Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32485/15.5T8LSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
PROCESSO DISCIPLINAR
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I–A mera omissão na papeleta hospitalar junta ao Procedimento Disciplinar da referência à convulsão sofrida pela doente não viola, de forma absoluta e irremediável, o direito de defesa do trabalhador arguido.
II–O legislador laboral, para efeitos de verificação da invalidade insanável do procedimento disciplinar, reconduz essencialmente tal direito de defesa à possibilidade oportuna e esclarecida de resposta à Nota de Culpa, com a indicação da prova que entender por pertinente, bem como à prévia consulta dos elementos existentes no dito procedimento, com vista a preparar devida e objetivamente essa sua defesa.
III–Constitui justa causa de despedimento a conduta do Autor que, com a categoria profissional de assistente operacional e a desempenhar funções no Hospital de Santa Maria, se recusou, de forma intencional e reiterada, a prestar auxílio imediato a uma doente que havia sido acometida de uma convulsão e que, encontrando-se a cair da cadeira de rodas onde se encontrava sentada, tinha de ser colocada numa maca.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


AAA,  Assistente Operacional, residente na Rua …, veio, com o patrocínio do magistrado do Ministério Público e através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor … ação especial regulada nos artigos 98.º-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora BBB e com sede na Avenida (…).

Designada data para audiência de partes, por despacho de fls. 23, que se realizou, com a presença das partes (fls. 43 a 45) - tendo o Réu sido citado para o efeito a fls. 25 e 46, por carta registada com Aviso de Recepção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.

Regularmente notificada para o efeito, o Réu apresentou articulado motivador do despedimento, assim como o processo disciplinar, quer por cópia junta à ação, quer na sua versão original e que se encontra apensa por linha aos autos.

Na sua motivação de despedimento alegou o Réu, muito em síntese, que o despedimento ocorreu na sequência de processo disciplinar regular e que se verificaram a prática pelo trabalhador de factos integradores de justa causa de despedimento.

Conclui, nos seguintes termos o seu articulado motivador:
«Nestes termos e nos melhores de direito com o mui douto suprimento de V. Exa:
a)Deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, declarando-se a regularidade e licitude do despedimento dos Autor, com as demais consequências legais daí decorrentes;
À cautela, e sem conceder, na eventualidade de ser julgada procedente a presente ação, deverá V. Ex.ª:
B)Considerar, em sede de eventual – mas que se reitera, não se concede – condenação do Réu no pagamento de salários de tramitação, a dedução dos valores entretanto recebidos pelo Autor a título de subsídio de desemprego ou remuneração por outra atividade profissional e que este deverá informar aos presentes autos, bem como a Segurança Social, notificada para o efeito, o que se requer, para os efeitos aqui em causa».      

O Autor veio responder atempadamente a tal motivação do despedimento,

O trabalhador apresentou, a fls. 467 e seguintes, contestação onde impugnou os factos constantes da motivação e pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e suas legais consequências (reintegração e retribuições vencidas e vincendas, assim como os correspondentes juros de mora, desde a data do despedimento até à data da decisão final).

Em reconvenção pede o trabalhador a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 557,10 (quinhentos e cinquenta e sete euros e dez cêntimos) a título de subsídio de férias não gozadas referentes ao ano de 2014 e a quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidas todas as quantias de juros de mora desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

Notificado (fls. 575 e 576?), o Réu respondeu ao articulado do Autor, impugnando a matéria atinente à reconvenção e culminando tal reposta da seguinte forma (fls. 577 e seguintes):
«Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá:
1)Devem ser dados como não escritos os artigos 115.º e 116.º do articulado de motivação do despedimento, por se tratarem de mero lapso do Réu;
2)Deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional relativo à condenação do Réu no pagamento da remuneração correspondente às férias vencidas em 2015 e não gozadas e, em consequência, ser o Réu absolvido do pedido;
3)Deve ser julgado inadmissível o pedido reconvencional de condenação do Réu no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da alegada discriminação, ou, caso assim não se entenda, o que se prevê sem conceder, ser o mesmo julgado totalmente improcedente, por não provado e, em consequência, ser o réu absolvido do pedido;
4)Deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional de condenação do Réu no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do alegado stress e ansiedade provocados pelo processo disciplinar provado e, em consequência, ser o réu absolvido do pedido;
Tudo com as legais consequências, reiterando-se que deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, declarando-se a regularidade e licitude do despedimento do Autor.»       

O Autor veio apresentar um articulado superveniente que, tendo merecido a oposição do Réu, foi mandado desentranhar pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, conforme ressalta de fls. 592 a 606 e do despacho judicial de fls. 623 a 625. 

Foi proferido, a fls. 623 a 628, despacho saneador, onde se admitiu a retificação do lapso de escrita do articulado de motivação do Réu, se rejeitou o articulado superveniente deduzido pelo Autor, se admitiu o pedido reconvencional apenas na parte em que o Autor peticiona a condenação do Réu em indemnização por danos não patrimoniais por assédio moral e no pagamento de férias não gozadas, se fixou o valor da reconvenção em € 22.557,10, relegando-se para final a quantificação do valor da ação, se considerou válida e regular a instância, se dispensou a realização da Audiência Prévia, bem como a seleção dos factos assentes e controvertidos, tendo-se admitido o depoimento de parte e rejeitado as suas declarações de parte, o rol de testemunhas de fls. 48 e seguintes (Réu), se ordenou a regularização eletrónica do rol de testemunhas do Autor [[1]], se admitiu os documentos juntos pelas partes se manteve a Audiência de Discussão e Julgamento para a data que já se achava designada [[2]].

Foi indeferida a apensação à presente ação da ação de cariz laboral também proposta pelo Autor contra o aqui Réu e onde, entre outros pedidos, se impugna a sanção disciplinar que lhe foi aplicada de 3 dias em retribuição, apensação essa pretendida pelo Réu, sem oposição do Autor (fls. 751 a 952).   

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 963 a 965, 975 a 982, 983 a 986 e 1008 a 1013), tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio e as partes chegado a acordo quanto a alguns dos factos alegados, no início da segunda sessão da dita Audiência Final.

Foi então proferida a fls. 1018 a 1074 verso e com data de 11/07/2016, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“3.1.-Julgo improcedente a oposição apresentada pelo/a trabalhador/a ao despedimento que considero regular e lícito.
3.2.-Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condeno o Réu BBB a pagar ao Autor quantia ilíquida de € 25,32 (vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos), acrescida tal quantia de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
3.3.-Custas da ação a cargo do Autor/trabalhador (art.º 527.º Código Processo Civil).
3.4.-Custas da reconvenção a cargo do Autor/trabalhador e da entidade empregadora/Réu na proporção de 89% e 11%, respetivamente (art.º 527.º Código Processo Civil).
Registe e notifique.
*

Valor da causa: € 24.557,10 (vinte e quatro mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e dez cêntimos) sendo € 2.000,00 referente à ação principal e € 22.557,10 referente à ação reconvencional - art.º 98.º-P, do CPT.
*

Após trânsito comunique a decisão à Segurança Social para efeitos do artigo 390.º, 1, c), CT.”.
*

O Autor AAA inconformado com tal sentença, veio, a fls. 1080 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 1208 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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O Apelante apresentou, a fls. 1081 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
“I.-A Douta Sentença recorrida revela-se tremendamente injusta tendo em conta a factualidade articulada e a prova produzida.
II.-O processo disciplinar apresenta-se inválido, em virtude de ter sido violado o direito de defesa do arguido, visto o Tribunal a quo ter considerado que a informação médica sobre a doente não era necessária por ter sido junto a requisição do exame da doente.
(…)
VIII-O comportamento do Requerente não se enquadra nas normas que prevê o despedimento com justa causa.
IX-Dispõe o art.º 351.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, que constitui justa causa de despedimento o comportamento do Trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.
X-Ora, da matéria dada como provada e dos factos provados integrantes da decisão recorrida, ficou bem evidenciada a especial circunstância dos factos e as qualidades profissionais do Recorrente.
XI-Daí que a sanção despedimento que lhe foi aplicada pelo Recorrido no despedimento se mostre inadequada, cuja licitude por esta via se impugna.
XII-Não se encontram reunidos todos os pressupostos que possam levar ao despedimento do trabalhador pelo facto de a entidade empregadora não ter comprovado que era necessária a presença do trabalhador junto da doente e por o comportamento do trabalhador não ter tido consequências danosas quer para a doente, quer para o empregador.
XIII-Assim não tendo entendido, violou a douta sentença recorrida os art.ºs 34.º da CRP, 4.º do CPC, 356.º, 330.º-1 e 351.º -1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/2.
Termos em que, e nos demais de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer que seja revogada a douta sentença recorrida - por erro de julgamento e substituída por outra que altere a resposta dada aos factos provados sob os n.ºs 37, 39, 40, 42, 43, 45, 46, 47 e 50, e aos factos não provados sob os n.ºs 49, 55 e 56, e, em, consequência seja declarado inválido o procedimento disciplinar e considere julgada procedente por provada a presente ação, por ter sido ilícito e irregular o despedimento do Autor por não se encontrarem reunidos os pressupostos para a justa causa de despedimento, dado que o comportamento do Autor não se enquadra nas normas que prevê o despedimento com justa causa, visto não ter havido qualquer consequência ou prejuízo concreto, quer para a doente, quer para o empregador, e o Recorrido condenado nos pedidos contra si formulados, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!”
*

O Réu BBB apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, na sequência da respectiva notificação, conforme ressalta de fls. 1118 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A)Ao contrário do que tenta, em vão, fazer crer o Recorrente, foram, pois, juntos aos autos todos os documentos requeridos e que interessavam a matéria constante dos presentes autos, e embora relativos a atos médicos, cuja revelação dos mesmos não abarca informação sujeita a sigilo e da reserva da vida privada da doente;
B)Por outro lado, deve o documento junto como “Doc. n.º 1” nas doutas alegações do Recorrente ser liminarmente rejeitado porquanto não preenche os requisitos resultantes da necessária leitura conjunta do disposto no n.º 1 do artigo 651.º 425.º, ambos do Código de Processo Civil.
(…)
S)O Recorrente violou, de forma consciente, culposa e gravosa, os deveres de respeito (artigo 128.º/1, alínea a) do CT) e, cumulativamente, o dever de zelo (artigo 128.º/1, alínea c) do CT);
T)A violação dos deveres jus-laborais por parte do Recorrente decorrente dos factos enunciados, pela sua gravidade, revela, objetivamente, uma completa desadequação no respeito dos interesses do Recorrido empregador, criando no mesmo justificadas dúvidas sobre a adequabilidade do mesmo àquelas funções no futuro, o que torna, assim, impossível a manutenção da relação laboral;
U)O comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho;
V)O contrato de trabalho é um contrato intuitu personae e, como tal, uma das suas principais características reside na relação de confiança entre as partes envolvidas;
W)O Recorrente, com o seu comportamento culposo, isoladamente e no seu conjunto, pela sua gravidade e consequências, quebrou, em absoluto, a confiança necessária e indispensável à subsistência de uma relação de trabalho;
X)Com efeito, as descritas condutas do Recorrente sem qualquer comportamento com vista a, pelo menos, sanar os efeitos que dai resultaram diretamente, são por si só bastante elucidativos quanto à falta de zelo do mesmo em relação às funções que deixou de desempenhar, quanto aos colegas e à organização de prestação de cuidados de saúde que prejudicou…
Y)Com efeito, colocou, assim, em causa, de forma grave e irremediável, a indispensável relação de confiança estabelecida entre o empregador e o trabalhador e necessária para a boa prossecução do vínculo laboral.
Z)Constata-se, assim, que se verifica justa causa para o despedimento do Recorrente, uma vez que este agiu com culpa e consciente do impacto e prejuízo que o seu comportamento causaria aos seus colegas e ao serviço e, para além disso, ao atuar deste modo prejudicou irremediavelmente a relação de confiança com o Recorrido que, como bem se compreende, é essencial e necessária para a manutenção do contrato de trabalho;
AA)Cabe concluir que, dito isto, e sendo tal sanção adequada e proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator tal como demonstrado no processo disciplinar, um Hospital é uma instituição com centenas e centenas de trabalhadores, deve pautar o seu comportamento por ditames paritários e exemplares, bem como equitativos, iguais para com todos, e a confiança de um profissional de saúde e dos que prestam apoio a estes, é um elemento basilar no tratamento de um doente que procura assistência hospitalar;
BB)Termos em que, ferida a confiança, posta em crise a falta de zelo e o dever de respeito para com o Recorrido e demais colegas, foi (e bem) decidido aplicar ao Recorrente a sanção disciplinar de despedimento, sem qualquer indemnização ou compensação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do CT;
CC)Assim Venerandos Desembargadores, em suma, a douta Sentença posta em crise pelo Recorrente deve ser mantida, sob pena da alteração tentada em vão (espera-se) por este Ultimo consubstanciar, salvo o devido respeito, uma flagrante in justiça para o Recorrido que não se pode compadecer com trabalhadores que se recusam a prestar o mais elementar e direto ato para o qual o seu funcionamento está vocacionado: prestar cuidados de saúde aos cidadãos utentes.
DD)E, por conseguinte, deve manter-se a boa valoração da prova produzida e assim, a correta aplicação do direito promovida pelo tribunal a quo, é decidir com a costumada e esperada Justiça.
NESTES TERMOS, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a douta Sentença recorrida, com as devidas consequências legais».
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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 1223 a 1224), não tendo as partes se pronunciado acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS.

Foram considerados provados e não provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância:
«Com relevância para a discussão da causa estão provados os seguintes factos:
1.-O Autor foi admitido para trabalhar, sob autoridade e direção do Réu, com a categoria de assistente operacional.
2.-O Autor exercia, até há cinco anos, um mês e dez dias, funções no Serviço de Imagiologia do Hospital (…).
3.-O Autor auferia, ultimamente, a retribuição base ilíquida de € 557,10 (quinhentos e cinquenta e sete euros e dez cêntimos) acrescidos de subsídio de alimentação no montante de € 4,27 por cada dia efetivo de trabalho.
4.-Por deliberação do Conselho de Administração, de 31.07.2014, foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição, graduada em 3 (três) dias, executada entre os dias 07.08.2014 a 09.08.2014.
5.-Na sequência dos factos participados por ofício/participação da Directora do Serviço (…), junto a fls. 1 do processo disciplinar e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, subscrito igualmente pela Sra. Dra. (…), Coordenadora do Serviço de (…), o Conselho de Administração do Réu deliberou, em 10.07.2015, instaurar ao Autor um processo disciplinar com vista ao seu despedimento.
6.-A participação referida no número anterior foi suportada pelas ocorrências apresentadas pela Técnica Subcoordenadora do Serviço de (…) e pela Assistente (…).
7.-De acordo com a deliberação do Presidente do Conselho de Administração referida em 5. foi nomeada instrutora do procedimento disciplinar a Senhora Dra. (…) coadjuvada pela Senhora Dra. (…)
8.-Em 27.07.2014, o Réu comunicou por escrito junto a fls. 13 do processo disciplinar e entregue em mão ao Autor que por deliberação de 10.07.2015 foi-lhe instaurado processo disciplinar com intenção de despedimento e que se encontrava suspenso preventivamente a partir daquela notificação.

9.-Em anexo à comunicação referida em 6. foi anexada Nota de Culpa onde consta assinaladamente o seguinte:
«(…).

Art.º 1.º
O trabalhador está ao serviço do BBB há 5 anos, 1 mês e 10 dias, a exercer funções no Serviço de (…) titulado por contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com 5 anos, 1 mês e 10 dias de tempo na carreira e categoria de assistente operacional, (à data de 21.07.2015) atualmente com horário atribuído das 08h30 às 17h00.
Art.º 2.º
No dia oito de Julho do corrente ano, cerca das 14h30, a assistente técnica do serviço de (…), foi alertada na receção do mesmo serviço, por uma enfermeira que aguardava a marcação de um exame, de que uma utente que se encontra no local de cadeira de rodas, estava a ter uma convulsão.
Art.º 3.º
Perante a ocorrência descrita e a necessidade de prestar assistência com urgência à utente identificada como (…), a referida assistente técnica, com a colaboração da enfermeira (…), que veio também em auxílio, tentaram levantar a senhora para viabilizar a necessária assistência que se requeria de imediato, contudo estas duas, também com a colaboração de uma outra enfermeira que se prontificou a colaborar, não conseguiram mobilizar a utente, por se tratar de pessoa muito pesada.
Art.º 4.º
Nesse momento, a assistente técnica (…), requereu a colaboração dos profissionais que se encontravam no local, assistente operacional (…) e assistente operacional (…), referindo-lhes que era urgente auxiliar uma doente, que se estava a sentir mal e com convulsões.
Art.º 5.º
O assistente operacional (…), que no momento se encontrava sentado junto a uma secretária no corredor do RX e desocupado, perante o apelo da assistente técnica (…), disse-lhe que não ia prestar o referido auxílio.
Art.º 6.º
Também a técnica de imagiologia (…) presente no local, disse ao assistente operacional (…) para ir ajudar a doente, o que este recusou.
Art.º 7.º
Nesta altura, a assistente técnica (…), chocada com a atitude do assistente operacional (…) disse-lhe “Parece impossível! Se fosse um familiar teu com certeza não gostaria que fizessem o mesmo”.
Art.º 9.º
A assistente técnica (…), deixou o local e dirigiu-se de imediato para junto da utente, para a auxiliar.
Art.º 10.º
São testemunhas dos factos descritos nos art.º 1.º a 8.º as seguintes: Assistentes Técnicas (…) e (…), Enfermeira (…), Técnica (…),  Assistente Operacional (…), todos do serviço de imagiologia.
Art.º 11.º
Ao atuar do modo descrito nos art.ºs 1.º e 9.º de forma consciente, e extrema gravidade, negando auxílio a uma doente, incorreu o arguido na violação dos seus deveres funcionais de respeito e zelo, nos termos do artigo 128º do Código do Trabalho e ainda os especiais atinentes ao exercício de funções enquanto profissional de saúde que são de interesse público, nomeadamente quanto ao respeito pela vida e pelos direitos dos doentes, que lhe cumpre observar, nos termos do disposto na Lei de Base da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 08 de Novembro, o que no caso concreto da referida doente, não fez. (…).”

10.-À data, o Autor não era representante sindical, não existindo qualquer registo nesse sentido, e não se encontrava constituída no Réu Comissão de Trabalhadores, razão pela qual não foram remetidas cópias da comunicação e da nota de culpa a qualquer Associação Sindical ou Comissão de Trabalhadores.
11.-Em 28.07.2015, o Autor consultou o processo e requereu à Instrutora cópia da participação disciplinar, dos autos de declarações de testemunhas e do processo disciplinar.
12.-Em 29.07.2015, foi entregue ao Autor pela instrutora do processo disciplinar cópia simples integral do processo disciplinar.
13.-Em 07 de Agosto de 2015 o Autor respondeu à nota de culpa, por resposta entregue pessoalmente no Gabinete Jurídico do Réu.
14.-Na resposta à nota de culpa, o Autor requereu como diligências de prova a inquirição de testemunhas e a junção aos autos aos autos da requisição do exame realizado pela Técnica (…), com data de hora de atendimento da doente, de informação sobre o episódio de dia 08.07.2015, das suas escalas de serviço no período de 01.08.2014 a 27.07.2015, de informação relativa às suas funções e sobre quantos assistentes operacionais existem no serviço de Imagiologia e quais os postos de trabalho atribuídos.
15.-Em 14.09.2015, foram notificadas ao Autor e à Exma. Senhora Dra. (…), respetiva Mandatária, que as inquirições das testemunhas requeridas na resposta à nota de culpa teriam lugar nos dias 16.09.2015 e 17.09.2015, com início pelas 10h00, no Gabinete Jurídico – Piso 8, elevador 6 ou 11 e foi solicitada a identificação completa da testemunha ali indicada como “Enf.ª. (…)”.
16.-Em 16.09.2015, 01.10.2015 e 09.10.2015, foi a Mandatária do Autor notificada da realização das inquirições de testemunhas, no mesmo local, nos dias 17.09.2015 e 29.09.2015, bem como no dia 15.10.2015, reagendado para 20.10.2015 por indisponibilidade da Mandatária do Autor e, posteriormente, para o dia 29.10.2015.
17.-No dia 17.09.2015, pelas 15h00, prestou depoimento a testemunha (…)  assistente operacional do Serviço de Imagiologia indicada pelo Autor.
18.-No dia 17.09.2015, pelas 15h20, prestou depoimento a testemunha (…), Técnico do Serviço de Imagiologia, indicada pelo Autor.
19.-No dia 17.09.2015, pelas 15h40, prestou depoimento a testemunha (…), Assistente Operacional do Serviço de Imagiologia, indicada pelo Autor.
20.-No dia 29.09.2015, pelas 14h00, prestou depoimento a testemunha (…)  Técnica do Serviço de Imagiologia, indicada pelo Autor.
21.-No dia 29.09.2015, pelas 14h20, prestou depoimento a testemunha (…), Enfermeira Chefe do Serviço de Medicina IC, indicada pelo Autor.
22.-No dia 29.09.2015, pelas 14h40, prestou depoimento a testemunha (…), Técnica do Serviço de Imagiologia, indicada pelo Autor.
23.-No dia 29.10.2015, pelas 09h30, prestou depoimento a testemunha (…), Técnico do Serviço de Imagiologia, indicada pelo Autor.
24.-No dia 29.10.2015, pelas 09h45, prestou depoimento a testemunha (…), Técnico do Serviço de Imagiologia, indicada pelo Autor.
25.-No dia 29.10.2015, pelas 11h00, prestou depoimento a testemunha (…), indicada pelo Autor.
26.-No dia 08.07.2015 (…) que está inscrito no (…) não realizou qualquer exame no Serviço de Imagiologia.
27.-Por despacho do dia 29.10.2015 proferido no processo disciplinar foi decidido pela Senhora Instrutora do processo inquirir as testemunhas arroladas no artigo 10.º da nota de culpa exclusivamente quanto aos factos constantes da nota de culpa.
28.-Na mesma data, foram Autor e o seu Mandatário notificados para a inquirição das mencionadas testemunhas no dia 04.11.2015.
29.-No dia 04.11.2015, pelas 09h30, prestou depoimento a testemunha (…), Assistente Técnica do Serviço de Imagiologia indicada pelo Réu.
30.-No dia 04.11.2015, pelas 09h30, prestou depoimento a testemunha (…), Assistente Técnica do Serviço de Imagiologia indicada pelo Réu.
31.-No dia 06.11.2015, a Senhora Instrutora do processo, decidiu prescindir do depoimento da testemunha (…)  por considerar que “atenta ao desenrolar da instrução, em especial à prova já feita nesse dia, resultante do depoimento das duas testemunhas que antecederam a Enf.ª (…), não ser necessário à instrução do presente processo o depoimento da referida testemunha (…).”
32.-Foi elaborado Relatório Final datado de 09.11.2015 e, nessa mesma data, foi deliberado pelo Conselho de Administração, órgão com competência disciplinar na estrutura orgânica do Réu, acolher proposta da instrutora e aplicar ao Autor sanção disciplinar de despedimento com justa causa e sem direito a indemnização.
33.-Na data do despedimento, o Autor não era representante sindical de acordo com os registos do Réu e não se encontrava constituída uma Comissão de Trabalhadores no (…), razão pela qual não houve solicitação de parecer prévio ao despedimento a qualquer associação sindical ou comissão de trabalhadores.
34.-Por comunicação de 18.11.2015, foi solicitada a comparência pessoal do Autor no Gabinete Jurídico de (…)  para efeitos de notificação judicial.

35.-No dia 20.11.2015, foi entregue ao Autor cópia da decisão do Conselho de Administração de 12.11.2015, que determinou a aplicação da pena de despedimento sem indemnização com efeitos a partir daquela data anexando relatório final de fls. 278 a 296 do processo disciplinar, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:
“(…).
2. Quanto à matéria que integra os art.ºs 12.º a 14.º da nota de culpa
(…), esta situação caracterizada por alguma indefinição nas instruções dadas, tal como descrita, não pode ser imputada, no domínio disciplinar, ao arguido, pelo que, porque insubsistente no que respeita aos art.ºs 13.º e 15.º não pode ser considerada no âmbito do presente processo e apreciação que aqui se faz.
(…).”

36.-O Autor estava ao serviço do BBB,  há cinco (5) anos, um (1) mês e dez (10) dias, a exercer funções no Serviço de Imagiologia do  Hospital (…), do BBB ora Réu titulado por contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com cinco (5) anos, um (1) mês e dez (10) dias de tempo na carreira e categoria de assistente operacional (à data de 21.07.2015), com horário atribuído das 08h30m.
37.-No dia 08.07.2015, cerca das 14h30m, a assistente técnica do Serviço de Imagiologia do (…), foi alertada na receção do mesmo serviço, por uma enfermeira que aguardava a marcação de um exame, de uma doente, identificada como (…), que se encontrava no local em cadeira de rodas, estava a ter uma convulsão.
38.-A doente em causa encontrava-se naquele momento na sala de espera para que fosse transportada ao serviço de internamento e posteriormente remarcado um exame RX agendado mas não realizado e cancelado em virtude de a mesma, apesar de lúcida e consciente, se encontrar muito agressiva para com a técnica do Serviço de Radiologia (…) e o assistente operacional presentes, não apresentando qualquer perturbação de saúde no momento em que seria suposto realizar tal exame.
39.-Perante a ocorrência da convulsão sofrida pela doente e a necessidade de prestar assistência técnica à mesma, a referida assistente técnica, com urgência à mesma, com a colaboração da enfermeira (…), que veio também em auxílio, tentaram levantar a senhora para viabilizar a necessária assistência que se requeria de imediato.
40.-A assistente técnica e a enfermeira, mesmo com a colaboração, não conseguiram mobilizar a doente, por se tratar de uma pessoa muito pesada, se encontrar mal posicionada na cadeira de rodas e não colaborava como o seu posicionamento a fim de ser transferida para uma maca.
41.-Nesse momento, a assistente técnica (…), requereu a colaboração dos profissionais que se encontravam no local, assistente operacional (…) e assistente operacional (…), referindo-lhes que era urgente auxiliar uma doente, que se estava a sentir mal e com convulsões.
42.-O assistente operacional (…), ora Autor, que no momento se encontrava sentado junto a uma secretária no corredor do RX e desocupado, perante o apelo da assistente técnica (…), disse-lhe que não ia prestar o referido auxílio.
43.-O Autor, quando abordado pela assistente técnica (…), não estava ocupado com tarefas de serviço, nem a ajudar o técnico (…) na sala de RX, estava sentado em cadeira junto a secretária com computador, no corredor interno de serviço.
44.-Todos os presentes no corredor interno, ou salas de trabalho que neste se situam, nomeadamente a (…), a enfermeira (…), a Técnica (…) e o assistente operacional (…), ouviram o pedido de auxílio da assistente técnica (…) que se referia a uma doente que se estava a sentir mal.
45.-A técnica de imagiologia (…) presente no local, disse ao Autor para ir ajudar a doente, o que este recusou.
46.-A assistente técnica (…), chocada com a atitude do Autor disse-lhe, “Se fosse um familiar teu com certeza não gostarias que fizessem o mesmo”.
47.-O Autor disse para a assistente (…)  “você não manda em mim, eu faço o que me apetece”, mantendo a recusa no auxílio à doente.
48.-A assistente técnica (…) deixou o local e dirigiu-se para a sala onde estava a utente.
49.-O assistente operacional (…) assim que ouviu o pedido foi de imediato buscar uma maca e ajudou a colocar a utente na maca.
50.-A colocação da utente na maca, para permitir o auxílio, só foi possível realizar com a ajuda de assistente (…) e outro colega.
51.-A doente foi levada para o respetivo serviço onde se encontrava internada passando à situação de intransportável.
52.-O Autor em período não concretamente apurado mas anterior a 2011 exerceu funções de estafeta nos serviços financeiros do Réu, designadamente no Hospital (…).
53.-O Autor aquando do nascimento do filho gozou dez dias obrigatórios da licença parental nos trinta dias seguintes ao nascimento da criança.
54.-Corre termos no Juiz 8 da 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central de Lisboa o processo sob o n.º 498/15.2T8LSB, onde o ora Autor impugnou a sanção disciplinar de três dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade.
55.-O Autor apresentou queixa-crime contra a sua superior hierárquica (…) que foi arquivada.
56.-O Autor solicitou ao Diretor de Recursos Humanos do Réu uma reunião nos termos que constam do documento de fls. 577 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
57.-A mandatária apresentou a reclamação contra o comportamento de (…) nos termos que constam do documento de fls. 579 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
58.-O Presidente do Conselho de Administração do Réu apresentou queixa-crime contra a mandatária do Autor que foi arquivada.
59.-Do corredor interior do serviço não é possível visionar o que se passa na sala de espera.
60.-O Autor apresentou queixa-crime por furto nos termos que constam de fls. 589 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
61.-O Autor efetuou junto da Administração do BBB, da Direção de Recursos Humanos e da (…), sua superior hierárquica, as queixas que constam das comunicações juntas a fls. 590 e segs. dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
62.-Em consequência do despedimento o Autor sentiu-se angustiado e teve de recorrer à ajuda monetária de familiares.
63.-O Autor era um bom trabalhador.
64.-O Autor requereu várias vezes a alteração de horário sendo da última vez deferida pelo Réu apenas após o parecer da CITE a favor da pretensão daquele.
65.-Em Dezembro de 2015 foi pago ao Autor a quantia de € 531,78 a título de vinte e um dias de férias não gozadas.
*
(…)
*
III–OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.
(…) 

B–IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
(…)

D–OBJETO DA APELAÇÃO – QUESTÕES DE DIREITO – NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

O Autor vem suscitar, já na parte jurídica do seu recurso de Apelação, a seguinte nulidade do procedimento disciplinar contra ele instaurado pelo Réu:
«II. O processo disciplinar apresenta-se inválido, em virtude de ter sido violado o direito de defesa do arguido, visto o Tribunal a quo ter considerado que a informação médica sobre a doente não era necessária por ter sido junto a requisição do exame da doente.»
Ir-se-á analisar de imediato tal problemática sem deixar de atentar primeiramente no que se deixou afirmado na sentença recorrida
(…)

E–VÍCIOS DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – REGIME LEGAL.

Antes de abordarmos o vício de cariz formal imputado pelo Autor ao procedimento disciplinar ou, pelo menos, a alguns dos seus atos ou fases, importa chamar à colação as disposições legais que regulam tal matéria no âmbito do Código do Trabalho de 2009 e que são as seguintes:

SUBSECÇÃO II
Ilicitude de despedimento

Artigo 381.º
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento.
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a)Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b)Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c)Se não for precedido do respetivo procedimento;
d)Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Artigo 382.º
Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
1-O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º[[3]], ou se o respetivo procedimento for inválido.
2-O procedimento é inválido se:
a)Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b)Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c)Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d)A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º [[4]] ou do n.º 2 do artigo 358.º[[5]].   

Importa ainda chamar também aqui à boca de cena os artigos 357.º, 387.º e 389.º do mesmo diploma legal, que possuem a seguinte redação:

Artigo 357.º
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
1-Recebidos os pareceres referidos no n.º 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2-Quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução.
3-(Revogado.)
4-Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5-A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
6-A decisão é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador, à comissão de trabalhadores, ou à associação sindical respetiva, caso aquele seja representante sindical ou na situação a que se refere o n.º 6 do artigo anterior.
7-A decisão determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.
8-Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o despedimento de trabalhador com violação do disposto nos n.ºs 1, 2 e 5 a 7. 

Artigo 387.º
Apreciação judicial do despedimento.
1-A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
2-O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte.
3-Na ação de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
4-Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.

Artigo 389.º
Efeitos da ilicitude de despedimento.
1-Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a)A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b)Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º.
2-No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 356.º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 391.º
3-Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.   

Ora, a primeira conclusão que há que retirar de tal quadro legal é que existe um número fechado e típico de causas insanáveis de invalidade do procedimento disciplinar que provocam a sua ilicitude, já não derivando das outras irregularidades procedimentais que possam ser assacadas a tal processo disciplinar a nulidade deste último mas, quanto muito, as consequências adjetivas e substantivas derivadas dos números 4 do artigo 387.º e número 2 do artigo 389.º do CT/2009.  
     
F–DIMINUIÇÃO DAS GARANTIAS DE DEFESA DO AUTOR NO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.

Temos de concordar com a decisão judicial do Tribunal do Trabalho de Lisboa na análise que faz da questão em apreço, pois que, compulsado o Processo Disciplinar, na sua versão original (apensa por linha à presente ação), verifica-se que o aqui recorrente e ali arguido se limita a pedir, no final da sua «Resposta à Nota de Culpa» (fls. 43), que requer a «junção aos autos da requisição do exame realizado pela técnica (…) da qual conste indicado o dia e a hora do atendimento da doente, bem como informação sobre o episódio do dia 8/07/2015», tendo o instrutor do referido Processo determinado a apresentação da documentação hospitalar de fls. 179 a 182, onde se constata que o pedido de realização de exame radiológico à doente (…) não foi efetuado na hora e local designados, tendo o mesmo acabado por se concretizar já na situação de intransportável de tal doente, a que passou em momento não determinado mas referenciado a fls. 180 (Observações).

O Réu juntou, portanto, a documentação que possuía e que se referia ao doente em causa, ao exame requisitado e às circunstâncias da sua realização, somente aí não surgindo a razão da passagem da paciente a intransportável, o que foi uma opção ou decisão interna dos serviços clínicos e administrativos do Réu que não pode ter como consequência a invalidade perseguida pelo Autor.

Temos mesmo sérias dúvidas de que o Apelado pudesse juntar ao procedimento disciplinar ou mesmo a esta ação judicial a informação ou ficha clínica da referida doente (…), sem o prévio conhecimento e consentimento desta última, pois tratam-se de dados pessoais, não apenas protegidos pelo sigilo médico, como pelo direito à intimidade e privacidade da visada.   
  
Finalmente, sendo a causa da passagem da referida paciente a intransportável uma convulsão violenta que a terá acometido, segundo a prova abundante produzida e que sustentou os factos dados como provados a esse respeito, importa realçar que tal «convulsão» não se traduz num fenómeno físico de cariz interno e invisível ou impercetível para quem esteja a observar a pessoa afetada pela mesma mas antes se reflete exteriormente, de forma objetivamente detetável e, as mais das vezes, exuberantemente, não se exigindo assim como único meio probatório da sua verificação ou não verificação a junção da tal informação ou ficha clínica da doente em questão.

Não vemos assim como pode o Apelante, no âmbito de tais condições e circunstâncias e com base na mera omissão na papeleta hospitalar da referência à dita convulsão, pretender afirmar que o seu direito de defesa foi absoluta e irremediavelmente ferido de morte.
                   
De qualquer maneira, temos para nós que o legislador laboral, para efeitos de verificação da invalidade insanável do procedimento disciplinar, reconduz essencialmente tal direito à possibilidade oportuna e esclarecida de resposta à Nota de Culpa, com a indicação da prova que entender por pertinente, bem como à prévia consulta dos elementos existentes no dito procedimento, com vista a preparar devida e objetivamente essa sua defesa.

Nesse sentido vai MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO [[6]], quando afirma o seguinte:
«Para além destas causas gerais, a ilicitude do despedimento disciplinar ou despedimento por facto imputável ao trabalhador pode ainda resultar das causas específicas enunciadas no art.º 382.º do Código do Trabalho. Estas causas são as seguintes:
i) (…)
ii) Ser o processo disciplinar inválido (art.º 382.º n.º 1 in fine), o que sucederá nas seguintes situações, previstas no n.º 2 deste mesmo artigo:
 - (…)
- Desrespeito pelo princípio do contraditório, que inclui não só a garantia do direito de resposta à nota de culpa como do direito de consulta do processo (art.º 382.º n.º 2 c)];».   
   
Também PEDRO FURTADO MARTINS [[7]], a propósito dos vícios formais invalidantes do procedimento disciplinar [[8]], afirma que o artigo 382.º indica «(…) – o desrespeito do direito de defesa do trabalhador concretizado na indisponibilização do processo para consulta e no não-recebimento da resposta à nota de culpa quando esta é apresentada dentro do prazo  (art.º 355.º);[[9]]».

Importa atentar, mais especificamente, no que este mesmo autor afirma quanto à «exclusão do princípio do contraditório» no quadro da instrução do procedimento disciplinar (melhor dizendo, no que toca à realização das diligências probatórias no seio do mesmo), a páginas 225 e 226 da obra citada:
«A realização das diligências probatórias no âmbito do procedimento de despedimento é da exclusiva competência do empregador ou da pessoa que este designe para o efeito, não sendo obrigatória nem a presença do trabalhador (ou do respetivo mandatário) na inquirição das testemunhas, nem que o trabalhador seja ouvido sobre os elementos de prova carreados para o processo. Como acertadamente lembrou o Tribunal da Relação de Lisboa [[10]], a propósito da natureza não contraditória da instrução, «não estamos em sede de processo judicial, onde esse contraditório tenha de existir, o que bem se compreende dada a menor solenidade do processo disciplinar». De resto, adianta o mesmo tribunal, «esse contraditório — no tocante à possibilidade de contradizer o testemunhal colhido em processo disciplinar — pode ser relegado para a ação de impugnação do despedimento, onde o trabalhador tem a faculdade de alegar tudo o que tenha por pertinente para a sua defesa, designadamente os depoimentos produzidos pelas testemunhas de acusação em sede de processo disciplinar» [[11]].
A exclusão do caráter contraditório da instrução em sede do procedimento de despedimento é, aliás, uma das diferenças que resulta da diversa natureza deste processo privado no confronto com os procedimentos disciplinares públicos e com o processo penal [[12]].
Cumpre referir que, na vigência do Código do Trabalho de 2003, a questão se prestava a algumas dúvidas, dada a infeliz referência que o artigo 430.º, 2, h) fazia ao desrespeito do princípio do contraditório como vício determinante da invalidade do procedimento. É certo que houve o cuidado de explicitar que esse vício se traduzia na não-observância das regras legais sobre a resposta à nota de culpa e a instrução (artigos 413.º e 414.º do CT/2003). De todo o modo, abria-se escusadamente margem para a dúvida, não sendo raro na prática que se sustentasse que as diligências de instrução indicadas no citado artigo 414.º teriam de ser realizadas segundo o princípio do contraditório.
Com a revisão de 2009 deixou de haver fundamento para tais interrogações, pois no atual artigo 382.º, 2, c) indica-se claramente o vício relacionado com a defesa do trabalhador que pode determinar invalidade do procedimento: o desrespeito dos direitos do trabalhador a consultar o processo [[13]] e a responder à nota de culpa dentro do prazo legal.»

Ora, a ser esta a interpretação a fazer das invalidades insanáveis do procedimento disciplinar previstas no n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho de 2009, a não junção da ficha clínica da referida doente nunca constituiria uma nulidade insanável do processo disciplinar, que implique, por arrastamento, a ilicitude do correspondente despedimento com justa causa.

G–OBJECTO DO RECURSO – ILICITUDE DO DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA.

Abordemos agora a outra questão de direito que o Apelante levanta nas suas conclusões e que se centra na inexistência de justa causa de despedimento.

H–REGIME LEGAL APLICÁVEL.
(…)
Analisemos então esta outra problemática do presente recurso, chamando, desde logo, à colação o estatuído nos artigos 128.º e 351.º do Código do Trabalho de 2009, na parte que para aqui releva (sendo que o artigo 357.º já se mostra antes transcrito noutra parte deste Aresto), tendo para o efeito nos socorrido do relatório final do Procedimento Disciplinar e que foi acolhido pelo Conselho de Administração do Réu): 

Artigo 128.º
Deveres do trabalhador.
1–Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a)Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b)(…)
c)Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) (…)
2–(…)

Artigo 351.º
Noção de justa causa de despedimento.
1-Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2–Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a)(…)
d)Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;
e)(…)
3-Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
(…)

J-NOÇÃO JURÍDICA DE JUSTA CAUSA.

O Professor JOÃO LEAL AMADO [[14]], a partir da noção geral de justa causa contida no número 1 do artigo 351.º acima transcrito, refere que “a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infracção disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insusceptível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (…)
As diversas condutas descritas nas várias alíneas do número 2 do artigo 351.º possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1 para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer acção ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico”.
O Professor MONTEIRO FERNANDES[15], segundo esse mesmo autor, defende que “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”, ao passo que o Professor JORGE LEITE [[16]] sustenta que “a gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjectiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objectivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa” e ainda que “uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável”, isto quanto ao requisito legal da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.

Finalmente, a Professora MARIA ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO [[17]], acerca do «conceito geral de justa causa disciplinar», afirma o seguinte:
«A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para despedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT. Estes requisitos, de verificação cumulativa, são os seguintes:
-Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
-A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
-A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador.(…)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. Estes requisitos justificam as seguintes observações:
i)A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.° 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…) 
ii)O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, natural­mente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii)O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não e, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Em interpretação da componente objetiva da justa causa, a jurisprudência tem chamado a atenção para três aspetos essenciais:
i)O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva. (…)
ii) A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. (…)
iii) A impossibilidade de subsistência do vínculo tem que ser imediata: este requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral. Assim, se, apesar de grave, ilícita e culposa, a infração do trabalhador não tiver, na prática, obstado à execução normal do contrato, após o conhecimento da situação pelo empregador, tal execução demonstra que a infração não comprometeu definitivamente o futuro do vínculo contratual. (…)
IV.-Por fim, a lei exige que se verifique um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho. (cf., também, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1997, página 820).

K-APRECIAÇÃO DA JUSTA CAUSA DOS AUTOS.

Ora, face ao descrito quadro legal e à interpretação que a transcrita doutrina faz do mesmo, importa averiguar se as condutas dadas como assentes e imputadas ao Apelante integram ou não o conceito legal de justa causa.
Impõe-se saber, no fundo, se o facto de o Autor, ao não ter prestado voluntária e intencionalmente a assistência que era reclamada por uma doente do réu, que, sentada numa cadeira de rodas, tinha sido acometida por uma convulsão, não obstante ter sido solicitado ao trabalhador, em termos expressos, ajuda para o efeito, constitui infração disciplinar suscetível de fundar o seu despedimento com invocação de justa causa.
O Autor era assistente hospitalar e desenvolvia as funções profissionais inerentes a tal categoria há vários anos, no quadro de uma complexa e multifacetada organização de prestação de cuidados de saúde, onde, todos os dias, se vence, adia ou se é derrotado pela morte e se persegue, insistente e incessantemente, a qualidade (ótima ou possível) da vida de muitas centenas de doentes que desaguam nos corredores, salas e gabinetes dos Hospitais de ... ... e do ... ....
Uma resposta errada, omissa ou simplesmente tardia pode significar a diferença entre a vida e a morte de um cidadão carecido de assistência clínica, sendo, por isso, fundamental que todas as classes profissionais que aí, conjugada e articuladamente, desempenham as suas atribuições e competências próprias estejam em estado de alerta, vigilantes, empenhadas, preparadas para um qualquer imprevisto ou surpresa, sempre disponíveis para acorrer a um qualquer cenário (nem que seja meramente aparente) de urgência ou emergência.    
O enquadramento muito particular e exigente das tarefas a desenvolver no quadro de tais estruturas hospitalares acha-se devidamente ponderado no relatório final do procedimento disciplinar junto por apenso aos autos quando se afirma, a fls. 17/294 e 18/295 «a violação dos seus deveres funcionais de respeito e zelo nos termos do disposto nas alíneas a) e c) do art.º 128.º do Código do Trabalho e ainda os especiais atinentes ao exercício de funções enquanto profissional de saúde que são de interesse público, nomeadamente quanto ao respeito pela via e pelos direitos dos doentes, que lhe cumpre observar, nos termos do disposto na Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 08 de Novembro, que decorreram da recusa no auxílio a uma doente, reiterada e gratuita, sem que estivesse impedido de o fazer, porque até desocupado, e de forma incorreta como reagiu perante o pedido de auxílio formulado por uma profissional do serviço particularmente perturbada, nos termos do enquadramento já feito. (…)
Todo o pessoal hospitalar exerce uma função de interesse público. Em consequência, haverá que exigir-lhe requisitos especiais de idoneidade moral e profissional em prestação que pressupõe uma relação especial de confiança e estreita colaboração.
Ora o comportamento do arguido, atenta a gravidade dos factos praticados, demonstra a ausência de identificação do mesmo com a missão do CHLN e os seus fins assistenciais presentes nos seus Estatutos (Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro) e Regulamento Interno (Regulamento Interno homologado em 23.03.2009 – art.ºs 2.º e 4.º), comprometendo a continuidade do trabalhador AAA ao serviço do BBB».   
           
Importa não esquecer ainda que o recorrente, bom trabalhador e com cerca de 5 anos de antiguidade, havia sido sancionado já com uma pena disciplinar de três dias de suspensão com perda de retribuição, muito embora tal sanção seja objeto de impugnação judicial por via da ação proposta em tribunal do trabalho e cujo resultado final se ignora, por não constar dos autos.

Ora, não podem restar grandes dúvidas de que os factos dados como assentes e acima sumariados configuram uma atuação desleal, intencional - praticada com dolo direto - culposa e ilícita, levada a cabo com o propósito de não prestar a assistência devida a uma utente do Hospital (…), em manifesta e clara violação dos deveres funcionais gerais e especiais que sobre ele recaíam, que é, nessa medida, integradora de infração disciplinar e merecedora do inerente sancionamento.  
                 
Mas será que o descrito comportamento se reveste de uma gravidade tal que, só por si e em si, de um ponto de vista objetivo, desapaixonado, jurídico, implica uma quebra irremediável e sem retorno da relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe entre empregado e empregador, impondo, nessa medida, a este último, o despedimento com justa causa, por ser a única medida reactiva de cariz disciplinar que se revela proporcional, adequada e eficaz à infracção concreta e em concreto praticada pelo trabalhador arguido?

O artigo 330.º do Código do Trabalho de 2009, com a epígrafe “Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar” estipula, a esse respeito, no seu número 1, que «A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.».

Ora, se olharmos com olhos de ver, para a atuação do Autor, revestir-se-á a mesma da gravidade legalmente reclamada pelo legislador para que a única saída viável para resolver a crise de carácter laboral gerada pela dita conduta seja a sanção do despedimento com invocação de justa causa?

A resposta tem de ser, necessária e inevitavelmente, afirmativa, dado a situação deixada descrita e analisada se traduzir numa conduta muito grave (ainda que única, não obstante ter havido reiteração quanto à dita recusa, no curto tempo de duração do episódio em análise) por parte do trabalhador que é ilícita, de forma acentuada, e censurável no mais alto grau, tendo assim aberto a porta da desconfiança relativamente à sua futura lealdade, zelo e diligência, que, na perspetiva do Réu só pode ser fechada satisfatoriamente através da medida disciplinar do despedimento com invocação de justa causa.

A circunstância da doente em causa não ter sofrido qualquer lesão ou dano em termos do seu estado de saúde não torna menos grave a ferida aberta na relação de confiança que toda a relação de trabalho necessariamente pressupõe e que, em termos qualitativos, essenciais, estruturais, se mostra definitiva e irrecuperavelmente afetada, minada, prejudicada.

Realce-se, a esse respeito, que, quando era exigida a presença e a atuação do Autor, tal ausência de consequências não podia ser antecipada ou sequer prevista, havendo antes que perspetivar, entre as diversas hipóteses, também o pior cenário.

Impõe-se também frisar que a conclusão que antes extraímos não é alterada nem sequer minorada pelo facto de haver outros profissionais próximos e que também acorreram ao local onde a dita senhora carecia de assistência, pois era reclamado do trabalhador arguido um comportamento imediato, cooperante, proactivo, célere e eficaz que efetivamente não ocorreu e que, nas circunstâncias concretas em presença, se poderia ter revelado crucial e marcado verdadeiramente a diferença.    
               
Logo, pelos fundamentos expostos, julgamos lícito o despedimento com invocação de justa causa de que o Autor foi destinatário.        
Sendo assim, pelos motivos expostos, tem este recurso de Apelação de ser julgado improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.    

IV–DECISÃO:

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AAA, quer na sua vertente da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, quer nas suas facetas de cariz jurídico, confirmando-se assim e nessa medida a sentença recorrida.                          
*
Custas do presente recurso a cargo do Apelante – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.



Lisboa, 11 de janeiro de 2017


     
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)



[1]O que o mesmo veio a fazer a fls. 634 e seguintes, tendo o correspondente rol de testemunhas sido judicialmente admitido (fls. 639 e 640) e alterado e fls. 947 e seguintes, com deferimento de tal modificação por via do despacho de fls. 951 e 952.
[2] Data essa que veio a ser retificada por despacho de fls. 639 e 640.
[3]Artigo 329.º
Procedimento disciplinar e prescrição
1-O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.
2-O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
3-O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.
4-O poder disciplinar pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
5-Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.
6-A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador.
7-Sem prejuízo do correspondente direito de ação judicial, o trabalhador pode reclamar para o escalão hierarquicamente superior ao que aplicou a sanção, ou recorrer a processo de resolução de litígio quando previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou na lei.
8-Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 6.
[4]Reproduzido logo a seguir no texto do presente Aresto.
[5]Norma relativa ao procedimento disciplinar no quadro das microempresas mas que, não obstante, interessa ainda assim reproduzir aqui:
Artigo 358.º
Procedimento em caso de microempresa
1-No procedimento de despedimento em microempresa, caso o trabalhador não seja membro de comissão de trabalhadores ou representante sindical, são dispensadas as formalidades previstas no n.º 2 do artigo 353.º, no n.º 5 do artigo 356.º e nos n.ºs 1, 2 e 6 do artigo anterior, sendo aplicável o disposto nos números seguintes.
2-Na ponderação e fundamentação da decisão é aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior, com exceção da referência a pareceres de representantes dos trabalhadores.
3-O empregador pode proferir a decisão dentro dos seguintes prazos:
a)Se o trabalhador não responder à nota de culpa, 30 dias a contar do termo do prazo para resposta à mesma;
b)30 dias a contar da conclusão da última diligência;
c)(Revogada.)
4-Se o empregador não proferir a decisão até ao termo do prazo referido em qualquer das alíneas do número anterior, o direito de aplicar a sanção caduca.
5-A decisão é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador.
6-Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 3 ou 5.
[6]Em “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, Almedina, Dezembro de 2012, página 852.  
[7]Em «Cessação do Contrato de Trabalho», 3.ª Edição revista e atualizada – Código do Trabalho de 2012, Julho de 2012, Principia, página 392.
[8]Por contraponto aos vícios que geram a mera irregularidade do despedimento e os vícios irrelevantes (obra citada, páginas 387 e 388). 
[9]Cfr., quanto à consulta do processo e resposta à nota de culpa, o que o mesmo autor defende a páginas 215 a 218.
[10]«RL, 18 de fevereiro de 1998 (CJ, 1998, I, 175-176). No mesmo sentido, RE, 23 de maio de 2000 (CJ, 2000, III, 288-290) e, mais recentemente, STJ, 8 de junho de 2006 (Proc. 0583731, VASQUES DINIS) e RL, 19 de janeiro de 2011 — Proc. 673./09.9, SEARA PAIXÃO (CJ, 2011, I, 168-171).» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO
[11]«Tanto mais que a jurisprudência tende a desvalorizar, quando não mesmo a tornar inteiramente irrelevante, em sede da ação de impugnação do despedimento, a prova produzida no decurso do processo interno conduzido pelo empregador.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO
[12]«Sobre esta matéria, ver BERNARDO XAVIER, «Deficiência da nota de culpa...», cit., 385 e segs.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO
[13]«Sendo certo que, como se adiantou, a referência à violação do direito de consultar o processo também não nos parece feliz, pois consideramos que tal só deve ser relevante quando daí resulte efetivo prejuízo para o exercício do direito de defesa, ainda que se admita que cabe ao empregador o ónus de demonstrar a ausência desse prejuízo.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO
[14]Em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta da Wolters Kluwer e Coimbra Editora, página 383.
[15]Em “Direito do Trabalho”, 14.ª Edição, Almedina, página 612.
[16]Em “Coletânea de Leis do Trabalho”, página 250 (nota 537 a página 384 da obra de João Leal Amado).
[17]Em “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, 4.ª Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 a 821. 

Decisão Texto Integral: