Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
932/09.0TTLRS.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
CAPITAL SOCIAL
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO
PATRIMÓNIO
CREDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Não se verificam os pressupostos, ao abrigo dos artigos 379 do CT (3003) ex vi art. 78 do CSC, para a responsabilidade do Réu no pagameno da indemnização fixada na sentença recorrida, devida à Autora pelo alegado despedimento ilícito efectuado pela CC Ldª, sociedade de que o Réu era o único sócio.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

AA, (…), intentou a presente acção de processo comum, contra:
BB, (…), peticionando que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 3.380,00, acrescida de juros vincendos e custas.
Alegou que era trabalhadora da "CC, Lda.'", no dia 8 de Março de 2006, o Réu, na qualidade de sócio único daquela sociedade efectuou a dissolução da mesma, invocando na respectiva escritura que a sociedade não possuía bens a partilhar, nem dividas por liquidar, quando tinha conhecimento das quantias reclamadas pela Autora àquela sociedade a título de créditos laborais pela cessação ilícita do seu contrato. Não obstante, o Réu não prestou qualquer tipo de caução para acautelar os eventuais direitos da Ré, sendo que o mesmo partilhou necessariamente, na proporção da respectiva entrada, pelo menos o capital social da sociedade extinta.

Na contestação o Réu impugna a matéria alegada na petição inicial, alegando que foi a autora que cessou o contrato de trabalho porque inicou funções numa outra emrpesa, e que a sociedade CC foi dissolvida por escritura notarial outorgada em Março de 2006, tendo sido considerada extinta por não ter activo nem passivo.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, e em consequência absolveu o Réu BB do pedido deduzido pela autora AA.

Inconformada, a autora interpôs recurso, tendo nas suas conclusões suscitado a responsabilidade do réu BB pelo pagamento dos créditos reclamados, ao abrigo do art.º379 do CT de 2003, ex vi artigo 78 n.º1 do CSC.
Nas contra-alegações, o Réu pugnou pela confirmação da decisão recorrida
Colhidos os vistos legais.

Apreciando

Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Autora foi admitida ao serviço da "CC,Lda", em 1 de Maio de 2005, com a categoria de assistente administrativa de 12', auferindo a quantia de € 600,00, acrescida de € 100,00, a título de prémio, e £ 3,83 diários de alimentação.
2. A ""CC, Lda." foi dissolvida, com encerramento da liquidação em 10.03.2006.
3. O Réu era o único sócio titular da "CC, Lda."
4. Em Novembro de 2005, o Réu informou a A. de que a "CC, Lda." iria encerrar em Novembro de 2005.
5. Na Declaração de Desemprego constante de fls. 13, datada de 31/12/2005, assinada pelo Réu, consta como situação que motivou a cessação de contrato da Autora o encerramento da actividade da "CC, Lda.".
6. A Autora iniciou funções noutra empresa na primeira semana de Janeiro de 2006.
7. A Autora enviou à "CC, Lda.", cartas registadas com aviso de recepção, considerando estar em divida, na sequência do despedimento sem justa causa e sem aviso prévio. 3 meses de indemnização, 2 meses de aviso prévio e 16 dias úteis de férias não gozadas.
2. Em 13 de Outubro de 2006, a Autora intentou, contra a "CC, Lda..", acção de processo comum, que correu termos neste juízo sob o n.° 764/06.8TTLRS, peticionando os créditos salariais, no montante de € 3.380,00, no âmbito da qual foi proferido despacho de extinção da instância, por a mesma se encontrar extinta e com a matrícula cancelada em 08/03/2006.

Fundamentos de direito
Tal como resulta das conclusões do recurso interposto, a questão em análise cinge-se ao apuramento da responsabilidade do Réu no pagameno da indemnização fixada na sentença recorrida, devida à Autora pelo alegado despedimento ilícito efectuado pela CC Ldª, sociedade de que o Réu era o único sócio. Para o efeito, a Autora invoca do disposto no art.º 379 do CT ( 2003) ex vi art.º78 do CSC.
Na verdade, ao abrigo dos referido dispositivos, o Réu, único sócio da empresa CC Ldª, responderia solidariamente perante a Autora trabalhadora desde que em razão da insobervância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos créditos daquela, o património social da sociedade se tornasse insuficiente para os satisfazer, ou ainda, por danos que lhe tivesse directamente causado no exercício das suas funções.
No caso, não foram alegados, nem resultaram apurados factos no sentido de que foi a conduta ilícita do Réu, consubstanciada em não apresentar a sociedade à insolvência, ao abrigo do art.º3 do CIRE, que tenha sido a causa da insuficiência patrimonial da sociedade devedora, e consequentemente da não satisfacção do crédito da autora, pois, aquando da dissolução da Sociedade CC, Lda, tal como mencionado na escritura de dissolução da sociedade – fls 23 a 25 - não existia nem activo nem passivo a partilhar. A escritura notarial de dissolução faz prova disso mesmo, não podendo ser posta em causa a sua veracidade senão em sede própria.
Por outro lado, quando a sociedade "CC, Lda. foi dissolvida com encerramento da liquidação em 10.03.2006, não existia qualquer crédito de cariz litigioso, o que a haver teria imposto o cumprimento de uma caução, nos termos do art.º154 n.º3 do CSC, tendo antes resultado provado que, apenas, em 13.10.2006, a autora intentou acção em processo comum contra a "CC, Lda., peticionando os créditos salariais no montante de €3.380,00, que correu termos no mesmo tribunal sob o n.°764/06.8TTLRS, e no âmbito da qual foi proferido despacho de extinção da instância por a mesma se encontrar extinta e com a matrícula cancelada em 08.03.2006.
Decorre, ainda, do disposto no art°163 n.º1 do CSC, que : Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilhas. Isto é, se for necessário satisfazer passivo que não tenha sido acautelado na liquidação da sociedade, ele será satisfeito pelos sócios na medida do que tiverem recebido na partilha.
Ora, no caso, aquando da dissolução da Sociedade CC, Lda, e tal como ficou a constar na escritura de dissolução, não existia nem activo nem passivo a partilhar. É certo que a referida sociedade tinha determinado capital social (art.º9 n.º1 do CSC), todavia, o capital social apenas constitui o valor representativo das entradas dos sócios, ou seja, consubstancia-se em factor imaterial, realidade diversa do património societário, líquido ou ilíquido, que pressupõe a existência de bens ou direitos avaliáveis em dinheiro. Assim, ao invés do que foi alegado pela Autora/recorrente, o capital social da sociedade em causa não pode ser considerado como património societário para efeitos do n.º1 do art.º163 do CSC (ac. STJ, de 15/11/2007, in www.dgsi.pt).
Face ao exposto, resulta que terá de ser excluída a responsabiliade do Réu na qualidade de gerente da sociedade por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no art.º379 do CT, tal como foi decidido na sentença recorrida.

Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa , 28 de Janeiro de 2015

Paula Sá Fernandes
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso