Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
56285/17.9YIPRT.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: HONORÁRIOS
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
LIQUIDAÇÃO
INTERPELAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- A legislação em vigor relativa à actividade da profissão de advogado, especificamente quanto à conta de honorários, exige que seja feita, rectius apresentada por escrito ao cliente/mandante.
2- Trata-se da imposição de uma formalidade que se destina à demonstração da liquidação do crédito por honorários e, simultaneamente, à interpelação para pagamento, desse crédito, exigindo a lei que seja feita por escrito.
3- E tratando-se de exigência legal de documento escrito para prova da liquidação e da interpelação do mandante, essa liquidação e interpelação apenas podem ser provadas pela própria conta de honorários e não por meio de testemunhas ou por declarações de parte.
4- A conta de honorários é enquadrável no conceito de documento essencial referido no artº 590º nº 3 do CPC, ou seja, documento que por imposição legal é indispensável à prova de um facto ou factos que constituem pressuposto essencial da pretensão deduzida (ou da excepção invocada), impondo-se que o juiz, em acção de honorários, convide o autor a juntar aos autos essa conta de honorários.
5-Se essa decisão de convite à junção do documento não for proferida, significa que o juiz omitiu um acto prescrito/imposto pela lei, omissão essa geradora de uma nulidade que influi no exame e decisão da causa.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-F…….e Associados, R.L, sociedade de advogados, instaurou procedimento de injunção, transmutado em acção declarativa comum, contra S…. Lda, pedindo:
-A condenação da ré a pagar-lhe 19 207,85€ acrescida de 121,86€ de juros de mora vencidos e nos vincendos.
Alegou, em síntese, ter celebrado com a ré contrato de avença de serviços de advocacia, renovável por 12 meses se nenhuma das partes o denunciasse; em Janeiro de 2016 a ré comunicou que renovava o contrato; a essa data estavam em dívida 12 000€, por serviços fora da avença, que haviam sido prestados e comunicados á ré. Por ausência de denúncia o contrato renovou-se mais um ano até Janeiro de 2018. Ficaram por pagar 689,50€ por serviços jurídicos prestados, 7 548,50€ por 11 meses de avença e 10 933,85€ por serviços prestados extra avença.
2- Citada, a ré contestou, impugnado que deva as quantias peticionadas porque denunciou o contrato de avença em Dezembro de 2015 e sempre pagou o valor da avença.
3- Foi realizada audiência prévia e, posteriormente, audiência final.
Proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
Decisão.
 Atendendo ao exposto o Tribunal considera a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a Ré S…., Lda. no pagamento à A. F… Associados, R.L. do valor de 14381,35 €, e ainda nos juros de mora vencidos e vincendos desde a data de interpelação para pagamento da nota de honorários até efectivo e integral pagamento.
Absolve-se o Réu do demais peticionado.
Custas por A. e R. na proporção do decaimento.
4- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1- A Autora intentou ação declarativa de condenação contra S…, Lda, peticionando que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 19.207,85 acrescida dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem sobre tal montante até integral pagamento, relativos à prestação de serviços.
2- Quanto aos montantes que refere estar em dívida, no requerimento de injunção, a Autora peticiona os seguintes: a avença do mês de fevereiro de 2017, a que corresponderá a factura 1982, no valor de 689,50 €, já com iva, € 7548,50 já com iva, porque se terá operado a renovação do contrato de avença, e refere-se a valores dos meses de março de 2017 até Janeiro de 2018 e 10.933,85 euros, relativo a serviços extra avença, desde janeiro de 2016 até fevereiro de 2017.
3- E no seu requerimento de injunção a A. refere ainda que em fevereiro de 2017, e terá enviado à requerida uma nota discriminativa de todas as diligências em causa, com a respectiva data e descrição, bem como o tempo despendido na mesma no valor de 10.933,85 euros.
4- o Tribunal a quo A sentença considerou como provados os seguintes factos:
1. A Requerente e a Requerida celebraram o Acordo de Prestação de Serviços de Consultoria em Regime de Avença, em 9 de Março de 2015, junto a fls. 15 e 16.
2. O referido Acordo foi celebrado por um período de 12 meses, “sendo prorrogável por igual período, desde que não denunciado com 3 (três) meses de antecedência por qualquer das partes”.
3. O valor mensal acordado era de 689,50 € correspondendo a 6 horas mensais de trabalho.
4. Em 15 de Janeiro de 2016, a Requerida, enviou um email à requerente informando que pretendia manter os serviços, conforme email de fls. 17.
5. Nesta data, já se encontravam em dívida cerca de 12.000,00 €, como fora comunicado a ambos os Gerentes da Requerida, tendo os mesmos decidido protelar para o futuro o pagamento desses valores, aquando do términus do Acordo.
6. Mensalmente eram enviadas à R. todas as facturas acompanhadas de nota discriminativa das diligências que a avença do mês em concreto estava a liquidar.
7. Um dos gerentes da Requerida …, na qualidade de gerente da Requerida, por e-mail datado de 21 de Fevereiro de 2017, veio informar a Requerente de que o Acordo celebrado, se deveria dar por terminado, findo o mês de Fevereiro de 2017.
8. Findo o mês de Fevereiro de 2017, foi emitida à Requerida, a Factura n.º 1982, relativa aos serviços jurídicos prestados, no valor de 689,50 €, acompanhada de nota discriminativa das diligências que a avença do mês em concreto estava a liquidar.
9. Desde Janeiro de 2016, até Fevereiro de 2017, o valor de horas de trabalho prestadas pela Requerente por solicitação da Requerida, extravasou o valor das horas abrangidas no acordo.
10. A Requerida foi solicitando a prestação de serviços jurídicos de diversa natureza, à Requerente, superiores às 6 horas mensais, abrangidas pelo Acordo.
11. Em Fevereiro de 2017 voltou a Requerente a dar conhecimento desta situação à Requerida, enviando uma nota discriminativa de todas as diligências em causa, com a respectiva data e descrição, bem como o tempo despendido na mesma, no valor de 10.933,85 €.
12. Apesar dos sucessivos contactos por telefone, via e-mail e por carta registada e com aviso de recepção para a sede da Requerida, datada de 10 de Abril de 2017, esta não efectuou qualquer pagamento, até ao momento.
5- A sentença proferida considerou ainda como não provado o seguinte facto:
a) Em Dezembro de 2015 a Requerida rescindiu os serviços prestados.
b) As partes pretendiam celebrar outro contrato.
c) A Requerente deixou de prestar serviços a partir de Dezembro de 2016.
d) Foi porque a A. não entregava os documentos e dossiers que a Requerida manteve o acordo.
e) A A. nunca explicou à R. que extravasava as horas contratadas.
5- Salvo o devido respeito por opinião contrária, a apelante não pode conformar-se de forma alguma, com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, pois a mesma fez uma incorreta interpretação da prova produzida nos autos.
6- O Tribunal não teve em consideração, o facto da Autora não ter efetuado prova de que interpelou e deu conhecimento à requerida dos valores concretamente em dívida, relativos aos serviços que alega ter realizado para além das 6 horas mensais contratadas.
7- O Tribunal a quo não teve em consideração que a Autora não juntou qualquer documento para suportar o alegado, pois apenas juntou aos autos 6 documentos como documento de prova, e nenhum deles suporta o valor de € 10.933,85, reclamado pela A., não tendo sido junto qualquer nota de honorários desse valor aos autos, ou qualquer factura desse montante, ou sequer qualquer comprovativo de envio dessa nota de honorários à Requerida.
8- Assim, face à prova produzida, a apelante discorda da decisão da matéria de facto, quanto aos seguintes factos dados como provados 5, 9 e 11.
9-O presente recurso consubstancia-se nas seguintes questões: Reponderação das decisões da matéria de facto nomeadamente no que concerne aos pontos supra referidos e caso sejam alteradas as decisões da matéria de facto, haverá então que ponderar os efeitos de tais alterações na decisão jurídica da causa.
10- Nos termos dos artigos 662º e 640º, ambos do CPC, a recorrente entende que fundamentos pelos quais entende ser devida a reponderação da decisão da matéria de facto, são os que se passarão a descrever.
11- Para dar como provado estes factos, bem como os restantes factos provados, de acordo com a motivação da sentença, o Tribunal a quo refere que se sustenta da conjugação dos depoimentos de …, sócios da Autora, os extratos de conta de fls. 42 a 72, e ainda pelos depoimentos de F…. (ex sócio da Ré), D…, P…., G….., e pelos documentos n.º 15 e 16 e 17 a 19 e e-mail de fls… 22.
12- Ora, não se pode compreender a motivação do Tribunal, a qual não podemos de forma alguma aceitar, pois para condenar a R. no pagamento da quantia global de € 14.381,35, nenhuma prova documental existe nos autos do documento que suporta o valor reclamado, e que comprove que a A. interpelou efetivamente a Ré para proceder ao pagamento, ou seja que lhe comunicou concretamente a nota de honorários e o seu valor exacto, para que a mesma procedesse ao pagamento extrajudicial dos montantes em dívida, já que nos autos, apenas consta um simples email de fls… no qual se refere que existem cerca de 12.000,00 euros por facturar, o que salvo melhor entendimento, não tem a virtualidade pretendida pela Autora, pois nenhuma prova de que a factura que discrimina os montantes em débito por força de serviços extra avença, foi junta pela Autora aos autos, e também não constitui prova de que o valor se mostrava efectivamente em débito.
13- E também não ficou demonstrado ou cabalmente esclarecido, pelas declarações de parte da sócia da Autora, prestadas no dia 18/06/2018, doutora L…, em que medida a requerida foi informada do valor concreto em débito, nem ficou demonstrado como é que mensalmente a requerida tinha conhecimento exato, que para além das 6 horas da avença, existiam outros serviços não facturados e qual o seu concreto valor.
14- Para além dos documentos juntos pela Autora, conforme acima se referiu e pela R o
Tribunal a quo cingiu-se apenas aos depoimentos dos sócios da Autora, os quais tem interesse óbvio no procedimento da ação, e aos depoimentos dos ex-sócios da Ré, os quais já cessaram o vínculo com a aqui requerida, e pelos quais foram inclusivamente interpostas acções judiciais contra a Requerida.
15- O Ónus da prova dos factos 5, 9, 11 cabia à Autora, e salvo o devido respeito, não foi feita a prova destes factos.
16- Resulta ainda das declarações de parte prestadas por Dra L…. prestado em audiência de julgamento realizada em 18/06/2018, e até questionada pela Meritíssima Juiz, sobre de que forma o cliente tinha conhecimento dos valores em débito, a mesma limitou-se a afirmar que o cliente tinha conhecimento, que eram cerca de 12 000 euros (sublinhado nosso) porque era conversado, mas, não ficou demonstrado que mensalmente a Requerida sabia quais eram os valores concretos em débito, para além do montante avençado, já que não foi efectuada a junção aos autos de qualquer documento que suporte tal montante, conforme Declarações de parte AA1, prestadas no dia 18/06/2019, de Minutos 20:00 a minutos 34:20 e de Minutos 36:39 a minutos
17- Também das declarações de parte do AA. 2 - Dr …., prestadas no dia 18/06/2018, de minutos 45:10 a minutos 01:13:40, não resulta provada a matéria dos pontos 5, 9, 11 e Quanto ao depoimento prestado pela testemunha Francesco Paolo, prestadas no dia 18/06/2018 de minutos 01:14:44 a minutos 01:20:57, apenas resultou provado que o mesmo foi testemunhar num processo Laboral interposto por …. contra a aqui Requerida, e onde terá visto o antigo sócio da S…, pelo que com base no seu depoimento não poderia resultar provada a matéria dos pontos 5, 9, 11.
18- Quanto ao depoimento prestado pela testemunha D…, antigo sócio da Requerida Saborispecial, prestado no dia 18/06/2018 de minutos 01:23:33 a minutos 01:44:10, resulta até que o mesmo referiu que quem tratava dos pagamentos era o sócio M…e contrariamente ao referido pelos sócios da AA em declarações de parte que referiram que o que acompanhava mensalmente a factura da avença era uma nota de honorários que descrevia que serviços a avença que aquele mês estava a pagar, o mesmo referiu que mensalmente achava ele mas sem certeza, que vinha o valor da avença e os serviços extra- pelo que objectivamente com o seu depoimento, não resulta provada a matéria dos pontos 5, 9, 11.
19- Em suma O tribunal a quo não tinha elementos de prova para considerar provado o facto 5 - 5 – nesta data, já se encontravam em dívida cerca de 12000,00 €, como fora comunicado ambos os Gerentes da Requerida, tendo os mesmos decidido protelar para o futuro o pagamento desses valores, aquando do términus do Acordo, pois apenas ser baseou nas declarações de parte dos sócios da Autora, e nenhum documento foi junto para suportar tal montante, quanto ao o facto 9- desde janeiro de 2016, até fevereiro de
2017, o valor de horas de trabalho prestadas pela requerente por solicitação da Requerida, extravasou o valor das horas abrangidas no acordo, porque é contraditório com o afirmado em declarações de parte pela Dra …., pois a mesma até refere que houve menos trabalho de janeiro de 2016 a fevereiro 2017.
20- Além disso, o tribunal a quo não tinha elementos de prova para considerar provado que a quantia em débito a título de serviços prestados para além das 6 horas era 10933,85 euros, já que a Autora não juntou qualquer documento que suportasse tal montante, pelo que quanto ao facto – 11- Em Fevereiro de 2017, voltou a Requerente a dar conhecimento desta situação à Requerida, enviando uma nota discriminativa de todas as diligências em causa, com a respetiva data e descrição, bem como o tempo despendido na mesma, no valor de 10.933,85, o mesmo deveria ter sido dado como não provado, porquanto não foi feita prova do mesmo.
21- Na sequência também do alertado pela Meritíssima Juiz à Senhora Dra C… e sua mandatária em audiência de discussão e julgamento, não existe sequer na petição inicial matéria de facto suficientemente alegada, capaz de concretizar os factos dados como provados na sentença, ou seja, que houvesse ficado em algum momento acordado que seriam debitadas e pagas horas extra avença ou sequer que as mesmas fossem pagas nos meses seguintes àquele em que foram trabalhadas e que como consequência de tal, estivesse a ser acumulado todos os meses um débito – débito esse que nunca foi facturado ou sequer interpelado à Ré.
22- À Autora incumbia o ónus de alegação dos factos, pelo aquilo que não foi alegado não pode ser provado, gerando a exclusão da decisão dos factos que, não constam dos articulados ou da base instrutória.
23- No que diz respeito aos factos, O Tribunal a quo está limitado pelas regras previstas no artigo 5 do CPC e de onde se retira que os factos que constituem a causa de pedir e as exceções têm de ser alegados por estas.
24- Assim sendo, tornava-se necessária a junção do documento – nota de honorários que suporta a dívida reclamada pela Autora, o que não sucedeu, até porque caso fosse junto, deveria e poderia a Requerida usar do contraditório sobre a existência ou não dos serviços e diligências concretas alegadamente realizados pela A., e tal não sucedeu.
25- Nessa medida, por força das regras do ónus da prova e da sua repartição (para já não falar de coerência na decisão tomada), devia o Tribunal ter dado como não provados os factos que deu como provados, sob os pontos 5, 9 e 11, e consequentemente eliminá-los da matéria dada como provada.
26- Em face do supra exposto, e face à ausência de prova, devem os factos 5, 9, 1 ser considerados como não provados, levando a absolvição da Requerida, sendo que, outro entendimento constitui uma violação das regras probatórias, designadamente o disposto no artigo 342º do Código Civil.
27- Ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662, n.º 1 do NCPC, e violou as regras do ónus de alegação das partes previsto no artigo 5º do CPC, tendo ocorrido erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil, e
28-Deverá pois ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, em virtude dos erros na apreciação da prova e, bem como de julgamento, e substituída por outra que leve à absolvição da R . no pagamento da quantia de € 10.933,85.
5- A autora contra-alegou, (…..)
 Por tudo o supra exposto, é por demais evidente que não qualquer erro na apreciação da prova, pelo que não deverá ter lugar qualquer modificação da decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo, devendo a mesma manter-se nos exatos termos em que se encontra redigida, mantendo-se, pois, a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de 10.933,85 € (dez mil, novecentos e trinta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) em resultado de se manter por provado o disposto nos factos dados como provados com os n. 5., 9. e 11.
. E, consequentemente, deverá ser negado provimento ao recurso.
                                                                       ***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A Impugnação da Matéria de Facto;
b)- A revogação da sentença, com absolvição da ré da parte de condenação na quantia de 10 933,85€.
Vejamos estas questões.
Previamente, importa ter presente a factualidade decidida pela 1ª instância.
2- Factualidade decidida pela 1ª instância.
São os seguintes os factos alinhados pela 1ª instância:
Factos Provados.
1. A Requerente e a Requerida celebraram o Acordo de Prestação de Serviços de Consultoria em Regime de Avença, em 9 de Março de 2015, junto a fls. 15 e 16.
2. O referido Acordo foi celebrado por um período de 12 meses, “sendo prorrogável por igual período, desde que não denunciado com 3 (três) meses de antecedência por qualquer das partes”.
3. O valor mensal acordado era de 689,50 € correspondendo a 6 horas mensais de trabalho.
4. Em 15 de Janeiro de 2016, a Requerida, enviou um email à requerente informando que pretendia manter os serviços, conforme email de fls. 17.
5. Nesta data, já se encontravam em dívida cerca de 12.000,00 €, como fora comunicado a ambos os Gerentes da Requerida, tendo os mesmos decidido protelar para o futuro o pagamento desses valores, aquando do términus do Acordo.
6. Mensalmente eram enviadas à R. todas as facturas acompanhadas de nota discriminativa das diligências que a avença do mês em concreto estava a liquidar.
7. Um dos gerentes da Requerida J.., na qualidade de gerente da Requerida, por e-mail datado de 21 de Fevereiro de 2017, veio informar a Requerente de que o Acordo celebrado, se deveria dar por terminado, findo o mês de Fevereiro de 2017.
8. Findo o mês de Fevereiro de 2017, foi emitida à Requerida, a Factura n.º 1982, relativa aos serviços jurídicos prestados, no valor de 689,50 €, acompanhada de nota discriminativa das diligências que a avença do mês em concreto estava a liquidar.
9. Desde Janeiro de 2016, até Fevereiro de 2017, o valor de horas de trabalho prestadas pela Requerente por solicitação da Requerida, extravasou o valor das horas abrangidas no acordo.
10. A Requerida foi solicitando a prestação de serviços jurídicos de diversa natureza, à Requerente, superiores às 6 horas mensais, abrangidas pelo Acordo.
11. Em Fevereiro de 2017 voltou a Requerente a dar conhecimento desta situação à Requerida, enviando uma nota discriminativa de todas as diligências em causa, com a respectiva data e descrição, bem como o tempo despendido na mesma, no valor de 10.933,85 €.
12. Apesar dos sucessivos contactos por telefone, via e-mail e por carta registada e com aviso de recepção para a sede da Requerida, datada de 10 de Abril de 2017, esta não efectuou qualquer pagamento, até ao momento.
Factos não provados.
a) Em Dezembro de 2015 a Requerida rescindiu os serviços prestados.
b) As partes pretendiam celebrar outro contrato.
c) A Requerente deixou de prestar serviços a partir de Dezembro de 2016.
d) Foi porque a A. não entregava os documentos e dossiers que a Requerida manteve o acordo.
e) A A. nunca explicou à R. que extravasava as horas contratadas.”
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2-Questão Prévia: a limitação objectiva do recurso.
Como se referiu supra, o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13).
O artº 635º nº 4 do CPC permite que o recorrente, nas conclusões da alegação de recurso, possa, expressa ou tacitamente, restringir o objecto do recurso.
Pois bem, no caso dos autos, a apelante restringiu, expressamente, na conclusão 28ª, o objecto do recurso à parte respeitante à sua condenação (além do mais) na quantia de 10 933,85€ relativos ao valor de honorários por serviços (alegadamente) prestados além das seis horas mensais contratadas pela avença.
Por conseguinte, o recurso limitar-se-á, rectius terá por objecto, apenas o dissídio relativo aos mencionados 10 933,58€ e já não as restantes quantias incluídas na condenação derivadas de mensalidades da avença propriamente ditas. Estas quantias (689,50€ mais 2 758,00€) não podem já ser objecto do recurso visto que, face ao artº 635º nº 5 do CPC, a decisão a elas respeitante transitou em julgado.
Dito isto, vejamos as questões enunciadas.
3 - A Impugnação da Matéria de Facto.
A apelante impugna a decisão da primeira instância sobre os pontos 5, 9 e 11 dos Factos Provados.
Lembremos quais são esses factos:
“5. Nesta data, já se encontravam em dívida cerca de 12.000,00 €, como fora comunicado a ambos os Gerentes da Requerida, tendo os mesmos decidido protelar para o futuro o pagamento desses valores, aquando do términus do Acordo.

9. Desde Janeiro de 2016, até Fevereiro de 2017, o valor de horas de trabalho prestadas pela Requerente por solicitação da Requerida, extravasou o valor das horas abrangidas no acordo.

11. Em Fevereiro de 2017 voltou a Requerente a dar conhecimento desta situação à Requerida, enviando uma nota discriminativa de todas as diligências em causa, com a respectiva data e descrição, bem como o tempo despendido na mesma, no valor de 10.933,85€."
 Argumenta a ré/apelante que o tribunal recorrido não teve em consideração que a autora não interpelou nem deu conhecimento à ré dos valores concretamente em dívida relativos aos serviços que alega ter realizado para além das seis horas mensais contratadas; que apenas juntou o documento 6 que não demonstra nem suporta o valor pretendido de 10 933,85€, não tendo sido junta qualquer nota de honorários desse valor ou qualquer factura desse montante, nem comprovativo do envio dessa nota de honorários; e que as declarações de parte da autora/apelada prestadas pela Dra. …. e pelo Dr…. também não demonstram/provam que foram prestados serviços naquele valor; nem as testemunhas …. e .. provaram a prestação de serviços nesses valores. Tornava-se necessária a junção de nota de honorários para suportar a dívida reclamada pela autora/apelada e permitir que a ré/apelante pudesse exercer o contraditório sobre a prestação, ou não desses serviços.
Na contra-alegação a autora/apelada invoca que a ré/apelante, no ponto 15º da oposição à injunção, reconheceu/confessou que foi informada da nota discriminativa no valor de 10 933,85€.
Cumpre apreciar.
Em primeiro lugar importa assentar que apenas estão em causa honorários por serviços prestados extra-avença. Nisso as partes estão de acordo.
Assim sendo, a questão que se coloca, em face do recurso, é a de saber se poderia o tribunal dar como provada a factualidade do ponto 11:
“ Em Fevereiro de 2017 voltou a Requerente a dar conhecimento desta situação à Requerida, enviando uma nota discriminativa de todas as diligências em causa, com a respectiva data e descrição, bem como o tempo despendido na mesma, no valor de 10.933,85 €.”
Entendemos que não.
O problema que se verifica nos autos, essencialmente relativo à prova deste facto 11, pode não ser uma questão de simples erro na apreciação da prova, rectius dos meios de prova produzidos, mas mais da adequação/aptidão desses meios de prova para permitirem concluir pela verificação daquele facto.
Vejamos então.
A legislação em vigor relativa à actividade da profissão de advogado, especificamente quanto à conta de honorários, exige que seja feita, rectius apresentada por escrito ao cliente/mandante.
Na verdade, o artº 105º nº 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 145/2015, de 09/09) estabelece que “Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados”. E, por sua vez, o artº 4º do Regulamento dos Laudos de Honorários (Regulamento 40/2005, de 29/04/2005 – Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 18/07/2003, DR, 2ª Série, de 06/08/2003) determina que “1-A conta de honorários deve ser apresentada ao cliente por escrito e ser assinada pelo advogado. (…) 3- A conta deve enumerar e discriminar os serviços prestados. 4- Os honorários devem ser separados das despesas e encargos, seno todos os valores especificados e datados. 5- A conta deve mencionar todas as provisões recebidas.”
Trata-se da imposição de uma formalidade que se destina à demonstração da liquidação do crédito por honorários e, simultaneamente, à interpelação para pagamento desse crédito, exigindo a lei que seja feita por escrito.
Esta exigência da apresentação da conta de honorários por escrito - em que o advogado deve enumerar e discriminar os concretos serviços que prestou, separando-os das despesas e dos encargos que tenha tido, indicando todos os valores especificados por datas, bem como deve mencionar especificadamente todas as provisões, valores, objectos e documentos que recebeu na execução do mandato – dá expressão da obrigação de prestação de contas que o arº 1161º al. d) do CC estabelece para os mandatários em geral: o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir.
E essa obrigação de prestar contas através da apresentação da conta de honorários tem por finalidade não só a apresentação da conta em si, mas também e essencialmente a demonstração e justificação da actividade exercida pelo mandatário na execução do mandato. No fundo, a apresentação da conta de honorários pelo advogado é o instrumento de demonstração da verdade gestória desenvolvida na execução do mandato.
Note-se que em termos de efeitos civis, a apresentação da nota de honorários por escrito determina também a constituição do direito de retenção do advogado sobre valores e objectos do cliente (artº 101º nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Ora bem, o artº 364º do CC, relativo à exigência legal de documento escrito, determina:
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
Estabelece o preceito a conhecida distinção entre a formalidade ad substantiam (nº1) e a formalidade ad probationem (nº 2) das declarações negociais. A primeira, ad substantiam, é exigida pelo direito para a própria substanciação do negócio em si. A segunda, ad probationem, respeita apenas à demonstração da existência da declaração.
Embora a distinção entre formalidade ad substantiam e formalidade ad probationem não seja relevante para a questão em causa neste recurso, quer-nos parecer que a exigência legal de apresentação por escrito da conta de honorários de advogado constitui uma formalidade ad probationem, visto que visa demonstrar a liquidação dos honorários e a interpelação do devedor para pagar o saldo da conta e não constituir o direito aos honorários: esse direito nasce do contrato de mandato e (da demonstração) dos serviços prestados no seu âmbito.
Ora, tratando-se de exigência legal de documento escrito para prova da liquidação e da interpelação do mandante, apenas pode ser provado pela própria conta de honorários e não por meio de testemunhas ou por declarações de parte.
Na verdade, determina o artº 364º nº 2 do CC que aquela conta de honorários, enquanto formalidade ad probationem, apenas possa ser substituída por confissão expressa, judicial ou extrajudicial desde que, neste caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
Quer dizer, não sendo observada a forma legal de declaração conta de honorários enviada por escrito – seria admissível que, posteriormente, o declarante (o advogado) emita nova declaração em que reconheça que fez a declaração anterior (conta de honorários por escrito). Esta nova declaração (do advogado declarante) pode revestir a natureza de confissão: o declarante confessa ter feito a declaração anterior que fica provada na medida em que seja desfavorável ao declarante (artº 352º do CC) – Cf. Lebre de Freitas, CC Anotado, vol. I, coord. De Ana Prata, AAVV, pág. 454).
Seja como for, impunha-se que a autora/apelada mandatária juntasse aos autos a conta de honorários em que discriminasse a prestação de todos os serviços extra-avença que somavam a quantia de honorários que alegou ter direito a receber.
Ao que tudo indica, tê-la-á tentado juntar na audiência final, mas (a ser esse o documento) não foi admitido pela juíza da 1ª instância.
Pois bem, o artº 590º nº3 do CPC impõe ao juiz que, findos os articulados, determine a junção de documentos relevantes para a prova/apreciação do mérito da pretensão.
A lei fala em documento essencial ou em documento de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
Segundo entendemos, é enquadrável no conceito de documento essencial aquele documento que por exigência da lei é determinante para o êxito do pedido ou da excepção, ou seja, o documento que por imposição legal é indispensável à prova de um facto ou factos que constituem pressuposto essencial da pretensão deduzida ou da excepção invocada. Este parece ser o entendimento de Lebre de Freitas (CPC anotado, vol. 2, pág. 352) e de Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 263). Afigura-se-nos estar neste caso a junção da conta de honorários na acção de honorários.
Ao utilizar a expressão “O juiz convida”, o nº 3 do artº 590º do CPC dá uma verdadeira ordem/injunção ao juiz do processo afastando tratar-se de poder discricionáriO que faculte ao juiz convidar ou não a parte segundo o seu critério.
Desse modo, se essa decisão de convite à junção do documento não for proferida, significa que o juiz omitiu um facto prescrito/imposto pela lei, omissão essa geradora de uma nulidade que influi no exame e decisão da causa (artº 195º nº 1 do CPC).
Por conseguinte, no caso dos autos, somos a entender que a 1ª instância deveria ter convidado a autora a juntar aos autos a conta de honorário que demonstrasse/provasse que tinha um crédito por honorários sobre a ré no valor de 10 933,85€.
Importa, por isso, anular parcialmente a sentença, apenas na parte relativa à apreciação do pedido de condenação da ré no pagamento de honorários extra-avença pelo valor de 10 933,85, com a necessidade de a 1ª instância convidar a autora/apelada a juntar aos autos conta de honorários que demonstre esse alegado crédito e que diz ter enviado à ré, seguindo-se a produção das demais provas, exclusivamente sobre esta questão do crédito de honorários por aquela quantia.
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III-DECISÃO
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, anular parcialmente a sentença, apenas na parte relativa à apreciação do pedido de condenação da ré no pagamento de honorários extra-avença pelo valor de 10 933,85€, determinando que a 1ª instância convide a autora/apelada a juntar aos autos a conta de honorários que demonstre esse alegado crédito e que diz ter enviado à ré, seguindo-se a produção das demais provas, exclusivamente sobre esta questão do crédito de honorários por aquela quantia.
Custas: pela apelada.

Lisboa, 19/12/2019
Adeodato Brotas
Teresa Soares
Octávia Viegas
Decisão Texto Integral: