Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1273/16.2T8AMD.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: O ex-cônjuge tem direito a uma prestação destinada a suprir o que seja indispensável ao sustento, habitação e vestuário, na medida da sua necessidade, segundo a regra de que cada ex-cônjuge deve prover ao seu sustento e de que não há obrigação de se manter o nível de vida anterior ao divórcio, e na medida da possibilidade do outro ex-cônjuge os prestar.
A regra de que cada ex-cônjuge deve prover ao seu sustento não dispensa, perante o facto do mesmo ter capacidade para e efectivamente obter rendimentos próprios, o apuramento concreto das despesas do ex-cônjuge demandante.
Se tais despesas ultrapassam o patamar da sobrevivência digna, medido pela retribuição mínima mensal garantida, e a capacidade de obtenção de rendimento próprio o não ultrapassa, o excesso de tais despesas demonstra a necessidade da prestação de alimentos pelo ex-cônjuge demandado e a medida desta necessidade.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.


            I.Relatório:


A..., nos autos m.id., intentou a presente acção especial de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, contra H..., também nos autos m.id., pedindo que seja decretado o divórcio entre Autora e Réu, alegando em síntese a separação de facto por mais de um ano consecutivo e ruptura definitiva do casamento, e pedindo que o Réu seja condenado a pagar uma pensão de alimentos no montante mensal de € 400,00.

Regularmente citado, o Réu não contestou.

Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo sido fixado valor da acção em €30.000,01.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova nela prestada, e seguidamente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, decreto o divórcio entre A... e H... com a consequente dissolução do casamento celebrado em 14 de Dezembro de 2002.
Absolvo o Réu do pedido (pensão de alimentos).
Custas em proporção do decaimento – artigo 527.º do NCPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06.
Após trânsito, comunique à C.R.C. – artigo 78.º do C.R.C.
Valor da acção € 30.000,01”.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
I.O presente recurso cinge-se à parte da sentença recorrida, que absolveu o Réu, ora Recorrido, do pedido de pagamento de pensão de alimentos à A., aqui Apelante.
II.O Tribunal a quo faleceu em apurar os factos constitutivos do direito que a Apelante reclamou, no que tange ao pedido de pagamento de pensão de alimentos.
III.Com efeito, percorrendo a factualidade considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo conclui-se pela insuficiência da matéria de facto elencada para a decisão que foi proferida quanto ao pagamento de pensão de alimentos.
IV.Os factos dados como assentes e os factos tidos como não provados não permitem sustentar qualquer decisão de mérito sobre a pensão de alimentos peticionada pela Apelante.
V.Porque desde logo não se mostram provados ou não provados factos essenciais para o efeito, como o sejam todas as despesas invocadas pela Apelante.
VI.O que, por seu turno, se reconduz igualmente ao manifesto erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, quando são dados como provados factos que não tiveram prova e como não provados outros que obtiveram prova suficiente.
VII.Para sustentar o pedido de pensão de alimentos contra o Recorrido a Apelante invocou o rendimento que aufere, e, por outro lado, as despesas que tem, bem como as circunstâncias que obstam à obtenção de mais rendimentos e melhor posto de trabalho, a ausência de rendimento disponível, bem como de recurso a outros meios para prover ao seu sustento – todos essenciais à conclusão de que a Apelante carece de alimentos.
VIII.Por outro lado, invocou ainda a Apelante que o Apelado dispõe de meios para prestar àquela os alimentos de que a mesma carece.
IX.E, a Apelante logrou provar a factualidade que invocou.
X.As testemunhas inquiridas, em particular a Exma. Senhora T... e o Exmo. Senhor H..., respectivamente, filha e irmão da Apelante, declararam, de forma isenta, objectiva e credível, as condições de vida da Apelante, nomeadamente no que concerne e para o que aqui importa, quanto às despesas que a Apelante suporta, bem como o rendimento de que dispõe, e ainda a dependência económica quanto ao Apelado. 
XI.A Testemunha T..., cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, das 10:52:26 às 11:10:46, do dia 07.02.2017, expressamente declarou que o Apelado há uns anos comparticipava na electricidade, internet e na casa, mas com o passar do tempo deixou de pagar, há dívidas para trás, o H... não está a pagar a casa desde o ano passado, tinham uma carrinha Audi, que desde o ano passado o H... levou e nós nunca mais vimos esse carro, só a mãe paga as despesas da casa desde o início do ano passado, a casa é quase € 500,00, mas a mãe tem pago a metade dela, a mãe ganha o ordenado mínimo, a mãe paga todas as despesas da B..., a mãe tem uma casa na terra, em Castro Daire, que tem empréstimo e a mãe paga a parte dela, com a ajuda do tio, H..., a mãe desloca-se de autocarro, tem passe, custa € 44,00, durante o casamento, o ordenado dele é que devia ser maior porque ele é que cuidava da maior parte das contas, pagava a maior parte das contas, sem a ajuda do H... a mãe não era possível a mãe pagar todas as despesas e agora também não, a mãe tem 52 anos, é cozinheira, empregada de balcão, tem o 8º ano de escolaridade, a mãe está a tentar vender a casa de Castro Daire.
XII.A Testemunha H..., cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, das 11:11:23 às 11:25:21, do dia 07.02.2017, expressamente declarou que o H... tinha carro da empresa, a A... anda de transportes, trabalha na cozinha, ganha € 557,00, o H... ganhava próximo de € 1.000,00, o vencimento do H... era sempre superior, a A... paga as despesas da casa, a renda é € 500,00, a A... paga € 250,00 da parte dela, a A... está a suportar as duas filhas e ela e as despesas de alimentação não é inferior a € 200,00, a A... tem uma parte na província, herdada da família e está-se a uma prestação de € 350,00, a A... não consegue fazer face às despesas, sempre precisou de ajuda financeira do H... para fazer face às despesas do agregado familiar, actualmente o H... não paga nada, a A... está a tentar vender a casa da terra pelo valor de € 35.000,00/€ 40.000,00, que uma empresa indicou, mas a dívida ao Banco está em €45.000,00, é a A... quem suporta os encargos com a B..., com explicações e tudo isso.
XIII.Nenhuma prova foi produzida ou existe nos autos que seja susceptível de pôr em causa das declarações das testemunhas supra citadas, e, como bem referiu o Tribunal a quo, as mesmas são dignas de credibilidade, cujas declarações nos pareceram sinceras e desapaixonadas (foi evidente que nada lhe movia contra o Réu), sic.
XIV.Pelo que inexiste qualquer motivo para que as mesmas não sejam consideradas na sua plenitude, em particular no que concerne aos factos essenciais e constitutivos do direito peticionado pela Apelante.
XV.Assim, não se compreende que o Tribunal a quo, mesmo imprimindo credibilidade às declarações das testemunhas não tenha atendido, na íntegra, ao teor das mesmas, quando as mesmas se revelam importantes para o thema decidendum.
XVI.Acresce ainda que a Apelante invocou que suporta ainda a alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas, o que corresponde a um encargo médio mensal de cerca de € 250,00, cfr. art. 114º da p.i.
XVII.Além das testemunha T... e H... terem afirmado que a Apelante suporta sozinha todas as despesas do agregado familiar,
XVIII.A verdade é que tais despesas são transversais a qualquer agregado familiar e são factos notórios, cuja alegação e prova é desnecessária, cfr. art. 412º do CPC.
XIX.Pelo que o Tribunal a quo a tanto não ter atendido, violou o citado preceito legal, o que desde já invoca.
XX.Por outro lado, não atendeu igualmente o Tribunal a quo aos demais elementos probatórios constantes dos autos, com força probatória plena, não impugnados, nomeadamente os documentos juntos pela Apelante com a p.i. e por requerimento de 08.11.2016, de fls…, bem como o que resulta do próprio Apenso B e de que o Meritíssimo Juiz a quo tem conhecimento por força das suas funções.
XXI.Com efeito, a Apelante, por requerimento de 08.11.2016, juntou aos autos o documento comprovativo do encargo que tem a título de passe, o qual se cifra em € 44,00 mensais, o que aliás foi devidamente corroborado pela testemunha T..., cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, das 10:52:26 às 11:10:46, do dia 07.02.2017.
XXII.O aludido documento além de ter sido corroborado pelo depoimento da Testemunha T..., não foi impugnado, nem contrariado por qualquer outra prova que pudesse abalar a sua força probatória, e sendo uma despesa que a Apelante suporta tem de ser devidamente contabilizado.
XXIII.O mesmo sucede em relação às despesas que a Apelante suporta a título de IMI referente à casa de morada de família, aos consumos domésticos e IMI da habitação sita em Castro Daire e material escolar da B....
XXIV.Na medida em que a prova de tais despesas resultam de documentos, não impugnados e não contrariados com qualquer outro meio de prova.
XXV.Ademais, conforme consta do Apenso B, o Apelado, apesar de a tanto obrigado, cfr. facto provado nº 3 da sentença ora colocada em crise, não procede ao pagamento da pensão de alimentos a favor da menor B..., filha comum da Apelante e do Apelado.
XXVI.A sentença recorrida foi proferida em 17.02.2017, data em que, no Apenso B, já havia passado o prazo de 5 dias concedido ao Apelado para alegar o que tivesse por conveniente face ao incidente de incumprimento intentado, cfr. despacho de 16.01.2017, do Apenso B.
XXVII.No entanto, o Tribunal a quo não atendeu a tais factos, dando apenas como provado que o Apelado pagará uma pensão de alimentos no valor de € 150,00, donde parece resultar que o Apelado efectivamente cumpre tal obrigação – o que não corresponde à realidade e o Tribunal a quo não poderia ignorar.
XXVIII.Mas urge, porque se entende relevante, considerar tal incumprimento.
XXIX.Ademais, o Tribunal a quo considerou provado que O Réu trabalha na ARCLASSE – Serviço Total de Climatização, SA., auferindo o salário no montante mensal de € 1.047,14 incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 464,99 (fls. 172), cfr. facto provado nº 6.
XXX.Sustentou o Tribunal a quo tal facto com base no documento de fls. 172 – que corresponde ao recibo de vencimento do Apelado referente ao mês de Dezembro de 2016.
XXXI.Ora, por referência a apenas tal documento, salvo o devido respeito, não poderá ser considerado que é aquele o rendimento mensal constante do Apelado,
XXXII.Em particular porque resulta dos restantes recibos de vencimento do Apelado que o seu rendimento mensal líquido varia, por força de componentes variáveis e prestação de trabalho, a título de exemplo, veja-se o recibo de vencimento do Apelado referente ao mês de Fevereiro de 2016, cfr. fls. 162.
XXXIII.Mas ademais, por mero cálculo aritmético, não resulta um rendimento líquido de € 473,18, perante um vencimento de € 1.047,14, deduzindo € 473,18 a título de penhora e descontos legais, resulta antes um rendimento auferido de € 573,96,
XXXIV.Pois o Tribunal a quo olvidou o valor patente no documento de fls. 172, onde expressamente consta o pagamento de € 108,97 a título de cartão refeição.
XXXV.Assim, encontra-se também incorrectamente julgado o facto contido no nº 6 dos factos assentes constantes da sentença colocada em crise.
XXXVI.Por fim, o Tribunal a quo considerou provado que A Autora apresenta as seguintes despesas mensais: € 165,00 consumos domésticos; € 250,00 prestação bancária para aquisição da habitação (o Réu também paga a quantia de € 250,00); € 314,36 prestação bancária para restauro e conservação de um imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe, cfr. facto provado nº 5.
XXXVII.E, para sustentar tal decisão, o Tribunal a quo baseou-se nas declarações das testemunhas inquiridas.
XXXVIII.Ora, no que concerne ao facto de o Réu também paga a quantia de € 250,00 salvo o devido respeito, não se vislumbra qual a prova que possa sustentar tal facto, e muito menos o mesmo resulta das declarações prestadas pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência final.
XXXIX.Pois, resulta evidente das declarações em causa precisamente o oposto do que consta da sentença recorrida – o Apelado nada paga, nem quanto ao empréstimo bancário inerente á aquisição da casa de morada de família, nem qualquer outra despesa do agregado familiar da Apelante e da filha de ambos.
XL.Não existe nos autos qualquer prova que permita concluir e dar como provado que o Apelado, a título de empréstimo para a aquisição da habitação, paga a quantia de € 250,00.
XLI.E, nessa medida, não pode ser dado como provado um facto que não obteve prova alguma.
XLII.A verdade é que da prova documental e da prova testemunhal produzida em audiência final resultam provados os factos invocados pela Apelante, e, pelo que se mostram os mesmos incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, constantes dos números 5 e 6 da sentença recorrida, bem como porque não foram devidamente dados como provados factos que obtiveram prova bastante e que se revelam essenciais para o objecto do litígio, tudo por força dos depoimentos prestados pelas testemunhas T..., gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, das 10:52:26 às 11:10:46, e H…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, das 11:11:23 às 11:25:21, ambos do dia 07.02.2017, bem como por força dos documentos juntos com a p.i., o documento junto com o requerimento de 08.11.2016, bem como documentos de fls. 161 a 172, e o que expressamente resulta do Apenso B, e ainda considerando o disposto no art. 412º do CPC, tudo devidamente conjugado e analisado de forma critica e de acordo com o disposto no art. 607º, nº 4 do CPC.
XLIII.E, em consequência, a decisão sobre a matéria de facto deveria e deve ser a seguinte, o que se requer:

Factos provados:
23.Autora e Réu celebraram casamento civil em 14 de Dezembro de 2002, sem convenção antenupcial.
24.Pelo menos desde Junho de 2015 (data em que o Réu saiu definitivamente da casa de morada de família) não existe comunhão de leito, mesa e habitação entre o Autora e Réu.
25.A Autora reside com as filhas B... e T...
26.A filha comum da Autora e do Réu está a estudar, no 11º ano.
27.No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativo à filha de ambos, B... , os progenitores acordaram, além do mais, que o menor fica a residir com a mãe, o exercício conjunto das responsabilidades parentais, e o pai pagará uma pensão de alimentos no valor mensal de € 150,00, homologado por sentença de 22.11.2016 (Apenso A).
28.O Réu não pagou, pelo menos até Janeiro de 2017, qualquer valor à Autora a título de pensão de alimentos a favor da filha de ambos, B...  (Apenso B).
29.A Autora trabalha como empregada de balcão num restaurante do seu irmão auferindo o salário no valor mensal de € 530,00 e líquido no montante de € 471,70 (fls. 36).
30.A Autora apresenta as seguintes despesas mensais: € 165,00 consumos domésticos; € 250,00 prestação bancária para aquisição da habitação; € 314,36 prestação bancária para restauro e conservação de um imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 250,00 a título de alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas; € 44,00 a título de passe social; € 6,03 a título de material escolar para a filha B...; € 44,88, a título de consumos domésticos e IMI com o imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 18,72 a título de IMI com a casa de morada de família.
31.O Réu não contribui para o sustento e educação da filha de ambos B....
32.A Autora suporta sozinha os encargos com a educação e sustento da filha de ambos B....
33.O Réu não contribui para as despesas do agregado familiar da Autora e da filha de ambos.
34.A Autora sempre dependeu da ajuda financeira do réu para fazer face às despesas do agregado familiar.
35.O rendimento da Autora é insuficiente para pagar todas as despesas do seu agregado familiar.
36.O rendimento do Réu foi sempre superior ao rendimento da Autora.
37.A Autora tem 52 anos de idade.
38.A Autora tem o 8º ano de escolaridade.
39.A Autora é co-proprietária da casa de morada de família, cuja aquisição deveu-se a recurso a empréstimo bancário ainda activo.
40.A Autora é proprietária de um bem imóvel sito em Castro Daire, doado pela sua mãe, que tem empréstimo bancário associado.
41.A Autora pretende vender o imóvel supra identificado, mas o valor referido para a venda é inferior ao montante devido à instituição financeira, que actualmente se cifra em € 45.000,00.
42.A Autora e o Réu são proprietários de um veículo automóvel marca Audi que se encontra na posse do Réu.
43.O Réu trabalha na A... SA., auferiu o salário no montante mensal de € 1.047,14 no mês de Dezembro de 2016, incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 573,96 (fls. 172).
44.No ano de 2014, o Réu auferiu um rendimento anual de € 16.507,00.

XLIV.Da factualidade que deve ser dada como provada nos termos supra referidos, salvo o devido respeito, resulta manifesto e evidente que a Apelante carece de alimentos, e, por outro lado, que o Apelado tem capacidade para os prestar.
XLV.Ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, não é pelo facto da Apelante se encontrar a trabalhar que se conclui que pode prover ao seu sustento.
XLVI.Dos presentes autos resulta precisamente o inverso – o rendimento que a Apelante aufere é manifestamente inferior às despesas que tem a seu cargo.
XLVII.A incapacidade de prover à própria subsistência não resulta da ausência de qualquer rendimento, mas antes de um rendimento disponível insuficiente para prover à subsistência.
XLVIII.In casu, a Apelante aufere o vencimento líquido de € 471,70,
XLIX.Tendo a seu cargo, de despesas fixas e mensais, montante superior a € 1.000,00 – todas devidamente comprovadas e notórias.
L.Nessa medida, forçoso é concluir que a Apelante é incapaz de prover ao seu sustento.
LI.Ademais, por força do estado do mercado de trabalho, aliada à crise que se vive, o que constitui facto notório, aliado à idade e escolaridade da Apelante é igualmente forçoso concluir que esta não tem possibilidades de empregabilidade com melhores condições.
LII.Não pode deixar de ser considerado que o Apelado, mesmo devidamente notificado para contestar, nada fez,
LIII.Pelo que, pelo menos, conformou-se com o pedido formulado pela Apelante,
LIV.Devendo a sua revelia operante ser devidamente apreciada, até porque, quanto a alimentos, estamos no domínio de direitos disponíveis.
LV.Sendo certo que era ao Apelado quem competia o ónus da prova da sua (in)capacidade em prestar alimentos.
LVI.O Tribunal a quo violou o preceituado nos arts. 342º, nº 2, 2016º e 2016º-A, todos do CC, e arts. 412º e 607º, nº 4, ambos do CPC.
LVII.Assim, quer de uma forma, quer de outra, o pedido de condenação do Apelado a pagar pensão de alimentos à Apelante deve ser julgado procedente, por provado, o que se requer.
           
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II.Direito.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e em conformidade saber se o Réu deve ser condenado a pagar à Autora a pensão de alimentos por esta reclamada.

III.Matéria de facto.
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“1.Autora e Réu celebraram casamento civil em 14 de Dezembro de 2002, sem convenção antenupcial.
2.Pelo menos desde Junho de 2015 (data em que o Réu saiu definitivamente da casa de morada de família) não existe comunhão de leito, mesa e habitação entre o Autora e Réu.
3.No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativo à filha de ambos, B..., os progenitores acordaram, além do mais, que o menor fica a residir com a mãe, o exercício conjunto das responsabilidades parentais, e o pai pagará uma pensão de alimentos no valor mensal de € 150,00, homologado por sentença de 22.11.2016 (Apenso A).
4.A Autora trabalha como empregada de balcão num restaurante do seu irmão auferindo o salário no valor mensal de € 530,00 e líquido no montante de € 471,70 (fls. 36).
5.A Autora apresenta as seguintes despesas mensais: € 165,00 consumos domésticos; €250,00 prestação bancária para aquisição da habitação (o Réu também paga a quantia de € 250,00); € 314,36 prestação bancária para restauro e conservação de um imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe.
6.O Réu trabalha na A... SA., auferindo o salário no montante mensal de € 1.047,14 incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 464,99 (fls. 172).
           
Factos não provados
Nada mais se apurou, nomeadamente, que o Autor vive com outra pessoa e que tem um filho desta alegada relação.
           
Motivação da decisão de facto
Estabelece o artigo 607.º do NCPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06 que a decisão relativa à matéria de facto declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Assim, a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas arroladas pela Autora, familiares (filha e irmão) e amiga, cujas declarações nos pareceram sinceras e desapaixonadas (foi evidente que nada lhe movia contra o Réu) e referiram que os cônjuges estão separados, definitivamente desde Junho de 2015 conjugado com a restante prova documental carreada nos autos, nomeadamente, o assento de casamento (fls. 31)”.

IV.Apreciação.
Nada obsta à pretendida reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, sustentada em prova documental e gravada. Porém, forçoso é que se diga que alguns dos factos referidos como sendo a alterar ou já estão provados ou não podem ser provados como pretendido, por encerrarem meras conclusões, e ainda por serem repetidos.

Vejamos:
Pretende a recorrente - e respeitaremos a numeração que indicou - que se dê como provado que:
23.Autora e Réu celebraram casamento civil em 14 de Dezembro de 2002, sem convenção antenupcial.
24.Pelo menos desde Junho de 2015 (data em que o Réu saiu definitivamente da casa de morada de família) não existe comunhão de leito, mesa e habitação entre o Autora e Réu.
25. A Autora reside com as filhas B... e T....
26. A filha comum da Autora e do Réu está a estudar, no 11º ano.
27.No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativo à filha de ambos, B..., os progenitores acordaram, além do mais, que o menor fica a residir com a mãe, o exercício conjunto das responsabilidades parentais, e o pai pagará uma pensão de alimentos no valor mensal de € 150,00, homologado por sentença de 22.11.2016 (Apenso A).
28. O Réu não pagou, pelo menos até Janeiro de 2017, qualquer valor à Autora a título de pensão de alimentos a favor da filha de ambos, B...  (Apenso B).
29.A Autora trabalha como empregada de balcão num restaurante do seu irmão auferindo o salário no valor mensal de € 530,00 e líquido no montante de € 471,70 (fls. 36).
30.A Autora apresenta as seguintes despesas mensais: € 165,00 consumos domésticos; € 250,00 prestação bancária para aquisição da habitação; € 314,36 prestação bancária para restauro e conservação de um imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 250,00 a título de alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas; € 44,00 a título de passe social; € 6,03 a título de material escolar para a filha B...; € 44,88, a título de consumos domésticos e IMI com o imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 18,72 a título de IMI com a casa de morada de família.
31.O Réu não contribui para o sustento e educação da filha de ambos B....
32.A Autora suporta sozinha os encargos com a educação e sustento da filha de ambos B....
33.O Réu não contribui para as despesas do agregado familiar da Autora e da filha de ambos.
34.A Autora sempre dependeu da ajuda financeira do réu para fazer face às despesas do agregado familiar.
35.O rendimento da Autora é insuficiente para pagar todas as despesas do seu agregado familiar.
36.O rendimento do Réu foi sempre superior ao rendimento da Autora.
37.A Autora tem 52 anos de idade.
38.A Autora tem o 8º ano de escolaridade.
39.A Autora é co-proprietária da casa de morada de família, cuja aquisição deveu-se a recurso a empréstimo bancário ainda activo.
40.A Autora é proprietária de um bem imóvel sito em Castro Daire, doado pela sua mãe, que tem empréstimo bancário associado.
41.A Autora pretende vender o imóvel supra identificado, mas o valor referido para a venda é inferior ao montante devido à instituição financeira, que actualmente se cifra em € 45.000,00.
42.A Autora e o Réu são proprietários de um veículo automóvel marca Audi que se encontra na posse do Réu.
43.O Réu trabalha na A… SA., auferiu o salário no montante mensal de € 1.047,14 no mês de Dezembro de 2016, incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 573,96 (fls. 172).
44.No ano de 2014, o Réu auferiu um rendimento anual de € 16.507,00.

Todas as expressões que transcrevemos em itálico estão já provadas. Por seu lado, o facto 35 é absolutamente conclusivo e não pode ser dado como provado – artigo 607º do CPC.
Afirma a recorrente que não pode deixar de ser considerado que o Apelado, mesmo devidamente notificado para contestar, nada fez, pelo que, pelo menos, conformou-se com o pedido formulado pela Apelante, devendo a sua revelia operante ser devidamente apreciada, até porque, quanto a alimentos, estamos no domínio de direitos disponíveis e sendo certo que era ao Apelado quem competia o ónus da prova da sua (in)capacidade em prestar alimentos.
São realidades diversas o ónus de prova e os efeitos da revelia.
O regime legal, constante do Código Civil, relativo a alimentos assenta nas seguintes disposições básicas:
Artigo 2003º nº 1: “Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”.
Artigo 2004º nº 1:Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.
No que diz especificamente respeito a alimentos entre ex-cônjuges relevam:
Artigo 2016º:
1-Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
2-Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
3-Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.
4.-O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens”.
Artigo 2016º-A:
1-Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
2-O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.
3-O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio. (…)”
Ora, na ausência de qualquer disposição especial, o ónus de prova segue as regras gerais previstas no artigo 342º do Código Civil:
“1.Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2.A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3.Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”.

Resultando do regime substantivo que o ex-cônjuge tem direito a uma prestação destinada a suprir o que seja indispensável ao sustento, habitação e vestuário, na medida da sua necessidade, segundo a regra de que cada um deve prover ao seu sustento e de que não há obrigação de se manter o nível de vida anterior ao divórcio, e na medida da possibilidade do outro ex-cônjuge os prestar, compete a quem invoca o direito a alimentos a prova da sua necessidade e da possibilidade de lhe serem prestados, e compete àquele a quem são pedidos os alimentos a prova do contrário – da desnecessidade e ou da impossibilidade. O facto do demandado não provar a sua incapacidade de prestar alimentos não importa automaticamente no apuramento da sua capacidade.

Relativamente à questão da revelia, sendo certo que o regime previsto no artigo 931º nº 5 do Código Civil não determina a consequência da não contestação, ainda que se retirasse da remissão do artigo 932º do mesmo diploma a aplicação dos termos do processo comum após o prazo de apresentação da contestação, a verdade é que nos autos – fls. 130 – está documentada apenas a entrega da petição inicial e não a expressa advertência da cominação para a não contestação, donde nunca – mais que não fosse por via do artigo 227º nº 2 do CPC – entender-se que, face à não contestação, se mostravam confessados os factos articulados na petição inicial.

Este tribunal procedeu à audição integral dos depoimentos prestados em audiência, sendo a filha T... e o irmão H... e uma amiga que nada sabia. É facto que os depoimentos não revelaram inimizade para com o Réu, mas daí não resultará necessariamente que eles permitam a prova de tudo quanto vem pedido, pois que ocorreram manifestamente algumas insuficiências de conhecimento em tais depoimentos da filha e do irmão.
Quanto ao facto 25, pois deve aditar-se à matéria de facto provado, não havendo qualquer razão para descrer do depoimento de T.... Adita-se pois que: “A Autora reside com as filhas B... e T...”.
Identicamente, quanto ao facto 26, deve o mesmo ser considerado provado não só pelo depoimento de T... e de H..., mas pelo documento de fls. 37 (certidão de matrícula). Adita-se pois que “A filha comum da Autora e do Réu está a estudar, no 11º ano”.
Se à data do julgamento não era ainda conhecido o desfecho do apenso B, de incumprimento das responsabilidades parentais, na presente data, conforme resulta da informação que o ora relator mandou apurar junto do tribunal recorrido, foi dado como provado, por sentença transitada em julgado, que o Réu nunca pagou qualquer valor a título de pensão de alimentos a favor da filha B.... O facto deve ser aditado por ser do conhecimento oficioso deste tribunal e por relevar para a decisão da causa. Adita-se pois, em lugar da versão pretendida pela recorrente, por menos abrangente, o seguinte facto: “O Réu nunca qualquer valor à Autora a título de pensão de alimentos a favor da filha de ambos, B...R...M...C... (Apenso B)”.
Quanto ao facto 30, o que está impugnado é o esclarecimento de que o Réu paga a sua parte de também €250,00 nas despesas do empréstimo habitacional. Como é manifesto, o Réu nenhuma prova fez, e não será do depoimento das testemunhas que podemos retirar que o Réu paga a sua parte, ainda que possamos retirar que a parte dele era de €250,00. Como porém não vem alegado que é a Autora que paga a parte do Réu, o facto em si não tem particular interesse. Elimina-se apenas a referência constante do facto elencado sob o nº 5 dos factos provados na sentença, acima transcrito, relativa ao Réu também pagar €250,00.
No mais do facto 30, a recorrente não se conforma igualmente, no que toca ao facto 30 com não terem sido dadas como provadas as despesas que ali menciona: “€ 250,00 a título de alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas; € 44,00 a título de passe social; € 6,03 a título de material escolar para a filha B...; € 44,88, a título de consumos domésticos e IMI com o imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 18,72 a título de IMI com a casa de morada de família”.
Fundamenta-se na desnecessidade de prova de factos notórios e nos documentos que juntou com a petição inicial e em requerimento autónomo. Não tem razão quanto à desnecessidade de prova: o valor concreto de despesas de sobrevivência básica pode ser maior ou menor e deve por isso ser provado. Coisa diversa é, não se provando, o tribunal ter mesmo assim de considerar que há despesas básicas de sobrevivência, mas essa consideração releva em sede de apreciação jurídica e não de fixação de matéria de facto provada. Por outro lado, e nos termos do artigo 640º do CPC, haveria de ter indicado concretamente e relativamente a cada facto a alterar, o documento pertinente – o concreto meio de prova em que assenta a discordância – o que não fez, dificultando a compreensão, e sendo certo que alguns documentos não são sequer legíveis.
Do depoimento da filha T... resulta com clareza que a mãe se desloca em transportes e que paga passe social mensal, o que se mostra também documentado. Dá-se pois como provado que “A Autora gasta €44,00 mensais a título de passe social”.
Quanto às demais despesas alegadas, os documentos não coincidem exactamente com os valores indicados.
Quanto à alimentação, é H... que diz que as despesas não serão menores que €200,00 mensais, afirmando porém mais adiante que sempre que necessário, a Autora leva alimentos para casa, do restaurante em que trabalha. Ora, sabendo-se que a Autora vive com B..., filha estudante, sabendo-se que a pensão fixada ao pai é de €150,00, sabendo-se que este valor não é suficiente para ninguém sobreviver, é lógico que uma parte do valor das despesas de B... é paga pela Autora (independentemente agora de se saber se a outra não é paga pelo Réu). Sabendo-se que T... já trabalha mas ganha pouco mais de 200 euros mensais, naturalmente que uma parte das suas despesas de sobrevivência básica são pagas pela mãe. Num agregado de três pessoas, não custa portanto a admitir que as despesas básicas em alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas, montem a €250,00. Dá-se pois também como provado este valor.
Quanto ao imóvel doado, H... afirma que é ele quem tem pago a parte da Autora no empréstimo, não menciona as despesas com consumos domésticos, e não estando estas documentadas claramente, suscita-se a dúvida sobre se não é H... também quem paga tudo o que respeita ao referido imóvel.
Assim, e quanto ao facto 30, damos como provado que: “30. A Autora apresenta as seguintes despesas mensais: € 165,00 consumos domésticos; € 250,00 prestação bancária para aquisição da habitação; € 314,36 prestação bancária para restauro e conservação de um imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 250,00 a título de alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas; € 44,00 a título de passe social”.
Quanto ao facto 31, o mesmo já resulta do provado sob o facto agora aditado “O Réu nunca pagou qualquer valor à Autora a título de pensão de alimentos a favor da filha de ambos, B... (Apenso B)”. Acresce, por informação provinda do tribunal recorrido, na sequência de despacho do ora relator, que já foi ordenada a notificação da entidade patronal do Réu para proceder ao desconto mensal da pensão de €150,00”.
Do facto 32, e por decorrência do facto aditado e acabado de mencionar, podemos dá-lo como provado, também na medida em que quer T... quer H... afirmaram a composição do agregado familiar da Autora e referiram que a Autora suportava sozinha as despesas, exceptuadas as ajudas que o irmão H... faz a propósito de alimentação e empréstimo. Adita-se pois que “A Autora suporta sozinha os encargos com a educação e sustento da filha de ambos B...”.
O facto “33.-O Réu não contribui para as despesas do agregado familiar da Autora e da filha de ambos” é uma repetição do já dado como provado, sendo que na parte que se refere à Autora, na falta de alegação em contrário por parte do Réu, é pressuposto do pedido da Autora que não precisa sequer de ser provado.
Quanto ao facto “A Autora sempre dependeu da ajuda financeira do réu para fazer face às despesas do agregado familiar”, os depoimentos prestados, claramente o da testemunha H..., e as afirmações sobre diferenças de rendimentos entre Autora e Réu, permitem também aditá-lo ao rol dos factos provados.     
Quanto a “36.-O rendimento do Réu foi sempre superior ao rendimento da Autora”, embora conclusivo de valores que não vieram aos autos, e com esta formulação genérica, tem uma componente fáctica compreensível. O facto resulta dos referidos depoimentos testemunhais e bem assim, no que diz respeito ao ano de 2014, da declaração conjunta de IRS que se encontra a fls. 43, e pode ser aditado também ao rol dos factos provados. 
Quanto a “A Autora tem 52 anos de idade” necessitaríamos do registo civil e o facto não tem de constar dos factos provados. Em todo o caso, o que resulta da certidão de casamento é que “A Autora casou com 37 anos no dia 14 de Dezembro de 2002”, facto que assim se adita ao rol dos provados.
Quanto à escolaridade da Autora, facto 38, o único depoimento, de T..., indicando nesse sentido, foi hesitante e não seguro, e por isso não se adita este facto aos provados.            
Quanto a “39.-A Autora é co-proprietária da casa de morada de família, cuja aquisição deveu-se a recurso a empréstimo bancário ainda activo”, o facto é conclusivo de direito (ser proprietário) e já resulta de estar apurado que a Autora paga €250,00 mensais de empréstimo bancário pela aquisição.
Quanto a “40.-A Autora é proprietária de um bem imóvel sito em Castro Daire, doado pela sua mãe, que tem empréstimo bancário associado” assim o depôs o seu irmão e também comproprietário, mas é desnecessário por ser repetição de quanto já consta – e de relevante para os autos – no facto provado 5.
Quanto a “41.-A Autora pretende vender o imóvel supra identificado, mas o valor referido para a venda é inferior ao montante devido à instituição financeira, que actualmente se cifra em € 45.000,00”, sem esta precisão de valores, nada obsta a que com base no depoimento do irmão se dê como provado que “A Autora pretende vender o imóvel doado pela mãe, mas o valor referido para a venda é inferior ao montante devido à instituição financeira”.         
Quanto a “42.-A Autora e o Réu são proprietários de um veículo automóvel marca Audi que se encontra na posse do Réu”, a primeira parte necessitaria comprovação pelo registo automóvel e a segunda é irrelevante em face de se ter aditado o valor das despesas de passe de transportes.
Quanto a “43.-O Réu trabalha na A... SA., auferiu o salário no montante mensal de € 1.047,14 no mês de Dezembro de 2016, incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 573,96 (fls. 172), trata-se na verdade e apenas de operar uma subtracção para se chegar ao resultado indicado de € 573,96. Altera-se portanto o facto 6 para a redacção proposta pela recorrente. Mas acrescenta-se, por resultar oficiosamente da informação prestada pelo tribunal recorrido relativa ao apenso B, que a entidade patronal do Réu, foi notificada pela agente de execução em 21.07.2016 para proceder ao desconto relativo a uma penhora pelo valor de €4.250,00.
Quanto a “44. No ano de 2014, o Réu auferiu um rendimento anual de € 16.507,00”, o mesmo resulta provado da declaração de IRS a fls. 43 dos autos, aditando-se pois aos factos provados.

Em conclusão:
A matéria de facto a considerar, após a alteração, é a seguinte:
“1.-Autora e Réu celebraram casamento civil em 14 de Dezembro de 2002, sem convenção antenupcial.
2.-Pelo menos desde Junho de 2015 (data em que o Réu saiu definitivamente da casa de morada de família) não existe comunhão de leito, mesa e habitação entre o Autora e Réu.
3.-No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativo à filha de ambos, B..., os progenitores acordaram, além do mais, que o menor fica a residir com a mãe, o exercício conjunto das responsabilidades parentais, e o pai pagará uma pensão de alimentos no valor mensal de € 150,00, homologado por sentença de 22.11.2016 (Apenso A).
4.-A Autora trabalha como empregada de balcão num restaurante do seu irmão auferindo o salário no valor mensal de € 530,00 e líquido no montante de € 471,70 (fls. 36).
5.-A Autora apresenta as seguintes despesas mensais: € 165,00 consumos domésticos; € 250,00 prestação bancária para aquisição da habitação; € 314,36 prestação bancária para restauro e conservação de um imóvel de que é proprietária e doado pela sua mãe; € 250,00 a título de alimentação, vestuário, calçado e as despesas comuns de higiene da habitação, e da própria e das suas filhas; € 44,00 a título de passe social.
6.-O Réu trabalha na A... SA., auferiu o salário no montante mensal de € 1.047,14 no mês de Dezembro de 2016, incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 573,96 (fls. 172). A referida entidade patronal foi notificada pela agente de execução em 21.07.2016 para proceder ao desconto relativo à mencionada penhora pelo valor de €4.250,00.
7.-A Autora reside com as filhas B... e T....
8.-A filha comum da Autora e do Réu está a estudar, no 11º ano.
9.-O Réu nunca pagou qualquer valor à Autora a título de pensão de alimentos a favor da filha de ambos, B...  (Apenso B), já tendo sido ordenada, no mesmo apenso B, a notificação da entidade patronal do Réu para proceder ao desconto da referida pensão.
10.-A Autora suporta sozinha os encargos com a educação e sustento da filha de ambos, B....
11.-A Autora sempre dependeu da ajuda financeira do réu para fazer face às despesas do agregado familiar.        
12.-O rendimento do Réu foi sempre superior ao rendimento da Autora.
13.-A Autora casou com 37 anos no dia 14 de Dezembro de 2002.
14.-A Autora pretende vender o imóvel doado pela mãe, mas o valor referido para a venda é inferior ao montante devido à instituição financeira.
15.-No ano de 2014, o Réu auferiu um rendimento anual de € 16.507,00.

Vejamos agora se em função da alteração da decisão sobre a matéria de facto se impõe uma solução jurídica diversa da adoptada na sentença recorrida, e designadamente uma que conduza à procedência total ou parcial da acção.

A sentença recorrida fez-se eco de jurisprudência desta Relação (acórdão de 19.12.2013) e da Relação do Porto (acórdãos de 13.10.2016 e 27.10.2016), para cuja proficiente fundamentação também remetemos, e discorreu, citamos: “Referindo-se especificamente ao divórcio e separação judicial de pessoas e bens, preceitua o artigo 2016.º, n.º 1, do Código Civil (na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008) aplicável ao caso dos autos, que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, admitindo, contudo, o n.º 3 do mesmo preceito, que por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos possa ser negado. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2016.º- A do Código Civil (aditado pelo mesmo diploma legal – Lei nº 61/2008) define critérios objectivos para a definição do montante da prestação alimentar na sequência do divórcio ou da separação de bens, estatuindo que na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”. Finalmente, o n.º 3 do normativo supra citado estabelece expressamente que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio”. Isto posto, temos que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência, pelo que, importa apurar a incapacidade da Autora prover à sua subsistência. Só a partir dessa constatação é que se avança para a verificação dos demais requisitos, isto é, a ponderação das necessidades de quem os pretende e as possibilidades daquele que os presta. Descendo ao caso dos autos, temos que a Autora que alega carência de alimentos, não logrou demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência – na realidade a Autora trabalha como empregada de balcão num restaurante do seu irmão auferindo o salário no valor mensal de € 530,00 – ou seja, não prova os elementos constitutivos do direito a alimentos do ex-cônjuge (fim de citação).

Ora, o valor líquido, isto é, disponível para assegurar o sustento, não é €530,00, mas sim € 471,70 e, não é a obrigação de cada ex-cônjuge de prover à sua subsistência, sem garantia de manutenção do nível de vida anterior ao divórcio que implica que não se deva atender ao nível concreto de despesas apresentadas no apuramento da capacidade de sustentabilidade própria, ou seja, a prova da insustentabilidade própria não assenta exclusivamente na incapacidade física, psíquica ou social de lograr obter um meio de rendimento próprio, mesmo em presença dum meio de rendimento próprio há que apurar – no que toca ao primeiro pressuposto da obrigação alimentar, a carência do alimentando – se o rendimento que existe é suficiente para assegurar uma existência condigna, o que nada tem a ver com a manutenção dum padrão de vida elevado anterior ao divórcio. Como também se explicita nos mencionados arestos, a não garantia de manutenção do padrão de vida anterior não significa que se possa descartar a insustentabilidade abaixo do padrão mínimo de vida condigna. Este padrão tem sido fixado na jurisprudência, a propósito, por exemplo, da exoneração de passivo restante, no valor da retribuição mínima mensal garantida, que é actualmente de €557,00 (DL nº 86-B/2016). O novo regime do direito a alimentos entre ex-cônjuges não lança cada um à sua sorte, continua a prolongar o dever de contribuição para os casos em que o divórcio opere um lançamento em miséria.

Portanto, a operação a fazer é somar as despesas da Autora, do agregado familiar da Autora, passa-las pelo crivo da necessidade básica, e perceber se este agregado consegue viver no limiar da sobrevivência digna – retribuição mínima mensal garantida. Se conseguir, não demonstrará a Autora a sua necessidade. 

No caso concreto temos €709,00 entre consumos domésticos, alimentação, prestação de crédito bancário habitação e passe social, para três pessoas.

Acrescem 314,36 relativos ao imóvel que a mãe da Autora lhe doou, e que representam uma verdadeira despesa, no sentido de que não é ainda possível vender o imóvel em função do valor superior em dívida ao Banco. Porém, se é em função da não interposição de recurso subordinado ou de ampliação do objecto do recurso por parte do Réu que podemos ter tal facto como provado, não obstante H... assegurar que é ele que paga a parte das despesas do imóvel, a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, tal despesa se resolverá num acréscimo patrimonial próprio da Autora. Entendemos assim que não devemos levar tal despesa em consideração.

Acresce que o Réu nunca pagou a pensão alimentar à filha B....

Considerando que €250,00 de crédito habitação não representa qualquer luxo, pois que não é possível arrendar uma casa, sequer um quarto para três pessoas, por esse preço; considerando que a obrigação alimentar a filhos tem prevalência sobre a obrigação ao ex-cônjuge, e que por isso não é através da fixação desta que se supre o não pagamento daquela; tudo considerado, e sobretudo considerado que a Autora não vive sozinha, que o seu emprego e o salário respectivo indiciam emprego a tempo integral, e que a sua idade dificilmente lhe permite que procure mais trabalho, o valor de despesa montando a €709,00, e não se vendo qualquer ultrapassagem do limiar da dignidade tendo como referência a retribuição mínima mensal garantida e que naturalmente deve ser ponderada com acréscimo em virtude da composição plural do agregado, acréscimo ao menos correspondente a metade duma RMMG, entende-se que está demonstrado que a Autora, tendo disponível mensalmente € 471,70, não tem condições de sustentabilidade própria, ou seja, carece de alimentos, na medida da diferença entre €709,00 e € 471,70, ou seja, €237,30.

Vejamos agora se o Réu tem capacidade para lhos proporcionar e em que medida:
Entre podermos dividir € 16.507,00 por 12 meses, relativamente ao ano de 2014 (sendo porém que existe uma diferença para mais relativamente a multiplicarmos o ordenado de Dezembro de 2016 por 14, a explicar porventura em termos de horas de trabalho suplementar), e entre os € 1.047,14 no mês de Dezembro de 2016, incidindo uma penhora e descontos legais no montante de € 473,18 recebendo o valor líquido de € 573,96, o facto é que o rendimento disponível do Réu não distará muito destes € 573,96, sendo certo que não temos quaisquer dados relativamente à possibilidade do Réu fazer horas suplementares, cuja decisão de fazer lhe não compete, ou arranjar ocupação adicional.

Donde, e apesar do Réu não ter contestado e portanto não ter demonstrado quaisquer despesas suas, e sendo certo que a Autora não invocou outros rendimentos do Réu senão os do trabalho ou que o Réu beneficiasse da ajuda de quem quer que fosse, ou que a sua actual companheira tivesse situação económica folgada, o mesmo argumento acerca do limiar da sobrevivência digna importa aqui utilizar, ou seja, há-de presumir-se que não é possível ao Réu sobreviver com menos do que a RMMG. Assim, se descontarmos €557,00 a €573,96, apuramos um rendimento disponível, uma capacidade de ajudar, digamos, de €23,96.

É certo que quando o desconto no salário do Réu relativo à penhora existente terminar de ser feito, outras contas poderão ser feitas. Mas no presente, e tendo em conta que a notificação da entidade patronal para proceder aos descontos mensais relativos a essa penhora data de 21.7.2016, não se afigura que tais descontos estejam a terminar brevemente.

Por isso, com os factos que temos no presente, não é possível condenar – por força do outro pressuposto da obrigação alimentar que é a capacidade do obrigado – o Réu a pagar à Autora uma pensão em valor superior ao disponível, ou seja €23,96.

Considerando a necessidade da Autora e a capacidade do Réu, dá-se assim parcial provimento ao recurso, julgando-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, e em conformidade revoga-se a decisão recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão que condena o Réu a pagar à Autora a pensão de alimentos no valor mensal de €23,96 (vinte e três euros e noventa e seis cêntimos), desde a data de propositura da presente acção, a pagar até ao dia 30 de cada mês, por transferência bancária ou depósito para a conta bancária titulada pela Autora, com o IBAN PT50 0018 0000 3867 1992 0012 3, actualizável anualmente de acordo com o índice de inflação.  

Custas pela Autora e pelo Réu, na proporção do respectivo decaimento – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficia a Autora.

V.Decisão.
Nos termos supra expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão que julga a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, e em consequência condena o Réu a pagar à Autora pensão de alimentos no valor mensal de €23,96 (vinte e três euros e noventa e seis cêntimos), desde a data de propositura da presente acção, a pagar até ao dia 30 de cada mês, por transferência bancária ou depósito para a conta bancária titulada pela Autora, com o IBAN PT50 0018 0000 3867 1992 0012 3, actualizável anualmente de acordo com o índice de inflação.  
Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.



Lisboa, 28/9/2017



Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
                        

                          
Decisão Texto Integral: