Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11378/16.4T8SNT.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
LOGISTA EM CENTRO COMERCIAL
ESBULHO VIOLENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O contrato de instalação de lojista em centro comercial caracteriza-se pela cedência do gozo de um espaço - loja - para o exercício de uma actividade comercial ou de prestação de serviços num complexo imobiliário, composto por diversas lojas com comércios e serviços variados e complementares e por espaços comuns de lazer, realizando cada lojista por sua própria conta e risco, a exploração do respectivo espaço, mas estando obrigado a obedecer a regras gerais de funcionamento e organização do centro comercial.

2.Os contratos celebrados entre as entidades exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são habitualmente qualificados como correspondendo legalmente a contratos atípicos, visto não corresponderem exactamente a nenhum dos tipos legais previstos e regulados, embora socialmente típicos.

3.Ao contrato de instalação de lojista em centro comercial é aplicável o regime resultante das respectivas cláusulas acordadas, desde que válidas, bem como o regime legal geral dos contratos e, se necessário, a disciplina de figuras contratuais próximas, como o são, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano.

4.A cláusula contratual que confere ao proprietário ou a entidade exploradora do centro comercial o direito de, uma vez resolvido o contrato de utilização de loja, reassumir a detenção da loja com recurso aos meios extrajudiciais que entenda necessários e adequados para o efeito, renunciando o lojista ao requerimento de eventuais providências cautelares destinadas a impedir tal direito, é nula, por violar o disposto nos artigos 1º do Código de Processo Civil e 336º nº 1 do Código Civil.

5.O lojista pode requerer a restituição provisória de posse do estabelecimento comercial instalado no aludido espaço sito no centro comercial, se tiver sido esbulhado violentamente da posse daquele.

6.Tendo o proprietário ou a entidade exploradora do centro comercial impedido o lojista de aceder ao direito de utilização da loja que lhe estava contratualmente afecta, bem como de explorar o estabelecimento comercial que aí funcionava, ficando deles desapossado, foi perpetrado por aquele o esbulho dessa loja.

7.Considera-se violência relevante, para efeitos de restituição provisória da posse, a vedação de uma loja, com taipais, num centro comercial.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.-RELATÓRIO:


DESPORTOS, S.A., com sede em …… intentou, em 03.06.2016, contra CENTRO COMERCAL DV, S.A. com sede em ……. e P.M., S.A. com sede em ……, providência cautelar de restituição provisória de posse, através da qual formulou os seguintes pedidos (com a alteração efectuada através do requerimento de 07.06.2016):
i.Seja julgada procedente a presente providência cautelar especificada de restituição provisória da posse julgada e decretada, sem que haja lugar à audição prévia das Requeridas, a restituição imediata da posse e detenção da Loja e do seu estabelecimento comercial, nela instalado; ou, quando assim não se entenda,
ii.Seja a providência cautelar julgada procedente enquanto providência cautelar comum ou não especificada, ordenando-se igualmente às Requeridas a restituição imediata da posse e detenção da Loja e do seu estabelecimento comercial, nela instalado, sem que haja lugar à audição prévia das Requeridas;
e, em qualquer dos casos, cumulativamente, que:
iii.Seja ordenado às Requeridas que se abstenham de praticar quaisquer actos que impeçam, dificultem ou limitem a normal utilização da Loja e exploração do estabelecimento comercial nela instalado, por parte da Requerente;
iv.Sejam declaradas nulas, pelo menos em sede da presente providência cautelar, as cláusulas 20.4, 20.5, 20.6, 20.7 e 20.8, todas do Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial, junto como Doc. n.º 1;
v.Seja determinada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória às Requeridas, no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) por cada dia de atraso na restituição da posse e detenção da Loja e/ou do estabelecimento comercial nela instalado à Requerente, contados da data em que forem citadas ou notificadas da decisão judicial que ordene a providência e a mencionada restituição;
vi.Seja determinada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória às Requeridas, no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) por cada acto que pratiquem que impeça, dificulte ou limite a normal utilização da Loja bem como a normal exploração do estabelecimento comercial da Requerente, instalado na referida Loja, depois de terem sido citadas ou notificadas da decisão judicial que lhes ordene que se abstenham de praticar tais actos.

Fundamentou a requerente, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.Celebrou com a 1ª Requerida em 22.05.2012 um Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial, nos termos do qual a 1ª Requerida lhe cedeu onerosamente a utilização duma loja com a área total bruta de 2.089,87 m2, destinada à actividade comercial de venda ao público de artigos de desporto, campismo e lazer, sita no Centro Comercial DV (doravante abreviadamente designado por “Loja”), por um período inicial de 6 anos contados desde 07.07.2012, ou seja, até 06.07.2018;
2.A 2ª Requerida é a entidade gestora do Conjunto Comercial e representante da 1ª Requerida na gestão/administração do Centro Comercial;
3.Em meados de 2015, a 1ª Requerida manifestou vontade de proceder à mudança da Loja da Requerente para outra zona do Conjunto Comercial, com menor visibilidade e tráfego de utentes, mas sem que tivesse apresentado uma proposta concreta;
4.Com o objectivo de forçar a resolução contratual e assim poder colocar outro lojista na Loja, a partir de Novembro de 2015, a 1ª Requerida, através do envio de cartas, começou alegar fundamentos visando tal fim, começando pela alegação de que a Requerente não havia obtido o alvará de licença de utilização referente ao espaço onde se instala a Loja, para depois acabar por reconhecer que a ela própria cabia a obtenção do alvará, mas alegando que se viu impossibilitada de o obter em virtude da Requerente não lhe ter facultado documentação necessária para a dita emissão, que nunca antes havia solicitado;
5.Alegou ainda a 1ª Requerida que a Requerente não cumpriu com as obrigações constantes no Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, que prevê a necessidade de emissão de uma mera comunicação prévia à Câmara Municipal competente, sempre e quando os estabelecimentos de comércio a retalho inseridos em conjuntos comerciais disponham de uma área de venda igual ou superior a 2.000 m2;
6.Mais tarde ainda, alegou que a Requerente havia incumprido normas técnicas de segurança na Loja;
7.As alegações da 1ª Requerida carecem de fundamento, porque a ela própria cabia obter o alvará, porque nunca antes havia pedido qualquer documentação para o efeito, porque a área de venda da Loja é inferior a 2000 m2, não sendo assim necessária comunicação à Câmara Municipal;
8.Sobre a 1ª Requerida recaía o dever de entregar o espaço à Requerente devidamente equipado no que às normas técnicas de segurança diz respeito, sendo que, ainda assim, se prontificou a proceder à rectificação das falhas relativamente a normas técnicas de segurança que pudessem subsistir na Loja;
9.A 1ª Requerida, por carta de 30.05.2016, informou a Requerente da resolução do Contrato e do encerramento da Loja a partir das 00:01 de 02.06.2016, já que, segundo a 1ª Requerida, a Requerente “continua sem demonstrar a área da Loja destinada a venda ao público, e sem dar garantias de cumprimento e entrega da documentação técnica exigida, muito menos no prazo requerido”,
10.A Requerente respondeu que as diligências visando a correcção das anomalias estariam concluídas previsivelmente no dia 02.06.2016 e apresentou uma planta da Loja com discriminação das áreas relevantes, da qual resulta que a área de venda ao público da Loja corresponde a 1.611 metros quadrados, renovando o convite à 1ª Requerida para efectuar as medições que entendesse, caso discordasse do teor da referida planta, assim refutando qualquer resolução do Contrato pela 1ª Requerida, opondo-se à reassunção da posse da loja por parte da mesma e invocando a nulidade da Cláusula 20.4 do Contrato invocada pela 1ª Requerida para justificar o encerramento imediato da Loja;
11.No mesmo dia 01.06.2016, a 1ª Requerida enviou nova carta à Requerente na qual insiste na resolução do Contrato, informando que iria proceder ao encerramento da Loja na data e hora previamente indicadas, dar conhecimento de tal situação às autoridades policiais e sustentando a validade que a Cláusula 20.4 do Contrato;
12.Por volta das 02:30 horas do dia 02.06.2016, os funcionários da Requerente presentes na loja foram abordados por elementos da segurança do Centro Comercial, que, actuando a mando das Requeridas, lhes exigiram que saíssem da Loja e abandonassem o Centro Comercial, o que estes fizeram após recusa inicial, já com a presença de elementos policiais;
13.Pelas 07:00 horas de 02.06.2016 os funcionários da Requerente foram impedidos de entrar no Centro Comercial a essa hora, e pelas entradas reservadas aos funcionários das lojas, pelos seguranças do Centro Comercial, que alegaram ter ordens «da Administração» - ou seja, da 2ª Requerida - nesse sentido;
14.E, só conseguiram entrar no Centro Comercial pelas 09:00 horas da manhã do mesmo dia, pelas entradas destinadas ao público em geral, não tendo, porém, logrado aceder à Loja da Requerente, cujas entradas se encontravam guardadas por dois seguranças e barradas e trancadas, tendo as trancas sido mesmo pregadas/aparafusadas, de modo a fazer com que as portas não pudessem ser abertas com as chaves detidas pela Requerente, tendo assim a Requerente sido desapossada da Loja pelas Requeridas, bem como do seu estabelecimento comercial aí instalado, ficando impossibilitada de laborar;
15.Do procedimento descrito nas Cláusulas 20.4, 20.5, 20.6, 20.7 e 20.8 do Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial, o procedimento normal da 1ª Requerida, com a colaboração da 2ª Requerida, quando procede à resolução do contrato celebrado com um lojista é apossar-se da loja imediatamente e sem recurso a meios judiciais, podendo inclusivamente retirar da loja os bens do lojista, ficando assim de forma imediata ou quase imediata com a disponibilidade da loja livre e devoluta, de modo a poder disponibilizála a terceiro num muito curto espaço de tempo.
16.Tais cláusulas são nulas por violação do art. 1º do CPC, porquanto permitem à 1ª Requerida definir o direito no caso concreto e executar o direito por si definido e de forma coerciva, deixando o lojista na circunstância de ficar imediata e definitivamente privado da Loja e do seu estabelecimento comercial nela instalado, e sem ter a possibilidade de reagir e de se defender em juízo, visto que mesmo que venha mais tarde a obter uma decisão judicial favorável à sua pretensão de invalidar a resolução do contrato por parte da 1ª Requerida, tal sentença não será oponível ao terceiro que, de boa fé, que entretanto haja contratado a utilização da loja em questão com a 1ª Requerida, causando à Requerente perda de receitas e proveitos avultadas, de clientela fidelizada ao longo dos anos e a perda definitiva de uma posição de venda muito vantajosa.

Mediante requerimento de 07.06.2016, veio a requerente alegar factos supervenientes, dando conta que a Loja foi cercada por um tapume que inviabiliza completamente o acesso à mesma e que da mesma foram retirados os elementos referentes à marca ou outros sinais distintivos da Requerente.

Em 23.06.2016, foi proferido o seguinte Despacho:

Nos presentes autos de procedimento cautelar são cumulados pedidos correspondentes a providências cautelares a que cabem formas de procedimento diverso pois que a restituição provisória da posse – pedido deduzido sob a al. A) – corresponde a um procedimento cautelar especificado, ao passo que aos pedidos formulados nas als. C) a E) caberá a tramitação do procedimento cautelar comum por não corresponderem a qualquer providência especificada.
Verificando-se uma situação de cumulação de pedidos correspondentes a providências cautelares a que cabem formas de procedimento diverso, estabelece o n.º 3 do art.º 376.º do Código de Processo Civil que se deverá aplicar o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º, donde resulta que o Juiz pode autorizar a cumulação quando se verifique interesse relevante ou quando a apreciação conjunta seja indispensável para a justa composição do litígio, desde que a tramitação não seja manifestamente incompatível.
Na situação em apreço os pedidos vertidos nas al. C) e E) estão diretamente correlacionados com o pedido de restituição provisória da posse e visam, no fundo, a efectivação da defesa da posse a restituir e a apreciação do pedido vertido na al. D) pode ser essencial até para apreciação do próprio pedido principal.
Considera-se assim existir interesse relevante na sua apreciação conjunta.
Por outro lado não se considera que exista tramitação manifestamente incompatível pois também no procedimento cautelar comum pode existir dispensa de contraditório prévio, sendo que essa dispensa constitui a regra no âmbito da apreciação do pedido de restituição provisória da posse.
(…)
Face a tudo o exposto, admito a cumulação de providência requerida e
determino que a sua apreciação seja efectuada sem contraditório prévio das
requeridas.
(…)

Em 04.07.2016, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do seu Dispositivo o seguinte:
A)Determino se proceda à imediata restituição à Requerente, na pessoa que a mesma para o efeito indicar, da loja (e do estabelecimento comercial nela instalado) identificada pelo número 1156+1157+1158, com a área de cerca de 2.089,87 m2, sita no piso 1 do Centro Comercial DV;
B)Declaro nulas as cláusulas 20.4, 20.5, 20.6, 20.7 e 20.8 do contrato denominado de “Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial”, celebrado entre a 1ª Requerida e a Requerente em 22.05.2012, cuja cópia, conjuntamente com os respectivos anexos, se encontra junta aos autos como Doc. 1, a fls. 75 a 254;
C)Condeno as Requeridas a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) por cada acto que, após a efectivação da restituição da posse à Requerente nos termos referidos em A), venham a praticar e que traduza a violação da posse restituída à Requerente, nomeadamente que a impeça de aceder à Loja e/ou de manter em funcionamento e aberto ao público, o estabelecimento comercial nela instalado;
D)Indefiro as demais providências concretamente requeridas pela Requerente.

Citadas, as requeridas vieram deduzir oposição, alegando, que:

1.Ajustaram com a requerente, nos termos constantes do acordo celebrado entre as partes que, sendo a resolução contratual lícita ou ilícita, apenas poderia gerar um direito à indemnização da parte lesada e não o recurso ao tribunal, com a instauração duma providência cautelar para reaver a posse da loja.
2.A DV envidou esforços para a regularização do licenciamento das fracções autónomas do centro comercial, mas para tal carecia de documentação que tinha que ser disponibilizada pelas lojas.
3.Colocou uma equipa técnica especializada para o efeito, a cargo da P.M., S.A., sendo que mais 80% dos lojistas colaboraram para esse efeito, à excepção da Requerente.
4.Na tentativa de pressionar a colaboração, a DV concedeu prazos admonitórios, durante sete meses, salientando da necessidade de regularização da situação da loja, tendo disponibilizado os elementos necessários para que a requerente pudesse por ela regularizar a situação, o que se comprometeu a fazer até ao dia 27 de Maio de 2016.
5.A 30 de Maio, nada estava feito para que pudessem estar cumpridos os normativos de segurança e técnicos aplicáveis, e nada indicava que a Requerente não estivesse adstrita à obtenção de Alvará de abertura ao público.
6.Nessa data em face da reiterada intransigência da Requerente, a requerida comunicou a resolução do contrato de imediato, por violação de diversos deveres, nomeadamente a falta de licença de abertura dos estabelecimentos comerciais ao público e bem assim dos actos relevantes e associados tendentes à legalização da exploração da loja e ainda a falta de realização dos actos preparatórios necessários à emissão do alvará de licença/autorização de utilização, indispensáveis à emissão de termo de responsabilidade da conformidade da execução do projecto de segurança contra incêndios e declaração da ordem profissional e seguro de responsabilidade civil do projectista que assina o termo de responsabilidade.
7.É válida a renúncia ao direito de recorrer ao procedimento cautelar, foi clausulada entre as partes, e é um procedimento standard previsto na generalidade dos contratos de utilização de loja em centro comercial de forma a salvaguardar a faculdade do DV reassumir a posse da loja em caso de incumprimento por parte dos lojistas.
8.À lojista apenas é dada possibilidade de accionar judicialmente a DV para obter uma indemnização pelos danos causados pela detenção da loja nos termos clausulados, sendo este o mecanismo de indemnização contratual admitido no contrato.
9.O contrato assinado entre Requerente e Requerida foi discutido entre as partes, antes da sua formalização, e nunca a cláusula 20 foi posta à discussão, manifestando a mesma a vontade das partes.
10.Assim, não se entendendo, constitui uma violação da boa fé contratual e da ética negocial sob a modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que a requerente sempre aceitou as cláusulas do contrato.
11.Há abuso de direito porquanto com a invocada nulidade das cláusulas a requerente obsta ao exercício legítimo da resolução contratual, o que não pode suceder porquanto a resolução foi eficaz com a consequente extinção da relação contratual.
12.Também não se verificam os pressupostos para ser decretada a presente providência, uma vez que não houve esbulho nem violência na reassunção da loja: foram antecedidos da resolução contratual com justa causa; estão previstos contratualmente; foram expressa e previamente advertidos à requerida, efectuado na presença da PSP e objecto de auto e não houve violência nem sobre as pessoas nem sobre as coisas.
13.Não há terceiro para ocupação da loja da Requerente, nunca tendo sido esta a razão para a resolução contratual efectuada.
14.Não há periculum in mora, uma vez que a requerida tem disponibilidade financeira para pagar a indemnização que vier a ser arbitrada, sendo certo que o dano da requerente a existir é sempre indemnizável.

Foi levada a efeito, em 22.09.2016, a inquirição das testemunhas das requeridas, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 04.10.2016, constando do seu Dispositivo, o seguinte:

Nestes termos e sem mais considerando, julgo improcedente, por não provada a presente oposição e em consequência:

a)Mantém-se a decisão de imediata restituição provisória à Requerente, da loja e do estabelecimento comercial nela instalado, identificada pelo número 1156,+1157+1158, com a área de cerca de 2089m2, sita no piso 1 do centro comercial DV, sito …….
b)Mantém-se a nulidade declarada, na decisão proferida a fl.s 380 a 398, das cláusulas 20.4, 20.5, 20.6, 20.7, 20.8 do contrato denominado de “Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial” celebrado entre a 1ª requerida e a Requerente em 22.05.2012, cuja cópia, conjuntamente com os respectivos nexos, se encontra junta aos autos a fl.s 75 a 254.
c)Mantém-se a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, na decisão proferida a fl.s 380 a 398, de €15000,00, por cada acto que, após a efectivação da restituição da posse à Requerente nos termos referidos em A), venham a praticar e que traduza a violação da posse restituída à Requerente, nomeadamente que a impeça de aceder à loja e ou manter em funcionamento e aberto ao publico o estabelecimento comercial nela instalado.
d)Mantém-se tudo o mais decidido.
Registe e Notifique.
Custas pelas Requeridas.

Inconformadas com o assim decidido, as requeridas interpuseram recurso de apelação, em 08.11.2016, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES das recorrentes:

i.O presente recurso tem subjacente a impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo que manteve na íntegra a providência cautelar anteriormente decretada sem audiência prévia das Recorrentes, porquanto foi produzida prova bastante que, não só a resolução contratual foi lícita e teve por base o incumprimento definitivo da Recorrida, como o reapossamento da loja foi implementado na estrita medida do acordado entre as partes no Contrato de Utilização de Loja;
ii.Os efeitos da declaração de resolução foram totalmente desconsiderados pelo Tribunal a quo que, ao pugnar pela manutenção da providência cautelar decretada, permitiu o renascimento de um contrato morto, cuja proibição de repristinação resulta clara da eficácia da declaração de resolução devidamente notificada ao devedor, efeito que não poderá operar em caso algum, independentemente da resolução ser considerada licita ou ilícita;
iii.A decisão sobre a matéria de facto padece de inúmeros vícios de julgamento, os quais contribuíram para a decisão de manutenção do procedimento cautelar;
iv.O facto alegado sob o artigo 17.º da Oposição, no qual as Recorrentes alegaram “Adicionalmente, e ao contrário do alegado pela Requerente, a mesma não respondeu, formal ou informalmente, à comunicação da Requerida DV datada de 24 de novembro de 2015”, deverá ser alterado de não provado para provado, atenta a prova documental produzida e o depoimento de Luís, prestado na sessão de 22.09.2016, ao minuto 13:57 a 14:12;
v.O julgamento da matéria de facto relativo ao artigo 12.º da Oposição deverá ser alterado de não provado para provado no que respeita à responsabilidade dos lojistas em regularizar as desconformidades técnicas e de segurança que impediam a obtenção do (i) Termo de responsabilidade da conformidade da execução do projeto de Segurança Contra Incêndios; e (ii) Declaração da Ordem Profissional e Seguro de Responsabilidade Civil do projetista que assina o referido Termo de Responsabilidade, dada a prova documental e o depoimento de Luísa …., prestado na sessão de julgamento de 22.09.2016 ao minuto 14:28 a 14:5, e de  Roberto ….., na sessão de julgamento de 08.09.2016, ao minuto 10:54 a 11:57;
vi.No que concerne ao artigo 33.º da Oposição, o Mmo. Tribunal a quo considerou apenas demonstrado “que a responsabilidade pela obtenção da licença é do DV”, devendo no entanto considerar-se como provada também na parte que considera que a licença de utilização não pode ser obtida pelo DV sem que a Recorrida disponibilize os elementos em falta e que condicionam a emissão da aludida licença, atento a prova testemunhal produzida na pessoa de Luísa ….., cujo depoimento foi prestado na sessão de 22.09.2016, ao minuto 14:28 a 14:58;
vii.Sob os pontos 34.º, 35.º, 36.º e 37 da Oposição, as Recorrentes alegaram, sob diversas formas, as diversas anomalias técnicas e de seguranças existentes no espaço da loja da Requerente/ Recorrida e, bem assim, a responsabilidade desta última na sua regularização, tendo no entanto o Mmo. Tribunal considerado como não provada a responsabilidade da Requerente/ Recorrida na sua regularização. Na sequência do depoimento de Luísa …..,, prestado na sessão de 22.09.2016, ao minuto 14:28 a 14:58, deverá passar a considerar-se como provada também a parte na qual se alega ser da responsabilidade do lojista – Recorrida – a regularização das diversas anomalias técnicas e de seguranças existentes no espaço da loja da Recorrida;
viii.O julgamento da matéria de facto sob o ponto 51.º da Oposição, em que o Tribunal a quo considera que a Recorrida terá solicitado autorização à P.M., S.A. para permanecer em loja durante a noite do dia 01.06.2016 para o dia 02.06.2016, “em cumprimento das normas aplicáveis do Regulamento de  Funcionamentoe Utilização do Centro Comercial  DV” (factualidade não alegada pelas Recorrentes), deverá ser alterado por outro que julgue que tais pedidos foram feitos em desconformidade com as mencionadas normas regulamentares, em conformidade com o esclarecido pelo Dr. R.X., cujo depoimento foi prestado na sessão de 08.09.2016 ao minuto 10:54 a 11:57, e H.S., na sessão de 08.09.2016, ao minuto 11:59 a 12:26 e, bem assim, com a prova documental do Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial Centro Comercal DV(Cfr. Anexo I ao Doc n.º 1 junto ao RI);
ix.Sem prejuízo do requerido sobre a alteração da matéria de facto, a matéria tomada pelo Mmo. Tribunal a quo no que respeita à verificação dos fundamentos da resolução contratual sempre se imporia diferente daquela que foi tomada;
x.Cada fração autónoma carece de um alvará de licença de utilização que deverá ser obtido por parte do proprietário do espaço onde funcionam as lojas – Recorrente DV;
xi.A emissão do alvará de licença de utilização carece da obtenção do (i) Termo de responsabilidade da conformidade da execução do projeto de Segurança Contra Incêndios e Declaração da Ordem Profissional e (ii) Seguro de Responsabilidade Civil do projetista que assina o referido Termo de Responsabilidade que, por sua vez, carecem da regularização de diversos incumprimentos de normas técnicas e de segurança da Loja da responsabilidade da Recorrida (que lhe advém e é inerente à qualidade de lojista);
xii.Com o intuito de facilitar o processo, o DV colocou ao dispor dos lojistas em situação idêntica a coordenação do processo a cargo da P.M., S.A. e contratou uma equipa técnica especializada para o efeito, tendo a Recorrida, após lhe ter sido solicitado diversas vezes que se articulasse com as referidas entidades, mostrado uma extrema e reiterada inflexibilidade e recusa de colaboração;
xiii.O DV concedeu diversos prazos admonitórios para regularização das irregularidades da Loja, designadamente, os incumprimentos das normas técnicas e de segurança;
xiv.Após a ausência de cumprimento dos diversos prazos admonitórios concedidos, a Recorrida comprometeu-se a proceder à retificação das falhas de normas técnicas assinaladas até ao dia 27 de maio de 2016;
xv.Em 30 de maio de 2016, a Recorrida ainda não havia sanado nenhum dos vícios que impediam o cumprimento dos normativos de segurança e técnicos aplicáveis;
xvi.Nessa data, em face da reiterada intransigência e tentativa de prolação da Recorrida, o DV comunicou a resolução do Contrato de Utilização de Loja tendo, de imediato, cessado o vínculo contratual;
xvii.A resolução contratual foi lícita e teve por base o incumprimento definitivo por parte da Recorrida;
xviii.A não consideração pelo Tribunal a quo do referido prazo indicado pela Recorrida – 27 de maio de 2016 – como prazo perentório cujo incumprimento seja suscetível de consubstanciar um incumprimento definitivo, mais não é que compartimentalizar e retirar do contexto um prazo que sucede a inúmeros prazos admonitórios anteriormente concedidos;
xix.Independentemente da licitude ou ilicitude da resolução contratual, a Recorrida nunca poderia recorrer a procedimentos cautelares como reação contra a resolução do Contrato de Utilização de Loja porquanto renunciou voluntariamente àquele direito na Cl. 20.4, 20.5, 20.6, 20.7 e 20.8 do Contrato de Utilização de Loja;
xx.Ao abrigo do princípio da liberdade contratual, o contrato assinado entre Recorrente DV e a Recorrida foi devidamente objeto de discussão com o intuito de harmonizar os interesses concretos e contrapostos, e o respetivo conteúdo expressamente aceite pelas partes;
xxi.O julgamento da matéria de facto relativo ao artigo 72.º da Oposição, no qual se lê “de acordo com o registo histórico das Requeridas, a Requerente apenas solicitou alterações à Cl. 2.2, 5.2, 6.3, 6.6, 7.4, 10.6, 18, 24 e 26, não tendo sido solicitada ou proposta qualquer alteração às Cl. 20.4, 20.5 e 20.6 do Contrato de Utilização de Loja”, considerou apenas provada a primeira parte do facto alegado, pelo que deve ser alterada, passando a incluirse nele também que “não tendo sido solicitada ou proposta qualquer alteração às Cl. 20.4, 20.5 e 20.6 do Contrato de Utilização de Loja”, conforme prova testemunhal – nesta sede, vide depoimento de Alexandra …., prestado na sessão de 22.09.2016, ao minuto 14:13 a 14:27 – e documental – i.e., confrontação entre o Contrato de Utilização de Loja (Cfr. Doc. n.º 1 do RI) e o contrato standard, revisto pela Recorrida e que deu posteriormente origem ao referido contrato assinado e junto como Doc. n.º 1 ao RI (cfr. Doc. n.º 1 da Oposição) – produzidas;
xxii. Independentemente da licitude da resolução contratual, o respetivo efeito extintivo é eficaz e opera como decorrência da declaração de vontade do DV, não podendo haver, em caso algum, repristinação do contrato resolvido – efeito ilicitamente conseguido com o decretamento da presente providência cautelar – mas apenas um mero direito indemnizatório que titule a Recorrida no ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados pela resolução do Contrato de Utilização de Loja;
xxiii.Não se verifica o pressuposto do esbulho violento essencial ao decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, conquanto a colocação de obstáculos ao acesso à Loja – cadeados e tapume – teve por finalidade a salvaguarda do espaço e dos bens da Recorrida contra violações perpetradas por terceiros;
xxiv.  A Recorrida não foi impedida pela força de entrar na Loja;
xxv.Encontrando-se os trabalhadores na Loja fora do horário de funcionamento, e não tendo sido apresentada qualquer autorização para lá permanecerem, foram amigavelmente convidados a desocuparem o locado;
xxvi.No que concerne ao julgamento da matéria de facto dos artigos 115.º e 118.º da Oposição, o Tribunal a quo considerou apenas provado que “não houve confrontação física entre funcionários da Requerida e da Requerente”, pelo que se requer que o mesmo deve ser alterado passando a considerar-se como provada também a existência de agressões verbais dos funcionários da Recorrida, os quais não tiveram qualquer tipo de resposta por parte dos funcionários das Recorridas, em linha com o depoimento de Hugo ….., prestado na sessão de 08.09.2016, ao minuto 11:59 a 12:26;
xxvii.Conforme resulta da nossa melhor jurisprudência, a violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas. Porém, a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indiretos, como forma de intimidação, sobre as pessoas;
xxviii.Não havendo esbulho por parte da Recorrente DV, muito menos violento, a providência cautelar decretada fica absolutamente vazia de conteúdo, pelo que devem ser aplicáveis as regras previstas para a instauração da providência cautelar comum;
xxix.Também não se encontram verificados quaisquer factos que resulte periculum in mora enquanto pressuposto no decretamento do procedimento cautelar em causa, na medida em que o dano alegado pela Recorrida é suscetível de reparação pecuniária, e a Recorrente DV tem disponibilidade financeira suficiente para suportar a indemnização que lhe possa vir a ser exigida por decisão judicial condenatória ou no âmbito de qualquer acordo que venha a existir entre as partes.

Pedem, por isso, as apelantes, que o recurso de apelação seja julgado procedente e, em consequência, seja revogada a decisão impugnada e substituída por outra que levante a providência cautelar decretada.
                     
A requerente apresentou contra-alegações, propugnando pela improcedência do recurso e a manutenção de decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***


II.-ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO:

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação das recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i)DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado  da impugnação da matéria de facto.         

ii)A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM
CONSIDERAÇÃO OS FACTOS   APURADOS. 
             

O que implica a análise:
 
a)-DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DO PROCEDIMENTO CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
b)- DA NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE A REQUERENTE E 1ª REQUERIDA;
c)-DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS INSERIDAS NO CONTRATO, FUNDAMENTOS E CONSEQUÊNCIAS DA RESOLUÇÃO CONTRATUAL.


III.-FUNDAMENTAÇÃO.

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na decisão recorrida, o seguinte:

1.-O DV é proprietário da fracção autónoma designada pelas letras “HN”, correspondente às lojas identificadas pelos números 1156+1157+1158, do piso 1 (“Loja”) do prédio urbano sito na Praça F...C..., nºs 1 a 3, Av. J...R..., nºs 1 a 11, Av. C...S..., nºs 1,3,5 e 7, Av. J...G..., nºs 1, 2, 3, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 33 e 34, Av. M...C..., nºs 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, 31, 33, 35, 37, 39, 41, 43, 45 e 47 e Av. F... R..., Nºs 1 a 6, na freguesia da B..., concelho da Amadora, escrito na ...ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número ... da referida freguesia (“Centro Comercial DV”). (Artigo 7º)

2.-Em 22 de maio de 2012, a Requerente e o DV celebraram um Contrato de Utilização de Loja referente à utilização e exploração da loja 1...+1...+1..., nos termos do qual esta sociedade cedeu àquela a utilização da Loja para a atividade comercial de venda ao público de artigos de desporto (doravante “Contrato de Utilização de Loja”) (cfr. Doc. n.º 1 junto ao RI), na sequência de negociações levadas a cabo entre as partes, conforme Docs. nº 1, 2 e 3 (Artigo 8º).

3.-Em Dezembro de 2014, a totalidade do capital social do DV foi transmitido a um novo proprietário que tomou conhecimento da demora dos processos de licenciamento das fracções autónomas do Centro Comercial DV junto da Câmara Municipal …,e preconizou pela sua regularização. (Artigo 9º)

4.-É necessária a obtenção de um alvará de licença de utilização para cada fracção autónoma onde funcionam as lojas – DV – tendo, no entanto, a Câmara Municipal ….. condicionado a atribuição do referido alvará à entrega de diversos documentos e informações. (Artigo 10º)

5.-Relativamente à Loja aqui em causa, o DV necessitava de um conjunto de elementos sem os quais não seria possível obter a seguinte documentação:
i.Termo de responsabilidade da conformidade da execução do projecto de Segurança Contra Incêndios;
ii.Declaração da Ordem Profissional e Seguro de Responsabilidade Civil do projectista que assina o referido Termo de Responsabilidade. (Artigo 11º)

6.-Cabia a cada um dos lojistas efectuar as obras de remodelação. (Artigo 12º)
7.-Em 24 de Novembro de 2015, o DV notificou a Requerente alegando do seu  conhecimento quanto  à inexistência  de alvará de licença de utilização referente à loja em causa que ao lojista cabe obter, de acordo com o contrato de utilização de loja e concedendo o prazo de 90 dias para a Requerente obter o referido alvará.
Mais refere que o proprietário e a P.M., S.A.,enquanto entidade gestora do centro comercial, têm identificadas as acções mínimas necessárias para a regularização do licenciamento e estão disponíveis para apoiarem V Exas na obtenção do referido alvará de licença de utilização (Cfr. Doc n.º 2 junto ao RI, fl.s 17 e 18). (Artigo 13º)
8.-Na reunião agendada a 28.01.2016 entre representantes da Requerida e funcionários da Requerida P.M., S.A. foram abordados temas comerciais e foram perguntados quanto ao tema das licenças tendo esse tema sido remetido para o departamento técnico da P.M., S.A.. (Artigos 21º e 22º)
9.-Luís ….  e Roberto …..  fazem parte da área comercial da P.M., S.A.. (Artigo 23º)
10.-A Requerida DV, com o intuito de auxiliar os lojistas na obtenção da documentação e informação necessária à obtenção de alvará de licença de utilização, contratou uma equipa técnica especializada que providenciou pela auditoria de cada fracção autónoma e produziu relatórios de auditoria técnica referenciando as normas técnicas e de segurança em incumprimento.(Artigo 24º)
11.-Com base nos referidos relatórios de auditoria técnica e com o auxílio da equipa técnica contratada para o efeito, a P.M., S.A. coordenou e regularizou, com sucesso, mais de 80% dos processos de licenciamento pendentes. (Artigo 25º)
12.-Após a recepção da comunicação de 24 de novembro de 2015, a generalidade dos lojistas entraram em contacto com a P.M., S.A. e, em conjunto, lograram regularizar o processo de licenciamento da respectiva fracção autónoma, a expensas do DV. (Artigo 26º)
13.-A 1ª Requerida enviou nova comunicação à Requerente, datada de 03.03.2016 (junta aos autos como Doc. n.º 4, a fls. 20, e que aqui se dá por reproduzida), na qual referiu que a Requerente não obteve o alvará de licença de utilização nem deu resposta à carta que lhe foi enviada em 24.11.2015, consignando ainda que “face ao incumprimento reiterado da obrigação das licenças necessárias ao normal funcionamento da loja (…) considera resolvido o Contrato de Utilização da Loja, nos termos do disposto na Cl 19.4, 20.1 (proémio), 20.3 e 20.4 do Contrato de Utilização da Loja e sem necessidade de qualquer comunicação adicional, caso V. Exas não regularizem a situação de incumprimento supra exposto no prazo máximo de 15 (quinze) dias corridos a contar da recepção desta comunicação”. (Artigo 27º)

14.-Por carta datada de 07.04.2016 (junta aos autos como Doc. 6, a fls. 22-verso a 23-verso, que aqui se dá por reproduzida), a 1ª Requerida respondeu à carta da Requerente de 10.03.2016, na qual, em síntese: reconheceu que a obtenção do alvará de licença de utilização referente ao espaço onde opera a Loja incumbe a ela própria, mas referindo que se se encontra impossibilitada de obter o referido alvará sem que a Requerente lhe faculte documentação necessária para a dita emissão, nomeadamente:
(i)Termo de Responsabilidade da conformidade da execução do projeto de Segurança Contra Incêndios, com assinatura reconhecida ou assinatura digital;
(ii)Declaração Ordem Profissional e Seguro de responsabilidade Civil do projetista que assina o Termo de Responsabilidade; referiu que a Requerente não diligenciou pela obtenção do Licenciamento Zero nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, o qual era necessário face à dimensão da Loja (2.089,87 m2) cuja responsabilidade era da Requerente; concedeu novo prazo admonitório de 5 dias úteis para a regularização dos elementos em falta sob pena de se considerar resolvido o contrato. (Artigo 28º)

15.-Por carta de 13.04.2016 (junta aos autos como Doc. 7, a fls. 24 a 26, que aqui se dá por reproduzida), a Requerente respondeu à carta remetida pela 1ª Requerida datada de 07.04.2016, na qual, em síntese:
-sustentou que não está obrigada obter alguma autorização ou de praticar qualquer ato adicional tendente à legalização da exploração da Loja nos termos do citado Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, uma vez que tal só seria necessário se a área de venda da Loja fosse superior a 2000m2, o que não acontece pois, não obstante a área objeto do Contrato totalizar 2.089,87m2, a área de venda – critério relevante para este efeito, – não ultrapassa os 1.611 m2, correspondendo os restantes 478,87 m2 a armazéns, escritório e espaços comuns, disponibilizando-se todavia a rever a posição, caso a 1ª Requerida comunicasse fundamentos de entendimento diferente atendíveis;
-refutou uma vez mais o entendimento da 1ª Requerida, uma vez que os actos preparatórios necessários à emissão do alvará de licença/autorização de utilização deverão ser praticados pela entidade responsável pela sua obtenção, ou seja, pela 1ª Requerida, reforçando este entendimento com o facto da Requerente se ter limitado a realizar pequenos ajustamentos e adaptações no espaço onde opera a Loja, ajustamentos esses que não influenciam a obtenção da licença de utilização, aproveitando o facto do espaço ter sido explorado anteriormente por um lojista também dedicado ao comércio de artigos de vestuário. (Artigo 29)

16.-A responsabilidade pela obtenção da licença de utilização é da DV. (Artigo 33º)

17.-Por carta datada de 05.05.2016 (junta aos autos, com o respectivo anexo, como Doc. 8, a fls. 27 a 31-verso, que aqui se dá por reproduzida), a 1ª Requerida respondeu à carta da Requerente de 13.04.2016, na qual, em síntese:
-refere que a Loja se encontra em incumprimento de várias normas técnicas e de segurança que impedem a obtenção do alvará de licença de utilização, que exemplificativamente enumera, anexando um Relatório de Auditoria Técnica efectuada à Loja em, pelo menos, 29.09.2015, no qual aponta a existência de falhas nas normas e equipamentos de segurança da Loja, cuja correcção alega ser da responsabilidade da Requerente;
-refere que as áreas indicadas pela Requerente estão em contradição com as mencionadas no contrato e que a Requerente nem pretende demonstrar que a área de venda ao público não ultrapassa os 1.611 m2;
-concede à Requerente um novo prazo de 5 dias para “esclarecer em definitivo a (…) posição sobre este assunto”, findo o qual, caso não responda ou, respondendo, não altere a postura manifestada na carta de 13.04.2016, informando o prazo para regularização de todas as pendências – que se espera não inferior a novos 5 dias -, considera resolvido o contrato como comunicado nas cartas anteriores. (Artigo 34º)

18.-No relatório referido em 34 consta:

(iii)falta de agente extintor e os extintores são em número insuficiente;
(iv)existência de extintores no chão ou obstruídos;
(v)o carretel encontra-se obstruído com artigos de loja junto à saída de emergência;
(vi)a entrada da loja não possui sprinklers; a tubagem de alimentação aos sprinklers encontra-se inacessível devido à altura;
(vii)a betoneira de alarme encontra-se obstruída junto à saída de emergência;
(viii)os vestiários não possuem detectores de incêndio;
(ix)a sinalização de emergência encontra-se obstruída com prateleiras e artigos de loja ou é inadequada;
(x)a compartimentação/ colmatação contrafogo não é adequado, etc. (Artigo 35º)

19.-Por carta em 12.05.2016 (junta aos autos como Doc. 9, a fls. 32 a 34-verso, que aqui se dá por reproduzida), a Requerente respondeu à carta remetida pela 1ª Requerida datada de 05.05.2016, na qual, em síntese:
-refere que o Contrato é explícito quanto prevê que o espaço onde opera a Loja aquando da sua entrega, já deveria ter incorporado os equipamentos de sistema AVAC, instalação eléctrica e iluminação, rede de springlers e detecção de incêndio, pelo que, recaindo sobre a 1ª Requerida o dever de entregar o espaço à Requerente devidamente equipado no que às normas técnicas de segurança diz respeito, e tendo a Requerente mantido o espaço, quanto a esse ponto, no exacto estado em que lhe foi entregue, a eventual omissão de algum material de segurança apenas à 1ª Requerida poderá ser assacada, mas, ainda assim, para salvaguarda da legalidade e da segurança dos funcionários e utentes da Loja e do próprio Conjunto Comercial, assumiu a disponibilidade para proceder à rectificação das falhas relativamente a normas técnicas de segurança que pudessem subsistir na Loja, estimando que este procedimento estivesse concluído até 27.05.2016, salientando, porém, que essa sua conduta não implica qualquer assunção de responsabilidade quanto às referidas falhas;
-quanto à dimensão da Loja, referiu que tendo a mesma uma área total de 2.089,87 m2, bastava que a dimensão dos meios de apoio à venda ao público excedesse os 90 m2, o que é comprovável através de mera observação no local, para que, nos termos legais, não existisse, como não existe, necessidade de emissão de comunicação prévia à Câmara Municipal competente, e deixou à consideração da 1ª Requerida a realização de uma medição da Loja visando determinar a área de venda. (Artigos 41º, 42º e 43º)

20.-Por carta datada de 30.05.2016 (junta aos autos como Doc. 10, a fls. 35, que aqui se dá por reproduzida), a 1ª Requerida respondeu à carta da Requerente de 12.05.2016, na qual informa a Requerente da resolução do Contrato e o encerramento da Loja a partir das 00:01 de 02.06.2016, referindo para tanto que a Requerente “continua sem demonstrar a área da Loja destinada a venda ao público, e sem dar garantias de cumprimento e entrega da documentação técnica exigida, muito menos no prazo requerido”. (Artigo 44º)
21.-Até ao dia 27 de Maio de 2016 a requerente não cumpriu com a regularização de todas as falhas pela mesma mencionada na carta descrita nos factos 41º a 43.  (Artigo 46º)

22.-Por carta em 01.06.2016 (junta aos autos como Doc. 11, a fls. 36 a 45, incluindo os anexos), que aqui se dá por reproduzida), a Requerente respondeu à carta remetida pela 1ª Requerida datada de 30.05.2016, na qual, em síntese:
-sustentou que a única intenção da 1ª Requerida é a de resolver o Contrato por motivos de cariz económico, alegando motivos de forma avulsa e injustificada, fazendo para o efeito uma súmula do histórico das comunicações entre as partes, supra referidas;
-anexa o Relatório de Auditoria Técnica que lhe havia sido enviado pela 1ª Requerida, comentado com o estado das acções tomadas pela Requerente para rectificar as falhas apontadas e refere que as mesmas seriam concluídas no dia 02.06.2016;
-alegou que a sua cooperação não é meramente aparente, indo muito além das obrigações a que está vinculada, inclusivamente substituindo-se à 1ª Requerida na rectificação das falhas de segurança em pouco mais de 3 semanas quando a 1ª Requerida tardou pelo menos 8 meses em dar seguimento à questão;
-referiu que não deixa de ser sintomático da má-fé manifestada pela 1ª Requerida neste processo o facto de, no âmbito da rectificação das falhas de segurança por ela indicadas, a Requerente ter solicitado à P.M., S.A., sua representante na administração/gestão do Centro Comercial, autorização para a realização de pequenos trabalhos na Loja durante a noite de 30.05.2016 para 31.05.2016 - que seriam concluídos no dia 02.06.2016, no âmbito dos pedidos de autorização #26936 e #27127, respectivamente - tendo a P.M., S.A. concedido as devidas autorizações, conforme cópias dos pedidos e autorizações que também se anexa à carta, pelo que é claramente abusiva a postura evidenciada pela 1ª Requerida consubstanciada na invocação, como motivo para a pretendida resolução do Contrato, o incumprimento de normas técnicas de segurança, quando era do seu conhecimento - ou deveria ser - que a respectiva resolução - não imputável legal nem contratualmente à Requerente, mas que esta se dispôs a corrigir - se encontrava já em curso, tendo sido até a sua conclusão  devidamente autorizada pela P.M., S.A., sua representante;
-no que se refere à área de venda ao público da Loja, transmitiu a sua estranheza pelo facto da 1ª Requerida não ter procedido a uma medição da Loja, o que clarificaria de vez essa questão, e refere anexar uma planta actual da Loja, com discriminação das áreas relevantes, da qual resulta que a área de venda ao público da Loja corresponde a 1.611,00 metros quadrados, renovando contudo o convite à 1ª Requerida para efectuar as medições que entendesse, caso discordasse do teor da referida planta;
-refuta qualquer resolução do Contrato pela 1ª Requerida, opondo-se veementemente à reassunção da posse da loja por parte da 1ª Requerida, a partir das 00:01 horas de 02.06.2016;
-afirmou que a própria Cláusula 20.4 do Contrato invocada pela 1ª Requerida para justificar o encerramento imediato da Loja, é considerada pela generalidade da jurisprudência portuguesa como sendo nula, por violação do artigo 1º do Código de Processo Civil, e  não  permitida  pelo  artigo  336º,n.º 1 do Código Civil, pelo que, independentemente do teor do Contrato, a verdade é que a 1ª Requerida carece de legitimidade para proceder ao encerramento forçado da Loja da Requerente nos termos pretendidos;
-renovou a esperança que a 1ª Requerida reconsiderasse o conteúdo das últimas comunicações, solicitando confirmação escrita por parte da 1ª Requerida, até às 19:00 do dia de 01.06.2016, de que não iria colocar em crise a validade do Contrato e que se iria abster de tomar qualquer medida – necessariamente ilícita - tendente ao encerramento imediato da Loja ou que, de alguma forma, ainda que indirecta, impeça a respectiva abertura ao público e afirmou que, em caso de resposta negativa, iria de imediato transmitir o sucedido às autoridades policiais, e fazer uso de todos os meios legais ao seu dispor para impedir o encerramento da Loja, incluindo o recurso à acção directa, prevista e regulada no artigo 336º, n.º 1 do Código Civil, mais informando que, considerando a eventualidade da 1ª Requerida insistir na prática da aludida ilegalidade, deu instruções aos seus advogados para iniciarem todos os procedimentos, civis e criminais, contra a 1ª Requerida e os seus representantes legais, insistindo que iria defender de forma intransigente os seus legítimos interesses e assacar todas as responsabilidades aos respectivos responsáveis. (Artigo 47º)
23.-A Requerente deu indicações a alguns dos seus funcionários para permanecerem na Loja durante a noite do dia 01.06.2016 para o dia 02.06.2016, o que fez solicitando autorização à P.M., S.A. em cumprimento das normas aplicáveis do «Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial DV», pedidos esses que, porém, não obtive qualquer resposta até cerca das 3 (três) horas da madrugada de 02.06.2016, altura em que foi recusado pela P.M., S.A..  (Artigo 51º)
24.-A Requerente e as Requeridas trocaram comunicações durante sete meses. (Artigo 58º)
25.-À data de 31-05-2016, a Requerente (e não a requerida, como consta da sentença recorrida) ainda não tinha sanado todos os vícios indicados em 34º e 35º.  (Artigo 60º)

26.-Do referido Contrato consta cláusula com o seguinte teor: “20ª (Direito de resolução)

1.-Sem prejuízo do disposto na cláusula anterior e das demais cláusulas do presente Contrato e no Regulamento a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de resolver o presente Contrato em caso de incumprimento pela SEGUNDA CONTRAENTE, dos deveres e obrigações que lhes são cometidos por este Contrato c pelo Regulamento, e ainda caso se verifique alguma das situações previstas nas seguintes alíneas:
a)O não cumprimento de qualquer obrigação pecuniária prevista no presente Contrato, nos prazos nele estabelecido;
b)A não apresentação, reforço ou renovação da caução, nos termos previstos no Contrato;
c)A criação reiterada de conflitos com os outros operadores do Centro Comercial e a adopção de comportamentos inadequados e prejudiciais ao funcionamento e gestão do Centro Comercial, nomeadamente a concertação de operadores que tenha como finalidade o não o não cumprimento conjunto das suas obrigações contratuais;
d)A afectação da LOJA a outro fim que não o estabelecido no Contrato;
e)A condenação judicial por crime de especulação;
f)A não observância das disposições legais relativas a higiene e segurança no trabalho, a armazenamento de mercadorias, a práticas restritivas da concorrência, e em geral, da legislação laboral aplicável.

2.-O exercício pela PRIMEIRA CONTRAENTE do direito de resolução não a impede de executar a caução em seu poder como forma de obter a satisfação, ainda que parcial, dos seus créditos, nem o direito de fazer suas quaisquer quantias já pagas pela SEGUNDA CONTRAENTE.
3.-Se a PRIMEIRA CONTRAENTE pretender exercer o seu direito de resolução, comunicará essa sua intenção à SEGUNDA CONTRAENTE, fixando um prazo não inferior a 8 (oito) dias corridos nem superior a 30 (trinta) dias corridos, para, sem prejuízo da sua responsabilidade pela eventual mora no cumprimento, cumprirem a sua obrigação, sob pena de esgotado o prazo fixado, se haver o incumprimento por definitivo e a resolução do Contrato produzir os seus efeitos, sem necessidade de quaisquer outras formalidades, no primeiro dia seguinte ao termo daquele prazo.
4.-Resolvido o Contrato nos termos previstos no numero anterior, a SEGUNDA CONTRAENTE, obriga-se a restituir a loja, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de, a partir daquela data, utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da LOJA para reassumir a detenção da LOJA, ou de, não tendo aquela chave sido entregue, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma LOJA.
5.-A não aceitação pela SEGUNDA CONTRAENTE do fundamento invocado pela PRIMEIRA CONTRAENTE para o exercício do direito de resolução apenas confere àquela, ou àqueles, o direito de accionar judicialmente a PRIMEIRA CONTRAENTE, não podendo opor-se à produção dos efeitos próprios da resolução operada que se haverá por válida e eficaz e, designadamente, não podendo impedir ou dificultar os actos que a PRIMEIRA CONTRAENTE desenvolva como meio de reassumir a detenção da LOJA. Para o efeito, a SEGUNDA CONTRAENTE considera que o acto de reassumir a detenção da LOJA é susceptível de reparação, caso este não seja exercido nos termos do presente Contrato, renunciando por isso ao requerimento de eventuais providências cautelares destinadas a impedir o exercício do direito da PRIMEIRA CONTRAENTE.
6.-Se, à data em que a PRIMEIRA CONTRAENTE reassumir a detenção da LOJA, existirem nesta LOJA mercadorias, móveis, máquinas ou quaisquer outros produtos ou equipamentos que a SEGUNDA CONTRAENTE tenha o direito de levantar, a PRIMEIRA CONTRAENTE fica, pelo prazo de 30 (trinta) dias corridos, investida na posição de sua fiel depositária, devendo proceder ao arrolamento daqueles bens e podendo promover, a expensas da SEGUNDA CONTRAENTE, a sua transferência para outro local.
7.-No prazo de 30 (trinta) dias corridos referido no número anterior, pode a SEGUNDA CONTRAENTE, mediante o pagamento das despesas e encargos  em que  a  PRIMEIRA  CONTRAENTE haja incorrido enquanto fiel depositária, designadamente com a remoção dos bens para outro local e com a armazenagem destes, proceder ao seu levantamento, salvo se a PRIMEIRA CONTRAENTE houver alegado direito de retenção dos mesmos bens, no todo ou em parte, com fundamento no não pagamento pela SEGUNDA CONTRAENTE de quaisquer quantias devidas à data em que a resolução declarada opere os seus efeitos. O levantamento dos bens pela SEGUNDA CONTRAENTE quando a PRIMEIRA CONTRAENTE tenha exercido o direito de retenção só poderá ser feito contra o pagamento de todas as quantias de que esta seja credora.
8.-Esgotado o prazo de 30 (trinta) dias corridos, referido no número 6 supra, sem que a SEGUNDA CONTRAENTE proceda ao levantamento dos seus bens nos termos do número 7 supra, cessa a responsabilidade da PRIMEIRA CONTRAENTE relativa aos mesmos bens, não lhe sendo exigível a sua guarda ou o cumprimento de quaisquer obrigações que por lei são em geral cometidas ao depositário, salvo se até ao termo daquele prazo tal responsabilidade lhe tiver sido confiada por decisão judicial. (Artigo 64º)

27.-O clausulado referido em 64º faz parte de vários contratos de instalação de lojista em centro comercial. (Artigo 65º)
28.-O contrato de utilização de loja, antes de assinado, foi objecto de discussão entre Requerente e Requerida. (Artigos 69º, 70º e 71º)
29.-A Requerente requereu, no âmbito das negociações, alterações à cl. 2.2, 5.2, 6.3, 6.6, 7.4, 10.6, 18, 24 e 26. (Artigo 72º)
30.-A 02.06.2016, após o envio da carta referida em 44, a Requerida reassumiu a loja ocupada pela Requerente mediante a colocação de cadeados nas portas de acesso ao estabelecimento e por outro lado, a colocação de um tapume. (Artigo 107º)
31.-Tais actos tinham como objectivo assegurar a segurança no espaço e impedir o acesso de pessoas ao espaço sob a vigilância e depósito  da Requerida. (Artigo 108º)
32.-Não se procedeu ao arrombamento de fechaduras, nem se inutilizou os sinais da marca da Requerente. (Artigos 109º e 110º)
33.-Na madrugada de 02.02.2016, funcionários da Requerente permaneceram dentro da loja, o que motivou a intervenção da 65º Esquadra da PSP, a pedido da Requerente, conforme auto NPP 244478/2016 – Reg. N. 5340/2016. (Artigos 112º e 113º)
34.-Não houve confrontação física entre funcionários da Requerida e da Requerente. (Artigo 115º)
35.-Na manhã de 2.0.2016 os funcionários da Requerente tentaram novamente aceder ao espaço da loja, tendo a Requerida e os seus funcionários informado que a mesma se encontrava encerrada e que deveriam obter esclarecimentos junto da sua entidade empregadora. (Artigo 117º)
36.-A Requerida facultou o acesso à Requerente e aos funcionários o acesso ao interior da loja a fim de tirarem os seus pertences e todo o recheio da loja. (Artigos 121º e 122º)
37.-Por carta datada de 03-06-2016 a requerida solicitou a informação do prazo que a requerente necessita para proceder ao levantamento dos equipamentos e produtos da loja, relembrando que nos termos da Cl. 6 e 7 do contrato de Utilização de loja os produtos ou equipamentos deverão ser levantados mediante o pagamento das despesas e encargos em que a proprietária haja incorrido enquanto fiel depositária, no prazo máximo de 30 dias, findo o qual a proprietária irá proceder à transferência para outro local a expensas de V Exa. (Artigo 123º)

B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

i)DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto.            
                             
Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui:
(…)

No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que:
(…)

Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e o recorrente deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do CPC pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

As recorrentes estão em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos Nºs 12, 17, 33, 34 a 37, 51, 72, 115, 118 da Oposição, que, no entender das apelantes, ou deveriam ser dados como provados (Nº 17 da Oposição matéria considerada não provada), ou deveriam ter diferente formulação não restritiva (Nºs 12, 33, 34 a 37, 51, 72, 115 e 118 da Oposição, que correspondem aos Nºs 6, 11 a 13, 18,  24 e 29 da Fundamentação de Facto).

Há que aferir da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.

Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

§ Consta do artigo 12º da Oposição:
Cabia a cada um dos lojistas obter os documentos referidos em 11., seja porque era da sua responsabilidade as obras de remodelação dos espaços da obra ou os ajustamentos realizados, seja porque, em qualquer caso, a posse da referida documentação nos termos do Contrato de Utilização de Loja.

O Tribunal a  quo deu como provado (Nº 6 da Fundamentação de Facto) que:
Cabia a cada um dos lojistas efectuar as obras de remodelação.

§ Consta do nº 17 da Oposição:
A Requerente não respondeu, formal ou informalmente, à comunicação da Requerida DV datada de 24 de novembro de 2015.
O Tribunal a quo deu como Não Provada tal matéria
*

§ Consta do artigo  33º da Oposição:
Apesar da responsabilidade pela obtenção da licença de utilização seja do DV, aquela não poderá ser obtida sem que a Requerente disponibilize os elementos em falta.
O Tribunal a  quo deu como provado  (Nº 11 da Fundamentação de Facto) que:
A responsabilidade pela obtenção da licença de utilização é da DV.

§ Consta do artigo  34º da Oposição:
Face à reiterada intransigência da Requerente em colaborar com a Requerida P.M., S.A. e com a equipa técnica contratada para o efeito, o DV substituiu-se à Requerente e providenciou diretamente, em comunicação datada de 5 de maio de 2016, o relatório técnico do qual constavam os inúmeros incumprimentos de normas técnicas e de segurança da Loja, conferindo um novo prazo admonitório para a sua regularização e obtenção consequente da documentação preparatória à emissão do Alvará de licença de utilização.

O Tribunal a  quo deu como provado (Nº 12 da Fundamentação de Facto)  que:
Por carta datada de 05.05.2016 (junta aos autos, com o respectivo anexo, como Doc. 8, a fls. 27 a 31-verso, que aqui se dá por reproduzida), a 1ª Requerida respondeu à carta da Requerente de 13.04.2016, na qual, em síntese: refere que a Loja se encontra em incumprimento de várias normas técnicas e de segurança que impedem a obtenção do alvará de licença de utilização, que exemplificativamente enumera, anexando um Relatório de Auditoria Técnica efectuada à Loja em, pelo menos, 29.09.2015, no qual aponta a existência de falhas nas normas e equipamentos de segurança da Loja, cuja correcção alega ser da responsabilidade da Requerente; - refere que as áreas indicadas pela Requerente estão em contradição com as mencionadas no contrato e que a Requerente nem pretende demonstrar que a área de venda ao público não ultrapassa os 1.611 m2; - concede à Requerente um novo prazo de 5 dias para “esclarecer em definitivo a (…) posição sobre este assunto”, findo o qual, caso não responda ou, respondendo, não altere a postura manifestada na carta de 13.04.2016, informando o prazo para regularização de todas as pendências – que se espera não inferior a novos 5 dias -, considera resolvido o contrato como comunicado nas cartas anteriores.

§ Consta do artigo  35º da Oposição:
Nesse contexto, e a título de mero exemplo, a Requerida DV alertou para:
(i)falta de agente extintor e os extintores são em número insuficiente;
(ii)existência de extintores no chão ou obstruídos;
(iii)o carretel encontra-se obstruído com artigos de loja junto à saída de emergência;
(iv)a entrada da loja não possui sprinklers; a tubagem de alimentação aos sprinklers encontra-se inacessível devido à altura;
(v)a betoneira de alarme encontra-se obstruída junto à saída de emergência;
(vi)os vestiários não possuem detectores de incêndio;
(vii)a sinalização de emergência encontra-se obstruída com prateleiras e artigos de loja ou é inadequada;
(viii)a compartimentação/ colmatação contrafogo não é adequado, etc.
Tudo, conforme melhor especificado no relatório de auditoria técnica realizado pela Proprietária, a suas próprias expensas.

O Tribunal a  quo deu como provado (Nº 13 da Fundamentação de Facto)  que:

No relatório referido em 34 consta:
(i)falta de agente extintor e os extintores são em número insuficiente;
(ii)existência de extintores no chão ou obstruídos;
(iii)o carretel encontra-se obstruído com artigos de loja junto à saída de emergência;
(iv)a entrada da loja não possui sprinklers; a tubagem de alimentação aos sprinklers encontra-se inacessível devido à altura;
(v)a betoneira de alarme encontra-se obstruída junto à saída de emergência;
(vi)os vestiários não possuem detectores de incêndio;
(vii)a sinalização de emergência encontra-se obstruída com prateleiras e artigos de loja ou é inadequada; a compartimentação/ colmatação contrafogo não é adequado, etc.

§ Consta do artigo 36º da Oposição:
Tendo ainda alertado que a regularização destas situações é da responsabilidade da Requerente desde início da utilização do espaço e independentemente da autoria das obras ou dos ajustamentos feitos nos espaços, conquanto é aquela que, actualmente, aproveita economicamente a fração HN ao abrigo do Contrato de Utilização de Loja.
O Tribunal a  quo considerou conclusiva esta matéria

§ Consta do artigo  37ºda Oposição:
É ao lojista que cabe, em exclusivo, garantir o cumprimento das normas técnicas e de segurança necessárias para operar nesse espaço.
O Tribunal a  quo deu como provado o que consta no artigo 36º

§ Consta do artigo 51ºda Oposição:
De resto, apenas por motivos semelhantes se entende que a Requerente apenas tenha solicitado, na data em que o fez, os pedidos de intervenção descritos sob o facto n.º 21) indiciariamente provado na Sentença impugnada (A Requerente deu indicações a alguns dos seus funcionários para permanecerem na Loja durante a noite do dia 01.06.2016 para o dia 02.06.2016, o que fez solicitando autorização à P.M., S.A. em cumprimento das normas aplicáveis do «Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial DV», pedidos esses que, porém, não obtive qualquer resposta até cerca das 3 (três) horas da madrugada de 02.06.2016, altura em que foi recusado pela P.M., S.A.).

O Tribunal a  quo deu como provado (Nº 18 da Fundamentação de Facto) que:
A Requerente deu indicações a alguns dos seus funcionários para permanecerem na Loja durante a noite do dia 01.06.2016 para o dia 02.06.2016, o que fez solicitando autorização à P.M., S.A. em cumprimento das normas aplicáveis do «Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial DV», pedidos esses que, porém, não obteve qualquer resposta até cerca das 3 (três) horas da madrugada de 02.06.2016, altura em que foi recusado pela P.M., S.A.. 

§ Consta do artigo 72º da Oposição:
De acordo com o registo histórico das Requeridas, a Requerente apenas solicitou alterações à Cl. 2.2, 5.2, 6.3, 6.6, 7.4, 10.6, 18, 24 e 26, não tendo sido solicitada ou proposta qualquer alteração às Cl. 20.4, 20.5 e 20.6 do Contrato de Utilização de Loja.
O Tribunal a  quo deu como provado (Nº 26 da Fundamentação de Facto) que:
A Requerente requereu, no âmbito das negociações, alterações à cl. 2.2, 5.2, 6.3, 6.6, 7.4, 10.6, 18, 24 e 26.

§ Consta do artigo 115º da Oposição:
Em nenhum momento existiu qualquer tipo de confrontação física entre a Requerida e a Requerente, sem prejuízo das agressões verbais dos funcionários da Requerente e que, em nenhuma situação, tiveram qualquer tipo de resposta por parte dos funcionários da Requerida.
O Tribunal a  quo deu como provado (Nº 29 da Fundamentação de Facto)  que:
Não houve confrontação física entre funcionários da Requerida e da Requerente.

§ Consta do artigo 118º da Oposição:
Uma vez mais, em nenhum momento houve qualquer tipo de confrontação física entre os funcionários da Requerente e da Requerida, pese embora as agressões verbais de teor agressivo, vexatório e injurioso proferidas pelos funcionários da primeira e que, em momento algum, foram respondidas pela Requerida.
O Tribunal a  quo deu como provado apenas o que consta artigo 115º.

Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão sobre a matéria de facto aqui impugnada:
(…)
Defendem, em suma, as apelantes, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne aos depoimentos das testemunhas por si arroladas, nomeadamente quanto às testemunhas Roberto …, Hugo ...., Luís ...., Alexandra ... e Luísa ....

Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelas recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pelas apelantes, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

De todo o modo, nunca é demais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
                                           
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
 
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.

Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1).

No caso vertente, e face a todos os depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisados e ponderados, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que pouco há a alterar quanto à matéria de facto dada como provada e não provada pela 1ª instância.

Senão vejamos.

§ Relativamente aos artigos 12º e 33ºda Oposição:
Tendo sido dado como provado (artigo 11º da Oposição) que o DV necessitava de um conjunto de elementos sem os quais não seria possível obter o Termo de responsabilidade da conformidade da execução do projecto de Segurança Contra Incêndios e a Declaração da Ordem Profissional e Seguro de Responsabilidade Civil do projectista que assina o referido Termo de Responsabilidade, apenas se poderia dar como inequivocamente provado que cabia a cada um dos lojistas efectuar as obras de remodelação, visto que os depoimentos das testemunhas Luísa … e Roberto … não foram inequívocos no sentido pretendido pelas apelantes.

Aliás, as testemunhas ouvidas admitiram que a apelada não tinha recebido a loja em tosco, pois já antes ali havia estado instalado outro estabelecimento, igualmente de artigos têxteis (vestuário), o que levará a admitir que as obras de remodelação efectuadas pela requerente/apelada não teriam sido muito profundas, em consonância com os depoimentos prestados pelas testemunhas da apelada, nomeadamente  Eduardo ...e Rodolfo ….,  na  inquirição  que antecedeu a decisão de 06.06.2016 e que afirmaram que a apelante apenas ergueu na loja uma divisória, foram pintadas as paredes e nelas afixados escaparates meramente decorativos. Quanto à detenção de incêndios, ao AVAC, e à extinção de incêndios estava já tudo executado pela anterior detentora da loja ligada ao grupo Sonae e que a DV tinha em poder da própria as respectivas plantas de arquitectura, mais referindo a testemunha Eduardo …. que não poderia pedir ao “seu” engenheiro um termo de responsabilidade por um projecto que ele não fez e que já estava anteriormente executado. Mais esclareceu que dada a área de venda da loja não carecia de licenciamento camarário e que a planta da loja foi enviada à DV.
Mantém-se, pois, o que foi dado como provado relativamente
 à matéria constante dos Nºs 12 e 33 da Oposição, o mesmo sucedendo em relação à matéria constante do Nº 17
, que foi dada – e bem – como não provada, visto que não fizeram as apelantes prova de que a requerente não havia respondido à comunicação datada de 24.11.2015, tendo presente o depoimento da testemunha da apelada, E...C....

A testemunha das apelantes, Luís …. nada referiu de concreto sobre esta matéria, apenas tendo dado nota de uma reunião com os representantes da apelada, em Janeiro de 2016, mas sobre a questão do licenciamento nada foi abordado, apenas se falou na eventual mudança do estabelecimento da apelada para outro local do Centro Comercial, já que segundo a testemunha, quer ele, quer o outro empregado que o acompanhou, não estavam habilitados a tratar da questão do licenciamento. Este depoimento suscitou dúvidas, já que como resulta da correspondência trocada, por correio electrónico, e constante de fls. 18vº e 19, os assuntos agendados para a reunião proposta pelo DV tinham como objectivo abordar, quer a questão da mudança de localização da loja, quer o licenciamento.

§ Relativamente aos artigos  34º a 37º da Oposição:
A matéria dada como provada pelo Tribunal a quo reveste-se de objectividade, porquanto transcreve o que resulta das cartas endereçadas pelo DV à apelada, bem como o que ficou mencionado no relatório técnico, sobre o qual a testemunha Luísa …., claramente explicitou a razão do levantamento (auditoria técnica) efectuado em Outubro de 2015, por uma equipa técnica contratada pelo DV, e cujo relatório apenas foi remetido à requerente/apelada, por carta de 05.05.2016, constando do elenco desse relatório os aspectos que a DV pretendia que a apelada corrigisse, com indicação do prazo para esta o fazer, pelo que nada mais haverá a aditar, já que tudo o mais alegado, ou é conclusivo, ou não resultou inequívoco nem da prova testemunhal, nem da prova documental para além do que resulta do documento de fls. 27 a 31 vº.

É certo que quanto ao artigo 37º o Tribunal a quo incorreu em erro ao fazer menção de que apenas se havia provado o que constava do artigo 36º, pois nesse artigo apenas se havia referido que a matéria aí elencada era conclusiva, como efectivamente era.
Admite-se, assim, alterar a redacção dada ao artigo 37º, considerando que a remissão ali operada não poderá deixar de ser tão somente para a matéria considerada provada e constante dos artigos 34º e 35º.

§ Relativamente ao artigo  51ºda Oposição:
No que concerne à factualidade alegada neste artigo, não sofre qualquer dúvida que apurado ficou que a apelada deu as indicações aí aludidas aos seus empregados.
Ficou igualmente demonstrada a necessidade da apelada, como qualquer outro lojista, ter de solicitar autorização para a permanência dos empregados na loja, depois de horário de funcionamento do Centro Comercial, em cumprimento das normas aplicáveis do «Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial DV.

Dúvidas, porém, se colocam acerca do período de antecedência observado, já que o pedido foi efectuado às 13,00 h do dia 1.06.2016, o que se confirma através da análise do documento de fls. 56 vº, tendo a testemunha Roberto …. director do DV, elucidado que, de acordo com tal Regulamento, os pedidos teriam de ser efectuados, no portal da P.M., S.A., com 24 horas de antecedência e inseridos na respectiva plataforma, não tendo neste caso sido observado o período de antecedência necessário para proceder a tal pedido.
 
A própria testemunha Hugo ….. director de segurança do DV confirmou que, aquando da sua intervenção no incidente ocorrido na madrugada do dia 2.06.2016, verificou que na central de segurança havia um pedido de autorização para o pessoal permanecer na loja depois da hora de encerramento do DV, mas que tal pedido não estava validado por parte da administração do centro.

Acresce, no entanto, que as testemunhas da requerente, nomeadamente a testemunha Carlos …., supervisor da loja da apelada, afirmaram que já tinha ocorrido outras situações em que os pedidos foram efectuados, não existia ainda a confirmação da P.M., S.A., confirmação essa que era efectuada por correio electrónico e nunca foram levantados obstáculos à entrada ou permanência na loja depois do horário.

Entende-se, assim que há que alterar a matéria dada como provada subordinada ao artigo 51º da Oposição, da qual ficará a constar  seguinte:
A Requerente deu indicações a alguns dos seus funcionários para permanecerem na Loja durante a noite do dia 01.06.2016 para o dia 02.06.2016, o que fez solicitando autorização à P.M., S.A., às 13,00 h do dia 01.06.2016, não tendo obtido qualquer resposta até cerca das 3 (três) horas da madrugada de 02.06.2016, altura em que foi recusado pela P.M., S.A.. 

§ Relativamente ao artigo  72ºda Oposição:
Face ao que resulta dos documentos constantes dos autos e que se mostram enunciados na motivação da factualidade dada como provada – a minuta do contrato “standart”, alterações anotadas na minuta não definitiva (fls. 498 vº-518, 523-544), correspondência trocada por correio electrónico trocada em momento prévio à celebração do contrato (fls. 483-498), contrato definitivo celebrado em 22-05.2012 (fls. 75-117) e, tendo presente o depoimento da testemunha Alexandra ….., jurista que trabalha para a 2ª apelante, mas que não acompanhou as negociações contratuais, há que concluir, como consta da decisão impugnada, que as cláusulas relativas à resolução contratual não foram negociadas.

Com efeito, esclareceu a testemunha que, em regra, tal alteração não sucede, apenas podendo dar lugar, em negociações com grandes grupos económicos, a pequenas alterações, por exigência destes, aditando-se tão somente ao texto dessas cláusulas, o carácter recíproco das mesmas.

Aliás, a própria testemunha Luís …., director comercial da 2ª apelante, com óbvias ligações à área comercial, igualmente referiu que as cláusulas relativas à resolução do contrato eram, em regra, iguais em todos os contratos, podendo existir alterações basicamente nas condições comerciais, estas sim, negociadas loja a loja.
Mantém-se, pois, a matéria dada como provada subordinada ao artigo 72º da Oposição.

§ Relativamente aos artigos  115ºe 118º da Oposição:
Pese embora o depoimento da testemunha Hugo …, director de segurança e responsável, nesse âmbito, no DV e que relatou a forma como ocorreu o incidente verificado na madrugada de 02.02.2016 e que motivou a intervenção da PSP, a verdade é que apenas e tão somente se pode dar por provado que não existiu qualquer confrontação física entre os empregados da requerente e das requeridas.

É, consequentemente, insuficiente a prova produzida, por forma a se proceder a qualquer outro aditamento à matéria provada, fundada na resposta dada pela testemunha, já que, à pergunta que lhe foi efectuada pelo respectivo mandatário, se houve algum tipo de ofensa verbal, afirmou, de forma vaga e lacónica, e sem qualquer concretização, que “houve sempre uma tentativa de dialéctica provocatória” e que a equipa de vigilância não respondeu.
Mantém-se, portanto, e nos seus precisos termos, a matéria dada como provada subordinada aos artigos 115º e  118º da Oposição.

Face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado nos termos supra referidos, concomitantemente com a análise dos documentos juntos aos autos, em conformidade com o que acima ficou dito, entende-se que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que tão somente é merecedora de reparo, quanto à matéria ínsita nos Nºs 37 e 51 da Oposição, sendo perfeitamente adequada à prova produzida, quer no que  concerne aos demais factos dados como  provados, quer perante a ausência de prova credível para incluir nos Factos Provados, a matéria propugnada pelas requeridas/apelantes na alegação de recurso.

Nestes termos, e sintetizando, a apelação será parcialmente procedente, nesta parte, concluindo-se que será de alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, no que concerne aos Nºs 37 e 51 da Oposição, dos quais ficará a constar:

a)No artigo 37º da Oposição:
Provado o que consta dos artigos 34º e 35º;
b)No artigo 51º da Oposição (Nº 18 da Fundamentação de Facto):
A Requerente deu indicações a alguns dos seus funcionários para permanecerem na Loja durante a noite do dia 01.06.2016 para o dia 02.06.2016, o que fez solicitando autorização à P.M., S.A., às 13,00 h do dia 01.06.2016, não tendo obtido qualquer resposta até cerca das 3 (três) horas da madrugada de 02.06.2016, altura em que foi recusado pela P.M., S.A.

Mantém-se, no mais, e nos seus precisos termos, a factualidade dada como provada na 1ª instância.

Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso das requeridas/apelantes.

ii)DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM
CONSIDERAÇÃO OS FACTOS  APURADOS
                           
Foi proposta pela requerente o procedimento cautelar de restituição provisória da posse, o qual constitui um meio de defesa da posse previsto no artigo 1279º do CC, ao serviço do possuidor, contra actos de esbulho violento.

Nos termos do artigo 377º do Código de Processo Civil, “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.

E, por força do disposto no artigo 378º do CPC, “Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.

Pressupostos desta medida cautelar são, pois, a posse, o esbulho e a violência.


O decretamento da providência pressupõe, assim, a demonstração, pelo requerente, de três requisitos:
a)de que tinha a posse da coisa;
b)de que foi dela esbulhado;
c)que o esbulho foi violento.

O primeiro dos pressupostos é, portanto, a qualidade de possuidor decorrente do exercício de poderes de facto sobre uma coisa por forma correspondente ao direito de propriedade ou a outro qualquer direito real de gozo.

A posse é, conforme a define o legislador no artigo 1251º do Código Civil, “
o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”

Quem beneficia dessa situação pode pedir a respectiva tutela judicial (
acções de prevenção, de manutenção e de restituição da posse e, no caso de esbulho violento, acção de restituição provisória da posse), de harmonia com o disposto nos artigos 1276º a 1279º do Código Civil.

As razões dessa tutela, que de resto é provisória como resulta do nº 1 do artigo 1278º do Código Civil, “no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”, são a defesa da paz pública, a dificuldade de prova do direito definitivo e o valor económico da posse – v. neste sentido MOTA PINTO, Direitos Reais, segundo Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Almedina, 1976, 192 a 195.

No direito português a posse reporta-se ao exercício de um direito real (em regra, de gozo). Assim, aqueles que usam ou gozam a coisa ao abrigo de um direito creditício, obrigacional, são meros detentores, pois possuem a coisa em nome de outrem, o titular do direito real (artigo 1253º alínea c) do Código Civil), a quem terão de restituir a coisa uma vez terminado o prazo ou a causa legal da detenção. São, pois, possuidores precários – v. MOITINHO DE ALMEIDA, Restituição de posse e ocupações de imóveis, Coimbra Editora, 5ª ed., 59 e seguintes.

Certos casos, de titularidade de direitos pessoais de gozo, ou seja, de direitos, assentes numa obrigação contratual, que possibilitam ao seu titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa, o legislador reconhece verificarem-se as mesmas razões para a actuação dos mecanismos protectores próprios das acções possessórias, enunciando tal entendimento no regime dos correspondentes contratos: a locação (art.º 1037º nº 2 C.C.: “o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes”), a parceria pecuária (art.º 1125º nº 2 C.C.) e o comodato (art.º 1133º nº 2 C.C.), o depósito (art.º 1188º nº 2 do CC). Fora do Código Civil, igual faculdade foi concedida ao locatário, na locação financeira (art.º 10º nº 2 alínea c) do Dec.-Lei nº 149/95, de 24.6).

Resta então apurar se a requerente poderia propor o procedimento cautelar da restituição provisória da posse, o que pressupõe a análise a qualificação do contrato aqui em causa.

A requerente/apelada e a 1ª requerida celebraram um contrato que denominaram “contrato de utilização de loja”.

Este contrato, também designado pela doutrina como contrato de instalação de lojista em centro comercial, pode ser definido como um contrato em cuja estrutura existem, ao lado do elemento típico da locação (a obrigação assumida pelo organizador do centro de proporcionar ao lojista o gozo temporário de uma coisa), outros elementos característicos da atribuição a cargo do fundador, criador ou organizador do centro –v. ANTUNES VARELA, Centros Comerciais, 51.

A natureza jurídica deste contrato nunca foi consensual.

A jurisprudência começou por consagrar a tese de que o negócio em causa era de natureza locatícia, aplicando à sua regulamentação o regime do arrendamento comercial, posição que foi afastada após o citado estudo de ANTUNES VARELA, em defesa da atipicidade do contrato de instalação de lojista em centro comercial, negando a directa aplicação das normas do arrendamento urbano, remetendo a sua conformação para a liberdade contratual das partes – v. Ac. STJ de 24.03.1992 (Pº 080755), acessível em www.dgsi.pt.

Como igualmente salienta
OLIVEIRA ASCENSÃO, Integração empresarial e centros comerciais”, Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisboa, vol. XXXII, 1991, 29-41, o centro comercial, combinando as lojas com espaços comuns atractivos, surge ele próprio como um estabelecimento comercial complexo. Engloba as lojas e outros elementos para o desempenho duma nova função produtiva, que é o comércio integrado horizontalmente. Para tal os lojistas obrigam-se a implantar no espaço que lhes é cedido pelo promotor ou gestor do centro um estabelecimento, em termos que os contratos definem com muita precisão.

Por outro lado, “o gestor do centro comercial obriga-se a instituir e manter o estabelecimento de conjunto. Os contratos de integração de comerciantes singulares em centros comerciais são típicos contratos de empresa, devendo também o centro comercial funcionar, no seu conjunto, como empresa, o que constitui encargo do gestor do centro.

Defende, por isso,
OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit, 41 que no contrato de concessão de um espaço no centro comercial, “o centro faculta a utilização do espaço, ficando o concessionário obrigado a instalar e manter um estabelecimento e fazer funcionar a empresa respectiva; enquanto que o centro se obriga a fazer funcionar o conjunto e a realizar inúmeras prestações daquelas decorrentes”.

Daí se poder defender a existência de diferenças essenciais em relação ao contrato de arrendamento.

Todavia, para os defensores da tese do arrendamento, tal como JORGE PINTO FURTADO, Os Centros Comerciais e o seu Regime Jurídico, Almedina, 1998, 20, a teoria da atipicidade surgiu como objectivo de contornar as normas injuntivas do regime legal do arrendamento, levando a que, no limite, se configurasse esse contrato como um contrato misto de locação e prestação de serviços.

Para INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Contratos de Utilização de Espaços nos Centros Comerciais, O Direito, Ano 123.º - I, 1991,  527, o contrato em análise retracta insofismavelmente a modalidade do arrendamento, com os seus específicos elementos caracterizadores e função económico-social, pelo que as cláusulas acessórias que as partes decidam aditar sempre terão de respeitar a essência dessa convenção.

Também para JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Da empresarialidade (As Empresas no Direito), Almedina, 1996, 322, “os contratos em questão  não  são  atípicos,  pela  simples razão de estarem tipificados na lei” e os variados serviços de que os cessionários das lojas beneficiam, “além de se verificarem igualmente em contextos diversos dos centros comerciais (e sem que aí se ponham em causa as relações arrendatícias),” consistem em autênticas prestações de serviços e, como tal, “não prevalecem sobre a cedência do gozo das partes do imóvel.”, assim concluindo que estaremos perante contratos mistos ou coligados, “consoante a retribuição dos serviços complementares esteja ou não incorporada na renda,” estando assegurada, em qualquer caso, a aplicabilidade das regras do arrendamento urbano.

Porém, no sentido da atipicidade do contrato de instalação de lojista em centro comercial aderiu quer a doutrina, quer a jurisprudência – cfr. a título meramente exemplificativo, ANTUNES VARELA, Centros Comerciais, 19 (comentário ao Ac. do STJ de 12 de Julho de 1994), anotação a diversos acórdãos do STJ, R.L.J., ano 128º, 1995-1996, pp. 278 a 320, 368 a 372 e ano 129º, pp. 49 a 60, 142 a 152, 172 a 181, 203 a 214; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos de utilização de lojas em centros comerciais. Qualificação e forma”, R.O.A., ano 56, Agosto 1996, 535 e ss; JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Da impenhorabilidade do direito do lojista de centro comercial, R.O.A., ano 59, Janeiro de 1999, 47 e ss; RUI PINTO DUARTE, Tipicidade e atipicidade dos contratos, Almedina, 2000, 159 e ss; CALVÃO DA SILVA, anotação ao acórdão do STJ, de 13.9.2007 (Pº 07B1857), RLJ, ano 136º, Julho-Agosto de 2007, 329 e ss), contendo o aludido aresto, também acessível em www.dgsi.pt, abundante citação jurisprudencial.

A função económica e social do contrato, a complexidade que o mesmo incorpora levou a doutrina e jurisprudência maioritárias a considerar que o contrato de instalação de lojista em centro comercial, transcendendo a figura do arrendamento, escapa ao regime característico desta – tendencialmente direccionado para a proteção do arrendatário, parte considerada débil da relação contratual e, por isso, carecida de proteção legal – para se situar no campo da liberdade contratual, mormente quanto à conformação do conteúdo/clausulado dos contratos.

A cedência temporária do gozo de tais lojas para fim comercial, escapa aos fins/interesses típicos do mero contrato de arrendamento, para se integrar num contrato, de conteúdo mais complexo, de instalação de lojista em centro comercial, onde interessa, para alem da cedência do espaço físico, todo um outro conjunto de direitos e deveres das partes, decorrentes da situação de funcionamento integrado do conjunto e inerentes necessidades.

E, sendo o contrato de instalação de lojista em centro comercial um contrato atípico, o seu regime jurídico deverá ser procurado, em primeiro lugar, nas cláusulas nele inscritas, que as partes acordaram, dentro dos limites da liberdade contratual (artigo 405º nº 1 do Código Civil), sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando se verifique a necessária analogia, das pertinentes regras de outro contrato típico, que se revele mais próximo, isto é, relativamente ao qual se revele um juízo de compatibilidade, como é, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano.
 
Assim, no caso vertente, o direito de utilização do espaço (loja  1156+1157+1158) concedido à requerente/apelada rege-se pelas regras do contrato que lhe deu origem, desde que válidas, e somente na falta de disposição legal própria, haverá que  fazer apelo às normas de outro contrato típico, que neste particular se revela mais próximo e compatível, que é o contrato de locação, enquanto negócio destinado à cedência temporária do gozo de imóvel, mediante retribuição (artigos 1022º e 1023º do Código Civil), vertente também presente naquele contrato, porém sem a rigidez característica do regime típico do contrato de arrendamento urbano.

Tanto no que diz respeito à instalação da loja (i.e., do estabelecimento comercial) como ao seu funcionamento posterior, a requerente/apelada deveria cumprir uma série de regras impostas pela outra  parte - a 1ª requerida/apelante - enquanto  proprietária  do  Centro Comercial, constantes do contrato, bem como do Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial.

Consta, nomeadamente da cláusula 2ª nºs 7 e 8, que é da responsabilidade exclusiva da requerente/apelada a obtenção de todos os licenciamentos e autorizações administrativas, eventualmente necessárias para a abertura ao público e funcionamento da loja, obrigando-se a requerente/apelada a enviar cópias à outra contraente dos documentos que evidenciem a obtenção de todos os licenciamentos e autorizações administrativas necessárias.

Ficou, por outro lado, expressamente previsto no contrato que a 1ª requerida/apelante (1ª contraente) tem o direito de resolver o presente contrato em caso de incumprimento pelo Segundo Contraente dos deveres e obrigações que lhe são cometidos por este Contrato e pelo Regulamento e ainda caso se verifique alguma das situações que expressamente se prevêem nas alíneas seguintes  (nº 1 da cl.ª 20ª).

Para o efeito, a primeira contraente “comunicará essa sua intenção à SEGUNDA CONTRAENTE, fixando-lhe um prazo, não inferior a 8 (oito) dias corridos nem superior a 30 (trinta) dias corridos, para, sem prejuízo da sua responsabilidade pela eventual mora no cumprimento, cumprirem a sua obrigação, sob pena de, esgotado o prazo fixado, se haver o incumprimento por definitivo e a resolução do contrato produzir os seus efeitos, sem necessidade de quaisquer outras formalidades, no primeiro dia seguinte ao termo daquele prazo.” (nº 3 da cl.ª 20ª).

Nos termos do artigo 432º, nº 1, do Código Civil, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. As partes podem, pois, por convenção expressa, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorre certo ou determinado facto.


Trata-se como refere CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, Almedina, 2002, 321 e 322, da chamada cláusula resolutiva expressa.

Tal cláusula não pode ter um conteúdo meramente genérico, referindo-se, por exemplo, ao incumprimento de todas as obrigações contratuais: deve fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito à resolução, identificando-as. Só assim as partes valorarão conscientemente a gravidade da acção ou omissão que justificará a resolução e haverá um verdadeiro acordo acerca da atribuição do correspondente direito potestativo de extinguir, por um simples acto unilateral, o contrato.

No contrato aqui em apreciação acaba por se estabelecer que a proprietária do centro deve interpelar previamente o lojista, fixando-lhe um prazo para efectuar o cumprimento em falta, antes de fazer operar a resolução do contrato, o que e susceptível de se harmonizar com o regime geral da resolução previsto nos artigos 801º nº 2 e 808º nº 1 do Código Civil.

Acresce que decorre do teor dos nºs 4 e 5 da aludida cláusula 20ª que:

4.-Resolvido o contrato, a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a restituir a loja, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de, a partir dessa data, utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da LOJA para reassumir a detenção da mesma LOJA, ou de, não lhe tendo sido entregue aquela chave, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma loja.
5.-A não aceitação pela SEGUNDA CONTRAENTE do fundamento invocado pela PRIMEIRA CONTRAENTE para o exercício do direito de resolução apenas confere àquela o direito de accionar judicialmente a PRIMEIRA CONTRAENTE, não podendo opor-se à produção dos efeitos próprios da resolução operada que se haverá por válida e eficaz e, designadamente, não podendo impedir ou dificultar os actos que a PRIMEIRA CONTRAENTE desenvolva como meio de reassumir a detenção da LOJA. Para o efeito a SEGUNDA CONTRAENTE considera que o acto de reassumir a detenção da LOJA é susceptível de reparação, caso este não seja exercido nos termos do presente contrato, renunciando por isso ao requerimento de eventuais providências cautelares destinadas a impedir o exercício da PRIMEIRA CONTRAENTE.

Face ao depoimento da testemunha das requeridas/apelantes tudo indicia que a designada cláusula de resolução não resultou de livre negociação entre as partes, mas antes foi apresentada à requerente como não negociável.

Importa, em primeiro lugar, apreciar se a resolução do contrato é válida, bem como se é legal a cláusula contratual, que proíbe a aqui requerente de se opor a uma eventual resolução do contrato, nem à imediata produção dos seus efeitos, nomeadamente através da providência cautelar de restituição da posse.

Resultou apurado nos autos que incumbia à proprietária do Centro Comercial a obtenção da licença de utilização – v. Nº 16 da Fundamentação de Facto.

As partes discordavam acerca da necessidade de legalização da exploração da loja, invocando a requerente/apelada que, por aplicação do disposto no Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de Janeiro, a loja que detinha uma área de venda que não ultrapassava 1.611 m2, e por isso não carecia de tal licenciamento – v. Nºs 7, 13 a 15 da Fundamentação de Facto.

E, efectivamente, decorre do nº 1, alínea b) do aludido diploma, que regula o Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração (RJACSR) que o mesmo se não aplica à exploração de estabelecimentos de comércio a retalho que (…) nos casos em que isoladamente considerados tenham uma área de venda inferior a 2 000 m2 e não estejam inseridos em conjuntos comerciais, e de estabelecimentos de comércio a retalho com área de venda igual ou superior a 2 000 m2 inseridos em conjuntos comerciais, como é o caso da loja aqui em causa.

Sucede que a requerida DV contratou um equipa técnica especializada que efectuou uma auditoria técnica a cada fracção autónoma e informou a requerente, por carta de 05.05.2016, de que a loja se encontrava em incumprimento de várias normas técnicas e de segurança, sendo certo que só nessa data deu conhecimento à requerente do teor do relatório da auditoria técnica efectuada, em 29.09.2015, no qual se elencavam as falhas nas normas e equipamentos de segurança da loja, concedendo à requerente, nessa carta de 05.05.2016, o prazo de 5 dias para regularização dessas falhas, sob pena de se considerar resolvido o contrato – Nºs 17 e 18 da Fundamentação de Facto.

E, não obstante a requerente haja respondido à aludida carta da 1ª requerida, em 12.05.2016, assumindo a disponibilidade de proceder à rectificação das falhas relativamente às normas técnicas de segurança que pudessem subsistir na loja, a verdade é que até ao dia 27.05.2016 nem todas as apontadas falhas haviam sido corrigidas, pelo que, por carta de 30.05.2016, a 1ª requerida comunicou à requerente a resolução do contrato, a partir de 00.01 de 02.06.2016, a cuja carta respondeu a requerente, em 01.06.2016, referindo, nomeadamente que havia solicitado à gestora do centro comercial autorização para a realização de pequenos trabalhos na loja durante a noite de 30.05.2016 para 31.05.2016, trabalhos esses que seriam concluídos no dia 02.06.2016, o que não sucedeu porquanto, nesse dia, a 1ª requerida reassumiu a loja inviabilizando o acesso da requerente à loja – Nºs 19 a 22, 24 e 30 da Fundamentação de Facto.

Entendeu o Tribunal a quoe bem– que não existia fundamento para resolver o contrato, declarando inválida tal resolução contratual.

E, efectivamente, atentos os fundamentos expressos na sentença recorrida, com os quais se concorda e perante os prazos aqui em causa, tendo presente o que consta a tal respeito da cláusula 20ª, nºs 1 e 3 inserta no contrato, tudo aponta para que a irrazoabilidade do prazo que foi dado à requerente para corrigir as falhas que haviam sido detectadas pela auditoria técnica, e apenas comunicadas à requerente 7 meses depois da realização e apresentação do respectivo relatório, não pode considerar-se como incumprimento definitivo, mas simples mora, a circunstância de a requerente não ter procedido a todas as correcções elencadas nesse relatório de auditoria técnica.

Por outro lado, sob invocação do clausulado entre as partes, a 1ª Apelante, após ter declarado a resolução do contrato, por carta de 05.05.2016, e não obstante a correspondência entretanto ocorrida e a vontade da requerente de completar as obras já realizadas, a requerida, ao abrigo da cláusula 20ª, nº 4, reassumiu a loja, vedando o acesso da requerente à loja.

Ora, como é sabido “a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei” (art.º 1º do Código de Processo Civil).

Por isso, conforme proclama a Constituição da República Portuguesa no nº 5 do seu artigo 20º, “para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos
procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”

A acção directa (recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito – art.º 336º, nº 1, do Código Civil) só é lícita “quando for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo”.

A aludida cláusula 20ª, nº 4 não observa estes limites, pelo que é nula de harmonia com o preceituado nos artigos 405º, nº 1, 280º nºs 1 e 2, 294º e 292º do Código Civil – v. neste sentido, Acs. STJ de 30.06.2009 (Pº 1398/03.4TVLSB.S1) e Ac. R.L. de 04.11.2004, (Pº 7145/2004-6),acessíveis no supra referido sítio da Internet.

E, não se argumente que as partes acordaram e negociaram no sentido de aceitar que, como decorre do nº 5 da aludida cláusula, o exercício do direito à resolução não conferia à requerente o direito a accionar judicialmente a requerida, renunciando aquela a eventuais providências cautelares destinadas a impedir o exercício do direito desta.

É que, outorgar à requerida o direito de se restituir, por si própria, à reintegração do direito que entende assistir-lhe, sem qualquer prévia intervenção jurisdicional que o reconheça e declare, viola frontalmente a lei, pelo que, nos termos do artigo 280º do CC, não podem deixar de se considerar estas disposições contratuais nulas, visto tratar-se de nulidade invocável a todo o tempo, de conhecimento oficioso e passível de ser declarada (artigo 286º do CC).

A supra descrita conduta da requerida/apelante, constitui um acto, ilícito, de justiça privada.


É certo que o utilizador da loja no centro comercial não é um verdadeiro possuidor em nome próprio, entendendo-se, no entanto, que o recurso às acções possessórias lhe é facultado em função da posição que ocupa no contrato e da qual decorre o direito ao gozo e utilização da coisa.

Ainda que não esteja em causa um verdadeiro e típico contrato de arrendamento e sim um contrato atípico e inominado, o lojista ou utilizador de loja em centro comercial que lhe foi cedida por “contrato de utilização de loja” – à semelhança do que acontece com o locatário em contrato de arrendamento – pode, durante a vigência do contrato, recorrer aos meios possessórios, mesmo contra o cedente, para defender o seu direito à ocupação e utilização da loja cujo gozo lhe foi cedido.

Na falta de disposição legal própria, importa fazer apelo às normas de outro  contrato  típico, que neste  particular  se  revela  mais próximo, e relativamente ao qual se revela um juízo de compatibilidade, o contrato de locação, previsto no Código Civil – v. Acs. T.R. de 19.02.2009 (Pº 11141/2008-6), in www.dgsi.pt.

Dispõe o artigo 1031º, alíneas a) e b) do CC que constituem obrigações do locador entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que se destina, dispondo, por sua vez, o artigo 1037º, nº 1 do mesmo diploma, que «
não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso».

Acrescenta, por fim, o nº 2 do deste último preceito que «
o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes».

Tem-se, pois, como certo que o lojista pode defender a posse sobre o local onde exerce a sua actividade, mesmo contra o proprietário ou promotor do centro comercial, tal como o arrendatário ao abrigo do disposto no nº 2 do supra referido artigo 1037º do C.C


Mas, mesmo que assim se não considerasse, e se entendesse que a natureza  excepcional  dos preceitos  da lei civil impediriam a sua aplicação analógica, a verdade o estabelecimento que corresponde, não só ao espaço físico – loja - onde se exerce a respectiva actividade, mas ao estabelecimento, enquanto organização concreta de factores produtivos com valor de posição no mercado, como unidade jurídica objectiva, como unidade económica, é susceptível de posse – v.a título meramente exemplificativo, Acs. R.L.de 16.110.2012 (Pº 16.10.2012) e de 19.03.2009 (Pº 3028/08.9TVLSB-2 no qual a ora relatora foi ali 2ª adjunta), repercutindo-se a mesma não só sobre o espaço físico como também sobre todos os elementos materiais e imateriais que integram a organização da empresa (
desde os móveis e imóveis até à clientela, às patentes e segredos de fabrico, aos contratos com o pessoal e as entidades financiadores, aos angariadores, intermediários, agentes e auxiliares, às licenças, alvarás, assinatura de telefone, etc) – v. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., 531.

Tem-se, portanto, por verificados os dois primeiros pressupostos do procedimento cautelar de que a requerente lançou mão.
 
A violência é o terceiro e último requisito de procedência da presente providência cautelar de restituição provisória de posse.

De acordo com o disposto no artigo 1261.º, n.º 2, do CC, preceito que nos deve orientar para a classificação da violência da posse e, por isso do esbulho, já que este é uma das formas através do qual se pode adquirir a posse, esta “… considera-se violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255”.

Sobre esta questão duas posições se defendem: uma, que pugna que a violência relevante deve ser necessariamente exercida contra o possuidor; outra, que defende bastar o exercício de violência sobre a coisa, desde que ligada, de algum modo, à pessoa do esbulhado ou quando da mesma resulte uma situação de constrangimento físico ou moral.

ra, é para nos inquestionável que a conduta da requerida, consubstanciada na colocação de obstáculos (cadeados na porta de acesso à loja e tapume) para impedir o acesso da requerente à loja, conforme resulta dos factos indiciariamente dados como provados – Nºs 30 a 35 da Fundamentação de Facto - traduzem-se em actos de violência material, reveladores da prática de actos de coacção sobre a coisa, tendo por referência o disposto no artigo 255.º do Código Civil, o que acarreta a existência de esbulho violento (artigo 1279.º do CC).
 
Mostram-se, portanto, verificados todos os requisitos para ser decretada – como efectivamente foi - a pretendida providência, em conformidade com o disposto nos artigos 377º e 378º do CPC.

E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

As apelantes serão responsáveis pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.-DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condenam-se as apelantes no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Lúcia Sousa