Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2825/17.9T8LSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
PETIÇÃO EXECUTIVA
APOSIÇÃO DE FÓRMULA EXECUTÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I Se o juiz pode rejeitar a execução apesar de ter admitido liminarmente a execução, não faz sentido que o não possa fazer quando não houve sequer despacho liminar.

II Não pode ser equiparada a uma decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça; por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.

SUMÁRIO: (elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


AS advogado em causa própria, instaurou acção executiva contra AJ apresentando como título executivo requerimento de injunção onde está aposta fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções.

Por decisão judicial foi rejeitada oficiosamente a execução.

Inconformado, apelou o exequente, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
Vem o exequente, ora recorrente, interpor o presente recurso, porque
inconformado com o douto despacho que antecede, proferido pelo Tribunal a quo, que rejeitou oficiosamente a presente execução, o qual desde já vai aqui impugnado para todos os devidos e legais efeitos, por entender de que, salvo o devido respeito e sempre melhor opinião, fez uma incorrecta aplicação do Direito que ao caso lhe era, e é, aplicável, o que, consequentemente, levou o Tribunal a quo a concluir por uma errada decisão.
Foi determinada a rejeição oficiosa da presente execução, com fundamento no previsto na al. a), do n.º 2, do art.º 726º do CPC, por, em suma, considerar que o título executivo – requerimento injuntivo com força executiva - utilizado nos presentes autos não se mostra apto por ocorrer uma “… exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção…”.
Sucede que, salvo o devido respeito, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo, não se verifica qualquer dos pressupostos previstos na al. a), do n.º 2, do art.º 726º do CPC, para ter sido considerado o requerimento executivo sub judice indeferido liminarmente, uma vez que o recorrente se encontrava munido de um título executivo – ou seja, inexiste o pressuposto da “falta” – assim como o mesmo é suficiente nos termos da Lei, designadamente nos termos do art.º 21º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01/09, pelo que aquele, sempre respeitado, Tribunal fez uma errada interpretação e aplicação daquele preceito legal (al. a) do n.º 2 do art.º 726º do CPC), que ao caso não seria aplicável, o que desde já se invoca, para todos os devidos e legais efeitos.
Note-se que, no procedimento injuntivo, pese embora a ali requerida, aqui recorrida/executada, tenha sido devidamente notificada do mesmo para, querendo, deduzir oposição, aquela apresentou oposição de forma extemporânea, pelo que equivaleu à sua não apresentação, tendo sido, subsequentemente, aposta força executiva ao requerimento injuntivo, nos termos do n.º 1, do art.º 14º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01/09, não estando, assim, em causa, sequer a violação do Direito ao contraditório e que, nos termos do processo declarativo, a falta de oposição/contestação, equivale, por regra geral, à confissão dos factos alegados na petição inicial, neste caso, requerimento injuntivo.
Sendo certo de que, o legislador conferiu ao Balcão Nacional de Injunções competência, quer para apor força executiva ao requerimento injuntivo quando se verifica a situação de não dedução de oposição, quer para recusar a sua aposição de força executiva, nos casos previstos no n.º 3, do art.º 14º do referido regime de injunção, designadamente, quando considere que o pedido não se ajuste à finalidade do procedimento, nas situações,
por exemplo, da ocorrência de alguma excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção.
O que não foi o caso dos autos, uma vez que, no âmbito das suas competências, legalmente previstas no regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01/09, o Balcão Nacional de Injunções conferiu força executiva ao requerimento injuntivo apresentado pelo recorrente e não a recusou, criando, aliás, ao ora recorrente a confiança de tal decisão, porque tomada por uma entidade à qual foram atribuídos tais poderes e que lhe criou a real expectativa de poder recorrer ao presente processo executivo, porque munido que estava de um título executivo válido e eficaz nos termos da Lei.
O que, caso assim não fosse e segundo o entendimento da, aliás, douta decisão que antecede, estar-se-iam a violar, quer o Princípio da confiança dos cidadãos, quer o Princípio da segurança jurídica pela decisão tomada pelo Balcão Nacional de Injunções na atribuição de força executiva e não na sua recusa – cuja violação desses Princípios do Estado de Direito desde já se invoca, para todos os devidos e legais efeitos ter ocorrido nos presentes autos no despacho ora recorrido – uma vez que daria azo, caso fosse esse o entendimento, para a insegurança e forte dúvida da credibilidade das decisões proferidas pelo Balcão Nacional de Injunções e que, como é o presente caso, fariam incorrer os ali requerentes daqueles procedimentos injuntivos, em subsequentes despesas executivas e outras implicações, na convicção de estarem na posse de títulos executivos válidos e aptos para servirem de base processos executivos, que afinal o podem não ser, o que não foi esta a intenção do legislador quando conferiu as competências do Balcão Nacional de Injunções supra aludidas, podendo, salvo o devido respeito pelos Tribunais, equiparar-se o caso julgado à decisão tida pelo Balcão Nacional de Injunções quanto à aposição de força executiva do requerimento injuntivo aqui em análise.
Desta forma, como deflui do que vem de ser exposto, apela-se, muito respeitosamente a V. Ex.ªs, que procedam à apreciação do despacho aqui recorrido e, a final, o declaram revogado, ordenando o normal e legal prosseguimento dos presentes autos executivos, por não ser aplicável ao presente caso o disposto na al. a), do n.º 2, do art.º 726º do CPC, bem como seja, subsequentemente, o recorrente absolvido das custas de que foi ali condenado, o que requer, para todos os devidos e legais efeitos.
Nestes termos, e nos de melhor de direito aplicáveis e de cujo douto suprimento, desde já, se requer a V.s Ex.s, deve o presente recurso obter provimento, revogando-se, por douto Acórdão, o, aliás, douto despacho que antecede, proferido pelo Tribunal aquo, por o mesmo resultar, salvo o devido respeito e melhor opinião, de uma violação da Lei, por ter sido feita uma errada interpretação e aplicação da mesma que ao caso seria aplicável e que, consequentemente, levou a uma errada rejeição da presente execução, devendo, por isso, ser ordenado o prosseguimento normal e legal dos autos de execução, absolvendo o recorrente das custas ali condenadas, o que se requer, para todos os devidos e legais efeitos e, assim, se fazendo a tão acostumada justiça.
*

Não há contra-alegação.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

IIQuestões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se o juiz não pode rejeitar oficiosamente a execução com fundamento em manifesta inexistência de título executivo se tiver sido aposta a fórmula executória em requerimento de injunção
*

IIIFundamentação.

A) Na decisão recorrida exarou-se, além do mais:
«A injunção, conforme decorre do art. 7º do Regime Anexo ao Dec-Lei nº 269/98, de 01-09 (na redacção introduzida pelo art. 8º do Dec-Lei nº 32/2003), é “a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas no Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.”

O art.º 1.º do referido diploma preambular reporta-se ao “cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00”, sendo que quer a doutrina quer a jurisprudência vêm pondo em evidência que este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos.
(…)

Ora, do requerimento de injunção extrai-se de forma concludente que o crédito que o requerente da injunção, aqui exequente, invoca resulta de um alegado incumprimento contratual por banda da Executada, com quem o Exequente contratou aparentemente serviços jurídicos, pretendendo a condenação da ali Requerida na devolução das quantias que lhe entregou.

Estamos, assim, remetidos para o âmbito da responsabilidade civil contratual, através da qual o requerente da injunção pretende obter a condenação da ali requerida na devolução do que pagou, em resultado de um invocado incumprimento/resolução contratual, e não perante a exigência de pagamento de obrigação pecuniária decorrente de cumprimento de contrato.

E o certo é que “no procedimento de injunção … não pode ser exigida a restituição do pago indevidamente ou do valor da caução prestada, nem pedido o pagamento … do valor prestado a título de garantia ou de honorários de advogado ou solicitador na resolução de algum litígio” (op. cit., p. 48).

Em suma, resulta do exposto que no caso vertente não está em causa a cobrança de uma dívida emergente do cumprimento de um contrato.

Deste modo, pode desde já afirmar-se que ocorrem, de forma evidente, no procedimento de injunção excepções dilatórias de conhecimento oficioso - no caso, a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção, cuja consequência seria a absolvição da requerida da instância no procedimento de injunção (alínea e) do n.º 1 do artigo 278º, n.º 1 e 2 do artigo 576º e artigo 578º, ambos do Novo Código de Processo Civil.).

Conclui-se, então, que o documento invocado e junto aos autos de execução não se mostra apto como título executivo, já que não lhe poderia ter sido aposta força executória. (…)».

A discordância do apelante resume-se ao entendimento de que tendo sido aposta a fórmula executória, já não pode ser decidido que inexiste título executivo.

Mas não tem razão.

O art. 7º do Regime anexo ao DL 269/98 de 01/09 estabelece:
«Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003 de 17 de Fevereiro.».

E o art. 14º prevê:
«(…)
3. O secretário só pode recusar a oposição da fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento.
4. Do acto de recusa cabe reclamação nos termos previstos no nº 2 do artigo 11º.
(…)».

Portanto, face ao preceituado no art. 703º nº 1 al. d) do CPC o requerimento de injunção onde tenha sido aposta fórmula executória pode constituir título executivo.

A presente execução seguiu a forma de processo sumário como prevê o art. 550º nº 1 al. b) do CPC, não havendo lugar a despacho liminar (cfr art. 855º do CPC). Mas aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário (cfr art. 551º nº 4 do CPC).

Decorre do art. 734º nº 1 do CPC - inserido nas disposições reguladoras das execuções ordinárias - que «O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.».

Portanto, se o juiz pode rejeitar a execução apesar de ter admitido liminarmente a execução no despacho previsto no art. 726º, não faz sentido que o não possa fazer quando não houve sequer despacho liminar.

Não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça.

Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.

Concluindo, o exequente, para mais advogado em causa própria, tem obrigação de saber - pois «A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas» (art. 6º do Código Civil) - que não reunindo o documento de injunção os requisitos para constitui título executivo, poderá o juiz rejeitar a execução.

Não foram pois, violados, os princípios e normas invocados pelo apelante.
*

IVDecisão
Pelo exposto julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.



Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos       
Eduardo Petersen Silva