Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1322/2008-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Quando a fracção autónoma de um prédio em propriedade horizontal padece de um defeito que objectivamente a desvaloriza (as fracções que disponham de um lugar de estacionamento têm uma valor superior no mercado imobiliário) e ao mesmo tempo inviabiliza a realização do fim para que foi adquirida, ou seja, a utilização da garagem para recolha do seu veículo e que se o autor tivesse sabido das condições relatadas não teria adquirido a fracção.
2. No quadro da responsabilidade pré-contratual, por oposição ao dano decorrente da execução do contrato, a indemnização visa o chamado interesse contratual negativo, isto é, a reparação dos danos que a parte inocente não teria sofrido se não fosse a expectativa na conclusão do negócio frustado ou das vantagens que teria beneficiado se não se tivesse gorado aquela expectativa.
3. A omissão do dever de informação pré-contratual, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, pelo que deve indemnizar os danos emergentes e lucros cessantes (artigo 483º, do Código Civil).
(PLG)
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


S… demandou C…,Lda. e Município de …pedindo: I) a anulação do contrato de compra e venda que celebrou com a 1ª ré, relativo à fracção autónoma “…”,…andar direito, constituída por 4 assoalhadas, uma arrecadação no sótão (nº1) e um parqueamento para o veículo na cave (nº…) do prédio sito na…, lote …,…; II) a condenação da 1ª ré a devolver ao autor o preço pago pela aquisição no valor de € 104.747,56 acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde 4/1/2003 até integral pagamento; III) a condenação solidária das rés, no pagamento dos danos patrimoniais, não patrimoniais e lucros cessantes que lhe causaram – a) € 5.918,40 a título de danos patrimoniais, acrescido da quantia mensal de € 250,00 pelo dano patrimonial que lhe causaram – a quantia de € 250,00 desde Maio de 2003, perfazendo até 31/5/2004 a soma de € 2.000,00 – até efectivo pagamento do pedido formulado em II; b) € 7.500,00 a título de danos morais; c) a quantia mensal de € 1.000,00 de lucros cessantes que o autor perdeu com a actuação das rés desde Janeiro de 2003 até efectivo pagamento do pedido formulado em II, o que até ao momento perfaz a quantia de € 12.000,00.
Alegou em síntese que, em 6/5/2002, autor e 1ª ré celebraram um contrato-promessa de compra e venda relativo à fracção letra “…” do prédio sito na…, lote ..,…..
O preço acordado foi de € 104.747,56, valor esse pago, na íntegra, pelo autor.
O prédio fora construído pela 1ª ré, tendo a 2ª ré emitido a licença de utilização
O autor tomou posse da fracção em 4/1/2003 e a escritura definitiva da compra e venda foi celebrada em 13/1/2003, tendo o autor despendido € 968,40 com a realização da escritura e o registo de aquisição.
Ao autor só foi exibida a planta da cave do edifício onde estava instalado o seu parqueamento (nº 7), não tendo sido permitido ao autor a visionação do parqueamento por alegada avaria no quadro eléctrico que não permitia o acesso à cave.
Logo que o autor teve acesso à cave constatou que esta não tinha sido construída de acordo com o projecto sendo-lhe impossível estacionar o seu veículo no lugar de estacionamento por si adquirido.
O autor de imediato comunicou às rés os defeitos da obra, nada tendo sido feito, pelo que em 13/1/2004, o autor denunciou por escrito o contrato à 1ª ré, sendo certo que, a existência de parqueamento foi a circunstância determinante para a aquisição da fracção.
Com as diligências desencadeadas para solucionar esta questão despendeu € 450,00 e perdeu cerca de € 1.500,00 em salários.
Quando tentava entrar, com o seu veículo, na garagem, uma vez que o local não permite a efectivação de manobras necessárias, ficou com o veículo entalado no portão, cuja reparação custou € 1.000,00.
Desde Maio de 2003, teve que alugar um espaço de estacionamento e um local de pernoita perto do mesmo, despendendo com isso, € 250,00/mês.
O andar foi adquirido com vista à organização da sua vida conjugal que se gorou, atentos os problemas surgidos com a fracção, situação que lhe provoca revolta, consternação e afectação psíquica e que computa em € 7.500,00.
Por força do capital investido perde € 1.000,00 de rendimento mensal.

Na contestação a 1ª ré pediu a absolvição do pedido.
Impugnou in toto o alegado pelo autor – as regras e os projectos de construção foram observados, existindo possibilidade de estacionamento; desconhece a verificação dos prejuízos sofridos, sendo os seus montantes não razoáveis.

A 2ª ré concluiu pela absolvição da instância, tendo excepcionado a incompetência material do tribunal.

Em sede de despacho saneador a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria foi julgada procedente tendo a 2ª ré sido absolvida da instância – fls. 159 a 164.

Após julgamento foi prolatada sentença que julgou a acção parcialmente procedente tendo declarado a anulabilidade do contrato de compra e venda da fracção e a restituição ao autor do valor de € 104.747,56, acrescido dos juros desde a citação até integral restituição, bem como a condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de € 659,40, acrescida dos juros desde a citação até integral pagamento e a entrega da fracção à ré pelo autor.

Inconformados apelaram autor e ré.

A ré formulou as conclusões que se transcrevem:
1ª. A recorrente cumpriu pontualmente com o recorrido a sua obrigação, ao disponibilizar conforme prometido, um lugar para o recorrido estacionar o seu veículo.
2ª. O espaço disponível é acessível, obrigando somente a algumas manobras como em qualquer estacionamento.
3ª. Manobras essas que não exigem capacidades extraordinárias por parte dos condutores de veículos de utilização particular ou familiar.
4ª. Se o recorrido não entrou nem experimentou o lugar de estacionamento que lhe estava destinado foi porque não quis e não por impossibilidade física de o fazer, como quer fazer crer.
5ª. Não se provou, apesar do relatório de peritagem requerido, que tivesse havido alterações ao projecto inicial aprovado pela CM …, motivo pelo qual foi emitida a licença de utilização.
6ª. Nunca a recorrente prometeu ao recorrido que o estacionamento que lhe estava destinado garantia o estacionamento do seu veículo automóvel com as dimensões que o mesmo tem.
7ª. Sendo difícil de fazer crer, como alega, que tendo tomado posse efectiva cerca de 10 dias antes da outorga da escritura de compra e venda e sendo o estacionamento “conditio sine qua non” para a compra da fracção, que nunca tenha entrado na garagem nem experimentado o espaço que lhe foi destinado, durante um período que mediou cerca de 7 meses entre a celebração do contrato promessa e a outorgada da escritura definitiva.
8ª. Todas as razões invocadas pelo recorrido para a impossibilidade de ter acesso à garagem, não passam de desculpas facciosas, pois que todos os restantes condóminos entram e saem da garagem e seria de todo impensável que não o pudessem ter feito durante 7 meses.
9ª. A fracção cumpre o seu destino, bem como o estacionamento que lhe está adstrito, sendo certo é que o recorrido perdeu o interesse na mesma, optando por invocar que a fracção não cumpre o destino que lhe foi prometido como forma de ser ressarcido pelo preço pago.
10ª. Não há sequer indícios no processo, de que a recorrente tenha feito qualquer sugestão ou usado de algum artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter o recorrido em erro sobre as características da fracção por si comprada.
11ª. Deve a sentença ser revogada quanto à declaração de anulabilidade do contrato de compra e venda outorgado pela recorrente, quanto à condenação da restituição do preço da venda acrescida de juros desde a citação, quanto à restituição pela recorrente ao recorrido do preço da escritura e juros.

O autor formulou as conclusões que se transcrevem:
1ª - A decisão, ora recorrida, após observada a declaração anulabilidade do contrato, conforme pretensão do recorrente, entende que, para analisar os pedidos do recorrente, convocou o art. 909 CC para afirmar que estamos perante um erro simples.
2ª - E para chegar a tal conclusão, e afastar a dissimulação desse mesmo erro, socorre-se da seguinte figura: É usual, que na fase de venda (de imóveis) a exibição das plantas dos prédios correspondam “apenas” à arquitectura e não à estrutura que o suportará.
3ª – Ora o que é facto é que, a concepção da planta está defeituosa, a aprovação pela Câmara Municipal de ….é negligente, face ao defeito e a venda efectuada pelo recorrido (ré), é dolosa porque conhecia o defeito mas calou-se, pensando que após a escritura o facto ficaria consumado.
4ª – Mas, sendo a ré uma sociedade, ela não negociou “A SE:::” com o autor, negociou através dos seus sócios, revertendo as verbas entregues pelo autor a favor da sociedade que beneficiou da sua posse e do seu proveito.
5ª – Não pode nem, dever o Digº julgador, dar cobertura a esta ficção jurídica, para permitir que a recorrida venda ao recorrente, “ gato por lebre”. E permita uma actuação dolosa e consciente.
6ª – Existe uma violação grosseira dos deveres de informação que, como se sabe violam os termos previstos no art. 227 do CC.
7ª - E esta fase de boa-fé contratual (ou a sua violação) não pode estar desligada de outra tão importante e intrinsecamente com ela ligada e que radica na pressuposição da responsabilidade (pré-contratual) descrita no art. 498 CC.
8ª – Deste modo, e atenta a extrema bondade da Mª Juiz “ a quo” não se pode acolher que a prática de actos irregulares, constituam acervos para legitimação da prática de direito substantivo.
9ª – O acto praticado, realmente, enquadra-se no instituto da responsabilidade pré-contratual ou da culpa in contrahendo que fundamenta a sua tutela na confiança do sujeito, na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade de comportamentos da outra parte e quando tal conduta juridicamente relevante é capaz de provocar danos.
10ª – Ora, como ensina Meneses Cordeiro in “ Da Boa fé no Direito Civil – Colecção Teses “ depois de referir a concepção de culpa em contrahendo, acolhida no art. 227 do CC, e que esta encerra os deveres de informação e de lealdade escreve:
Os deveres de protecção obrigam a que sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos directos, por um lado á sua pessoa e aos seus bens, embora esta situação possa ser solucionada pelos esquemas a responsabilidade civil e danos indirectos, derivados das despesas e outros sacrifícios normais na contratação revestirem, por força do desenvolvimento subsequente do processo negocial uma característica de anormalidade”.
11ª – Também Batista Bastos in RLJ 117-295, sustenta que, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico, fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
12ª – O dolo negocial – art. 253/1 CC – implica, de forma automática a violação dos deveres de informação, mas não o esgota, constituindo, essa violação culposa do cuidado exigível o dever de indemnizar, por culpa in contrahendo.
13ª - Mas mais, como refere Meneses Cordeiro, na obra citada, a culpa in contrahendo portuguesa tem natureza de responsabilidade em jogo. Tratando-se de uma responsabilidade obrigacional, por violação, dos deveres específicos de comportamento baseados na boa-fé, o que em termos de direito substantivo releva é que demonstrada a violação, presume-se a culpa da parte faltosa nos termos do art. 799/1.
14ª - Em consequência, a recorrida (ré) tem que responder pelos danos que culposamente causou – parte final do nº 1 do art. 227 CC – entendendo-se que esses danos são, não só emergentes, como os lucros cessantes.
15ª - Deste modo, o recorrente não mantém o pedido assente sob o nº 23, por entender, melhor, que as refeições SEMPRE as tomaria naquele ou noutro local.
16ª - Mas não pode deixar de reclamar pela reparação do seu automóvel, (o veículo ficou entalado num espaço mal concebido) despesas que não faria se não tivesse celebrado o contrato em apreço.
17ª - Igualmente o recorrente reclama o pagamento de um conjunto de despesas relativas a documentos que solicitou para a realização da escritura, e que se computam, em pelo menos € 75,00 e que também não teria que efectuar se compra e venda não se realizasse.
18ª - Mutatis mutandis, quanto as deslocações, fotocópias telefonemas e correspondência expedida, de que deve ser ressarcido.
19ª - Finalmente o recorrente pretendia constituir uma família, um lar sendo o imóvel em apreço, o móbil desse passo a dar, desejo que se frustrou afectando psicologicamente o recorrente de tal modo que para reconstruir esse seu ensejo, terá que despender, pelo menos mais € 12.000,00, se quiser comprar, agora outro imóvel com a mesma localização e com a mesma tipologia, atendendo aos actuais preços de mercado do imobiliário e que correspondem a danos que o recorrente sofreu por culpa na responsabilidade contratual da requerida.
20ª – Devem ser atendidas as reclamações do recorrente.

A ré apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:

1 - A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de construção civil, compra, venda e revenda de propriedades, materiais de construção e empreitadas e tem a sua sede na…, nº…., R/c frente, …(al. A);
2 – No exercício da sua actividade construiu o edifício de cave, R/C, 1º, 2º, 3º andares e sótão, constituído por oito fracções autónomas, de letras “A” a “H”, sendo o sótão destinado a arrecadações e a cave destinada a parqueamento de viaturas dos condóminos, na…, lote …, …, freguesia de…, descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o nº…., inscrito na respectiva matriz sob o artº…. (al. B);
3 – O réu Município de…, através do seu órgão executivo Câmara Municipal, emitiu em 4.5.2001 a licença de utilização do referido prédio (al. C);
4 – Em 6.5.2002, a 1ª ré prometeu vender ao autor e este prometeu comprar a fracção individualizada pela letra “…” do aludido prédio em propriedade horizontal, destinada exclusivamente a habitação que corresponde ao terceiro andar direito, constituída por quatro assoalhadas, uma arrecadação no sótão com o nº 1 e um parqueamento para veículo na cave com o nº … (al. D);
5 – O preço acordado foi de € 104.747,56 e foi pago integralmente pelo autor à ré da seguinte forma: a) € 7.481,97 a 6.5.2002, como sinal e princípio de pagamento; b) € 4.987,98 a 5.8.2002, como reforço do sinal; e c) € 97.265,59 a 4.1.2003, remanescente do preço global (al. E);
6 – O A. tomou posse da fracção “…” prometida no dia 4.1.2003, data em que pagou o remanescente do preço global por exigência da 1ª R (al. F);
7 – Por escritura pública lavrada no dia 13.1.2003 no Cartório Notarial de…, C…, outorgando na qualidade de gerente e em representação da 1ª ré, declarou vender ao autor, pelo preço de € 79.300,00 a fracção autónoma identificada em 4) e o autor declarou aceitar a venda (al. G);
8 – A aquisição aludida em 7) encontra-se inscrita a favor do autor, desde 27.1.2003, na Conservatória do Registo Predial de …(al. H);
9 – Na data da promessa de compra e venda da fracção foi exibida pela 1ª ré ao autor uma cópia da planta da cave do edifício onde estava instalado o seu parqueamento, identificado pelo nº…., a qual fazia parte do projecto de arquitectura aprovado pela Câmara Municipal de …(al. I);
10 – Ao contrário da planta exibida, na cave existem pilares das fundações do prédio (artº.5º BI);
11 – Um dos pilares supra referidos se encontra a uma distância de 3,69m, medidos perpendicularmente da parede onde se insere o portão de acesso para veículos (artº.6º BI);
12 - A rampa de acesso à cave é construída em plano inclinado acentuado, com 3,80 m de largura e faz curva com o raio de 2,10 m, apresentando-se o portão, com 2,97 m de largura, encostado à parede (artº.7º BI);
13 - Em consequência do referido em 11) e 12) o autor riscou e amolgou a parte lateral esquerda do veículo de marca…, modelo…, com a matrícula…., ao manobrá-lo na garagem (artºs.8º e 9º BI);
14 – O autor levou ao conhecimento da ré que as circunstâncias aludidas em 11), 12) e 13) o impediam de utilizar o seu parqueamento (artº.10º BI);





15 – O autor e o condómino do …Esq., M…., dirigiram-se ao vereador das obras particulares da Câmara Municipal de…, a que deram conta, ademais, das condições de acesso e utilização da garagem e que o autor, em 14.5.2003, requisitou cópia da memória descritiva do prédio e a planta com indicação dos parqueamentos aprovados pela edilidade (artº.15º BI);
16 - O vereador H…., acompanhado do fiscal F…. da Câmara Municipal de ….dirigiu-se ao prédio para verificar a cave onde se situam os parqueamentos, tendo constatado das condições de acesso e utilização dos mesmos, a existência de pilares das fundações do prédio, bem como a inexistência de extintores e condutas de ar para controlo de humidade e emissão de fumos (artº.16º BI);
17 - Para que o autor possa aceder e utilizar com facilidade o seu parqueamento tem de ser eliminado pelo menos um dos pilares das fundações, o que a efectuar-se põe o prédio em perigo de ruína (artºs.17º e 18º BI);
18 - Em Janeiro de 2004 o autor denunciou por escrito, em correio registado com AR, para a morada da sede da ré constante do contrato promessa e escritura de compra e venda, os defeitos do parqueamento na cave (artº.20º BI);
19 - O autor pretende parqueamento para guardar o seu veículo e que esse foi um dos motivos que o levou a comprar a fracção “…” à ré, sendo certo que se tivesse conhecimento das condições da garagem não teria adquirido a aludida fracção (artº.21º BI);
20 - O autor suportou os custos de reparação do automóvel (artº.22º BI);
21 - O autor suportou despesas relativas aos documentos que solicitou no valor de, pelo menos, € 75,00 (artº.23º BI);
22 - Houve deslocações, fotocópias, telefonemas e correspondência expedia com vista ao tratamento de assuntos relacionados com o parqueamento (artº.24º BI);
23 - Nas deslocações o autor fez despesas de alimentação (artº.25º BI);
24 - O autor é restaurador de móveis antigos (artº.26º BI);
25 - O autor gastou com a celebração da escritura de compra e venda, pelo menos, € 659,40 (artº.28º BI);
26 – O autor adquiriu a fracção em questão com o objectivo de organizar a sua vida conjugal (artº.29º BI);
27 - O autor até agora não organizou a sua vida conjugal (artº.30º BI);
28 - O autor sente revolta, consternação e afectação psíquica por não poder utilizar o parqueamento e não ter constituído família (artº.31º BI);
29 - O autor para adquirir um andar da mesma tipologia e localização do adquirido à ré, com parqueamento e arrecadação, despenderia actualmente, pelo menos, mais € 12 000 (artº.33º BI);
30 – O portão tem 2,97m de largura e é basculante (artºs.39º e 40º BI);
31 - A cave tem duas janelas (artº.41º BI);


Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 684/3 e 690 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se o contrato de compra e venda é válido e se a ré, ao celebrar o contrato, agiu com culpa in contrahendo (art.227 CC).

Vejamos, então.

a) Questão da validade do contrato.

Se a coisa vendida sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos arts. seguintes – art. 913/1 CC.
Desta norma resulta que se a coisa ou direito padecerem de alguns dos vícios referidos neste art. que excedam os limites normais, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos da anulabilidade, sendo que a anulação só pode ser pedida pelo comprador.
Este art. reporta-se aos vícios da coisa e não já aos vícios do direito regulados no art. 905 CC.
Dispõe este art. que: “Se o direito transmitido estiver sujeito a algum ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade”.
São, pois, aplicáveis as disposições dos arts. 251 (erro sobre o objecto do negócio) e 254 (dolo), designadamente no que se refere à essencialidade do erro e à sua recognoscibilidade pelo declaratário.
“Os vícios da coisa são equiparados, em princípio aos vícios do direito, sendo-lhes aplicável as mesmas disposições devidamente adaptadas, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições seguintes.
Dir-se-ia que, por força do art. 905 CC, os vícios da coisa não constituem fundamento autónomo de anulação, integrando-se nos regimes do erro e do dolo, tal como acontecia no antigo direito. Considerar-se-ia necessária assim, para que haja possibilidade de anulação, a verificação dos requisitos exigidos pelos arts. 251 ou 254 CC.
Mas, na verdade, este art. 913 CC cria, efectivamente, um regime especial, para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas, a saber: a) vício que desvaloriza a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que é destinada; c) falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; d) falta de qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina.
O nº 2 do art., norma interpretativa, manda atender, para a determinação do fim, à função normal das coisas da mesma categoria – ex. uma casa é feita para habitar, um automóvel para andar, uma garagem para parquear e recolher veículos, etc.
Não se tratando de nenhum destes vícios enunciados, a anulação não é possível, nem são as aplicáveis as disposições desta secção ou da secção anterior, que concedem outros direitos ao comprador, tais vícios são irrelevantes – cfr. P. Lima e A. Varela in CC Anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra Edt., art. 913.
No caso em apreço, o autor negociou e celebrou um contrato de compra e venda relativo a uma fracção autónoma constituída por 4 assoalhadas, um sótão e um lugar de garagem.
Um dos motivos que o levou a adquirir a fracção foi o facto de esta dispor de parqueamento.
O autor pagou o preço devido pela aquisição da fracção.
Quando o autor pretendeu utilizar a garagem deparou-se com o facto de não a poder utilizar, não podia aí recolher o seu veículo.
Na cave onde se situa a garagem existiam vários pilares da estrutura do prédio que não estavam assinalados na planta exibida aquando da celebração do contrato; para o autor poder usufruir da garagem havia que eliminar um dos pilares, sendo certo que essa remoção põe o prédio em perigo de ruína (pilar estrutura); atento o mencionado nos factos assentes sob os nºs 11, 12 e 30, as condições de acesso à garagem são difíceis e complicadas; se o autor tivesse sabido destas circunstâncias não teria adquirido a fracção.

Constata-se que a aquisição da fracção padece de um defeito que objectivamente a desvaloriza (as fracções que disponham de um lugar de estacionamento têm um valor superior no mercado imobiliário) e ao mesmo tempo inviabiliza a realização do fim para que foi adquirida, ou seja, a utilização da garagem para recolha do seu veículo e que se o autor tivesse sabido das condições relatadas supra não teria adquirido a fracção em questão.
Na verdade, a fracção apesar de ter sido adquirida com garagem, encontra-se, por um lado, desvalorizada, em termos de mercado, pelo facto da garagem não poder ser utilizada e por outro, encontra-se inviabilizada a utilização para o fim a que se destina.
Assim sendo, e tendo em atenção os arts. cit. supra e ainda os arts. 287, 909 e 251 e 805 sgs. CC, o contrato de compra e venda é anulável, tendo ao autor direito a haver para si o valor pago pela fracção acrescido dos respectivos juros.
Nestes termos, improcede a conclusão da apelante/ré.

b) Questão da culpa in contrahendo por parte da ré.

“A responsabilidade pré-contratual reporta-se à fase vestibular do contrato, por contraposição à fase decisória do contrato.
Nesta fase, que se desenvolve, durante um período de duração variável no decurso do qual se prepara, discute (e tantas vezes se celebram acordos parciais) as partes gozam de muito maior liberdade, podendo sempre proceder a reformulações e reajustamentos, mais difíceis, ou se não impossíveis, na fase ulterior.
Mas essa margem de liberdade não é total, nem surge desenhada por forma discricionária, em termos de abrigar o mero capricho ou arbítrio inesperado dos negociadores.
É que, cada vez mais a actividade negocial se profissionaliza e este período vestibular integra a realização de estudos de mercado, consultas, orçamentos cotejados, contratos de tarefa, seguros e outras actividades onerosas que têm que ser protegidas contra arbitrariedades e precipitações” – crf. Ac. STJ de 13/372007, relator Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt.
Prescreve o art. 227/1 CC que. “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
“Essas negociações preliminares assumem, muitas das vezes, formas contratuais juridicamente reguladas e com sanções próprias, previstas na lei, para os casos de incumprimento – casos do contrato-promessa, do acordo-quadro, do pacto de preferência, etc.
No entanto, fora destas negociações preliminares tipificadas, há todo um conjunto de contactos e de pré-acordos, que se devem pautar pelos princípios gerais da boa-fé, sob pena de o não cumprimento de determinados deveres de conduta, leal e proba, determinarem responsabilidade indemnizatória imputável à parte faltosa, designadamente quando a sua conduta levar: a que rompa arbitrariamente as negociações, ofendendo o princípio da confiança, à celebração de um negócio ferido de ineficácia ou de invalidade, à conclusão de um contrato válido e eficaz, mas em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar (cfr. Prof. Almeida Costa, RLJ 116 – 101 – cfr. Ac. STJ de 3/7/2003, relator Fernando Girão, in www.dgsi.pt.
O Prof. Meneses Cordeiro, in “Dolo na conclusão do negócio, culpa in contrahendo” – apud “O Direito”, 125, 1993, I-II, 161, recorda que “em termos gerais, o instituto da culpa in contrahendo, ancorado no princípio da boa-fé, recorda que a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de certos limites e sob as valorações próprias do direito, em consequência, são ilegítimos os comportamentos que, desviando-se de uma procura honesta e correcta de um eventual consenso contratual, venham a causar danos a outrem. Da mesma forma são vedados os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual”.
Este dever geral de boa-fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de actuação a saber: o dever de informação, de guarda e restituição, de segredo, de clareza, de lealdade, de protecção e conservação, de esclarecimento, confiança – cfr. Prof. Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, 1994, 57; Prof. Ana Prata in Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, Revista da Banca, 16, Outubro-Dezembro, 1990, 75 e sgs.; Prof. Meneses Cordeiro, obra cit., 160; Ac. STJ já cit. relator Sebastião Póvoas.
Para que nasça esta obrigação de indemnizar é necessário, por um lado, que haja por parte do incumpridor uma conduta fortemente censurável, uma vez que, assumindo a boa-fé, nestes casos, um sentido ético-jurídico e sendo a regra a liberdade negocial, só deve ser sancionada a conduta intoleravelmente ofensiva desse sentido e, por outro lado, que a parte fiel não tenha contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial – cfr. Ac. STJ de 9/2/99 e de 28/3/95, in CJSTJ, ano VII, tomo I – 85 e ano III, tomo I – 144, respectivamente.
O Ac. STJ de 4/4/2006, relator Nuno Cameira, in www.dgsi.pt. caracteriza a responsabilidade pré-contratual como um instituto situado a meia distância entre a responsabilidade contratual e a delitual – “Ela não deriva do incumprimento de uma obrigação em sentido técnico-jurídico previamente assumida, nem da violação do dever genérico de respeito correspondente aos direitos absolutos, resulta, sim, de deveres surgidos no âmbito de uma relação específica entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial”..
Para o Prof. Meneses Cordeiro, trata-se de uma responsabilidade obrigacional – cfr. “Da Boa –Fé no Dt. Civil, I -572 e obra cit. -165; no mesmo sentido Vaz Serra, in “Culpa do Devedor ou do Agente, BMJ nº 68 – 130.





O Prof. Mota Pinto, Prof. Almeida e Costa e a Prof. Ana Prata defendem que se trata de uma responsabilidade extra-contratual – cfr. “Cessão da Posição Contratual”, 351 e sgs., “Responsabilidade Civil
pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, 1994 – 97 e “Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, in Revista da Banca, Janeiro-Março de 1991, nº 17, respectivamente.
Entendemos que a responsabilidade pré-contratual se situa no âmbito da responsabilidade aquiliana, uma vez que “não está em causa o incumprimento de qualquer cláusula contratual negociada mas, e apenas, um ilícito por violação culposa de um dever de conduta genérico consistente no olvidar de um estado de confiança criado, o que merece censura até por deslealdade. Mas mesmo que se aderisse à figura híbrida sempre, na prática, valeriam as normas da responsabilidade extra-contratual e seguramente seria afastada a presunção de culpa, sabido que a culpa ficcionada tem sempre carácter excepcional” – cfr. Ac. STJ de 13/3/2007, já citado.
No quadro da responsabilidade pré-contratual, dano in contrahendo, por oposição ao dano decorrente da execução do contrato, a indemnização visa o chamado interesse contratual negativo, i é, a reparação dos danos que a parte inocente não teria sofrido se não fosse a expectativa na conclusão do negócio frustrado ou das vantagens que teria beneficiado se não se tivesse gorado aquela expectativa.
Devem ser ressarcidos todos os danos, de forma a colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fosse o acto lesivo, a título de exemplo - a omissão da informação ou a transmissão da informação errada, de forma culposa, quando existia o dever de informar.
Reclama o apelante que a ré/apelada violou o dever de informação.
Factos a reter, no que a esta apreciação concerne, é a de que entre apelante e apelada foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda (6/5/2002); posteriormente o contrato-promessa foi convertido em definitivo, ao proceder-se à escritura de aquisição, relativo à fracção autónoma letra “…”, constituída por 4 assoalhadas, uma arrecadação no sótão (nº1) e um parqueamento para veículo na cave (nº…), do prédio sito na…, nº …, …., em 13/1/2003; na data da celebração da promessa de compra e venda foi exibida ao apelante uma cópia da planta da cave; ao contrário do constante da planta, o apelante constata, após a celebração da escritura definitiva de compra e venda, a existência de pilares nas fundações do prédio; para que o autor possa aceder ao seu parqueamento um dos pilares terá que ser eliminado o que coloca o prédio em perigo de ruína; se o autor tivesse tido conhecimento das condições da garagem não tinha adquirido a fracção.
Face a estes factos, a conclusão a retirar é a de que a ré/apelada omitiu os deveres de esclarecimento quanto à situação em que a cave iria ficar após a construção da obra, ou seja, que apesar de não constarem da planta exibida, aquando da celebração do contrato-promessa, na cave iriam existir pilares das fundações do prédio e que a colocação/existência desses pilares iria contender com o acesso à garagem do autor.
Era, no mínimo, leal e liso e de actuação de boa-fé que a ré tivesse dado a conhecer este facto ao autor, de forma a ele ponderar ou desistir eventualmente da celebração do negócio, tanto mais que a garagem era para o autor fundamental – não teria adquirido a fracção se soubesse que as condições de acesso à garagem eram estas.
A informação omitida incidiu sobre um ponto crucial para a formação da vontade do autor.
Assim, a ré apelante omitiu o dever de informação pré-contratual, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, pelo que deve indemnizar o autor/apelante quanto aos danos emergentes e lucros cessantes (art. 483 CC).
Quanto aos danos peticionados relativamente ao veículo automóvel, bem como aos danos morais de não ter constituído família, inexiste qualquer nexo causal entre a quebra do dever de informação e estes danos, pelo que não há lugar ao seu ressarcimento.
No que respeita às despesas relativas a documentos, no valor de € 75,00 (facto sob o nº 21); a deslocações, fotocópias telefonemas e correspondência expedida com vista ao tratamento de assuntos relacionados com o parqueamento (facto sob o nº 22); o autor, actualmente, para adquirir um andar, da mesma tipologia e localização, com parqueamento e arrecadação, despenderia, pelo menos, mais € 12.000,00 (facto sob nº 29), uma vez que se traduzem em danos emergentes e lucros cessantes, há lugar ao seu ressarcimento (art. 562 e segs. CC).
Na verdade, o lesado, neste caso o autor, deve ser colocado na situação em que se encontraria não fora o acto lesivo – falta/omissão de informação quando existia a obrigação de informar.
Assim sendo, tem o autor direito a haver da ré as quantias referidas nos factos sob os nº 29 (€ 12.000,00), 21 (€ 75,00) e as despesas mencionadas no facto 22 serão a liquidar em execução de sentença, devendo acrescer a estes montantes os juros de mora legais a contar da data da citação, até integral pagamento.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação do autor e, consequentemente, revogando-se parcialmente a sentença, condena-se a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de € 12.075,00, acrescida dos juros de mora legais desde a data da citação até integral pagamento;
b) na quantia que se vier a apurar em execução de sentença relativa às deslocações, fotocópias, telefonemas e correspondência
c) confirma-se a sentença no segmento que declarou a anulabilidade do contrato de compra e venda relativo à fracção e a restituição ao autor do valor de € 104.747,56, bem como no pagamento ao autor da quantia de € 659,40, acrescendo sobre estas quantias os respectivos juros desde a citação, até integral pagamento e que determinou a restituição da fracção à ré por parte do autor ( cfr. alíneas a), b), c) e d) da sentença).
d) absolve-se a ré do demais peticionado
Custas da apelação da ré a cargo desta, sendo as custas da apelação do autor na proporção de 2/3 para a ré e de 1/3 para o autor.

Lisboa, 24-4-08

(Carla Mendes)

(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)