exerçam funções na Administração Pública - (Por referência aos Artigos 1.° e 2.° da petição inicial - não impugnados);
2)M… é subscritor da C.G.A., LP., como agente da Policia de Segurança Pública (P.S.P.), sendo sua entidade empregadora o Ministério da Administração Interna, aí exercendo funções na Polícia Municipal de Lisboa - (Por referência ao Artigo 3.° da petição inicial - não impugnado);
3)Em 2011/12/14 foi participado pela entidade empregadora que, em 2008/6/16, pelas 10horas, na R…em Lisboa, aquele subscritor foi vítima de um acidente de viação, pelo qual a R. assumiu a responsabilidade pela sua reparação (cfr. doc.s de fls 10 a 35 e 41 a 46) - (Por referência ao Artigo 4.° da petição inicial - não impugnado e Artigo 2.° da contestação - confissão);
4)Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AU82001481, foi transferida para a R. a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula 19-54-VT (cfr. doc. de fls 58) - (Por referência ao Artigo 1.0 da contestação - confissão);
5)A "Império Bonança" foi incorporada, por fusão, na Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., pessoa coletiva n." 500.069.468, sendo a nova designação da Companhia de Seguros "Fidelidade-Mundial", S. A., tendo a Império, em consequência daquela fusão, sido extinta e transmitido à ora R. todos os seus direitos e obrigações - (Por referência ao Artigo 5.° da petição inicial - não impugnado);
6)Aquele acidente de viação foi igualmente qualificado como acidente de trabalho (em serviço) pela entidade empregadora - Polícia de Segurança Pública - Ministério da Administração Interna (cfr. doe. de fls 10 a 35) -, porquanto o referido M…, estava ao serviço da P.S.P., em auxílio de inspetor da Carris, quando o veículo em que se encontrava foi embatido na traseira pelo veículo segurado pela R. com a matrícula 19-54- VT (cfr. doc.s de fls 12 a 17) - (Por referência ao Artigo 6.° da petição inicial);
7)Foi requerida na C.G.A. a reparação do acidente para efeitos do regime de proteção social em matéria de acidentes e doenças profissionais ocorridos no domínio da Administração Pública, previsto no Dec.Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (cfr. cit. doe. a fls 10) - (Por referência ao Artigo 7.° da petição inicial);
8)A A. iniciou o procedimento administrativo para reparação das lesões resultantes do acidente dos autos - (Por referência ao Artigo 9.0 da petição inicial);
9)Em 2013/2/19, o subscritor, M…, foi presente à junta médica da C.G.A. para efeitos de avaliação das lesões decorrentes do acidente, sendo considerado que aquele apresentava como lesões " ... sequelas de traumatismo do punho direito e coluna lombar ... submetido a cirurgia ... discal L41L5 em 2012" (cfr. doe. de fls 35) - (Por referência ao Artigo 10.0 da petição inicial);
10)Pelas quais a junta médica da C.G.A. fixou uma incapacidade parcial permanente (I.P.P.) de 20,1 % (cfr. cit. doe. a fls 35), por aplicação da tabela nacional de incapacidades resultante do anexo I ao Dec.Lei nº352/2007 de 23/10 - (Por referência ao Artigo 11.0 da petição inicial);
11)Esta incapacidade não foi atribuída ao sinistrado ao abrigo da Tabela de incapacidades permanentes em direito civil (Por referência ao Artigo 7.0 da contestação);
12)Os serviços da R. atribuíram ao sinistrado M…, uma I.P.P. de 15%, com data de consolidação médico-legal em 7/8/2009 (cfr. doe, de fls 59), a P.S.P. requereu à C.G.A. a confirmação duma incapacidade de 11,64% (cfr. doe. de fls 10), e o INML, aplicando do anexo II do Dec.Lei nº 352/2007 de 23/10, fixou ao sinistrado um défice funcional permanente de integridade fisico-psíquica em 15% (cfr. fls 102) - (Por referência ao Artigo 8º da contestação);
13)Foi reconhecido e fixado pela A. ao sinistrado/subscritor, M…, mediante resolução de 2013/5/20, para reparação das lesões emergentes do acidente dos autos, o capital de remição no montante global de €45.014,47 (cfr. doe, de fls 36) - (Por referência ao Artigo 12º da petição inicial);
14)O R. já havia pago ao sinistrado o montante de €12.000,00 a título de dano biológico - (Por referência ao Artigo 13º da petição inicial _ não impugnado);
15)A C.G.A. apenas pagou ao sinistrado a diferença entre aqueles montantes, ou seja, €33.014,47 - (Por referência ao Artigo 14º da petição inicial);
16)Por ofícios de 2013/5/23, a A. solicitou à ora R. o reembolso do montante relativo ao capital de remição atribuído ao subscritor da C.G.A. (cfr. fls 44 a 45) - (Por referência ao Artigo 16º da petição inicial _ não impugnado);
17)Apesar de a R. ter assumido a responsabilidade dos danos emergentes do acidente de viação, esta recusou aquele reembolso à A., alegando que já havia cumprido a sua obrigação em indemnizar e nada mais havia a liquidar (cfr. doe. de fls 46) - (Por referência ao Artigo 17º da petição inicial);
18)A R. já pagou, em Outubro de 2009, ao sinistrado M…, a indemnização final no valor de €22.000,00, correspondente a dano biológico (€12.000,00), danos morais (€9.850,00) e despesas de tratamento (€150,00), e ainda, à P.S.P., a entidade patrimonial, o valor de €32.544,22, correspondente a salários, subsídios e despesas médicas - (Por referência aos Artigos 3.° e 11.° da contestação).

A final foi proferida esta decisão:
“…Por todo o exposto, julgamos a presente ação parcialmente procedente por provada, condenando a R., Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a reembolsar a A., Caixa Geral de Aposentações, I.P., pelo pagamento da quantia de €33.014,47, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% (Portaria D.O 291/2003 de 8/4), a contar de 1 de agosto de 2013 e até integral pagamento.
Absolvemos a R. do demais pedido.
Custas por A. e R.R. na proporção do respetivo decaimento (Art. 527 do C.P.C.”

É esta decisão que o R impugna, formulando estas conclusões:
1.A douta decisão do Tribunal recorrido, merece juízo de censura não estando em harmonia com a legislação em vigor e com a orientação jurisprudencial sufragada pelos tribunais superiores .
2.O reembolso estadual a que aludem os nº/s 1 e nº 3 do art. 460 do Decreto-Lei nº503/99 terá de ser qualificado como uma sub-rogação legal nos direitos do sinistrado, e não como um direito de regresso.
3.A sub-rogação é uma forma de transmissão de obrigação que coloca o sub-rogado na titularidade do crédito primitivo (para o qual se lhe transmite).
4.Sendo o pagamento pelo terceiro o facto gerador da transmissão da relação creditória em que se consubstancia a sub-rogação, esta não existe sem aquele, que, como seu pressuposto, é a condição e medida dos direitos do sub-rogado.
5.O direito de regresso é um direito "ex novo" que nasce na titularidade daquele que extinguiu a relação creditícia anterior, sendo, pois, um direito próprio, um direito à restituição do que pagou ao credor, quando se verificarem as circunstâncias previstas na lei que lhe concedeu o direito de regresso.
6.O direito da autora a ser reembolsada pelo responsável cível, daquilo que pagou ao lesado, decorre directamente da sub-rogação legal. Não constitui um verdadeiro direito de regresso, mas antes de sub-rogação legal nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização.
7.Após acordo do sinistrado com a Ré, pagamento efectuado e devidamente provado, do montante indemnizatório global e quitação e renúncia do sinistrado a quaisquer direitos e indemnizações emergentes do acidente, extinguiu-se, pelo cumprimento (art. 762º, n.º 1, do Código Civil) a obrigação da aqui Recorrente.
8.Quando a A. solicitou à ré, o reembolso do montante relativo ao capital de remição atribuído ao sinistrado, já este não era titular de qualquer direito sobre ela que pudesse ser objecto de transmissão por sub-rogação legal (art.593°, n." 1, do Cód. Civil).
9.Tal facto já era do conhecimento da A., tal como ficou devidamente demonstrado e provado.
10.Após a quitação e renúncia por parte do sinistrado a quaisquer direitos e indemnizações emergentes do acidente, deixou o mesmo de ser titular de quaisquer direitos que a autora pu¬desse encabeçar por sub-rogação, uma vez que lhe está vedado sub-rogar quem quer que seja em direitos que não tem ou de que já não é titular.
11.A transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, podendo estas envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido - art. 1248.°, n." 1 e 2 do CC.
12.Assim, se na transacção o lesado se declara ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente de viação mediante a quantia proposta e entregue pela seguradora, tem de entender-se que estão englobados no montante indemnizatório todos os danos, seja qual for a sua natureza ou actualidade, sem exclusão de nenhuns.
13.Pelo exposto, não pode a A. exigir à R., ora Recorrida o reembolso do referido montante, nos termos peticionados.

A R contra-alega, pugnando pela improcedência do recurso

Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº 663 nº2 ,608 nº2. 635 nº4 e 639 nº1 e 2 do Código de Processo Civil , aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho,sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é a condenação da R ao pagamento à A do montante pago ao seu subscritor , como capital de remição devido pelas lesões sofridas no acidente de viação/trabalho

Vejamos …
O regime jurídico aplicável ao caso sub judice foi devidamente identificado pelo Sr Juiz[1], na medida em que o sinistrado era, à data do acidente, subscritor da C.G.A., LP., como agente da Policia de Segurança Pública (P.S.P.), sendo sua entidade empregadora o Ministério da Administração Interna, aí exercendo funções na Polícia Municipal de Lisboa -
Sendo subscritor da Caixa Geral de Aposentações, compete a esta última a responsabilidade pela avaliação e reparação dos danos correspondentes à incapacidade permanente para o trabalho, resultante das lesões sofridas pelo sinistrado em acidente, nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, com sucessivas alterações.

Segundo o art. 46º, nº 3, deste diploma legal,“Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.”

Poderá discutir-se a natureza deste direito (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 30/05/2013 (proc. nº 1056/10.3TJVNF.P1.S1,[2]) uma vez que a atribuição à CGA da faculdade de exigir a entrega do capital de forma antecipada em relação ao pagamento das pensões ao sinistrado, parece afastar-se tanto do direito de regresso verdadeiro e próprio como da sub-rogação legal, pois que ambas as hipóteses pressupõem que o lesado foi já ressarcido.

Independentemente da sua exacta qualificação, o direito da CGA dirige-se contra o terceiro responsável pelo acidente ou seguradora respectiva, e nasce “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade” (art. 46º, nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99).

Acresce que qualquer eventual “acordo” que o responsável civil realize com o sinistrado, através do qual este considere ou declare “inteiramente indemnizados”os correspondentes “danos e prejuízos” e renuncie “a quaisquer direitos de acção judicial e indemnizações emergentes do mesmo acidente”, estará naturalmente condicionado pela imperatividade do regime jurídico dos acidentes de trabalho (em serviço), que não poderá desrespeitar/defraudar[3].

Termos em que improcedem todas as conclusões.

Síntese: Ocorrendo um acidente, simultaneamente de viação e de serviço, imputável a culpa de terceiro e em que é sinistrado um subscritor da C. G. A., esta entidade, depois de proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, goza do direito de regresso contra aquele terceiro responsável, incluindo seguradoras, nos termos do n.º 3 do art.º 46º do DL n.º 503/99, de 20.11, com vista ao reembolso do capital de remição que pagou pela reparação da respectiva incapacidade permanente.

Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela R.



Lisboa, 19/10/2017



Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes



[1]De forma profunda e de maneira brilhante.
[2]Consultável in www.dgsi.pt
[3]Entre muitos outros , cf Ac RC  de 2/2/2016 ,in DGSI

Decisão Texto Integral: