Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
784/14.9TYLSB-B.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ASSEMBLEIA GERAL
QUOTA SOCIAL
BENS COMUNS DO CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - As regras sobre a convocação das assembleias gerais das sociedades são imperativas, pelo que serão inválidas cláusulas estatutárias que visem dispensar ou aligeirar as convocações; ao invés, serão válidas as estatuições que prescrevem outros modos de convocação sem dispensar os previstos na lei.
- A quota social que por força do regime matrimonial de bens é comum aos dois cônjuges, continua a ser património comum do casal após o divórcio enquanto não for efectuada a partilha dos bens, e por isso sobre ela incide um único direito, contrariamente ao que sucede na compropriedade em que há dois ou mais direitos sobre a coisa comum repartidos em quotas ideais que se presumem quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário no título constitutivo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I – Relatório:


M... instaurou contra S... Lda e M... procedimento cautelar requerendo que seja decretada a suspensão das deliberações sociais tomadas na assembleia geral extraordinária da requerida em 28/04/2014.

Alegou, em síntese:

- é sócia da sociedade requerida;
- na referida assembleia foi deliberada a divisão e amortização da quota por si titulada;
- na convocatória para essa assembleia não são indicados os motivos para a divisão e amortização da quota, pelo que foi violado o seu direito à informação;
- a quota não podia ser dividida e amortizada parcialmente pois era a sua única titular,  já o que seu ex-marido não era contitular da mesma apesar de ter sido considerado como tal nessa assembleia e de ter sido admitido a votar;
- a avaliação da quota foi efectuada sem que estivessem aprovadas as contas de 2012 e 2103 além de que foi efectuada por técnico oficial de contas designado pela gerência, quando deveria tê-lo sido por revisor oficial de contas;
- a execução da deliberação causa-lhe prejuízos pois fica privada de receber os lucros a distribuir e as despesas efectuadas e na avaliação da quota para efeitos de amortização apenas foi considerada metade da mesma; além disso, a sociedade obtém os seus rendimentos através do arrendamento de um imóvel e, face à deliberação, o requerido M... fica detentor da maioria do capital social, podendo vender o património societário pelo valor e nas condições que entender.

*

Os requeridos deduziram oposição, invocando, em síntese:

- a caducidade do procedimento cautelar;
- a ilegitimidade passiva do requerido M...;
- a decisão da divisão e amortização da quota foi tomada ao abrigo do art. 238º do CSC por ter sido penhorada a quota da requerente;
- a requerente compareceu na assembleia devidamente informada e votou de forma esclarecida;
- a requerente não sofre qualquer prejuízo com a divisão e amortização da quota.

*

A requerente respondeu às excepções pugnando pela sua improcedência.

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Foi realizada audiência final.

Foi absolvido da instância o requerido M... por ilegitimidade passiva e decidiu-se que a questão da alegada caducidade deste procedimento cautelar está ultrapassada por ter sido intentada a acção principal dentro do prazo de 30 dias subsequente à realização da assembleia.

Seguidamente, proferiu-se decisão sobre a matéria de facto e julgou-se procedente o procedimento cautelar, tendo sido decretada a suspensão da execução de todas as deliberações tomadas na assembleia geral da Sociedade Imobiliária Progresso de Bucelas Lda realizada em 28 de Abril de 2014.

*

Inconformada, apelou a requerida, que terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:

1) Questão Prévia I - A douta Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, em 5 de Janeiro de 2015, determina no seu ponto 4. Decisão, a procedência do procedimento cautelar; contudo e certamente, por lapso, ali se refere o seguinte: “(…) O Tribunal julga o presente procedimento procedente por não provado e, consequentemente, suspende a execução de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da sociedade Sociedade Imobiliária Progresso de Bucelas, Lda, realizada em 28 de Abril de 2014.”

2) Naturalmente, a menção “não provado”, resulta de uma incorreção, susceptível de ser corrigida, nos termos do nº 2 do artigo 613º e do artigo 614º/CPC, o que se requer para os devidos efeitos.

3) Questão Prévia II - Igualmente para os efeitos previstos no artigo 614º/CPC, ora se requer a retificação à inexatidão constante da douta Sentença de que se recorre, a fls. 32 da mesma, onde ali se refere – “Em nota prévia refira-se que a posição da requerida (deve ser retificado para requerente - sublinhado nosso) no tocante à quota própria não tem qualquer apoio legal. Uma quota própria da sociedade não é mais uma quota dos sócios, pelo que nunca poderia ter a requerente direito a mais 25%.”

4) Porquanto, a reclamação do direito a usufruir de mais 25% relativos à quota própria da sociedade, é comummente aceite pelas Partes, ser imputável a sua autoria à requerente e ora recorrida, ao invés – por lapso – de ser imputável à ora Recorrente e ali Requerida, pelo que, se requer o reconhecimento do supra invocado e a consequente retificação ao abrigo da norma constante do artigo 614º/CPC.

5) Da douta Decisão de que se recorre - Tal como supra exposto, a Sentença de que se recorre, determinou a procedência do procedimento cautelar, suspendendo a execução de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da sociedade, de 28/04/2014.

6) Sucede, considerou preenchidos, os requisitos cumulativos, constantes das normas dos artigos 380º e 381º/CPC, que o próprio Tribunal a quo considerou enunciar – a fls.16/ parágrafo último – do seguinte modo:

“Há agora que verificar da existência dos requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência e que, nos termos do disposto nos arts. 380º e 381º do Código de Processo Civil, a qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação, a ilegalidade da deliberação (por violação da lei ou dos estatutos), a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação e ainda que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução, requisitos cumulativos.”.

7) Da nulidade da douta Sentença - Vejamos, tal como supra exposto, o Tribunal a quo, elencou os requisitos cumulativos – fls. 16-Sentença /parágrafo último – ao abrigo dos quais, entende que, da verificação dos mesmos, faz a lei depender o decretamento de uma providência cautelar.

8) Sucede, em consequência passou a explanar o seu douto entendimento sobre os factos, o Direito e os fundamentos que conduzem – sem conceder – à verificação do preenchimento de tais requisitos (supra), pelo que, a fls. 17/ Sentença, pronuncia-se sobre o requisito primeiro, vulgo “a) Requisitos do decretamento da providência – a qualidade de sócio”, e ainda na mesma folha, inicia a sua abordagem sobre o requisito segundo,
vulgo “b) Requisitos do decretamento da providência – a ilegalidade da deliberação”.

9) Acresce, pronuncia-se o Tribunal a quo, sobre o requisito terceiro, vulgo “c) Requisitos do decretamento da providência – dano apreciável resultante da execução da deliberação”, a fls. 30/Sentença.

10) A verdade é que o Tribunal a quo, conclui os seus fundamentos para justificar a decisão do decretamento da providência, omitindo qualquer referência ao quarto e último requisito, vulgo “d) Requisitos do decretamento da providência – O prejuízo da suspensão é inferior ao prejuízo da execução”.

11) Ou seja, a douta Sentença proferida, não contém qualquer referência, abordagem ou pronúncia, pelo que inexistem fundamentos de facto e de Direito sobre o quarto requisito – cumulativos que são – gerando com tal omissão, a nulidade da Sentença, tal como observa o disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 615º/CPC.

- Da impugnação da decisão sobre matéria de facto -
12) Desde logo, tal como observa o artigo 640º/CPC, impõe-se o enunciar dos concretos pontos que ora se consideram incorretamente julgados, até por força dos existentes meios probatórios, que salvo melhor entendimento, impõem decisão diversa à que foi proferida.

13) Assim, o Facto 27, dado como Provado, encontra-se em evidente contradição com o Facto 29 (igualmente dado como Provado), sendo que este último prejudica o primeiro, ou seja, o Facto 29 impede que se dê o Facto 27, como assente e Provado.

14) Por outro, o Facto 31, dado como Provado, reflete uma insuficiência relevante, pelo que se considera que o mesmo, face aos meios de prova existentes, deve conter um âmbito mais alargado.

15) Acresce, um outro facto, contido no artigo 117º/oposição, não impugnado e não objeto de incidência na produção de prova testemunhal, tem de ser considerado assente até pela relevância face à decisão nos autos.

Assim,
16) O Facto 27, Facto não provado - A Recorrente coloca em causa o Facto 27, considerado como provado. O mesmo refere o seguinte: “27 – Em 28 de Abril de 2014 a requerente tinha créditos sobre a sociedade relativos a lucros até 31/12/2013 de € 58.396,50 e despesas a receber de € 2.653,11, devendo à sociedade € 24.205,15 relativos a pagamentos efetuados por esta em execuções fiscais contra a requerente.”

17) A verdade é que o Tribunal a quo considerou igualmente como provado, o Facto nº 29, que coloca em causa a possibilidade de se considerar o Facto 27, como um facto oficial, ou seja, se considera – e tem de se considerar – que em 28 de Abril de 2014 as contas da sociedade ora Recorrente não se encontravam encerradas, apresentadas ou aprovadas, então dificilmente se pode aceitar que o Facto 27 seja considerado como oficial, pelo que, ninguém pode declarar com base no facto 29 considerar oficialmente que A é devedor de B, ou B é devedor de A.

18) Mesmo, como é o presente caso nos autos, que tal prova não influencie a decisão. Contudo, dir-se-á que não influencia agora, mas pode vir a influenciar no futuro, considerando que a Recorrida assenta toda a sua estratégia no facto de alegar e invocar que detinha créditos sobre a sociedade mais que suficientes para «abater» a dívida exequenda, o que é falso.

19) O Facto 31, Provado mas insuficiente - “31 - A sociedade requerida sempre imputou e pagou à requerente 25% dos resultados”.

20) Ora, sendo verdade que pagou à requerente 25% dos resultados, igualmente ficou provado – vide doc. 2/requerimento inicial, a fls.. - e até por dedução lógica face à composição do capital social, que pagou igualmente, 25% a E... e 50% a M..., devendo o ora exposto encontrar-se refletido no Facto a relevar, o que não o foi e devia.

21) Na realidade, o comportamento useiro e costumeiro, assumido pela sociedade e pelos sócios ao longo dos anos, conduz-nos à conclusão de que os sócios M... e M... sempre aceitaram o pagamento de dividendos efetuados pela sociedade, aqui Recorrente a E... – o mesmo, que a douta Sentença, não reconhece como sócio.

22) Pelo que, face à relevância factual, de uma conclusão relevante e demonstrativa do modus faciendi da Recorrente, impõe-se, salvo melhor entendimento, um Facto com um teor mais alargado e adequado à relevância da questão.

23) Do Facto contido no artigo 117º/Oposição, dado como Não Provado - O artigo 117º/Oposição refere o seguinte: “Como bem sabe a Requerente, no âmbito da notificação da penhora e da preparação da assembleia em curso, tentou ainda a Requerida Sociedade antes da realização da assembleia, resolver o problema com aquela, propondo determinada solução, aliás, rejeitada.”

24) A Recorrente ora entende, que o facto constante e resultante do artigo:
117º/Oposição, deve ser elencado nos Factos considerados como provados, porquanto alegada está, a discussão e apresentação de uma proposta de acordo, antes da assembleia de 28/04/2014.

25) O Tribunal a quo, considerou como não provado (alínea d), referindo “Não se provaram, com interesse para a decisão da causa, os demais factos (..) constantes do requerimento inicial e da oposição”, e ainda, “d) Que, antes da assembleia geral de 28/04/14 a sociedade tenha contactado a requerente propondo determinada solução, quanto à penhora da quota.”

26) Sucede, o disposto no artigo 117º/oposição, não foi sujeito a qualquer impugnação por parte da Recorrida, que tinha interesse direto em fazê-lo, em sede de audiência, pelo que, o facto foi alegado, não impugnado e deve ser dado como assente, por provado, face à sua dimensão e relevância para os autos.

27) Do Facto contido nos artigos 94 a 104º/Oposição - As Partes não estiveram de acordo sobre o alegado conhecimento prévio pela Recorrida, dos motivos conducentes à realização da assembleia de 28/04/2014, bem como dos motivos subjacentes à convocatória para a mesma.

28) Mais, a Recorrida sempre afirmou ter sido confrontada com os motivos da intenção de divisão e amortização, na própria assembleia, o que é manifestamente falso.

29) Contudo, esta posição da Recorrida foi acolhida pelo Tribunal a quo, tendo referido na douta Sentença, o seguinte: “(…) Só na assembleia geral é que foram apresentados os motivos que levaram à convocação da assembleia geral, ou seja, a penhora da quota da sócia M... Até lá não se sabia, nem era possível saber, qual o fundamento para a amortização e divisão, como sequer a qual dos contitulares referidos se referia.”

30) Mais, “Veja-se, aliás, ilustrando bem a existência do vício, que a requerente se preparou para se defender da existência de penhoras da Fazenda Nacional e não da penhora da Caixa de Crédito Agrícola, afinal aquela que fundou as deliberações impugnadas.”

31) “(…) a convocação da reunião para amortização da quota deve conter, por forma expressa, o objeto da reunião, como no caso contém, e o motivo que a determina que, no caso, é totalmente omisso.”

32) Ora, desde 2002, que a Recorrida foi executada, sem nunca ter informado a sociedade de que era sócia, de tal situação, sendo em Janeiro de 2014, objeto de registo, cfr. consta da certidão perante da Recorrente, a fls.., a penhora da sua quota e outros, por força de execução contra a Recorrida.

33) Sucede, verificaram-se contatos entre todos os sócios, antes da realização da assembleia geral, motivo pelo qual aqueles conheciam a motivação das propostas a deliberar.

34) E porque a Recorrida tinha conhecimento suficiente, como todos tinham, tal facto é relevante porquanto a mesma sanou a eventual existência de um vício na convocatória. Compareceu à assembleia geral, não solicitou qualquer esclarecimento ou pedido prévio, não solicitou informações concretas e acrescidas, não solicitou a suspensão da assembleia e/ou o seu adiamento, como também votou e juntou uma declaração de voto.

35) Ora, é essa declaração de voto, entregue em plena assembleia geral de sócios, realizada em 28/04/2014, que prova e demonstra que M..., ora Recorrida conhecia e bem, a motivação da ordem de trabalhos inerente.

36) Na realidade, a ata nº 7 – Vide doc. 1/Oposição – contém a declaração de voto, escrita e entregue pela Recorrida à mesa da assembleia geral, para fazer parte integrante da ata.

37) A declaração de voto – doc. 6 da Ata 7 (Vide doc. 1/Oposição), revela bem o supra mencionado, quando refere: “(…) Por outro lado, no que concerne à penhora de quota, a sócia MJT apenas é devedora enquanto fiadora duma filha (…), mais, caso a SIPB pague a quantia em dívida à sócia, esta compromete-se de imediato a liquidar a dívida de sua filha. No que respeita a dívidas fiscais, tal como comunicado em 29 de Janeiro de 2014, a sócia nada deve, de facto apresentou certidão comprovativa disso mesmo (…). A penhora agora realizada irá ser alvo de oposição judicial. A sociedade foi notificada da penhora de créditos, em montante inferior ao valor em crédito da sócia e não pagou à Caixa de Crédito Agrícola.”

38) Ou seja, a supra referida declaração de voto, escrita e entregue em plena assembleia, foi naturalmente, redigida antes da realização da mesma – nem tão pouco é redigida à mão – pelo que, a sócia revela bem o conhecimento da motivação da penhora e das razões conducentes à intenção de dividir e amortizar a quota em questão, pelo que, resolveu participar, tendo tomado tal conhecimento, como é de direito; não pode é, invocar o desconhecimento e a quebra de informação essencial para a sua tomada de posição em consciência.

39) Em suma, o facto da Recorrida, ter conhecimento da motivação inerente à ordem de trabalhos, deve ser dado como Provado, porquanto o dever de informar, expresso tanto na lei como no pacto social, visa proteger quem não tem informação, e seguramente, este não é o caso.

40) Das decisões a proferir face à matéria de facto impugnada - Em face do supra exposto:

- O Facto 27 deve ser considerado como Não Provado.
- O Facto 31 deve ser ampliado nos seguintes termos: “A Sociedade requerida sempre imputou e pagou à requerente 25%, a E... 25%, e 50% a M..., dos resultados”.

- Ao elenco de Factos Provados, deve ser aditado o Facto 37, com o seguinte teor: “Antes da assembleia geral de 28/04/14 a sociedade contactou a requerente propondo determinada solução, quanto à penhora da quota.”, eliminando-se a alínea d) dos Factos considerados como
Não Provados.
- Ao elenco de Factos Provados, deve ser aditado o Facto 38, com o seguinte teor: “A Requerente teve conhecimento da motivação subjacente à intenção da sociedade em proceder à divisão da quota e amortização da mesma.”

41) De Direito - A douta Sentença de que se recorre, fez depender o decretamento da providência de quatro requisitos cumulativos: a) A qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação; b) A ilegalidade da deliberação (por violação da lei ou dos estatutos); c) A existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação; e d) Que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução. Ora,
- Do entendimento quanto ao não preenchimento dos requisitos cumulativos -
42) b) Ilegalidade da deliberação (contrária à lei ou estatutos) - A douta sentença proferida apontou três vícios como fundamentos para o preenchimento, no seu entendimento, deste requisito.

43) Nomeadamente, i) a violação do direito à informação por a convocatória não conter toda a informação necessária, nos termos do art. 58º do CSC; ii) a violação por conteúdo ofensivo de regras imperativas; iii) violação de regras legais relativas à fixação do valor das contrapartidas.

44) A alegada violação do direito à informação - Importa antes de mais, realçar algumas das considerações prévias proferidas pelo Tribunal a quo, sobre este concreto ponto, nomeadamente quando refere “As matérias sobre que vão incidir os trabalhos e deliberações da assembleia são assim, necessariamente, fixados antes da assembleia e publicitados na convocatória, essencialmente para facultar aos intervenientes a adequada preparação daquelas discussões e deliberações.”

45) “Recuperando a função da convocatória, ela exprime-se em dois vetores: garantia de preparação e informação dos sócios; tutela dos interesses dos ausentes que podem confiar que as deliberações tomadas na assembleia serão dentro daqueles assuntos”.

Naturalmente,
46) Há exceções, como também o Tribunal a quo o reconhece: “E dizemos em principio, uma vez que reconhecidamente existem matérias que poderão ser discutidas e deliberadas sem que o assunto a que se referem constasse da ordem de trabalhos (…)”.
47) “Quanto à divisão a convocatória aparenta ser clara (…): há uma quota em contitularidade e vai ser deliberada proposta relativa à sua divisão, nos termos do art. 238º do Código das Sociedades Comerciais. (…) Mas apenas aparenta ser clara, porquanto a consulta ao art. 238º do Código das Sociedades Comerciais, inserido sistematicamente na seção relativa à amortização de quota, desde logo esclarece que há lugar à divisão da quota «Verificando-se, relativamente a um dos contitulares da quota, facto que constitua fundamento de amortização pela sociedade…». Assim sendo, o fundamento para dividir é rigorosamente o mesmo que para amortizar e, analisada a convocatória, verifica-se que esta é totalmente omissa quanto a tal fundamento. Só na assembleia é que foram apresentados os motivos que levaram à convocação da assembleia geral, ou seja, a penhora da quota da sócia M... Até lá não só não se sabia, nem era possível saber, qual o fundamento para a amortização e divisão, como sequer a qual dos contitulares referidos se referia.”

48) Já tivemos oportunidade nas presentes alegações, de demonstrar não ser assim. Todos os sócios, E..., incluído, sabiam e tinham conhecimento do fundamento e da motivação da proposta de divisão e amortização da quota. Foi mesmo, objeto de negociações entre todos, sem êxito, refira-se.

49) Por outro, independentemente das salvaguardas estabelecidas no parágrafo terceiro do artigo 9º/Pacto Social, as mesmas refletem a linha de prevenção e tutela, estabelecidas por lei, para o regime a observar quanto às convocatórias.

50) Sempre se dirá que, para além do conhecimento por parte dos sócios quanto à motivação da proposta de divisão e amortização, igualmente a convocatória refere de modo expresso, qual o fundamento e a motivação legal que enquadra a ordem de trabalhos, nomeadamente o conhecimento de um facto que origina, por força da lei e também pela previsão contida na alínea b) do artigo 8º/Pacto Social.

51) Por outro, importa reter o disposto no nº 1 do artigo 232º/CSC: “A amortização de quotas, quando permitida pela lei ou pelo contrato de sociedade, pode ser efetuada nos termos previstos nesta secção.

52) Mais refere, o nº 1 do artigo 233º/CSC, “(…) a sociedade só pode amortizar uma quota sem o consentimento do respetivo titular quando tenha ocorrido um facto que o contrato social, considere fundamento de amortização compulsiva”, o que é o caso manifesto nos presentes autos, como também já tivemos oportunidade de referir.

53) Por outro ainda, o nº 1 do artigo 234º/CSC, atenta a natureza da amortização em causa – compulsiva – parece refletir a ideia até, da não participação no processo de deliberação do sócio visado – e não estamos a falar do direito de voto – nomeadamente, ao referir o seguinte: “1 – A amortização efetua-se por deliberação dos sócios, baseada na verificação dos respetivos pressupostos legais e contratuais, e torna-se eficaz mediante comunicação dirigida ao sócio por ela afetado.”.

54) Contudo, a conclusão do Tribunal a quo é outra, com a qual se discorda: “Assim, seja por via do disposto no art. 58º, nº 1, al. c), nº 4 al. a) e 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais, seja por via do disposto no art. 58º nº 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais e art. 9º, parágrafo terceiro do contrato de sociedade, as deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade requerida de 28 de Abril de 2014 são anuláveis.”

55) A alegada violação por conteúdo ofensivo de regras imperativas - Importa à semelhança do ponto anterior, sublinhar as prévias considerações do Tribunal a quo, sobre esta matéria: “Como resulta assente, a requerente e E... eram casados em comunhão geral de bens. Tal implica que a quota na sociedade requerida, constituída na constância do matrimónio, detida pela requerente é bem comum do casal, já que neste regime, o património comum dos cônjuges é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges não excetuados por lei – art. 1732º do Código Civil – sendo que, no caso não há previsão legal de exceção (…)

Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede um certo grau de autonomia e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela” – Pereira Coelho in Curso de Direito da Família, vol. I, 4.ª edição, pg. 507.”

56) Ora, a Recorrente encontra-se totalmente de acordo com o supra referido, até porque sempre defendeu que os ex-cônjuges, eram de facto e de Direito, titulares em conjunto de uma quota.

Vejamos,
57) Nessa qualidade, supra mencionada, estiveram os ex-cônjuges presentes na assembleia geral realizada em 28/04/2014, que deliberou a divisão da quota de ambos, e deliberou a amortização da parte correspondente e remanescente da aqui Recorrida. Aliás, neste sentido ora se requer a junção de documento, ora classificado como Doc. 1, e que faz parte do então documento nº 4, junto pela Recorrida aos autos com o seu requerimento inicial de providência cautelar; sucede, que o mesmo documento 4, representa a Ata nº 7 e demais documentos integrantes, com exceção de uma folha – certamente por lapso - que se encontra omissa e ausente dos autos, tendo a Recorrente só agora detetado, por força do presente Recurso, tal situação.

58) Na realidade, o documento (1), que ora se requer a junção aos autos, consubstancia a folha de presenças da assembleia realizada em 28/04/2014 – no mesmo, é possível perceber a qualidade e natureza da sua participação, nomeadamente o concurso para o exercício de um só direito – ambos assinaram no mesmo lugar, correspondente a um só bloco, bloco esse, titular da quota.
Naturalmente, se explicará as razões pelas quais, assim foi, independentemente de considerarmos E... com direito a voto ou não, de ser sócio ou não, ou de participar como contitular da quota tendo esse direito ou não.

59) A verdade, é que a perspetiva que a Recorrente teve da participação social dos ex-cônjuges na assembleia supra referida, é rigorosamente a mesma que ambos têm, assim como igualmente o TOC tem, ou seja, aqueles exerciam em conjunto, mas de forma autónoma, os direitos concorrentes à formação de uma única vontade, vontade essa, titular da quota.

60) Acresce, questiona-se na douta Sentença, “Desaparecido o vínculo, desaparece também a comunhão, este património coletivo com especial feição, de forma automática? É a esta questão principal colocada porquanto a sociedade aplicou as regras da compropriedade, remetendo-se, para as regras da contitularidade dos arts. 222º e segs do Código das Sociedades Comerciais que pressupõe aplicáveis em função do regime de compropriedade pois invocou precisamente o art. 238º do Código das Sociedades Comerciais.”

61) Mais, “Uma nota prévia para notar que, como resulta da matéria de facto indiciariamente assente, esta é matéria sobre a qual nem a sócia nem a sociedade alguma vez tiveram posição definida.” - Com todo o respeito, tal indefinição não tem qualquer correspondência com a realidade.

62) Vejamos, para além da matéria considerada assente, dos Factos 35 e 32, a verdade é que tivemos já oportunidade nas presentes Alegações de Recurso, de requerer a ampliação da matéria do Facto 31, dada como Provada, mas aqui considerada como insuficiente.

63) Na realidade, propôs-se mesmo, uma nova redação do Facto 31, que a ser tida em conta, reflete a verdade, o conhecimento que o Tribunal a quo, tem da existência de uma norma useira e costumeira na aqui Recorrente, que reflete a prática de pelo menos, os últimos vinte anos, em que sempre foram pagos dividendos aos titulares M..., e aos contitulares M... e E..., estes na proporção de metade da quota única de que eram titulares: Novo Facto 31 - “A Sociedade requerida sempre imputou e pagou à requerente 25%, a E... 25%, e 50% a M..., dos resultados”.

64) Aliás, a própria Recorrida juntou aos autos, com o seu requerimento inicial de providência cautelar, o documento nº 2, que consubstancia o «Relatório Explicativo e Detalhado das Contas com referência a 31.12.2012, sobre a S..., da autoria de P..., precisamente o TOC da Recorrente.

65) Ora, neste documento supra, fls. 10, 14, 17, 18, 19, 23, 28 (balancete analítico) e 39, sem prejuízo de outras, numeração esta, constante do mesmo, bem se confirma a prática supra descrita, de tratar E..., como sócio, ou no mínimo, como contitular da quota a quem se pagavam de modo autónomo e anualmente, dividendos – mais: por força da ata nº 53, a fls.., E..., foi mesmo incumbido pelos sócios da aqui Recorrente, de acompanhar a gestão corrente da sociedade.

66) Em suma, ao contrário do que parece ter sido a conclusão da Sentença proferida, verifica-se uma clara definição no tratamento aceite por todos os sócios em tratar E... como sócio de pleno direito, ou pelo menos como contitular cuja voz autónoma, concorria para a formação de uma vontade única. Se assim não fosse, contas e distribuição de dividendos, há muito teriam sido impugnados e nunca o foram.

67) Foi, por força do supra exposto, que a Recorrente aplicou aos procedimentos a observar para a divisão e amortização da quota, o regime contido nos artigos 222º e segs do Código das Sociedades Comerciais, afastando, assim, o regime do artigo 8º/CSC.

68) Vejamos, a douta Sentença, refere: “Temos, assim, regimes diferentes que regulam posições jurídicas diversas, não confundíveis nem sobreponíveis. Será que podemos considerar que, por via da dissolução do vínculo conjugal se desfez «automaticamente» a comunhão e entramos num regime de compropriedade, única solução em que se poderia afastar a aplicabilidade do art. 8 nº 2 do Código das Sociedades Comerciais e aplicar o disposto nos arts. 222º do mesmo diploma? A resposta é, claramente negativa (…) Uma vez que no caso concreto ainda não foi efetuada partilha dos bens do casal, não obstante a
dissolução do vínculo conjugal, a quota continua a ser património comum do casal e inserida na comunhão pós-conjugal que mantém os traços que atrás descrevemos. (…) Estamos assim em condições de determinar o regime aplicável ao caso concreto: comunhão de bens comuns do casal e não compropriedade.”

69) Ora, aceitam-se os motivos pelos quais a douta Sentença assim o considerou, embora se discorde. Na realidade, há muito que os ex-cônjuges, tal como a Recorrente em relação à quota de ambos – direitos e deveres, declarações de rendimentos entre outros elementos dissociativos – efetuaram de facto (não de Direito), a partilha desta quota.

70) Mais, os ex-cônjuges procederam à separação judicial de pessoas e bens por sentença de 11/07/1975, transitada em julgado em 5/02/1976, tendo obtido o divórcio por conversão da separação judicial, por sentença em 22/07/1976, transitada em julgado em 4/10/1976. Ou seja, há 39 (trinta e nove anos), que a Recorrida e o seu ex-cônjuge, se divorciaram.

71) Pelo que, qual a razão pela qual, a aqui Recorrente e os respetivos sócios, deveriam ter agido antes e durante a assembleia de 28/04/2014, de forma contrária à prática assumida e aceite por todos, nomeadamente pela sociedade, gerência, sócios, Toc e finanças?

72) Mais, o voto exercido por E... e por M..., é que, eventualmente poderiam ter sido postos em causa, face ao disposto no artigo 251º/CSC; contudo, não pode deixar de ser relevante a posição daquele, em plena assembleia geral de 28/04/2014, ao ter votado favoravelmente a divisão da quota de que era contitular – talvez para defender o direito à quota-parte respetiva – e absteve-se relativamente à amortização – ora, a verdade é que se trata de uma posição sobre algo que é seu e sobre o qual tem todo o interesse em manifestar-se, bem como exercer eventuais direitos.

73) A não ser assim, caso a Recorrente tivesse optado pela amortização total da quota, que direito assistiria a E... para defender um bem e um ativo que também é seu? Na realidade, as deliberações da assembleia supra, não deixam de constituir atos de disposição relativamente ao seu bem.

74) Acresce, a prática dos últimos anos tem revelado a intencionalidade dos titulares em agir segundo as regras da compropriedade, por força do único bem em comum que ainda detém, após o divórcio em 1976. Porque haveriam agora de contrariar tal prática comum e useira, com mais de vinte anos, com reflexos nos respetivos patrimónios individuais, por força de imputação e distribuição autónoma de dividendos?

75) Ora, a douta Sentença de que se recorre, afirma: “A presença de um não sócio, ex-marido da requerente não surge eivada de qualquer ilegalidade porquanto claramente autorizada – tal como as demais pessoas presentes. (…) O facto de ter sido emitido voto por não sócio acaba por ser decorrência da violação anterior – o voto exercido cabia à requerente e não ao seu ex-marido (…) atingida a conclusão de que apenas a requerente pode ser tida como sócia da sociedade, o que esta deliberação fez foi amortizar parcialmente uma quota sem autorização do seu titular – art. 233º, nº 5 do Código das Sociedades Comerciais. Surpreendemos, assim, a causa de nulidade das deliberações tomadas prevista no artigo 56º, nº 1, al. d) do Código das Sociedades Comerciais.”

76) Naturalmente, face a todo o exposto, a Recorrente discorda de tal conclusão, atenta a prática exercida por todos os sócios e pela Recorrente, não obstante reconhecer o formalismo de sinal contrário.

77) A verdade é que, até o Tribunal a quo reconheceu, a existência de um objeto bem definido – a divisão e amortização da quota – Ora a Recorrente entende que a aplicabilidade do regime contido nos artigos 222º e segs. /CSC, é bem aplicado face à prática assumida pelos ex-cônjuges, de um regime de contitularidade do bem comum.

78) Neste sentido, o regime supra afasta o disposto no nº 2 do artigo 8º/CSC, razão pela qual se entende que as deliberações tomadas pela assembleia de 28/04/2014, não se encontram feridas de nulidade, reconhecimento que se requer.

79) A alegada violação de regras legais relativas à fixação do valor das contrapartidas - Refere o Tribunal a quo, Por outro lado, o facto de a amortização ter sido deliberada em 2014 com base num balanço especificamente elaborado sem que o balanço do exercício de 2013 estivesse aprovado viola a regra estatutária prevista no art. 9º do pacto social.”

80) Temos a maior das dúvidas quanto a tal situação, ou seja, a situação de bloqueio em que se encontrava a sociedade – sempre será razoável recordar a existência de duas únicas quotas, de valor idêntico – não permitiu em tempo legal a aprovação das contas referentes ao exercício de 2013, pelo que se tornou necessário com base na contabilidade oficial da Recorrente, elaborar um balanço específico.

81) A questão é esta? É aceitável tal balanço? O entendimento da Recorrente é afirmativo, pois o balanço é de contingência face a uma situação de contingência. O balanço que serviu de base como pressuposto ao apuramento do valor das contrapartidas, foi elaborado pelo TOC da Recorrente, com base no exercício de 2013.

82) Mais, nada obsta a que interessados diretos possam reavaliar, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, o valor das contrapartidas, que de modo algum se converte em valor definitivo e intransponível após a deliberação tomada.

83) Por outro, sempre se dirá o seguinte: tal balanço supra, resulta dos dados à data, oficialmente registados pelo TOC, no referente à contabilidade da empresa e igualmente resultantes do último balanço aprovado pelos sócios da Recorrente.

84) Ou seja, o pacto social, parágrafo nono refere: “O valor da amortização será calculado em proporção da quota a amortizar no capital próprio constante do balanço aprovado no exercício anterior ao da data de amortização.”.

85) Ora, sempre recordamos estar perante uma amortização compulsiva, com natureza urgente e célere, pelo que o valor a apurar teria de ser encontrado – por não estar a Recorrente em fase de aprovação de contas – com base no balanço de 2012 e nos dados oficiais do TOC.

86) Por outro, a assembleia geral de sócios não se pronunciou de forma contrária ao método aplicado, tendo aceite o mesmo, o que configura idêntico espírito ao contido – embora não previsto - no parágrafo quarto referente à eventual dispensa de formalismo para casos ali referenciados.

87) Assim sendo, julgamos que as deliberações tomadas não são anuláveis, face à posição assumida pela Recorrente.

88) c) A existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação: Refere a douta Sentença de que se recorre: “No mais, porém, tem a requerente toda a razão. A presente deliberação, ou melhor, deliberações privaram-na de qualquer participação social na requerida mediante o pagamento de uma contrapartida correspondente a metade do seu valor. Este é um prejuízo considerável. Decorre das posições que assumimos que, neste caso concreto, a sociedade deveria ter amortizado a totalidade da quota da requerente, não o tendo feito. Porém, se o fizesse, teria que ter ser contra o pagamento da contrapartida relativa à totalidade da quota. Ou seja, a requerente não teria este concreto prejuízo. A este sério prejuízo acresce a constatação de que a requerente ficou privada, de todo, da sua participação social mediante uma deliberação eivada de vários vícios.”

89) Vejamos, se o prejuízo a considerar como relevante, ou melhor dizendo o dano apreciável, decorre da impossibilidade de participação social pela Recorrida, afigura-se-nos irrelevante porquanto tal impossibilidade não configura um dano, e sim um resultado por ato suscetível de gerar uma -amortização compulsiva. O entendimento contrário geraria a inaplicabilidade de qualquer amortização no nosso ordenamento jurídico com o fundamento de que os visados teriam danos por força da impossibilidade de participarem consequentemente na vida societária das respetivas empresas.

90) Por outro, o valor das contrapartidas, encontrado e definido, é sempre susceptível de reavaliação a pedido do interessado, o que não fez. Sucede, não parece resultar como lógico que o único dano /prejuízo a referir seja precisamente aquele que advém da deliberação tomada, ou seja de proceder ao pagamento à Recorrida do valor da sua quota-parte.

91) Por outro, verifica-se um vício no raciocínio do Julgador. O prejuízo pelo facto da contrapartida apenas ter em conta metade do seu valor não pode colher, atenta a defesa e o conceito expresso na douta Sentença quanto ao regime a aplicar à quota amortizada, nomeadamente consubstanciar um bem comum.

92) Se estamos perante um bem comum, então o prejuízo inexiste, uma vez que a Recorrida tem igualmente direito, sem prejuízo das eventuais tornas a decidir entre os ex-cônjuges, à outra metade que ficou consignada e adjudicada, por assim dizer, ao ex-cônjuge E....

93) Ou seja, se estamos perante um bem comum, a aqui Recorrida tem igualmente direito à outra metade da quota única, dividida e amortizada pela Recorrente – tal será um problema de partilha entre ex-cônjuges, não obstante o problema da titularidade ficar resolvido.

94) Acresce, não se encontram factos que suportem a conclusão do dano apontado, ou seja, da análise dos Factos dados como Provados – 1 a 36 – não encontra a Recorrente, um único, capaz de fundamentar e suportar a conclusão da verificação de um dano apreciável, razão pela qual o requisito em questão não se encontra preenchido.

95) O único Facto Provado que refere algo de relevo é o Facto 12, embora aponte conclusões de sinal contrário, isto é, caso a deliberação não fosse tomada ou seja suspensa, a grande prejudicada é, para além da Recorrente, a própria Recorrida por força da execução e penhoras incidentes sobre a quota de que era titular, no valor de € 100.374,92 (montante referido no facto em apreço).

96) Aliás, sobre esta matéria do prejuízo da suspensão da deliberação, sempre se recorda que era objeto do quarto requisito cumulativo, para o decretamento da providência, sendo totalmente omisso, quer a factos, quer de Direito, razão pela qual, deve a providência cautelar decretada, ser, de imediato, levantada.

97) Em suma, não estão preenchidos os requisitos necessários e cumulativos para o decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberação social, pelo que a mesma deve ser levantada, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

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A requerente contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:

- como questão prévia de conhecimento oficioso: se é de admitir o documento que a apelante juntou à alegação
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 615º nº 1 al b) e d) do CPC
- se não estão preenchidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar por a deliberação social não violar a lei nem os estatutos, por não se mostrar que a execução da deliberação cause à requerente dano apreciável e por não estar demonstrado que o prejuízo resultante da suspensão das deliberações seja inferior ao prejuízo derivado da sua execução.

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Consigna-se que os erros materiais que a apelante invocou como questões prévias I e II nas conclusões 1) a 4) foram já corrigidos na 1ª instância por despacho de 23/02/2015 ao abrigo do disposto no art. 614º nº 1 e 2 do CPC (cfr fls. 78), nada tendo as partes alegado no tocante à rectificação perante a Relação, pelo que nada mais há a decidir neste âmbito.

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III – Fundamentação:

A) Na decisão recorrida vem dado como indiciariamente provado:

1 – S... Lda, pessoa coletiva nº 500 560 790, com sede ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, sob o mesmo número desde 30/03/98.

2 - Tem por objecto social a indústria de construções.

3 - Tinha, até 28/04/14, o capital social de € 39.903,84, repartido pela seguinte forma:
- M..., solteiro – uma quota de € 9.975,96;
- M..., casada, em regime de comunhão geral de bens com E...– uma quota de € 9.975,96;
- a própria sociedade – uma quota de € 19.951,92.

4 - Mostram-se registadas sobre a quota titularidade da sócia M...:
- mediante o depósito nº 6923 de 01/10/08, penhora, a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia de € 26.767,84;
- mediante o depósito nº 1193 de 12/02/09, sub-rogação a favor da própria sociedade dos direitos e obrigações da Fazenda Nacional por ter pago a quantia exequenda supra referida;
- mediante o depósito nº 7001 de 23/10/09, penhora, a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia de € 12.005,63;
- mediante o depósito nº 7005 de 26/10/09, penhora, a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia de € 1.675,61;
- mediante o depósito nº 84 de 30/01/14, penhora, a favor da C... para garantia da quantia de € 36.795,22.

5 - Mostram-se registados como gerentes M... e R... e a sociedade obriga-se com a assinatura de ambos os gerentes.

6 - Mostra-se ainda averbada, mediante a apresentação nº 65 de 27/05/09, a seguinte actualização: a sócia M... é actualmente divorciada e mudou o nome para M....

7 - A sociedade requerida foi constituída por escritura pública de 07/10/59, conforme doc. de fls. 119 a 129 (processo em papel) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 - Estabelecem os artigos 8º e 9º do pacto social da sociedade requerida:

“Artigo oitavo – É permitida a aquisição e amortização de quotas dos sócios pela sociedade, mas a amortização só se poderá efectuar nos casos seguintes:
a) Por acordo com o respectivo proprietário;
b) Se qualquer quota vier a ser penhorada, arrestada, ou por qualquer forma, sujeita a procedimento judicial;
c) Por transgressão do disposto no artigo quinto e seus parágrafos deste pacto.

Artigo nono – O valor da amortização será calculado em proporção da quota a amortizar no capital próprio constante do balanço aprovado do exercício [e não «no exercício», como se escreveu na decisão recorrida por manifesto lapso de escrita, conforme se constata da leitura do documento nº 7 junto com a petição inicial intitulado «Cessões de quotas e alteração parcial de pacto social» em que se lê: «O valor da amortização será calculado em proporção da quota a amortizar no capital próprio constante do balanço aprovado do exercício anterior ao da data da amortização - rectificação efectuada ao abrigo do art. 249º do Código Civil] anterior ao da data de amortização.

Parágrafo primeiro - O pagamento da amortização poderá ser feito em seis prestações trimestrais, iguais, com vencimento da primeira na data da deliberação de amortização e as restantes no primeiro dia de cada um dos trimestres seguintes.

Parágrafo segundo - A amortização considera-se efectuada com o pagamento da primeira prestação ou da sua consignação em depósito à ordem de quem de direito, seguida de notificação ao sócio.

Parágrafo terceiro - A convocação da assembleia geral para a amortização de quotas deverá conter, por forma expressa, o objecto da reunião e o motivo que a determina.

Parágrafo quarto - Será, porém, dispensado esse formalismo, no caso de amortização por acordo do sócio e desde que tal acordo fique consignado na respectiva acta.”

9- Por carta registada datada de 11 de Abril de 2014, a requerente foi convocada para uma assembleia geral extraordinária da sociedade requerida, a realizar no dia 28 de Abril de 2014 pelas 16.30 horas, no Hotel Ibis em Lisboa, na Av. José Malhoa, lote H, por falta de condições das instalações da sede, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Deliberação sobre a divisão da quota titulada pelos sócios M... e E..., e consequente amortização da mesma pela S... Lda, nos termos do disposto no artigo 238º do CSC.”, conforme doc. de fls. 130 a 132 (processo em papel) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10- No dia 28 de Abril de 2014 realizou-se assembleia geral extraordinária da S... Lda, da qual foi lavrada a ata nº 7, com o teor de fls. 88 a 106 (processo em papel), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com a seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto um: Deliberação sobre a divisão da quota titulada pelos sócios M... e E..., e consequente amortização da mesma pela S... Lda, nos termos do disposto no artigo 238º do CSC.”.

11- Estavam presentes o sócio M..., que assumiu a presidência por ser o sócio mais velho presente, M... e E..., identificados como co-titulares de uma quota com o valor nominal de € 9.975,96 e, autorizados, os não-sócios Drs. M..., N..., A... e M..., na qualidade de advogados da sociedade, Dr. M..., na qualidade de advogado da requerente, E...o, identificado como sócio, a gerente R... e o técnico oficial de contas Dr. P...

12 - Iniciados os trabalhos foi concedida a palavra ao Dr. M..., identificado como secretário da mesa o qual apresentou e explicou os motivos que levaram à convocação da assembleia geral “…nomeadamente que a sociedade foi notificada de uma penhora sobre a quota co-titulada pela sócia M..., resultante de uma dívida à C...

A penhora incide sobre os créditos e os direitos dos co-titulares aos eventuais lucros que possam resultar da sua qualidade de sócios. Isto representa uma situação grave, que se a sociedade não reagir, verá a quota ser vendida judicialmente por força do supra mencionado processo de execução nº 146/2002 que corre os seus termos pela secção única do Tribunal Judicial do Entroncamento e, subsequente violação do espírito do pacto social ou do que esta deva ser, (…).

À data de hoje o valor em dívida à instituição bancária, supra mencionada, é de 100.374,92 euros.

O valor apurado a pagar à sócia M..., com base na amortização parcial da sua quota é de 148.062,04 euros. Este valor é o total apurado, já incluído o pagamento de 100.374,92 euros.”

13 - Foi então dada a palavra ao técnico oficial de contas da sociedade, que prestou esclarecimentos quanto ao apuramento do valor de amortização, tendo também sido esclarecido pelo identificado secretário da mesa que o pagamento respeitaria a previsão do parágrafo primeiro do art. 9º do pacto social.

14 - Seguidamente pela requerente foram pedidos esclarecimentos e juntos documentos, tendo, seguidamente sido por esta formulada declaração de voto e referido, como questão preliminar, que a convocatória é nula porquanto trata de duas questões distintas, a divisão de quotas, relativamente ao qual pende processo judicial e a amortização, sendo que, quanto a esta o eventual crédito não está determinado ou fixado, nunca tendo sido notificada para deduzir oposição à penhora.

15 - Após, passou-se à votação da proposta de “…eventual divisão da quota co-titulada pela sócia M... e pelo sócio E... em duas quotas de valor nominal igual”, tendo a proposta sido aprovada com os votos a favor de M... e E... e o voto contra da requerente.

16 - Seguidamente e referindo-se “…em consequência desta deliberação e apreciação da eventual amortização parcial da
quota que diz respeito à sócia M... por conta da dívida resultante à C..., no valor total apurado à data de hoje de 100.374,92 euros. O valor final será conhecido e homologado pelo tribunal judicial do Entroncamento.”, tendo a proposta sido aprovada com o voto a favor do sócio M..., o voto contra da requerente e a abstenção do identificado como sócio E....

17 - Consta seguidamente da acta “Face ao exposto resulta assim uma nova composição do capital social que ora se descreve:

Quota própria da sociedade – 50% - 19.951,92
Quota do sócio M... – 25% - 9.975,96
Quota do sócio E... – 12,5% - 4.987,98
Quota (nova e resultante da amortização), própria da sociedade – 12,5% - 4.987,98.

Em consequência destas deliberações, ficam alterados os artigos relativos à distribuição do capital social do pacto social.”

18 - Foi feito constar das actas de assembleia geral da sociedade requerida de 28/05/08, 20/07/09, 28/05/10, 26/06/12 e de 27/07/13 estarem presentes os sócios M... e M..., estando representada a totalidade do capital social.

19 - Da acta lavrada da assembleia geral da sociedade de 30/06/11 foi feito constar estarem presentes todos os sócios, a saber, M... e E..., contitulares da quota indivisa, e M....

20 – No dia 07/10/86 realizou-se assembleia geral da sociedade requerida da qual foi lavrada a acta nº 46, constante de fls. 248 dos autos (processo em papel) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21 - Da acta lavrada da assembleia geral da sociedade de 04/01/89 foi feito constar estarem presentes M..., M... e E..., estando assim presente a totalidade do capital social.

22 - Da acta lavrada da assembleia geral da sociedade de 06/05/91 foi feito constar estarem presentes M... e M..., estando também presente E..., identificado como mantendo em comum uma quota com aquela sócia.

23 - Da acta lavrada da assembleia geral da sociedade de 26/07/97 foi feito constar estarem presentes todos os sócios, a saber M... e E....

24 – A sociedade requerida enviou à requerente, com data de 11 de Abril de 2012, o escrito de fls. 84 a 86 dos autos (processo em papel) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, nomeadamente “No que concerne ao senhor E..., autor da “doação da meação conjugal” referida na missiva acima referida, esclarecemos que o mesmo, face à sociedade, não é – jamais foi – sócio da S... Limitada (…), outrossim, pelo facto de ter sido casado em comunhão de bens com a sócia Senhora M... [titular de uma quota de € 9.975,96 (…)], assumiu, apenas e só, a “posição” de cônjuge meeiro da quota, i.e., a participação social (quota) tornou-se um bem integrado na massa dos bens comuns: “apenas como valor, não como síntese ou fonte de direitos e deveres corporativos, não como título de socialidade”. (…)”.

25 - A requerente intentou contra a requerida acção visando a destituição da gerência, o qual corria termos no antigo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa.

26 – M... recebeu do Tribunal Judicial do Entroncamento, na qualidade de gerente da sociedade requerida a notificação constante de fls. 313 a 314 (processo em papel) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no âmbito do processo nº 146/2002 em que é exequente a C... e executada M... e outro(s), nos termos da qual ficaram penhorados: os créditos de que a executada seja titular sobre a S... Lda, a quota de que seja titular a executada sobre a S... Lda no valor de € 9.975,96 e o direito da executada sobre a S... Lda, na quota de € 19.951,92 pertencente à própria sociedade.

27 – Em 28 de Abril de 2014 a requerente tinha créditos sobre a sociedade relativos a lucros até 31/12/2013 de € 58.396,50 e despesas a receber de € 2.653,11, devendo à sociedade € 24.205,15 relativos a pagamentos efectuados por esta em execuções fiscais contra a requerente.

28 - Em 8 de Janeiro de 2014 e em 28 de Abril de 2014 o Serviço de Finanças de Santarém declarou que a requerente tem a sua situação tributária regularizada não sendo devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos, prestações tributárias ou acréscimos legais.

29 - Em 28 de Abril de 2014 as contas da sociedade requerida relativas ao exercício de 2013 não tinham sido encerradas, apresentadas ou aprovadas.

30 - Durante o exercício de 2013 a sociedade requerida teve receitas de € 126.805,17.

31 - A sociedade requerida sempre imputou e pagou à requerente 25% dos resultados.

32 - Existem despesas na sociedade cujo recebimento é imputado na proporção das quotas dos sócios.

33 - A avaliação da quota referida na acta da assembleia geral de 28 de Abril de 2014 foi efectuada pelo técnico oficial de contas da sociedade.

34 - A sociedade obtém os seus rendimentos através do arrendamento de um imóvel sito na Rua do Conde Redondo, nº 46.

35 - Não ocorreu partilha dos bens do casal composto pela requerente e por E... após o divórcio destes.

36 - A requerente não solicitou qualquer informação ou esclarecimento em sede de assembleia geral de 28 de Abril de 2014 que não as constantes em acta.

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B) Da questão prévia/junção de documento:

A apelante juntou à alegação um documento intitulado «Lista de presenças Assembleia Geral Extraordinária 28 de Abril de 2014 (…)» (cfr fls 42 destes autos), dizendo que faz parte do documento nº 4 junto com a petição inicial do procedimento cautelar que representa a Acta nº 7 e demais documentos integrantes e que só por força do recurso agora detectou a omissão dessa folha.

Dispõe o art. 651 nº 1 do CPC: «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».

Não alega a apelante que a junção do documento se tornou necessária em virtude da decisão recorrida; além disso, é manifesto que o documento poderia ter sido apresentado antes do encerramento da discussão.

Pelo exposto, impõe-se recusar a junção do documento, ordenando-se a sua restituição à apelante, e condenando-a em multa, que se fixa em 1 (uma) UC (art. 443º nº 1 do CPC e art. 27º nº 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais. 

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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

1. Sustenta a apelante que há contradição entre os factos 27 e 29, devendo o 27 ser dado como não provado, pois se em Abril de 2014 as contas da sociedade não estavam encerradas, apresentadas ou aprovadas (facto 29), então dificilmente se pode aceitar que o facto 27 seja considerado oficialmente como eficaz e real.

Na explicitação da sua convicção quanto ao facto 27, a 1ª instância exarou: «depoimento de P... e acta de fls. 88 a 106».

Na Acta nº 7 de 28/4/2014 referente à Assembleia Geral Extraordinária presidida pelo sócio-gerente M..., assinada pelos presentes, consta:
«O valor apurado a pagar à sócia M..., com base na amortização parcial da sua quota é de 148.062,04 euros. Este valor é o total apurado já incluindo o pagamento de 100.374,92 euros. Para melhor esclarecimento foi passada a palavra ao Dr P..., TOC da Sociedade, para se pronunciar quanto à forma de apuramento das quotas (documento 1 balanço).

O mesmo referiu que utilizou o método patrimonial que consiste no valor exacto do capital próprio da sociedade, numa determinada data, sendo o capital constituído por uma quota própria da sociedade de 50%, uma quota do sócio M... de 25%, uma quota co-titulada pela sócia M... e por E... de 25%.

Ora, o valor total apurado correspondente à quota da sócia M... na proporção dos 12,5% corresponde ao total de 248.437,67 euros.

Passa a descrever o valor total apurado:
Capital próprio = 211.593,20 euros
Lucros até 31/12/2013 = 58.396,50 euros;
Despesas = 2.653,11 euros
Dedução do resto do pagamento da sub-rogação =  - 24.205,15 euros.

Foi declarado pelo TOC, Dr. P..., que a situação líquida da sociedade (total do capital próprio) não é inferior à metade da soma do capital social acrescido da reserva legal, depois do pagamento das contrapartidas pela amortização».

Além disso, a 1ª instância considerou não provado «a) Que as contas da sociedade requerida relativas ao exercício de 2013 não tenham sido, até à data, apresentadas», exarando que «resulta da certidão permanente da sociedade que as contas do exercício de 2013 foram entretanto apresentadas e depositadas na CRCom, mais exactamente em Julho de 2014».

Ora, nenhum concreto meio de prova invoca a apelante que permita concluir que as contas do exercício de 2013 apresentadas e depositadas na CRCom em Julho de 2014 contrariam o que vem dado como indiciariamente provado no ponto 27 da matéria de facto, ou seja, não demonstra a apelante que os valores indicados na acta não vieram a ser confirmados pelas contas posteriormente apresentadas e depositadas na CRComercial.

Portanto, não se verifica a apontada contradição entre os factos 27 e 29, improcedendo a impugnação da decisão da matéria de facto nesta parte.

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2. Segundo a apelante, o ponto 31 da matéria de facto deve ser ampliado, passando a ter esta redacção: «A sociedade requerida sempre imputou e pagou à requerente 25%, a E... 25%, e 50% a M..., dos resultados».

Vem dado como provado: «A sociedade requerida sempre imputou e pagou à requerente 25% dos resultados», com esta fundamentação: «acordo das partes».

Justifica a apelante a pretendida ampliação dizendo que ficou claro e até por dedução lógica face à composição do capital social que fez os referidos pagamentos a E... e a M..., e que o comportamento useiro e costumeiro assumido pela sociedade e pelos sócios conduz à conclusão de que os sócios M... e M... sempre aceitaram o pagamento de dividendos efectuados a E..., o mesmo que a decisão recorrida não reconhece como sócio.

Porém, a factualidade a que se reporta a pretendida ampliação não foi alegada nos articulados pelo que não tem suporte em acordo das partes. Note-se que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções invocadas (art. 5º nº 1 do CPC) e não alega a apelante que a ampliação integra facto enquadrável em alguma das alíneas do nº 2 do art. 5º do CPC, além de que não indicou qualquer concreto meio de prova que permita sustentar que resultou da instrução da causa – recorde-se que o alegado acordo das partes, como se disse, não tem fundamento.

Assim, improcede também a impugnação nesta parte.

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3. Pretende a apelante que seja dado como provado o que alegou no art. 117º da oposição, ou seja: «Como bem sabe a Requerente, no âmbito da notificação da penhora e da preparação da assembleia em curso, tentou ainda a Requerida Sociedade antes da realização da assembleia, resolver o problema com aquela, propondo determinada solução, aliás rejeitada», dizendo que não foi impugnado pela requerida na audiência.

Porém, esse artigo não contém matéria de excepção e por isso a falta de impugnação não tem efeito cominatório; acresce que nesse artigo não se concretiza qual a «determinada solução» que alegadamente foi proposta à apelada, pelo que dado o seu carácter vago e conclusivo, a afirmação aí produzida não pode integrar a matéria de facto.

Por quanto se disse, improcede também nesta parte a impugnação.

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4. Entende a apelante que deve ser aditado à matéria de facto um ponto 38 com esta redacção: «A requerente teve conhecimento da motivação subjacente à intenção da sociedade em proceder à divisão da quota e amortização da quota».

Invoca que se trata de facto contido nos art. 94º a 104º da oposição e que a declaração de voto entregue pela apelada na assembleia geral de 28/04/2014 prova que conhecia bem a motivação da ordem de trabalhos inerente.

Na acta dessa assembleia geral lê-se: «Foi apresentada declaração de voto pelo advogado da sócia M..., que junto se anexará, à presente ata e que aqui se dá por integralmente reproduzida dela fazendo parte integrante como doc. 6.»

Na oposição a apelante refere que não vislumbra que elementos faltam à convocatória, alegando, designadamente, nos art. 95º, 97º, 98º e 99º: «Ora se impugnam os artigos 17º a 19º /r.i., porquanto o mesmo é desvirtuador da verdade dos factos, porquanto a convocatória é em si mesma, um documento formal, como tantos outros, não se vislumbrando – e a Requerente também não desenvolve – quais os elementos então em falta, o que se refere sem conceder», «A Requerente, (…) na realidade, não só aquela sabe como sempre soube, o que se estava a passar, como também ao receber a convocatória não solicitou da requerida Sociedade qualquer esclarecimento - E não o fez, porque sabe muito bem o que está em causa, faltando à verdade se mantiver esta posição que se rejeita com toda a veemência»», «Será aceitável a tese supra mencionada, da Requerente, quando na assembleia em apreço, realizada em 28/04/2014, compareceu na mesma, munida de documentos e respectivas cópias – colecções - para serem entregues e distribuídas?», «Com a ata da assembleia supra, Vide Doc 1, a Requerente juntou como resposta e declaração de voto, seis documentos, o que significa que sabia bem o que se iria passar».

Vejamos.
Nos art. 17º a 19º da p.i. a apelada reporta-se ao teor da convocatória para a assembleia geral extraordinária de 28/04/2014 dizendo que não foi cumprido o dever de a informar de modo a formar a sua vontade esclarecida acerca do assunto a submeter a deliberação – «Deliberação sobre a divisão da quota titulada pelos sócios M... e E..., e consequente amortização da mesma pela S... Lda, nos termos do disposto no artigo 238º CSC».

O teor dessa convocatória é aceite pela apelante. Assim, se a apelante entendia ser importante para a decisão deste procedimento cautelar que a apelada tivesse tido conhecimento da motivação subjacente à intenção da sociedade em proceder à divisão da quota e sua amortização, cabia-lhe concretizar na oposição qual era a motivação que a apelada conhecia e a data em que tal conhecimento lhe adveio, alegação que não fez nesse articulado e que não faz neste recurso, pois é vaga e conclusiva a afirmação contida no pretendido aditamento, sendo ainda de referir que não resulta do doc. 6 junto à acta da assembleia geral de 28/04/2014 a data em que foi elaborado.

Em consequência, improcede também nesta parte a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

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D) Ao abrigo do disposto no art. 663º nº 2 e 607º nº 4 do CPC, considera-se também indiciariamente provado:

37 - Na assembleia geral referida em 10 a requerente M... apresentou o escrito dactilografado junto à acta como doc. 6 (cfr fls. 312/313 destes autos) e que aqui se reproduz textualmente:
«Texto
Preliminarmente, no que concerne à presença de E... na presente AG, a sócia MJT declara opor-se à mesma na medida em que na presente data este não pode assumir e nem lhe deve ser reconhecida a qualidade de sócio na medida em que ainda se encontra pendente processo judicial com vista à apreciação desta questão.

Por outro lado, mas senda daquela que é oposição por parte da sócia MJT à presença e participação do não sócio E..., segundo a Convocatória para a Assembleia-Geral da sociedade por quotas I.P.B. esta tem como ordem de trabalhos a questão atinente à titularidade da quota titulada pelos sócios M... a E... e consequente amortização da mesma pela sociedade. A questão atinente à titularidade da quota titulada pela sócia MJT e da partilha da mesma em consequência do seu divórcio de E... encontra-se submetida à apreciação dos tribunais, mais concretamente está a correr termos um processo judicial com o nº 1915/10.3TMLSB no 1º Juízo da 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, sendo que na presente data ainda não foi efectuada nenhuma notificação contendo a decisão tomada pelo Tribunal neste processo e, em consequência, na presente data a titularidade da quota e a sua representação permanece na esfera jurídica da sócia MJT, aliás, como sempre sucedeu até aqui. Na presente data e até que seja decidido o processo judicial pendente a questão atinente à titularidade da quota e à sua alegada divisão e consequente amortização é, por conseguinte, uma falsa questão e por isso não estão reunidos os pressupostos a que se alude no Pacto Social e que permitem a amortização de quotas pela sociedade (conjugação dos artigos 5º e 8º do Pacto Social) dado que enquanto não for proferida uma qualquer sentença naquele processo judicial não se pode falar numa divisão de quotas ou sequer numa cessão de quotas a terceiro estranho à sociedade. Ou seja, não houve uma qualquer transgressão do que se estabelece no artigo 5º do Pacto Social para que possa ocorrer a amortização por parte da sociedade conforme previsto no artigo 8º.

Por outro lado, no que concerne à penhora de quota:

A sócia MJT apenas e devedora enquanto fiadora duma filha, no entanto, e caso a SIPB tivesse pago os valores em dívida à sócia, conforme relatório apresentado pelo TOC, Sr. P..., a SIPB é devedora da quantia de 109.614,32€, tendo apenas pago em 19-12-2103 a quantia de 29.920,29€, estando a favor da sócia a importância de 84.694,03€, a dívida já não existiria, uma vez que a sócia teria disponibilidades financeiras para a liquidar, mais, caso a SIPB pague a quantia em dívida à sócia, esta compromete-se de imediato a liquidara a dívida de sua filha.

Depois disto a sociedade ainda recebeu a devolução por parte da AT de quantias fruto da sub-rogação realizada.

No que respeita às dívidas fiscais, tal como comunicado em 29 de Janeiro de 2014, a sócia nada deve, de facto apresentou certidão comprovativa disso mesmo, após esta data voltar a falar em dívidas da sócia à AT, só se pode ficar a dever a má fé.

Acresce que a dívida em que a SIPB se sub-rogou nunca sequer existiu, ficou a dever-se a um erro na imputação das retenções na fonte pela AT, o qual já foi reconhecido e rectificado, ainda assim a SIPB pagou, por conta da sócia, a dívida às AT, pelo que a sócia é devedora dessa quantia.

A sócia já solicitou por diversas vezes a compensação de créditos com a sociedade, algo que a gerência se recusa a fazer. A penhora à AT só subsiste porque a gerência da sociedade, enquanto entidade sub-rogada, nada comunica à AT que a Sra MJT já nada deve à sociedade.

A penhora agora realizada irá ser alvo de oposição judicial.

A sociedade foi notificada da penhora de créditos, em montante inferior ao valor do crédito da sócia e não pagou à Caixa de Crédito Agrícola».

*

E) O Direito:

1. Da alegada nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 615º nº 1 al b) e d) do CPC.

Segundo a apelante, a decisão recorrida é nula pois elencou os quatro requisitos cumulativos dos quais a lei faz depender, no entendimento do tribunal a quo, o decretamento de uma providência cautelar, mas omitiu qualquer referência ao quarto e último requisito «O prejuízo da suspensão é inferior ao prejuízo da execução».

Apreciando.
O art. 381º nº 2 do CPC dispõe: «Ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da execução».

Portanto, a lei não impõe que o tribunal, para decretar a providência, emita pronúncia no sentido de o prejuízo resultante da suspensão da deliberação ser inferior ao prejuízo derivado da sua execução, mas sim, que justifique o não decretamento da providência com o fundamento de o prejuízo resultante da suspensão ser superior ao que pode derivar da execução. Assim, porque nada foi invocado na oposição sobre a existência de prejuízo que justifique o não decretamento da suspensão das deliberações, improcede a arguição de nulidade.

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2. Apreciemos agora se não estão preenchidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar por as deliberações sociais tomadas na assembleia geral extraordinária de 28/04/2014 não violarem a lei nem os estatutos, por não se mostrar que a execução das deliberações cause à requerente dano apreciável e por não estar demonstrado que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução.

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Na decisão recorrida entendeu-se que a convocatória, devido à sua insuficiência, torna anuláveis as deliberações nela tomadas por violação do direito à informação «(…) seja por via do disposto no art. 58º nº 1 al c), nº 4 al a) e 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais, seja por via do disposto no art. 58º nº 1 al a) do Código das Sociedades Comerciais e art. 9º, § 3º do contrato de sociedade (…)» porque só na assembleia geral é que foram apresentados os motivos que levaram à convocação, ou seja, a penhora da quota da sócia Maria José Tiago e bem assim a qual dos contitulares respeitava o fundamento para amortização da quota.

Discorda a apelante sustentando que «Todos os sócios, E... incluído, sabiam e tinham conhecimento do fundamento e da motivação da proposta de divisão e amortização da quota» e que «a convocatória refere de modo expresso, qual o fundamento e a motivação legal que enquadra a ordem de trabalhos, nomeadamente o conhecimento de um facto que origina, por força da lei e também pela previsão contida na alínea b) do artigo 8º /Pacto Social».

Vejamos.
Na convocatória refere-se que a ordem de trabalhos será a «Deliberação sobre a divisão da quota titulada pelos sócios M... e E..., e consequente amortização da mesma pela S... Lda, nos termos do disposto no artigo 238º do CSC».

O art. 238º do CSC estabelece:
«1. Verificando-se, relativamente a um dos contitulares da quota, facto que constitua fundamento de amortização pela sociedade, podem os sócios deliberar que a quota seja dividida, em conformidade com o título donde tenha resultado a contitularidade, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 219º.
2. Dividida a quota, a amortização recairá sobre a quota do contitular relativamente ao qual o fundamento da amortização tenha ocorrido; na falta de divisão, não pode ser amortizada a quota».

O art. 233º do mesmo Código dispõe:
«1. Sem prejuízo de disposição legal em contrário, a sociedade só pode amortizar uma quota sem consentimento do respectivo titular quando tenha ocorrido um facto que o contrato social considere fundamento de amortização compulsiva.
2. A amortização de uma quota só é permitida se o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da aquisição dessa quota pelo seu actual titular ou pela pessoa a quem este sucedeu ou se a introdução desse facto no contrato foi unanimemente deliberada pelos sócios.
3 A amortização pode ser consentida pelo sócio ou na própria deliberação ou por documento anterior ou posterior a esta.
(…)
5. Só com consentimento do sócio pode uma quota ser parcialmente amortizada, salvo nos casos previstos na lei.».

O art. 58º nº 1 do mesmo Código determina:
«1. São anuláveis as deliberações que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade;
(…)
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
(…)
4. Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a) As menções exigidas pelo artigo 377º nº 8;
(…)».
O art. 377º nº 8 estatui, na parte que ora interessa: «O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada.».
Por sua vez, o art. 9º do pacto social prevê na parte que ora interessa:
«(…)
Parágrafo terceiro – A convocação da assembleia geral para a amortização de quotas deverá conter, por forma expressa, o objecto da reunião e o motivo que a determina.
Parágrafo quarto – Será, porém, dispensado esse formalismo, no caso de amortização por acordo do sócio e desde que tal acordo fique consignado na respectiva acta.
(…)».
No caso concreto, a convocatória não indica relativamente a qual dos dois alegados sócios se verifica o fundamento da amortização nem explicita qual é o motivo da amortização, apesar de o artigo 8º do pacto social prever em três alíneas os casos em que a sociedade poderá ser efectuada a amortização de quotas.
Ora, as regras sobre a convocação das assembleias gerais das sociedades são imperativas, pelo que serão inválidas cláusulas estatutárias que visem dispensar ou aligeirar as convocações; ao invés, serão válidas as estatuições que prescrevem outros modos de convocação sem dispensar os previstos na lei. (neste sentido, Abílio Neto, in Código das Sociedades Comerciais, Jurisprudência e Doutrina, 4ª edição, pág. 810.).

Assim, apesar de ser plausível que antes da assembleia geral a apelada conhecesse, ou pelo menos suspeitasse qual o motivo para a amortização da quota, tendo em conta o documento 6 que foi junto à acta da assembleia, o certo é que a convocatória não cumpriu o parágrafo 3º do artigo 9º do pacto social. Por isso, concorda-se com a decisão recorrida ao considerar que as deliberações tomadas são anuláveis, por violação do direito à informação legalmente e estatutariamente consagrado, atento o disposto no art. 58º nº 1 al c), nº 4 al a) e 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais, e o disposto no art. 58º nº 1 al a) do Código das Sociedades Comerciais e art. 9º, § 3º do pacto social.

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Entendeu-se também na decisão recorrida que as deliberações tomadas na referida assembleia geral são nulas nos termos do art. 56º nº 1 al d) do CSC por violação de regras imperativas relativas à comunhão conjugal e pós-conjugal, uma vez que não tendo sido efectuada a partilha dos bens do casal que foi formado pela apelada e por E..., a quota continua a ser património comum do casal, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 8º nº 2 do CSC até que cesse tal comunhão e por isso, sendo a natureza desse património diferente da compropriedade, é impossível a aplicação do art. 238º do CSC.

A apelante defende que a apelada e o ex-cônjuge efectuaram, há muito, de facto e não de direito a partilha da quota e por isso é aplicável o regime contido nos art. 222º e segs do CSC e portanto, o art. 238º.

Apreciando.

O art. 8º nº 2 do CSC estabelece: «Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal.». Portanto, como o ex-cônjuge da apelada não é considerado sócio nas relações com a sociedade, não é aplicável o regime da contitularidade, pois o art. 222º determina que «Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum».

Acresce que não tem suporte legal a invocação, pela apelante, de uma alegada partilha de facto para defender a aplicação do regime da contitularidade de quotas, pois não tendo sido efectuada juridicamente a partilha dos bens do casal, a quota continua a ser património comum do casal e por isso sobre ela incide um único direito, contrariamente ao que sucede na compropriedade em que há dois ou mais direitos sobre a coisa comum repartidos em quotas ideais que se presumem quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário no título constitutivo (cfr art. 1403º do Código Civil).

Aliás, a alegação da apelante é contraditória com a posição que assumiu na carta datada de 11/04/2012 (doc. 4 junto com a pi.) parcialmente reproduzida no ponto 24 da matéria de facto.

Em suma, a quota em causa não podia ser dividida ao abrigo do disposto no art. 238º do CSC e no pacto social, pelo que a deliberação de amortização parcial da quota sem autorização da sócia ora apelada violou a regra imperativa contida no art. 233º nº 5 do CSC, o que torna tal deliberação nula nos termos do art. 56º nº 1 al. d) do CSC.

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Na decisão recorrida entendeu-se que nos termos do art. 58º nº 1 al a) do CSC também é causa de anulabilidade da deliberação de amortização da quota o facto de o valor da contrapartida ter sido determinado sem que o balanço do exercício de 2013 estivesse aprovado em violação do art. 9º do pacto social.

Alega a apelante que «Temos a maior das dúvidas quanto a tal situação, ou seja, a situação de bloqueio em que se encontrava a sociedade – sempre será razoável recordar a existência de duas únicas quotas, de valor idêntico – não permitiu em tempo legal a aprovação das contas referentes ao exercício de 2013, pelo que se tornou necessário, com base na contabilidade oficial da Recorrente, elaborar um balanço específico».

É de assinalar a atitude contraditória da apelante ao considerar, agora, como boa a contabilidade oficial quando em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto pretendeu que fosse dada como não provada a matéria constante do ponto 27.

Por outro lado, não tem suporte nos factos dados como indiciariamente provados a alegada situação de bloqueio da sociedade impeditiva de aprovação das contas referentes ao exercício de 2013.

Também não tem suporte nos factos provados a alegação de que havia urgência na amortização, pois a penhora da quota no âmbito da execução mencionada instaurada pela C... foi efectuada em 24/01/2014 (cfr fls. 322/324 dos presentes autos), nada permitindo concluir que que estivesse iminente a venda.

Alega ainda a apelante que a assembleia de sócios não se pronunciou de forma contrária ao método aplicado, tendo aceite o mesmo.

Porém, na acta da assembleia geral em causa, consta o seguinte:

«2. Foi deliberada pela Assembleia, a amortização da quota da sócia M..., tal como proposto e constante da ordem dos trabalhos.
Votos a favor: 1 do sócio M...
Voto contra: Sócia M..., que invoca a nulidade da convocatória e tudo remete mais para o texto
Abstenção: sócio E...».

Não se vê, pois, como sustentar que a apelada aceitou o método para determinação do valor contrapartida da amortização da sua quota.

Conclui-se, assim, pela verificação da referida causa de anulabilidade da deliberação de amortização da quota considerando o disposto nos art. 58º nº 1 al. a) e 235º nº 1 do CSC em conjugação com o art. 9º do pacto social.

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Verificada que está a invalidade das deliberações num juízo necessariamente perfunctório por estarmos no âmbito de um procedimento cautelar, apreciemos agora se tem razão a apelante ao sustentar que não se mostra que a execução das deliberações pode causar dano apreciável à apelada, faltando assim um dos pressupostos previstos no art. 380º nº 1 do CPC para o decretamento da providência de suspensão de deliberações sociais.
Na decisão recorrida considerou-se verificado esse pressuposto, com esta fundamentação:
«A presente deliberação, ou melhor, deliberações, privaram-na de qualquer participação social na requerida mediante o pagamento de uma contrapartida correspondente a metade do seu valor. Este é um prejuízo considerável.

Decorre das posições que, neste caso concreto, a sociedade deveria ter amortizado a totalidade da quota da requerente, não o tendo feito. Porém, se o fizesse, teria que ser contra o pagamento da contrapartida relativa à totalidade da quota. Ou seja, a requerente não teria este concreto prejuízo.
A este sério prejuízo acresce a constatação de que a requerente ficou privada, de todo, da sua participação social mediante uma deliberação eivada de vários vícios.».

Concordamos com a apelante na parte em que defende que a privação de participação social em consequência da amortização da quota não configura um prejuízo para efeitos do disposto no art. 380º nº 1 do CPC, pois tal privação é a consequência necessária da amortização.

Mas discordamos da apelante quando sustenta que inexiste prejuízo para a apelada ao ter-se em conta apenas metade do valor da contrapartida pois que, se a quota é um bem comum, «tem igualmente direito à outra metade da quota única, dividida e amortizada pela Recorrente – tal será um problema de partilha entre ex-cônjuges, não obstante o problema da titularidade ficar resolvido». Na verdade, não cabe à apelante decidir sobre a partilha do património comum do casal.

Também não tem razão a apelante ao invocar a inexistência de dano apreciável com base no facto 12 dizendo que «caso a deliberação não fosse tomada ou seja suspensa, a grande prejudicada é, para além da Recorrente, a própria recorrida, por força da execução e penhoras incidentes sobre a quota de que era titular, no valor de € 100.374,92 (montante referido no facto em apreço).». Com efeito, além de não estar sequer indiciariamente provado qual o valor em dívida à C... – repare-se que na acta da assembleia geral consta que o advogado da apelada referiu que esta «desconhece o valor da penhora até porque, nos autos respectivos, a sócia figura como fiadora, não estando nesta data, o eventual crédito determinado, fixado ou até mesmo, de que alguma vez a sócia M... tenha sido notificada para deduzir oposição à penhora» -, a verdade é que mesmo a ser correcto aquele valor, a execução das deliberações teria como efeito ficar a apelada privada desde já da quota sem receber a outra metade da contrapartida devida pela amortização que, segundo o que foi apurado na acta – que é único dado de que dispomos - ascende a um montante elevado.

Demonstrado está, pois, o pressuposto do dano apreciável.

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Quanto à questão de não estar demonstrado que o prejuízo resultante da suspensão das deliberações sociais seja inferior ao prejuízo derivado da sua execução, conforme já acima expusemos, não constitui um pressuposto para o decretamento da providência.

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IV – Decisão:

Pelo exposto, decide-se:
a) recusar a junção do documento de fls. 42, ordenando-se a sua restituição à apelante, e condenando-a em multa, que se fixa em 1 (uma) UC;
b) julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 02 de Julho de 2015


Anabela Calafate
Tomé Ramião
José Vítor dos Santos Amaral