Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
285/06.9TNLSB.L1-A-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DIREITO COMUNITÁRIO
PREVALÊNCIA
PACTO DE JURISDIÇÃO
REGULAMENTO CE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A simples impressão, no verso de um conhecimento de embarque, de um pacto de jurisdição, com um tamanho de letra reduzidíssimo, e que não se mostra ter sido aceite pela A., uma vez que apenas se encontra assinado pela Ré, não satisfaz os requisitos fixados no artigo 23.º do Regulamento Bruxelas I, «uma vez que não é dada qualquer garantia de que, por este meio, a outra parte deu efectivamente o seu consentimento à cláusula derrogatória do direito normalmente aplicável em matéria de competência judiciária».
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
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OG SL, com sede em Espanha, instaurou contra MT Lda., com sede em Lisboa, acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, a quantia de € 276 493,42.
Invocada a excepção da ilegitimidade passiva por parte da R. na contestação, alegadamente por apenas exercer a actividade de agente de navegação e não de transportador, a A. requereu a intervenção principal provocada passiva de ML, sediada em Londres.
Admitida a intervenção, e contestando, a chamada invocou a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, por internacionalmente incompetente.
Alegou, em súmula, existir uma cláusula no verso do conhecimento de carga, no qual se textua. «Em todos os outros casos, este conhecimento de embarque será regulado e interpretado de acordo com a lei inglesa e todas as disputas daqui decorrentes serão decididas pelo English High Court of Justice in London com exclusão da jurisdição dos tribunais de outro país».
Acresce que inexiste conexão directa da presente acção com Portugal, uma vez que a mercadoria não chegou a ser descarregada no Porto de Leixões.
Replicando, a A. veio invocar o tamanho da letra do clausulado que qualifica de reduzidíssimo, que não assinou o conhecimento de carga nem aceitou expressa ou implicitamente o pacto de atribuição de competência.
Foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção
Inconformada interpôs a chamada competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma:
«1. O fundamento que serviu de base à decisão do Meritíssimo Juiz “a quo” é manifestamente improcedente e claramente violador do disposto nos artigos 493° no 2 e 4940, alínea a) do Código de Processo Civil.
2. Ressalta logo do verso do Conhecimento de Embarque que a A. juntou como documento n.º 7 e cuja cópia se junta sob o n.º 1, a cláusula 26 que estabelece: “...Em todos os outros casos, este conhecimento de embarque será regulado e interpretado de acordo com a lei inglesa e todas as disputas daqui decorrentes serão decididas pelo English High Court of Justice in London com exclusão da jurisdição dos tribunais de outro país.” (tradução nossa).
3. Tal consubstancia um pacto atributivo de jurisdição.
4. O referido pacto atributivo de jurisdição respeita os requisitos cumulativos constantes do art° 99.º do CPC (…).
5. Acresce que, a referida cláusula de jurisdição obedece, também, aos requisitos do artigo 17.º da CONVENÇÃO RELATIVA À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL, conhecida como Convenção de Bruxelas de 1968 e a que Portugal aderiu em 1992, os quais se encontram também preenchidos.
6. A nossa Jurisprudência tem entendido que tais cláusulas de jurisdição apostas em Conhecimentos de Carga são válidas e vinculam as várias partes envolvidas no transporte, mesmo que não tenham assinado os referidos Conhecimentos de Carga (sublinhado nosso).
7. Na verdade, o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão datado de 21 de Maio de 1998, considerou que:
8. «É prática corrente, no comércio marítimo internacional de mercadorias, submeter litígios resultantes do transporte marítimo ao foro da sede do transportador»
9. «É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência dos países contratantes da Convenção Internacional de Bruxelas, de 27.10.68 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil que os pactos privativos de jurisdição constantes de conhecimentos de carga vinculam o portador do título de transporte, seja ele o carregador, o consignatário ou o recebedor, apesar de o conhecimento não ser assinado por estes».
10. A AGRAVADA aparece nos presentes autos na qualidade de recebedora e legítima portadora do Conhecimento de Embarque, pelo que, não merece qualquer dúvida a plena aplicabilidade da cláusula de jurisdição constante do Conhecimento de Embarque que titula o contrato de transporte marítimo.
11.0 Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão datado de 21 de Maio de 1998, no âmbito do processo número 8748/2008-6, considerou ainda que:
12. «De acordo com o artigo 17o, no 1 da Convenção de Bruxelas se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva».
13. «Estabelece o no 2 do Regulamento (CE) no 44/2001, do Conselho de 22.12.2000, publicado no Jornal Oficial das Comunidades, que entrou em vigor em 1 de Março de 2002, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade, devem ser demandadas perante os Tribunais desse Estado».
14. «Tendo a escolha sido expressamente clausulada em contrato e tendo em conta o carácter vinculativo e de prevalência das normas plasmadas nas convenções internacionais sobre o regime jurídico interno do país, primado esse

que se traduz na primazia hierárquica do direito comunitário, originário ou derivado, sobre o direito nacional, significa que, em caso de conflito é aplicada a disposição comunitária e não a nacional»
15.Os conhecimentos de embarque são verdadeiros contratos que titulam o transporte marítimo de mercadorias.
16. A AGRAVADA aparece nos presentes autos na qualidade de recebedora e legítima portadora do Conhecimento de Embarque.
17.Como tal, aceitou os conhecimentos de embarque e todas as cláusulas neles apostas, nomeadamente a cláusula 26ª que estabelece o referido pacto de jurisdição.
18.Mais se dirá, que o facto de se considerarem os tribunais portugueses incompetentes para decidir sobre os presentes autos em nada afectará uma justa composição dos interesses, pois nem a AGRAVADA nem a AGRAVANTE são sociedades portuguesas.
19.Sendo certo que a própria mercadoria contida nos contentores que servem de base à presente acção não chegou, sequer, a ser objecto de despacho aduaneiro no Porto de Leixões cfr inicialmente acordado entre as Partes, não tendo por isso sequer entrado em território português.
20. Pelo que, resulta evidente a falta de conexão directa da presente acção com Portugal.
21.Como acima se referiu, a cláusula de lei e jurisdição aposta na face do Conhecimento de Embarque dispõe que o Tribunal competente para dirimir os litígios emergentes dos mesmos é o de Londres.
22. Pelo que deve o Tribunal Marítimo ou qualquer outro tribunal português, ser considerado internacionalmente incompetente para decidir a presente acção.
23.E em consequência ser a AGRAVANTE absolvida da instância ao abrigo do disposto nos artigos 493.º no 2 e 494°, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.
Requer-se, por isso, a V. Exas., Venerandos Desembargadores, que se dignem dar provimento ao presente Recurso e, em relação à AGRAVANTE, ser revogada o douto despacho saneador ora recorrido, e substituído por outro que julgue incompetente o Tribunal Marítimo de Lisboa para conhecer dos presentes autos porque, só assim, farão V.Exas. a costumada JUSTIÇA»
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A única questão decidenda consiste em saber se o Tribunal Marítimo de Lisboa onde a acção foi instaurada é ou não competente, em razão da nacionalidade, para conhecer do presente litígio em relação à chamada.
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Constituem dados de facto relevantes para o conhecimento do mérito do recurso os constantes do relatório acima exposto, para o qual se remete na íntegra.
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Do mérito do recurso
Iremos analisar, em termos necessariamente sintéticos, e sem qualquer pretensão de originalidade, as seguintes questões que se relacionam com o mérito do recurso:
i) Noção de competência internacional e sua diferença em relação à competência interna;
ii) Competência internacional na ordem interna;
iii) Prevalência do direito convencional e comunitário;
iv) Noção de pacto de jurisdição;
v) Âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001;
vi) Âmbito de aplicação do artigo 23.º do Regulamento e seus pressupostos;
vii) Validade jurídica dos pactos de jurisdição (seus requisitos formais e substanciais);
viii) Concretização dos temas analisados ao caso ocorrente.
i) A competência internacional pode ser definida, como Miguel Teixeira de Sousa, como «a competência de um tribunal para apreciar uma relação jurídica com conexão com ordens jurídicas estrangeiras» (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997:109).
Seguindo o mesmo autor pode afirmar-se que «a diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas. A competência internacional dos tribunais portugueses é, assim, a competência, dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer das situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa» (op. cit:108).
ii) Na ordem jurídica interna, sem mencionar a matéria atinente à revisão e confirmação de sentenças estrangeiras (artigo 1096.º, alínea c), do CPC), encontramos, no essencial três artigos que se reportam à competência internacional, a saber: artigos 65.º, 65.º- A e 99.º do CPC.
iii) Como explica, entre outros, Dário Moura Ramos «as regras dos artigos 65.º e 65.º-A cedem, porém, em relação às normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas e publicadas no jornal oficial, enquanto as normas vincularem o Estado português, nos termos do artigo 8.º da CRP.
O âmbito de aplicação das regras de competência internacional é assim negativamente delimitado pelo daquelas convenções» («A competência internacional no Código de Processo Civil Revisto. Aspectos Gerais», Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, 1997:76».
No que se refere ao artigo 99.º, em particular, ele só será aplicável numa de duas situações: quando as partes atribuam competência a um tribunal de um Estado que não seja parte nas referidas convenções e quando nem o autor nem o réu tenham, no momento da celebração do pacto de jurisdição, domicílio ou sede no território de um desses Estados (op. cit:79).
No mesmo sentido se pronuncia Sofia Henriques «(…) a aplicação do artigo 99.º é afastada sempre que esteja preenchido o âmbito de aplicação do artigo 17.º da Convenção de Bruxelas ou do artigo 23.º do Regulamento [Bruxelas I]. Na verdade estes preceitos prevalecem sobre as regras de direito interno do Estados membros/contratantes, face ao primado do direito comunitário» (Os pactos de jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44 de 2001, Coimbra Editora, Coimbra, 2006:131).
Posição que é acompanhada pela generalidade da doutrina
iv) «Pacto de jurisdição pode ser definido como a convenção pela qual as partes definem como internacionalmente competente um tribunal ou os tribunais de um Estado, em regra, diverso do competente por força das regras de competência internacional aplicáveis, sejam elas regras de direito interno, de direito convencional (v.g. Convenção de Bruxelas) ou de direito comunitário (v.g. Regulamento n.º 44/2001).
(…)
Os pactos podem ser privativos ou atributivos.
São pactos privativos de jurisdição aqueles que submetem a jurisdição estrangeira uma causa para a qual, segundo as regras aplicáveis, seria competente a jurisdição portuguesa; e pactos atributivos de jurisdição aqueles que submetem à jurisdição portuguesa uma causa para a qual os tribunais portugueses não têm competência internacional» (op. cit:21).
A distinção entre pactos privativos e atributivos é geograficamente situada e deve ser considerado na perspectiva da respectiva ordem jurídica, in casu a portuguesa (Miguel Teixeira de Sousa, op. cit: 125).
v) O Regulamento (CE) n.º 44/2001 reformulou a Convenção de Bruxelas, transformando uma Convenção Internacional em Regulamento Comunitário. Esta a razão pela qual ficou e é conhecido como Regulamento Bruxelas I.
Seguindo de perto o trabalho de Sofia Henriques, a primeira análise que se impõe perante o caso ocorrente é determinar se é ou não aplicável o Regulamento.
Há que distinguir quatro planos: o âmbito de aplicação material, o âmbito de aplicação territorial, o âmbito de aplicação temporal e o âmbito subjectivo espacial.
Vejamos cada um desses âmbitos.
- Âmbito de aplicação material – De acordo com o artigo 1.º o Regulamento aplica-se em matéria civil e comercial.
Ficam excluídas as seguintes matérias: fiscais, aduaneiras, administrativas, estado e capacidade de pessoas singulares, regimes matrimoniais, testamentos, sucessões, falências, concordatas e processos análogos, segurança social e processos de arbitragem.
Importa pôr em destaque que na determinação da aplicação do Regulamento não releva a natureza da jurisdição competente em termos de ordem interna, ou, dito de outro modo, é irrelevante se o tribunal competente na ordem interna é o tribunal com competência civil, comercial, laboral, criminal ou marítimo.
- Âmbito de aplicação territorial – O Regulamento vincula todos os Estados-membros da União Europeia, ressalvando a Dinamarca (artigo 1.º, n.º 3, in fine).
- Âmbito de aplicação temporal – O Regulamento entrou em vigor em 1 de Março de 2002 (artigo 76.º), sendo aplicável no que concerne à competência internacional directa, às acções judiciais instauradas após essa data (artigo 66.º, n.º 1).
- Âmbito de aplicação subjectiva ou espacial – O Regulamento só é aplicável quando o demandado tiver o seu domicílio ou sede no território de um Estado-membro vinculado por esse Regulamento (artigo 4.º, n.º 1).
vi) O Regulamento contém uma disposição especifica sobre os pactos de jurisdição. Dispõe o artigo 23.º (correspondente ao artigo 17.º da Convenção de Bruxelas):
«1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de determinada relação jurídica, esse tribunal ou tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem o contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si;
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo considerado.
(…)
5. Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares dos actos constitutivos de «trust» não produzirão efeito se forem contrários ao disposto no artigo 13.º, 17.º e 21.º, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22.º»
São três os pressupostos de aplicação do artigo 23.º
- que, pelo menos, uma das partes se encontre domiciliada em território de um Estado-membro;
- que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-membro;
- que se trate de uma situação internacional (Sofia Henriques, op. cit: 32 ss).
vii) São também três, segundo o Regulamento, os requisitos de validade dos pactos de jurisdição:
«- Quanto à forma, a convenção deve ser celebrada por escrito; de acordo com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou, no âmbito do comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do tipo de celebrado;
- O pacto deve indicar os litígios que serão objecto de um processo ou qual a relação jurídica que está na origem desses litígios, bem como designar o tribunal ou os tribunais para conhecer do litígio;
- O pacto não pode derrogar competências exclusivas, previstas no artigo 22.º» (op. cit:61 ss).
Confrontando o artigo 23.º do Regulamento com o artigo 99.º do CPC pode dizer-se, com Dário Moura Vicente, citado por Sofia Henriques (op. cit:136) que o regime do Regulamento é claramente mais liberal do que o que vigora no nosso direito interno, até porque não exige um controlo dos fundamentos da atribuição da competência (artigo 99,n.º 3, alínea c), do CPC).
viii) Aqui chegados, importa sindicar se o Tribunal Marítimo de Lisboa, é competente, em razão da nacionalidade, para conhecer do presente litígio em relação à chamada.
Tudo dependerá da validade ou não do pacto de jurisdição constante das cláusulas anexas ao conhecimento de embarque para transporte muldimodal traduzidas a fls. 187 ss.
Está em causa a última cláusula, a 26, sob a epígrafe «Lei e Jurisdição» com o seguinte teor: «Sempre que seja aplicável a cláusula 6.2 (d) e/ou a US COGSA, quer em virtude do Transporte de Mercadorias de ou para os Estados Unidos da América ou por outra forma, a lei dos Estados Unidos da América será aplicável a essa parte do Transporte e o Tribunal Federal do Distrito Sul de Nova Iorque terá jurisdição exclusiva para decidir todas as disputas relativamente à mesma. Em todos os outros casos, aplicar-se-á a este conhecimento de embarque a Lei inglesa, sendo mesmo interpretado de acordo
com esta lei e todas as disputas resultantes do presente serão decididas pelo English High Court of Justice em Londres, com exclusão da jurisdição dos tribunais de outro país».
Perante a factualidade apurada não parece poder questionar-se estarmos perante um pacto atributivo de jurisdição que atribui a um específico tribunal inglês competência para conhecer de litígio, que, na falta desse pacto, seria da competência da jurisdição portuguesa.
Também não parece ser de questionar a aplicação do Regulamento Bruxelas I e a verificação dos pressupostos do artigo 23.º desse Regulamento.
Na verdade estamos perante matéria abrangida pelo artigo 1.º do Regulamento, o Reino Unido está abrangido por este instrumento, a acção foi instaurada em 30 de Outubro de 2006 e o pacto de jurisdição reporta-se a data posterior à entrada em vigor daquele. Também é verdade que a chamada tem a sua sede no território de Estado-membro vinculado pelo Regulamento.
Por outro lado, verificam-se os pressupostos, acima enunciados, de que o Regulamento faz depender a aplicação do seu artigo 23.º.
Mesmo em relação ao pressuposto da situação internacional, tal se verifica, como destacou o primeiro grau, ao mencionar que o lugar de cumprimento era o porto de Leixões, segundo o conhecimento de carga.
Mais problemática, e que constitui o cerne da questão em dissídio, tem a ver com a validade do pacto de jurisdição.
O primeiro grau julgou nula a cláusula 26.ª constante do verso do conhecimento de carga, louvando-se no AC. do TJCE Soc. Elefanten Schuh GmbH c. Jacqmain, de 24.06.1981, Proc. N.º 150/80, segundo o qual as exigências de forma do artigo 17.º da C. Brux «correspondem à preocupação de não entravar os usos comerciais neutralizando, no entanto, os efeitos das cláusulas que poderiam passar despercebidas nos contratos, como as estipulações que constam impressas na correspondência ou nas facturas e que não foram aceites pela parte a que foram opostas». Além disso, os redactores
do artigo 17.º ponderaram que, para garantir a segurança jurídica, a forma a revestir pelas cláusulas atributivas de competência deviam estar expressamente previstas».
Por outro lado, referiu que «dado que no caso dos autos nos encontramos no âmbito do comércio internacional, poder-se-ia chamar à colação a conformidade da causa com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que sejam amplamente reconhecidos e regularmente observados em contratos do tipo celebrado. Porém, um uso ou uma prática habitual constituem matéria de facto sujeita, em princípio, a prova que convença o tribunal da sua existência e, no caso dos autos nem sequer foi alegada».
O Acórdão do TJCE, de 16 de Março de 1999, Processo C-159/97 – Transporti Castelleti Spedizioni Internazionali SpA c. Hugo Trumpy SpA, depois de ter chamado a atenção para que apesar da flexibilidade introduzida no artigo 17 [da CBrux], continua a ser um dos objectivos desta disposição que o consenso dos interessados exista realmente, objectivo justificado pela preocupação de proteger a parte contratante mais fraca, evitando que cláusulas atributivas de jurisdição, introduzidas num contrato por uma única das partes, passem despercebidas», decidiu, entre outras, que «pode presumir-se que existe o consenso das partes quanto à cláusula atributiva de jurisdição se o seu comportamento corresponder a um uso que rege o domínio do comércio internacional em que operam as partes em questão e se estas últimas conhecem esse uso ou devem conhecê-lo»; «a existência de um uso, que deve ser verificada no ramo de comércio em que as partes contratantes exercem a sua actividade, deve considerar-se provada quando um certo comportamento é geral e regularmente seguido pelos operadores nesse ramo no momento da celebração de contratos de um certo tipo»; «o conhecimento de um uso deve ser apreciado relativamente às partes originárias do pacto atributivo da jurisdição, não tendo a este respeito qualquer relevância a respectiva nacionalidade. Este conhecimento prova-se, independentemente de qualquer forma específica de publicidade, quando, no ramo de comércio em que as partes operam, um certo comportamento é geral e regularmente seguido na conclusão dum certo tipo de contratos, de forma que pode ser considerado como uma prática consolidada».
Ora, no caso vertente nada temos que satisfaça estes requisitos exigidos pela jurisprudência do TJCE em relação à alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento.
Por outro lado, parece-nos que o primeiro grau poderia ter acrescentado à sua argumentação a doutrina que dimana do Ac. TJCE, de 14 de Dezembro de 1976, Processo n.º 24/76 – Estasis Salotti di Colzani Aimo e Gianmarmario Colzani c. Rüwa Polstereinmaschinen GmbH.
Segundo este Acórdão «a exigência de forma escrita prevista no artigo 17.º, primeiro parágrafo, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões só é satisfeita, no caso de um pacto atributivo de jurisdição inserido nas condições gerais de venda estipuladas por uma das partes e impressas no verso de um contrato, se o contrato assinado por ambas as partes remeter expressamente para essas condições gerais».
Também, no plano interno, o já longínquo Ac. RL, de 20.11.1979, doutrinou que «ainda que os pactos privativos de jurisdição figurem em contrato de adesão, serão válidos, desde que a designação do tribunal competente corresponda a um interesse sério das partes ou de uma delas (artigo 99.º, n.º 3, alínea b), do CPC) e elas tenham tido conhecimento prévio do pacto e do seu significado» (CJ:1605).
Tendo em conta o exposto, deve concluir-se que a simples impressão, no verso de um conhecimento de embarque, de um pacto de jurisdição, com um tamanho de letra reduzidíssimo, e que não se mostra ter sido aceite pela A., uma vez que apenas se encontra assinado pela Ré, não satisfaz os requisitos fixados no artigo 23.º do Regulamento, «uma vez que não é dada qualquer garantia de que, por este meio, a outra parte deu efectivamente o seu consentimento à cláusula derrogatória do direito normalmente aplicável em matéria de competência judiciária».
Em suma o pacto de jurisdição não respeita as exigências formais do Regulamento. A decisão impugnada não merece, pois, censura.
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Pelo exposto, acordamos em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 17 de Março de 2011

Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Carlos Marinho