Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL CONTRATO DE SEGURO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC) 1. A competência, como pressuposto processual que é, tem de ser averiguada em função dos termos em que o autor configura a acção, a qual se define através do pedido nela formulado, da causa de pedir que lhe está subjacente e da natureza das partes. 2. Se os autores vêm a tribunal pedir que a ré/seguradora seja condenada a pagar-lhes uma indemnização devida ao segurado, do qual os autores são herdeiros, por virtude dos riscos cobertos pelo contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais, estão a exigir uma indemnização pelo não cumprimento contratual, por parte da ré, caindo-se no âmbito da previsão do artigo 71.º, n.º 1, 2ª parte do CPC. 3. A cláusula de foro, inserta num contrato de adesão, como é o contrato de seguro, atento o seu conteúdo, constitui cláusula relativamente proibida, face ao disposto no artigo 19.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º446/85, de 25 de Outubro, logo nula, porque, impositivamente, estabelece o foro competente que pode envolver graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra, a predisponente, o justifiquem. 4. Sendo a ré/seguradora, uma pessoa colectiva, os autores tanto podiam propor a acção no tribunal da sede da ré como no tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, sendo qualquer um destes tribunais territorialmente competente para a acção. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
MARIA .., residente….., JOSÉ ... residente em … e FILIPE ... residente em …, intentaram, em 22.06.2016, contra A. COMPANHIA DE SEGUROS, SA, com sede em Lisboa, acção declarativa, sob a forma de processo comum, através da qual pedem a condenação da ré a pagar aos autores a quantia de €125.500,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a data da citação e de juros compulsórios nos termos do nº 4 do artigo 829º do Código Civil. Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte: b) No caso de morte, ocorrida imediatamente ou no decurso de dois anos a contar da data do acidente, a seguradora pagará o correspondente valor seguro ao{s) beneficiário(s) expressamente designado(s) na apólice, c) Na falta de designação de beneficiário(s), o valor seguro será atribuído aos herdeiros segundo as regras e pela ordem estabelecida no Código Civil - alíneas a) e d) do n° 1 do Artigo 2133° - para a sucessão legítima, salvo se, não havendo herdeiros das classes previstas nas alíneas a) e b) do citado Artigo, existam herdeiros testamentários. 2. Invalidez Permanente 3. Incapacidade Temporária (…) 4. Incapacidade Temporária por internamento por Hospitalar No caso de Incapacidade Temporária por Internamento Hospitalar, sobrevinda no decorrer de 180 dias contados da data do acidente, a Seguradora pagará o subsidio diário fixado nas Condições Particulares enquanto subsistir o internamento em hospital ou clínica e por um período não superior a 360 dias; a contar da data em que o Segurado tiver sido internado. (artigo 83º p.i.) Citada, a ré apresentou contestação, em 27.10.2016, arguindo, nomeadamente, a excepção de incompetência do Tribunal, nos seguintes termos: 1. A apólice em causa foi emitida à data pela seguradora G., SA, com sede em Lisboa. 2. Foi emitida nesse local, ou seja, em Lisboa; 3. Nos termos do disposto no Art.º 24 das condições gerais da apólice aqui em causa o tribunal competente é o tribunal da comarca de Lisboa, 4. A incompetência do tribunal é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que dá lugar à absolvição de instância; 5. Pelo que, deve a R. ser absolvida da instância nos termos do disposto no art.º 278 do C Civil. Notificados, os autores apresentaram articulado de réplica, em 14.11.2016, no qual responderam à aludida excepção, da forma seguinte:
Por despacho de 25.11.2016, foi designada data para a realização da audiência prévia. Em 23.01.2017, foi proferido o seguinte Despacho: (…) Resulta do artigo 71º, nº 1, do Código de Processo Civil, que a acção destinada e exigir o cumprimento de obrigações é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana. Por sua vez dispõe nº 2, do referido normativo legal: Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu. A causa de pedir, nas ações de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-10-2007, proferido no âmbito de um processo em que é demandada uma seguradora, processo nº 07B1710, disponível em www.dgsi.pt). Tal como decorre do exposto supra, a presente ação destina-se a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito alegadamente praticado em Mortágua. Nestes termos, devia a presente acção ter sido intentada no lugar onde o facto ocorreu, ou seja, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (Instância Central de Viseu, Secção Cível). Assim sendo, conclui-se que este Tribunal é territorialmente incompetente, sendo competente para a tramitação dos presentes autos o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (Instância Central de Viseu, Secção Cível), tribunal do lugar onde o facto alegadamente ocorreu. A incompetência territorial (relativa – cfr. artigo 102.º do Código de Processo Civil) é uma excepção dilatória (cfr. artigo 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil) insuprível, de conhecimento oficioso em determinadas situações (cfr. 578.º, 104.º, nº 1, alínea a) e artigo 71.º, nº 1, do Código de Processo Civil) e determina a remessa dos autos para o tribunal competente (cfr. artigo 105.º, nº 3 do Código de Processo Civil).
No presente caso, a excepção de incompetência territorial é de conhecimento oficioso (a incompetência territorial deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes: nas causa a que se refere (…) o nº 2 do artigo 71.º) – artigos 104.º, nº 1, alínea a) e artigo 71.º, nº 2, do Código de Processo Civil. DN. Atenta a decisão proferida supra dou sem efeito a audiência prévia agendada para 25.01.2016. Notifique pela via mais expedita, a fim de evitar desnecessárias deslocações.
Inconformados com o assim decidido, os autores vieram, em 02.02.2017, incorrectamente, ao abrigo do disposto no artigo 105º, nº 4 do Código de Processo Civil, apresentar RECLAMAÇÃO, para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a qual foi admitida como recurso de apelação, relativamente ao Despacho proferido.
São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes: i. O despacho recorrido viola do disposto nos artigos 71º, nº 1 e 2 do CPC. ii. O pedido consiste na providência processual que o autor julga adequada para a tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma material e juridicamente protegido. iii. A causa de pedir é o facto constitutivo da situação jurídica material que o autor pretende fazer valer, o facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido. iv. Nos presentes autos a causa de pedir é constituída pelo contrato de seguro de acidentes pessoais, a invalidez permanente e o internamento. v. O pedido é constituído pela condenação da ré no cumprimento de uma obrigação contratual: pagamento do valor estipulado no contrato de seguro de acidentes pessoais para cobertura da situação de invalidez permanente e incapacidade temporária- internamento hospitalar. vi. Por isso, o tribunal territorialmente competente, à data da propositura da ação, é o Tribunal que proferiu a decisão reclamada, por ser o tribunal da sede da ré. Pedem, por isso, os apelantes, que seja revogado o despacho recorrido, declarando-se territorialmente competente para conhecer da acção o Tribunal Judicial da Comarca do Açores – Juízo Central e Criminal de Ponta Delgada- Juiz 1.
Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a ponderação acerca:
III . FUNDAMENTAÇÃO
Artigo 25º - Foro O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local de emissão da apólice. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como se sabe, a competência territorial resulta da conjugação de dois elementos: - circunscrição territorial correspondente ao Tribunal e o facto decisivo de conexão.
Entre os factores de conexão destacam-se, o foro do réu, o foro real, o foro obrigacional, o foro do autor, o foro hereditário e o foro da execução.
A regra geral para atribuição de competência encontra-se fixada nos artigos 80º e 81º do nCPC (artigos 85º e 86º do aCPC) - foro do réu. Este, assenta num critério supletivo, que cede quando haja disposição especial em contrário, estabelecida nos artigos 70º a 79º do nCPC (artigos 73º a 84º do aCPC). Para apreciação da competência do tribunal temos de ser presente a configuração da relação material controvertida tal como a mesma é apresentada em juízo pelos autores. No caso vertente, propõem os autores, a acção contra a seguradora (pessoa colectiva), na qualidade de herdeiros do falecido A.A.C., invocando a efectivação de um contrato de seguro de acidentes pessoais que protegia os riscos associados à actividade profissional e extra-profissional da pessoa segura, A.A.C., o qual veio a ficar com incapacidade temporária, esteve hospitalizado, com invalidez permanente e veio a falecer.
A causa de pedir é, assim, o não cumprimento, por banda da ré/seguradora, do celebrado contrato de seguro, no que concerne ao não pagamento das indemnizações previstas no aludido contrato, e não o acidente de viação, contrariamente ao defendido no despacho recorrido.
Destina-se, pois, esta acção a exigir o cumprimento de uma obrigação, havendo, por isso, uma norma especial a fixar a competência – artigo 71º, nº 1 do nCPC (artigo 74º, nº 1 do aCPC) - foro obrigacional.
A regra do forum obligationis é hoje a do domicílio do réu.
Contudo, estabeleceu-se um foro alternativo condicional, isto é, deixa-se à escolha do credor a opção de litigar no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou no domicílio do réu quando o réu seja uma pessoa colectiva ou quanto o autor e o réu tenham domicílio na área metropolitana de Lisboa ou do Porto.
É que, segundo o artigo 71, nº 1, 1ª parte do nCPC (artigo 74º, nº 1, 1ª parte do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril), “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu”.
Na 2ª parte do nº 1 do aludido normativo prevê a possibilidade do credor optar pelo tribunal do domicílio do réu ou pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, MAS APENAS nos casos em que o réu seja pessoa colectiva ou quando o credor tenha domicílio na área metropolitana de Lisboa ou Porto e o réu resida também nessa mesma área metropolitana.
Considerando a relação jurídico-processual tal como foi apresentada pelos autores, verifica-se que estes têm domicílios em Águeda e Coimbra, sendo o domicílio da ré (pessoa colectiva), cujo incumprimento contratual é sancionado na petição inicial, em Ponta Delgada.
Estão, pois, verificados os pressupostos legais previstos na 2ª parte do n.º 1 do citado normativo, que possibilitam que o credor, isto é, os autores nestes autos, possam escolher litigar no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou no domicílio da ré.
Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, dispõe o artigo 774º do Código Civil, deve a prestação ser efectuada no domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
Tal dispositivo legal é uma norma supletiva, na medida em que as partes podem estipular em contrário.
Mas, as regras acabadas de enunciar referem-se apenas às regras de fixação de competência determinadas por lei.
Referiu a ré/apelada, na sua contestação, que por força do artigo 25º das condições gerais da apólice atinente ao contrato de seguro aqui em causa, o tribunal competente é o tribunal da comarca de Lisboa.
Nos termos do artigo 95º, nºs 1 e 3 do nCPC (artigo 100º, nºs 1 e 3 do aCPC), as partes podem, por convenção, afastar a aplicação das regras legais de competência em razão do território, sendo a competência fundada na estipulação tão obrigatória como a que resulta da lei.
O artigo 104º, nº 1 do nCPC (artigo 110º, nº 1 do aCPC, na redacção que lhe foi dada pelo Lei nº 14/2006), afastou a possibilidade de se convencionar o foro das acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento nos casos em que o réu não é uma pessoa colectiva ou não tenha domicilio na área metropolitana de Lisboa ou do Porto do domicílio do autor.
Com efeito, preceitua o citado normativo que “A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, designadamente e no que aqui importa, nas causas a que se refere a 1ª parte do nº 1 e o nº 2 do artigo 71º do nCPC (artigo 74º do aCPC).
Veda, portanto, o nº 1 do artigo 104º do nCPC (artigo 110º do aCPC) a possibilidade de as partes celebrarem pactos de aforamento nos casos aí previstos, em que a incompetência deverá ser conhecida oficiosamente.
Como referem JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXNADRE, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª ed. 197 (em anotação ao artigo 95º), “O pacto de competência apenas pode incidir sobre a competência em razão do território, e, mesmo assim, ainda com a ressalva dos casos de conhecimento oficioso da incompetência relativa previstos no art. 104-1.”.
Decorre do aludido artigo 104º do nCPC (tal como já sucedia no artigo 110º do aCPC) que não é necessário que no pacto de competência os contraentes determinem o tribunal que julgará a causa, bastando que indiquem o critério da respectiva determinação, sendo ainda requisito material do pacto de competência a designação das questões a que se refere (nº 2), a qual pode ser efectuada pela simples especificação do facto jurídico susceptível de as originar (nº 4). É o caso das frequentes cláusulas que mencionam “todas as questões relativas ao incumprimento ou execução do presente contrato” – v. neste sentido JOSÉ LEBRE DE FREITAS (…), ob. cit., loc. cit.
A competência fundada em acordo convencional, conforme decorre do n.º 3 do artigo 95º do nCPC (artigo 100º do aCPC), e tão obrigatória como a que deriva da lei, importando a sua infracção a incompetência relativa do Tribunal.
É verdade que o contrato em causa foi celebrado em 28.09.2005, no qual foi estabelecido o foro convencional - O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local de emissão da apólice – sendo ao tempo seguradora, a G. Companhia de Seguros, com sede em Lisboa, terá de se concluir que será aí que a apólice foi emitida, o que sucedeu antes da entrada em vigor da referida Lei nº 14/2006.
Como elucida ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2º edição, 1985, pág. 47, “a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo”, entendimento que é, aliás, pacífico quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Sucede, no entanto, que decorre do disposto no artigo 6º da Lei 14/2006, de 26 de Abril que as alterações ali previstas apenas se aplicam às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor, excluindo-se, consequentemente, da sua aplicação as acções pendentes.
Mas, foi posteriormente prolatado o AUJ do STJ nº 12/2007, de 18.10.2007, D.R. I s. nº 235, de 06.12.2007 que uniformizou a jurisprudência consignando que: ”As normas dos artigos 74º, nº 1 e 110º, nº 1, alínea a) ambos do CPC, resultantes da alteração decorrente do artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso”.
Ora, o pacto de aforamento ínsito na cláusula 25º do contrato de seguro de acidentes pessoais em causa nos autos, não pode deixar de ser considerado como uma norma definidora da competência territorial, a qual se terá de submeter ao regime aplicável a qualquer outra norma processual.
Invocaram, no entanto, os autores/apelantes, na resposta à excepção deduzida pela ré que, sendo o contrato de seguro um contrato de adesão, a cláusula 25ª nele inserta era nula, nos termos do artigo 15º e 19º, g) da LCCG.
Importa, então, analisar se a aludida cláusula, com o seu reduzidíssimo alcance – acções não abrangidas na previsão do artigo 71º, nº 1, 1ª parte do nCPC, - se pode considerar inválida.
Proíbe a alínea g) do artigo 19º do Decreto-Lei 446/85, de 31.10, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
Já se entendeu na jurisprudência que somente se sabe se a fixação do foro constante de uma cláusula contratual geral envolve graves inconvenientes para uma parte quando se estiver em conta com um concreto contrato firmado e só então se poderá avaliar da existência de concretos interesses da outra parte que possam justificar ou não a fixação daquele foro (…) não podendo, em abstracto, ser considerada como proibida – v. Ac. STJ de 19.09.2006 (Pº 06A2616), acessível no identificado sítio da Internet.
Rejeita-se, todavia, este entendimento. No citado artigo 19º do Decreto-Lei 446/85 consagra-se, é certo, uma proibição relativa, o que implica uma valoração. Mas como a lei remete sempre para o quadro negocial padronizado, essa valoração nunca poderá ter como referência o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas, ao invés, como salienta ALMENO DE SÁ, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2ª ed., Almedina, 2005, 259, o tipo de negócio em causa e os elementos que normalmente o caracterizam.
E, é precisamente nessas restritas acções não englobadas no âmbito de aplicação do artigo 71º, nº 1, 1ª parte do Código de Processo Civil que, designadamente, a regra geral consagrada no artigo 80º, nº 1 do CPC (acções a propôr no Tribunal do domicilio do réu), poderá ser afastada pela cláusula contratual.
A aludida cláusula de foro, pelo seu conteúdo, constitui cláusula relativamente proibida, face ao disposto no artigo 19.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, logo nula, porque estabelece foro competente que pode envolver graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem, entendimento jurisprudencial dominante, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – v. entre muitos, Acs. de 13.11.2014 (Pº 2475/10.0YXLSB.L1.S1) e de 14.12.2016 (Pº 20054/10.0T2SNT.L2.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
Assim sendo, no caso vertente, tendo sido proposta a presente acção, em 22.06.2016, forçoso é concluir que a matéria atinente à competência relativa terá de ser apreciada à luz das regras de competência em vigor no nomento em que a acção é proposta, ou seja, com base no artigo 104º do aCPC.
E, estando em causa uma acção destinada a exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária, sendo a ré uma pessoa colectiva, na altura com domicílio em Ponta Delgada, sempre poderiam os autores propor a presente acção no Tribunal da Comarca de Ponta Delgada – como fizeram - não optando pela alternativa constante da 2ª parte do nº 1 do artigo 71º do CPC.
Destarte, procede a apelação, declarando-se competente para conhecer da acção o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Ponta Delgada – Instância Central Cível - revogando-se o Despacho recorrido que julgou competente o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.
A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se o Despacho recorrido, declarando-se competente para conhecer da acção o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Ponta Delgada – Instância Central Cível. Condena-se a apelada no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 8 de Junho de 2017 Ondina Carmo Alves – Relatora Pedro Martins Lúcia Soua |