Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22238/20.4T8LSB-A.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: DESPEDIMENTO
DIRIGENTE SINDICAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
COVID 19
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Os Sindicatos e os seus dirigentes têm direito a desenvolver actividade na empresa com vista a promover os interesses sócio-profissionais dos trabalhadores, de forma livre e independente do Estado e dos empregadores (art.os 14.º, 440.º e 460.º do CT e 37.º, n.º 1 e 55.º, n.º 4 da CRP e 10.º da CEDH).

II.A liberdade de expressão de que gozam tem limites, decorrentes, designadamente, do respeito pelos direitos de personalidade do empregador e do normal funcionamento da empresa, que se ultrapassados podem gerar infracção disciplinar (art.os 10.º, n.º 2 do da CEDH, 37.º n.º 3 da CRP e 14.º do CT).

III.A divulgação pública pelo trabalhador, incluindo por meios de comunicação social, de que a empregadora, empresa de distribuição alimentar, não cumpre o plano de contingência decorrente da pandemia causada pelo COVID19 e mantém a trabalhar pessoas infectadas ou em quarentena e que o seu responsável no local de trabalho "fez os trabalhadores assinarem um documento em como não contavam a ninguém o que se estava a passar em Telheiras", o que sabia ser falso, é manifestamente lesivo do bom-nome e com manifesto potencial para lhe infligir danos reputacionais capazes de a lesar economicamente, sendo constitucionalmente proibido e passível de ser considerado como crime (art.os 26.º, n.º 1 da CRP, 180.º e 183.º do CP).

III.E porque manifestamente grave, é susceptível de causar a imediata ruptura da relação laboral e constitui justa causa para o empregador despedir o trabalhador (art.os 351º, n.os 1 e 2, 120.º, n.º 1, alíneas a) e f) alínea do Código do Trabalho).


(Sumário Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório.


AAA intentou a presente acção declarativa, com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra BBB, pedindo que seja considerado ilícito o despedimento e em consequência condenada a reintegrar a trabalhadora e a pagar-lhe todas as remunerações e subsídios que esta deixou de auferir em consequência dessa decisão.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Na sequência da notificação para esse efeito, a ré, para além de apresentar o seu articulado de motivação do despedimento, no qual aceitou que entre ambas vigorou o contrato de trabalho e que o mesmo cessou, por despedimento com justa causa da autora, porquanto a trabalhadora proferiu afirmações públicas na comunicação social desleais para com a empregadora, as quais são falsas e põem em causa o bom nome da empresa, juntou o processo disciplinar.

A trabalhadora respondeu, não impugnando os factos imputados mas referindo que os mesmos correspondem a declarações que proferiu enquanto dirigente sindical e como resultado das informações que lhe chegaram nessa qualidade e sustentando a ilicitude do despedimento.

Foi lavrado despacho saneador, dispensada a realização de audiência preliminar bem como a selecção da matéria de facto assente e a selecção da matéria a constar da base instrutória, admitida a prova arrolada pelas partes e confirmada a data já designada para realização da audiência de julgamento.

Realizada a audiência de julgamento, foi em seguida proferida sentença, na qual a Mm.ª Juiz julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

Inconformada, a autora interpôs recurso, pedindo que seja declarada a inconstitucionalidade nos termos constantes na conclusões e/ou ser proferido acórdão que revogue a sentença ora requerida declarando o despedimento ilícito, com todas as legais cominações, reintegrando-a e a pagar-lhe todas as remunerações e subsídios que deixou de auferir em consequência dessa decisão, condenando a apelada, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"I.O tribunal a quo, para o que interessa considerou e decidiu em conformidade com essa decisão, fundamentando para o despedimento da A. que a maior liberdade de expressão a que usualmente os dirigentes sindicais estão habituados e costuma ser tolerado tem porém uma barreira inultrapassável: o respeito e lealdade que se mantêm enquanto se mantiver o vínculo laboral.
Ora, num momento crítico que a sociedade vivia por receio da pandemia que crescia largamente, a A. criou pânico nos utentes e denegriu a imagem da sua entidade empregadora. E nessa medida, cremos que a um empregador médio colocado na posição da R. não seria exigível que a mantivesse a trabalhador, porque perdeu irremediavelmente a confiança na mesma.
II.Desde logo, como se pode verificar na matéria de facto dada por provado, em momento algum a R. logrou demonstrar que as declarações da A. tivessem criado pânico nos utentes, muito menos que a imagem da R. tivesse ficado denegrida. Essa prova não foi feita, nem consta da matéria de facto dado como provada que assim fosse. Aliás, a R. não conseguiu provar que tivesse tido quebra de receita em consequência das declarações da A.
III.Acresce a isto que ao entender-se, como o faz o tribunal a quo que, nos presentes autos, o despedimento da A. se justifica pois esta está obrigada a manter, como dirigente sindical o respeito e a lealdade para com a entidade patronal, levará à possibilidade de uma ingerência, ilegal e inconstitucional, na actividade sindical.
IV.Não é falta de lealdade e de respeito para com a entidade patronal o exercício das funções sindicais, mesmo como porta-voz do Sindicato, a prolação pública de afirmações de que a entidade patronal não goste, ou que entenda como crítica, ou como menos favorável à sua imagem. Entenda-se que a actividade sindical e a sua liberdade tem consagração constitucional, nomeadamente no n.º 4 do art.º 55.º da Constituição. A actividade sindical é independente do Estado e do patronato. Entender que a cada dirigente sindical pode ser alvo de despedimento em consequência da sua actividade sindical, seria abrir uma porta que permitiria ao patronato controlar os sindicatos por via do ataque aos seus dirigentes. Estes estariam sempre sujeitos a autocensura, com receio de virem a ser despedidos em consequência da sua actividade sindical, se esta desagradasse à sua entidade patronal. Seria uma forma de esvaziar os sindicatos de qualquer possibilidade de actuação independente. Aliás, a ser verdade que a R. entendeu que a sua imagem foi denegrida, nem bem se entende porque razão não agiu, criminal ou civilmente, contra o CESP, mas apenas contra a A. – dirigente sindical. Deve-se acrescentar que, para além do mais, a A. prestou as declarações que foram decididas colectivamente pela Direcção do Sindicato, apenas como porta-voz.
V.Assim, tal interpretação feita pelo tribunal a quo do n.º 4 do art.º 55.º da Constituição, é inconstitucional e tal inconstitucionalidade desta interpretação deve ser declarada.
VI.Para além de que a liberdade de expressão, decorrente do art.º 37.º da Constituição dá a todos o todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. Com a garantia de que o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
VII.Pelo que a liberdade de expressão não pode ser cerceada nem ao trabalhador. Pois este para além do mais e antes de tudo é um cidadão. Titular de todos os direitos que a Constituição lhe concede, mesmo no plano laboral. A liberdade de expressão e de opinião de um trabalhador, no âmbito a empresa é uma questão de tutela constitucional da sua dignidade como cidadão. O facto de um cidadão estar obrigado contratualmente a prestar uma actividade sob as ordens e direcção de outrem em regime de subordinação jurídica, não lhe limita o direito a expor e divulgar livremente o seu pensamento e opinião acerca de múltiplos aspectos da vida social, muito menos quando o faz, com protecção constitucional acrescida na sua qualidade de dirigente sindical. Diga-se, em acréscimo, que neste caso, nos presentes autos, até estava a agir como porta-voz do pensamento e da opinião decidida colectivamente pela direcção do Sindicato, tudo como consta da matéria de facto dada como provada.
VIII.Assim a A. mantém, enquanto trabalhadora e dirigente sindical toda a liberdade de divulgar factos, exteriorizar opiniões e criticar planos, medidas e actuações da sua entidade patronal, seja de modo individual seja, como o fez, em nome do Sindicato, como sua porta-voz. A regra da liberdade de expressão no edifício constitucional português é a da universalidade – a liberdade de expressão para todos, sem exclusões, mesmo que decorram do princípio da lealdade para com a entidade patronal. Não há por isso, qualquer redução dessa liberdade, em função de qualquer qualidade jurídica que o cidadão adquira, mesmo a qualidade de trabalhador.
IX.Ora, nos termos do art.º 5.º da Constituição, concretamente o n.º 6, os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à protecção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.
X.Assim, as declarações de um dirigente sindical poderão ser incomodativas, ou fortes, mas têm de ser entendidas como o exercício do direito de liberdade de expressão por parte de um dirigente sindical.
XI.Aceita-se que dos deveres emergentes do contrato de trabalho possam resultar constrangimentos ao exercício da liberdade de expressão, nomeadamente, um trabalhador prestar declarações contrárias aos interesses directos da respectiva entidade patronal. Todavia, a A. e ora recorrente, não é só uma trabalhadora, é também dirigente sindical. E, pela própria natureza, os sindicatos têm projectos, propostas, opiniões conflituantes e contrárias aos interesses das entidades patronais.
XII.E as limitações que se referem só em situações de tais declarações de leviano difundirem uma imagem da empresa.
XIII.Mas, como ficou provado, as declarações prestadas pela A. e ora recorrente foram-no como porta-voz do Sindicato e declarações decididas pela Direcção do Sindicato. Não por decisão, ou motu proprio.
XIV.E ainda assim, os limites da crítica aceitável têm de ser mais alargados, pois referem-se a uma entidade de maior exposição pública. Pelo que a crítica corresponde ao exercício de um direito tanto por parte do Sindicato, como por parte da A. que prestou as declarações em nome do Sindicato. Cumprindo uma das mais essenciais funções da liberdade de expressão, resultantes da convivência democrática – a reflexão e o debate.
XV.Atente-se que a A. e ora recorrente está a ser punida, com o despedimento, pelo exercício do direito de crítica à gestão que a R. estava a fazer da situação de pandemia.
XVI.Às vezes com inexactidões. E andou bem o tribunal a quo ao entender que a inexactidão patente não se nos afigura com gravidade tal que justifique uma quebra irremediável na confiança que a entidade empregadora deve depositar no seu trabalhador.
XVII. Mas já não andou bem no resto da fundamentação.
XVIII. Repare-se até que a motivação da sentença recorrida vai no sentido de interpretar os factos de modo a ser possível punir a A. e ora recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária que é sempre muito.
XIX.Atente-se que no que se refere às caixas de acrílico na loja da …, no que se refere à ausência de dois acrílicos nas caixas de registo das compras, facto que ficou provado pelo depoimento de duas testemunhas, consegue a sentença a quo retirar consequências negativas para a A. e fundamentadoras da justa causa do seu despedimento.
XX.Reproduz-se o modo como a sentença recorrida inverte o sentido que se deve retirar da prova feita, atribuindo à ora recorrente uma culpa que não tem:
Note-se. A existência de protecções de acrílico não era, a essa data (e não é ainda) obrigatória. Mas a A. não se coíbe de dar a informação, nos moldes em que o faz, sem cuidar de mencionar isso, como se o BBB  estivesse a incumprir com os seus deveres de cuidado para com a saúde dos seus trabalhadores e do público. E tal gera suspeitas sobre o bom nome da R.
XXI.O que está em causa é que, de facto, o  incumpriu com os seus deveres para com o público, seus clientes, e com os trabalhadores.
XXII.Os deveres de uma empresa não resultam só do que decorre das normas jurídicas, das normas administrativas, das orientações emanadas da Direcção-Geral de Saúde, ou de outras autoridades com competência para tal.
XXIII.Os deveres de uma empresa resultam também dos compromissos que assume voluntariamente perante os seus trabalhadores e perante o público (seus clientes); no fundo o velho princípio jurídico pacta sunt servanda.
XXIV.Ficou provado que a R. tinha um plano de contingência. E decidiu equipar as suas caixas registadoras, nas suas lojas, para protecção do público e dos trabalhadores, com caixas protectoras de acrílico, diminuindo assim a possibilidade de contágio.
XXV.Ora, ao não haver caixas de acrílico em duas das caixas de registo de compras, na loja em causa, por terem caído, tanto os trabalhadores da R. como os clientes que utilizassem tais caixas, viam diminuída a protecção acrescida que a R. decidiu garantir-lhes. Ou seja, ao contrário do que a sentença recorrida afirma, a R., de facto, incumpriu os seus deveres – deveres voluntariamente assumidos. Insiste-se – pacta sunt servanda.
XXVI.Pelo que parece que tal crítica não deva ser entendida como fundamento para declarar a licitude do despedimento.
XXVII.Declara o tribunal a quo que as afirmações da A. são mais do que inexactas. São aqui e ali falsas.
XXVIII.Declara o tribunal a quo que as afirmações da A. são mais do que inexactas. São aqui e essa é a questão. Apenas aqui e ali. Não como um todo e nunca com a intenção de falsear. E muito menos por declarações próprias. Mas sim, como porta-voz de um comunicado decidido pela Direcção do Sindicato. Ou seja, onde possam resultar falsas, aqui e ali, resultam da decisão do Sindicato e do apuramento que este fez.
XXIX.Na verdade, a falsidade a que a sentença ora recorrida se refere prende-se com uma alegada assinatura de documentos por parte dos trabalhadores para manter o sigilo quanto ao facto de se encontrarem contaminados.
XXX.Mas, mesmo neste particular é necessário insistir que a A. foi apenas o mensageiro de uma decisão da Direcção do Sindicato ('não matem o mensageiro'), que em comunicado alegou ter detectado esta situação. Sem indicar as fontes. Muitos menos à A.

XXXI.Pode ler-se na sentença que recorrida:
A A. não apenas não logrou provar a existência do documento, como nem uma pessoa concretamente identificada pode atestar que o mesmo exista. E tal é grave. Não se pense, por um segundo, como chegou a ser alegado, que a A. por ser dirigente sindical pode 'ocultar as suas fontes' como se fosse jornalista sujeito a algum sigilo profissional, e desse modo afirmar tudo quanto pretende escudando-se nesse sigilo com vista a proteger os trabalhadores. Se os factos são verdadeiros, e sendo ilícitos, têm de ser afirmados como factos, nomeadamente a quem pediu o BBB que assinasse tal documento e quando fez. E nenhuma prova foi feita nesse tocante antes se provando que o mesmo inexiste.

XXXII.E assim foi. Nenhuma prova foi feita da existência de tal documento. Ainda se ponderou, durante a audiência de julgamento, que alguns trabalhadores, que foram submetidos ao teste para despiste de estarem contaminados com o covid19, possam ter interpretado que as declaração no formulário do laboratório que, regra geral, afirma que a recolha de dados é confidencial e que não pode ser divulgada, pudesse levar tais trabalhadores a tal confusão.
XXXIII.O que é certo é que o próprio Sindicato e não a A. e ora recorrente, não revelou quem lhe comunicou a informação de tal documento. E as testemunhas, dirigentes sindicais ouvidas, também não o fizeram. Mas também nenhuma delas tinha visto tal documento.
XXXIV.Mas este facto, só por si, isolado, não pode servir para justificar a licitude do despedimento da A.
XXXV.Esta ao afirmar a existência de tal documento fê-lo em nome do Sindicato, por decisão deste, e em erro sobre os factos essenciais.
XXXVI.Erro que a levou a convencer-se que havia tal documento e que a informação era fidedigna. Pois foi apresentada, tal informação, na reunião da Direcção do Sindicato como sendo verdadeira. Ou seja, a A. não só falou em nome do Sindicato como, em erro sobre os factos essenciais, estava convencida da veracidade de tal informação.
XXXVII.Ora, o erro sobre factos essenciais, é uma cláusula de exclusão da ilicitude.
XXXVIII.Donde nunca a A. poderá ser despedida por tal facto.
XXXIX.Pois a falsa informação não pode ser entendida como violação de qualquer dever profissional por parte da A., na medida em que lhe foi transmitida na Direcção do Sindicato. E isso resultou de lapso dos colegas da A. que levaram tal informação à reunião de Direcção.
XL.Não parece aceitável que fosse exigível à A. inteirar-se da veracidade da informação que lhe foi transmitida na reunião da Direcção do Sindicato.
XLI.E não era exigido que tivesse esse cuidado porque, recorrendo às regras da experiência, é perfeitamente natural que a A. confiasse plenamente na informação que lhe foi transmitida.
XLII.Não se duvida que tal declaração tenha causado mal-estar na Ré, mas não traduz, por parte da Autora, a violação dos seus deveres de respeito e de lealdade para com a parte empregadora. E se de outro modo se entender está-se a violar e a desprezar o exercício do direito de liberdade de expressão que cabe a cada trabalhador e, máxime, aos seu legais representantes, como é o caso da A., dirigente sindical.
XLIII.É bom de ver que as declarações da A. como porta-voz do Sindicato não se traduziram num ataque gratuito à R.
XLIV.Ainda que não estivesse em erro sobre factos essenciais, o que só por mera hipótese se admite, sem, contudo, conceder, este facto, só por si – um só erro na sua relação laboral – só por si não é suficiente para justificar o seu despedimento.
XLV.O tribunal a quo parece motivado contra a A. e ora recorrente, sempre com o devido respeito por opinião contrária. Pois para fundamentar a sua decisão usa de apreciações menos objectivas e mais, aparentemente, tendenciosas, fazendo apreciações subjectivas pouco favoráveis à A.:
Porém, guardiã da saúde pública a ponto de apontar o dedo à R. (…) depois é a própria A. quem anda nas instalações/refeitório da R. sem máscara e alega calor e dificuldades respiratórias para o fazer.
XLVI.A A. nunca se armou nem nunca quis ser guardião da saúde pública. Pelo menos, nem mais nem menos do que todos nós devemos ser enquanto cidadãos responsáveis.
XLVII.Mas a expressão denota uma má vontade do tribunal a quo contra a A. e agora recorrente.
XLVIII.Que deve ser corrigida, com um acórdão que considere procedente o presente recurso por provado e fundado, e revogada a sentença de que se recorre, decretando a ilicitude do despedimento da A. com todas as legais cominações.
XLIX.Dado que a sentença recorrida viola do disposto no art.º 351.º do Código do Trabalho. Donde deverá ser declarada improcedente a justa causa invocada, por violação do art.º 381.º do Código do Trabalho".

Contra-alegou a ré, sustentando que a sentença em crise deve ser mantida, concluindo que:
"(…)
3.-As questões de constitucionalidade não haviam sido anteriormente alegadas em qualquer fase do processo, pela Recorrente que ora deixa cair toda a sua argumentação/alegação para exclusivamente questionar a constitucionalidade da decisão proferida que decidiu pela justa causa de despedimento, centrando-se especificamente na ofensa à liberdade de expressão e a actividade sindical enquanto direitos constitucionalmente consagrados.
(…)
5.-Afigura-se que não pretende a Recorrente sindicar uma incorrecta interpretação judicial do que seja a liberdade de expressão, mas sim, equiparar a liberdade de expressão a toda e qualquer afirmação feita por um representante sindical.
6.-Da matéria de facto dada como provada, e não impugnada, não resulta qualquer facto que consubstancie tentativa da Recorrida de impedir a Recorrente de exercer qualquer direito, muito menos de tentar impedir a Recorrente de prestar as declarações que entendeu prestar em nome próprio ou em nome do sindicato, muito menos a douta sentença promove qualquer interpretação que limite o direito de liberdade de expressão da Recorrente.
7.-A Recorrente não expressou opiniões, mas certezas, sob a forma de acusações ou denúncias públicas, e fê-lo em declarações prestadas perante os mais reconhecidos órgãos de comunicação social nacional, afirmando sem margem para dúvidas que a Recorrida incumpria com as obrigações legais de segurança e saúde de trabalhadores e clientes, em violação dos normativos em vigor.
8.-Afirmou ter estudos e números, que nunca apresentou e que, confessadamente, reconheceu não ter dados que sustentassem as afirmações, falando a espaços em inexactidões.
9.-Afirmou que a Recorrida além de infractora de normas de segurança e saúde, e foco de contágio de trabalhadores, forçava os mesmos a trabalhar até demonstrem sintomas e a assinarem um papel, afirmação de que parece ora retratar-se, em que forçava os mesmos à confidencialidade.
(…)
11.-O direito a informar – pilar do exercício do direito de liberdade de expressão – conquanto devendo ser exercido de forma livre e não condicionada, não é isento de premissas no seu exercício, sendo uma delas a que o facto afirmado tenha um mínimo de sustentabilidade/veracidade. Veja-se a este propósito o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos de processo n.º 4161/16.9T9LSB-3, em 10 de Setembro de 2019, que teve como Relator o Desembargador João Lee Ferreira, disponível para consulta em wwww.dgsi.pt, e supra transcrito, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12.-Em matéria de facto provada e não impugnada, o que se conclui é que as afirmações feitas pela Recorrente aos meios de comunicação social não apresentavam correspondência com a verdade dos factos. Aliás, a falsidade das afirmações feitas pela Recorrente nos termos dados por provados, é pela própria admitida recurso, veja-se os pontos XXVII e XXVIII. Não se mostrando perceptível a afirmação da Recorrente que não seria exigível 'inteirar-se da veracidade das informações' – cfr. ponto XL das doutas alegações.
13.-No presente caso, a matéria de facto dada por provada não é reveladora do exercício de direito de liberdade de expressão, tal como o mesmo é entendido jurisprudencialmente, e ainda que assim não se entenda, inexiste fundamento para a afirmação de que o mesmo foi cerceado.
(…)
16.-Afirma ainda a Recorrente que actuou em erro sobre factos essenciais ao afirmar a existência de um documento elaborado pela Recorrida que obrigaria os trabalhadores a ficarem em silêncio sobre o número de infectados em loja, o que afastaria a ilicitude da conduta. Sobre este ponto afirma ainda a Recorrente que a informação lhe foi dada pela direcção do sindicato, que nunca viu o documento, que nunca identificou testemunhas que o tivessem visto, e que não era exigível à Recorrente inteirar-se da veracidade da informação.
17.-Termos em que deverá soçobrar todo o alegado a este propósito.
18.-Igual entendimento se alcançando quanto à alegada interpretação limitativa da actividade sindical.
19.-A Recorrida agiu no sentido de impedir tal exercício, mesmo em tempo de pandemia foi concedido à Recorrente e outros representantes sindicais, acesso às suas instalações, não houve, em momento algum, qualquer impedimento ao contacto com os trabalhadores, sequer foi impedida qualquer outra forma de realização da actividade sindical. Igualmente, a Recorrida não impediu, nem o poderia fazer, a prestação de declarações públicas da Recorrente.
20.-O exercício da actividade sindical não isenta os trabalhadores que assumem essa responsabilidade da possibilidade de serem sancionados disciplinarmente, desde que incorram em infracção disciplinar. O que sucedeu no caso em apreço. Neste sentido, veja-se o acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos de processo de recurso n.º 2182/04, em 14 de Dezembro de 2005, que teve como relator o Juiz Conselheiro Fernandes Cadilha, disponível para consulta em www.dgsi.pt, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido.
21.-Mostra-se legítimo o exercício do poder disciplinar pela Recorrida, não constituindo o mesmo, a tentativa de impedir ou dificultar o exercício da actividade sindical".

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida.

A apelada respondeu ao parecer do Ministério Público para, em síntese, reafirmar o que antes dissera na contra-alegação.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim sendo, a questão que se suscita na apelação da autora resume-se a saber se os factos por ela praticados constituíam justa causa para a apelada ré a despedir e sua conformidade constitucional.
***

IIFundamentos.

1.- Factos julgados provados:

"1.-A A. foi trabalhadora por conta e sob a autoridade da R. desde 1995, tendo actualmente a categoria de operadora especializada;
2.-A R. é dirigente sindical do CESP ‒ Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal;
3.- No dia 17-06-2020 nas notícias das 18:00 da … a trabalhadora proferiu as seguintes declarações: Aqui na cidade de Lisboa temos 40 lojas do BBB..., onde incluem, portanto, … e …, que são híperes, e posso-lhe dizer que pelo menos 50% dessas lojas têm trabalhadores infectados ou que estão de quarentena ou ainda não se sabe o resultado dos testes, mas continuam a trabalhar na loja.
4.-No dia 18-06-2020, no Primeiro … de …, a trabalhadora proferiu as seguintes declarações: Foi a única loja onde o BBB fez exames a todos os trabalhadores, foi a … porque chegaram a atingir os 17 contaminados. Estamos a falar de uma loja com 40 e pouco trabalhadores. Há 40 lojas na cidade de Lisboa, 50 % dessas lojas pelo menos 50 ou mais de 50 têm trabalhadores infectados. O nosso problema neste momento é que efectivamente a empresa quando aparecem trabalhadores contaminados, mandam eles de quarentena e não têm feito testes ao resto da loja. Significa que, devido a isso, o número de contaminados tem vindo a aumentar. [... ] Na situação de …, os trabalhadores, houve contaminados... foram de quarentena e o que aconteceu [imperceptível] eu penso que são à volta de 4 ou 5 da mesma secção, não sei se serão mais nesse momento já ... Mas foram de quarentena porque estavam contaminados, no entanto a empresa fez, neste caso o responsável de loja fez foi transferir outros trabalhadores dessa mesma loja para a secção onde tinham estado esses trabalhadores contaminados que de momento estão de quarentena. E para agravar esta situação toda, o responsável de loja, a empresa neste caso, o responsável representa a empresa no local de trabalho, fez os trabalhadores assinarem um documento em como não contavam a ninguém o que se estava a passar em …;
5.-No dia 19-06-2020, a trabalhadora prestou as seguintes declarações à rádio ….: No fundamental, números o Sindicato não tem. O certo é que depois num estudo feito... por quem acompanha as lojas que sou eu e a estrutura do BBB aqui em Lisboa, podemos dizer que... pelo menos mais de 50% das lojas, estamos a referir-nos a 40 lojas aqui na cidade de Lisboa, mas pelo menos 50 ou um pouco mais de 50% dessas lojas têm trabalhadores infectados. A contabilização não dá para se fazer em números porque efectivamente se formos a contabilizar hoje, amanhã e depois de amanhã, os números serão diferentes. Mas estão confirmadas mais de 20 lojas com trabalhadores contaminados com o... pronto com o vírus, COVID... (…) Eu falo nas lojas do BBB porque são as que acompanho... No entanto, sei que saiu para a comunicação social a questão da logística da A…... da …, não é...? Ou seja... isto está a tomar proporções muito grandes. O número aumenta de dia para dia, descobre-se cada vez mais trabalhadores infectados e obviamente o Sindicato está preocupado porque trata-se da saúde dos trabalhadores, de quem vive em casa com eles, porque eles têm família, têm crianças, idosos, e obviamente também preocupados com a situação dos clientes que vão às compras porque precisam de comida em casa... É essa a nossa preocupação. (…) É assim: o BBB até pode dizer aquilo que entender, quer dizer... Até pode dizer que não há COVID no BBB, inclusivamente houve uma informação do BBB há umas semanas atrás, que não havia trabalhadores contaminados nas Lojas do BBB houve um comunicado da empresa em relação a essa matéria, eu tive acesso a ela. Agora... (...) eles podem dizer aquilo que entendem... agora... depois que assumam as consequências da não... da não... prevenção para o contágio que está a aumentar, efectivamente está a aumentar, isto mais tarde ou mais cedo não há como esconder... não é? A situação de Telheiras foi o caso, quer dizer... Os trabalhadores tiveram que assinar um documento em como não contavam a situação que se passou nesse local de trabalho... não é...? Portanto, é este tipo de práticas que a empresa está a tomar. Inclusivamente na …, a … também é um bom exemplo... a … tiveram que mudar a equipa toda! Ou seja, apareceram os primeiros contaminados, foram... foram postos de quarentena... dizem que fazem desinfestações à noite, ok, e depois aparecem mais contaminados, e mais contaminados... Estamos a falar de uma loja, que é a …, por exemplo, que tem quarenta e poucos trabalhadores em que, depois, quando o nível de contágio atingiu o pico, é que a empresa resolveu fazer os testes. E então decidiu, quando vieram os resultados dos testes, decidiu mandar todos os trabalhadores dessa loja de quarentena... e... e... inclusivamente as chefias de loja também foram de quarentena. Portanto... E agora neste momento a … está a funcionar com trabalhadores quem nem sequer eram da …... Foi preciso que acontecesse o mais grave dentro daquele local de trabalho para a empresa aí sim, fazer testes e... chegar à conclusão... que havia um risco de... todos ficarem contaminados... e depois tomou essa decisão. Mas o problema do BBB é que o BBB, depois, vai tendo um contaminado, dois contaminados, três contaminados, manda-os para casa de quarentena e o que o Sindicato pretende, no meio disto tudo, é que a empresa aparece o primeiro segundo ou terceiro contaminado, faça testes, a todos os outros trabalhadores... mesmo aqueles que não têm sintomas... e que... mas a empresa a politica é deixar continuar a trabalhar esses trabalhadores, não é...?, mesmo tendo estado em contacto com... com... com colegas contaminados... até haver, portanto aquela, aquela... aquela ou seja até que as pessoas comecem a sentir... pronto... a sentir que estão doentes. Porque enquanto não sentem que estão doentes, continuam a trabalhar e a empresa não tem feito os testes que diz que faz! Não tem feito, só fizeram na …. (…) Não, a empresa BBB recusa-se a reunir com o Sindicato, portanto isto é a postura. É a postura, temos um Contrato Colectivo de Trabalho parada, os aumentos salariais que a empresa está a dar são discriminatórios e, portanto, seja qual for inclusivamente nesta matéria, é que nós mandámos ofícios por causa do BBB de …, das … também temos uma situação, essa é outra, porque o BBB disse que está... e a resposta que deu à nossa... à comunicação social é que toda... é que a empresa está nos locais de trabalho está a cumprir as normas da DGS, não é...? Está a dizer isso... agora, eu posso-lhe dizer a si que no BBB da Graça, temos 6 caixas, duas estão sem acrílico e... na altura que fui à loja... tiveram azar porque uma das lojas qua não tinha acrílico tinha, estava lá uma trabalhadora sentada... E depois tive conhecimento, porque depois subi às instalações para afixar documentos sindicais e a casa de banho onde as trabalhadoras mulheres, fazem as necessidades, e as sanitas, as duas únicas sanitas, estavam... que existem, estavam entupidas. Tentei lavar as mãos no lavatório da casa de banho, que é só um, a torneira do lavatório estava presa por cordéis... Então mas isto é fazer o cumprimento das normas da DGS? Eu acho que não... Portanto, tem que haver aqui alguma... algum bom senso por parte da empresa e como já disse o que pretendemos é que... esta pandemia não, não... arraste os outros que ainda não a têm... E isto tem que começar com testes eu sei que o BBB tem que... tem que pagar... e deve pagar... Agora... os trabalhadores merecem pelo menos isso. Em relação às normas da DGS, o que posso dizer é se, em alguns casos, o BBB passasse, possa estar a cumprir as normas da DGS, então significa que alguma coisa aqui que está errada... Então terá que ser a DGS a rever as normas que tem... Porque isto efectivamente, se estabilizasse... os números de contagiados... nós até que poderíamos aceitar que efectivamente, pronto, estão estabilizados, não há aqui mais nenhum surto... Mas não, o problema é que cada dia que passa nós temos mais trabalhadores infectados, ou seja, não há..., não estão a conseguir pôr um travão nisto... E se não estão a conseguir pôr um travão têm que tomar medidas para que, quando surge os primeiros casos, façam testes a todos os trabalhadores;
6.-No dia 20-06-2020, a trabalhadora foi contactada pelo … a quem referiu que em relação à loja de …, os primeiros casos nesta loja foram identificados há cerca de um mês e que afectaram 'uma equipa inteira de uma secção'. Já em relação à loja da …, referiu que 'apesar de terem ficado de quarentena os primeiros trabalhadores infectados, não foram feitos testes aos restantes trabalhadores e a situação foi abafada pela empresa'. Nesta loja, o sindicato tem conhecimento de 'três ou quatro contaminados', que foram identificados há cerca de duas semanas. Acrescentando que 'o BBB tinha assumido que qualquer trabalhador que tivesse contraído a doença seria colocado em isolamento profiláctico', bem como 'os com eles estivessem em contacto directo'. Porém, 'isto não se verifica em todas as lojas', resume o CESP, que apela à empresa por 'uma revisão dos planos de contingência'»;
7.-As declarações prestadas pela trabalhadora foram replicadas por diversos órgãos da comunicação social;
8.-As declarações da trabalhadora deram lugar a que, entre o dia 17-06-2020 e o dia 25-06-2020 fossem publicadas inúmeras notícias com citações e/ou referências às declarações da mesma, designadamente, nos meios da comunicação social referidos no art. 25º da motivação de despedimento;
9.-Ora, no concelho de Lisboa o BBB tem 40 lojas, sendo que à data das primeiras declarações da arguida, 17-06-2020, o número de lojas com colaboradores infectados era de 17 lojas;
10.-Sendo que dessas 17 lojas, 14 só tinham um infectado;
11.-Em todas as lojas do BBB, os colaboradores infectados, contactos próximos destes ou que apresentem sintomas, não ficam a trabalhar na loja;
12.-O que a Trabalhadora bem sabe, uma vez que, conforme referiu, conhece bem o plano de contingência para covid19, que foi elaborado pelo BBB e é do conhecimento de todos os colaboradores;
13.-Sendo que esse plano de contingência tem sido seguido e aplicado na prática em todas as situações em que se sabe que um colaborador é um caso suspeito ou tem covi19;
14.-O que se faz sempre que se detectar um caso suspeito em loja, em que, de acordo com o plano de contingência, o colaborador é colocado em isolamento e tem que ligar para o SNS 24;
15.-Se o SNS 24 não validar o caso como suspeito o colaborador informa a chefia sobre as instruções que recebeu;
16.-Se SNS 24 confirmar o colaborador como suspeito, este permanece na área de isolamento até à chegada do INEM;
17.-Assim que o caso suspeito for confirmado ou se um colaborador souber, doutra forma qualquer, que tem Covid19 e informar a loja, os Serviços de Saúde e os Recursos Humanos irão trabalhar com a Autoridade de Saúde na identificação dos contactos próximos do colaborador infectado;
18.-Os contactos directos do colaborador infectado são apurados pela loja, pelos respectivos gestores operacionais de recursos humanos e pelo médico do trabalho, de acordo com critérios pré-estabelecidos;
19.-No apuramento dos contactos directos tem-se, nomeadamente, em conta:
- a partilha do mesmo posto de trabalho;
- se estiveram face-a-face ou em espaço fechado;
- se partilharam objectos que podem estar contaminados, por expectoração, sangue ou gotículas respiratórias.
20.-Após análise do risco efetivo de contágio, esses contactos directos são retirados da operação, isto é, são mandados para casa de quarentena;
21.-Os nomes e contactos desses contactos directos são, de imediato, fornecidos à Autoridade de Saúde;
22.-A Autoridade de Saúde contacta o colaborador infectado e cada um dos contactos directos indicados;
23.- Competindo à Autoridade de Saúde, através do contacto com o colaborador infectado, confirmar os contactos directos já indicados pelo BBB;
24.-Podendo a Autoridade de Saúde comunicar ao BBB outros contactos directos, para além dos previamente indicados.
25.-Os quais, também, serão retirados da loja e colocados em quarentena;
26.-A Autoridade de Saúde, nos contactos que faz aos contactos directos indicados pelo BBB, avalia se se justifica que se mantenham em isolamento profiláctico ou se é necessário tomar outra medida;
27.-Podendo a Autoridade de Saúde decidir que, algum dos contactos directos, não apresenta qualquer risco ou é de baixo risco e nessa altura poderá considerar que não se justifica o seu afastamento da loja;
28.-Em qualquer destes casos, não compete ao BBB determinar se um seu colaborador tem, ou não, que fazer o teste para saber se tem covid19;
29.-Essa decisão compete às Autoridades de Saúde face aos sintomas que o colaborador apresente ou venha a apresentar;
30.-Acresce que no dia em que os colaboradores da loja foram todos testados, a Trabalhadora esteve presente na mesma, a fim de tratar de um assunto com o Gestor operacional de recursos humanos … que aí se encontrava;
31.-O que se passou foi que, no dia 18-05-2020, um colaborador informou a loja que tinha tido a confirmação de teste positivo ao Covid19;
32.-O último dia de trabalho do colaborador em causa, tinha sido o dia 16-05-2020;
33.-Esse colaborador identificou, junto do …, só um contacto directo;
34.-Esse contacto directo foi colocado de quarentena, sendo que dias depois, por ter sintomas, fez o teste e o resultado do mesmo foi positivo;
35.-O segundo infectado identificou dois contactos directos, sendo um o primeiro infectado que, por isso, já estava ausente e um outro colaborador que foi colocado de quarentena;
36.-Dias depois, um outro colaborador de uma diferente secção, informou a loja que tinha ido fazer o teste que tinha sido positivo;
37.-Na altura e perante os serviços de saúde do BBB este colaborador não identificou quaisquer contactos directos;
38.-Mais tarde e após o mesmo ser contactado pela Autoridade de Saúde, foram sinalizados vários contactos de baixo risco que, por indicação da Autoridade de Saúde, apenas ficaram em vigilância passiva;
39.-Entretanto, uma outra colaboradora da loja, informou que tinha sintomas e que ia fazer o teste para o covid19, o qual veio a ter resultado positivo;
40.-Tendo-se apurado três contactos directos desta colaboradora, que foram devidamente comunicados à Autoridade de Saúde e colocados em quarentena;
41.-Após o que, o BBB fez, a suas custas, testes a todos os colaboradores da loja;
42.-E dos cerca de 42 colaboradores da … que foram testados, 11 apresentaram resultado positivo para a Covid19;
43.-Razão pela qual foi decidido colocar todos os colaboradores da loja de quarentena;
44.-Tendo a loja sido fechada e devidamente higienizada no dia 30 de Maio;
45.-Abrindo no dia seguinte, com uma nova equipa vinda de outras lojas da área de Lisboa;
46.-Sendo que, depois de estar cerca de 7 dias a trabalhar na …, essa nova equipa foi toda testada pelo BBB, a suas custas;
47.-E apenas se apurou um caso positivo;
48.-A 2-06-2020, a loja recebeu a informação de um colaborador da secção da padaria, de que tinha ido fazer o teste para o covid19;
49.-E que tinha dado positivo;
50.-Nessa altura, foram identificados pelo BBB cinco contactos directos;
51.-Todos da mesma secção da padaria;
52.-Os colaboradores em causa foram retirados da loja e ficaram de quarentena;
53.-No híper de telheiras foram testados cerca de 240 colaboradores, não tendo nenhum desses colaboradores apresentado teste positivo;
54.-Ou seja, para além do colaborador da padaria inicialmente infectado, a loja de Telheiras não tinha mais nenhum colaborador infectado;
55.-Sendo disso exemplo as declarações que o dirigente sindical …. fez, no dia 22-06-2020, à TSF em que refere '(…) tem estado a chamar os trabalhadores para assinar documentos a dizer que não podem informar que existem casos de contágios dentro das lojas. O que isso também... é muito perigoso e é revelador de quem tenta calar os trabalhadores perante situações que estão a acontecer...
56.-E o Comunicado do CESP, cuja data se desconhece, e que tem por cabeçalho 'BBB ABAFA CASOS DE CONTÁGIO NAS LOJAS ' e em que se refere '(…) Mas em vez disso a empresa tem vindo a exigir em vários locais de trabalho que os trabalhadores assinem documentos em que impera a lei da rolha;
57.-Na loja da … o que tinha acontecido foi que um dos acrílicos de uma das caixas tinha caído, tendo-se reposto o mesmo, assim que tal foi reportado;
58.-Após entrar na loja, a Trabalhadora dirigiu-se ao refeitório onde se encontravam três colaboradores na sua hora de refeição;
59.-Enquanto permaneceu no refeitório a Trabalhadora manteve a sua máscara, cujo uso é obrigatório, colocada por debaixo do queixo;
60.-Sem que a boca e o nariz da Trabalhadora estivessem tapado;
61.-A determinada altura, a colaboradora …., adjunta de loja, entrou no refeitório e depois de ver que a Trabalhadora estava próxima de uma das colegas sem ter a máscara, disse-lhe para colocar a máscara;
62.-Tendo a … dito à Trabalhadora que as colegas estavam no momento da sua refeição e que ela não, pois estava a trabalhar;
63.-O que a Trabalhadora não fez, tendo dito à … para se identificar, o que esta fez;
64.-Pedindo de seguida para a Trabalhadora também se identificar;
65.-Depois disso a … saiu do refeitório, continuando a Trabalhadora com a máscara no queixo;
66.-Cerca de 15 minutos depois a … voltou ao refeitório e a Trabalhadora mantinha-se à conversa com as colegas, sem ter a máscara colocada de forma a cobrir o nariz e a boca;
67.-Na sequência das declarações prestadas pela Trabalhadora à comunicação social a mesma participou também de uma manifestação, junto à loja BBB de Telheiras, em 25 de Junho de 2020;
68.-Desde o dia 1 de Maio de 2020 que a A. se encontra requisitada a tempo inteiro para o desempenho de funções sindicais;
69.-As declarações prestadas pela A. foram precedidas de um comunicado emitido no início do mês de Junho de 2020, pelo CESP sobre o assunto: Pandemia Coronavírus COVID 19 – Plano de Contingência, no qual era referido que tinham tido conhecimento que em diversas lojas BBB do Distrito de Lisboa, se estava a verificar um grande aumento do número de trabalhadores infectados com COVID19.
70.-Sendo expressamente referidas duas situações, uma na loja do C.C. …na Amadora e outra na loja de Telheiras em que, segundo o CESP, não estavam a ser tomadas as medidas necessárias e adequadas com vista à saúde e segurança de todos os colaboradores;
71.-Os procedimentos mencionados de 12 a 28 dos factos provados correspondem ao plano de contingência seguido e procedimentos adoptados em todas as lojas, designadamente nas mencionadas nas suas declarações em …, …. e …;
72.-Nem o director da loja de telheiras, nem qualquer outro responsável deram aos trabalhadores a assinar qualquer documento sobre a obrigatoriedade de não divulgação do que do que estava a acontecer na loja;
73.-Na loja da …, aquando da comunicação da A. existiam duas caixas sem acrílico, e tinha havido um problema na casa de banho que foi resolvido;
74.-Na Loja da … existem variações de temperatura entre o armazém, a escadaria que conduz ao refeitório e o próprio refeitório;
75.-Consta declarado por um médico que a própria reportou que não consegue usar máscaras, e sente falta de ar e tem de as retirar;
76.-As declarações da A. prestadas na comunicação social resultaram de uma decisão conjunta do sindicato, pela direcção do CESP com base nas informações que recolheram".

2. O direito.
A apelante era trabalhadora na apelada desde 1995[5] e também dirigente sindical em exercício do CESP -Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.[6]

Assim sendo e como resulta do disposto nos art.os 440.º e 460.º do Código do Trabalho, tal como ao Sindicato de que é dirigente, tem direito a desenvolver actividade na empresa com vista a promover os interesses sócio-profissionais dos trabalhadores.
Em declarações prestadas pela apelante em órgãos da comunicação social, a mesma afirmou, muito resumidamente e referindo-se a lojas comerciais que a apelada explora, que "pelo menos 50% dessas lojas têm trabalhadores infectados ou que estão de quarentena ou ainda não se sabe o resultado dos testes, mas continuam a trabalhar na loja", "a única loja onde o BBB fez exames a todos os trabalhadores, foi a … porque chegaram a atingir os 17 contaminados. Estamos a falar de uma loja com 40 e pouco trabalhadores. Há 40 lojas na cidade de Lisboa, 50 % dessas lojas pelo menos 50 ou mais de 50 têm trabalhadores infectados", "números o Sindicato não tem. O certo é que depois num estudo feito... por quem acompanha as lojas que sou eu e a estrutura do BBB aqui em Lisboa, podemos dizer que... pelo menos mais de 50% das lojas, estamos a referir-nos a 40 lojas aqui na cidade de Lisboa, mas pelo menos 50 ou um pouco mais de 50% dessas lojas têm trabalhadores infectados" e "em relação à loja de …, os primeiros casos nesta loja foram identificados há cerca de um mês e que afectaram 'uma equipa inteira de uma secção'. Já em relação à loja da …, referiu que 'apesar de terem ficado de quarentena os primeiros trabalhadores infectados, não foram feitos testes aos restantes trabalhadores e a situação foi abafada pela empresa'. Nesta loja, o sindicato tem conhecimento de 'três ou quatro contaminados', que foram identificados há cerca de duas semanas. Acrescentando que 'o BBB tinha assumido que qualquer trabalhador que tivesse contraído a doença seria colocado em isolamento profiláctico', bem como 'os com eles estivessem em contacto directo'. Porém, 'isto não se verifica em todas as lojas'".
Tudo isto, note-se bem, num contexto em que se apresenta aos órgãos da comunicação referindo-se a um "estudo feito... por quem acompanha as lojas que sou eu e a estrutura do BBB aqui em Lisboa, podemos dizer que...",[7] colocando-se ao par da apelada e desse modo creditando a sua credibilidade junto da opinião pública; a referência, de resto falsa,[8] feita pela apelante de que a apelada "fez os trabalhadores assinarem um documento em como não contavam a ninguém o que se estava a passar em Telheiras";[9] também que "em relação à loja da …, referiu que 'apesar de terem ficado de quarentena os primeiros trabalhadores infectados, não foram feitos testes aos restantes trabalhadores e a situação foi abafada pela empresa'",[10] o que também não correspondia à realidade,[11] o que a apelante sabia.[12]
Por outro lado, essas declarações foram, depois, replicadas por diversos órgãos da comunicação social entre os dias 17-06-2020 e 25-06-2020, a saber:[13]



Meio DataPublicação


(...)


Ora, é notório que se vivem tempos em que grassa no país e um pouco por todo o mundo uma pandemia provocada por um coronavírus denominado SARS-CoV-2, até há pouco desconhecido da comunidade científica e de fácil propagação pelo contacto entre humanos, o qual, para além de doença em diferentes graus é susceptível de lhes causar a morte e levou a que há cerca de ano e meio os cidadãos e o país vivam com sérias restrições das liberdades, quer ao nível da circulação e de manifestação dos cidadãos como também económicas (vd. o Decreto-Lei n.º 2-B/2020, de 2 de Abril), designadamente na actividade comercial, designadamente de venda de bens fundamentais de consumo, onde as empresas da apelada se situam, o que desde logo leva a que tais factos não careçam de ser alegados e provados (art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Além disso, a disseminação de informações falsas (as chamadas fake news, criadas com o intuito de moldar a opinião pública sobre determinados assuntos) através de meios de comunicação massiva tem sido um problema crescente da sociedade contemporânea[14], sendo muitas vezes motivadas por motivos distintos da mera informação e causando um dano social evidente. Particularmente no que concerne à pandemia, a divulgação de notícias falsas influencia de forma directa a consciência colectiva, levando-a, perante o desconhecido – lembremos que os factos se situaram em Junho de 2020, cerca de 3 meses depois de eclodir a pandemia em Portugal – assumir como verdadeiras informações que o não são. A divulgação de factos falsos relacionados com a doença Covid 19 e a sua propagação, contribuindo para o aumento do medo e angústia das pessoas (havendo quem fale em infodemia) é, por isso, particularmente censurável. 

Tendo isso em conta, é apodíctico considerar que a divulgação pública de uma postura no mínimo que fosse descuidada (negligente) da apelada, enquanto empresa de distribuição alimentar, na observação das medidas determinadas pela autoridade de saúde pública como básicas para combater o alastramento da pandemia teria consequências nefastas para os fins tidos em vista (para além, naturalmente, das consequências jurídicas e judiciais que porventura lhe fossem imputadas e aos seus administradores, caso tal se comprovasse, desde logo ao nível penal e em resultado do estatuído pelos art.os 11.º, n.º 2 e 283.º do Código Penal).

Assim sendo, quaisquer afirmações públicas dessa natureza, amplificadas pela circunstância de o serem através de diversos meios de comunicação de massas, pretensamente factuais mas que afinal o agente sabe não corresponderem à verdade, são manifestamente lesivas do bom-nome de quem explora o tipo de empresas da apelada e com manifesto potencial para lhe infligir danos reputacionais capazes de a lesar economicamente e são, por conseguinte, constitucionalmente proibidas e passíveis de serem consideradas criminosas (art.os 26.º, n.º 1 da Constituição da República e 180.º e 183.º do Código Penal; no sentido da tutela constitucional do direito ao bom-nome por parte das pessoas colectivas se pronunciou já o Tribunal Constitucional, inter alia no acórdão n.º 292/2008, de 29-05-2008, no processo n.º 459/07, publicado no Diário da República n.º 141/2008, Série II, de 23-07-2008); e porque de manifesta gravidade, são susceptíveis de causar a imediata ruptura da relação laboral e constituir justa causa para o empregador despedir o trabalhador, como de resto ocorreu no caso sub iudice (art.os 351º, n.os 1 e 2, 120.º, n.º 1, alíneas a) e f) alínea do Código do Trabalho).

Recorde-se que a trabalhadora divulgou falsamente que a empresa não cumpre o plano de contingência e mantém a trabalhar pessoas infectadas ou em quarentena (factos 3., 5. e 6.) quando ficou expressamente provado, quer que em todas as lojas do BBB, os colaboradores infectados, contactos próximos destes ou que apresentem sintomas não ficam a trabalhar na loja, o que a Trabalhadora bem sabe, quer que o plano de contingência, tem sido seguido e aplicado na prática pela apelada em todas as situações em que se sabe que um colaborador é um caso suspeito ou tem Covid 19 (factos 11. a 13.).

E que se permitiu ainda dizer, o que seria patentemente grave, que na loja de … o responsável da empresa no local de trabalho "fez os trabalhadores assinarem um documento em como não contavam a ninguém o que se estava a passar em …" (factos 4. e 5.) quando ficou expressamente provado que "nem o director da loja de …, nem qualquer outro responsável deram aos trabalhadores a assinar qualquer documento sobre a obrigatoriedade de não divulgação do que do que estava a acontecer na loja" (facto 72.).

Para além do dano social acima aludido resultante da propalação de informações falsas no contexto pandémico, entendemos que esta conduta causa um dano irremediável na base de confiança subjacente ao contrato de trabalho, quebrando definitivamente a confiança do empregador na conduta futura da trabalhadora.

E não se diga, como a apelante, que tal solução viola o seu direito de liberdade de expressão enquanto dirigente sindical e a independência que caracteriza os sindicatos, como o que integra e são acolhidos, designadamente, pelos art.os 37.º, n.º 1 e 55.º, n.º 4 da Constituição da República.

É certo que a actividade sindical há muito extrapolou das típicas acções reivindicativas pela manutenção do emprego e melhoria das condições económicas dos trabalhadores geradas, sobretudo, no desenvolvimento da revolução industrial e que em grande medida foi o caldo de cultura para a sua génese,[15] sobretudo deste último século e meio,[16] reconhecendo-se que "presentemente, a área de conflito alarga-se à própria estruturação da empresa e ás relações de autoridade nela supostas (relações hierárquicas, organização do trabalho, etc.) e a outras zonas em que os grupos de trabalhadores estão em condições de contestar a orientação empresarial".[17] Daí que também muito do fermento das lutas sindicais seja a reivindicação de melhores condições de higiene e segurança nos locais de trabalho e de saúde para os próprios trabalhadores,[18] de que a contratação colectiva desenvolvida no último meio século no país é testemunho indesmentível. Não é, pois, de estranhar que se diga que "historicamente, os sindicatos surgem como meio de organização e condução de lutas contra os empregadores. […] O papel primordial dos sindicatos tem sido o de solucionar os conflitos por via da intervenção colectiva, em razão da pressão exercida".[19]

Ora, se em razão disso se tem que aceitar como admissível alguma contundência, de linguagem ou outras formas de expressão da vontade colectiva dos trabalhadores, é bom não esquecer que "a actividade sindical tem que ser exercida de modo responsável, de boa fé (art.º 520.º do Código Civil), sem causar ilicitamente danos a outrem, em particular aos empregadores; ou seja, os sindicatos são responsáveis pelos actos praticados no exercício das suas funções nos termos gerais".[20] E uma coisa são afirmações feitas pelo sindicato (através dos seus dirigentes livremente escolhidos pelos trabalhadores) no contexto de certa luta sindical e na defesa dos interesses colectivos dos seus associados mas que "não ultrapass[e] o limite da crítica objectiva, e não atin[ja] a credibilidade, o prestígio e a confiança que aquela possa merecer",[21] e outra bem diferente quando se traduz em propalar falsamente factos susceptíveis de serem considerados criminosos e que não tem ali (nem em qualquer outra norma), merecidamente, diga-se, nenhuma protecção; e menos ainda no quadro, atrás referido, de vivência de uma pandemia causada por um vírus desconhecido da comunidade científica e de fácil propagação pelo contacto entre humanos e em que as falsas imputações se inserem, precisamente, no não cumprimento pela apelada das medidas profiláticas recomendadas pela autoridade de saúde pública para evitar a sua propagação; e tudo isto quando assume ela mesmo em loja da apelada comportamentos violadores das normas da autoridade de saúde pública no quadro pandémico em referência.[22]

A liberdade de expressão é efectivamente reconhecida na Constituição da República Portuguesa e na lei laboral (artigo 14.º do Código do Trabalho), tendo igualmente raiz no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
           
Mas tem limites, como resulta de qualquer um destes textos normativos, implicando deveres e responsabilidades (n.º 2 do artigo 10.º da CEDH), reconhecendo-se constitucionalmente que podem ser cometidas infracções no exercício do correspondente direito (artigo 37.º n.º 3 da CRP) e devendo exercer-se "com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa" (artigo 14.º do Código do Trabalho).

Sem negar que a liberdade de expressão e o direito de crítica terão uma latitude maior quando está em causa um representante eleito dos trabalhadores, em ordem a permitir o exercício das correspondentes funções[23], admitindo eventuais exageros, tal não legitimava a trabalhadora a propalar factos falsos – não meras opiniões ou reivindicações – através de meios de comunicação social.

Ao fazê-lo, das quatro vezes em que proferiu as referenciadas declarações perante os órgãos de comunicação social (factos 3., 4., 5. e 6.) a apelante ultrapassou os limites aceitáveis do direito de crítica e tornou-a ilegítima e inadmissível.

Pensamos que nesta linha se inscreve a jurisprudência do TEDH, que, afirmando que a liberdade de expressão, consagrada no art. 10.º, n.º 1, da CEDH, constitui um dos "fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, uma das condições do seu progresso e do desenvolvimento de cada um" e que a mesma abrange não só as ideias que são consideradas como inofensivas ou que geram indiferença mas também "as que chocam, ofendem, ou inquietam", na medida em que o pluralismo, a tolerância e "o espírito de abertura" são essenciais para que possamos estar numa "sociedade democrática", reconhece que há excepções a este direito (n.º 2 do artigo 10.º). Ora, mesmo interpretando restritamente essas restrições, como preconiza o TEDH apenas atendendo à existência de uma "necessidade social imperiosa", afigura-se-nos que nesta situação se verifica a excepção prevista no n.º 2, do artigo 10.º da CEDH, como resulta do acima exposto quanto à falsidade dos factos prolatados, à sua potencial danosidade para a imagem do empregador e ao dano social emergente da veiculação de factos falsos quanto ao comportamento de uma empresa de distribuição alimentar que incumpriria as obrigações de segurança e saúde de trabalhadores e clientes e forçava os trabalhadores a não o revelar, particularmente no momento de emergência pandémica em que a trabalhadora os veiculou.[24]

Menos ainda se compreende a invocação pela apelante de que se encontrava em erro sobre os factos essenciais, pois que tal se verifica apenas quando existe ignorância ou a falsa representação da realidade[25] e isso não se verificava no caso sub iudicio, como se conclui desde logo dos factos provados n.os 9 a 12 e 30; e se, como se provou, as declarações prestadas pela apelante na comunicação social resultaram de uma decisão conjunta do sindicato, pela direcção do CESP com base nas informações que recolheram, naturalmente que a todos responsabilizam, mas a verdade é que a apelante é dirigente sindical (facto 2.) pelo que a decisão de divulgação de factos falsos também a responsabiliza pessoalmente, bem como sua é, obviamente, a decisão de, em cada momento em que se encontrou aos microfones da comunicação social, dizer o que disse.  

Destarte, nenhuma censura merece a sentença apelada, que por isso se confirmará.

Tendo em conta o acordo das partes e o disposto no n.º 2 do art.º 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, o valor da causa é de € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).
***


IIIDECISÃO 

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso confirmar a sentença apelada.
Custas do recurso pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
***
Valor da causa: € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).



Lisboa, 30-06-2021.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


(vencida, conforme declaração de voto que anexo)



Declaração de Voto
A CRP reconhece aos trabalhadores liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses (Artº 55º/1). Por outro lado, a CRP, expressamente confere aos representantes sindicais o direito à proteção legal contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.

A Trabalhadora representa um sindicato e proferiu declarações em conformidade com uma decisão do mesmo e tendo por base os dados de que este dispunha. Goza, por isso, de proteção acrescida nos termos do disposto na CRP e no Artº 410º/3 do CT. Proteção que emerge da sua situação de particular exposição perante os empregadores. Atuou, do meu ponto de vista, ao abrigo da liberdade sindical, a qual, a ser restringida, terá que ser por razões muito fortes, que não descortino.

Revelam os autos que em três momentos distintos (17/06/2020, 18/06/2020 e 10/06/2020) e perante órgãos de comunicação social diferentes (…) a trabalhadora proferiu declarações segundo as quais 50% das lojas BBB de Lisboa tinham trabalhadores infetados ou de quarentena. A prova revela que nessa data, existiam 40 lojas BBB em Lisboa, 17 das quais tinham trabalhadores infetados. Em 14 delas era apenas 1 infetado. Por outro lado, perante a … a Trabalhadora relata ainda que foram feitos exames apenas na loja da …, existindo 17 contaminados e que não se fazem testes. A prova revela que na loja da …  havia 11 trabalhadores positivos. A loja ficou em quarentena. Á …declarou também que os trabalhadores tiveram que assinar documento em como não contavam a situação. A prova revela que nenhum responsável deu a assinar qualquer documento sobre a não divulgação da situação que se vivia nas lojas. Porém, um outro dirigente sindical acusou essa situação no dia 22/06/2020, tendo o próprio sindicato emitido um comunicado que disso dava conta. Para além disto, provou-se que nas 17 lojas com infetados em 17/06 tanto os trabalhadores, como os contactos, não ficam a trabalhar na loja. Se o SNS confirma a suspeita, os trabalhadores vão para área de isolamento, sendo retirados da loja os contactos diretos e colocados em quarentena. Àquelas declarações acrescem as do dia 20/06, ao … acusando a falta de testagem e de não colocação dos trabalhadores em isolamento. A prova revela ainda que as declarações são resultado de decisão do sindicato com base nas informações que recolheu. Certo é também que houve testagem e cumprimento das normas emitidas pelo SNS. Todavia, as declarações prestadas pela A. foram precedidas de um comunicado emitido no início do mês de Junho de 2020, pelo CESP sobre o assunto: Pandemia Coronavírus COVID19 – Plano de Contingência, no qual era referido que tinham tido conhecimento que em diversas lojas BBB do Distrito de Lisboa, se estava a verificar um grande aumento do número de trabalhadores.

Podemos concluir que nem todas as declarações proferidas corresponderam à verdade. Mas andaram lá muito perto, pois efetivamente o número de lojas com contaminados era de cerca de 50%. E, sobretudo, resultaram de dados disponibilizados pelo próprio sindicato. Não foram uma invenção da Trabalhadora.

Tendo a Trabalhadora atuado em sintonia com as informações de que dispunha o Sindicato, e sendo sua representante, parece-me que cumpria o papel que cabe às estruturas sindicais – denunciar, alertar, exigir. Ainda que exagerando. Algo próprio da luta sindical.

O tratamento a dar à situação não pode deixar de ter em conta as dimensões garantísticas de que beneficiam estes trabalhadores. Donde, não se me afigurar que a Trabalhadora, tendo atuado no exercício das suas funções sindicais, possa ser punida com o despedimento, porquanto, neste caminho, dificilmente alguém quererá assumir as funções que a mesma exerceu. Diria, pois, que houve algum exagero nas declarações, mas que tal exagero está dentro da margem do admissível a um representante sindical, não constituindo violação de algum dever laboral. Manuela Fialho

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[1] Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2] Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3] Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4] Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5] Facto provado n.º 1.
[6] Factos provados n.os 2 e 68.
[7] Facto provado n.º 5.
[8] Facto provado n.º 72.
[9] Facto provado n.º 4.
[10] Facto provado n.º 6.
[11] Facto provado n.º 11.
[12] Facto provado n.º 12.
[13] Factos provados n.os 7 e 8.
[14] Mesmo a outros propósitos, como constitui facto público e notório – art.os 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – proliferando agora programas de detecção de mentiras na comunicação social, atenta a gravidade dos danos que as mesmas podem provocar.
[15] Bernardo Lobo Xavier e outros, in Direito do Trabalho, 2014, 18.ª edição revista e actualizada, Verbo, Lisboa, página 138.
[16] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 2017, 18.ª edição, Almedina, Coimbra, página 645.
[17] Bernardo Lobo Xavier e outros, ob. e loc. cits.
[18] Idem, ibidem.
[19] Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2015, 7.ª edição, Almedina, página 1091.
[20] Pedro Romano Martinez, ob. cit., página 1116.
[21] Acórdão da Relação de Évora, de 04-02-2010, no processo n.º 1459/08.3PBSTB.E1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[22] Factos provados 59 a 66 (que o facto provado 75 não afasta, tendo em conta o contexto daqueles).
[23] Veja-se João Leal Amado, Enredado: o Facebook e a justa causa de despedimento, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 145.º, n.º 3994, páginas 61 e seguintes.
[24] Com pertinência para o conhecimento da jurisprudência do TEDH nesta matéria, veja-se o comentário de Teresa Coelho Moreira denominado Limites à liberdade de expressão de sindicalistas: comentário à decisão do TEDH de 8 de Dezembro de 2009 - Aguillera Jimenez e outros C. Espanha, In Questões Laborais n.º 37 ANO XVIII — Jan.-Jun. 2011, páginas 27 e segs.
[25] Cfr. os acórdãos da Relação de Lisboa, de 19-10-2005, no processo n.º 4301/2005-4 e da Relação do Porto, de 13-06-2013, no processo n.º 296/09.2TBVRL.P2, publicados em http://www.dgsi.pt.

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