Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3503/16.1T8CSC.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
FACTO IMPEDITIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: – A caducidade [ do direito de acção de reparação de defeitos de obra ] pode ser impedida sempre que haja um reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

– Tendo sido arguida a excepção peremptória de caducidade e havendo dúvidas se as obras se destinaram à manutenção ou eliminação dos defeitos, o conhecimento da excepção tem lugar em sede de decisão final, após julgamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


A, [ Condomínio da Praceta Professor ], demandou B, [ …. - Engenharia, S.A. ] , pedindo a condenação da ré na reparação dos defeitos existentes nas partes comuns do edifício identificado na acção, oportunamente reclamados e, caso não seja possível, a liquidação à autora da quantia de € 16.997,00, referente à reparação dos defeitos, a eliminar por terceiros, bem como a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00.

Alegou, para tanto, que a ré, em 2005, procedeu à execução da empreitada referente ao Condomínio do Prédio sito na Praceta Professor A... S... ….., também denominado Ptº da C..., empreitada essa concluída, em 4/12/2007.

No ano de 2010, decorridos dois anos sobre o prazo de garantia do imóvel, constatou-se a existência de defeitos na obra (cfr. acta   nº  9/2010).

Interpelada a ré para eliminar os defeitos, esta reparou-os, concluindo a intervenção, em Abril de 2012.

Realizada uma vistoria verificaram a existência de novos defeitos, os quais ainda subsistiam no início do ano de 2013.

Foi a ré interpelada de novo para os eliminar, tendo a segunda reparação ocorrido, em 2014.

Vistorias efectuadas após esta obra de reparação concluíram pela existência de defeitos na construção do imóvel – infiltrações, corrosões nas estruturas metálicas, fissuramentos, desligamentos dos elementos metálicos com as argamassas, falta de impermeabilização, desafinação das portas, entre outros – susceptíveis de perigo para os condóminos e comunidade em geral (relatório de 30/12/14).

Mais uma vez interpelaram a ré para a eliminação dos defeitos, eliminação essa que estava dentro do prazo de garantia de 5 anos face à reparação de 2014.

Não obstante informação de que o prazo de garantia já terminara, a ré, pela 3ª vez, em Agosto de 2015, realizou obras de reparação.

Verificados novos defeitos referentes à 3ª reparação efectuada foi de novo a ré interpelada para os eliminar, em 8/2/16 e 12/4/16, tendo esta recusado a fazê-lo.

Na contestação, a ré excepcionou a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, impugnou o alegado pelo autor, concluindo pela procedência da excepção e absolvição do pedido –    fls. 103 e sgs.

No que à excepção de caducidade respeita, alegou que esta ocorreu em 22/9/16 porquanto, tendo a denúncia dos defeitos ocorrido, em 21/9/2015, a contagem do prazo de um ano iniciou-se, em 22/9/15, pelo que tendo a acção sido intentada, em 7/12/16, o exercício do direito foi intempestivo.

Na resposta o autor pugnou pela inexistência da excepção concluindo como na p.i. – fls. 145 e sgs.

Na sequência de despacho de aperfeiçoamento, apresentou o autor p.i. aperfeiçoada, concluindo nos mesmos termos que a anterior, alterando o valor da reparação para € 19.461,57 – fls. 152 e sgs.

Respondeu a ré à p.i. aperfeiçoada concluindo tal como na contestação anterior – fls. 202 e sgs.

Foi proferido despacho, em 17/1/18, que dispensou a audiência prévia, fixou à acção o valor de € 24.461,57, tendo sido prolatado despacho saneador sentença que, julgando a excepção peremptória de caducidade procedente, absolveu a ré do pedido – fls. 209 e sgs.

Inconformado o autor apelou, formulando as conclusões que se transcrevem:
1.– O Recorrente em sede de Petição Inicial alega 4 (quatro) questões essenciais que pretende ver discutidas em juízo: (1) o prazo de direito de caducidade de denúncia de defeitos de obra, (2) Reparação Defeituosa, (3) a existência de responsabilidade civil contratual e (4) a existência de dolo do construtor.
2.– Analisada a Sentença do Tribunal a quo verifica-se que a mesma é nula, ao abrigo do disposto no artigo 615 ex vi o artigo 608  CPC, por omissão de pronúncia (pronunciando-se apenas quanto à exceção perentória de caducidade do direito), por violação dos princípios que regem o Direito Civil e por violação do direito ao contraditório (pela não realização de audiência prévia e de audiência de julgamento – preterindo o direito de o Recorrente fazer prova da factualidade alegada).
3.– Resulta da Sentença ora recorrida que é julgada procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação alegada por parte da Recorrida por considerar que a carta de denúncia foi remetida a 21/09/2015. Porém, a carta de denúncia do Recorrente dos defeitos verificados no Condomínio apenas se poderá considerar como tendo sido remetida a 08/02/2016, motivo pelo qual a dezembro de 2016 não havia decorrido o prazo de 1 (um) ano constante do disposto no artigo 1225/2 CC.
4.– Na verdade, e ainda que assim não se entenda, a Recorrente apenas constatou quais os defeitos efetivamente existentes na sua missiva de 08/02/2016, mencionando que deveria ser feito um levantamento dos defeitos existentes na sua missiva 21/09/2015, pelo que a denúncia apenas poderá é considerada como realizada quando todos os defeitos são conhecidos do dono de obra. Assim, dúvidas não existem que sendo feita menção aos gradeamentos e galerias nessa mesma missiva, só aí foi realizada a denúncia e é nesse momento que se poderá iniciar o prazo de caducidade de direito de acção. (Processo   nº 59/15.6T8OLR.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/09/2016).
5.– Por último, não teve o Tribunal a quo em linha de conta que o prazo de caducidade de 1 (um) ano é inexistente na presente situação. A verdade é que a Recorrida no decurso dos anos foi procedendo à reparação dos defeitos, confessando essas mesmas reparações em sede de contestação. Assim, atento o facto de não poder a Recorrida alegar a existência de um defeito e reconhecer o mesmo, posteriormente vir alegar, ao arrepio de todos os princípios de boa fé, a impossibilidade de o Recorrente dar uso do seu direito. Nestes termos, a verdade é que o prazo aplicável nos presentes autos é o prazo ordinário de caducidade – vinte anos -, nos termos do disposto no artigo 331/2 CC (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 132316/10.6YIPRT.L1-2, de23/02/2012)., (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 2522/05.8TJCBR.C1, de 20/11/2007).
6.– Assim, deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a sentença revogada, condenando-se a ré no pedido.

Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela confirmação da decisão.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Factos apurados em 1ª instância:
1– A Ré é uma sociedade comercial que se dedica a empreitadas de construção civil; 
2– A Ré construiu os edifícios sitos na Praceta Professor A... S... n.º... …., em Algés;
3– A obra referida em 2 foi concluída, em 4 de Dezembro de 2007;
4– Em assembleia geral de condóminos realizada, em 15 de Março de 2008, foi deliberada, por unanimidade, a eleição da administração de condomínio;  
5– Em Abril de 2012 foram concluídas obras de reparação “de defeitos de construção da empreitada”;
6–No verão de 2012 foi realizada uma vistoria ao empreendimento, com a presença do Sr. Eng.º José …., da Ré, e do   Sr. Hugo ….., representante da Administração do Condomínio Autor;
7– Foram detectados novos defeitos, que foram denunciados;
8– No ano de 2014 a Ré realizou obras no empreendimento;
9– Em Agosto de 2015, a Ré realizou/concluiu intervenções no gradeamento;  
10– Datada de 21 de Setembro de 2015, foi remetida à Ré, pela Exma. Sra. Dra. Ana ……, instruída com o documento denominado “Relatório Checkhouse Diagnóstico Técnico de Imóveis”,cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 121 a 132, a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls.119 verso a 120 verso, nos termos da qual:  

“Assunto: Nosso Cliente: Condomínio Praceta A... S..., …., …. (N.ª Ref.ª 12883)
Exmos. Senhores
(…)
Em primeiro lugar, é certo que o relatório da Câmara Municipal de Oeiras não obriga a que V. Exas. procedam a qualquer reparação, fazendo apenas uma sugestão ao condomínio no sentido de accionar a garantia, caso a mesma exista.

Cientes que estamos de que o prazo de garantia dos bens imóveis são 5 anos, em regra, não podemos deixar de considerar as exceções a essa regra. Na verdade, aqui difere o nosso entendimento do vosso entendimento, e tem alguma utilidade, seguramente, que as partes em litígio se debrucem sobre os argumentos existentes de ambos os lados, para a obtenção de uma solução consensual.
(…)

Volvidos ao caso concreto, sempre se dirá que a B, estava devidamente informada dos defeitos verificados. Mais importante ainda, a B, efectuou diversas intervenções na sequência das denúncias que foram sendo efectuadas, sendo que as patologias de que o edifício padece são exactamente os mesmos que foram oportunamente denunciados e reparados.
(…)

O nosso constituinte teve ainda oportunidade de pedir um relatório à Checkhouse, com vista a determinar se foram ou não violadas as boas práticas construtivas, sendo que as conclusões se concentram na existência de anomalias de natureza construtiva, sendo que em alguns casos não foram tidas em consideração as artes do ofício, ou foram aplicadas técnicas e materiais impróprios para o efeito pretendido.

Assim sendo, é evidente que não pode o nosso Cliente, pura e simplesmente, conformar-se com o facto de terem passado mais de 5 anos desde a data da entrega do bem imóvel, e suportar custos com reparações que, atento o que ficou exposto, serão da responsabilidade da empresa construtora.

Nessa medida, e porque o nosso Cliente confia no bom senso da vossa empresa, sugere-se que possam as partes, em conjunto, fazer um levantamento dos defeitos.

Caso tal não seja possível, e não receba o nosso escritório, no prazo máximo de 15 dias, qualquer contacto da parte de V. Exas., não veremos alternativa senão a do recurso à via judicial, com vista à efectivação do direito de o nosso Cliente reclamar, da vossa empresa, as reparações que se revelam essenciais, e que são, atento o entendimento explanado, da vossa responsabilidade. (…)”;

11– Datada de 5 de Outubro de 2015, a Ré remeteu à Exma. Sra. Dra. Ana … a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 71, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual: “(…) Assunto: Condomínio Praceta A... S..., …. – V. ref.ª 12983
Exma. Colega,
Acusamos a recepção da V/ carta datada de 21 de Setembro de 2015, através da qual V. Exas. solicitam que a Somague Engenharia, S.A., chegue a acordo com o V/ Cliente para que proceda à reparação de alegadas anomalias existentes no prédio do Condomínio supra identificado, que mereceu a nossa melhor atenção.
(…)

Ora, reiteramos o que anteriormente V. foi transmitido, no sentido de que consideramos que os períodos de garantia em apreço já se encontram ultrapassados, inexistindo, pois, qualquer responsabilidade contratual ou legal da Somague no que respeita às reclamações ora apresentadas por V. Exas. Pelo exposto, transmitimos a V. Exas. que estamos cientes das N. obrigações e que não podemos assumir o que já não é da nossa responsabilidade. (…)”

12– Datada de 8 de Fevereiro de 2016, foi remetida à Ré, pela Exma. Sra. Dra. Ana …., a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls.73, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual:
“ (…) Assunto: Nosso Cliente: Condomínio Praceta A... S..., …… (N.ª Ref.ª 12983)
Exmos. Senhores
Vimos por este meio, na sequência das obras que tem sido realizadas no Condomínio do Prédio sito na Praceta A... S..., ……, em Al..., nosso representado que as mesmas não estão a ir de encontro às expectativas dos condóminos, na medida em que, no que concerne às grades e galerias, os materiais utilizados não correspondem a materiais da qualidade esperada.
Se é certo que a Somague é responsável pelos defeitos verificados, e tanto assim é que os reconheceu e eliminou, a verdade é que também está a vossa empresa a eliminá-los com materiais que correspondem aos do projecto e detenham as características técnicas para assegurar o fim a que se destinam, sob pena de, num futuro próximo, o nosso Cliente reclamar novamente reparações, ao abrigo da nova garantia que se estabelece quanto às reparações agora efectuadas.
Face ao exposto, e porque seguramente pretende V. Exas. encerrar definitivamente este assunto, consensualmente, solicitamos um esforço para que os materiais utilizados correspondam a materiais de qualidade, quer perdurem no tempo, para que não se veja o nosso Cliente, uma vez mais, forçado a accionar a vossa empresa. (…)”;
13– Datada de 12 de Abril de 2016, foi remetida à Ré, pela Exma. Sra. Dra. Ana …., a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls.74, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual:
“ (…) Assunto: Nosso Cliente: Condomínio Praceta A... S..., …… (N.ª Ref.ª 12983)
Exmos. Senhores
Na sequência da vossa missiva, tivemos oportunidade de reunir com a administração do Condomínio Praceta A... S..., …., que nos transmitiu que, seguramente, existirá algum equívoco, que deverá ser clarificado.
Ora, transmite-nos o nosso Cliente que a reparação a que pretendia referir-se corresponde ao gradeamento exterior, o qual já foi reparado no decurso do ano de 2015, ou seja, há menos de um ano, e já após o período de garantia.
Tais trabalhos foram acordados directamente com a Somague, mais concretamente com o departamento de arquitectura, nas pessoas da Sra. Isabel e Eng.º José ….., tendo, porém, sido abandonados a cerca de 2/3 de estarem completos, sendo que nos pontos onde ocorreram as reparações voltaram a surgir oxidações e ferrugem.
Nessa medida, e atendendo a que os trabalhos se circunscrevem apenas ao gradeamento, a questão colocada pelo condomínio prende-se com a apreciação da possibilidade da Somague utilizar os materiais mais adequados, e corrigir os defeitos da parte realizada, finalizando o que não chegou a ser executado. (…)”.

14– Consta da acta da assembleia geral de condóminos do Autor, de 21 de Janeiro de 2016, cuja acta se encontra junta aos autos a fls. 28 e 29, que “A assembleia solicitou aos advogados que a B, seja novamente notificada, no sentido da devida e correcta requalificação dos gradeamentos dos terraços (…)”;

15– No relatório junto com a carta referida em 10 consta sob a epígrafe “Guardas e todos os elementos metálicos nas fachadas, terraços, galeria, piso 0 e 1 dos 4 blocos” “Nas fachadas regista-se muitos pontos de corrosão nas estruturas metálicas no piso 0 e guardas no piso 1 (terraços). Esta patologia é provocada por vários motivos. Uma delas é proveniente da má qualidade da metalização no aço e metal dos elementos. Outra razão será da tinta e sua aplicação, executada aquando da construção da edificação, verifica-se não ser adequada para suportar a intempérie junto ao mar ao longo do tempo de existência da edificação. Todos os elementos necessitam de limpeza, escovagem, lixagem e uma pintura a nível geral. O tratamento e pintura aplicada é de muito má qualidade, já sofreram intervenção mas não foi executado com tinta adequada para suportar a intempérie agressiva da zona onde se localiza a edificação. (…)”;

16– Foi apresentado ao Autor pela sociedade A... R... & ….., Lda. o orçamento, datado de 23 de Junho de 2016, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 75 a 77, que aqui se dá por integralmente reproduzido, referente a “pintura de gradeamentos”, no valor de € 19.461,57, prevendo “Execução de lixagem e aplicação de protecções envolventes para a aplicação das pinturas”,
“Fornecimento e aplicação de conversor de ferrugem da Robbialac”, “Fornecimento e execução de pintura de gradeamentos em ferro com 2 a 3 demãos de pintura esmalte brilhante, do tipo SMP da Robbialac”.

17– A presente acção foi intentada em 7 de Dezembro de 2016.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se há lugar:
a)- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
b)- Decisão surpresa
c)- Direito de caducidade de propositura da acção.

Vejamos, então.

a)– Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Defende o apelante a nulidade da sentença com fundamento no facto da sentença só se ter pronunciado sobre a excepção peremptória da caducidade do direito de acção ignorando as demais questões suscitadas designadamente, o prazo de caducidade de denúncia dos defeitos da obra, reparação defeituosa, responsabilidade civil e dolo do construtor.

É nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar…- art. 615/1 d) CPC.

A sentença do juiz deve corresponder à acção, i. é, deve  resolver  todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras … – art. 608 CPC.

O juiz deve conhecer, em regra, todas as questões suscitadas pelas partes.

Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama julgamento, um juízo lógico.

Pedido(s) não é só a questão principal, a existência ou não da relação litigiosa, pedidos são também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução daquela.

Pedidos não são unicamente os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do juiz, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga), são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa – vd. A. Reis. CPC anotado, Coimbra Editora, 81, V, p. 50 e sgs.

Para caracterizar e delimitar todas as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados, é necessário atender também nos fundamentos em que elas assentam, i. é, para além dos pedidos é necessário ter em conta a causa de pedir.

A acção é assim delimitada pelos sujeitos, objecto e causa de pedir (princípio da coincidência entre a acção e a sentença).

Para se determinar a extensão do julgado há que atender, antes de mais nada, à parte dispositiva da sentença, à decisão propriamente dita.

É aí que o juiz exprime a sua vontade quanto ao efeito jurídico que tem em vista declarar ou produzir, é aí que formula o comando a impor aos litigantes; em suma é a decisão que nos há-de esclarecer, em princípio, sobre o conteúdo do julgamento, sobre as questões que o juiz quis arrumar e resolver.

A nulidade da alínea d) do art. 615 CPC está em correspondência directa com o preceituado no art. 608/2 CPC.

In casu, o autor Condomínio demandou a ré Construtora pedindo a sua condenação na reparação dos defeitos da obra e, caso não fosse possivel, a condenação no valor da reparação e ainda numa indemnização, a título de danos morais.

Por seu turno, na constestação a ré excepcionou a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.

As excepções peremptórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor e importam a absolvição total ou parcial do pedido – art. 576/3 CPC.

O tribunal pronunciando-se sobre a excepção arguida – caducidade do direito de acção - concluiu pela sua procedência e absolveu a ré do pedido.

Assim, prejudicada ficou a apreciação das questões colocadas pelo autor na acção intentada, face à solução/conclusão do tribunal.

Destarte, atento o exposto supra, os factos e a decisão recorrida, a conclusão que se extrai é a de que a sentença não enferma deste vício, soçobrando a pretensão do apelante.

b)– Decisão surpresa.
Sustenta o apelante que estamos face a uma decisão surpresa porquanto, o tribunal decidiu a excepção sem que tivesse designado dia para a realização de audiência prévia e, como tal, houve preterição do contraditório uma vez que o autor não pode responder ao articulado da ré face à apresentação da p.i. aperfeiçoada, não lhe foi facultado o direito à discussão de facto e de direito, tendo ficado impossibilitado de ampliar o pedido (art. 265/2 CPC), concluindo que a preterição do contraditório acarreta nulidade apta a influenciar o destino da causa, devendo ser anulados todos os termos subsequentes.

O art. 3/3 CPC surgiu com a reforma do CPC introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 constando do preâmbulo que: “Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem…”

Dispunha o art. que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo  lícito, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”.

Com o DL 180/96 de 25/9, substituiu-se a expressão “agindo com a diligência devida”, pela de “salvo manifesta desnecessidade”, passando a ter a seguinte redacção: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

A substituição da expressão “agindo com a diligência devida” pela de “manifesta desnecessidade”, não significa, face aos princípios gerais que enformam o nosso código, que tivesse aliviado as partes de usarem a diligência devida para alcançarem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão que virá a ser tomada – cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, I - 33 e Abílio Neto – anot. ao art. 3; Lebre de Freitas, CPC Anot., I-9.

Daqui decorre que o Tribunal não deve apenas assegurar que seja cumprido o princípio do contraditório, no sentido do atempado e recíproco conhecimento dos actos processuais e das questões suscitadas como deve o Tribunal, ele próprio, observá-lo.

Estabeleceu-se um dever do Tribunal em cada momento do decurso do processo decidir questões de facto ou de direito, ainda que cognoscíveis ex officio, após ter facultado a respectiva pronúncia às partes, salvo em caso de manifesta desnecessidade.

A reforma de 96, reforçou o princípio da audição complementar das partes nas questões que o juiz oficiosamente entenda decidir, no entanto, subjacente às mesmas existe um núcleo essencial – a audição e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando surjam questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, na decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, mantendo-se a mesma linha de orientação no actual CPC (Lei 41/2103 de 26/6).

Na nossa lei existem muitos preceitos que apontam para a ideia de que após a discussão – factual e jurídica – se sucede a apreciação e decisão pelo tribunal, deixando a convicção de que, quanto a esta, o tribunal decide – aproveitando ou não o teor dessa discussão – sem que se abra nova disputa, ainda que situada em campo diferente.

Vejam-se os arts. 5 – “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito…” - 607 – “concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo concluso ao juiz, que proferirá a sentença dentro de 30 dias” - 607/3 – “seguem-se os fundamentos da sentença devendo o juiz …interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” - e 639/2 “enquanto impõe ao recorrente que indique as normas jurídicas violadas e o sentido como devem ser interpretadas e aplicadas sem que se preveja que constitua deficiência a omissão do que vier a ser relevante na decisão”.

De ressalvar, que o princípio segundo o qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação do direito – art. 5 CPC – deve ser compatibilizado com as proibições absolutas das decisões surpresa – art. 3/3 CPC – devendo, antes da prolação da sentença, ser facultado às partes o exercício do contraditório, sempre que a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a um determinado instituto não correspondam à previsão das partes, expressa ao longo do processo – cfr. Lopes do Rego – ob. cit. e Abílio Neto – anotação ao art. 664 CPC, CPC Anot., 20ª ed. – 901.

A audiência prévia tem lugar nos termos do art. 591 CPC podendo ser dispensada quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d) e) e f) art. 591/1 CPC.

A alínea d) reposta-se à prolação do despacho saneador nos termos do art. 595/1, ou seja, conhecer imediatamente do mérito da causa sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas. A apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos ou de alguma excepção peremptória – art. 595/1 b) CPC.

In casu, intentada que foi a acção, a ré construtora, na contestação, excepcionou a caducidade do direito de acção.

Convidado o autor a aperfeiçoar a p.i., a ré apresentou articulado de resposta, concluindo como na contestação.

O Tribunal dispensou a audiência prévia e proferiu despacho saneador conhecendo da excepção peremptória de caducidade.

Assim, tendo em atenção os arts. citados, constata-se que era lícito ao tribunal dispensar a audiência prévia e conhecer/apreciar de imediato a excepção peremptória arguida, sem necessidade de facultar às partes a discussão de facto e de direito.

Tendo a ré construtora, na contestação, excepcionado a excepção peremptória de caducidade, houve lugar ao exercício do contraditório por parte do autor/apelante no articulado de resposta (à excepção), não constituindo violação deste princípio a ausência de resposta do apelante ao articulado de resposta à p.i. aperfeiçoada.

Afastada está também a violação do princípio do contraditório no que concerne à ampliação do pedido porquanto, apesar de este poder ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, certo é, que nem todas as acções comportam audiência de julgamento, como aconteceu in casu.

Acresce que, afastada também está a decisão surpresa uma vez que foi facultado às partes, ao longo do processo o exercício do contraditório, tendo sido proferida decisão, sobre questão expressa e suscitada ao longo do processo pelas partes .

Destarte, falece a pretensão do apelante.

c)– Caducidade do direito de acção.
Conforme as conclusões formuladas pela recorrente, a questão colocada é a de saber se, aquando da propositura da acção, o prazo de caducidade não havia ocorrido ( defeitos verificados nos gradeamentos do imóvel).

Defende a apelante que a denúncia dos defeitos (gradeamento) ocorreu, em 8/2/2016 e não, em 21/9/2015 e que tendo a apelada procedido, ao longo dos anos, à reparação dos defeitos, reconhecendo-os, não pode alegar, ao arrepio do princípio da boa-fé, a impossibilidade do apelante dar uso ao seu direito, pelo que o prazo de caducidade aplicável é o prazo ordinário de 20 anos.

In casu, apurado ficou que a ré, no âmbito da sua actividade de construção civil, construiu e vendeu aos autores o imóvel identificado nos autos, em 4/12/2007.

Não obstante, constituída que foi a assembleia de condóminos e eleita a administração do condomínio, em 15/3/2008, o prazo de 5 anos para denúncia dos defeitos, conta-se a partir desta data – cfr.  art. 1225/1 CC e Ac. STJ de 29/11/2011, in www.dgsi.pt.

Ao longo dos anos foram detectados defeitos na construção, incluindo gradeamentos, tendo a ré procedido à sua correcção/reparação, em Abril de 2012, em 2014, tendo, em Agosto de 2015, efectuado/concluído intervenções no gradeamento sendo que, a partir desta data, a ré não mais efectuou qualquer reparação.

Ora, de acordo com os factos apurados, concluiu-se que os defeitos do gradeamento, objecto de denúncia prendem-se e estão relacionados com os defeitos detectados no imóvel, colmatados em Abril de 2012, tendo na sequência de detecção de novos defeitos, os quais foram objecto de denúncia, e que não obstante a intervenção da ré em 2014 e Verão de 2015, relativamente ao gradeamento, não foram eliminados, constando do relatório – muitos pontos de corrosão nas estruturas metálicas no piso 0 e guardas no piso 1 (terraços) – cfr. facto 15.

Como se sabe, o período legal da garantia dos bens imóveis vendidos ou não, por quem os construiu, encontra-se previsto na empreitada - artigo 1225 CC - e na compra e venda de bens defeituosos - artigo 916 CC.

Após a entrada em vigor do DL 267/94, de 25 de Outubro (1 de Janeiro), se a coisa vendida for um imóvel, o prazo de garantia é de 5 anos e a denúncia deverá ocorrer dentro de um ano a contar do seu conhecimento.

Sendo também de um ano o prazo para o exercício do direito à eliminação dos defeitos (art. 1225/3 CC).

Assim, de acordo com os arts. citados, a denúncia teria que ser efectuada dentro do prazo de garantia (5 anos), dispondo o autor do prazo de um ano, após o conhecimento dos defeitos, para os denunciar e, após a denúncia, o prazo de um ano para intentar a acção.

In casu, o autor denunciou os defeitos do imóvel dentro do prazo de garantia, logo que os foi detectando (2012), tendo a ré realizado obras no empreendimento, em 2014 e Agosto de 2015 (gradeamento), obras estas efectuadas fora do prazo de garantia, cujo terminus ocorrera, em 15/3/2013.

Ora, face aos factos apurados, a denúncia dos defeitos no respeitante ao gradeamento teve lugar em 21/9/2015 e não já, em 8/2/16, sendo que esta última denúncia surge, na sequência da não colmatação dos defeitos por parte da ré, traduzindo-se num prolongamento da denúncia anterior (21/9/2015).

Assim, dispunha o autor, a partir de Setembro de 2015, do prazo de um ano para intentar a respectiva acção, ou seja, até Setembro de 2016 (22/9/2016).

Tendo o autor interposto a acção, em 7/12/2016, à primeira vista, poder-se-á concluir que teve lugar o decurso do prazo de caducidade, caducando o direito do autor a peticionar em juízo a eliminação dos defeitos.

A caducidade pode ser impedida sempre que haja um reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido – art. 331/2 CC.

A caducidade pode, assim, ser impedida, mas não interrompida ou suspensa, correspondendo o impedimento à efectivação do direito, sem que seja gerado novo prazo: o impedimento da caducidade não tem como efeito o início de novo prazo, mas sim, o seu afastamento definitivo.

“Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática do acto sujeito a caducidade.

Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade… O reconhecimento é impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial.

Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade… Dado esta razão de ser do art. 331/2 CC, tem o reconhecimento de ter o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito e, portanto, se a caducidade se referir à proposição de uma certa acção em juízo (esta deve ser proposta dentro de certo prazo, sob pena de caducidade), o reconhecimento, para impedir a caducidade, tem de tornar certo o direito como o tornaria uma sentença” – cfr. Vaz Serra, in RLJ, ano 107 – pág. 24.

In casu, a ré na contestação a ré alega que procedeu à correcção dos defeitos tendo, em 2012 e 2015, efectuado, tão só, a manutenção do gradeamento.

Ora, atentas as posições defendidas pelas partes nos seus articulados, dúvidas surgem sobre a questão de saber se as intervenções ocorridas e efectuadas pela ré, em 2014 e 2015, relativas aos gradeamentos, destinaram-se à eliminação dos defeitos ou se, pelo contrário, visaram tão só a sua manutenção.

Esta questão não é despicienda porquanto, a eliminação dos defeitos acarreta o reconhecimento do direito e, por conseguinte, o afastamento/impedimento da caducidade, o que já não sucede quanto às obras de manutenção do gradeamento.

Assim, estando em causa direitos disponíveis e tendo em conta que o reconhecimento dos defeitos/vícios, por parte da ré, constitui causa de impedimento da caducidade, havendo dúvidas sobre a existência do mesmo, relega-se para decisão final (após julgamento) o conhecimento da excepção.

Destarte, procede a pretensão do apelante.

Concluindo:
– A caducidade pode ser impedida sempre que haja um reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido
– Tendo sido arguida a excepção peremptória de caducidade e havendo dúvidas se as obras se destinaram à manutenção ou eliminação dos defeitos, o conhecimento da excepção tem lugar em sede de decisão final, após julgamento.

Pelo exposto, acorda-se em anular a sentença, determinando-se que o Sr. Juiz proceda à realização da audiência prévia e de julgamento, tendo em vista a apreciação da excepção peremptória de caducidade arguida.
Custas pela apelada.



Lisboa, 4.04.2019



(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)