Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
534/14.0T8SXL-F.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
INVENTÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Tendo sido atribuído à apelante o direito à utilização da casa de morada da família por sentença transitada em julgado, ao abrigo do disposto no art. 1413º nº 1 do anterior CPC e não no âmbito do incidente de atribuição provisória da casa de morada da família previsto no art. 1407º nº 7 do CPC - que tem correspondência no art. 931º nº 7 do novo CPC - não pode o tribunal onde corre o processo de inventário decidir que esse direito cessará no momento da partilha dos bens do ex-casal.
- Isto sem prejuízo de, através do meio processualmente adequado, ser eventualmente suscitada a questão de alteração do regime fixado, face ao disposto no nº 3 do art. 1793º do CC, sendo certo que a casa da morada de família não foi dada de arrendamento à apelante.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
Nos autos de inventário para partilha de bens em casos especiais na sequência da dissolução por divórcio do casamento celebrado entre A... e F..., foi proferida a seguinte decisão em 15/11/2016:
«Fls.181 e ss:
A... requereu uma nova avaliação do imóvel a partilhar que considere eventual penalização do bem, porquanto lhe foi atribuído o direito à utilização da casa de morada de família (imóvel em causa), por sentença, transitada em julgado, o que, segundo o seu entendimento lhe confere “um direito sem limitações e, portanto, vitalício”.
Notificado o requerido, opôs-se a tal avaliação por considerar que tal atribuição não consubstancia direito real de usufruto ou de uso da habitação vitalício, nos termos e com os fundamentos de f1s. 187 e ss, e 201 e ss.
Foi ordenada a junção de documento comprovativo da existência desse direito de usufruto vitalício, v.g., certidão de registo a f1s. 189.
A requerente juntou certidão de sentença proferida em 08.11.2010 no processo n.º 534/14.0T8SXL-D J1 - Instância Central - 4" Secção de Família e Menores do Seixal, onde se lê, no dispositivo decisório: “ […] Atribuo à requerente o direito à utilização da casa morada de família, sita na Rua... Aldeia de Paio Pires, Seixal […]” e, ainda, certidão de registo predial onde consta inscrito “[Atribuo o direito de habitação da casa de morada de família no âmbito do processo nº 534/14.0T8SXL-D J1 - Instância Central -- 4ª Secção de Família e Menores do Seixal […], por AP. 2801 de 2016.10.18.
Importa apreciar e decidir.

A requerente instaurou o presente processo especial de inventário em 09.04.2013. Nos termos do disposto nos artigos 1326º, n.º3 e 1404°, ambos do Código de Processo Civil, o processo de inventário visa a partilha e consequente extinção da comunhão de bens entre cônjuges.
Depreende-se, pois, que a requerente pretende pôr termo à comunhão de bens.
Da conferência de interessados realizada (fls 167 e ss) resulta que aprovaram o passivo e requereram a avaliação do único bem integrante do activo com vista à sua venda para, posteriormente dar pagamento aos credores e partilhar o remanescente.
O bem em causa é comum e o seu uso foi atribuído à requerente, por sentença, em data anterior à propositura do inventário, ou seja, quando o intentou já sabia que o uso do imóvel lhe estava atribuído.
Ora, nos termos do disposto no artigo 1413º do Código de Processo Civil, tal atribuição é concedida ao ex-cônjuge quando exista o direito de propriedade ou de arrendamento e só existe por conta desses direitos.
Assim, tal atribuição da casa de morada de família só prevalece até ao momento da partilha, ou seja, da venda do bem, com vista à divisão do fruto (preço) do mesmo, sendo irrelevante aquela atribuição a partir dessa data, por falência de um dos seus pressupostos. Isto porque, a requerente não fez prova da atribuição de um direito real de usufruto, ou, sequer, de uso e habitação do imóvel, como referiu, vitalícios, os quais apenas se constituem e extinguem nos termos do disposto nos artigos 1440°, 1485° e 1293º, todos do Código Civil.
Na verdade, no caso, ocorreu a atribuição da casa de morada de família, por via judicial, porque à data se verificaram os seus pressupostos e porque existia um direito de propriedade dos cônjuges, sendo a beneficiária, no caso, co-proprietária do imóvel. Assim, o seu direito de uso só prevalecerá até ao momento em que tal compropriedade se mantiver: “[… O incidente de atribuição provisória da casa de morada de família constitui um processo especialíssimo, norteado por critérios de conveniência, que apenas tem em vista a fixação de um regime provisório, até à partilha dos bens comuns. Tal incidente não se confunde, à partida, com o processo de constituição de arrendamento da casa de morada de família, regulado como processo de jurisdição voluntária, no art. 1413° [11] do CPC, previsto, como efeito do divórcio, nos arts. 1793° e 1105° do CC» […]” - cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.12.2012; da Relação do Porto de 26.05.2015, disponíveis tn www.dgsi.pt.
E nem se diga, que pelo facto de se encontrar registado aquele direito (em 18.10.2016), tal constitui um factor a considerar no preço da venda do imóvel, pois, tal direito cessará automaticamente no dia em que a requerente deixar de ser proprietária do mesmo, pois, em momento algum, se referiu que pretendiam alienar apenas a propriedade nua do imóvel, já que ambos mantêm a propriedade plena do mesmo.
Assim e em face do exposto, indefere-se o requerido.».

Inconformada, apelou a requerente, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
A. A existência de um direito de habitação vitalício sobre o imóvel avaliado é uma questão admissível, relevante e imprescindível ao apuramento da verdade, constituindo um factor determinante na respectiva avaliação e integrando necessariamente, por isso, o objecto da perícia;
B. Pelo que é recorrível a decisão que indeferiu a questão suscitada pela Recorrente e que, consequentemente, restringiu o objecto da prova pericial, pois a impugnação da decisão ora sindicada com a impugnação da decisão final implicaria uma inutilidade absoluta do recurso;
C. A Recorrente não requereu uma nova avaliação do imóvel, tendo, pelo contrário, apenas solicitado a prestação de esclarecimento por parte do Sr. Perito, em face do relatório pericial apresentado;
D. O despacho recorrido é ininteligível, por ser ambíguo ou obscuro face ao que foi, de facto, requerido pela Recorrente, sendo, por isso, nulo, nos termos do disposto no artigo 615º nº1, alínea c), do CPC;
E. Os presentes autos de processo especial de inventário visam a partilha e consequente extinção da comunhão de bens entre cônjuges, não cabendo, nesta sede, ao tribunal pronunciar-se sobre os efeitos do direito de habitação atribuído à Recorrente;
F. O despacho recorrido é, pois, nulo, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º, alínea d), do CPC;
G. O direito de habitação atribuído, sem quaisquer limitações, à Recorrente constitui um verdadeiro direito real vitalício, não cessando ou estando dependente, por isso, da propriedade do imóvel nem tampouco se extingue com a partilha decretada por sentença no âmbito de processo de inventário nos termos do disposto nos artigos 1485.º e 1476.º, ambos do CC;
H. A questão suscitada pela Recorrente relativamente à existência de um direito real sobre o imóvel em causa, integra o objecto da perícia, devendo, por isso, ser analisado e considerado pelo perito indicado na avaliação do referido imóvel;
I. O tribunal a quo, por meio do despacho recorrido, proferiu decisão que contende, portanto, com o direito das partes à admissibilidade de meios de prova por si oferecidos;
J. Impondo-se, por tudo, a V. Exas. revogar o despacho ora recorrido, com suporte na fundamentação supra expendida;
K. Devendo, em consequência, ser ordenada a substituição de tal decisão por outra que solicite ao Sr Perito a prestação dos esclarecimentos requeridos pela Recorrente.

Não há contra-alegação.

Colhidos os vistos, cumpre decidir
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a decisão recorrida é nula por: a) ininteligibilidade e b) por excesso de pronúncia
- se deve ser ordenado que o perito avaliador preste o esclarecimento requerido pela apelante em 08/09/2016

III - Fundamentação
A) Factualidade e dinâmica processual relevantes:
1 - Nos autos de Atribuição da Casa de Morada de Família que correram termos, registados sob o nº 534/14.0T8SXL-Apenso D (ex-proc. nº 521-D/2002) da comarca de Lisboa - Seixal - Instância Central - 4ª Secção Família e Menores - J1, foi proferida sentença em 08/11/2010, transitada em julgado em 07/01/2011, onde se lê, além do mais:
«I - Relatório
Nos presentes autos de atribuição de casa de morada de família, a Requerente A... (…) demandou o Requerido F... (…) alegando, (…).
Conclui pedindo que lhe seja atribuído o uso da casa de morada de família.
Procedeu-se à realização da conferência a que alude o artigo 1407º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1413º, do mesmo diploma, no âmbito da qual não foi alcançado qualquer acordo, tendo o Requerido sido notificado para, querendo, deduzir oposição.
O Requerido deduziu oposição alegando, em síntese, que se encontra a trabalhar no Luxemburgo e em Portugal é a única casa de morada de família que possui e quando se desloca a Portugal é aí que fica.
Conclui pugnando pela improcedência do pedido formulado pela Requerente.
Foi realizada diligência de inquirição de testemunhas (…).
(…)
II - Fundamentação de facto
A Requerente e o Requerido celebraram, com convenção antenupcial onde estabeleceram o regime de comunhão geral de bens, casamento em 15 de Outubro de 1992.
Tal casamento já foi declarado dissolvido por decisão transitada em julgado.
(…)
A Requerente não tem possibilidade de arrendar ou adquirir qualquer outra habitação.
(…)
III - Fundamentação de Direito
(…)
Dispõe o artigo 1413º nº1, do Código de Processo Civil que “Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos temos do artigo 1793º do Código Civil (…) deduzirá o seu pedido, indicando ao factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito”.
Por seu turno, dispõe o artigo 1793º, nº 1, do Código Civil, que “Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges - cfr nº 4, do referido artigo 1413º, relativamente a casa que seja comum ou própria do outro.
No caso sub judice, resulta que a habitação foi adquirida pelo Requerido, mas tal não obsta a que o uso seja atribuído à Requerente.
(…)
Ora, atenta a factualidade acima descrita é manifesto que a Requerente demonstrou, por um lado, a necessidade em utilizar a casa de morada de família, bem como demonstrou a impossibilidade em arrendar ou adquirir outra habitação.
Ao invés, o requerido não provou ter necessidade de utilização da casa superior à da Requerente (…)
Procede, pois, a presente acção.
IV - Decisão
Pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência:
a) Atribuo à Requerente o direito à utilização da casa de morada de família, sita na Rua..., Aldeia de Paio Pires, Seixal.
(…)».
2 - Nos autos de inventário foi realizada conferência de interessados em 06/05/2016, tendo sido deferido o requerimento de ambos para avaliação do imóvel que constitui a verba única do activo.
3 - No relatório de avaliação com data de 07/06/2016, o perito avaliador considerou que o bem imóvel em causa tem o valor de mercado de 40.000 euros.
4 - Para a atribuição desse valor o perito especificou:
- a «Descrição Geral da Zona», referindo a localização, o enquadramento urbanístico e negócios envolventes;
- a «Descrição da Propriedade», referindo que o imóvel está inserido num edifício com 10 fogos destinados a habitação, a sua composição, o estado geral de conservação;
- e sob a epígrafe «Pesquisa de mercado» consignou:
«Tendo em vista a avaliação da propriedade objecto de estudo procedemos a uma pesquisa do mercado imobiliário, de propriedades localizadas na mesma zona e com características semelhantes. Como forma de balizar também a nossa opinião final, analisámos propriedades na mesma zona, mas de características (idade, estado de conservação), diferentes, de forma a podermos estabelecer limites.
Dadas as características da propriedade, consideramos que o imóvel em causa tem o valor de mercado de:
Euros: 40.000,00 (quarenta mil euros)».
5 - Em 08/09/2016 foi apresentado pela apelante o seguinte requerimento:
«(…) notificada de todo o teor da avaliação relativa à fracção autónoma onde habita
E considerando que se lhe encontra atribuído o direito ao uso da casa de morada de família, sem limitações e, portanto, vitalício
E sendo certo que a casa de morada de família se encontra sedeada na fracção avaliada.
A qual, portanto, se encontra necessariamente penalizada no seu valor venal por esse ónus, uma vez que a Requerente não pretende deixar de viver na referida habitação, cujo direito ao uso se lhe encontra conferido.
Assim,
Vem requerer se digne V. Exa remeter ao senhor perito um pedido de esclarecimento no sentido de o mesmo
Informar qual o peso da condicionante supra no valor venal que foi atribuído ao prédio em caso ocorra essa influência, qual o valor que, em suma, atribui à referida fracção».

B) O Direito
1 - Se a decisão recorrida é nula por a) ininteligibilidade e b) por excesso de pronúncia.
a) Sustenta a apelante que o despacho recorrido é ininteligível, por ambiguidade e obscuridade, pois não requereu nova avaliação do imóvel mas sim e apenas a prestação de esclarecimento por parte do perito.
O art. 615º nº 1 al c) do CPC (Código de Processo Civil), aplicável ex vi do art. 613º, estabelece que é nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No caso vertente a decisão é muito clara. Tanto assim é, que a apelante a entendeu e discorda, não só invocando excesso de pronúncia mas também erro de julgamento, dizendo nesta última sede, que contrariamente ao decidido pela 1ª instância, é titular de um direito real de habitação da casa de morada de família que não está dependente da propriedade do imóvel nem se extingue com a partilha dos bens comuns.
Improcede, pois, a arguição de nulidade com este fundamento.
b) Segundo a apelante o despacho recorrido é também nulo por excesso de pronúncia porque o processo de inventário visa a partilha e consequente extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, não cabendo ao tribunal “a quo” pronunciar-se sobre os efeitos do direito de habitação que lhe foi atribuído.
Decorre do art. 615º nº 1 al d) do CPC que a decisão é nula quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
Realmente, a apelante não requereu expressamente nova avaliação do imóvel. Mas não pretende simplesmente que o perito esclareça se tomou em consideração o seu alegado direito vitalício de habitação na casa de morada de família. Na verdade, o que a apelante pretende saber é se o seu alegadamente vitalício direito ao uso da casa da morada de família influi ou não no valor venal do imóvel e na afirmativa, se foi tomado em consideração na avaliação do imóvel, e se tal não aconteceu qual o valor que o perito atribui a este bem considerando tal direito.
Na decisão recorrida começa-se por se exarar que a apelante «requereu uma nova avaliação do imóvel a partilhar que considere eventual penalização do bem, porquanto lhe foi atribuído o direito à utilização da casa de morada de família (…)» e, após se discretear sobre a consequência da partilha dos bens do ex-casal, conclui-se indeferindo «o requerido», dizendo-se, além do mais, «E, nem se diga, que pelo facto de se encontrar registado aquele direito (em 18.10.2016), tal constitui um factor a considerar no preço de venda do imóvel, pois, tal direito cessará automaticamente no dia em que a requerente deixar de ser proprietária do mesmo, pois, em momento algum, se referiu que pretendiam alienar apenas a propriedade nua do imóvel, já que ambos mantém a propriedade plena do mesmo.».
Portanto a 1ª instância pronunciou-se sobre o que foi requerido, não havendo excesso de pronúncia.
Improcede, pois a arguição de nulidade com este fundamento.

2 - Se deve ser ordenado que o perito avaliador preste o esclarecimento requerido pela apelante em 08/09/2016.
Resulta dos fundamentos expendidos no despacho recorrido que a 1ª instância considerou irrelevante saber se na avaliação do imóvel, requerida na conferência de interessados, foi tomado em consideração o direito à utilização da casa de morada de família, dando como assente que tal direito só prevalece até ao momento da partilha, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Vejamos.
Como resulta da transcrição feita na decisão recorrida, aquele aresto reporta-se ao incidente de atribuição provisória da casa de morada da família.
Mas em 08/11/2010 foi decidido atribuir à apelante «o direito à utilização da casa de morada de família (…)» invocando-se como suporte legal o disposto no art. 1413º nº 1 do CPC então em vigor e no art. 1793º nº 1 do Código Civil.
O art. 1413º nº 1 do CPC dispunha, na parte que ora interessa:
«1 - Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ou a transferência do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 84º do Regime do Arrendamento Urbano, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
(…)
4 - Se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação litigiosos, o pedido é deduzido por apenso».
Esse normativo tem correspondência no art. 990º do novo CPC (de 2013).
Por sua vez, o art. 1793º do CC prevê:
«1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.».
O incidente de atribuição provisória da casa de morada da família estava previsto no art. 1407º nº 7 do CPC - que tem correspondência no art. 931º nº 7 do novo CPC -, nestes termos:
«Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a (…) e quanto à utilização da casa de morada de família; (…)».
Ora, é inequívoco que a sentença proferida em 08/11/2010 no Proc. nº 534/14.0T8SXL-Apenso D (ex-proc. nº 521-D/2002) da comarca de Lisboa - Seixal - Instância Central - 4ª Secção Família e Menores - J1, há muito transitada em julgado, não diz respeito a um incidente deduzido no processo de divórcio para atribuição provisória da casa de morada da família. Na verdade, tal decisão foi proferida no âmbito de um processo de jurisdição voluntária previsto no Código de Processo Civil em vigor naquela data na Secção com a epígrafe «Providências relativas aos filhos e aos cônjuges», ao abrigo do disposto no art. 1413º nº 1 em conjugação com o art. 1793º do CC, e não ao abrigo do disposto no art. 1407º nº 7 do CPC.
É certo que no art. 1793º do CC é referido o arrendamento e naquela sentença o tribunal não deu de arrendamento a casa de morada da família à apelante, pois, discreteando que «(…) atenta a factualidade acima descrita é manifesto que a Requerente demonstrou, por um lado, a necessidade de utilizar a casa de morada de família, bem como demonstrou a impossibilidade em arrendar ou adquirir outra habitação», decidiu, tão só, «Atribuo à requerente o direito à utilização da casa de morada de família (…)».
Porém, essa sentença transitou em julgado. Por isso, não pode o tribunal onde corre o processo de inventário decidir que o direito de utilização da casa de morada de família atribuído à apelante cessará no momento da partilha (cfr art. 619º nº 1 do CPC). Isto sem prejuízo de, através do meio processualmente adequado, ser eventualmente suscitada a questão de alteração do regime fixado, face ao disposto no nº 3 do art. 1793º do CC, sendo certo que, repita-se, a casa da morada de família não foi dada de arrendamento à apelante.
Nesta conformidade, tem razão a apelante ao requerer que o perito esclareça se na avaliação atendeu à existência do direito que lhe foi atribuído naquela sentença e na negativa, para completar o relatório pericial, esclarecendo se tal direito influi no valor do imóvel e em que medida, ao abrigo do preceituado no art. 485º do CPC.
Em consequência, não pode manter-se o despacho recorrido.

IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que a 1ª instância notifique o perito para esclarecer se no valor atribuído ao imóvel objecto da avaliação tomou em consideração o direito atribuído à apelante na sentença proferida em 08/11/2010 no Proc. nº 534/14.0T8SXL-Apenso D (ex-proc. nº 521-D/2002) da comarca de Lisboa - Seixal - Instância Central - 4ª Secção Família e Menores - J1 e, na negativa, se tal direito influi e em quanto, no valor do imóvel, explicitando qual o valor de mercado que lhe atribui considerando o referido direito da apelante.
Custas pelo apelado.

Lisboa, 25 de Maio de 2017

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos

Francisca Mendes