Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3448/19.3T8FNC.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
TERMO CERTO
FORMA ESCRITA
MOTIVO JUSTIFICATIVO
DESPEDIMENTO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– Não constituindo o contrato de utilização de trabalho temporário causa de pedir na ação, a circunstância de este estar motivado é irrelevante para apreciação da falta de fundamentação do contrato de trabalho temporário a termo.

2.– A celebração de contrato de trabalho temporário a termo certo tem como pressuposto a observância de forma escrita e a enunciação do motivo justificativo da celebração do contrato com menção concreta dos factos que o integram.

3.– Faltando esta menção, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato sem termo.

4.– O envio de uma comunicação de caducidade desse contrato traduz uma declaração de despedimento, que é ilícito por inexistência de processo disciplinar.

5.– O recebimento da compensação por caducidade não traduz alguma presunção de aceitação do despedimento.


(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa



BBB, Co-Ré nos autos de ação com processo comum, notificada da Sentença proferida e não se conformando com o teor da mesma, vem apresentar recurso de Apelação.

Pede a revogação da sentença.

Apresentou a sua alegação que concluiu como segue:

(…)
AAA, contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual emerge a manutenção da sentença por falência das questões suscitadas.

Apresentamos um breve resumo dos autos para cabal compreensão:
AAA propôs a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra BBB. e CCC., peticionando que seja declarado ilícito o despedimento efetuado, dada a ausência de justa causa e inexistência de processo disciplinar. Consequentemente a Autora tem direito à reintegração no seu posto de trabalho, com o inerente pagamento dos salários vencidos e vincendos até decisão final, reservando-se ainda a Autora o exercício do direito de opção pela indemnização prevista no artigo 391º, do Código do Trabalho, bem como a opção prevista no artigo 101º, n.º 5, do Código do Trabalho.

Alega, em síntese, que celebrou com as RR., em 5/02/2018, um contrato de trabalho, a que se seguiu um outro em 14/04/2018. Ali obrigava-se a prestar funções de assistente de canal comercial e aqui de empregada de mesa. Em 18/08/2018 as RR. fizeram cessar o contrato. Afirma que não se vislumbra fundamento para a contratação a termo.

No prosseguimento dos autos, as Rés, auto intitulando-se empresas de trabalho temporário, contestaram invocando a ineptidão da petição inicial, a prescrição (do contrato datado de 14/04/2018) e a ilegitimidade da R. BBB Impugnaram afirmando que a R. CCC se comprometeu a ceder à (…)  um conjunto de trabalhadores temporários, entre os quais a A.. Foi assim que a A. veio a ser contratada por si CCC em 5/02/2018, a termo, contrato que cessou por caducidade comunicada por carta de 26/07/2018. A A. assinou também um contrato com ambas as RR., agora para o setor hoteleiro, o qual nunca produziu efeitos.

Concluem, assim, que não há despedimento.

A A. apresentou resposta.

Veio, após, a A. a ser convidada a esclarecer para qual das RR. trabalhou, qual delas a despediu e perante qual pretende ver reconhecido o contrato de trabalho que entende vigente.

Seguiu-se a apresentação, a convite, de nova petição aperfeiçoada.

Nesta a A. alega que celebrou com a 2ª R. um contrato de trabalho em papel timbrado da 1ª, vindo esta a subscrever um aditamento ao mesmo. Em 16/03/2018 assinou outro aditamento para executar funções de assistente comercial, também assinado pela 2ª R. mas em papel timbrado da 1ª e, em 14/04/2018, ambas as RR. assinaram um novo contrato consigo, agora para a prestação como empregada de mesa. Em 18/08/2018 a 2ª R. fez cessar o contrato em papel timbrado da 1ª. Até 18/08/2018 prestou serviços como assistente de canal comercial na …. Mantém que foi despedida ilicitamente e que a ação deve prosseguir contra a R. CCC.

Ambas as RR. contestaram mantendo quanto alegaram na primitiva contestação.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes por não provadas as exceções de ilegitimidade e ineptidão da petição inicial, relegando-se o conhecimento da exceção de prescrição para final.

Realizou-se a audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e, consequentemente, declarou:
a)-a ilicitude do despedimento da Autora pela Ré CCC;
em consequência, condenou a Ré CCC a pagar:
b)-as retribuições vencidas desde 04.06.2019 até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar;
c)-a pagar uma indemnização à Autora no valor de 1.776€ (mil e setecentos e setenta e seis euros).
d)-Absolver a Ré BBB

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª– O contrato cessou por caducidade?
2ª– O pedido de reintegração é impossível, estando inviabilizada a indemnização em substituição da reintegração?
3ª–O contrato está devidamente fundamentado?

***

FUNDAMENTAÇÃO:

OS FACTOS:

Estão provados os seguintes factos:
1.-Por “Contrato de Trabalho Temporário Termo Certo”, celebrado entre a Autora e a Ré CCC, a 05.02.2018, foi aquela contratada para a categoria de assistente de canal comercial.
2.-E neste consta como “o motivo do presente contrato prende-se com a necessidade de executar um serviço precisamente definido e não duradouro nos termos conjugados dos artigos 175, n.º 1 e alínea g) do n.º 2 do art. 140º do Código de Trabalho, Acções Reativas e Proactivas de Fidelização a clientes …), em conformidade com o Contrato de Utilização celebrado entre a Primeira Outorgante e a Empresa Utilizadora”.
3.-E “com início a 05.02.2018 e termo a 19.02.2018, podendo renovar-se automaticamente por iguais períodos de tempo se nenhuma das partes lhe puser termo”.
4.- Por Aditamento datado de 16.03.2018, entre a Autora e a Ré CCC foram alteradas as cláusulas 1ª e 10ª, referentes à retribuição.
5.-A 06.12.2016 a (…) celebrou com a Ré CCC “Contrato de Utilização Temporário”, com início a 01.01.2017 e termo a 31.12.2017.
6.-Por comunicação da Ré BBB à Autora consta comunicação da não renovação do contrato a partir de 18.08.2018.
7.-A Ré CCC em Setembro de 2018 processou à Autora os valores devidos pela caducidade do contrato de trabalho.
8.-A Autora auferia a retribuição de 592€.
9.-As Rés são empresas de trabalho temporário.

***

O DIREITO:

Antes de avançarmos na análise das questões que elencámos, sublinhamos que a confusão emergente dos articulados, assente, ao que tudo indica, na promiscuidade relacional das empresas em foco, se comunicou às alegações de recurso onde a tónica é posta no contrato de utilização de trabalho temporário, contrato esse que nunca esteve em discussão nos autos, não constituindo a causa de pedir.

Iniciamos, por razões de lógica processual, a discussão pela questão enunciada em último lugar – o contrato está devidamente fundamentado.

A questão faria sentido se dirigida ao contrato de trabalho a termo, esse sim, tido por infundado.

Na verdade, concluiu-se na sentença que “por falta de indicação expressa dos factos que integram o motivo justificativo, concluiu-se pela nulidade do termo aposto no contrato de trabalho da autora e a R CCC e reconhece-se, conforme peticionado, que o contrato de trabalho é um contrato sem termo”, tendo-se antecedido esta conclusão da justificação de que a menção ali aposta “nada revela, não é precisa nem definida, desconhecendo-se de que modo ou por que forma não é duradouro”.

Seria, pois, expectável que na apelação se pusesse em causa esta conclusão.

Contudo, as conclusões apresentadas centram-se no contrato de utilização de trabalho temporário, olvidando que foi celebrado um contrato de trabalho a termo com a ora Apelada, contrato esse que carece de fundamentação adequada, conforme se enunciou na sentença.

E foi sobre o contrato de trabalho celebrado entre a Apelante e a Apelada que se centrou a causa de pedir.

Isso mesmo se esclareceu na sentença quando ali se consignou que “nos presentes autos, atento o pedido, resulta que a A. coloca em causa o contrato de trabalho a termo celebrado com a R. CCC”.
Ora, a sentença também enunciou que “de acordo com as disposições citadas supra, impõe-se uma descrição concretizada sobre o motivo que levou a contratar a termo, o que sucede, desde logo, por razões de segurança jurídica e de uma maior eficácia do controlo externo, sendo que a omissão ou a insuficiência de tal concretização acarreta que o contrato de trabalho seja tido como sem termo”.

Tendo o contrato que nos ocupa sido celebrado em 2018, são-lhe aplicáveis as disposições legais vigentes antes das alterações introduzidas ao CT pelas Leis 90/2019 e 93/2019, ambas de 4/09.

De acordo com o disposto no Artº 181º/1-b) do CT o contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita e deve conter os motivos que justificam a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que os integram. Em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo (nº 2).

Centrando-se a apelação no bem fundado do contrato de utilização, sem que ponha em causa o decidido, em sede de matéria de facto, quanto ao contrato de trabalho propriamente dito – matéria essa assente na documentação de suporte apresentada pela própria R. – revela-se inócua a argumentação expendida.

Na verdade, nunca foi posta em causa a fundamentação do contrato de utilização, sendo que a fundamentação que do mesmo possa constar servirá para o validar, mas nunca para validar o contrato de trabalho celebrado com a trabalhadora. Para além da fundamentação a constar daquele, este também obedece a um regime exigente que passa pela motivação mediante invocação de factualidade concreta a partir da qual se possa aferir a validade respetiva.

Assim, é inócua a afirmação levada à conclusão j) segundo a qual no que toca a fundamentação do contrato de utilização de trabalho temporário, a mesma está inatacável. Traduzindo-se numa questão nova que, por isso mesmo, não pode ser objeto de apreciação em sede de recurso.

Como é sabido, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais (Artº 627º/1 do CPC). Ou seja, “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147). Assim, “a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior” (António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 25).

Desta regra, excecionam-se apenas as questões de conhecimento oficioso, o que não é, manifestamente, o caso.

Ora, não tendo a ora Recrte., suscitado na 1ª instância a questão que ora nos ocupa, nem ali se tendo alguma vez colocado o foco no contrato de utilização de trabalho temporário, este Tribunal está impedido de conhecer da mesma.

Não terminaremos sem consignar que a invocada – mas não provada – alocação do contrato de trabalho ao contrato de utilização mencionado no acervo fático é, no mínimo, estranha, porquanto o contrato de trabalho foi celebrado em 5/02/2018 e o contrato de utilização vigorou até 31/12/2017 (pontos 1 e 5)! Donde, a invocada remissão efetuada no texto do contrato de trabalho a termo (Clª 1ª) para um anexo onde consta um descritivo de funções a levar a cabo na (…) e uma justificação para o contrato de utilização de trabalho temporário não pode colher. Não só porque tudo indicia a tentativa de ultrapassar as exigências legais mediante a criação de uma aparente realidade subjacente à contratação, como também porque ainda que assim não fosse, a Clª 1ª do contrato individual de trabalho apenas remete para as funções a exercer, vindo, na Clª 2ª a consignar-se o motivo conforme facto nº 2 do acervo acima exposto.

Razões pelas quais a questão em apreciação falece.

Entre as questões enunciadas, a afirmação de que o contrato cessou por caducidade.

Pretende a Apelante extrair da invocada caducidade e aceitação da compensação paga, a existência de uma presunção de aceitação.

Não põe em causa a afirmação ínsita na sentença de acordo coma qual “No caso, a Ré BBB comunicou à Autora a sua não renovação. Mas conforme resulta aceite, a Ré CCC aceita-a e a reconhece.

Ora, neste pressuposto, e tendo-se concluído que o contrato é um contrato de trabalho sem termo em consequência da falta de indicação expressa dos factos que integram o motivo justificativo, é óbvio que a comunicação enviada enforma um despedimento.

A caducidade do contrato é apenas aplicável aos contratos a termo. Nos contratos de trabalho sem termo, qualquer comunicação do género a pôr termo ao contrato, traduz-se num despedimento. Despedimento que, por não ser precedido de processo disciplinar é ilícito nos termos do disposto no Artº 381º/c) do CT.

Quanto à circunstância de terem sido processados valores à A. a título de compensação por caducidade, daí não emerge a aceitação da caducidade do contrato.

A aceitação da compensação leva à presunção de aceitação do despedimento quando em presença de despedimento coletivo, conforme emerge de quanto se dispõe no Artº 366º/6 do CT. Ou então, quando em presença de despedimento fundado em causas objetivas – despedimento por extinção do posto de trabalho, por força do disposto no Artº 372º, ou por inadaptação, dado o Artº 379º/1. Nunca em situações de despedimento ilícito.

Na verdade, o que resulta do disposto no Artº 366º/6 - norma invocada pela Apelante – é que se o despedimento coletivo abranger trabalhadores contratados a termo, a presunção a que se reporta o Artº 366º/4 do CT lhes é aplicável.

Ora, no caso, não só não existiu um despedimento coletivo, como também o contrato a termo foi declarado inválido, circunstâncias absolutamente impeditivas de se presumir a aceitação do despedimento porquanto não é intenção do legislador validar contratos nulos através do recebimento de alguma quantia. Neste sentido também o Ac. da RE de 30/03/2017, Proc.º 692/14.3T8EVR, onde se sumariou o seguinte: Nos termos do art.º 366º, nº 6, do Código do Trabalho, na redação da Lei nº 69/2013, de 30/8, o recebimento de compensação por caducidade contratual apenas relevará para hipóteses de despedimento coletivo, e em que sejam válidos os contratos de trabalho em que essa cessação é operada.

Improcede, pois, a questão em análise.

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Resta a 2ª questão - O pedido de reintegração é impossível, estando inviabilizada a indemnização em substituição da reintegração?
Alega a Recrte. que terminou com a (…) a sua relação comercial, pelo que uma reintegração é impossível, o que inviabiliza a indemnização substitutiva.

Mais uma vez a Apelante parece olvidar a celebração de um contrato a que foi aposta uma cláusula inválida de termo que, por isso mesmo, o converteu em contrato por tempo indeterminado.
É, assim, irrelevante a cessação da relação com a (…), aliás não provada (muito embora se tenha provado o período durante o qual o contrato com a mesma vigoraria).

Olvida ainda a Apelante que o acervo fático não é revelador da alocação do contrato de trabalho ao contrato de utilização com a (…) e que, ainda que o fosse aquele tem autonomia regimental, devendo obedecer às exigências acima transcritas.

Improcede também esta questão, revelando-se dispensáveis outros considerandos sobre a inviabilidade da indemnização substitutiva assente nesta ordem de razões.

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Tendo ficado vencida em todas as questões suscitadas, a Apelante suportará as custas nos termos do disposto no Artº 527º do CPC.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.
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Lisboa, 10/11/2021



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES



(Votei a decisão, em virtude dos factos assentes e causa de pedir serem diversos do proc. nº 2047/20.1T8FNC.L.)




Decisão Texto Integral: