Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2942/15.0T8BRR.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
APROVAÇÃO DO PLANO
TRATAMENTO DESIGUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Aprovado um plano de revitalização pelos dois maiores credores, um com garantia hipotecária e o outro um credor comum, e prevendo o plano a satisfação integral dos créditos destes dois credores, incluindo juros, mas prevendo por outro lado o perdão de 90% dos créditos dos outros sete credores comuns, e da totalidade dos juros, contra a vontade destes, verifica-se um tratamento desigual entre oito credores da mesma natureza (credores comuns).

II.– Além disso, a situação de sete dos credores comuns é claramente pior que aquela em que se encontrariam caso não existisse qualquer plano, o que é fundamento, nos termos do art. 17º-F nº 5 e 216º do CIRE para a não homologação pelo juiz do plano de revitalização.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. 


Relatório:


MC e PG, casados, vieram ao abrigo do disposto no art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas instaurar o presente processo especial de revitalização.

Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art. 17º-C nº 3, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi convertida em definitiva por não ter havido impugnação.

Concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pelos devedores tendo votado credores representando 98,92% dos créditos constantes da lista definitiva de credores.

Votaram favoravelmente o plano de recuperação, credores representando 87,65% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores, representando os credores que apresentaram votos contra 12,35%.

O MONTEPIO CRÉDITO - INSTITUiÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO S.A., veio requerer a não  homologação do plano alegando, em síntese, que análise que faz do Plano, resulta que o mesmo não tem em vista estabelecer as condições de pagamento do crédito reclamado pelo Requerente de € 15.699,73, antes pretendem os Devedores exonerar-se do pagamento de 90% dos créditos de que o Requerente é, legitimamente, Credor, sendo a reestruturação e exoneração conceitos bem distintos. Mais invocam que pretendem os Devedores usufruir dos benefícios da eventual Declaração de Insolvência, mas sem os efeitos negativos que isso acarreta; foram confrontados, de surpresa, com uma proposta de pagamento de créditos que, no fundo, não o é, já que o Plano apresentado pelos Devedores foca-se mais no perdão dos créditos reclamados do que na previsão de pagamento desses mesmos créditos uma vez que a situação do Requerente ao abrigo do Plano é menos favorável do que a que para si resultaria da ausência de qualquer Plano.
  
Os devedores vieram se pronunciar quanto ao requerido sustentando que apenas possuem um veículo automóvel de marca Fiat, modelo 188, matricula XX que se estima valerá cerca de € 400,00; um Prédio urbano sito na freguesia de Nogueira, concelho da Maia, descrito na Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º YYY e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo TTT; e o vencimento do requerente na ordem dos € 1.000,00; estando o único bem imóvel hipotecado e por valor superior ao VPT, numa situação de insolvência, o mesmo seria adjudicado pelo credor hipotecário e não liquidaria integralmente a quantia em dívida.
                                                                                                    
Em sede de Exoneração do Passivo Restante e admitindo que seria concedido 25MN (€ 1.060,00) atendendo a um agregado familiar composto por quatro elementos, sendo dois deles menores e totalmente dependentes, resultaria que não fariam entregas à Massa Insolvente pelo que o valor que se propõe pagar é sempre superior ao que resultaria de quaisquer entregas à Massa Insolvente e subsequente rateio.

Foi proferida decisão, recusando a homologação do plano de revitalização dos devedores. 

Inconformados, recorrem os devedores, concluindo que:

A)– O Processo Especial de Revitalização (PER) foi criado pela L. 16/2002 de 20/4 (artigo 1°, nº.2 do CIRE, com regulamentação nos artigos 17°-A a 17°-I), através do qual se intenciono reorientar "o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação",

B)– Trata-se de um processo negocial cujo fim é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a sua viabilização, sendo certo que a sua eficácia pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos que, a verificar-se, vincula todos os credores, o que sucedeu no caso sub judice.

C)– Prevê o art. 17°-F, nº 3, do CIRE, concluindo-se as negociações, o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1, do art. 212°, do CIRE, para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência (quorum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quorum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados), sendo o quorum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos ou recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

D)– Foi exactamente o procedimento supra descrito cumprido no presente processo especial de revitalização apresentado pelos Recorrentes, que percorreu os habituais trâmites legais, que, por razões de economia processual, aqui se dispensam de reproduzir, tendo o mesmo sido concluído com a apresentação de um plano de revitalização aprovado pela maioria dos credores.

E)– No entanto, com o devido respeito pela opinião contrária, o Tribunal a quo proferiu sentença de recusa de homologação do Plano de Recuperação aprovado nos autos, o que merece censura, nos termos que adiante se demonstrarão, pois entende-se que foram escrupulosamente cumpridas todas as regras legais.
                                                                                                   
F)– O plano de revitalização apresentado pelos Devedores passou quanto aos créditos comuns essencialmente pelo perdão de 90% do pagamento do capital em débito, sendo pagos 10%, que se liquidará em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, com perdão total de juros vincendos, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que homologar o plano de revitalização.

G)– O plano de recuperação supra reproduzido veio a ser aprovado pela maioria dos credores, ou seja, por 87,65% de votos favoráveis, tendo votado contra o mesmo apenas 12,35% dos credores.

H)– No entanto, o Tribunal a quo recusou a sua homologação e baseou-se essencialmente, no facto de considerar "o plano comportar um prejuízo superior à sua ausência ou até à situação que resultaria da declaração de insolvência."

I)– De acordo com o mencionado no plano de recuperação, a diferenciação apresentada baseia-se na caracterização distinta dos tipos de créditos elencados, ou seja, distinguiu-se créditos garantidos e créditos comuns.

J)– Procuraram os Recorrentes reduzir os encargos mensais, colocando-os à medida das suas actuais possibilidades.

K)– Mais se expôs que o Recorrente marido aufere actualmente 1.000,00 € mensais, no entanto, a Recorrente mulher, encontra-se desempregada.

L)– Demonstraram ainda os Recorrentes, através de um juízo de prognose, que os credores sempre ficariam beneficiados com o presente plano, através do qual recebem 10% dos seus créditos, o que não sucederia se aqueles fossem declarados insolventes, em que receberiam uma ínfima parte do que lhes é devido.

M)– Caso os Requerentes fossem declarados insolventes, o seu único património, o Prédio urbano sito na freguesia de Nogueira, concelho da Maia, descrito na Conservatória de Registo Predial da Maia sob o nº 000 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000, será liquidado e o valor apurado será integralmente recebido pelo Credor Hipotecário, o Banco Santander Totta e absorvido pelas custas do processo.

N)– Mais se dirá que, muito provavelmente, será concedido aos Requerentes a título de rendimento disponível, no mínimo, dois salários mínimos nacionais, pelo que, presume-se que os mesmos não terão que ceder qualquer valor à massa insolvente.

O)– Face ao exposto, o plano de revitalização sempre colocaria os credores comuns em situação melhor do que aquela em que ficariam caso os Recorrentes fossem declarados insolventes, bem como na ausência de plano, pois, ao contrário do que é invocado na sentença, os credores não receberiam a totalidade dos créditos, pois, nem com penhoras alcançariam o objectivo de ser ressarcidos na íntegra e, muitos deles, nem em parte.

P)– Caso não se tivesse aplicado perdão aos credores comuns, situação completamente legítima e legal, conforme se justificou no próprio plano de recuperação, não seria possível aos Requerentes viabilizar a sua situação financeira nem revitalizar o seu tecido económico.

Q)– Mais cumprirá referir que o processo especial de revitalização [inspirado no conhecido "capítulo 11" norte-americano], nascido no âmbito do programa revitalizar criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, e tendo como desiderato essencial afirmar-se como uma solução de reestruturação empresarial, não devendo ser encarado como mais um expediente que veio fazer parte do "problema", ao invés deve antes ser encarado como um efectivo meio que vem acrescentar algo de novo para a "solução", maxime para a viabilização e/ou recuperação do devedor.
                  
R)– Logo, a introdução do PER no CIRE, fez com que a satisfação dos direitos dos credores deixasse de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, doravante (manifesto é que com a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar o objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação), a recuperação do devedor a consubstanciar, também, um fim atendível no âmbito do CIRE, maxime em sede do PER.

S)– Assim, o principal objectivo da alteração do CIRE visou direccionar este último diploma para a recuperação de empresas devedoras, "privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação"

T)– Acerca do princípio da igualdade, dizem-nos ao Autores Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, que se permite que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores da insolvência, desde que 'Justificadas por razões objectivas", sendo que, de entre estas últimas  susceptíveis portanto de justificar um tratamento diferenciado - relevam, por exemplo, a distinta classificação dos créditos, o grau hierárquico que ocupam na respectiva graduação ou mesmo as fontes do crédito, apenas estando vedada a possibilidade de, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em idênticas circunstâncias.
U)– Dispõe o artigo 192°, do CIRE, que está vedado ao plano de recuperação conducente revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações.

V)– A tudo isto acresce o facto de esta ser a única forma dos Requerentes se revitalizarem é conseguirem liquidar todas as suas obrigações, junto de todos os credores.

W)– Mais se dirá que após a votação e aprovação do plano de recuperação, incumbe ao juiz decidir se deve homologar ou recusar o plano no prazo de dez dias a contar da recepção do mesmo (cfr. art° 17-F, nº 5 e 6), aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.° e 216.°, sendo que, a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.

X)– Segundo estes normativos legais decorre o dever de o Juiz recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, por exemplo, tal lhe tenha sido solicitado por algum credor que demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano; b) O plano proporciona a um credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos . O que não se verificou no caso sub judice.
 
Y)– Como bem salienta Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, há-de o juiz ater-se às situações de "violação grave não negligenciávef'  das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois que, já as "Violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afetados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano".

Z)– Não distinguindo o legislador o que deve entender-se por "vício não negligenciável" que constitua fundamento da recusa de homologação do plano de recuperação, e estando abrangidos pelo art° 215° do CIRE tanto os meros vícios procedimentais com outrossim os de conteúdo, considera-se como que fazendo parte dos não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que importem forçosamente uma violação de normas imperativas que comportem a produção de um resultado não autorizado pela lei, sendo. já porém negligenciáveis todas as outras infracções que atinjam regras de tutela particular que podem ser afastadas com o consentimento do protegido.

AA.– Mais se dirá que, porque no âmbito do PER, a satisfação dos direitos dos credores deixa de ocupar o lugar privilegiado que até então vinha tendo no CIRE, passando, doravante, após a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, o objectivo principal a incidir sobre a possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação, tudo aponta e obriga outrossim a que, em sede de recusa da homologação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, há-de forçosamente o Juiz atender ou pelo menos não menosprezar o favor debitoris, ou seja, ter de alguma forma presente o desiderato do PER em sede de revitalização do tecido empresarial, apenas lhe estando vedado contemporizar com violações de normas imperativas e que comportem a produção de um resultado de todo não autorizado pela lei.

BB)– Importando, é certo, a violação do princípio da igualdade em sede de plano de recuperação conducente à
revitalização do devedor, uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis ao seu conteúdo, razão porque, impõe-se então ao tribunal, no caso de inexistir o consentimento do lesado, recusar a sua homologação ( cfr. art° s 192° e 215°), a verdade é que tal princípio apenas se reconduz à necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário.

CC)– Mais se dirá que, caso o plano não tivesse sido aprovado, nem tivessem sido melhoradas as condições de pagamento aos credores, fazendo um mero juízo de prognose, estes ficariam sempre em pior situação, uma vez que a Recorrida não tendo capacidade para liquidar os seus créditos e, caso fosse declarada insolvente, o que não se vislumbra no caso sub judice, os credores titulares de créditos comuns não seriam nunca ressarcidos.

DD)– Motivo pelo qual, se pode claramente constatar que foram cumpridos os principais propósitos a que o Processo Especial de Revitalização se propõe e que passam essencialmente pela eficaz recuperação da Devedora, sem ferir nem prejudicar os credores.

EE)– Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, andou mal o Tribunal a quo, por se entender que a sentença não salvaguarda os interesses de todas as partes e não configura a melhor solução, quer para os Devedores, quer para os Credores, pelo que, deverá ser dado provimento ao recurso, considerando-se revogada a decisão recorrida e, consequentemente, determinar-se a homologação do plano de revitalização apresentado pelos Devedores e aprovado pela maioria dos credores, que o legitimaram.

O Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito SA contra-alegou sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

A questão em apreço reside na recusa de homologação do Plano de revitalização, por parte do Mº juiz a quo.

Este plano previa:

A)– Quando ao crédito do Banco Santander Totta SA, credor hipotecário, a manutenção das condições contratualizadas.

B)– Quanto ao crédito da Autoridade Tributária, pagamento da quantia total reclamada, em 36 prestações, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 5,535%.

C)– Quanto aos créditos comuns, perdão de 90% do pagamento do capital em débito, sendo pagos 10% que se liquidarão em 60 prestações mensais, com perdão total de juros vincendos.
O plano foi aprovado por credores que representavam mais de 2/3 dos créditos relacionados na lista definitiva de credores. Ou seja, foi aprovado em conformidade com o previsto no art. 17º-F do CIRE.

Nos termos do nº 5 deste preceito, “o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação (...) aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”.

O art. 215º alude à violação não negligenciável de regras procedimentais.

O recorrido, nas contra-alegações alega que, após ter apresentado a reclamação do seu crédito, comunicou aos ora recorrentes o propósito de participar nas reuniões conducentes à apresentação de um Plano de Revitalização. Não tendo contudo obtido qualquer resposta, limitando-se posteriormente os devedores a enviar ao Montepio Crédito a proposta de Plano para votação.

Não lhe tendo pois sido facultada a possibilidade de negociar tal proposta de Plano.

Em nosso entender isto não representa uma omissão não negligenciável, ou seja, que afecte o resultado a que se destina essa sequência de procedimentos. Na verdade, os credores cujos créditos representavam mais de 2/3 do total aprovaram o Plano (feito, reconheça-se, à medida dos seus interesses) nos termos previstos no art. 17º.F nº 3.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda - “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, pág. 119 - “dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido”.

Mais precisamente, será de aplicar a filosofia que preside ao art. 201º do CPC, relativamente a nulidades que possam ou não interferir na boa decisão da causa.

No caso dos autos, o facto de o Montepio Crédito não ter sido convidado a integrar as negociações para elaboração de um Plano não nos aparece com um relevo que tenha influenciado a aprovação de tal Plano, que veio mesmo a ocorrer. O Montepio Crédito, de resto, reconhece que a ser chamado para se pronunciar sobre o plano provisório, teria de imediato manifestado a sua rejeição do mesmo, sem que isso influa no resultado final, na medida em que o Banco Santander Totta e a Autoridade Tribunal detinham mais de 2/3 do total dos créditos reclamados.

Basta observar que a grande maioria dos credores comuns votaram contra o Plano, sem que isso tivesse influência no desfecho final da aprovação.

A questão, na verdade, tem a ver com o conteúdo de tal Plano o que nos remete para o art. 216º do CIRE.

E nomeadamente para a circunstância referenciada no nº 1 a) do mesmo preceito, ou seja, a situação do Montepio Crédito, nos termos do Plano, ser previsivelmente menos favorável do que ocorreria na ausência de qualquer plano.

Na decisão recorrida entendeu-se ser exactamente isto que ocorria, não só com o Montepio Crédito mas com todos os credores comuns, já que o plano prevê o perdão de 90% dos seus créditos e de todos os juros vincendos.

Daqui conclui o Mº juiz a quo que a situação de tais credores comuns não só ficou pior que a que existiria na ausência de qualquer plano mas igualmente que a situação que resultaria da declaração de insolvência.

Vejamos se é assim.

O Banco Santander Totta tem um crédito (garantido por hipoteca) de € 69.925,69. A Fazenda Nacional tem um crédito (comum) de € 141.971,86.

O total dos créditos reconhecidos foi de € 243.395,61.

O património dos devedores é constituído por um imóvel com o valor de € 71.920,00 (hipotecado a favor do Banco Santander Totta), um automóvel de valor indeterminado e os salários do devedor marido no montante de cerca de € 1.300,00 líquidos mensais. A devedora mulher está desempregada.

Se o processo redundasse na declaração de insolvência dos devedores, a situação do Banco Santander Totta manter-se-ia igual, face à garantia de que beneficia.

Mas os créditos da Fazenda Nacional teriam de concorrer em condições idênticas às dos outros credores comuns, incluindo o Montepio Crédito.

Repare-se que nos termos do Plano aprovado o crédito reclamado pela Autoridade Tributária será pago na totalidade em 36 prestações, acrescido dos juros de mora vincendos, o que representará prestações mensais no valor aproximado de € 4.000,00.

Isto significa, face ao património dos devedores, que mesmo em relação aos 10% dos demais créditos comuns o seu pagamento será problemático (embora se preveja o perdão de juros e o pagamento durante 60 meses).

Mas, numa situação de igualdade de credores comuns, incluindo assim os créditos tributários, mesmo que o pagamento fosse faseado em prestações, parece evidente que o que caberia a cada credor seria superior aos 10% previstos no Plano.

Com efeito, sendo 8 os credores comuns, se um deles recebe a totalidade do seu crédito e juros – cerca de € 142.000, e os restantes apenas 10% dos respectivos créditos – e sem juros vincendos – e seguindo uma lógica meramente aritmética, chega-se à conclusão que, colocados numa situação de igualdade, acabariam por receber, cada um, uma parcela superior a esses 10% (na verdade 12,5%).

O Plano apresentado pelos devedores visa, manifestamente, evitar a insolvência, garantindo à partida o acordo do credor com garantia hipotecária e o maior credor comum, com sacrifício dos demais.

Repare-se que de acordo com o Plano, o ora recorrido, Montepio Crédio passaria a receber, durante 60 meses a quantia mensal de  € 26,00, vendo o seu crédito de € 15.700 mais juros vincendos, reduzido a € 1.570,00, sem juros e pagáveis em 60 meses.

A situação dos demais credores comuns é semelhante com excepção da Autoridade Tributária que receberia a totalidade do seu crédito (€ 141.971,88) e juros.

Esta extrema desigualdade, tem, como vimos, o manifesto objectivo de assegurar que a Fazenda Nacional aceite o Plano, assegurando a sua viabilidade, mesmo implicando uma desconsideração quase absoluta pelos demais credores comuns.

Nesta medida, não parece difícil concluir que o Plano conduz estes credores a uma situação menos favorável do que aquela que se verificaria na ausência de qualquer plano, o que constitui fundamento para recusa de homologação do mesmo Plano nos termos dos artigos 17º-F nº 5 e  216º nº 1 a) do CIRE.

Como sublinha o Mº juiz a quo o Plano de Revitalização permitiria aos devedores serem liberados das suas dívidas, quase na totalidade, mediante a redução drástica dos créditos de 7 dos 9 credores.

Quando os recorrentes alegam que o Plano mereceu a aprovação da maioria dos credores – conclusão G) – o que querem dizer é que recolheram 87,65% de votos favoráveis, correspondentes a 2 dos 9 credores.

Também não é exacto que a diferenciação apresentada no plano de recuperação se baseie na caracterização distinta dos créditos elencados, ou seja, créditos garantidos e créditos comuns, porque apenas um dos créditos é garantido (por hipoteca) não sendo sequer o mais importante (€ 69.925,69 de um total de € 243.395,61).

Os recorrentes procedem a uma análise, tentando demonstrar que os credores comuns ficarão beneficiados com o Plano, já que se tais recorrentes fossem declarados insolventes, os credores comuns nem 10% receberiam.

Isso pode ser compreendido se pensarmos no imóvel dos recorrentes e no credor Santander garantido por hipoteca sobre o prédio. Mas todos os demais bens dos recorrentes, quer os que têm no presente quer os venham a adquirir, passarão, sem o Plano a satisfazer em igualdade os outros oito credores, todos comuns.       
Repare-se que se os recorrentes pretendem, de acordo com o seu Plano, pagar a um dos credores comuns, a Fazenda Nacional, o crédito de € 141.971,88 acrescido de juros vincendos, em 36 prestações, terão de possuir meios para o fazer, sendo que o salário do requerente marido não ultrapassa € 1.300,00 mensais e a requerente mulher está desempregada. A prestação mensal que terão de pagar ao fisco, no âmbito do Plano, e sem contar com os juros, ultrapassa os € 3.900 mensais.

Alegam os recorrentes que o que lhes estava vedado era sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas e sem a verificação de um quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação. Mas foi exactamente isso que fizeram (excluindo, é claro, o caso do Banco Santander Totta) não se vendo quais os critérios que sustentam tal diferenciação, salvo um: conseguir obter a aprovação graças ao tratamento inteiramente favorável de um dos credores comuns mas detentor de cerca de 64% dos créditos.

É certo que o art. 17º-A nº 1 do CIRE considera que o processo especial de revitalização se destina a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas ainda susceptível de recuperação, que estabeleça negociações com os credores de modo a concluir com um acordo conducente à sua revitalização.

Mas esse propósito não conduz à conclusão de que tal processo incorpora a noção de subalternização dos direitos juridicamente tutelados dos credores e seus legítimos interesses. E prova disso reside na aplicação dos artigos 215º e 216º do CIRE, por força do art. 17º-F, nomeadamente o fundamento de rejeição do Plano quando este colocar os credores em situação pior que aquela que se verificaria na ausência de plano, salvo obviamente o caso de aceitação desses credores (o que não é o caso aqui).

Não podemos aceitar que na base do procedimento de revitalização esteja um “abrir de portas” ao devedor para se libertar das dívidas que tenha para com os credores, resultantes do incumprimento de contratos celebrados de boa-fé e geradores de interesses legítimos, pelo simples processo de assegurar o pagamento a um ou vários dos credores que lhe assegurem a aprovação do Plano e exonerar-se unilateralmente da responsabilidade pelo pagamento da quase totalidade das dívidas para com os demais. 

Por outro lado, o que está aqui em causa é o Plano de Revitalização e não as consequências de uma eventual declaração de insolvência, com concessão de exoneração do passivo restante, matéria igualmente invocada pelos recorrentes nas suas conclusões.

Acrescentando-se ainda que não se pode presumir que a situação dos devedores não venha a melhorar – por exemplo, que a requerente mulher venha a arranjar trabalho e uma remuneração.
Nesse caso, os credores comuns poderão esperar um acrescido ressacimento dos seus créditos. Mas, se fosse homologado o Plano, pouco lhes interessaria tal melhoria patrimonial dos devedores, uma vez que já estavam privados de 90% dos seus créditos.

Conclui-se assim que:
– Aprovado um plano de revitalização pelos dois maiores credores, um com garantia hipotecária e o outro um credor comum, e prevendo o plano a satisfação integral dos créditos destes dois credores, incluindo juros, mas prevendo por outro lado o perdão de 90% dos créditos dos outros sete credores comuns, e da totalidade dos juros, contra a vontade destes, verifica-se um tratamento desigual entre oito credores da mesma natureza (credores comuns).
– Além disso, a situação de sete dos credores comuns é claramente pior que aquela em que se encontrariam caso não existisse qualquer plano, o que é fundamento, nos termos do art. 17º-F nº 5 e 216º do CIRE para a não homologação pelo juiz do plano de revitalização.

Termos em que improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.



LISBOA, 19/4/2018



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais