Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3600/10.7TTLSB.L2-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: DESPEDIMENTO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – Configura despedimento de facto a situação em que: a gerência do empregador disse à sua Directora Financeira que apresentasse e entregasse ao trabalhador uma carta elaborada pelo departamento de recursos humanos, não assinada pela gerência do empregador, em que é dito que o seu contrato de trabalho cessa em 17 de Agosto de 2010, devendo gozar as férias de 2009 e 2010 a partir do dia 21 de Junho; nessa sequência, o trabalhador enviou ao empregador uma carta datada de 29 de Julho de 2010 em que se considerou despedido desde 19 de Junho e contestou a pretensão do empregador de que o mesmo gozasse também as férias de 2010, ainda não vencidas, reclamando o pagamento do valor correspondente e ainda doutras quantias; o empregador respondeu ao trabalhador por carta datada de 4 de Agosto, em que, não só não se insurgiu contra a afirmação do trabalhador de que estava despedido, como lhe comunicou que, em face da sua reclamação, as férias de 2010 (que se venceriam em 1/01/2011) lhe seriam pagas e, por conseguinte, deveria «apresentar-se no seu local de trabalho a partir do dia 9 de Agosto, ficando a laborar até ao final do contrato» (sublinhado nosso).
II – Em tal situação, é incontornável que trabalhador e empregador consideraram como assente que aquele estava despedido por efeito da apresentação e entrega da carta de 18 de Junho e da subsequente actuação de ambas as partes em conformidade com o respectivo teor, independentemente de a mesma não estar assinada por quem tinha poderes para vincular o empregador em actos escritos, uma vez que a declaração de despedimento não carece de revestir tal forma ou de ser expressa para produzir efeitos, embora tenha que a observar para ser válida no âmbito dum procedimento legal com invocação de justa causa objectiva ou subjectiva.
III – Se, em face do articulado da parte e da decisão judicial, se verifica que o tribunal, essencialmente, entendeu não acolher a totalidade da factualidade alegada e a argumentação jurídica ali aduzida pelo recorrente, e, por outro lado, os autos não evidenciam que se trate duma argumentação temerária, irracional ou absurda, não se pode concluir que aquele, com dolo ou negligência grave, deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, e, assim, que litigou de má de fé.
(Elaborada pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório

1.1. AA, (…), veio propor acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra BB, Lda., (…), na qual se opõe ao despedimento promovido pela empregadora na sequência de processo disciplinar, requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Procedeu-se à realização de audiência de partes a que alude o art. 98.º-F do Código de Processo do Trabalho, não tendo sido possível obter a conciliação daquelas (fls. 205/206).

Na sua motivação (fls. 16 e ss. e 208), alega a R., em síntese, ter admitido ao seu serviço o A. como optometrista. No entanto, em virtude de vicissitudes que descreve, informou o A. e uma colega que pretendia negociar com eles a cessação dos seus contratos de trabalho, tendo então sido pedido pelo A. que lhe formulassem por escrito tal pretensão, o que a directora financeira fez através da carta junta aos autos, que não é uma carta de despedimento, pois a R. nunca pretendeu despedir o A., pelo menos desta forma. Como o A. não se apresentasse quando terminaram as suas férias, a R. enviou-lhe uma carta, a que o A. não respondeu, pelo que enviou outra, advertindo-o de que, se não comparecesse, consideraria resolvido o contrato por abandono do trabalho, o que veio a acontecer.

Termina, pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação do A. como litigante de má fé.

Notificado o A., este apresentou a sua contestação (fls. 216 e ss.), alegando que celebrou um contrato de trabalho a termo certo com quatro empresas que melhor identifica. Tal contrato renovou-se automaticamente, tendo tal ocorrido por mais de três vezes, pelo que se converteu em contrato sem termo. Não obstante o A. não tenha celebrado contrato de trabalho com a R., era esta quem, a partir de certa altura, lhe pagava o seu salário e emitia os respectivos recibos, pelo que esta passou a ser a sua empregadora. Sucede que, por carta datada de 18 de Junho de 2010, a R. procedeu ao seu despedimento. Porém, tal despedimento não foi precedido do devido procedimento, pelo que o mesmo é ilícito.

Conclui, pedindo seja a R. condenada no pagamento de:

a) 15/24 referente aos proporcionais de subsídio de férias de 2010 - € 1.016,25;

b) 15/24 referente aos proporcionais de subsídio de Natal de 2010 - € 1.016,25;

c) 1 mês de férias de 2011 - € 1.626,00;

d) 1 mês de subsídio de férias de 2011 - € 1.626,00;

e) retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado, liquidadas até àquela data - € 4.369,88;

f) a título de danos não patrimoniais - € 5.000,00;

g) a título de danos patrimoniais - € 5.589,63;

h) a título de indemnização em substituição da reintegração - € 9.756,00;

i) juros sobre as respectivas quantias, até efectivo e integral pagamento.

A R. veio apresentar resposta (fls. 229 e ss.), arguindo a ineptidão do pedido reconvencional e impugnando-o.

Foi proferido despacho saneador, sem selecção da matéria de facto, onde, além do mais, se julgou improcedente a excepção da ineptidão do pedido reconvencional (fls. 244/245).

Realizado o julgamento, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença a julgar a acção  procedente (fls. 286 e ss.), tendo a R. interposto recurso da mesma, na sequência do que este Tribunal proferiu acórdão que terminou com o seguinte dispositivo (fls. 376 e ss.):

«Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência:

a) decide-se alterar a decisão da matéria de facto nos termos acima explicitados;

b) anula-se parcialmente a decisão proferida na 1.ª instância, a fim de ser repetido o julgamento, com vista a ser produzida prova e proferida decisão sobre se a Directora Financeira da R. agiu como descrito no ponto n.º 7 da factualidade assente em nome e a mando do gerente da R., sendo que essa repetição não abrange a restante parte da decisão, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão, sendo depois proferida nova sentença que julgue a causa em conformidade com os factos apurados.

Custas do recurso pela parte vencida a final.»

Realizada a repetição do julgamento, nos termos determinados, foi aditada a matéria de facto (fls. 437) e foi proferida nova sentença, que terminou com o seguinte dispositivo (fls. 445 e ss.):

«Face ao acima exposto:

Julgo a presente acção especial de impugnação judicial de regularidade e licitude de despedimento, proposta por AA contra BB, Lda., parcialmente procedente, e, em consequência:

1- a) Condeno a R. ao pagamento da quantia global de:

- € 93.495,00 (noventa e três mil, quatrocentos e noventa e cinco euros), como supra descriminado, devendo a R. deduzir e restituir à Segurança Social o montante auferido pelo A., a título de subsídio de desemprego, deduzindo ainda as retribuições por aquele auferidas.

- A que acrescem:

b) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4 % ao ano, desde as respectivas datas de vencimento, até efectivo e integral pagamento;

2- Condeno a R. como litigante de má fé na multa de 5 UC.

3- Absolvo a R. do restante pedido;

4- Condeno a R. e o A. nas custas da acção, na proporção de 1/3 para este e 2/3 para aquela- art. 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo de Trabalho.»

1.2. De novo inconformada, a R. interpôs recurso da sentença, arguindo separadamente a sua nulidade, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 474 e ss.):

(…)

1.3. O A. não apresentou resposta.

1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 513, como apelação com efeito devolutivo.

1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em parecer, no sentido de não ser concedido provimento à apelação da R. (fls. 520).

Colhidos os vistos (fls. 527), cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, sem prejuízo das que fiquem prejudicadas, são as seguintes:

- nulidade da sentença;

- alteração da decisão da matéria de facto quanto ao ponto indicado;

- verificação de despedimento do A. pela R.;

- graduação do quantum da indemnização de antiguidade reconhecida ao A.;

- litigância de má fé da R..

3. Fundamentação de facto

A matéria de facto provada a ter em conta na decisão da causa é a seguinte:

(…)

4. Apreciação do recurso

4.1.

(…)

4.2. Passemos, então, à apreciação da requerida alteração da decisão da matéria de facto.

(…)

4.3. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, é de entender que se verifica o despedimento do A. pela R..

O despedimento é uma das formas de extinção do contrato de trabalho, que se consubstancia na resolução unilateral daquele negócio jurídico por parte do empregador (arts. 340.º e 351.º e ss. do Código do Trabalho).

Assim, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil).

Essa declaração, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador declarante - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude - denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil).

O que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º do Código Civil).

Sobre a questão, veja-se o sumário do Acórdão desta Relação de Lisboa de 3 de Março de 1999, (in www.dgsi.pt):

"1. A declaração de despedimento, seja com justa causa, seja sem justa causa, deve caracterizar-se por manifestação de vontade expressa (directa ou imediata) ou tácita (indirecta ou mediata) formulada de modo a não consentir dúvidas do sentido e alcance para o trabalhador, seu destinatário.

2. Essa declaração deve ser emitida, de forma inequívoca, pela entidade patronal ou por um representante desta."

Bem como o que se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2006, (in www.dgsi.pt):

"O despedimento, na acepção que ao caso interessa, traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, acto esse de carácter receptício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, deve tal desígnio ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade, quer através de actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, n.º 1, do referido.

A referida inequivocidade visa, tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal".

Ora, no caso dos autos, provou-se que a R. procedeu a negociações com o A., para cessarem as suas relações laborais.

A Directora Financeira da R. MFG assinou e entregou ao A. carta datada de 18 de Junho de 2010, com o seguinte teor:

“(…) Por força da reestruturação organizacional da empresa do grupo (…), não poderia ser dada continuidade ao contrato de trabalho outorgado entre esta empresa e V. Exa. em 1 de Janeiro de 2007.

Tendo V. Exa. 21 dias de férias para gozar do ano de 2009 e 16 dias úteis referentes ao ano de 2010, considere o início das mesmas a 21 de Junho de 2010.

Assim sendo, vem desta forma a empresa dar-lhe ao abrigo da lei o pré-aviso de sessenta dias a contar desta carta, isto é, dia 17 de Agosto de 2010. Nesta data ser-lhe-á liquidado o encerramento final de contas e bem como a entrega dos documentos para situação de desemprego.

Mais informamos que o período de férias se estende até ao dia 10 de Agosto, sendo que a (…)  prescinde da sua laboração da dos restantes dias até final do contrato. (…)”

Tal carta foi elaborada pelo departamento de recursos humanos da R., tendo sido dito pela gerência desta a MFG para apresentar aquela carta e entregá-la ao A., tendo aquela Directora Financeira da R. assinado a carta a pedido do A., que, no entanto, não a pressionou para tal.

Cartas idênticas foram enviadas a outros trabalhadores da R., com quem não chegou a acordo.

O A. enviou à R. carta datada de 29 de Julho de 2010, com o seguinte teor:

«Exmos. Srs.

Após o meu despedimento no dia 19 de Junho de 2010 fui consultar a Inspecção Geral do Trabalho para que me fizessem a verificação das contas.

Quase todos os items estavam correctos com excepção de dois.

Disseram-me que o valor da indemnização era de 5898.15 e não de 5786.78

Também me foi dito que falta o proporcional de férias de 2010 (16 dias) correspondente a 1040.64 porque as férias de 2010 ainda não venceram (só vencem no fim do ano) e como tal eu não as posso gozar, tendo esse proporcional de ser pago em dinheiro no montante acima referido.

Além disso como não posso gozar essas férias devo trabalhar esses dias pelo que me ponho ao vosso dispor para os fazer caso seja essa a vossa vontade.

Com já foi referido antes ainda está por liquidar a parcela referente ao subsídio de transportes (129.58 por mês) que não me foi pago nos meses de Maio, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2008 e a totalidade de 2009 e 2010 até ao fim do contrato»

A R. respondeu ao A. por carta datada de 4 de Agosto de 2010, com o seguinte teor:

«Em resposta à sua última comunicação datada de 29 de Julho de 2010, vimos informar, e no que respeita aos valores vencidos de subsídio de transporte que ainda não tinham sido pagos, a situação já se encontra regularizada com o processamento do mês de Julho de 2010.

No que respeita aos dias de férias do ano de 2010, ser-lhe-ão pagos devidamente, devendo para este efeito apresentar-se no seu local de trabalho a partir do dia 9 de Agosto, ficando a laborar até ao final do contrato.»

Ora, em face desta factualidade, forçoso é concluir que a R. procedeu ao despedimento do A..

Com efeito, a gerência da R. disse à sua Directora Financeira, MFG, que apresentasse e entregasse ao A. uma carta elaborada pelo departamento de recursos humanos, não assinada pela gerência da R., em que é dito que o seu contrato de trabalho cessa em 17 de Agosto de 2010, devendo gozar as férias de 2009 e 2010 a partir do dia 21 de Junho.

Nessa sequência, o A. enviou à R. uma carta datada de 29 de Julho de 2010 em que se considerou despedido desde 19 de Junho e contestou a pretensão da R. de que o mesmo gozasse também as férias de 2010, ainda não vencidas, reclamando o pagamento do valor correspondente e ainda doutras quantias.

Ora, finalmente, a R. respondeu ao A. por carta datada de 4 de Agosto, em que, não só não se insurgiu contra a afirmação do A. de que estava despedido, como lhe comunicou que, em face da sua reclamação, as férias de 2010 (que se venceriam em 1/01/2011) lhe seriam pagas e, por conseguinte, deveria «apresentar-se no seu local de trabalho a partir do dia 9 de Agosto, ficando a laborar até ao final do contrato» (sublinhado nosso).

Por todo o exposto, é incontornável que A. e R. consideraram como assente que aquele estava despedido por efeito da apresentação e entrega da carta de 18 de Junho e da subsequente actuação de ambas as partes em conformidade com o respectivo teor, independentemente de a mesma não estar assinada por quem tinha poderes para vincular a R. em actos escritos, uma vez que, como se disse, a declaração de despedimento não carece de revestir tal forma ou de ser expressa para produzir efeitos, embora tenha que a observar para ser válida no âmbito dum procedimento legal com invocação de justa causa objectiva ou subjectiva.

Isto é, nas palavras de Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, Cascais, 2012, p. 151), “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento . artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º.

Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futiro.” 

Deste modo, entende-se que na situação em apreço se configura uma declaração unilateral de vontade da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho, ou seja, que o A. logrou demonstrar, como lhe competia por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que foi objecto de despedimento pela R., tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, falecem in totum os argumentos da Recorrente nesta parte.

4.4. Passemos, então à questão da graduação do quantum da indemnização de antiguidade reconhecida ao A..

Diz a Apelante, por um lado, que nada consta dos autos quanto aos termos em que ocorreu o ingresso do Apelado nos seus quadros de pessoal, e, designadamente, não há qualquer alusão a que tenha mantido a sua antiguidade com referência ao início do contrato referido no n.º 1 dos factos provados, pelo que a mesma só pode ser considerada a partir do momento em que começou a trabalhar para si, isto é, Janeiro de 2009, conforme consta do n.º 6-A dos factos provados.

Ora, tal não corresponde à verdade, uma vez que consta expressamente o seguinte da carta elaborada pelo departamento de recursos humanos que a gerência da R. determinou que a sua Directora Financeira apresentasse e entregasse ao A.:

“(…) Por força da reestruturação organizacional da empresa do grupo (…), não poderia ser dada continuidade ao contrato de trabalho outorgado entre esta empresa e V. Exa. em 1 de Janeiro de 2007.”

Acresce que, na carta de 4 de Agosto de 2010, a Recorrente não contesta os valores que o trabalhador indica na carta de 29 de Julho a título de compensação de antiguidade e de subsídio de transporte em falta, aquela pressupondo uma antiguidade reportada a Janeiro de 2007 e este reclamado desde Maio de 2008.

Diz a Apelante, por outro lado, que o valor de referência de 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade peca por manifesto exagero, já que o valor da remuneração mensal do Apelado - € 1.626,00 - é claramente superior ao nível médio de remuneração dos trabalhadores nacionais e a ilicitude do alegado despedimento se deve a não ter sido precedido do competente procedimento, que é considerado o menos grave dos motivos de ilicitude do despedimento, pelo que a referência a ter em conta não deve ser superior a 20 dias por cada ano de antiguidade.

Porém, na realidade, não só não houve precedência do competente procedimento legal destinado a concretizar o despedimento do trabalhador, como também se não provou que a empregadora tivesse justa causa para tanto, designadamente que se verificassem os requisitos do pretenso despedimento por extinção de posto de trabalho.

Assim, sendo verdade que a remuneração mensal do Apelado era superior ao nível médio de remuneração dos trabalhadores nacionais, por outro lado o grau de ilicitude do despedimento é também superior ao das situações que se podem ter como medianas, razão por que – tudo visto e ponderado – se entende que a decisão recorrida não merece censura por ter fixado uma indemnização tendo por referência o meio termo legal.

Improcede, pois, a pretensão da Recorrente também nesta parte.

4.5. Finalmente, cumpre apreciar a questão da litigância de má fé da R..

Sustenta a Apelante que, não tendo ultrapassado os limites legítimos da defesa dos seus interesses e do exercício dos seus direitos processuais, não pode ser condenada como tal, por não estarem reunidos os respectivos requisitos.

A questão foi decidida pelo tribunal recorrido nos seguintes termos:

«Veio a R. suscitar a questão da litigância de má fé do A., porquanto este bem sabia que a carta em causa nos autos não era nenhuma carta de despedimento. Porém, como seria previsível e o próprio Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu em douta decisão, a referida carta “consubstancia claramente um verdadeiro despedimento decretado por razões estruturais da empresa.”- cf. fls. 277. Aliás, tal era evidente mesmo para um observador mais desatento e, de todo o modo, tal carta nunca poderia referir-se a um início de negociações- a mesma não refere qualquer acordo ou negociação.

Não obstante, a R. não só manteve tal inverosímil versão, como ainda teve o despudor de pedir a condenação do A. como litigante de má fé, por ele contar uma versão contraditória, mas que se revelou corresponder à verdade.

“A lei não pede a nenhuma das partes que se entregue, sem luta. Por isso a todas é garantida a possibilidade de fazerem vingar as respectivas posições, desde que estejam convencidas da sua legitimidade, mesmo que assentem em normas jurídicas objectivamente injustas, ou desde que não sejam excedidos certos limites para além dos quais se considera ilegítimo o exercício dos direitos processuais”

Com o seu comportamento, a R. ultrapassou tais limites, tendo litigado de má fé.

Consequentemente, vai condenada na multa de 5 UC, como litigante de má fé- cf. art. 456.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Uma vez que foi a própria R. que suscitou a questão da litigância de má fé, considero cumprido o direito ao contraditório.»

Vejamos.

Estabelece o Código de Processo Civil de 2013:

Artigo 542.º

Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé

1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

(…)

Mas, como se diz no Acórdão desta Relação de Lisboa de 2 de Março de 2012 (in www.dgsi.pt), “[a] conclusão da litigância de má fé é casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto, devendo o tribunal ser prudente na sua apreciação, só devendo condenar a parte, como litigante de má fé, no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.”

E, como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2012 (in www.dgsi.pt), “[a] litigância de má fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.”

Ora, como resulta do que acima se expôs, a Recorrente sustentou que a carta de 18 de Junho não constituía um despedimento, não propriamente porque o seu teor se não reconduzisse a tanto, mas porque foi o A. que solicitou à Directora Financeira que lhe apresentasse por escrito a pretensão da empregadora de início das negociações com vista à cessação do seu contrato de trabalho, tendo a mesma por ignorância, ingenuidade e boa fé entregado ao A. a carta em apreço, que não estava assinada pela gerência da R., como o A. bem sabia (arts. 10.º a 12.º do seu articulado de motivação do despedimento).

Assim, considerando que, inclusive, a sua versão se provou em parte, e que se veio a entender que o que ocorreu foi um despedimento tácito e não expresso, ou seja, deduzido duma comunicação escrita proveniente dos serviços da R. mas não assinada por esta, em conjugação com as demais condutas assumidas de modo convergente por ambas as partes, julga-se que a Apelante não excedeu os limites do são exercício dos seus direitos processuais com vista à defesa dos seus interesses.

Ou seja, os autos não evidenciam que se trate duma argumentação temerária, irracional ou absurda, a ponto de se poder afirmar que a Apelante, com dolo ou negligência grave, deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.  

Deste modo, não pode considerar-se que a mesma litigou de má de fé, impondo-se a revogação da decisão de primeira instância que condenou a Recorrente como tal, procedendo a sua pretensão nesta parte.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, em absolver a Apelante da condenação como litigante de má fé, confirmando-se no mais a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2015

 Alda Martins

 Paula Santos

 Ferreira Marques

Decisão Texto Integral: