Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7195/2002-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
AQUISIÇÃO
ACÇÃO
DIREITO POTESTATIVO
Data do Acordão: 10/29/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Sumário: A norma do art. 490º, nº 3, do CSC, que confere à sociedade detentora de 90% do capital social de uma outra o direito potestativo de aquisição das restantes participações, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, não está ferida de inconstitucionalidade material, designadamente não representa uma violação ilegítima do direito de propriedade, nem dos princípios da proporcionalidade ou da igualdade.Para efeitos de apreciação da regularidade do processo aquisitivo basta que o valor da contrapartida oferecida pela sociedade dominante seja justificado por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente de ambas as sociedades, ainda que a partir da análise de elementos da contabilidade da empresa fornecidos pela administração.
Tal não obsta a que, mostrando-se insuficiente a contrapartida oferecida, face ao valor real da participação, o sócio minoritário solicite ao tribunal a sua majoração, ao abrigo do processo especial regulado nos arts. 1498º e 1499º do CPC.
Decisão Texto Integral: Apelação nº 7195-02/7ª Secção
I - A, Ldª,
intentou acção declarativa com processo ordinário contra
B, SA,
pedindo que seja declarada nula a aquisição realizada pela R. da quota que a A. detinha no capital social da sociedade C, Ldª, ao abrigo do disposto no art. 490º, nº 3, do CSC.
Argumenta que tal dispositivo é inconstitucional e que, além disso, a aquisição não respeitou os requisitos formais e substantivos previstos na lei ordinária, não só por indevido incumprimento dos prazos de proposta da aquisição, mas também porque a contrapartida em dinheiro oferecida não se encontrava justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente de ambas as sociedades. Por outro lado, a contrapartida oferecida era manifestamente insatisfatória em face da situação líquida e potencial da sociedade C, Ldª, considerando ainda a sociedade D, S.A., em cujo capital social aquela sociedade é participante.

Contestou a R. e, para além de suscitar a ininteligibilidade do pedido de declaração de inconstitucionalidade, pugnou pela conformidade da norma as normas constituticionais que tutelam o direito de propriedade e com os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da liberdade de iniciativa económica individual.
Procedeu ainda à impugnação dos demais pressupostos da acção, invocando uma estratégia de concentração do capital social da empresa C, Ldª, e alegando que o processo de aquisição da quota da A. foi feito de forma regular, tendo em conta o relatório do revisor oficial de contas, a publicidade dada à oferta e o valor da contrapartida.

Houve réplica, na qual a A.. respondeu à alegada ininteligibilidade.

Foi proferido despacho saneador-sentença onde a acção foi julgada improcedente, decaindo a invocada inconstitucionalidade e prevalecendo a regularidade do processo de aquisição da quota.

Apelou a A. e concluiu fundamentalmente que:

a) O direito de aquisição compulsiva de uma participação social atribuído a um sócio, nos termos do art. 490º, nº 3, do CSC, viola o direito de propriedade do respectivo titular, assumindo a natureza de uma verdadeira "expropriação por utilidade particular";
b) A finalidade subjacente a tal direito potestativo é a de prevenir os inconvenientes que da actuação dos sócios minoritários possam advir para a integração da sociedade dominada no grupo da sociedade dominante;
c) Ora, a apreciação do peso da participação minoritária na sua capacidade para influir na vida societária assume contornos diametralmente opostos e antagónicos, consoante seja feita em sede de legitimação do direito de aquisição compulsiva ou no âmbito da fundamentação do direito potestativo de alienação atribuído ao sócio minoritário;
d) Os direitos sociais inerentes a uma participação minoritária, por contraponto com uma participação dominante, reduzem-se, no essencial, ao direito de informação que aportará uma maior transparência ao exercício social da sociedade dominada;
e) Assim, os objectivos subjacentes à consagração de um direito potestativo de aquisição compulsiva ficam esvaziados em face da real dimensão da participação objecto dessa aquisição forçada;
f) O direito de propriedade privada que abarca as participações sociais tem a dimensão fundamental de liberdade, nele se incluindo não só o direito de não ser expropriado do título ou da posse, mas também a liberdade de uso, fruição e disposição, sem limites ou intromissão de terceiros;
g) As restrições a que o direito de propriedade privada pode estar sujeito devem respeitar os requisitos constantes dos nºs 2 e 3 do art. 18° da CRP;
h) A aquisição compulsiva de participações sociais deve ser analisada à luz de uma pura relação bilateral - sócio maioritário/sócio minoritário - sendo os respectivos interesses em causa de carácter extra-societário;
i) A tangibilidade da participação social do sócio minoritário só será ponderável como consequência da sua conflitualidade com bens ou valores do sócio maioritário, constitucionalmente consagrados e protegidos, e desde que respeitando o princípio da proporcionalidade analisado nas suas três vertentes: adequação, necessidade e justa medida;
j) Ponderados os valores em conflito, é forçoso concluir que a aquisição compulsiva da quota da recorrente não respeitou o princípio da proporcionalidade, não constituindo, nessa medida, uma restrição válida ao direito de propriedade da recorrente;
k) Sendo a finalidade da aquisição da participação obstar aos inconvenientes que o exercício dos direitos sociais inerentes à participação poderiam constituir para o bom funcionamento da sociedade dominada, a venda forçada da quota detida pela recorrente é manifestamente inadequada a tal finalidade face aos prejuízos daí emergentes para a esfera jurídica da sócia "expropriada" do seu bem;
l) Tal mecanismo não resulta, tão-pouco, necessário à realização do escopo de criação e reforço de grupos societários, o qual poderá ser plenamente alcançado através dos denominados mecanismos contratuais (contrato de grupo paritário e contrato de subordinação);
m) Finalmente, a enorme desproporção entre os benefícios que da aplicação do n° 3 do art. 490° do CSC emergem para a sócia dominante e as desvantagens que da mesma decorrem para a sócia minoritária tornam inadmissível a sua consagração como restrição legítima ao direito de propriedade privada e ao direito de livre iniciativa económica, que a Lei Fundamental reconhece à recorrente.
n) O art. 490°, n° 3, do CSC, viola, também, o princípio da igualdade;
o) A igualdade de tratamento contida no art. 490° assenta numa desigualdade de pressupostos, pois que o n° 3 contraria a concepção global do sistema jurídico-societário, assente no princípio da igualdade do tratamento dos sócios de que a tutela dos interesses dos sócios minoritários constitui instrumento privilegiado.
p) A oferta de aquisição da participação social da recorrente estava ferida de nulidade por incumprimento do requisito legal de justificação da contrapartida da oferta por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas - isto é, que não mantivesse qualquer relação de carácter profissional com nenhuma das sociedades.
q)Tal matéria não consta da matéria dada como provada e a douta sentença recorrida apenas se pronunciou sobre a conformidade da natureza da avaliação levada a efeito:
r) Mesmo que a falta de independência do Revisor Oficial de Contas - face às sociedades interessadas - não fosse matéria consensualmente dada por assente, sempre deveria ter sido a mesma levada à base instrutória para apreciação em sede de audiência de julgamento.

Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Factos provados:
1. Em 1988, a A., em conjunto com oito sociedades, incluindo a R., constituiu a sociedade C, Ldª, matriculada com o n° 38892/850612, na 3ª CRC do Porto (com a sua constituição inscrita com a ap. 02/880211).
2. Inicialmente C, Ldª, tinha sede na R. de S. Francisco, n° 7, 1º; posteriormente, na R. de Álvaro Castelões, n° X, 1º, Matosinhos.
3. Tal sociedade foi constituída com o capital social de PTE 40.000.000$00,[1] no qual a A. e R. entraram, cada uma, com uma participação social no valor nominal de 4.000.000$00 (a A. com uma quota de Esc. 4.000.000$00 e a R. com duas quotas de 2.000.000$00 cada).
4. Em 1990 (10/8) o capital social da C, Ldª, foi elevado para 80.000.000$00, com reforço de 40.000.000$00 em dinheiro, passando a R. a deter a participação no valor de 28.000.000$00 (duas quotas de 2.000.000$00 e uma quota de 24.000.000$00).
5. A partir de 2-6-95 (ap. 52 dessa data), C, Ldª, passou a ter um capital social de 200.000.000$00, mediante o reforço de 120.000.000$00, passando a R. a ser titular de uma participação de 79.980.500$00 (uma quota de 25.800.000$00, duas quotas de 2.150.000$00 e uma quota de 52.033.250$00).
6. Posteriormente, a R. procedeu às seguintes aquisições ou transmissões, em seu beneficio, de quotas societárias da C, Ldª:
- Em 2-8-96, no valor de 4.300.000$00;
- Em 2-8-96, no valor de 1.173.000$00;
- Em 2-8-96, nos valores de 7.433.750$00, 2.150.000$00 e 2.150.000$00;
- Em 6-12-96, nos valores de 14.866.500$00, 7.433.250$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00 e 1.563.500$00;
- Em 6-12-96, nos valores de 14.866.500$00, 7.433.250$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00 e 1.563.500$00;
- Em 9-10-97, nos valores de 4.300.000$00 e de 1.250.000$00;
- E em 21-2-00, nos valores de 4.300.000$00 e 7.433.500$00.
7. Nesse capital social a A. detinha uma quota com o valor nominal de 4.300.000$00 (correspondentes a 2,15% do capital).
8. Em 22-10-99 a R. remeteu à A. a missiva documentada a fls. 27 dos autos, na qual refere que detém na identificada C, Ldª, "uma participação que ascende a cerca de 90% do seu capital social, estando eventualmente interessada em aumentar essa participação", manifestando, do mesmo modo, a vontade de adquirir a quota nominal de 4.300.000$00 de que a R. era titular pelo preço de 5.860.000$00, a liquidar integralmente na data de formalização da cessão de quotas, proposta que se manteria válida até final de 5-11-99.
9. Na sequência, a A. enviou à R. uma carta, datada de 5-11-99, documentada a fls. 28, demonstrando que os números eram relativamente baixos e sugerindo uma avaliação prévia do valor da sua quota, a ser efectuada pelos auditores da R., o que esta recusou, por carta datada de 14-1-00 e inserta a fls. 29/30, fazendo referência aos custos adicionais elevados de uma tal avaliação, à avaliação da empresa expressa no balanço e ao futuro da actividade da mesma empresa com a sua desactivação operacional.
10. Em 6-1-00 foi lavrada no 12° Cartório Notarial de Lisboa uma escritura pública de cessão de quotas pela qual a R. adquiriu a E, Ldª, duas quotas que esta detinha na sociedade C, Ldª, no valor nominal de 4.300.000$00 e de 7.433.500$00, pelo preço, respectivamente, de 5.864.000$00 e de 10.136.000$00, tal como se encontra certificado a fls. 147/152.
11. Posteriormente, com data de 3-2-00, a R. remeteu à identificada C, Ldª, ao cuidado da sua gerência, a missiva documentada a fls. 153, na qual deu conhecimento a esta última que desde o dia 6-1-00 era titular de 95,075% das quotas daquela sociedade, por ter adquirido as quotas de valor nominal de 4.300.000$00 e 7.433.500$00 detidas pela sociedade E, Ldª.
12.Com data de 27-7-00, foi publicado no DR, III Série, com o n° 172, 3° suplemento, um aviso sobre a "Proposta de aquisição das quotas representativas do capital social da C, Ldª nos termos do artigo 490° do Código das Sociedades Comerciais", dirigida aos "demais sócios da sociedade C, Ldª", informando-os de "que, na sequência da aquisição das quotas detidas pela sociedade E, Ldª, por escritura pública de 6 de Janeiro de 2000, passou a deter quotas representativas de mais de 90% do capital da sociedade C, conforme oportunamente comunicada à mesma", e esclarecendo que pretendia adquirir, nos termos do art. 490° do CSC, aos respectivos titulares, todas as quotas representativas do capital daquela sociedade que ainda não lhe pertenciam, pela contrapartida global de 13.423.500$00, justificada em relatório elaborado por revisor oficial de contas, mantendo-se válida essa proposta pelo prazo de cinco dias, nos moldes documentados a fls. 156/157.
13. Em 1-8-00 a R. enviou uma outra carta à A., relativa à aquisição da totalidade das quotas da C, Ldª, enviando a esta cópia da documentação de suporte ao processo de aquisição da totalidade das quotas desta última sociedade: cópias do anúncio, do parecer do revisor e da proposta de aquisição, nos moldes documentados a fls. 31/35.
14. Junto com esta missiva seguia um documento intitulado “Oferta de Aquisição”, na qual referia pretender comprar as quotas restantes detidas pelos outros sócios, sendo que pela quota de 2,15% que a A. detinha no capital da empresa C, Ldª, com o valor nominal de 4.300.000$00, e o valor contabilístico de 5.751.809$00, foi oferecido o valor de 5.860.000$00, e pela quota, de 2,775% do capital, própria da C, Ldª, com o valor nominal de 5.550.000$00 e o valor contabilístico de 7.423.847$00, foi oferecido 7.563.500$00, tal como se documenta a fls. 33.
15. Acompanhando a mesma carta, seguia um documento subscrito por um revisor oficial de contas, em representação de SROC ... & Associados, denominado “Relatório - Oferta de Aquisição de Quotas”, no qual se faz alusão à aquisição das quotas remanescentes que compõem o capital social da C, Ldª, no exercício por parte da R. dos direitos consagrados no n° 2 do art. 490° do CSC, emitindo parecer com o seguinte teor:
.../...
"2. Neste contexto, solicitou-nos o Conselho de Administração da B, SA., a emissão de um parecer quanto à adequacidade da metodologia e pressupostos, descritos no documento em anexo a  este relatório, utilizados na determinação do valor que se propõe pagar para efeitos da aquisição dessas quotas. Salientamos que, para o efeito, não foi efectuada qualquer avaliação independente do valor dessas quotas.
3. Nas circunstâncias concretas da B, SA., analisados os cálculos, pressupostos e justificações apresentados pelo Conselho Administração da B, SA., descritos no documento em anexo a este relatório, expressamos ser nossa convicção que a contrapartida em dinheiro proposta, de 7.563.500$00 e 5.860.000$00 pelas referidas quotas, se encontra devidamente justificada, tendo em conta o referido em 2. acima"
.../...
16. Pela ap. 45/20000727 foi inscrito no registo comercial o depósito do relatório do revisor oficial de contas com vista a uma oferta de aquisição de quotas tendentes ao domínio total, datado de 21-7-00.
17. A R. procedeu a um depósito na conta a prazo n° 732139996 aberta no BCP no montante global de 13.423.500$00, destinado à aquisição das mesmas quotas societárias.
18. No dia 20-9-00, no 21° Cartório Notarial de Lisboa, foi lavrada uma escritura pública, denominada de "Aquisição de Quotas", na qual interveio a R., pela qual, considerando cumpridos todos os requisitos previstos no art. 490° do CSC, devidamente descritos, procedia à aquisição das quotas societárias nos valores nominais indicados, pelo preço de 13.423.500$00, fazendo-­se aí menção ainda ao depósito daquela contrapartida no BCP, conforme certificado a fls. 37/42.
19. Na sequência, em 20-10-00 foi publicado num jornal um aviso da responsabilidade do mesmo 21° Cartório Notarial de Lisboa referente a esta escritura, fazendo-se alusão descritiva ao teor da mesma escritura, tal como se documenta a fls. 158 dos autos.

III – Motivação jurídica:
1. A R. apelada, ao abrigo do disposto no art. 490º, nº 3, do CSC, procedeu à aquisição potestativa da quota que a A. apelante detinha numa outra sociedade.
A A. apelante, com fundamento na inconstitucionalidade daquela norma e no desrespeito pelas regras referentes à aquisição potestativa de acções, pretende que se declare a nulidade dessa aquisição, no que sofreu forte oposição por parte da R.
Na sentença não foi reconhecida razão à A., motivo pelo qual apelou para esta Relação, com apresentação de alegações, a que se seguiram as contra-alegações da R.
Independentemente do resultado que venha a ser assumido, não pode deixar de se reconhecer o esforço despendido por qualquer das partes na sustentação das respectivas posições. A lisura e a elevação demonstradas têm correspondência na qualidade da respectiva motivação jurídica e na forma exemplar de exposição.
Semelhantes qualidades caracterizam a sentença que incidiu sobre uma questão tão pouco habitual quão melindrosa. Por isso, sem desgastar o verdadeiro conteúdo das palavras, não pode deixar de se realçar o nível e a profundidade da exposição e da argumentação empregue, tudo isso reflectido na qualidade da sentença recorrida.

2. Objecto do recurso:
Considerando o teor das conclusões que delimitam o objecto do recurso e sendo o pedido o de declaração de nulidade da aquisição de quotas sociais, ao abrigo do art. 490º, do CSC, suscitam-se fundamentalmente as seguintes questões:

- Apreciação da constitucionalidade do art. 490º, nº 3, tendo em atenção a tutela concedida ao direito de propriedade e a consagração do princípio da igualdade no tratamento dos accionistas e do princípio da proporcionalidade;
- Aferição da validade da aquisição, tendo em conta as exigências legais respeitantes ao parecer que deve acompanhar a proposta de aquisição.

3. Considerações gerais:
3.1. A aquisição de participações sociais tendentes ao domínio total de uma sociedade, também apelidada de aquisição potestativa, prevista no art. 490º do CSC, constitui uma das vias que pode reconduzir-nos a uma situação de sociedades em relação de grupo, instituto regulado pelos arts. 488º e segs. do mesmo diploma.[2]
 Como resulta dos arts. 483º e segs., o domínio (directo ou indirecto) de uma sociedade sobre outra pode resultar de uma estratégia delineada logo no respectivo acto constitutivo, quando todo o seu capital fica sob a alçada da sociedade dominante.
Porém, outras vias proporcionam resultado equivalente, qual seja, o da subordinação total ou equiparada de uma sociedade em relação a outra.
Desde logo, essa relação, de modo superveniente, pode ser reflexo da liberdade contratual, através da outorga de um contrato de subordinação (arts. 493º e segs.).
Mas pode resultar também da própria lei: quando, por via da aquisição de participações sociais, uma sociedade passa a dominar 90% do capital de outra (o que se reconduz a situação de dependência praticamente absoluta), o legislador, na pressuposição de que esse status não é benéfico nem para a sociedade dominante, nem para os sócios livres da sociedade dominada (isto é, os que possuem o remanescente das participações, até ao limite máximo de 10%), privilegiou uma solução tendente a concretizar uma situação de domínio total.[3]
Nestas circunstâncias, sem embargo da concretização da transferência das participações por livre negociação dos interessados, o legislador conferiu, por um lado, aos sócios minoritários o direito (potestativo) de alienarem as suas participações, interpelando directamente a sociedade dominante (e, em caso de inércia, suscitando a intervenção do tribunal para a declaração de transmissão e fixação do respectivo valor); por outro lado, concedeu à sociedade dominante o direito (igualmente de natureza potestativa) de dirigir à dominada uma proposta de aquisição das participações residuais, com indicação da natureza e do valor da contrapartida oferecida, com possibilidade de impor aos sócios minoritários, em caso de recusa, tal aquisição.
Em qualquer dos casos, estamos face a direitos cuja exercitação é livre. Nada obsta a que se mantenha a situação de domínio parcial, na proporção mínima de 9 para 10, bastando que nenhum dos sectores demonstre interesse na alienação ou na aquisição do domínio total. Razões de ordem diversa, a que nem sequer são alheias as especiais relações que possam existir entre a sociedade maioritária e os sócios livres, podem justificar a manutenção do status quo.[4]
Porém, prevenindo situações inversas em que não interesse a manutenção da situação de domínio relativo, por receio das consequências negativas que possam advir (v. g., para a sociedade dominante, o perigo de perturbação das estratégias que se pretendam promover; para os sócios minoritários, o risco de desvalorização das participações por força de estratégias adoptadas por vontade exclusiva da sociedade dominante) ou por quaisquer outras razões, o legislador conferiu um direito de natureza potestativa, a que fez corresponder, na esfera da contraparte, o respectivo estado de sujeição.
Tratando-se, em ambos os casos, de direitos potestativos, o que diferencia as situações é que quando a sociedade não apresente uma oferta de aquisição que seja aceite pelos sócios maioritários, podem estes recorrer ao Tribunal para que, no âmbito de um processo especial regulado no art. 1498º do CPC, se substitua à declaração de vontade da sociedade dominante e declare transmitida para esta as acções, condenando-a, simultaneamente, no pagamento do valor que seja determinado; já no caso em que o interesse visado é o da sociedade dominante, a proposta de aquisição deve ser acompanhada da indicação da contrapartida, em dinheiro ou em acções da própria sociedade, cujo valor será justificado mediante parecer de revisor oficial de contas independente de uma e de outra das sociedades.

3.2. Como é sabido, o valor das participações está directamente dependente do valor patrimonial da sociedade dominada; por seu lado, este é condicionado pelo modo como a sociedade é administrada, pela estratégia comercial adoptada, pelas deliberações respeitantes à distribuição de dividendos, etc. Em qualquer dos casos, a detenção de 90% do capital social de uma sociedade praticamente confere ao respectivo titular o domínio da vida societária. De onde resulta que, em regra, a inferioridade numérica em que se encontram os sócios minoritários os "amarra" às opções decorrentes da vontade da sociedade dominante reflectida nas deliberações sociais ou nos actos de gestão quotidianos.
Mas se perspectivarmos a situação sob o ângulo da sociedade dominante, que mais releva para a resolução do caso concreto, também se verifica que a dispersão do capital social, ainda que numa reduzida percentagem, não deixa de comportar alguns riscos. Posto que sejam contadas as situações dependentes da vontade unânime dos sócios e que sejam limitados os direitos conferidos aos sócios minoritários, a mera persistência de uma pequena minoria numa sociedade largamente dominada por uma outra pode constituir um factor de perturbação ou de bloqueio susceptível de impedir a consecução de determinados objectivos legítimos ou o desenvolvimento de determinadas estratégias empresariais. Tão pouco é negligenciável o risco que de tal situação advém enquanto fonte de litígios judiciais capazes de perturbar a vida societária.
Sob este ângulo de apreciação, o mecanismo consignado no art. 490º, nº 3, do CSC, insere-se no caminho trilhado pelo legislador com vista a satisfazer os objectivos de concentração empresarial,[5] na pressuposição, empiricamente testada, que a existência de sócios em situação de “minoria absoluta” constitui um potencial factor de perturbação que convém debelar ou atenuar.

3.3. Tal como adiante se dirá, esta aquisição potestativa constitui uma medida de política legislativa sem antecedentes no direito das sociedades.[6]
Teoricamente, o domínio de uma sociedade por outra pode ser alcançado por outras vias (clássicas) que já antes se figuravam no nosso direito societário.[7] A fusão aprovada por deliberação tomada no seio da própria sociedade, nos termos dos arts. 97º e segs. do CSC, é bem o exemplo de como os efeitos práticos a que tende a aquisição da totalidade do capital social podem ser alcançados quando se verifique, por exemplo, uma concentração de 90% ou mais do capital social. Também a dissolução da sociedade, por força da vontade de uma maioria do capital social, pode surtir efeitos semelhantes àqueles que tendem a ser alcançados pela aquisição potestativa.[8] A manutenção da pessoa colectiva neste caso e a sua extinção no primeiro constituem efeitos diferenciados mas que, na prática, permitem dominar a actividade ou o interesse económico associado à sociedade.
Por outro lado, longe destas actuações cuja legitimidade advém da simples manifestação da vontade de uma maioria, o sistema legal nem sequer está “blindado” de modo a impedir a consecução do mesmo resultado por caminhos inviezados, em obediência a estratégias menos claras ou que visem pura e simplesmente o aniquilamento de sociedades concorrentes.
Nestas circunstâncias, melhor se compreende que a concessão a uma sociedade detentora de 90% ou mais do capital de outra do direito de adquirir as restantes participações sociais acaba por constituir uma medida de política legislativa que confere mais transparência ao processo conducente à aquisição do domínio total sobre uma outra.
Numa outra perspectiva, a solução normativa, globalmente considerada, permite também evitar a fraude à lei resultante, por exemplo, da persistência de uma situação de claro domínio "de facto", sem que a sociedade dominante tenha de suportar as consequências previstas nos arts. 501º a 504º (para onde remete o art. 490º, nº 6).[9]
Apesar disso, revelam as alegações da A. e os elementos de apoio (jurisprudência e doutrina) nelas referenciados que não estamos face a uma opção isenta de críticas, quer no que respeita à sua simples previsão abstracta, quer no tocante à sua regulamentação concreta. Tal como sucede com outras medidas, esta também não pode considerar-se imunizada contra uma eventual exercitação distorcida em relação aos objectivos propostos pelo legislador.
Porém, isso não determina, por si só, a desconformidade constitucional da medida que, em abstracto, está prevista no art. 490º, nº 3, do CSC, de modo a determinar a exclusão desta norma para efeitos de resolução do caso concreto por via de uma declaração de inconstitucionalidade.[10]

3.4. Se bem que estoutro argumento não baste, por si, para convencer do acerto da tese que antecipadamente afirmamos relativamente à questão da constitucionalidade, não pode deixar de se notar que a figura da aquisição potestativa tendente ao domónio total, à semelhança de outras destinadas a regular relações plurissocietárias, representa um desenvolvimento de normas comunitárias em matéria de direito das sociedades,[11] obedece à lógica da uniformização do direito das sociedades no âmbito da União Europeia, antecipa soluções que se encontram em discussão nas instâncias comunitárias e reflecte,[12] com uma ou outra nuance, medidas que também vigoram noutros países da União Europeia.[13]
A opção legislativa teve como fontes mais próximas, legislação sobre grupos de sociedades existente na Alemanha, na Itália, na França ou no Brasil [14] e traduz medidas legislativas de contornos semelhantes que também vigoram, por exemplo, no Reino Unido, em Espanha, na Holanda, na Áustria, na Bélgica, na Suíça, na Noruega, na Dinamarca ou na Finlândia.[15]
Não se oculta que também nestas latitudes, por vezes, se têm suscitado vivas interrogações quanto à constitucionalidade das normas que prevêem medidas congéneres.[16]
Apesar disso, como reporta J. Engrácia Antunes em relação à Alemanha, o respectivo Tribunal Constitucional afirmou a conformidade constitucional da medida de "integração", com base numa lógica inerente ao princípio da prevalência da vontade da maioria vigente no direito das sociedades e perante a constatação de uma certa equivalência funcional entre essa forma de aquisição potestativa e a de fusão decretada pela vontade da maioria dos sócios. Fundamental foi ainda a verificação da existência de meios de tutela dos sócios minoritários através da previsão de uma compensação patrimonial.[17]
Outrotanto ocorreu em França. Também aqui, depois de se ter considerado que a aquisição potestativa constituía uma forma de “expropriação por utilidade particular” contrária a princípios jurídico-constitucionais, se chegou a um estádio em que tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem pacificamente a sua admissibilidade.[18]
De modo que, em relação á generalidade dos sistemas próximos do nosso, se pode afirmar a predominância de uma tese que reconhece ao legislador ordinário legitimidade para, no âmbito da adopção de medidas de concentração empresarial, mediante determinadas condições e salvaguardados os interesses dos sócios minoritários, prever a aquisição potestativa de participações sociais.
Tal legitimidade foi inclusive assumida no plano do direito internacional, como transparece de uma decisão da Comissão Europeia de Direitos do Homem que, perante um normativo que vigora na Suécia que suscitou a violação do direito de propriedade, se pronunciou favoravelmente.[19]

3.5. Apesar das considerações anteriores, não se ignora que os elementos recolhidos do direito comparado ou mesmo do direito supranacional não conseguem ultrapassar, por si só, eventuais barreiras criadas pela nossa Lei Fundamental.
Todavia, não deixaria de ser estranho que a tão apregoada integração europeia e a tendencial uniformidade do direito das sociedades, com vista à consecução de uma verdadeira união económica e social, fossem, no que respeita à questão em apreço, vencidas internamente pela adopção de uma tese que advoga a inconstitucionalidade material, num quadro em que tanto as Constituições (na parte respeitante ao direito de propriedade e ao direito de iniciativa privada) como as normas de direito ordinário (sobre grupos de sociedades) coincidem nos seus aspectos fundamentais.
Decerto a apreciação do exercício do direito potestativo de aquisição, a análise da actuação da sociedade maioritária ou a aferição da justiça material das contrapartidas oferecidas são questões que podem ser legitimamente suscitadas perante os Tribunais nacionais. Porventura isso até pode revelar a existência de irregularidades no processo ou atitudes que devam ser confrontadas com as regras da boa fé ou com a figura do abuso da posição dominante. Tão pouco está arredada a possibilidade de, em concreto, mediante intervenção dos Tribunais, ser retirada eficácia a actuações que surjam à revelia dos objectivos do legislador ou que obriguem a sociedade dominante a suportar o pagamento de compensações de valor mais elevado.
Porém, estes são aspectos que relevam apenas da identificação e aplicação dos preceitos decorrentes do direito ordinário, mostrando-se incapazes de justificar as consequências pretendidas pela apelante, ou seja, a não aplicação do art. 490º, nº 3, por razões de inconstitucionalidade material.[20]

4. Da inconstitucionalidade:
4.1. Introdução:
Pretende a A. que, mediante declaração casuística de inconstitucionalidade, recuse este Tribunal a aplicação do disposto no art. 490º, nº 3, do CSC, e que decrete a invalidade, por falta de apoio legal, da aquisição da sua quota na sociedade C, Ldª.
Como já anteriormente se aludiu, semelhante questão não é nova, tendo já sido suscitada noutros países, designadamente na França e na Alemanha.
Em Portugal, a tese da A. foi acolhida, pelo menos, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2-10-97, publicada no BMJ nº 470º/619, de cuja fundamentação resultam os seguintes pontos fundamentais:[21]
a) Se bem que o direito de propriedade não tenha natureza absoluta, as suas limitações ou restrições devem fundar-se noutros interesses constitucionalmente garantidos, de modo a respeitar a necessária concordância prática;
b) A aquisição da totalidade do capital social de uma sociedade, pela via potestativa, surge como discriminatória e não respeita aquela concordância prática;
c) A atribuição do direito potestativo representa o poder de “arbitrária, discricionária, desequilibrada, desproporcionada e desadequadamente excluir do corpo social o sócio minoritário”;
d) A nossa “cultura e formação humanistas não são muito atreitas ao culto do empório”, de modo que aquela solução, representando um tratamento privilegiado dado ao sócio maioritário, viola o “princípio da igualdade perante a lei e o princípio da proporcionalidade”.

Em sede de controlo abstracto da constitucionalidade, a mesma questão foi suscitada pelo Provedor de Justiça junto do Tribunal Constitucional.[22]
De forma necessariamente esquemática, foi nas seguintes “traves-mestras” que assentou a tese aí defendida:
a) As participações sociais compreendem-se no âmbito da protecção constitucional do direito de propriedade, nos termos do art. 61º da CRP;
b) O reforço ou consolidação dos grupos societários insere-se no âmbito da protecção da liberdade de empresa, contida ainda na liberdade de iniciativa económica privada constitucionalmente garantida pelo art. 61º da CRP;
c) A concordância prática de ambos os direitos supõe que as restrições ao primeiro obedeçam ao princípio da proporcionalidade, respeitando os vectores da adequação, da necessidade e da justa medida;
d)Ainda que a aquisição potestativa se não justifique como meio de remover obstáculos ou inconvenientes que resultam da coexistência de sócios minoritários, pode encontrar alguma justificação enquanto meio destinado a alargar o âmbito da actuação da sociedade maioritária; porém, já não se revela uma medida necessária para alcançar o objectivo consistente no reforço dos grupos societários, uma vez que existem outras medidas, menos gravosas para os sócios minoritários, que não contendem com o objectivo de domínio de uma sociedade pela outra, como sucede com o contrato de subordinação ou o contrato de grupo paritário; o aumento da eficiência derivada da absorção da totalidade do capital não é suficiente para legitimar uma solução mais gravosa do que outras que não implicam a transferência compulsiva das participações minoritárias;
e)Verifica-se ainda uma manifesta desproporção entre as vantagens alcançadas pela sociedade dominante e os inconvenientes em que se traduz a transmissão compulsiva; é muito mais gravosa para os sócios minoritários a perda dos direitos sociais do que, para a sociedade, a dificuldade em atingir a unanimidade de que porventura careça;
f) A medida tão pouco se justifica como sucedâneo da dissolução total da sociedade mediante deliberação dos detentores de 90% do capital: enquanto esta atinge todos os sócios, aquela apenas prejudica os minoritários;
g) Ao nível do princípio da igualdade, não vale a invocação do correspectivo direito dos sócios minoritários de provocarem a transferência compulsiva das participações para a sociedade dominante, na medida em que é mais fácil à sociedade dominante evitar a ultrapassagem dos 90% do capital social do que aos sócios livres impedir essa aquisição.

A generalidade destes argumentos foi rebatida por J. Engrácia Antunes [23] e por Menezes Cordeiro.[24] A profundidade e a qualidade da argumentação, tal como a ilustração das respectivas teses, parecem-nos convincentes.
Não cabe nos limites deste acórdão escalpelizar cada um dos argumentos tecidos pelos defensores de cada uma das teses. Ainda assim, não deixaremos de tocar nos pontos cruciais em que uns e outros se apoiam, para declarar o resultado que já foi anunciado, ou seja, que não existe desconformidade constitucional do normativo em análise, tudo se passando no campo da aplicação prática do preceituado acerca da aquisição potestativa.

4.2. Da violação do direito de propriedade:
4.2.1. Como já se disse, o nosso direito societário é subsidiário do direito comunitário, e a medida sob observação é congénere de outras que vigoram na generalidade dos países da União Europeia ou daqueles em que predomina a economia de mercado.
Sendo natural a similitude da argumentação que em cada um desses sistemas é usada para atacar ou defender a conformidade constitucional da aquisição potestativa, em confronto com os preceitos que tutelam o direito de propriedade, não será de estranhar que também este Tribunal acabe por aderir à tese que nesses sistemas tem obtido vencimento.
Generalizada a aceitação da tese da conformidade constitucional, numa era da globalização e num percurso de integração europeia (nos vectores financeiros, económicos e sociais), nos termos dos Tratados da União Europeia, seria temerária a invocação de especificidades ao nível da nossa Lei Fundamental (ou a invocação da nossa ideossincrasia social ou jurídica) com energia suficiente para justificar, em termos metodologicamente ajustados, a recusa de aplicação do preceituado no nº 3 do art. 490º do CSC.
Sem ir ao ponto de, como o faz Menezes Cordeiro,[25] qualificar a argumentação contrária como “naïf”, em resultado de uma alegada leitura do dispositivo que nele não vê mais do que “um confessado desejo do legislador de pôr cobro a minorias societárias”, cremos que tal preceito não constitui um exemplo de violação de normas ou sequer de princípios constitucionais.

4.2.2. Não é líquida a natureza do direito que incide sobre participações sociais (acções ou quotas sociais): direito real, direito de crédito, mera expectativa jurídica, direito corporativo, etc.[26]
Independentemente da resposta dada, do que não se duvida é que tais participações (e os correspondentes direitos sociais) são bens susceptíveis de apropriação individual inseridos nos limites do direito de propriedade constitucionalmente tutelado pelo art. 62º da CRP.[27] Correspondentemente, também não sofre dúvidas que a formação de grupos se insere no direito de iniciativa económica privada previsto no art. 61º da CRP.[28]
Ora, a parificação constitucional de um e de outro dos direitos económicos impede, desde logo, que se atribua preferência ao direito de propriedade e se conclua, sem mais, que uma norma de que resulte a transferência compulsiva do direito que os sócios minoritários detêm sobre as participações sociais, mediante o pagamento de uma compensação, está afectada pelo vício da inconstitucionalidade.
Na medida em que o direito de iniciativa privada também contém em si a liberdade de empresa ou de iniciativa económica, e dado que aquisição potestativa constitui um dos instrumentos que potenciam o reforço e a consolidação dos grupos societários,[29] a aferição da conformidade constitucional não dispensa a concordância prática de ambos os preceitos.[30] Reconhecido o afastamento de uma concepção absolutista do direito de propriedade e a sua sujeição a determinadas restrições legais, a eventual desconformidade constitucional de uma norma ordinária que permite a aquisição potestativa de participações sociais terá de alicerçar-se noutros argumentos que não na singela invocação daquele.
Aliás, a constatação de que o direito sobre participações sociais não integra todas as características inerentes ao direito de propriedade, em sentido restrito, logo previne contra o risco que comporta uma atitude assente em simplificações silogísticas que leve a qualificar toda e qualquer limitação ou restrição aos direitos societários como operação de “expropriação particular”, para, logo de seguida, extrapolar para a violação do preceituado no art. 62º, nº 2, da CRP, mediante a invocação da admissibilidade exclusiva da “expropriação por utilidade pública”.[31]
Longe dos estritos quadros do direito de propriedade de raiz romanística, o direito sobre participações sociais e os correspectivos direitos societários estão naturalmente condicionados pelas respectivas circunstâncias envolventes. Como bem acentua J. Engrácia Antunes, não estamos simplesmente face a um direito absoluto, dotado da eficácia erga omnes que imponha de terceiros uma atitude de mera abstenção, como ocorre com a generalidade dos direitos reais. Ao invés, a necessária intermediação de uma entidade colectiva (a sociedade), a que corresponde o capital representado pelas participações sociais, e a existência de outros co-interessados necessariamente conformam e condicionam o regime dos direitos sociais, de tal modo que se torna mais rigoroso integrá-los na chamada “propriedade corporativa”.[32]

4.2.3. Em sede do direito de sociedades encontramos diversas normas que coloram os direitos societários com tonalidades diversas das que podem encontrar-se na generalidade dos direitos reais regulados na legislação civil.
Diversos preceitos comprovam a especial sujeição das participações sociais a vicissitudes a que, normalmente, é imune o direito de propriedade qua tale. A amortização de quotas, nos termos dos arts. 232º e segs. do CSC, é bem o exemplo de que a transferência da titularidade de quotas não é figura estranha ao direito das sociedades.
Em geral, a natureza das sociedades, enquanto entes colectivos, cuja vontade é determinada pela conjugação de esforços entre os que comparticipam no respectivo capital, torna natural que, em determinadas circunstâncias, seja dado tratamento preferencial à sociedade ou a determinados sócios para garantir a sobrevivência da própria sociedade ou para potenciar os resultados que esta se propõe atingir (exercício de uma actividade, obtenção de lucros, distribuição de dividendos, etc.).[33]
Mesmo outros direitos cuja natureza “real” é bem mais acentuada do que a que emana das participações sociais não deixam de estar sujeitos a determinadas restrições que encontram justificação na tutela de outros interesses, sem que alguma vez se tenha defendido a violação do direito de propriedade tutelado na Constituição.
Vejamos alguns exemplos:
- O proprietário pode ser obrigado, em determinadas condições previstas nos arts. 90º e segs. do RAU, a outorgar com terceiros novo contrato de arrendamento habitacional. Malgrado a restrição que isso determina para o direito de propriedade, a função social da propriedade serviu de justificação para a oneração que a outorga de um contrato de arrendamento implica.
- Verificada uma situação de encravamento absoluto ou relativo de prédio rústico, se legitima o respectivo proprietário a demandar o Tribunal e solicitar a constituição ou modificação da servidão. Previsto o pagamento de uma indemnização, nos termos dos arts. 1550º e 1554º do CC, não deixamos de estar face a uma verdadeira expropriação por utilidade particular em que, apesar disso, o interesse na fruição regular do prédio encravado (prédio dominante) acaba por se sobrepor ao do proprietário do prédio serviente.
- Maior analogia com a situação ajuizada se verifica quando convocamos o regime jurídico-civil da compropriedade. Vigorando aí a regra geral segundo a qual nenhum dos contitulares é obrigado a permanecer na indivisão (art. 1412º do CC), constata-se que, sob a capa de uma maior tutela do direito de propriedade individual, se admite, em situação de indivisibilidade, que o bem seja totalmente adjudicado a um dos comproprietários ou vendido a um terceiro (art. 1052º do CPC). Também aqui pode visionar-se, sem dificuldade e com plena justificação, um caso de alienação compulsiva de um direito sobre bem em cuja titularidade comparticipam outros interessados.
 
4.2.4. Suposta a natureza não absoluta do direito de propriedade e tendo em conta a necessidade de se estabelecer uma concordância prática que atenda a outras normas constitucionais, verificamos que o legislador ordinário, ao prever a aquisição potestativa de participações sociais, atribuiu relevo à constituição de grupos de sociedades, através do domínio total, como um dos meios de prossecução dos fins sociais e ponderou, também, como valor constitucionalmente relevante, o direito de iniciativa económica privada.[34]
Deste modo, reconhecida a possibilidade de existirem restrições que se imponham aos titulares das participações sociais, desde que seja assegurada uma forma justa de compensação dos prejuízos, não vemos que possa imputar-se à norma que permite a aquisição potestativa o vício da desconformidade com a Constituição, na parte em que nesta se tutela a propriedade.[35]
Será, admita-se, uma solução passível de crítica, mas que, apesar disso, se contém nos limites da Constituição e se enquadra no plano da discricionariedade conferido ao poder legislativo.

4.3. Da violação do princípio da proporcionalidade:
4.3.1. Objecta-se, no entanto, que a solução legal é desproporcionada, isto é que, tendo em conta os objectivos que se visaram ao nível da constituição e regulação dos grupos de sociedades, não se mostra adequada uma solução que, permitindo à sociedade dominante adquirir a totalidade do capital social, acaba por retirar aos sócios minoritários o direito sobre as respectivas participações sociais.
Nestoutra perspectiva, a inconstitucionalidade da norma ordinária já não derivaria da incompatibilidade com um preceito constitucional, antes com o princípio da proporcionalidade que enforma todo o sistema jurídico, limitando os poderes de conformação legislativa.
Não cremos que possa admitir-se esta tese.

4.3.2. Os contornos do referido princípio têm sido insistentemente referidos em diversos arestos do Tribunal Constitucional, algumas vezes para motivar, através da invocação da sua violação, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
De tudo quanto se tem dito acerca dele ressalta a ideia de que a sua violação, mediante a intervenção do legislador ordinário, só se verifica quando seja clara, manifesta, evidente. Assumindo-se que o legislador ordinário não pode deixar de ter uma certa margem de liberdade na adopção de medidas de política legislativa, deve concluir-se que apenas normativos que comportem resultados irrazoáveis podem dar azo a uma declaração de inconstitucionalidade.[36]

4.3.3. No caso concreto, não nos parece que os argumentos invocados pela apelante e que já foram empregues no citado Acórdão do STJ e nas alegações do Provedor de Justiça para o Trib. Constitucional configurem uma situação de desproporção manifesta, revelada, por exemplo, através de uma injusta protecção da sociedade dominante e tendo em contraponto claras e injustificadas desvantagens para os sócios minoritários.
Dito de outra forma, nada evidencia que a solução legal tenha atribuído um direito à sociedade dominante, só porque é dominante, e tenha sujeitado os sócios minoritários à transferência compulsiva do seu direito, só porque são minoritários.
A afirmação inversa traduz uma visão redutora do problema que, realçando os prejuízos que advêm para os sócios minoritários, deixa ocultas algumas vantagens que simultaneamente a lei lhes fornece. Depois, desconsideram-se ainda outros interesses que o legislador pretendeu tutelar, designadamente ao nível da concentração de capital resultante da formação de grupos de empresas, os quais podem sair prejudicados pela manutenção na sociedade de uma minoria de outros interessados.
Não se duvida que a aquisição potestativa se traduz, na prática, ainda que com uma contrapartida económica, numa “espécie de expropriação privada para os sócios minoritários”.[37] Mediante a recepção da proposta de aquisição, num momento em que seja atingida a percentagem referida na lei (90%), os sócios minoritários ficam sujeitos a que as suas participações sejam objecto de operação de transferência para a esfera da sociedade dominante, sem que possam contrariar tal pretensão.
Trata-se, no entanto de uma medida que se destina a compatibilizar o direito de propriedade corporativa com o direito a uma organização plurissocietária, permitindo a “compressão e modificação dos direitos dos sócios minoritários mediante a previsão de contrapartidas especiais destinadas à respectiva protecção”, a qual tem subjacente a lógica da compensação a favor dos sócios minoritários.[38]

4.3.4. Uma vez que, por ora, nos situamos no campo da apreciação da constitucionalidade da norma em que a R. se baseou para adquirir a quota da A. apelante, as razões que, em concreto, a motivaram não se mostram relevantes.
 O que é importante é que razões de diversa ordem (de onde não se excluem aquelas que a R. invocou, ligadas às modificações que ocorreram na actividade portuária que ambas as sociedades exercem) podem explicar e justificar o lançamento de uma proposta de aquisição compulsiva das participações minoritárias.
Ainda que, em regra, a detenção de 90% do capital se mostre largamente suficiente para estabelecer uma situação de domínio, para desenvolver uma estratégia que obedeça a uma direcção unitária, enfim, para gerir a sociedade ou provocar nesta as mais diversas vicissitudes (em último caso a aprovação de uma medida de dissolução e de liquidação), o domínio absoluto de uma sociedade que, depois disso, continue com existência jurídica própria pode revelar-se um dos passos de uma estratégia (legítima) da sociedade dominante para o desenvolvimento da sua actividade empresarial. Inversamente, é plausível que a manutenção em que, a par da sociedade dominante, persistam sócios minoritários, constitua, ao menos de forma potencial, um risco de ocorrência de perturbações na actividade da sociedade ou do grupo que àquela interesse erradicar.

4.3.5. No caso concreto, a A. detinha na sociedade dominada uma quota equivalente a 2,15% do capital (§ 7. da matéria de facto).
Em tal situação (e noutras semelhantes) a demonstração desse risco potencial resulta, por exemplo, dos seguintes aspectos:[39]
- Como resulta do art. 21º do CSC, determinados direitos são atribuídos a todos os sócios independentemente da amplitude das suas participações (intervenção nas deliberações sociais ou obtenção de informações); nos termos dos arts. 56º e 59º quaisquer sócios têm legitimidade para instaurar acções de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais (a que deve adicionar-se ainda a legitimidade para a instauração do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, nos termos do art. 396º do CPC).[40]
- A detenção de 1% do capital social confere ao accionista o direito de informação com o conteúdo previsto nos arts. 288º e 289º, nº 3, do CSC, sujeitando-se a sociedade a que sejam exteriorizados elementos ou informações que, por razões inteiramente legítimas, lhe conviria manter sigilosos; fica igualmente sujeita a ser demandada em processo especial de inquérito judicial, nos termos do art. 292º, propiciador da devassa dos elementos internos e causa de perturbação da actividade.

Para outras situações em que a percentagem dos sócios minoritários é superior à da A, verifica-se, por exemplo, o seguinte:
- A titularidade de 5% do capital legitima a instauração de acções de indemnização, nos termos dos arts. 76º e 77º, assim como, nos termos do art. 375º, nº 2, confere o direito de exigir a convocação de assembleias gerais (designadamente para motivar de seguida a instauração de acções de declaração de nulidade ou de anulação das respectivas deliberações, acompanhada ou não do procedimento cautelar de suspensão dos seus efeitos);
- No limite, a detenção de 10% do capital, por oposição aos restantes 90% concentrados numa sociedade, pode ser o suficiente para motivar a instauração de acção com vista à destituição judicial de administrador, nos termos do art. 418º.

4.3.6. Ao apresentarmos estes exemplos extraídos do CSC nem estamos sequer a representar situações, bem mais graves, em que a titularidade de uma parte residual do capital e a sua manutenção a todo o custo obedece a uma pura estratégia de perturbação da actividade societária,[41] com introdução de incidentes que dificultem o exercício da sua actividade ou com o objectivo pressionar a sociedade dominante à concessão de contrapartidas desproporcionadas em relação ao valor real das participações.[42] Assim o comprova o elevado grau de conflitualidade que grassa nos tribunais em torno de sociedades.
Para confirmar a razoabilidade, em abstracto, da medida legislativa, também não se mostra necessário evidenciar os prejuízos que podem resultar de atitudes de chicana processual, em que o sócio minoritário pode servir-se dessa qualidade para usar (ou abusar) de expedientes legais ou do recurso a instrumentos processuais, não com o fito de valorizar as participações sociais, antes de torpedear, contra a força da parte restante do capital, a actividade societária.
Perspectivando a questão sem intervenção de factores anómalos (mas que, como a experiência dos Tribunais o demonstra, são facilmente mobilizáveis no momento em que os minoritários considerem mais oportuno), a aquisição potestativa constitui uma medida que encontra nas palavras de Raul Ventura a seguinte justificação lapidar: “não se trata de retirar aos sócios minoritários um bem para dele fazer beneficiar os sócios maioritários, mas sim permitir que a sociedade siga a sua vida sem potenciais conflitos entre tão larga maioria e tão fraca minoria, designadamente que os interesses específicos desta minoria não se oponham à conjugação de interesses entre a sociedade dominante e a sociedade dependente”.[43]
Corresponde ainda, nas palavras de Menezes Cordeiro, ao “interesse geral em promover domínios totais, já que com uma participação de 90% a sociedade dominante pode, de facto, dar instruções à dominada”.[44]
Por isso, contrariamente ao referido por Menéres Pimentel,[45] não cremos que possa fazer-se do regime legal uma leitura que detecte apenas razões de conveniência do sócio maioritário que o legislador tenha injustificadamente tutelado, em detrimento dos interesses dos minoritários. Ainda que a maior parte das opções da sociedade dominada não exija a convocação de mais do que 90% do capital, outros interesses foram ponderados e que, por si, tornam inviável a formulação de um juízo de manifesta inadequação ou de evidente desproporcionalidade da medida.
O aumento da eficiência no funcionamento de uma sociedade já largamente dominada por uma outra, numa proporção de 9 para 10, constitui, por si só, um interesse suficientemente relevante para justificar uma medida legislativa que permita a aquisição das restantes participações, uma vez que coloca a sociedade dominante a coberto de intervenções, incidentes e conflitos que podem subsistir com a dispersão, ainda que minoritária, do capital.

4.3.7. Posto que a maior parte dos resultados práticos, ou seja, o domínio da vida societária, através de uma direcção unitária, possa, em concreto, ser alcançada por vias diversas da aquisição potestativa de participações, essa possibilidade abstracta não redunda numa manifesta inadequação da medida com vista à obtenção do pretendido domínio total, nem constitui, de forma desproporcionada, uma ofensa ilegítima aos direitos dos sócios minoritários.
A justa medida, que corresponde aos objectivos da proporcionalidade, é conseguida mediante a atribuição aos sócios minoritários de uma compensação económica e da outorga da faculdade de exercer, mesmo contra a vontade da sociedade dominante, o seu direito de transmissão.[46]
Por isso, reafirmando aquilo que já anteriormente se deixou expresso, estamos no campo das opções políticas do poder legislativo, que de modo algum pode deixar de gozar de uma certa margem de discricionariedade na escolha das medidas que considera mais ajustadas a alcançar o resultado pretendido em termos de regulação de grupos de sociedades.

4.4. Da violação do princípio da igualdade:
4.4.1. Mas será que, como a apelante pretende também, a aquisição potestativa tendente ao domínio total fere o princípio da igualdade?
Também quanto a este princípio, com expressa consagração no art. 13º da Constituição, são pródigas as referências em diversos acórdãos do Tribunal Constitucional que nos escusamos a reproduzir: basta realçar que tal princípio não implica o tratamento igualitário de situações diferentes; apenas obriga o legislador ordinário a tratar com equanimidade situações de semelhantes contornos.[47]
Tal princípio inunda todas as áreas do direito, sem exclusão do direito societário. Aqui impõe, designadamente, que os sócios devem ser considerados em condições de paridade, com ressalva de aspectos relativos à orgânica e funcionamento que pressuponham a diversidade de posições em função da diferente medida da participação social.[48]
Ora, o direito potestativo de aquisição integra-se na regulamentação de entidades orgânicas, como o são as sociedades comerciais, cuja actividade é naturalmente condicionada pela correlação de forças existentes em determinado momento no seio do “grémio social”.[49] O que logo isto nos sugere que, sendo claramente diversas as percentagens do capital dominante e do capital remanescente, não fere o princípio da igualdade uma tal medida legislativa, dado que as circunstâncias que interessam a cada um dos lados não são comparáveis nem em termos quantitativos, nem muito menos em termos qualitativos.
A vinculação ao referido princípio impediria, por exemplo, a previsão de uma norma que pusesse nas mãos da sociedade dominante a opção pela escolha dos sócios minoritários cujas acções pretendesse adquirir potestativamente, ou uma outra que legitimasse a sociedade dominante a remunerar diversamente uns e outros, como lhe conviesse. Também seria contrária a um tal princípio uma norma que atribuísse à sociedade dominante um poder arbitrário, insusceptível de controlo,[50] ou que previsse exclusivamente a aquisição potestativa, em benefício da sociedade, sem a correspondente concessão aos sócios minoritários do direito de alienação das suas participações, obrigando-os a continuar na sociedade mesmo quando fossem confrontados com medidas, aprovadas pela larga maioria do capital, de que resultasse uma objectiva desvalorização das suas participações.

4.4.2. Tal como foi regulada a matéria, não se antolha a existência de um desequilíbrio insustentável entre as posições jurídicas em confronto.
Efectivamente, a aquisição potestativa implica que a proposta seja dirigida a todos os sócios minoritários, por igual,[51] prevendo a lei que a determinação da contrapartida seja feita através de critérios tendencialmente objectivos .[52] Acresce que ao direito potestativo conferido à sociedade dominante corresponde, ainda que em moldes naturalmente diversos o direito de alienação atribuído a todos os sócios minoritários, o que impede uma situação de desequilíbrio resultante de uma solução que apenas acautelasse os interesses da sociedade dominante.[53]
Certamente, não emerge da regulamentação legal uma total equiparação entre os sócios minoritários e a sociedade dominante. O facto de a esta ser conferido o direito de adquirir e àqueles o direito de alienar logo sugere uma diferença substancial de posições que se reflectiu no processamento da transferência. Pode até aceitar-se que foram considerados primordialmente os interesses da sociedade dominante, disponibilizando-lhe um mecanismo directo para a concretização da aquisição, enquanto que os sócios minoritários, em situações de divergência, terão de recorrer a Tribunal.[54]
Porém, o reconhecimento de certas diferenças de tratamento (diferenciação que quase sempre se encontra presente quando estão em causa relações jurídicas bilaterais) não basta para, através de um silogismo simplista, afirmar a violação do princípio constitucional da igualdade.
No caso, além de ser visível a vontade do legislador de aproximar os planos de cada um dos sectores, observam-se ainda razões objectivas que justificam a existência de uma certa diferenciação de tratamento: para além do fosso existente entre a percentagem do capital dominante e do capital minoritário, o facto de, através da aquisição potestativa, se fomentar a concentração de sociedades e de se libertarem os grupos respectivos dos riscos que envolve a dissipação do capital são razões que justificam plenamente a medida legislativa.
 Assim, subscrevemos inteiramente as considerações de J. Engrácia Antunes sobre este ponto em concreto, quando afirma que “o exercício pelo sócio maioritário do direito potestativo de aquisição compulsiva de participações minoritárias conferido pela norma do art. 490º - não violando a esfera de protecção normativa do princípio jurídico-constitucional da igualdade (art. 13º da CRP) nem coenvolvendo uma infracção do princípio jurídico-societário da igualdade de tratamento - releva essencialmente de considerações de política legislativa no âmbito do direito das sociedades comerciais, em particular, na coerência sistemática do regime jurídico-societário vigente em sede do poder das maiorias”.[55]
Com o que somos levados a repetir, pela terceira vez, a asserção já anteriormente expressa:
Seriam, porventura, possíveis outras soluções que não passassem pela aquisição potestativa de participações sociais. Apesar disso, a medida concretamente adoptada pelo legislador não extravasou os limites do respectivo poder de conformação para, em sede de direito das sociedades, regular os grupos de sociedades.

 4.5. Sintetizando os argumentos anteriores e respondendo às demais questões suscitadas nas conclusões das alegações, em relação à constitucionalidade da medida, dizemos o seguinte:
a) Não é correcto afirmar que a aquisição potestativa seja feita no exclusivo interesse do sócio dominante. Pelo contrário, atenta a relação de clara superioridade quantitativa existente no momento da declaração e o facto de se manter a autonomia jurídica da sociedade dominada, também esta é directamente atingida pelos efeitos da aquisição, sendo diverso, a partir de então, o regime de relações entre uma e outra, e podendo derivar da absorção da totalidade do capital determinadas consequências que não seriam asseguradas pela persistência de uma situação de dispersão (ainda que mínima) do capital social (art. 490º, nº 6, e remissões para os arts. 501º a 504º do CSC).
b) Do facto de a detenção de 90% do capital já permitir uma confortável maioria que, na prática, permite à sociedade dominante ultrapassar a maior parte dos problemas ou bloqueios que possam ocorrer não decorre a ilegitimidade de o legislador consagrar uma medida como a da aquisição potestativa de participações sociais, a qual não visa simplesmente eliminar inconveniências, antes propiciar melhores condições de paz social (no seio da sociedade ou do grupo em que se insere) que favoreçam o exercício da actividade.
c) Os grupos de sociedades podem ser gerados por outras vias que não impliquem a aquisição potestativa. Porém, em situações de desacordo, como aquela que resulta dos autos, a aquisição, quando a sociedade dominante já detém, pelo menos, 9/10 do capital social, constitui uma medida que, numa perspectiva económica, jurídica e societária, tem inteira justificação, assegurada que seja a devida contrapartida.[56] Não resulta da medida legislativa uma evidente desproporção entre benefícios e prejuízos. Atenta a percentagem já detida pela sociedade dominante, a aquisição (justamente remunerada) da outra parte representa uma consequência natural.
d) A aquisição potestativa não representa, de forma evidente e desequilibrada, uma medida que fira o tratamento igualitário devidos aos sócios, além de que, por simples verificação dos números, as posições da sociedade dominante não é comparável com a dos sócios minoritário.
e) Nada permite assacar à actuação da R. a violação, em concreto, do princípio da igualdade tal como nada permite concluir que a aquisição da quota que a A. detinha se tenha revelado uma medida desproporcionada, tendo em conta o objectivo da concentração do capital e os riscos associados à persistência de sócios com participações minoritárias.
f) No caso concreto, a aquisição potestativa que atingiu a quota que a A. detinha constitui um acto que se integra numa operação mais vasta de concentração do capital desenvolvida pela R. nos anos de 1996, 1997 e 2000, como resulta do § 6. da matéria de facto, depois de goradas as tentativas de aquisição por mútuo consenso.
g) Não vemos razões que impliquem a rejeição, pela nossa ordem jurídica (ainda que com atendibilidade das ideossincrasias), da solução que ficou consagrada pelo legislador ordinário. [57]
h) Existindo consequências que, em abstracto, podem persistir, mesmo depois da apropriação e da recepção da contrapartida objectivamente fixada (direitos de natureza moral, eventuais custos fiscais determinados pela operação, possível afectação das relações entre o sócio minoritário e terceiros), os mesmos mostram-se irrelevantes para determinar consequências tão drásticas quanto a declaração de inconstitucionalidade. Com efeito, o que o título essencialmente corporiza é um direito de natureza patrimonial, correlacionado com o valor dos activos, não sendo relevante, para efeitos de verificação de desconformidade constitucional, outras consequências meramente acidentais, reflexas ou de natureza puramente teórica como aquelas que a apelante invocou.

Por isso, arredada a alegada inconstitucionalidade, a resolução do conflito passa apenas pela verificação da regularidade formal e substancial do processo aquisitivo, à face do disposto no art. 490º, nºs 2 e 3, do CSC.

5. Da nulidade da aquisição:
5.1. De entre os vícios invocados na petição, a apelante abandonou aquele que resultava da falta de concessão de um prazo para se pronunciar sobre o conteúdo da proposta de aquisição que foi formulada pela apelada (art. 12º da petição). Persiste o outro fundamento consistente na alegada falta de justificação do valor em que se traduziu a aquisição das quotas, com base em relatório de revisor oficial de contas independente (doravante ROC) de ambas as partes (art. 13º da petição).
Com o pretexto de que no próprio relatório do ROC se refere que “não foi efectuada qualquer avaliação independente”, considera a A. que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 490º, nº 2, do CSC, o que redundaria na nulidade da aquisição.

5.1.1. Tratando-se de exercer um direito potestativo extintivo, por simples manifestação de vontade da sociedade dominante, a regulamentação legal [58] pretendeu acautelar os interesses dos sócios minoritários afectados pela declaração. Para tanto, em obediência a princípios constitucionais de protecção de direitos patrimoniais, de proporcionalidade e de igualdade, o legislador criou um sistema tendente a conseguir uma contrapartida que possa considerar-se objectivamente justa.
A esse resultado apela Raul Ventura quando se reporta à necessidade de ser especificado na comunicação o valor e de este ser “justificado” por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente.[59] O objectivo é o de, por essa via, conseguir que a contrapartida traduza, pelo menos, o valor real das participações sociais adquiridas, o que fundamentalmente depende da situação patrimonial e das possibilidades de rendimento da sociedade na altura da deliberação da sua assembleia geral sobre a anexação.[60]
O mecanismo criado para efeitos de atribuição do valor não é original nem único. Os diversos autores que vimos mencionando (J. Engrácia Antunes, Menezes Cordeiro, Raul Ventura ou João Labareda) fazem referências a outras soluções com maior ou menor intervenção de órgãos jurisdicionais independente. De todo o modo, uma solução como a que está consagrada, em que o valor é o resultado da apreciação da situação patrimonial da sociedade feita por ROC independente de ambas as sociedades, constitui uma medida que, sendo devidamente cumprida, pode conduzir ao objectivo projectado pelo legislador.[61]
Porque, no entanto, a avaliação se apoia em elementos que não representam, ao menos para os sócios minoritários, valor vinculativo, é natural que surjam divergências quanto à metodologia empregue ou quanto ao próprio valor atribuído. Em tais circunstâncias, ainda que a lei o não preveja especificamente, entende-se que os sócios inconformados com os valores podem suscitar a apreciação da questão junto dos tribunais judiciais. A doutrina que sobre a matéria se tem debruçado é unânime em afirmar que, a par da legitimidade para arguição da nulidade da aquisição, em situações que se traduzam em violação da lei imperativa ou de ausência dos requisitos que condicionam a celebração da escritura, os sócios minoritários podem questionar o valor da contrapartida que a sociedade dominante pretende atribuir.[62]
O apoio para esta tese encontra-se na analogia com outras situações [63] e na necessidade de existência de mecanismos jurisdicionais que veiculem pretensões que os interessados julguem legítimas.
Resta dizer que a adjectivação de uma tal pretensão encontra o apoio necessário no processo especial regulado nos arts. 1498º e 1499º do CPC, integrando o leque daquelas que, em abstracto, estão contidas no art. 1499º.

5.1.2. A apelante insurgiu-se nos arts. 16º e segs. da petição contra o valor por que a sua quota fora avaliada, cujo resultado alegadamente se traduzira numa “contrapartida manifestamente insatisfatória”. Mas, apesar de ter aludido a um outro modo de determinação da compensação que relevava o valor patrimonial da sociedade e a capitalização dos rendimentos que anualmente poderiam ser proporcionados (como se o valor dependesse de simples cálculos financeiros e não estivesse condicionado pela actividade e pela gestão da sociedade, da inteira responsabilidade da R., enquanto sociedade dominante), não deu sequência formal a tal alegação, omitindo qualquer pretensão no sentido de o Tribunal proceder à majoração da sua quota e de condenar a R. no pagamento do valor, nos termos do art. 1498º, nº 3, do CPC.
Em vez de optar por promover a atribuição de uma compensação que atingisse os valores pretendidos, exercendo para tanto os ónus processuais correspondentes à alegação e prova dos factos, mostrou-se única e exclusivamente empenhada na declaração pura e simples da nulidade da aquisição.
Desta forma, acaba por dar à parte contrária um argumento que confirma a utilidade (e, consequente, a sua razoabilidade) da medida como a que foi accionada pela R. e que conduziu ao domínio total da sociedade C, Ldª, pois que, neste contexto, não é difícil de conceber que a manutenção da A. na titularidade do capital social poderia ser causa de perturbação da actividade societária.
Por isso, condicionado este Tribunal pela estratégia livremente assumida, mais não resta do que verificar da regularidade do processo de aquisição.

5.1.3. Nos termos do art. 490º, nº 3, do CSC, a oferta de aquisição das participações deve ser feita “mediante uma contrapartida em dinheiro ... justificada por relatório de revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas ...”.
A letra da lei não deixa dúvidas quanto ao facto de a adjectivação não ser reportada ao relatório em si ou sequer à elaboração de uma avaliação "autónoma" do valor patrimonial da sociedade para efeitos de determinação. Foi considerado suficiente, como pressuposto formal do exercício do direito de aquisição que deve estar preenchido no momento da realização da escritura pública, para efeitos de determinação do valor da contrapartida, a apresentação de uma justificação do valor da contrapartida subscrita por ROC "independente".
Ao invés do que ocorre quanto às situações inversas de alienação potestativa proposta à sociedade dominante pelos sócios em situação de minoria no capital social, em que a determinação do valor foi deixada ao Tribunal, mediante iniciativa daqueles, nos termos do art. 1498º do CPC, nos casos de aquisição promovida pela sociedade, o legislador, sem coarctar, como já se adiantou anteriormente, a possibilidade de ser solicitada a intervenção do Tribunal, considerou suficiente para a transferência das participações a apresentação de um valor chancelado por ROC independente de ambas as sociedades.
Podendo, em teoria, ser consagradas outras soluções, transpostas ou não de outros sistemas, não é de estranhar a solução que foi assumida.
As sociedades estão sujeitas a regras de organização da sua contabilidade e obrigadas, perante os sócios ou o Fisco, à demonstração dos resultados e à elaboração de balanços (com ponderação do activo e do passivo, dos bens corpóreos ou incorpóreos, das receitas e das despesas respeitantes a determinado ano económico, etc.). Por seu lado, as contas são objecto de revisão e certificação, nos termos do Estatuto dos ROC, aprovado pelo Dec. Lei nº 422-A/93, de 30-12.
Deste modo, constitui uma opção legítima do legislador a de, para efeitos de acreditação do valor das participações sociais que determinada sociedade dominante pretende adquirir, assumir os valores confirmados por um desses profissionais.
Sendo a actividade de revisor oficial de contas uma daquelas que especialmente obriga ao respeito pela verdade e pela lisura de procedimentos, não parece criticável uma tal opção que, sem embargo da posterior reapreciação judicial dos valores confirmados, permita, desde logo, operar a transferência da titularidade das participações sociais minoritárias.
Uma vez que nos termos do art. 40º do respectivo Estatuto, os ROC gozam de “completa independência funcional e hierárquica relativamente às empresas ou outras entidades a quem prestam serviços”, não existem razões para questionar, à partida, a justeza dos valores que por eles sejam confirmados na proposta dirigida pela sociedade aos sócios minoritários para efeitos de aquisição potestativa.
Porventura, na execução da tarefa de certificação das contas podem os revisores deturpar os objectivos do legislador, alijar o regime de independência ou consentir que a contabilidade reflicta uma realidade diversa da verificada. Do mesmo modo, não está afastada a possibilidade de, na análise dos elementos da contabilidade, para efeitos de determinação do valor da participação social, procederem a uma incorrecta apreciação dos elementos disponíveis.
Mas estas actuações não são nem podem constituir a regra de que deva partir-se para a análise do regime legal consagrado, sendo legítimo presumir que o legislador supôs a correcta assimilação dos deveres legais, éticos e deontológicos por parte daqueles a quem confiou as tarefas de rever e certificar contas ou de realizar outras operações acessórias como aquela em que estamos incidindo.
Por isso, como se refere na sentença e acaba por ser assumido pela própria apelante, não constitui requisito formal da aquisição potestativa uma prévia avaliação da sociedade, o que implicaria, ex novo, a apreciação de todos os elementos pertinentes. Pelo contrário, para efeitos de preenchimento dos requisitos legais, não deixa de ser “independente” uma actuação do ROC que se paute, como ocorreu no caso sub judice, pela apreciação dos elementos (oficiais) respeitantes à contabilidade da sociedade.

5.2. No caso concreto, ao mesmo tempo que a SROC declarou que "não foi efectuada qualquer avaliação independente do valor dessas quotas", acrescentou que foram "analisados os cálculos, pressupostos e justificações apresentados pelo Conselho Administração da SPC, SA., descritos no documento em anexo a este relatório", para concluir o parecer dizendo que "a contrapartida em dinheiro proposta, de 7.563.500$00 e 5.860.000$00 pelas referidas quotas, se encontra devidamente justificada ...".
Trata-se de parecer que tem subjacente elementos contabilísticos respeitantes à sociedade e em relação aos quais nem sequer foi invocada a discrepância com a realidade patrimonial. Não foi alegado pela A. que os "cálculos, pressupostos e justificações" em que o relatório se apoiou estivessem eivados de erros que determinassem, no caso, uma redução do valor proporcional das quotas que a R. pretendia adquirir.
Como já se disse, se, porventura, como refere a A. na petição, o valor da quota era superior ao oferecido pela R., a consequência jurídica não deveria buscar-se no campo da invalidade do acto de aquisição, antes na reapreciação judicial do seu valor patrimonial, sob promoção dos sócios minoritários.

5.2.1. Na tese que a A. deixou expressa na petição, a alegada irregularidade do processo de aquisição da sua quota adviria do facto de a contrapartida oferecida não se encontrar justificada por “Relatório elaborado por Revisor Oficial de Contas independente das sociedades interessadas” (sublinhado nosso) (art. 13º da petição). Mas quando seria de esperar que concretizasse os factos de onde, em seu entender, resultava a violação do requisito da “independência subjectiva” da sociedade ROC, limitou-se a citar uma parte do relatório que esta mesma subscrevera.
Nas alegações de recurso, a apelante veio afirmar que não pusera em causa a “independência da avaliação constante do Relatório”, antes a “independência do autor do Relatório de justificação da contrapartida oferecida”. E rematou que “quando a Recorrente invoca a declaração constante do Relatório de Avaliação, fá-lo em virtude de na mesma poder estar implícito (sic) o reconhecimento da falta de independência do seu autor, da qual necessariamente, decorreria a falta de independência da avaliação em si mesma” (sublinhado nosso) (fls. 253).
Trata-se de uma vã tentativa de remediar, num momento processualmente deslocado, uma falha de alegação de factos que necessariamente deveriam ter sido invocados na petição inicial, como pressuposto da alegada (e conclusiva) falta de independência subjectiva.
A aposta feita nas alegações quanto a uma situação de “dependência” da SROC em relação à R. não basta nem para inverter o sentido da sentença apelada, nem sequer para determinar o prosseguimento dos autos com elaboração de base instrutória.

5.2.2. A petição inicial, no que ao autor respeita, é o local ajustado à invocação dos fundamentos fácticos e jurídicos da sua pretensão. Apenas excepcionalmente a lei atribui relevo a factos invocados fora dos articulados, o que traduz afloramento do princípio da preclusão e se enquadra ainda na estrutura contraditória do processo, por forma a permitir a discussão dos pontos controvertidos por ambas as partes antes de serem sujeitas à apreciação jurisdicional.
Por outro lado, sem embargo da atendibilidade, em situações contadas, de factos que resultem directamente de documentos adrede apresentados com os articulados, quando seja de supor a intenção da parte de deles se servir para a motivação da sua pretensão,[64] o princípio do dispositivo que serve para conformar o objecto da lide implica o cumprimento do ónus de alegação no preenchimento da causa de pedir.
Sendo este um pressuposto processual definido, nos termos do art. 498º, nº 4, do CPC, como "facto jurídico de que procede a pretensão deduzida", e assumida pelo nossos sistema a opção pela sua substanciação, o cumprimento do ónus de alegação implica para o autor, no mínimo, a articulação dos factos essenciais de cuja prova, à face da norma aplicável ao caso, dependia a procedência da acção.

5.2.3. Ora, no caso concreto, invocada a nulidade da aquisição e tendo esta subjacente a omissão do requisito legal da independência do ROC que subscreveu o relatório, era incumbência da A., ora apelante, carrear para os autos, logo na petição, os factos concretos, isto é, as ocorrências ou constatações da vida real que, uma vez comprovadas, permitissem ao Tribunal a quo confirmar a ausência daquele pressuposto substancial da aquisição potestativa.
Considerando o significado atribuído ao conceito de "revisor independente", nos termos e para efeitos do art. 490º, nº 2, do CPC, a invocação da nulidade da aquisição implicava, mais do que a alegação em termos conclusivos de tal segmento normativo, a invocação dos factos concretamente reveladores da falta de independência, para serem submetidos ao contraditório e sujeitos ao direito probatório formal e material.
Uma situação de dependência, contrária aos objectivos previstos pelo legislador, poderia, eventualmente, emergir da alegação e prova da existência de uma relação de subordinação entre a R. e a SROC e que naturalmente condicionasse a avaliação ou a emissão de parecer caracterizado pela autonomia, objectividade, imparcialidade e equidistância. Poderia ainda resultar da alegação de que a SROC era quem assegurava a revisão da contabilidade da R. ou de empresas suas subsidiárias.
Não seguiu a A. este caminho. Como era seu ónus, não invocou, em termos expressos, qualquer facto que, em tese, pudesse ser reconduzido a uma situação de dependência (ou de falta de independência).
Ainda que para o caso pudesse ser sustentada a eficácia de uma mera alegação implícita, sempre se revelaria insuficiente reproduzir um trecho do documento subscrito pela própria sociedade ROC cujo sentido, além do mais, está longe de ser inequívoco, como o revelam as considerações que a esse respeito foram feitas na sentença ou nas alegações e contra-alegações.
A mera invocação, como facto constitutivo da alegada nulidade da aquisição, da expressão que foi empregue no relatório, além de se revelar insuficiente para integrar o pressuposto da causa de pedir, não consegue, por si, arredar a equivocidade da expressão, cujo sentido mais natural envolve a assunção da ausência de uma avaliação autónoma, e não tanto, como pretende fazer crer a apelante, a "confissão" (que a todos os títulos seria anómala) de que ao subscritor do relatório faltaria o requisito da "independência".
Em situação de tamanha gravidade como aquela de que trata o presente caso, não se compreende que, em vez de assumir uma clara posição sobre o assunto, a A. se tenha refugiado em meias palavras ou em factos pretensamente implícitos, ainda assim, resultantes de uma subjectiva interpretação de um documento, o qual nem sequer é subscrito pela R., mas por uma terceira entidade que não é parte na causa.
Apesar de ser outro o momento propício ao exercício do ónus de alegação, nem sequer nas alegações de recurso a questão ficou resolvida, pois nem aí a apelante assumiu, com a inequivocidade que se impõe quando se reclamam direitos e se invocam violações da lei, uma qualquer ligação profissional entre a SROC e a R. ou a existência de qualquer outro nexo objectiva ou subjectivamente revelador de uma situação de falta de isenção no exercício da tarefa de que a SROC foi incumbida. A alusão a uma indefinida “relação de carácter profissional” (fls. 253) surge, ainda assim, no âmbito de uma formulação negativa que nem sequer corresponde ao segmento normativo por que a A. deveria orientar-se na sustentação da sua pretensão.
Em suma, também as alegações da A. continuam a revelar a ausência de posição inequívoca quanto ao facto de a SROC ser ou não uma entidade independente relativamente à R., por algum dos factores acima indicados ou por causa de outros reveladores de uma situação de dependência.

5.3. Por fás e por nefas, o que cumpre constatar é que a A., quando para tal teve a oportunidade, não concretizou minimamente os factos reveladores da falta de independência.
Não tendo sido feita a alegação, em termos formalmente aceitáveis, de factos integradores do segmento normativo de cujo preenchimento dependia a declaração de nulidade da aquisição potestativa, não pode este Tribunal da Relação (tal como não podia o Tribunal a quo) extrair da actuação da R. o pretendido reconhecimento da falta de independência.
Arredados, por opção da A., os factos consubstanciadores da falta do requisito da independência, não se concebe a invocação, contra a sentença apelada, da necessidade de os autos prosseguirem com formulação da base instrutória, a qual, como resulta à evidência do art. 511º do CPC, está condicionada pela existência de verdadeiros factos (alegados e controvertidos), que não da mera invocação de juízos de valor ou de afirmações conclusivas e que configuram matéria de direito.
Por conseguinte, confirmado que foi pela SROC o valor que a sociedade anteriormente indicara para efeitos de aquisição da quota da A. e não tendo esta questionada, em termos processualmente adequados, o factor da "independência" da sociedade ROC face aos interessados, não se verifica qualquer irregularidade passível de conduzir à declaração de nulidade do processo aquisitivo.
A confirmação da sentença, peça processual que se mostra exemplar na forma e no conteúdo, é o resultado que se impõe.

IV – Em síntese:

A norma do art. 490º, nº 3, do CSC, que confere à sociedade detentora de 90% do capital social de uma outra o direito potestativo de aquisição das restantes participações, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, não está ferida de inconstitucionalidade material, designadamente não representa uma violação ilegítima do direito de propriedade, nem dos princípios da proporcionalidade ou da igualdade.
Para efeitos de apreciação da regularidade do processo aquisitivo basta que o valor da contrapartida oferecida pela sociedade dominante seja justificado por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente de ambas as sociedades, ainda que a partir da análise de elementos da contabilidade da empresa fornecidos pela administração.
Tal não obsta a que, mostrando-se insuficiente a contrapartida oferecida, face ao valor real da participação, o sócio minoritário solicite ao tribunal a sua majoração, ao abrigo do processo especial regulado nos arts. 1498º e 1499º do CPC.

V – Em conclusão:
Face ao exposto, nesta Relação de Lisboa acorda-se em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta sentença.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.
Lisboa, 29-10-02
 (António Santos Abrantes Geraldes)

 (Manuel Tomé Soares Gomes)

 (Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)
______________________________________________________

[1] São em PTE todos os valores que se indicam.
[2] Relativamente às sociedades abertas, isto é, sociedades com capital aberto ao investimento público rege o disposto no Código de Valores Mobiliários (aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13 de Novembro), designadamente o disposto nos arts. 194º e segs., tendo em conta o aditamento do nº 7º ao art. 490º do CSC, determinado pelo art. 13º, nº 5, daquele decreto preambular.
[3] Sendo função da lei o enquadramento e regulamentação, em termos gerais e abstractos, de determinadas realidades, a ratio da aquisição potestativa encontra-se precisamente na busca de mecanismos tendentes a evitar o perigo de perturbação da sociedade dominada (ou do grupo em que se insere). Por isso, como refere Raposo Bernardo, o “legislador ponderou os interesses subjacentes à manutenção de uma situação que, possivelmente, não servirá a sociedade dominante nem os sócios minoritários da dominada” – A Aquisição do Domínio Total nas Sociedades Comerciais (Dissertação de Mestrado, policopiada, na Biblioteca da FDUL, 1997), pág. 11.
[4] Como realça Raposo Bernardo, “à sociedade dominante pode interessar a ligação a certos minoritários, preferindo a manutenção destes no capital da dominada, o que pode ficar a dever-se a motivos tão variados como a facilidade por estes proporcionada na penetração de certos mercados, o aproveitamento de importante know-how ou mesmo a associação à imagem por alguns elementos da minoria” – ob. cit., págs. 115 e 116.
[5] Refere J. Engrácia Antunes que “a finalidade é a de propiciar à sociedade participante a substituição da sua estrutura unissocietária por uma estrutura plurissocietária ou de grupo através da aquisição do domínio total da participada, garantindo que uma eventual estratégia de agrupamento não se verá dificultada ou mesmo frustrada por sócios minoritários dissidentes, detentores de pequenas fracções de capital da sociedade participada” - A Aquisição Tendente ao Domínio Total – Da Sua Constitucionalidade, pág. 28.
Para Eliseu Figueira, subjacentes às medidas de concentração empresarial estão “razões económicas que radicam na lógica da relação estrutural da produção numa economia de mercado, onde a dinâmica - baixa de custos/desenvolvimento tecnológico -, para além da eliminação das empresas marginais e consequente concentração, impõe o agrupamento de empresas para satisfação das exigências de adequação das suas dimensões às acrescidas necessidades de produção, à procura de produtos sempre mais diversificados e à necessidade de enfrentar uma concorrência cada vez mais aguerrida” (CJ, 1990, tomo IV, pág. 38, onde se alinham outras vantagens decorrentes da concentração).
[6] Segundo J. Engrácia Antunes, a empresa plurissocietária constitui uma modalidade nova que representa uma técnica jurídico-organizativa através da qual um conjunto mais ou menos vasto de sociedades juridicamente independentes é subordinado a uma direcção económica unitária e comum (A Aquisição cit., pág. 116).
Segundo M. Graça Trigo, "o papel do regime de aquisições tendentes ao domínio total é o de favorecer a formação de um grupo de sociedades em sentido próprio. A anexação constitui, a par do contrato de subordinação, um instrumento de organização jurídica do grupo” (Grupos de Sociedades, publicado em O Direito, ano 123º, pág. 79).
[7] Como refere Menezes Cordeiro, num plano diverso, a operação de take-over pode constituir também uma via de alcançar uma situação de domínio susceptível de criar sinergias no grupo, através de laboração concertada subsequente (Da Tomada de Sociedades (Take-over), ROA, ano 54º, pág. 768.)
[8] Com toda a clareza, Raul Ventura explica que a aquisição é um “sucedâneo da dissolução total da sociedade. Dispondo de tão grande maioria na sociedade dependente, a sociedade dominante poderia dissolver aquela e liquidá-la, recebendo os sócios minoritários o valor correspondente às suas quotas ou acções”, para concluir que, na prática, estamos face a uma dissolução parcial (Estudos Vários Sobre Sociedades, pág. 168).
[9] Este objectivo é expressamente apontado por M. Graça Trigo quando refere que se pretendeu “evitar a fraude à lei, o que aconteceria se existisse uma participação muito elevada no capital de uma sociedade, não atingindo, porém, a totalidade, para não incorrer no regime de grupo com todas as consequências a este inerentes” (ob. cit., pág. 77).
[10] A incompreensão do regime e recusa da sua aceitação encontra alguma justificação no facto de se tratar de uma solução inovadora, sem tradição na nossa ordem jurídica, pois, como refere M. Graça Trigo, “o facto de se tratar de um regime fabricado e não progressivamente formado – acompanhando a evolução das realidades económico-sociais – constitui precisamente a principal fragilidade do sistema” (Grupos de Sociedades cit., pág. 112). Aí alerta para as “previsíveis avultadas dificuldades de assimilação e aplicação do regime legal, na sequência do que sucedeu tanto na RFA como no Brasil após a introdução das respectivas leis”.
A mesma justificação para uma determinada incompreensão do regime e para a recusa da sua aceitação é apresentada por Raposo Bernardo, quando constata que “o regime foi concebido sobretudo com base em elementos dogmáticos recolhidos de outros ordenamentos jurídicos que, por isso, se ressente da falta, não apenas de estudos de base determinantes para a adopção de certas soluções, como de uma insuficiente recepção de elementos proporcionados pela praxis” – ob. cit., pág. 55.
[11] Tal como o art. 6º do Estatuto de Sociedade Europeia.
[12] Assim ocorre com a proposta de 9ª Directiva da CEE sobre Grupos de Sociedades.
[13] Cfr. Menezes Cordeiro, BMJ 480º, pág. 19, e Manual de Direito Comercial, II vol., págs. 106 a 111, Raul Ventura, Grupos de Sociedades, ROA, ano 41º, pág. 310, e António Caeiro, Princípios Fundamentais da Reforma do Direito das Sociedades, na Rev. Textos – Sociedades Comerciais, ed. do CEJ, pág. 36. Cfr. ainda M. Graça Trigo, Grupos de Sociedades, cit., pág. 112, quando se reporta à “influência de diferentes fontes normativas e, em particular, do projecto de regulamentação do direito comunitário”.
[14] Cfr. Cecília Xavier, in Coligação de Sociedades Comerciais, na Rev. da Ordem dos Advogados, ano 53º, págs. 575 e segs.
[15] Corresponde ainda a soluções que vigoram nos Estados Unidos da América.
Sobre os sistemas elencados e com indicações relevantes sobre a identificação de cada uma das figuras, cfr. J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., págs. 49 e segs., Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 13 e segs., e Raul Ventura, Estudos Vários Sobre Sociedades, pág. 162.
Conforme ilustra J. Engrácia Antunes, em A Aquisição cit.,:
- Nos EUA admitem-se generalizadamente técnicas no quadro de reorganização da estrutura jurídica da sociedade, designadamente na formação de grupos societários, tendo em consideração as sinergias económicas, tributárias e organizativas resultantes da integração empresarial entre os negócios da sociedade-mãe e respectivas sociedades-filhas (ob. cit., pág. 49).
- No Reino Unido prevê-se a figura da compulsory acquisition, sujeita a fiscalização judicial preventiva (ob. cit., pág. 41), podendo pedir-se a intervenção do tribunal para autorizar ou não a oferta compulsiva de aquisição ou fixar condições diferentes (ob. cit., pág. 47, nota 57).
- Na Alemanha regula-se a figura da integração ou anexação, justificada como medida de reorganização da estrutura jurídica da empresa social alternativa à fusão, permitindo obter vantagens resultantes da combinação entre a manutenção da individualidade jurídica das sociedades-filhas e a subordinação do conjunto a uma direcção económica unitária. (ob. cit., pág. 52).
- Na França a figura toma a designação de oferta de exoneração cuja justificação se explica pela necessidade de preservar a eficácia das ofertas de aquisição, como mecanismo de controlo intersocietário, pelo favorecimento da integração económico-financeira entre sociedades que se encontrem em estreita relação de domínio intersocietário ou pela intenção de permitir à sociedade oferente a possibilidade de retirar a sociedade visada do mercado (ob. cit., pág. 56).
[16] J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., pág. 32, nota 41.
[17] A Aquisição cit., pág. 52.
[18] Afirmada, aliás, pelo Tribunal de Apelação de Paris no caso Sógenal (J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., pág. 55). Por isso, como refere este autor, no estádio actual, as dúvidas não giram tanto em torno da inconstitucionalidade, antes da regularidade do processo de avaliação das acções e das garantia dos accionistas minoritários, segundo métodos objectivos de avaliação, tendo em conta o valor dos activos da sociedade, a rentabilidade e capitalização bolsista e as sinergias resultantes do agrupamento emergente da participação totalitária (A Aquisição cit., nota 97).
Informações adicionais sobre a evolução em França e comparação com o sistema espanhol, podem encontrar-se ainda em http://perso.wanadoo.fr/alba/oferta.htm, onde se reproduz o trabalho de Piérre Alfredo publicado na Rev. de Derecho Mercantil, nº 237, Julho/Setembro, de 2000, intitulado "El precio ofrecido en la oferta de exclusion: uma aproximación comparatista franco-española".
[19] Segundo o sumário do Acórdão de 12-10-82, publicado em Documentação e Direito Comparado, nºs 27/28, de 1986, págs. 360 e segs., “não é contrária ao art. 1º do 1º Protocolo a lei que obriga, em certas circunstâncias, os accionistas minoritários a ceder as suas acções à accionista maioritária pelo preço determinado na mesma lei”. E “o direito das pessoas ao respeito pelos seus bens não impede o legislador de modificar, quando e como o julgue necessário, as normas de direito privado com repercussão no património dos particulares, ressalvado que seja o necessário equilíbrio”.
Este aresto também é citado por J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., pág. 60, e por Raul Ventura, Estudos Vários Sobre Sociedades, pág. 162.
Segundo o art. 1º do 1º Protocolo, “toute personne physique ou morale a droit au respect de ses biens. Nul ne peut être privé de sa proprieté que pour cause d’utilité publique dans les conditions prévues par la loi et les principes généraux du droit internationel”.
[20] Note-se que o juízo de constitucionalidade que se faça relativamente á norma do art. 490º, nº 3, do CSC, é necessariamente transposto para idêntico mecanismo legal que, ao abrigo do nº 7 daquela norma, permite a aquisição potestativa de acções no âmbito de sociedades com capital aberto ao investimento público, nos termos dos arts. 194º e segs. do Código de Valores Mobiliários aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13 de Novembro.
 ao art. 490º do CSC, determinado pelo art. 13º, nº 5, daquele decreto preambular.
[21] Terá sido ainda acolhida no âmbito de um recurso de agravo em procedimento cautelar comum, em acórdão desta Relação, a que se sucedeu o Ac. do STJ, de 20-11-01, no processo nº 1391/01, cujo sumário está acessível em www.stj.pt (Rel. Cons. Ferreira Ramos). Como resulta deste último aresto, a cujo texto acedemos, a inconstitucionalidade do art. 490º do CSC serviu para que a Relação sustentasse a adopção das medidas cautelares decretadas na 1ª instância. Suscitada de novo a questão, foi adoptado pelo STJ o entendimento de que os procedimentos cautelares não se adequam à apreciação de matéria de constitucionalidade.
[22] As respectivas alegações mostram-se acessíveis através de www.provedor-jus.pt. Mas as questão, suscitada em 27-4-99, através do pedido nº R-3158/97, ainda não foi apreciada. O trabalho de Menéres Pimentel (então Provedor de Justiça), intitulado “O Art. 490º, nº 3, do CSC será inconstitucional?”, publicado em Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, págs. 515 e segs., acaba por reflectir, ponto por ponto, o teor de tais alegações.
[23] A Aquisição Tendente ao Domínio Total – Da Sua Constitucionalidade.
[24] BMJ 480º.
[25] BMJ, 480º, pág. 22.
[26] Cfr. Brito Correia, Direito Comercial, II vol., págs. 289 a 292.
[27] Neste sentido cfr. Vital Moreira e Gomes Canotilho, para quem "o direito de propriedade não coincide com o conceito civilístico tradicional, abrangendo não a propriedade de coisas (mobiliárias e imobiliárias) mas também a propriedade científica, literária e artística e outros direitos de valor patrimonial (direitos de autor, direitos de crédito, direitos sociais)" (sublinhado nosso) – Constituição da República Portuguesa anot., 3ª ed., pág. 331.
Algumas das características apontadas aos direitos sociais acabam por reflectir a protecção que merecem da lei fundamental. Assim, como refere João Labareda, a qualidade de accionista importa por si o “direito à manutenção da posição social”, de modo que o “sócio não pode ser afastado da sociedade por simples vontade ou capricho dos outros sócios, sem ocorrência de um facto a que seja atribuída a virtualidade de justificar o afastamento compulsivo” (Das Acções das Sociedades Anónimas, págs. 201 e 203).
A integração dos direitos sociais num conceito amplo de direito de propriedade também é aceite ao nível do direito internacional, conforme resulta do citado acórdão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, em cujo sumário se refere textualmente que “as acções das sociedades anónimas são bens susceptíveis de direito de propriedade”.
[28] Menéres Pimentel, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, II vol., pág. 517, citando também Alves Correia. Também assim no direito alemão, segundo Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 18.
[29] Menéres Pimentel, ob. cit., pág. 519.
[30] Trata-se, aliás, de argumentação que, segundo Menezes Cordeiro, também foi usada pelo Tribunal Constitucional alemão, para rechaçar uma alegada inconstitucionalidade de normas sobre aquisição potestativa. Como refere, “o direito conjugado na acção não fica incondicionalmente limitado contra deliberações da maioria”, pois que tal direito conhece casos de dissolução por decisão (meramente) maioritária. Assim, defende este autor que a aquisição potestativa se insere naturalmente numa “típica relação de grupo de sociedades”, grupos estes que derivam da liberdade de empresa, havendo que proceder a uma ponderação entre os interesses contrapostos e fazendo prevalecer a orientação da sociedade dominante (BMJ 480º/18).
Outrotanto é defendido por J. Engrácia Antunes, para quem a concordância prática dos preceitos constitucionais impõe que se considere, a par da propriedade, a liberdade de organização da empresa: individual, unissocietária e plurissocietária (A Aquisição cit., págs. 115 e 116).
[31] Trata-se de um dos argumentos que serviu para decretar uma providência cautelar inibitória, em sede de aquisição potestativa de acções, como resulta da decisão de 1ª instância publicada nos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 6, págs. 241 e segs.
[32] No entender desse autor, daqui resulta que o conteúdo e extensão da propriedade da participação detida por um sócio encontram-se expostos às vicissitudes emergentes de princípios básicos que orientam o respectivo processo deliberativo-organizacional: as quotas não podem ser concebidas como objecto de direitos subjectivos a se, antes como títulos que incorporam posições jurídicas activas e passivas cujo exercício e alcance se tem de conformar com manifestações de vontade colectivamente vinculantes resultantes das deliberações da maioria (A Aquisição cit., pág. 80).
[33] Assim, como refere J. Engrácia Antunes, estamos face a um tipo de propriedade cuja tangibilidade é condicionada pela força da mediação corporativa dos direitos e obrigações inerentes e da compressão que decorre da lógica organizacional maioritária (A Aquisição cit., pág. 81).
[34] Ideia que, inclusive, é assumida por Menéres Pimentel, ob. cit., pág. 519.
[35] Referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, que "o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição". Acrescentam ainda que o "direito de não ser privado" do direito de propriedade "não goza de protecção constitucional em termos absolutos, estando garantido apenas um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado nos casos de desapropriação" (ob. cit., págs. 332 e 333 e 334, respectivamente.
[36] Segundo Vital Moreira e Gomes Canotilho, "os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas, desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos" – ob. cit., pág. 152.
[37] J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., pág. 118. Num outro local considera tratar-se de uma “verdadeira oferta pública de aquisição coactiva” (Os Grupos de Sociedades, pág. 732).
[38] J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., págs. 118 e 119.
[39] Algumas das razões apontadas foram julgadas insuficientes por Menéres Pimentel para evitar o juízo de inconstitucionalidade, conforme resulta do trabalho intitulado “O art. 490º, nº 3, do CSC será inconstitucional?”, inserido na obra Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, II vol., págs. 515 e segs., e que, na prática, reproduz as alegações apresentadas junto do Tribunal Constitucional com vista à declaração de inconstitucionalidade, que podem ser consultadas em www.provedor-jus.pt.
São estas também algumas das razões que, para Menezes Cordeiro, permitem afirmar a constitucionalidade da medida de aquisição potestativa, como se explica no trabalho intitulado “Da constitucionalidade das aquisições tendentes ao domínio total”, publicado no BMJ, 480º, págs. 5 e segs.
[40] Os efeitos previstos no art. 397º, nº 3, do CPC, que se produzem logo a partir da citação, sem necessidade de esperar por qualquer decisão judicial de fundo, revelam, sem grandes esforços, os prejuízos (reais ou potenciais) que podem advir da persistência de sócios detentores de uma ínfima parte do capital.
[41] Como alerta Menezes Cordeiro, “uma minoria de 10% devidamente motivada pode funcionar como factor de bloqueio, sobretudo quando a sociedade, em obediência a uma lógica de grupo, seja obrigada a encetar medidas de tipo impopular” (BMJ 480º, pág. 25).
[42] Sugestivamente, como refere Menezes Cordeiro, semelhante medida foi introduzida em França precisamente para combater a “actuação dos raiders que, adquirindo posições minoritárias, levantavam, depois, uma chuva de dificuldades e incidentes, de modo a venderem as suas posições, hipervalorizadas, a preços especulativos” (BMJ 480º, pág. 16).
Efectivamente, a manutenção de posições minoritárias comporta o perigo de prática de manobras de verdadeira "guerrilha", como referem M. Cozian e A. Viandier, na sua obra Droit des Societés, 13ª ed., pág. 376.
[43] Estudos Vários Sobre Sociedades, pág. 168.
[44] BMJ 480º, pág. 23.
[45] Ob. cit., pág. 521.
[46] J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., pág. 123, e Os Grupos de Sociedades, pág. 736.
[47] No Ac. do Trib. Constitucional, de 19-6-02, publicado no D.R., II Série, de 24-7-02, reportando-se ao princípio da igualdade, assume-se, como orientação uniforme desse Tribunal a de que tal princípio não proíbe o legislador de fazer distinções, mas “proíbe apenas a diferenciação de tratamento sem fundamento sério bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes”. E que, “como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações de tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante”.
No mesmo sentido cfr. Vital Moreira e Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 127.
[48] João Labareda, Das Acções das Sociedades Anónimas, pág. 215.
[49] J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., pág. 141.
[50] J. Engrácia Antunes, A Aquisição cit., págs. 142 e 125.
Refere Raposo Bernardo que “a própria natureza da oferta seria incompatível com a fixação de contrapartidas variáveis em função do sujeito” – ob. cit., pág. 189.
[51] Este é o aspecto realçado por Raul Ventura, Estudos Vários Sobre Sociedades, pág. 165; e também por João Labareda, Das acções das Sociedades Anónimas, pág. 276, nota 2.
[52] A previsão de uma regra objectiva de fixação do preço constitui um dos argumentos empregues por Menezes Cordeiro para afastar a violação da igualdade (BMJ, 480º, pág. 10).
[53] Daí que para Menezes Cordeiro, o nº 3 do art. 490º corresponda à “outra face” do nº 6 (BMJ 480º pág. 13).
[54] Raposo Bernardo, ob. cit., págs. 117, 118 e 193.
[55] A Aquisição cit., pág. 142, nota 288.
Acentuando a proibição do arbítrio, para compreensão do princípio da igualdade, cfr. Vital Moreira e Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 127.
[56] Mais do que uma análise atomística do preceituado no art. 490º, nºs 2 e 3, do CSC, impõe-se uma leitura que integre a medida aí prevista como o último passo de uma estratégia delineada pela R. e que passou pela aquisição paulatina (por vias de negociação com outros sócios) da maior parte do capital social da sociedade dominada, no período de 1995 a 1997. Constitui assim, como na maior parte das situações a que o legislador, antecipadamente e de forma generalizada se quis dirigir, a “última fase de um processo de concentração intersocietário”, de modo que a “aplicação do regime não se reduz apenas a uma aquisição do capital remanescente, começando a sua aplicação a ser integrada em estratégias empresariais de concentração societária” (Raposo Bernardo, ob. cit., págs. 47 e 21, respectivamente). No mesmo sentido J. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, pág. 727.
[57] Note-se que uma declaração de inconstitucionalidade deveria abarcar igualmente a aquisição de acções referentes a sociedades com capital aberto ao investimento público, nos termos do nº 7 do art. 490º do CSC, e dos arts. 194 e segs. do Código de Valores Mobiliários (aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13 de Novembro).
[58] Segundo J. Engrácia Antunes, “a disciplina da oferta, objecto, conteúdo e características desta contrapartida – absolutamente crucial para a economia geral do instituto jurídico-societário em apreço – não mereceu particular atenção por parte do nosso legislador”. Por isso noutros países se tem tornado na pedra angular do debate doutrinal e jurisprudencial da litigância judicial nesta matéria (A Aquisição cit., pág. 32 e nota 41).
[59] In Estudos Vários, pág. 166. Brito Correia apela à fixação de uma “contrapartida fundamentada”, Novas Perspectivas de Direito Comercial, pág. 397.
A solução legal representou um avanço em relação ao que estava previsto no projecto, onde a fixação do valor era da exclusiva responsabilidade da sociedade dominante. Como refere Fernando Castro Silva, na Rev. do Notariado, 1986, nº 4, pág. 521, "a contrapartida oferecida pela sociedade dominante passa a ter de ser justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente, quer em relação à dominante quer à dependente, o que poderá evitar o recurso sistemático às instâncias judiciais para fixação daquela contrapartida como o Projecto deixava adivinhar".
[60] Raul Ventura, Grupo de Sociedades, ROA, ano 41º, pág. 308.
Segundo João Labareda, no art. 490º, nºs 3 e 4, “está manifestamente pressuposto que o ROC, ao elaborar o seu relatório, determinará o valor real da acções. Esse será o valor mínimo a pagar pela sociedade dominante” (Das acções das Sociedades Anónimas, pág. 276, nota 1).
[61] Segundo J. Engrácia Antunes, “assume um fundamental relevo preventivo para a protecção do sócio minoritário o parecer elaborado sobre as contrapartidas pelo revisor oficial de contas nomeado” – Os Grupos de Sociedades, pág. 737.
[62] Ver por todos J. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, pág. 737.
[63] Como refere J. Engrácia Antunes, “não obstante o silêncio do legislador, a tutela da posição dos sócios minoritários exige o reconhecimento a estes de um direito a oporem-se judicialmente à oferta de aquisição com base na eventual irregularidade da oferta propriamente dita ou do direito a contestar judicialmente a insuficiência ou inequidade das contrapartidas oferecidas” (A Aquisição cit., pág. 36). Anteriormente afirmara que a integração dos aspectos lacunares deve ser procurada nos quadros normativos de referência onde a problemática se insere, mediante o recurso aos princípios e regras fundamentais aí previstos para operações análogas ou equivalentes, nos termos dos arts. 494º, nº 1, e art. 499º do CSC, e arts. 194º a 197 do CVM (pág. 33). Acaba por concluir que a possibilidade prevista no nº 6 também deve ser aplicável à oferta voluntária, por argumento de identidade de razão e por analogia com o nº 1 do art. 497º (pág. 36).
Também Raul Ventura é claro quando afirma que, embora a aquisição de acções se processe sem intervenção do Tribunal, isso não afasta a possibilidade de este intervir, a requerimento de accionistas discordantes, propondo acção declarativa negativa quanto aos pressupostos da aquisição (Estudos Vários Sobre Sociedades, pág. 167). Para o caso de não ser oferecida qualquer indemnização ou de esta se revelar inadequada, defende igualmente que qualquer accionista interessado requerer, dentro de certo prazo, a sua fixação judicial (Grupos de Sociedades, ROA, 41º, pág. 308).
No mesmo sentido se pronuncia João Labareda para quem se deve equiparar ao caso de a sociedade dominante não fazer a oferta de aquisição a situação de “a sociedade fazer oferta por valor inferior ao real, ainda que de acordo com o relatório do ROC. Neste caso compete ao accionista demonstrar que o valor oferecido pela dominante estava abaixo do valor real” e obter a diferença que se apurar (ob. cit., pág. 276, nota 1, e pág. 278, nota 1).
[64] Matéria que, apesar de tudo, não é líquida, como o demonstram decisões que sobre a questão têm decidido de modo diverso. Ver, por todos, num sentido e no outro, o Ac. do STJ, de 22-4-97, CJ, tomo II, pág. 60 (negativo), e o Ac. do STJ, de 8-2-94, CJ, tomo I, pág.85(afirmativo).