Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
70173/17.5YIPRT.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: INJUNÇÃO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
RECURSO INTERCALAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A decisão que considera não ocorrer erro na forma do processo cabe na previsão de qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art. 644.º do C.P.C., nomeadamente na sua al. h), pelo que não é suscetível de recurso autónomo (n.º 3 do citado artigo).
2. Na al. h) o legislador abre a possibilidade de interposição de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral do diferimento da impugnação para o recurso de outra decisão, importe a absoluta inutilidade de uma decisão favorável que eventualmente venha a ser obtida.
3. Não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final, sendo necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não assumirá qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.
4. Não estando em causa uma transação comercial, apenas é lícito o recurso à injunção estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00.
5. O requerente, ao apresentar, em simultâneo, no Balcão Nacional de Injunções, dois requerimentos injuntivos, invocando, em ambos, o incumprimento, pelas requeridas, do mesmo contrato, com vista ao pagamento coercivo, pelas requeridas:
-    numa das injunções, aquela a que corresponde o Proc. n.º 70172/17.7YIPRT, da quantia de € 9.209,52, a título de capital, pelo não pagamento de rendas referentes aos meses de outubro de 2015 a junho de 2016;
-    noutra das injunções, a que corresponde o presente processo, com o n.º 70173/17.5YIPRT.L1, da quantia de € 8.648,37, a título de capital, pelo não pagamento das rendas  referentes aos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017,
ou seja, da quantia global, a título de capital, de € 17.857,89, mais não faz do que, defraudando a lei e o espírito do legislador, exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato de valor superior € 15.000,00.
6. Assim sendo, o presente procedimento de injunção, não constitui processo próprio para o requerente peticionar o pagamento das quantias que considera serem-lhe devidas a título de rendas vencidas e não pagas, ainda que em cada um dos procedimentos injuntivos instaurados, o requerente pretenda o pagamento coercivo de quantia inferior a € 15.000,00.
7. No entanto, não é isso que releva para efeitos de se aferir se o procedimento injuntivo constitui o meio processual adequado com vista ao pagamento coercivo da concreta quantia nele indicada, o mesmo é dizer, para se analisar a questão da propriedade ou impropriedade da forma do processo utilizada.
8. A determinação da propriedade ou impropriedade da forma do processo escolhida pressupõe uma análise prévia no sentido de se apurar se o pedido formulado se harmoniza, ou não, com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo requerente.
9. Um tal erro na forma do processo, por implicar a anulação de todo o processado na justa medida em que a própria petição não pode sequer ser aproveitada por não obedecer aos requisitos previstos nos artigos 552.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do C.P.C., constitui uma excepção dilatória inominada, traduzida no uso indevido do processo de injunção num caso em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, dando lugar à absolvição da instância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
NB, intentou procedimento injuntivo contra Maria e Alexandra, com vista ao pagamento coercivo, por estes, da quantia de € 9.014,55, sendo:
- € 8.648,37, a título de capital;
- € 264,18, a título de juros de mora;
- € 102,00, a título de taxa de justiça paga pela apresentação do requerimento injuntivo.
­­Alega que «o Requerente, NB, anteriormente denominado “Fundo” é um fundo de investimento imobiliário, gerido e legalmente representado pela “G, SA.”, anteriormente designada “E, S.A.” Nessa medida, trata-se de um património autónomo dotado de personalidade judiciária, activa e passiva.
Por contrato designado de “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” celebrado em 01 de Novembro de 2010, o Requerente deu de arrendamento à Requerida Maria, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente à Loja 00, do prédio urbano, em propriedade horizontal sito na Rua C, número 01, freguesia de S, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de M sob a ficha 003 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 007º.
Ficou convencionado, no âmbito desse contrato, que a 1ª Requerida pagaria uma contrapartida mensal (renda) pela utilização do locado, variável em função da antiguidade do contrato, sendo a renda mensal inicial acordada de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), a qual seria anualmente actualizada por aplicação do coeficiente legal em vigor, sendo que à data de Julho de 2016, no montante mensal era de €: 1.023,28,
Mais convencionaram as partes que a renda mensal se venceria no oitavo dia do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito.
Por escritura pública outorgada em 15 de Março de 2017, o ora Requerente vendeu a identificada fracção autónoma.
As Requeridas, apesar de interpeladas para o efeito, quer na qualidade quer de arrendatária quer de fiadora no supra identificado “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” não procederam ao pagamento das rendas referentes aos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017 (€ 1.023,28x8+€ 462,13-proporcional de Março), no montante total de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos).
O pagamento pontual da renda constitui a mais elementar obrigação do arrendatário, nos termos do artigo 1038º, alínea a) do Código Civil, devida como retribuição pelo gozo temporário de um imóvel.
As Requeridas não pagaram, nem nas respectivas datas de vencimento, nem até ao presente, as rendas vencidas referentes aos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017.
São assim, as Requeridas devedoras ao Requerente do montante total de capital de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos), a que acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor de 4%, contados sobre o indicado montante total em dívida, desde a data de vencimento de cada uma das rendas vencidas e até à presente data (06/07/2017), em € 264,18 (duzentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos).
Perfazendo, assim, um valor total devido de € 8.912,55 (oito mil novecentos e doze euros e cinquenta e cinco cêntimos).
À indicada quantia em dívida acrescerão os juros vincendos, calculados à taxa legal aplicável, desde a data de entrada do presente requerimento e até efectivo e integral pagamento.
Mais acresce o valor suportado pelo Requerente, a título da taxa de justiça devida pela presente injunção.
Tem sido pacificamente entendido na doutrina e jurisprudência que “O senhorio pode socorrer-se do procedimento de injunção para peticionar o pagamento de rendas…».
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As requeridas deduziram oposição, invocando, além do mais, e para o que aqui e agora interessa:
- a exceção dilatória inominada de erro na forma do processo;
- a caducidade do direito invocado pelo requerente.
No mais, impugna a factualidade alegada pelo requerente no requerimento injuntivo.
As requeridas concluem assim o articulado de oposição:
«Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis (...):
Deve ser declarada a nulidade da citação efectuada, caso assim não se entenda,
b) Deve o processo ser declarado nulo por erro na forma do processo, devendo as Requeridas ser absolvidas da instância; caso assim não se entenda,
c) Deve a excepção peremptória de caducidade julgada procedente, importando a absolvição das Requeridas do pedido; À cautela, Quando assim não se entenda,
d) Deve a impugnação aduzida pelas Requeridas ser declarada procedente por provada, absolvendo-se as mesmas do pedido».
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O requerente respondeu à matéria de exceção arguida pelas requeridas.
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Na subsequente tramitação dos autos:
a) por despachos de fls. 89-90, com data de 19 de janeiro de 2018, foi julgada improcedente:
- a arguição da nulidade da notificação da 2.ª requerida;
- a exceção dilatória inominada consistente no erro na forma do processo;
b) realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condeno as rés, solidariamente, no pagamento à autora da importância de 8.912,55 (relativa a capital em dívida e juros de mora vencidos até 14/7/2017), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde aquela data até integral e efectivo pagamento».
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Inconformadas, a requeridas interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
1 – Em sede de oposição à injunção, foi invocada nulidade por erro na forma de processo, uma vez que a Requerente, nos autos de injunção, peticionou o pagamento das rendas dos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017 (€1.023,28 x 8 + 462,13) num montante de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos) acrescido de juros de mora vencidos (€ 264,18), vincendos e taxa de justiça, no valor total global de € 9.014,55 (nove mil e catorze euros e cinquenta e cinco cêntimos). Acontece que,
2 – No mesmo dia, 12 de Setembro, aquando do depósito da injunção que deu origem aos presentes, foi recepcionada uma outra injunção com o n.º 70172/17.7YIPRT, onde foram peticionadas rendas referentes aos meses de Outubro de 2015 a Junho de 2016 (€ 1.023,28 x 9) no montante total de € 9.209,52 (nove mil duzentos e nove euros e cinquenta e dois cêntimos) acrescido de juros no valor de € 550,39 bem como juros vincendos e taxa de justiça, no valor total global de € 9.861,91 (nove mil oitocentos e sessenta e um euros e noventa e um cêntimos),
3 – Ou seja, a Requerente, fez uso, indevido, de 2 injunções para peticionar um valor total global de € 18.876,46 (dezoito mil oitocentos e setenta e seis euros e quarenta e seis cêntimos). Tendo em conta que, o valor máximo que poderia peticionar não pode ultrapassar os quinze mil euros, decidiu contornar a Lei e interpor, ilegalmente duas injunções.
4 – «O procedimento de injunção é regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1.09, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-A/98, de 30.09, que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância.»
5 – As alterações introduzidas, principalmente, pelo DL n.º 107/2005, de 1.07, com a redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 63/2005, de 19.08 e pelo DL n.º 303/2007 de 24.08, que veio alterar o âmbito de aplicação do DL n.º 269/98, cumprimento de obrigações pecuniárias, pois alargou o seu âmbito de aplicação para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00.
6 – A injunção constitui a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02.
7 – A lei não permite que o credor proceda ao fracionamento da dívida, de forma a poder lançar mão dos procedimentos especiais do DL n.º 269/98, impedindo os requeridos de organizar a sua defesa e nela poder formular pedido reconvencional.
8 – Assim, estaremos perante uma exceção dilatória inominada, pois trata-se de um caso em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a utilização da injunção, verificando-se um obstáculo que impede que o tribunal conheça do mérito da causa. E,
9 – Nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição do réu da instância.
10 – Aliás, o processo n.º 70172/17.7YIPRT que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Almada, onde a Requerente peticionou as restantes rendas foi peremptório ao proferir Douta Sentença, absolvendo as ora Recorrentes na instância, e onde refere, expressamente, que: “Resta-nos, por tudo isto, concluir que a Requerente recorreu ao procedimento de injunção indevidamente e ao arrepio da restrição consagrada no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro, dividindo um pedido emergente da mesma causa de pedir em dois, o que constitui uma exceção dilatória inominada.
11 – A ora a Requerente com o mesmo contrato e uma só dívida, reparte a mesma para fazer uso, ilegal, do procedimento de injunção, só que ao contrário do que sucedeu no Proc. 70172/17.7YIPRT que correu termos no Juízo Local Cível de Almada – Juiz 2, o tribunal de que ora se recorre, erradamente, não reconheceu a supra referida nulidade, No entanto e porque,
12 – Tal erro na forma de processo é uma excepção dilatória inominada, deve a Douta nulidade ser conhecida, devendo as ora Recorrentes ser absolvidas da instância, como é de Justiça.
13 – Tem o presente recurso por objeto a Douta Sentença proferida, que julgou a acção totalmente procedente, por provada, tendo condenado as rés, solidariamente, no pagamento à autora da importância de 8.912,55€ (relativa a capital em dívida e juros de mora vencidos até 14/7/2017), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde aquela data até integral e efectivo pagamento.
14 – Foram dados como provados todos os factos à excepção do facto 15, ou seja “Três das lojas, propriedade da Requerente, que foram encerradas encontram-se em mau estado de conservação, com lixo, sem indicação do porquê de se encontrarem encerradas, com as luzes sempre apagadas e com evidente degradação, o que fez com que as pessoas deixassem de frequentar o Centro Comercial.”
15 – Refere a Douta Sentença que: surgiram discrepâncias entre as testemunhas, quanto ao estado das lojas encerradas, propriedade da autora, JP e AM negando a degradação externa das lojas, JM pronunciando-se pela existência da dita degradação, face a tais discrepâncias e não sendo a fotografia que consta de fls. 67 esclarecedora quanto ao estado de uma loja desocupada propriedade da requerente, demos como não assente o facto constante do ponto 15, alegado pela requerida.
16 – Quanto à excepção de não cumprimento do contrato, menciona a Douta Sentença que as RR invocaram na contestação a excepção do não cumprimento do contrato, quanto à falta de pagamento das rendas, com o incumprimento, por parte da A., do contrato, traduzido no não cumprimento de obrigações enquanto senhorio.
17 – Mais refere a Douta Sentença que “Reportando-nos ao caso dos autos, não se provou que a 1ª ré tivesse sido privada parcial ou totalmente do gozo do locado durante o período a que se reportam as rendas vencidas e não pagas, nem tão puco que a autora tenha incumprido qualquer dos deveres a que está adstrito como senhorio. Se é certo que a 1ª requerida viu determinadas expectativas económicas goradas, nomeadamente decréscimo de movimento no centro comercial onde se situa o locado, mas tal deve-se a questões externas à autora (conjuntura económica desfavorável), de igual forma, também não ficou demonstrado que a senhoria, enquanto condómina do prédio, tivesse praticado actos lesivos para os seus inquilinos.”
18 – A sentença de que ora se recorre é nula, nos termos da alínea b, do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
19 – A fundamentação das decisões deve ser suficientemente densa, por forma a habilitar os seus destinatários a lançar mão dos meios de reacção ao seu dispor e assegurar a transparência e a reflexão decisória, o que no presente caso, em nosso entender não sucede, pelo que deve a sentença ser declarada nula, devendo ser proferida em seu lugar, outra, que fundamente de facto e de Direito a Decisão do Julgador art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
20 – Mas mesmo que não se entenda que estamos perante uma situação de nulidade, tal como enformada pelo estatuído no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), que, em suma, pressupõe a absoluta falta de motivação da decisão, ou, dito de outra forma, a total ausência de fundamentação da decisão, sempre se diga que de outros vícios padece a sentença.
21 – Com efeito, foi dado com não provado o facto constante do artigo 15.º “Três das lojas, propriedade da Requerente, que foram encerradas encontram-se em mau estado de conservação, com lixo, sem indicação do porquê de se encontrarem encerradas, com as luzes sempre apagadas e com evidente degradação, o que fez com que as pessoas deixassem de frequentar o Centro Comercial.”
22 – E tendo em conta que o Tribunal “a quo” considerou como não provado o facto que se transcreveu no art.º 24.º do presente, ao proceder ao seu enquadramento jurídico considerou que “não se provou que a 1ª ré tivesse sido privada parcial ou totalmente do gozo do locado durante o período a que se reportam as rendas vencidas e não pagas, nem tão puco que a autora tenha incumprido qualquer dos deveres a que está adstrito como senhorio. Se é certo que a 1ª requerida viu determinadas expectativas económicas goradas, nomeadamente decréscimo de movimento no centro comercial onde se situa o locado, mas tal deve-se a questões externas à autora (conjuntura económica desfavorável), de igual forma, também não ficou demonstrado que a senhoria, enquanto condómina do prédio, tivesse praticado actos lesivos para os seus inquilinos.”
23 – Pelo que se impugna a matéria de facto dada como não provada constante do ponto 15 da Douta Sentença de que ora se recorre, tendo-se transcrito a prova testemunhal realizada em sede de Audiência de Julgamento, a fim de cumprir o ordenado no artigo 640.º do CPC, uma vez que se entende existir, não apenas uma discordância da conclusão a que o Julgador chegou, mas sim erro notório na apreciação dos factos, suportando a prova produzida em sede de audiência de Julgamento a resultado diverso do constante da Douta Sentença, uma vez que, é patente que a Senhoria praticou actos lesivos que determinaram, por impossibilidade material a inquilina de cumprir.
24 – Face ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas, as quais supra se transcreveram, na parte que para o presente importa, conjugada com a prova documental junta aos autos, a qual não foi impugnada, é de concluir, ao contrário da Douta Sentença de que ora se recorre, que foi o incumprimento por parte da Senhoria que impediu que a inquilina pudesse cumprir, devendo ser alterado o ponto 15.º da Douta Sentença, passando a mesma a constar dos factos dados como provados.
Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência:
a) O processo ser declarado nulo por erro na forma do processo, devendo ora Recorrentes ser absolvidas da instância;
b) Ser declarada a nulidade da sentença, devendo ser proferida em seu lugar outra, que fundamente de facto e de direito a decisão julgada; caso assim não se entenda,
c) Ser alterada a matéria de facto dada como provada e as Recorrentes serem absolvidas do pedido, como é de JUSTIÇA.
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A ré contra-alegou, concluindo no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3, do C.P.C. de 2013), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do C.P.C. de 2013) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela recorrente ora apelante que o objeto da presente apelação está circunscrito às seguintes questões:
a) saber se ocorre uma situação de erro na forma do processo;
c) saber se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
d) saber se a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1 – O Requerente, NB, anteriormente denominado “Fundo” é um fundo de investimento imobiliário, gerido e legalmente representado pela “G, SA.”, anteriormente designada “E, S.A.”.
2 – Por contrato designado de “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” celebrado em 01 de Novembro de 2010, o Requerente deu de arrendamento à Requerida Maria, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente à Loja 11, do prédio urbano, em propriedade horizontal sito na Rua C, numero 50, freguesia do S, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial do M sob a ficha 003 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 000º.
3 – Ficou convencionado, no âmbito desse contrato, que a 1ª Requerida pagaria uma contrapartida mensal (renda) pela utilização do locado, variável em função da antiguidade do contrato, sendo a renda mensal inicial acordada de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), a qual seria anualmente actualizada por aplicação do coeficiente legal em vigor, sendo que à data de Julho de 2016, no montante mensal era de €: 1.023,28.
4 – Mais convencionaram as partes que a renda mensal se venceria no oitavo dia do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito.
5 – Por escritura pública outorgada em 15 de Março de 2017, o ora Requerente vendeu a identificada fracção autónoma.
6 – As Requeridas, apesar de interpeladas para o efeito, quer na qualidade quer de arrendatária quer de fiadora no supra identificado “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” não entregaram à autora as rendas referentes aos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017 (€ 1.023,28x8+€ 462,13-proporcional de Março), no montante total de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos).
7 – O imóvel em questão é uma loja inserida num Centro Comercial, tendo sido entregue às Requeridas o Regulamento de Condomínio.
8 - A Primeira Requerida quando arrendou este imóvel este inseria-se num centro comercial com bastante movimento e com todas as 26 lojas em funcionamento.
9 - A requerente era proprietária de 4 lojas.
10 - No referido prédio estavam instalados, entre outros, vários departamentos do BES, com centenas de funcionários sendo vários deles clientes do Centro Comercial.
11 - Desde 2014 vários funcionários do BES que ali trabalhavam foram retirados, de forma gradual, do referido prédio.
12 – O centro Comercial perdeu movimento.
12 – A requerida solicitou à requerente uma redução da renda.
13 – A primeira requerida rescindiu o contrato de trabalho com a sua funcionária.
14 – A requerida enviou à requerente as mensagens que constam de fls. 65-verso, 66 e 67 dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.
3.1.2 – A sentença recorrida considerou não provado o seguinte facto:
1 – Três das lojas, propriedade da Requerente, que foram encerradas encontram-se em mau estado de conservação, com lixo, sem indicação do porquê de se encontrarem encerradas, com as luzes sempre apagadas e com evidente degradação, o que fez com que as pessoas deixassem de frequentar o Centro Comercial.
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3.2 – Do mérito do recurso:
3.2.1 – Do erro na forma do processo:
No articulado de oposição ao requerimento injuntivo, as requeridas invocam a exceção de erro na forma do processo, alegando, para o efeito, o seguinte:
«Vem a Requerente, nos presentes autos de injunção, requerer o pagamento das rendas dos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017 (€1.023,28 x 8 + 462,13) num montante de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos) acrescido de juros de mora vencidos (€ 264,18), vincendos e taxa de justiça, no valor total global de …€ 9.014,55 (nove mil e catorze euros e cinquenta e cinco cêntimos). Acontece que,
No dia 12 de Setembro, aquando do depósito da presente injunção, foi recepcionada uma outra injunção com o n.º 70172/17.7YIPRT, onde são peticionadas rendas referentes aos meses de Outubro de 2015 a Junho de 2016 (€ 1.023,28 x 9) no montante total de € 9.209,52 (nove mil duzentos e nove euros e cinquenta e dois cêntimos) acrescido de juros no valor de € 550,39 bem como juros vincendos e taxa de justiça, no valor total global de € 9.861,91 (nove mil oitocentos e sessenta e um euros e noventa e um cêntimos), cfr Doc 1.
Assim, a Requerente fez uso de 2 injunções para peticionar um valor total global de € 18.876,46 (dezoito mil oitocentos e setenta e seis euros e quarenta e seis cêntimos).
«O procedimento de injunção é regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1.09, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-A/98, de 30.09, que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância.»
As alterações introduzidas, principalmente, pelo DL n.º107/2005, de 1.07, com a redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 63/2005, de 19.08 e pelo DL n.º303/2007 de 24.08, que veio alterar o âmbito de aplicação do DL n.º 269/98, cumprimento de obrigações pecuniárias, pois alargou o seu âmbito de aplicação para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00.
(...)
A injunção constitui a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02.
Donde se conclui que este procedimento se mostra adequado e é aplicável a todas as situações em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações não exceda o valor de €15.000,00.
Estabelece que a obrigação não pode ser superior a 15.000 €.
Assim, podem os credores utilizar a ação ou o procedimento de injunção a fim de fazer valer o respetivo direito de crédito, desde que o montante da prestação exigida seja igual ou inferior aos valores resultantes do artigo 1.º do decreto preambular do DL n.º 269/98.
A lei não permite que o credor proceda ao fracionamento da dívida, de forma a poder lançar mão dos procedimentos especiais do DL n.º 269/98, impedindo os Requeridos de organizar a sua defesa e nela poder formular pedido reconvencional.
(...)
Nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição do réu da instância».
*
Em resposta a esta questão, o requerente considera que o meio utilizado para fazer valer os seus direitos é «plenamente válido e eficaz, não se verificando, assim, a ficcionada excepção dilatória inominada invocada pelas Rés».
*
O tribunal a quo, por despacho datado de 19 de janeiro de 2018 (fls. 89-90), decidiu assim a questão:
«Respeitam os presentes autos a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que é autora NB e rés Maria, e Alexandra, no qual a primeira peticiona da segunda o pagamento global da importância de 8.912,55€.
Alegou a autora que as rés não procederam ao pagamento de determinadas rendas no âmbito de um contrato de arrendamento.
Cumpre apreciar e decidir:
O procedimento de injunção é regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1.09, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-A/98, de 30.09, que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância. As alterações introduzidas, principalmente, pelo DL n.º107/2005, de 1.07, com a redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 63/2005, de 19.08 e pelo DL n.º303/2007 de 24.08, que veio alterar o âmbito de aplicação do DL n.º 269/98, mantendo o objectivo de descongestionar os tribunais de processos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias, pois alargou o seu âmbito de aplicação para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00.
Portanto, actualmente a injunção constitui a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€ ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02.
Ora, e no que respeita ao pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias, uma vez que ao caso em apreço não revela a situação das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, a verdade é que a lei não faz qualquer limitação do seu campo de aplicação. Ou seja, a lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias.
Donde se conclui que este procedimento se mostra adequado e é aplicável a todas as situações, como a dos autos, em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações não exceda, como é o caso, o valor de 15.000,00€.
Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a excepção dilatória de erro na forma de processo deduzida pelas rés».
*
A verdade, como adiante se verá, é que o juiz a quo, com a prolação deste despacho, não decidiu a questão na sua plenitude, tal como ela foi colocada pelas requeridas.
*
As requeridas não impugnaram imediatamente essa decisão, o que apenas fizeram em sede de recurso da decisão que pôs termo à causa.
Agiram em estrita conformidade com o que a lei lhes impunha, conforme decorre do disposto no art. 644.º, n.º 3, do C.P.C.
É que, a decisão ora em análise, não tem enquadramento em nenhuma das alíneas do n.º 2 do referido art. 644.º, do C.P.C., sendo, portanto, insuscetível de recurso autónomo.
Afirma a requerente, ora apelada, nas suas contra-alegações de recurso, que «(...) tendo a excepção invocada (erro na forma do processo) sido decidida por douto despacho saneador de 18/01/2018, oportunamente notificado às partes em 22/01/2018, impunha-se às Rés, caso não se conformassem com o respectivo teor, do mesmo recorrer, imediatamente, no prazo previsto no art. 644.º, alínea h), do C.P.C.[1].
Não o tendo feito tempestivamente, a matéria do erro na forma do processo transitou definitivamente em julgado não mais admitindo recurso ordinário.»
Não assiste razão à apelante!
Resulta do art. 644.º, n.º 2, al. h), do C.P.C., que cabe recurso de apelação autónomo da decisão do tribunal de 1.ª instância cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, o que não, manifestamente, o caso da situação em apreço.
Na verdade, conforme refere Abrantes Geraldes, «com este preceito o legislador abre a possibilidade de interposição de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral do diferimento da impugnação para o recurso de outra decisão, nos termos do n.º 3, importe a absoluta inutilidade de uma decisão favorável que eventualmente venha a ser obtida.
O advérbio ("absolutamente") assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art. 734.°, n.º 1, al. c), do CPC de 1961, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo[2].
Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não passará de uma "vitória de Pirro", sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado»[3].
Bem se vê, assim, que no caso em apreço, não estamos em presença de uma situação enquadrável na previsão da al. h) do n.º 2 do art. 644.º, do C.P.C..
Bem andaram, pois, a requeridas:
- ao não interporem recurso autónomo da decisão que julgou improcedente, por não provada, a excepção dilatória de erro na forma de processo;
- ao impugnarem tal decisão “apenas” com o recurso da decisão que pôs termo ao processo.
É precisamente esta questão que cabe apreciar desde já, sendo certo que a sua procedência prejudica imediatamente o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso (arts. 608.º, n.ºs 1 e 2, e 663.º, n.º 2, do C.P.C.).
O requerente apresentou, no dia 14 de julho de 2017, no Balcão Nacional de Injunções, o requerimento injuntivo acima transcrito.
Importa recordar que nele se alega, além do mais que ­«por contrato designado de “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” celebrado em 01 de Novembro de 2010, o Requerente deu de arrendamento à Requerida Maria, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente à Loja 00, do prédio urbano, em propriedade horizontal sito na Rua C, número 01, freguesia de S, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de M sob a ficha 003 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 007º.
Ficou convencionado, no âmbito desse contrato, que a 1ª Requerida pagaria uma contrapartida mensal (renda) pela utilização do locado, variável em função da antiguidade do contrato, sendo a renda mensal inicial acordada de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), a qual seria anualmente actualizada por aplicação do coeficiente legal em vigor, sendo que à data de Julho de 2016, no montante mensal era de €: 1.023,28,
Mais convencionaram as partes que a renda mensal se venceria no oitavo dia do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito.
(...)
As Requeridas, apesar de interpeladas para o efeito, quer na qualidade quer de arrendatária quer de fiadora no supra identificado “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” não procederam ao pagamento das rendas referentes aos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017 (€ 1.023,28x8+€ 462,13-proporcional de Março), no montante total de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos).
(...)
São assim, as Requeridas devedoras ao Requerente do montante total de capital de € 8.648,37 (oito mil seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos), a que acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor de 4%, contados sobre o indicado montante total em dívida, desde a data de vencimento de cada uma das rendas vencidas e até à presente data (06/07/2017), em € 264,18 (duzentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos).
Perfazendo, assim, um valor total devido de € 8.912,55 (oito mil novecentos e doze euros e cinquenta e cinco cêntimos).»
Sucede que, conforme decorre do documento junto pelas requeridas com o seu articulado de oposição, aquando do depósito da presente injunção, foi rececionada uma outra injunção, com o n.º 70172/17.7YIPRT, contra elas instaurada pelo também aqui requerente, com vista ao pagamento coercivo, por aquelas, da quantia € 9.861,91, sendo:
- € 9.209,52, a título de capital;
- € 550,39, a título de juros de mora;
- € 102,00, a título de taxa de justiça paga pela apresentação do requerimento injuntivo.
­­Alega o requerente no requerimento injuntivo daquele procedimento de injunção: «O Requerente, NB, anteriormente denominado “Fundo” é um fundo de investimento imobiliário, gerido e legalmente representado pela “G, SA.”, anteriormente designada “E, S.A.” Nessa medida, trata-se de um património autónomo dotado de personalidade judiciária, activa e passiva.
Por contrato designado de “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” celebrado em 01 de Novembro de 2010, o Requerente deu de arrendamento à Requerida Maria, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente à Loja 00, do prédio urbano, em propriedade horizontal sito na Rua C, número 01, freguesia de S, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de M sob a ficha 003 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 007º.
Ficou convencionado, no âmbito desse contrato, que a 1ª Requerida pagaria uma contrapartida mensal (renda) pela utilização do locado, variável em função da antiguidade do contrato, sendo a renda mensal inicial acordada de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), a qual seria anualmente actualizada por aplicação do coeficiente legal em vigor, sendo que à data de Julho de 2016, no montante mensal era de €: 1.023,28,
Mais convencionaram as partes que a renda mensal se venceria no oitavo dia do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito.
Por escritura pública outorgada em 15 de Março de 2017, o ora Requerente vendeu a identificada fracção autónoma.
As Requeridas, apesar de interpeladas para o efeito, quer na qualidade quer de arrendatária quer de fiadora no supra identificado “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo” não procederam ao pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro de 2015 a junho de 2016 (€ 1.023,28x9), no montante total de € 9.209,52 (nove mil duzentos e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).
O pagamento pontual da renda constitui a mais elementar obrigação do arrendatário, nos termos do artigo 1038º, alínea a) do Código Civil, devida como retribuição pelo gozo temporário de um imóvel.
As Requeridas não pagaram, nem nas respectivas datas de vencimento, nem até ao presente, as rendas vencidas referentes aos meses de Outubro de 2015 a Junho de 2016.
São assim, as Requeridas devedoras ao Requerente do montante total de capital de € 9.209,52 (nove mil duzentos e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), a que acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor de 4%, contados sobre o indicado montante total em dívida, desde a data de vencimento de cada uma das rendas vencidas e até à presente data (06/07/2017)[4], em € 550,39 (quinhentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos).
Perfazendo, assim, um valor total devido de € 9.759,91 (nove mil setecentos e cinquenta e nove euros e noventa e um cêntimos).
À indicada quantia em dívida acrescerão os juros vincendos, calculados à taxa legal aplicável, desde a data de entrada do presente requerimento e até efectivo e integral pagamento.
Mais acresce o valor suportado pelo Requerente, a título da taxa de justiça devida pela presente injunção.
Tem sido pacificamente entendido na doutrina e jurisprudência que “O senhorio pode socorrer-se do procedimento de injunção para peticionar o pagamento de rendas…».
Nesse processo n.º 70172/17.7YIPRT, foi proferida, em 1.ª instância, decisão que julgou verificada a exceção dilatória consistente no erro na forma do processo, absolvendo, em consequência, as requeridas da instância, conforme decorre do documento de fls. 124 vº a 127.
Dispõe o art. 1.º do Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, na sua última versão[5], que «É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma».
Nos termos do art. 7.º do Anexo àquele diploma, «considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro».
O art. 3.º, al. a), do Dec. Lei n.º 32/2003, de 17.02[6], estatui assim:
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração;
b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular;
c) «Taxa de juro da principal facilidade de refinanciamento do Banco Central Europeu» a taxa de juro aplicável a estas operações no caso de leilões a taxa fixa. Quando uma operação principal de refinanciamento for efectuada segundo o processo de leilão a taxa variável, a taxa de juro reporta-se à taxa de juro marginal resultante do leilão em causa.
Não está em causa, na situação sub judice, uma transação comercial!
Está, isso sim, em causa, a exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato.
Assim sendo, apenas é lícito o recurso à injunção estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, ou seja, não superior a metade do valor da alçada do Tribunal de Relação.
Ora, resulta da narrativa que antecede que o que está aqui em causa é o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato de valor superior a € 15.000,00.
Na verdade, o requerente, ao apresentar, em simultâneo, no Balcão Nacional de Injunções, dois requerimentos injuntivos, invocando, em ambos, o incumprimento, pelas requeridas, do mesmo contrato, ou seja, do “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais Com Prazo Certo”, celebrado em 01 de Novembro de 2010, pelo qual deu de arrendamento à requerida Maria, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente à Loja 00, do prédio urbano, em propriedade horizontal sito na Rua C, número 01, freguesia de S, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de M sob a ficha 003 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 007º, e no qual a requerida Alexandra figura como fiadora, com vista ao pagamento coercivo, pelas requeridas:
- numa das injunções, aquela a que corresponde o Proc. n.º 70172/17.7YIPRT, da quantia de € 9.209,52, a título de capital, pelo não pagamento de rendas referentes aos meses de outubro de 2015 a junho de 2016 (€ 1.023,28 x 9);
- noutra das injunções, a que corresponde o presente processo, com o n.º 70173/17.5YIPRT.L1, da quantia de € 8.648,37, a título de capital, pelo não pagamento das rendas  referentes aos meses de Julho de 2016 a 14 de Março de 2017 (€ 1.023,28x8+€ 462,13-proporcional de Março),
ou seja, da quantia global, a título de capital, de € 17.857,89, mais não faz do que exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato de valor superior € 15.000,00.
Assim sendo, o presente procedimento de injunção[7], não constitui processo próprio para o requerente peticionar o pagamento das quantias que considera serem-lhe devidas a título de rendas vencidas e não pagas.
É certo que em cada um dos procedimentos injuntivos instaurados, o requerente pretende o pagamento coercivo de quantia inferior a € 15.000,00.
No entanto, não é isso que releva para efeitos de se aferir se o procedimento injuntivo constitui o meio processual adequado com vista ao pagamento coercivo da concreta quantia nele indicada, o mesmo é dizer, para se analisar a questão da propriedade ou impropriedade da forma do processo utilizada.
A determinação da propriedade ou impropriedade da forma do processo escolhida pressupõe uma análise prévia no sentido de se apurar se o pedido formulado se harmoniza, ou não, com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo requerente.
E, no caso concreto, não se harmoniza!
E não se harmoniza porque, há que dizê-lo claramente, aquilo que se nos afigura que o requerente fez, mais não foi do que, olvidando aquilo que esteve no espírito do legislador ao aprovar o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior € 15.000,00, utilizar um estratagema que lhe permitisse contornar a proibição legal de instauração de uma injunção destinada a conferir força executiva a um requerimento injuntivo destinado a exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato.
Ou seja, e em termos eventualmente mais simples, de modo a contornar aquela proibição legal, invocando o incumprimento do mesmo contrato de arrendamento para fins não habitacionais, dividiu uma divida de capital, referente a rendas vencidas e não pagas desde outubro de 2015 até 14 de março de 2017, no valor global de € 17.857,89, em “duas fatias”:
a) uma, no montante € 9.209,52, referente à rendas vencidas e não pagas relativas aos meses de outubro de 2015 a junho de 2016;
b) outra, no montante de € 8.648,37, referente às rendas relativas aos meses de julho de 2016 a 14 de março de 2017,
e, relativamente a cada uma delas instaurou, em simultâneo, um procedimento injuntivo:
- o procedimento injuntivo para pagamento coercivo da quantia referida em a) e que, na sequência da oposição das requeridas, deu lugar ao Proc. n.º  70172/17.7YIPRT;
- o procedimento injuntivo para pagamento coercivo da quantia referida em b) e que, na sequência da oposição das requeridas, deu lugar ao Proc. n.º  70173/17.5YIPRT.L1, ou seja, aos presentes autos.
A vingar a estratégia do requerente, estaria escancarado o caminho para, por exemplo, numa situação em que estivesse em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato no valor de centenas de milhares de euros, serem “fracionadamente” instaurados tantos procedimentos injuntivos quantos os necessários, em cada um deles se indicando um valor não superior a € 15.000,00, até se perfazer o valor total de uma tal dívida.
Tratar-se-ia, como se trata no caso concreto, de um procedimento defraudante da lei e do espírito do legislador.
Ocorre, pois, in casu, uma situação de erro na forma do processo.
Ou seja, está em causa uma excepção dilatória inominada, traduzida no uso indevido do processo de injunção num caso em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização.
O art. 577.º, do C.P.C., ao enumerar as exceções dilatória, fá-lo de forma exemplificativa[8].
Tais exceções, conforme decorre do art. 576.º, n.º 2, do C.P.C., «obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância (...)».
Ora, o requerente, ao fazer uso do processo injuntivo nos termos em que o fez, e acima se deixaram descritos, numa situação em que não se mostravam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para tal, está, inequivocamente, a fazer um uso indevido e inadequado deste meio de exigir o cumprimento das obrigações, o que configura uma exceção dilatória inominada.
É certo que à luz do disposto no art. 193.º, n.º 1, do C.P.C., «o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei», não devendo, porém, como decorre do n.º 2, «aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu».
Sucede, porém, que na situação presente, esse erro implica a anulação de todo o processado na justa medida em que a própria petição não pode sequer ser aproveitada por não obedecer aos requisitos previstos nos artigos 552.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do C.P.C..
A isto acresce, tal como se decidiu no Ac. desta Relação de 17.12.2015, proferido no Proc. n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2 (Maria Teresa Albuquerque), in www.dgsi.pt, que a circunstância de na situação dos autos a primitiva injunção se ter transmutado em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não legitima a utilização indevida da injunção, como é acentuado no Ac. do S.T.J. de14/2/2012, ou qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois, caso contrário, «estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção»[9].
Impõe-se, pois, no presente caso, julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente no erro na forma do processo e, nos termos dos arts. 576º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, do C.P.C., absolver da instância as requeridas, ora apelantes, com que, conforme referido supra, fica prejudicado o conhecimento das demais questões que constituíam o objeto do presente recurso.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, em consequência do que:
a) revogam a decisão proferida a fls. 89vº-90, que julgou improcedente, por não provada, a exceção dilatória inominada de erro na forma de processo, deduzida pelas requeridas;
b) julgam verificada a referida exceção dilatória inominada consistente no erro na forma do processo, e absolvem as requeridas/apelantes da instância;
c) consideram prejudicado o conhecimento de todas as demais questões que eram objeto do presente recurso.
Custas pelo apelado (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.)

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[1] No que ao prazo diz respeito, quereria, por certo, o apelado referir-se ao art. 638.º, n.º 1, do C.P.C.
[2] Mantém-se actual a jurisprudência fixada, por exemplo, no Ac. do STJ, de 21-5-97, BMJ 467.°/536, segundo a qual "a inutilidade há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso". Como se refere no Ac. da Rel. de Coimbra, de 14-1-03, C], tomo I, pág. 10, um recurso torna-se absolutamente inútil nos casos em que, a ser provido, o recorrente já não pode aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar. No mesmo sentido cfr. o Ac. da Rel. de Lisboa, de 16-10-09 ( www.dgsi.pt).
A forma adverbial implica que a inutilidade corresponda ao próprio resultado do recurso, não se confundindo com a mera possibilidade de anulação ou de inutilização de um segmento do processado (cfr. o Ac. do STJ, de 14-3-79, BMJ 285.°/242, o Ac. da Rel. do Porto, de 24-5-84, C], tomo III, pág. 246, o Ac. da Rel. de Coimbra, de 4-12-84, CJ, tomo V, pág. 79 ou a decisão singular da Rel. de Coimbra, de 25-1-11, C], tomo I, pág. 7).
[3] Recursos no Novo  Código de Processo Civil, 4.ª Edição, Almedina, 2017, p. 203.
[4] Repare-se que em ambos os requerimentos injuntivos os juros de mora são contados até à mesma data: 6 de julho de 2017.
[5] O art. 1º do Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, foi alterado pelo Dec. Lei n.º 107/2005, de 01.07, e pelo Dec. Lei n.º 303/2007, de 24.08.
[6] Este diploma foi alterado pelos seguintes diplomas: Dec. Lei n.º 107/2005, de 01.07, Dec. Lei n.º 3/2010, de 27.04, e Dec. Lei n.º 62/2013, de 10.05.
[7] Tal como o procedimento de injunção que deu origem ao Proc. n.º 70172/17.7YIPRT.
[8] «São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes»
[9] Cfr. também o Ac. da R.P. de 18.2.2013, proferido no Proc. n.º 32895/12.0YIPRT.P1 (Fernando Samões), in www.dgsi.pt.