Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5247/21.3T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE LOJA
CENTRO COMERCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Apesar de se reconhecer num plano especial de revitalização com a duração de dez anos, aprovado pelos credores, que os créditos por fornecimento de lojas para a o exercício da actividade comercial da revitalizanda, são privilegiados, uma vez que é preciso assegurar a existência das lojas para viabilizar o plano, a votação do plano pelos credores não implica que os senhorios de tais lojas se considerem vinculados a não fazer ou permitir que ocorra a cessação dos contratos até ao final do plano.
II - A disciplina do artigo 8º b) da Lei nº 1-A/2020 de 19.3, nem de resto de qualquer outra alínea do mesmo artigo, não é aplicável por via de interpretação extensiva, aos contratos de utilização de loja em centro comercial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório[1]
C…, S.A. intentou procedimento cautelar não especificado contra S…S.A. e V… S.A., pedindo a final que seja autorizada a sua permanência na loja do centro comercial da 2.ª requerida, onde está instalado o seu estabelecimento comercial, até ao levantamento de todas as restrições impostas ao comércio a retalho pelos sucessivos Estados de Emergência, bem como a renovação do contrato até à conclusão do Plano Especial de Revitalização. Mais pediu a inversão do contencioso.
Alegou em síntese que a 2.ª requerida é proprietária do centro comercial, denominado CENTRO …. Em contrato celebrado com a 2.ª requerida, a 1.ª requerida assumiu a responsabilidade de promover a exploração, sob a forma de comércio integrado, do referido centro comercial. Nos termos desse contrato, a 1.ª requerida confiou à 2.ª requerida o direito e o dever de gerir o Centro Comercial, incluindo-se na gestão, de um modo geral, a organização, administração, promoção, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do mesmo. Nesse seguimento, a Requerente celebrou com a 1ª Requerida, a 6 de Novembro de 2014, um Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial, nos termos do qual aquela lhe cedeu onerosamente a utilização da loja n.º … de 81,12 m2 do Centro Comercial …, destinada à actividade comercial de venda ao público de artigos de vestuário da marca …, com início a 31 de Dezembro de 2014 e até 31 de Outubro de 2020, sendo que, por aditamento ao contrato, ficou estipulada a alteração da data de caducidade para 28 de Fevereiro de 2021.
O contrato de utilização de loja em centro comercial tem vindo a ser sucessivamente renovado pelas partes, desde 1999, momento desde o qual a marca explorada pela requerente, a marca …, está presente no Centro Comercial … . Por alguns problemas com um fornecedor de malha, a requerida apresentou resultados menos positivos no ano de 2018, vendo-se forçada a apresentar um Plano Especial de Revitalização (PER) em Agosto de 2019, por causa daquele fornecedor, tendo a sentença de homologação transitado em julgado no passado Agosto de 2020. A 2.ª requerida, em sede de PER, reclamou créditos no valor de € 44.638,82 (quarenta e quatro mil seiscentos e trinta e oito mil euros e oitenta e dois cêntimos). O referido plano foi aprovado pela maioria absoluta dos votos favoráveis dos credores nos quais está incluída a 2.ª requerida. Com o novo enquadramento do PER, a 1 de Janeiro de 2020, a requerente tinha todas remunerações devidas à 1.ª requerida referentes à 2.ª requerida pagas, não havendo dívida para com aquela, faltando apenas as garantias bancárias parcialmente accionadas que ficou acordado que seriam reforçadas após a homologação e transito em julgado do PER. Do mesmo modo, a requerente procedeu ao pagamento atempado e integral das remunerações mínimas e variáveis devidas dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020.
Devido às noticias relativas à propagação COVID-19 por todo o mundo, os clientes começaram a ficar apreensivos e receosos, reduzindo as suas deslocações aos centros comerciais, pelo que as vendas da requerente no final do mês de Fevereiro de 2020 foram afectadas, sendo quase reduzidas a zero nas 2 semanas e meio em que esteve aberta em Março. Existe um crédito da requerente perante a requerida no valor total de €19.077,92 (dezanove mil setenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), estando em aberto o valor de € 12.491,65 (doze mil quatrocentos e noventa e um euros e sessenta e cinco cêntimos), havendo uma diferença no valor de € 6.586,27 (seis mil quinhentos e oitenta e seis euros e vinte e sete cêntimos) de crédito para a requerente. Com o qual, pelas razões que invoca não concorda.
No que se reporta ao contrato de utilização de loja (que caducava a 31 de Dezembro de 2020), foi a requerida informada pelo director do centro comercial, quando questionado sobre o assunto a 29 de Outubro de 2020, que por questões relacionadas com “uma reorganização do mix” de marcas naquele centro comercial, não pretendia renovar o contrato existente, não respeitando um prazo razoável da confirmação da caducidade do contrato, ou permitindo negociações conforme prevê o contrato celebrado. Confrontados com a oposição da requerente à não renovação do contrato, por não haver económica ou financeiramente razão para a não renovação do contrato, a directora da 1.ª requerida, indicou que a aquela decisão tinha sido da proprietária do centro comercial, com vista à alteração dos tenant mix. É claro que a responsabilidade da decisão de alteração do mix de lojas no centro comercial é da própria empresa de gestão, isto é a 1.ª requerida, não admitindo esta a sua posição e escudando-se atrás de inverdades e de uma entidade a quem responde, mas que não tem a competência operacional de decisão. Porém, como é evidente, a requerente não pode concordar com a não renovação do contrato existente pelas razões apresentadas pela 1.ª requerida, pois, por diversas vezes durante a relação contratual de 21 anos, houve diversas situações em que a requerente teve problemas financeiros mais significativos tendo sempre havido renovação dos contratos, tendo transmitido a sua posição e razões da sua posição à procuradora e directora da 1.ª requerida. Tanto assim é que a 1.ª requerida tem vindo a renovar os contratos celebrados com a requerente nos centros comerciais geridos e administrados pela mesma ao longo de todos estes anos.
Uma vez que se prevê que a presente pandemia se arraste até ao final de 2021, mesmo com o pressuposto do sucesso da vacinação que se iniciou em 2021, mantendo o país em recessão técnica por todo este período, é previsível que apenas em 2022 seja possível considerar que existem plenas condições para utilizar e gozar da plenitude do contrato. 
Deste modo, a requerente considera que tem o direito de renovar o referido contrato, pelo menos por um período de mais 3 anos, considerando que 2020 e 2021 foram e serão anos afectados pela pandemia, durante os quais não pode e não poderá usufruir na plenitude do bem contratado (loja, espaço comum do centro comercial, tráfego de cliente de forma livre e espontânea), apenas podendo garantir um exercício de sobrevivência da actividade. Aliás, como é explícito no PER, aprovado pela 2.ª requerida, a manutenção das lojas existentes à data é crucial para que o PER chegue a bom porto, pois, caso contrário a requerente corre o risco de insolvência, prejudicando gravemente os restantes credores e trabalhadores. 
Pelas razões explanadas supra, demonstrou a requerente a existência do direito de ver o contrato renovado, ou pelo menos prolongado até ao fim da pandemia, subsequentes restrições quando terminar a impossibilidade total ou parcialmente temporária da 1.ª requerida de prestar a sua obrigação contratual. 
De modo a impedir a lesão ao direito da requerente, considera esta adequada a medida de autorização de permanência na loja e do estabelecimento comercial nela instalada até ao levantamento definitivo de todas as restrições impostas ao comércio de retalho e actividade comercial, pelos diversos e sucessivos estado de emergência, até ao fim da pandemia e consequentemente até a requerida ficar possibilitada de prestar a totalidade da prestação contratada. 
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As requeridas apresentaram oposição, alegando que a requerente age de má-fé, sustentado a existência de uma expectativa que não lhe assiste, fazendo, assim, um uso abusivo deste meio processual e causando graves prejuízos às requeridas, pelo que requerem que seja devidamente sancionada. Mais referirem que a Primeira e Segunda Requeridas são pessoas colectivas distintas e independentes, sendo a Primeira Requerida a sociedade gestora do Centro Comercial …, gestão que também exerce noutros centros comerciais e a Segunda Requerida é a proprietária do mencionado Centro Comercial, e é no âmbito da gestão do Centro Comercial …, que a Primeira Requerida procede, entre outras tarefas, à comercialização das lojas vagas ou que ficam vagas em resultado da caducidade ou extinção dos contratos existentes.
Foi a Primeira Requerida, na qualidade de gestora/exploradora do Centro Comercial …, que negociou com a Requerente e em benefício da Segunda Requerida, o Contrato dos autos.
Com o contrato dos autos foi conferido à Requerente a utilização da loja nº …, sita no Centro Comercial da Segunda Requerida, com início em 01/01/2015 e termo em 31/12/2020. Termo esse que foi prorrogado pela Requerente e Segunda Requerida para o dia 28/02/2021 (cf. acordo outorgado em 19/11/2020).
A Segunda Requerida, apesar dos sucessivos incumprimentos da Requerente, anuiu em aceitar o pagamento da dívida em prestações, o que levou à outorga de um acordo, datado de 18/07/2019, no qual aquela reconheceu dever a quantia de €40.245,03, a qual deveria ser paga mediante dez prestações variáveis, com início em 22/07/2019 e termo em 30/12/2019. Valores que reclamou (créditos, vencidos e não pagos) à data da nomeação do Administrador Judicial Provisório, que ocorreu em 06/08/2019, no total de €44.638,82, bem como, que votou favoravelmente a proposta de PER apresentada; porém desse voto não se pode extrair as conclusões que a Requerente pretende.
A Segunda Requerida somente accionou a garantia bancária, porque a Requerente não cumpriu com o acordo de pagamento estabelecido em Fevereiro de 2019 e depois de ter sido advertida várias vezes para as consequências desse incumprimento. Pois, nos termos do PER, a Requerente obrigou-se a ter as remunerações/encargos/despesas em dia, para com a Segunda Requerida, para que esta não fizesse cessar o contrato com fundamento no não pagamento das obrigações pecuniárias vencidas. Facto que a Segunda Requerida não fez, ou seja, não resolveu o contrato, não obstante o incumprimento por parte da Requerente.
As Requeridas em nada contribuíram para a situação que se vive actualmente no Mundo, nem lhes poderá ser imputado as consequências das decisões governamentais decretadas para as lojas que comercializam vestuário. Sendo certo que, é de frisar que o acesso aos Centros Comerciais pelos seus lojistas não esteve vedado, já que houve lojas que se mantiveram em funcionamento.
Por fim, a Requerente funda a sua pretensão na sua decisão de não aceitar o termo do contrato outorgado em 06/11/2014, e prorrogado em 19/11/2020, já que considera que o mesmo deveria ser renovado/outorgado novo contrato que lhe conferisse o direito da utilização da loja sita no Centro Comercial da Segunda Requerida. O contrato outorgado entre as partes, teve a duração de seis anos, sendo prorrogada a sua caducidade para o dia 28/02/2021, por acordo das partes, pelo aditamento outorgado em 19/11/2020. Mostrando-se já caducado, não está verificado o pressuposto de fortes indícios de titularidade pelo requerente de um direito ameaçado.
Terminam pedindo a improcedência total da Providência Cautelar requerida, por não se encontrarem preenchidos os necessários requisitos legalmente exigidos nos arts. 362º e 368º do C.P.C., e que igualmente improceda o pedido de inversão do contencioso requerido na P.I., e que seja a Requerente condenada como litigante de má-fé, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 542º do C.P.C., em multa e indemnização condignas a arbitrar.
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O tribunal passou a proferir decisão final, na qual fez consignar entender que todos os elementos de prova essenciais estavam já nos autos, dispensando pois a produção de prova testemunhal e a realização de qualquer outra diligência, decisão final essa de cuja parte dispositiva, a final, consta:
Atento o exposto e sem necessidade de mais considerandos, julgo o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente:
a) Defiro a providência cautelar não especificada de autorização da permanência da Requerente C…, S.A. na loja n.º … sita no piso 1 do Centro Comercial …, enquanto perdurar a causa de suspensão da caducidade do contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre esta e as requeridas S…L, S.A. e V… – CENTRO COMERCIAL, S.A.;
b) Determino a inversão do contencioso, dispensando a requerente do ónus de propositura da acção principal;
c) Indefiro a providência cautelar não especificada de renovação do contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre requerente e requeridas até à conclusão do PER;
d) Indefiro a providência cautelar não especificada de exoneração da requerente do pagamento às requeridas da remuneração mínima correspondente aos meses de Março e Abril de 2020;
e) Absolvo a requerente do pedido de condenação em litigância de má fé.
Fixo o valor da presente acção em €30.000,01, nos termos dos arts. 296.º, 299.º n.º 1, 304.º n.º 3 al. d), 305.º n.º 4 e 306.º n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Custas pelas partes na proporção do seu decaimento, que se fixa em 2/3 para a requerente e 1/3 para as requeridas, nos termos do art. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC”.
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Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. A ora recorrente apresentou uma providência cautelar não especificada contra as requeridas, ora recorridas, peticionando que lhe seja autorizada a permanência do seu estabelecimento comercial na loja do centro comercial da 2.º requerida, onde está instalada, até ao levantamento de todas as restrições impostas ao comércio a retalho pelos sucessivos Estados de Emergência, bem como a renovação do contrato até à conclusão do Plano Especial de Revitalização da requerente, ora recorrente.
B. Decidiu, e bem, o Tribunal a quo pela permanência da requerente, ora recorrente, na loja das requeridas, ora recorridas, enquanto perdurar a causa de suspensão da caducidade prevista no art.º 8, n.º 1, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redação introduzida pela Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro, e que está prevista ter termo a 30 de Junho de 2021.
C. O presente procedimento cautelar foi intentado a 1 de Março de 2021, tendo a oposição das requeridas, ora recorridas, sido apresentada a 22 daquele mês, estando o tribunal a quo deste então apto a proferir sentença. Sucede que, a mesma apenas foi proferida no dia de 25 de Maio de 2021, isto é dois meses após a oposição das requeridas, ora recorridas; período durante o qual as requeridas, ora recorridas, se apossaram da loja de modo a impedir a eficácia da providência cautelar, bem como a ofender o direito da requerente, ora recorrente, que veio a ser reconhecido por aquela.
D. A morosidade do Tribunal a quo prejudicou a efetividade da sentença, pois as requeridas, ora recorridas, apossaram-se da loja, não tendo a ora recorrente, qualquer meio para se proteger, uma vez que não é admissível o articulado superveniente em procedimentos cautelares, ficando deste modo limitada na sua actuação.
E. Num procedimento cautelar, salvo o devido respeito que é muito, não pode ser admissível tamanha morosidade, nem tão pouco quando a decisão, na prática é a permanência na loja por um mês, o que não vai ocorrer pois, durante o tempo que demorou a proferir a decisão as ora recorridas, apossaram-se da loja e negociaram com terceiro, inviabilizando qualquer efeito útil da sentença proferida.
F. O Tribunal a quo considera, e bem, que o presente contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre a requerente, ora recorrente e as requeridas é um contrato inominado e atípico, que se rege pelos regimes resultantes das respetivas cláusulas contratuais, bem como pelas regras gerais do direito civil das obrigações, e, ainda subsidiariamente, pela disciplina das figuras contratuais que lhe são mais próximas, isto é, o contrato de arrendamento urbano e o contrato de prestação de serviços.
G. Deste modo, aplicou o Tribunal a quo o artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redação introduzida pela Lei n.º 75-a/2020, de 30 de Dezembro, por considerar que o mesmo é indistintamente aplicável a contratos de arrendamento habitacional e não habitacional, considerando que o legislador, no direito Covid-19, tem abarcado sempre nos regimes transitórios e excecionais destinados à proteção do arrendatário e do senhorio e os titulares de contratos que preveem outras formas atípicas de exploração de imóveis.
H. No que diz respeito ao pressuposto da existência ou não de um fundado receio de lesão, o Tribunal a quo levou em conta, e bem, o explanado pela requeridas, ora recorridas, na oposição, na qual estas não reconhecem a existência de qualquer causa de suspensão, tendo inclusive reassumido a posse da loja por meios coercivos, por considerarem já estar o contrato caducado.
I. O Tribunal a quo observou também, e bem, que tal comportamento das requeridas causou, e causa, “sérios prejuízos à requerente por não poder continuar a desenvolver a sua atividade comercial, a vender a sua mercadoria e a gerar receita, quando, na verdade tem direito a fazê-lo.”
J. Salvo o devido respeito que é muito, na realidade a conclusão resultando da linha de fundamentação do Tribunal a quo seria a restituição da loja à recorrente, e não apenas a autorização da permanência da mesma na loja.
K. Apesar de tal, intimamente, implicar a restituição da mesma, não é este o efeito explícito e expressamente atendido na douta sentença, o que se considera que ocorreu por mero lapso, pois tudo indica que seria essa a conclusão a que o Tribunal a quo pretendia alcançar.
L. Quanto ao segundo pedido da recorrente, não pode esta deixar de discordar da fundamentação e conclusão do Tribunal a quo.
M. Não pode a recorrente concordar com o raciocínio da Mmª Juiz a quo, pois devia e podia ter decidido de modo diverso.
N. Se o objecto do PER é o de permitir à requerente, ora recorrente, uma estratégia de crescimento, garantir desde logo que as lojas permaneçam abertas permitindo que esta funcione e continue com a sua actividade, sem as quais de outro modo seria impossível, é, salvo melhor opinião, um contrassenso considerar que as requeridas, ora recorridas, não estão vinculadas ao espírito do mesmo e somente ao seu conteúdo literal.
O. Tal não implica a ignorância de todo e qualquer prazo de caducidade, salvo o devido respeito, ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo.
P. Mas tão somente a renovação do contrato celebrado com a requerente, pois de outra forma todos e quaisquer fornecedores de espaços, poderiam não renovar os contratos e/ou considerar os mesmos caducos, ficando o PER comprometido no seu fim e objectivo, e consequentemente comprometida a viabilidade da ora recorrente, na medida em que ficaria limitada na prossecução da sua atividade.
Q. Nos termos descritos pelo Tribunal a quo, e salvo o devido respeito, abriria a possibilidade de os fornecedores de espaços, com relativa facilidade, poderem contornar a teleologia do PER.
R. Seria, pois, autorizar os devedores a proferirem declarações não sérias, ou com reserva mental ou ainda em claro abuso de direito, inviabilizando à partida o PER e desvirtuando o seu fim, espírito e teologia.
S. Não se deve considerar que a decisão supra expressa seria desproporcional, na medida em que o PER foi aprovado pelas recorridas, as quais conheciam ou tinham obrigação de conhecer o seu objectivo, fim, espírito e conteúdo, bem como as implicações da aprovação do mesmo, sem quaisquer créditos nele reclamados ou devidos.
T. Pelo exposto, requer a ora recorrente, que seja alterada a sentença, no sentido de incluir a restituição imediata da loja e do estabelecimento comercial nela inserido à recorrente, bem como, considerar que existem meios para admitir que a recorrente tem direito à renovação do contrato de utilização da loja no centro comercial das recorridas.
U. Por último, quando ao quarto pedido da recorrente relativamente ao indeferimento da exoneração da requerente do pagamento às requeridas da remuneração mínima correspondente aos meses de Março e Abril de 2020, a decisão é manifestamente contrária ao disposto no número 5 do artigo 168.º-A, da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, aditado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Junho, com a clarificação do regime excecional aplicável aos contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centro comerciais da Lei n.º 4-A/2021, de 1 de Fevereiro.
V. Pela aplicação das referidas disposições legais, fica a recorrente legalmente exonerada de proceder ao pagamento da remuneração mínima correspondente aos meses de Março a Dezembro de 2020, pelo que deve a decisão do Tribunal a quo ser alterada em conformidade com a lei.
Nestes termos e nos melhores de direito, (…) requer-se que seja julgado procedente o presente recurso, sendo alterada a sentença, no sentido de incluir a restituição imediata da loja e do estabelecimento comercial nela inserido à recorrente, bem como, considerar que existem meios ao abrigo da lei do PER, para admitir que a recorrente tem direito à renovação do contrato de utilização da loja no centro comercial das recorridas, ficando do mesmo modo a requerente exonerada do pagamento das remunerações mínimas dos meses de Março a Dezembro de 2020,
(…)”.
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Também inconformadas, as requeridas interpuseram recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1- As Apelantes não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e em consequência deferiu a providência cautelar não especificada de autorização da permanência da Requerente na loja nº 1.037, sita no piso 1 do Centro Comercial …, enquanto perdurar a causa de suspensão da caducidade do contrato de utilização de loja em Centro Comercial celebrado entre esta e as Requeridas/Recorrentes, e determinou a inversão do contencioso, interpõem o presente recurso;
2- Já que as Apelantes não podem concordar com a sentença do tribunal de primeira instância, porque consideram que deveria ser ter sido determinada a inutilidade superveniente da lide, bem como entendem que a sentença é nula nos termos do art. 195º, nº 1 e 615, nº 1, al. c) ambos do CPC e consideram que não foi feita uma correta qualificação jurídica do caso em análise já que entendem que ao caso dos autos não se aplica o art. 8º, nº 1, al. b) da Lei 1-A/2020 de 19 de março, na sua redação atual, e mesmo que se entenda que se aplica a Apelada nunca poderia beneficiar da suspensão não só porque não deduziu oportunamente oposição à não renovação do contrato como tinha dívida no mês da cessação;
3- Entendem as Apelantes que a sentença ora em crise é nula, pois prescreve o Ac. da Rel. de Lisboa datado de 07/03/2013 que “Tendo o MMº Juiz “a quo”, na sentença que exarou, procedido a “copy paste”, porquanto reproduziu factos e fundamentos de uma decisão que, na parte transcrita, não encontra suporte fáctico e jurídico nos presentes autos, incorreu em vício que vai para além do mero erro ou lapso de escrita, e determina a nulidade da própria sentença.”;
4- Pois da sentença constam factos dados como provados que não respeitam a estes autos, veja-se que no ponto 9 dos factos provados consta que “Resulta da cláusula 17ª do acordo referido em 5 que …”, quando do acordo referido no ponto 5 dos factos provados vê-se que a cláusula 17ª tem a epígrafe “Plano de distribuição do Centro Comercial”, não contendo nenhuma alusão à reassunção da loja, já que tal matéria está prevista na cláusula 16ª do contrato, pelo que tal menção se deve ao “copy paste” do teor das cláusulas do contrato em discussão no juiz 10 desse Juízo Local Cível e que corre termos sob o nº Proc. n.º 2570/21.0T8LSB (cfr. doc nº 2);
5- O mesmo se verificando relativamente ao teor da alínea 10ª da aludida cl. 16ª (Direito de Resolução), a qual não tem a redação transcrita na douta sentença, pois a redação reproduzida na decisão do Tribunal a quo é a que consta no contrato em discussão no juiz 10 desse Juízo Local Cível e que corre termos sob o nº Proc. n.º 2570/21.0T8LSB, pois, até a Apelada no art. 126º da sua p.i. transcreve a alínea corretamente, motivo pelo qual a transição constante nessa alínea só se pode ficar a dever a reprodução mecânica mal sucedida;
6- Acresce que, mesmo que se entenda que tais vícios possam ser retificados ao abrigo do art. 614º do CPC, a verdade é que o “copy paste” da sentença proferida no juiz 10 desse Juízo Local Cível e que corre termos sob o nº Proc. n.º 2570/21.0T8LSB, não pode ter aplicação no caso dos autos, já que nos autos que pendem no juiz 10, a providência cautelar foi instaurada antes do termo do prazo de caducidade do contrato enquanto que os presentes autos deram entrada no tribunal já depois do termo do prazo de caducidade, pelo que o Tribunal a quo não poderia sem mais fazer copy paste da sentença do Juiz 10;
7- Razão pela qual a sentença é nula nos termos dos arts. 195º, nº 1 e 615º, nº 1, al. c) todos do CPC;
8- Caso assim não se entenda deverá ser ordenada a retificação do teor desse ponto 9 dos factos provados, bem como a que consta no ponto 7 dos factos provados, já que refere que “A 19 de Novembro de 2020, por aditamento ao acordo referido em 5, requerente e requeridas (…) – conforme documento junto a fls. (doc. 1 oposição) ….”, quando do doc. nº 1 junto com a Oposição resulta que só a Requerente e Segunda Requerida é que são partes nesse acordo, não havendo qualquer intervenção da Primeira Requerida, motivo pelo qual deverá passar a constar no ponto 7 dos factos provados que “A 19 de Novembro de 2020, por aditamento ao acordo referido em 5, requerente e segunda requerida (…) – conforme documento junto a fls. (doc. 1 oposição) ….”;
9- Entendem igualmente as Apelantes que da matéria de facto dada como provada, não constam dois factos essenciais para a boa decisão da causa – a data da instauração dos presentes autos em 01/03/2021 e mencionado no art. 9º da oposição e o facto da Segunda Apelante ter assumido na Oposição, que na data de 04/03/2021 reassumiu a loja;
10- Considerando que o facto da data da instauração é de conhecimento do Tribunal e que o facto de reassunção da loja foi confessado pela Segunda Apelante, e notificada da Oposição a Apelada nada disse, entendem as Apelantes que os mesmos deverão ser dados como factos provados;
11- E nessa sequência deverão ser aditados dois pontos à matéria de facto dada como provada, com a seguinte redação:
Ponto 13: “Os presentes autos deram entrada no dia 01/03/2021.”
- Ponto 14: “Como a Requerente não entregou a loja, a Segunda Requerida, no dia 04/03/2021 reassumiu a posse da loja com fundamento na cláusula 16ª do contrato.”
12- Atento o referido no artigo precedente in fine, consideram as Apelantes que a utilidade do presente procedimento cautelar se esvaziou naquela data, 04/03/2021, por via da alegada lesão ter ocorrido nesse dia;
13- Ora, as providências cautelares têm a sua justificação naquele princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão ou naquela consideração de que o processo deve dar ao Autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide;
14- Conforme assinala Manuel A. Domingues de Andrade, através do mecanismo próprio dos procedimentos cautelares pretendeu "a lei seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo";
15- As providências cautelares são, assim, medidas que visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, não perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o pericullum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica;
16- Pois, como refere o Ac. da Relação de Lisboa datado de 13/04/2005 “A providência surge, assim, como anúncio e antecipação da outra providência jurisdicional, de modo a que esta possa chegar a tempo. O procedimento cautelar tem por fim prevenir o "periculum in mora", não sendo sua função a condenação por ofensa do direito "acautelado";
17- Na mesma linha de pensamento diz-nos o Ac. da Relação do Porto datado de 21/10/2004 que “O processo cautelar não visa a correção de situações, mas tão-somente prevenir lesão que venha a ser grave e dificilmente reparável.”;
18- Do que vem sendo dito extrai-se que se a lesão já se verificou aquando da prolação da sentença, pelo que a necessidade da tutela através da providência já não se justifica, não sendo também lícito realizar atos inúteis, conforme o princípio da limitação dos atos, plasmado no art. 130º do CPC;
19- Assim, a presente providência cautelar deveria ter sido indeferida com fundamento na inutilidade superveniente da lide, nos termos exarados na alínea e) do art. 277º do CPC, o que expressamente se requer, já que não se entende como se conciliará a decisão proferida quando a Apelada já não tem a posse da loja!!!;
20- A que acresce o facto da Apelada, já ter procedido ao levantamento dos seus bens do Centro Comercial da Segunda Apelante, conforme consta do doc. nº 3, já junto;
21- Razão pela qual, a decisão de 1ª Instância ao ter decidido como decidiu violou os arts. 362º, 130º e 277º, al. e) todos do CPC, já que as alegadas lesões que a Apelada pretendia evitar com a presente providência já se consumaram;
22- Entendem as Apelantes que sentença ora em crise, fez uma incorreta aplicação do art. 8º, nº 1, al. b) da lei 1-A/2020 de 19 de março, na sua redação atual, ao caso dos autos, uma vez que aquela disposição legal não se aplica ao caso concreto;
23- Pois, no sentido literal da norma não resulta que aquela se aplica ao contrato objeto dos autos, mas somente aos contratos de arrendamento, figura jurídica, hoje pacificamente aceite pela larga maioria da Jurisprudência e da Doutrina, que é distinta do contrato de utilização de loja em centro comercial;
24- Também consideram as Apelantes que tal norma, e como refere a sentença, sendo excecional não pode ser aplicada analogicamente, mas somente aplicada por via de interpretação extensiva;
25- Como alude o Ac. do STJ datado de 28/03/1995 que “A interpretação extensiva limita-se a esclarecer o pensamento legislativo de certa norma, em face de uma redação demasiado restrita, sem tentar aplicá-la a casos que ela não previu, como já sucede no processo analógico;”
26- Ora, atendendo a que essa lei – 1-A/2020, já foi alvo de quatro alterações, e o art. 8º foi sucessivamente alterado, cremos que a não alusão ao contrato de utilização de loja em Centro Comercial nessa disposição se deve ao facto de o legislador não a querer aplicar a esse contrato e não porque se esqueceu;
27- Pois, logo no art. 8º - A, aditado pela Lei 14/2020, de 9 de maio, o legislador sob a epígrafe “Efeitos sobre contratos de arrendamento e outras formas de exploração de imóveis” estabelece um regime próprio para o contrato dos autos, pelo que não é crível que aquando das sucessivas revisões da Lei 1-A/2020, de 19 março, se tenha esquecido que afinal o art. 8º se aplicava aos contratos de utilização de loja em Centro Comercial;
28- Já que, a ser assim seria permitir aos lojistas mais direitos que aos arrendatários, pois estes por nenhum fundamento poderiam ser desapossados das lojas, nem por caducidade nem pelo encerramento das lojas, já que inexiste qualquer disposição semelhante para os arrendatários;
29- Além disso, a fundamentação de que se serviu o Tribunal de 1ª Instância para concluir que o legislador disse menos que o pretendido, leva exatamente a concluir o contrário, já que art. 10º, nº 2, al. a) da Lei 4-C/2020 de 6 abril refere que “o presente capítulo não se aplica aos estabelecimento inseridos em conjuntos comerciais que beneficiam do regime previsto no nº 5 do artigo 168º-A da Lei 2/2020, de 31 de março(…)”, razão pela qual é forçoso concluir que o legislador estabeleceu um regime próprio para este tipo de contrato, não havendo qualquer omissão deste ao formular o art. 8º da lei 1-A/2020 que justifique o recurso à interpretação extensiva, pois, note-se, que mesmo no artigo 168-A, não obstante a epígrafe do artigo, a verdade é que o legislador estabeleceu uma disposição só para este tipo de contratos, no caso, o número 5;
30- Também não se diga que a aplicação dessa disposição ao caso dos autos se deverá determinar sob pena de violação do Princípio da Igualdade, já que, repete-se, as diferenças entre os contratos de arrendamento e o dos autos é hoje pacificamente aceite pela Jurisprudência e Doutrina;
31- Pelo que, não se pode tratar igual o que é diferente, até porque a admitir-se a aplicação desse artigo ao contrato inominado como o dos autos, estar-se-ia a dar um tratamento favorável aos lojistas, quando na verdade os Proprietários dos Centros Comerciais também veem os seus direitos violados;
32- Além disso, não podemos esquecer, que as partes no âmbito da sua liberdade contratual outorgaram em 19/11/2020, um aditamento ao contrato, mediante o qual prorrogaram a sua caducidade para o dia 28/02/2021;
33- Deste aditamento consta da cláusula 3ª, nº 1, que “O presente contrato, caducará, impreterivelmente, em 28 (vinte e oito) de Fevereiro de 2021.”, ou seja, a caducidade do contrato iria operar-se automaticamente na data indicada e sem necessidade de qualquer comunicação ou advertência a efetuar pelas Partes, e que a cláusula 4ª, nº 3 passará a ter a seguinte redação “As partes declaram ainda que o Contrato caducará no dia 28 (vinte e oito) de Fevereiro de 2021 e que as partes não celebrarão novo contrato de utilização de loja em Centro Comercial para a loja 1.037 (um ponto zero trinta e sete) do Centro …, obrigando-se a SEGUNDA CONTRAENTE a entregar à PRIMEIRA a referida loja livre e devoluta de pessoas e bens na indicada data de (vinte e oito) de Fevereiro de 2021.”;
34- Ora, esse aditamento que a Apelada aceitou e apôs a sua assinatura não poderá ser completamente desvalorizado pelo Tribunal, pois esse acordo foi precedido de negociações o qual criou na Segunda Apelante a expectativa jurídica e o respetivo direito de ver o contrato caducado no dia estipulado;
35- E foi com base nesse direito que a Segunda Apelante, como já tinha transmitido à Apelada, negociou com terceiros a ocupação da loja, e cuja posse, a Segunda Apelante nesta data já não tem, tal como resulta do contrato de utilização de loja em Centro Comercial já junto como doc. nº 1, ao abrigo do art. 651º, nº 1 do CPC;
36- Além disso, não podemos olvidar que à data da outorga do aditamento ao contrato já existia a pandemia e o teor do art. 8º, nº 1, al. b) da Lei 1-A/2020 não foi alterado desde essa data até à presente data;
37- Pelo que, salvo melhor opinião, aquele aditamento deverá ser considerado como uma manifestação de não oposição à caducidade, pois caso contrário estar-se-ia a premiar o incumpridor;
38- Mas mesmo que se entenda que aquele aditamento, como refere a sentença do Tribunal de primeira instância, não possa ser entendida com uma não oposição à renovação do contrato, a verdade é que até à data de 28/02/2021 a Apelada não deduziu qualquer oposição à não renovação do contrato, mas somente depois de o mesmo ter caducado;
39- Além disso, mesmo que se considere que ao contrato dos autos se aplica o art. 8, nº 1, al. b) da Lei 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, o que só por mera hipótese académica se admite, a Apelada nunca poderia beneficiar da suspensão, já que esta depende do regular pagamento da renda;
40- Quanto a esta questão, diga-se que as Apelantes foram coartadas no seu direito de defesa, já que não alvitrando a Recorrida tal direito, e considerando-se até haver excesso de pronúncia, a verdade é que o Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu sem antes ouvir as Apelantes;
41- Pois, a decisão do tribunal de 1ª Instância “apanhou” as Apelantes completamente de surpresa, e agora, em sede de recurso têm que se defender desse novo enquadramento jurídico, tendo até que recorrer à junção de documentos para provar que à data de 28/02/2021, a Apelada nunca poderia beneficiar de tal regime de suspensão porque tinha dívida vencida referente ao mês de fevereiro de 2021 para com a Segunda Apelante, no valor de € 6.088,98, conforme melhor se afere da fatura e do extrato de conta corrente, cuja junção se requer nos termos do art. 651º do CPC;
42- Razão pela qual, mesmo admitindo-se a aplicação do art. 8º da Lei 1-A/2020 ao contrato dos autos, a Requerida nunca poderia beneficiar de tal regime atenta a dívida que tinha com a Segunda Apelante;
43- Assim sendo, verifica-se que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância não fez uma correta interpretação e aplicação do art. 8º da Lei 1-A/2020 de 19 de março, na redação atual, entendimento esse que é partilhado pelo Professor Pinto Monteiro e cujo extrato do parecer se junta ao abrigo do art. 651º, nº 2 do CPC;
44- A entender-se que a norma do art. 8º da Lei 1-A/2020, na redação atual, se aplica sem mais ao contrato dos autos, haverá inconstitucionalidade da mesma já que viola flagrantemente o Princípio da Igualdade plasmado no art. 13º da CRP bem como o Regime dos direitos, liberdades e garantias da Segunda Apelante (art. 17º da CRP), pelos fundamentos já supra explanados;
45- Na senda do que vem exposto, as Apelantes igualmente não podem concordar com a decisão que deferiu a inversão do contencioso, primeiro porque inexiste qualquer direito da Apelada que merecesse a tutela jurídica e depois, mesmo que existisse, substancialmente não poderia ser reconhecido, atento o não pagamento do valor devido em fevereiro de 2021;
46- Motivo pelo qual a decisão de inversão do contencioso nunca poderia ser deferida dado que não reflete a justa composição do litígio;
47- Como alude o Ac. da Rel. de Coimbra datado de 12/09/2017 “Entende-se, pois, que nos casos em que no procedimento cautelar é produzida prova suficiente para que se forme convicção segura sobre a existência do direito acautelado - (prova stricto sensu do direito que se pretende tutelar) - e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não haverá razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”);”
48- Porém, nos presentes autos não existe qualquer direito da Recorrida, nem esta alega claramente uma expetativa, sendo certo que dos autos não consta prova cabal que permitisse, sem margem para dúvidas, a inversão do contencioso, motivo pelo qual há violação da norma consagrada no art. 369º do CPC;
Face ao exposto, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, e em consequência ser indeferida a Providência Cautelar requerida bem como a inversão do contencioso.
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Contra-alegaram S…, S.A. e CENTRO…, S.A., no recurso interposto por C…, S.A, formulando a final as seguintes conclusões:
1- A Apelante interpôs recurso de apelação da sentença de fls. ... que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e em consequência deferiu a  providência cautelar não especificada de autorização da permanência da Requerente na loja nº …, sita no piso 1 do Centro Comercial … e indeferiu a providência cautelar não especificada de renovação do contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre Requerente e Requeridas até à conclusão do PER e ainda indeferiu a exoneração da Requerente do pagamento às Requeridas da remuneração mínima correspondente aos meses de março e abril de 2020;
2- Entendem, as Apeladas que o recurso apresentado pela Apelante deve ser indeferido, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b) do CPC, uma vez que o mesmo não contém conclusões;
3- A Apelante requer a alteração da sentença, entendendo que existe lapso do Tribunal, no que concerne ao seu primeiro pedido, pois considera que o Tribunal de 1ª Instância pretendia dizer a restituição da loja àquela, alegando nomeadamente que a morosidade do Tribunal a quo prejudicou a efetividade da decisão;
4- Insurge-se ainda quanto ao segmento da decisão que indeferiu a providência cautelar não especificada de renovação do contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre Requerente e Requeridas até à conclusão do PER, e ainda do indeferiu a providência no que concerne à exoneração da Apelante no que se refere ao pagamento das remunerações mínimas de março e abril de 2020, decisão essa que as Apeladas consideram que é de manter in totum;
5- Quanto à alteração da decisão relativamente ao primeiro pedido da Apelante em que pede que a decisão de 1ª Instância deverá incluir a restituição da loja, não percebem as Apeladas como poderia o Tribunal proferir tal decisão quando tal não foi peticionado, considerando que nesta data, processualmente, tal alteração não poderá ser julgada procedente, senão vejamos;
6- Desde logo, se diga que não se percebe que a Apelante tenha outorgado o acordo de 19/11/2020, no qual se estipulou expressamente o termo do contrato em causa para o dia 28/02/2021, e só no dia 01/03/2021, ou seja, já depois de caducado o contrato é que dá entrada dos presentes autos;
7- Além disso, requer a restituição da loja, quando nem sequer requer a alteração da matéria de facto dada como provada;
8- Pois, confessado tal facto pelas Apeladas na sua Oposição, a decisão do Tribunal de 1ª Instância, salvo melhor entendimento em contrário, deveria ter sido outra, no sentido de extinção dos presentes autos, por inutilidade superveniente da lide, já que a lesão que se procurava evitar com a providência cautelar já se tinha verificado, conforme melhor explanado no recurso interposto pelas Apeladas, quanto a esse segmento de decisão, já que existe uma impossibilidade objetiva de cumprimento da decisão, uma vez que a Segunda Apelada já nem sequer tem a posse da loja;
9- Por outro lado, sabendo a Apelante que desde o dia 04/03/2021 que já não tinha a posse da loja, poderia ao abrigo do art. 265º, nº 2, do CPC, logo que teve conhecimento de tal facto, ter alterado o seu pedido, o que não se verificou, pelo que não poderá agora em sede de recurso fazê-lo;
10- Mas, mesmo admitindo-se que o art. 265º, nº 2 do CPC não é admissível nos procedimentos cautelares, sempre poderia a Apelante lançar mão do previsto no art. 376º, nº 3º do CPC o que também não sucedeu;
11- Além disso, tendo sido deferido o primeiro pedido da Apelante, na íntegra, entendem as Apeladas, com o devido respeito, que a Apelante não tem interesse em agir nos termos do art. 631º, nº 1 do CPC;
12- Razão pela qual consideram que a alteração requerida pela Apelante a esse Douto Tribunal Superior não poderá ser atendida, sob pena de violação dos arts. 615º, nº 1, al e), 639º, 631º e 265º do CPC;
13- Quanto à decisão que indeferiu a renovação do contrato até à conclusão do PER, entendem as Apeladas que não poderia ter sido proferida decisão diversa, já que dos termos do Plano não resulta qualquer vínculo das Apeladas a isso;
14- Antes de mais, é de clarificar que a Primeira Apelada a nada se vinculou, pois é somente a gestora do Centro Comercial onde se situa a Loja, cabendo em exclusivo à Segunda Apelada o poder de decisão de outorgar ou não novo contrato;
15- Não podendo a Apelante pretender que a Segunda Apelada seja obrigada a cumprir algo que não aceitou, quando aquela não cumpriu o acordo outorgado no dia 19/11/2020, no qual reconhecia que o contrato só iria perdurar até ao dia 28/02/2021, data em que entregaria a loja livre e devoluta, e que mais nenhum contrato iria ser celebrado;
16- Por esta vinculação de 19/11/2020, também teria que improceder o pedido da Apelante, pois já no decurso no PER aceita pôr termo ao contrato, no dia 28/02/2021, e subsequentemente vem exigir a sua renovação;
17- E note-se que nesse acordo, já junto aos autos como doc. nº 2 da p.i., a Apelante negociou o teor do mesmo, apondo a sua assinatura, não impugnando o teor e assinatura, pelo que é forçoso concluir que o aceita e o reconhece como válido;
18- Ora, se a Apelante não tem que cumprir o acordo outorgado em 19/11/2020, qual o fundamento para que a Segunda Apelada tenha que cumprir algo a que não se vinculou, já que repete-se, nos termos do PER, homologado, os Credores dos espaços iriam ser ressarcidos nos seguintes moldes“– o pagamento do valor em dívida mediante “acordo ad-hoc, em função de imperatividade de ter o valor de rendas em dia, sob pena de as lojas próprias não poderem desenvolver a actividade de comercialização” com vista a que aqueles não procedessem à denúncia dos contratos.
19- Pelo que não poderá haver dúvidas que a Apelante se vinculou a ressarcir a Segunda Apelada, relativamente ao passivo que tinha para com aquela, à data da nomeação do Sr. Administrador Judicial Provisório, 06/08/2019, mediante a outorga de acordos ad hoc e no pressuposto de ter as remunerações em dia, factos que não se verificaram, pois, conforme explanado na Oposição a Apelante não só não cumpriu o acordo ad hoc como não tinha as remunerações que se venceram após aquela data em dia;
20- Além disso, é caricato que a Apelante venha defender que a Segunda Apelada tenha que permitir a sua manutenção da loja até ao termo do PER, quando bem sabe que caso haja incumprimento do Plano, aquela sempre teria a opção de lançar mão do mecanismo previsto no art. 218º do CIRE, aplicável ao PER;
21- Razão pela qual é inverosímil a tese defendida pela Apelante de que os Credores do PER, ao votarem favoravelmente o mesmo, se estão a coartar no seu direito fundamental de liberdade contratual, já que, a ser assim, nenhum credor votaria favoravelmente o PER;
22- Por último é de realçar que nos termos do PER não resulta qualquer obrigação para a Segunda Apelada de renovar o contrato, objeto dos autos até ao termo do PER, como também aquela não o resolveu com fundamento no não pagamento das remunerações devidas e não pagas, extinguindo-se o contrato em causa pelo decurso do seu prazo e relativamente ao qual não existia qualquer condição da sua não verificação;
23- Pelo que não pode a Apelante pretender fazer valer algo que não existe, em claro venire contra factum proprium.
24- Por último, requer a Apelante a alteração da decisão do Tribunal de Primeira Instância com fundamento no nº 5 ao art. 168º-A da Lei nº 2/2020, de 31 de março, aditado pela Lei nº 27-A/2020, de 24 junho, com a clarificação do regime excecional aplicável aos contratos de exploração de imóveis para o comércio e serviços em centro comerciais da Lei nº 4-A/2021, de 1 de fevereiro.
25- As Apeladas consideram que a decisão do Tribunal de Primeira Instância não merece qualquer censura, já que a Apelante no requerimento inicial não invoca qualquer facto que permita concluir pelo perigo de lesão deste direito na demora de uma eventual ação principal.
26- Nem a demora no âmbito de uma putativa ação declarativa comum, teria a virtualidade de prejudicar de forma alguma, a sua atividade ou marca;
27- Até porque, repete-se o contrato não findou com fundamento no não pagamento de remunerações/encargos ou despesas mas sim pelo decurso do seu prazo;
28- Sem prescindir que, como já referido no art. 77º da na oposição, a Segunda Requerida já informou a Requerente de que irá proceder à emissão das notas de crédito, sendo que a sua validade ficará depende da decisão do Tribunal Constitucional quanto à constitucionalidade da norma que veio isentar o pagamento daquela rubrica desde março de 2020, pelo que também por aqui inexiste qualquer perigo de lesão que justifique o decretamento da providência;
29- Devendo por isso manter-se a decisão do Tribunal a quo quanto a este pedido.
Perante o exposto, entendem as Apeladas que o peticionado pela Apelante no que concerne ao primeiro pedido da petição inicial deverá ser julgado improcedente e quanto ao pedido de renovação do contrato de utilização de loja até ao termo do PER e de exoneração da Requerente do pagamento às Requeridas da remuneração mínima correspondente aos meses de março e abril de 2020, deverá ser mantida a decisão de primeira instância.
Com as contra-alegações, as Requeridas juntaram cópia do contrato celebrado em 30.11.2020 entre a C.. – Centro …. S.A., e a T… S.A., para utilização da loja nº … do Centro Comercial …, contrato com duração de seis anos e caducidade prevista para 28.2.2027.
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Contra-alegou C…, S.A., no recurso interposto por S… S.A. e V… – CENTRO …, S.A., formulando a final as seguintes conclusões:
I. As apelantes interpuseram recurso da sentença proferida pelo tribunal a quo, que julgou, e bem, o procedimento cautelar parcialmente procedente e em consequência deferiu a providência cautelar não especificada de autorização da permanência da requerente na loja, sita no Centro Comercial da 2.º requerida, enquanto perdurar a causa de suspensão da caducidade do contrato, bem como determinou a inversão do contencioso.
II. Quanto à natureza dos contratos de utilização de loja em centros comerciais, andou bem o tribunal a quo quando considerou que são contratos atípicos, devendo ser regulados pelas normas que os constituem, porém, em subsidiariamente deve aplicar-se as normas aplicáveis às figuras contratuais mais próximas, como seja, o contrato de arrendamento e o contrato de prestação de serviços.
III. O Acórdão da Relação de Lisboa, no processo 209280-12.5YIPRT.L1-8, datado de 26.02.2015 refere “Por isso, a esse contrato é aplicável, desde logo, o regime resultante das respectivas cláusulas acordadas, desde que válidas, bem como o regime legal geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o são, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano e o de prestação de serviço”
IV. Doutrina semelhante é aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a título de exemplo, nos acórdãos dos processos 8165-11.0TBBRG.L1-8, datado de 21-04-2016; processo 209280-12.5YIPRT.L1-8, datado de 26-02-2015; 2357/07.3TVLSB.L1-1 datado de 24.04.2012. De igual modo, adota esta posição o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão do processo 232/06.8TBBRR.L3.S1 datado de 02-11-2017 e no processo 884/12.0TVLSB.L1.S1 datado de 19-11-2015.
V. Por não existir legislação “Covid-19” diretamente aplicável às situações dos contratos de utilização de loja em Centro Comercial, o tribunal a quo considerou, e bem, que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, estabelece medidas excecionais e provisórias para dar resposta à situação epidemiológica vivida no país, procurando reforçar e assegurar os apoios, nomeadamente, aos arrendatários e senhorios habitacionais e não habitacionais.
VI. Por o contrato de exploração de loja em centro comercial ter grandes similitudes como contrato de arrendamento, cujas normas lhe são aplicáveis subsidiariamente, e atendendo a que as restrições impostas pelas medidas implementadas por força da pandemia, na prática, afectam de modo idêntico tanto o lojista de rua como o lojista de centro comercial, não faz, por isso, sentido excluir estes últimos do âmbito de aplicação daquela norma, nem existe qualquer fundamento para que a mesma realidade seja tratada de forma dispare apenas por o local da loja estar incorporado num complexo comercial.
VII. Por se ter verificado que existe descoordenação entre o texto e o espírito da lei, por o contrato de exploração de loja em centro comercial estar abrangida pelo espírito da norma, andou bem o tribunal a quo quando decidiu que a norma terá de lhe ser aplicável através de uma interpretação extensiva, ao abrigo do artigo 11.º do Código Civil.
VIII. Por outro lado, e ao contrário do indicado pelas apelantes nas suas alegações, não é verdade que o risco esteja todo do lado daquelas, na medida em que os lojistas suportam o risco de inventário, os custos de amortização económica, os custos dos armazéns, dos escritórios, do pessoal e do escoamento da mercadoria não vendida.
IX. Confessam as apelantes a reassunção da loja, pelo que nos termos do artigo 352.º do CC, significa que aquelas reconheceram um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
X. As apelantes reassumiram a loja através do uso da figura da ação directa, pois entraram na loja contra a vontade do lojista, despojando-a do seu conteúdo e entaipando-a, de molde a obstar à sua utilização pela requerente. Ao taipar a loja as apelantes pretenderam privar a apelada de aceder ao espaço (loja e bens que se encontravam no seu interior) e impedi-la de exercer a sua actividade.
XI. O Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 3028/08.9TVLSB-2 de 19.03.2009, refere que entrou na loja contra a vontade da Requerente, despojando-a do seu conteúdo e entaipando-a, de molde a obstar à sua utilização pela Requerente (…) Por isso, conforme proclama a Constituição da República Portuguesa no nº 5 do seu artigo 20º (…)A cláusula em causa não observa estes limites, pelo que é nula (artigos 405º, nº 1, 280º nºs 1 e 2, 294º e 292º do Código Civil; neste sentido, cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 04.11.2004, processo 7145/2004-6, na internet, dgsi.itij).
XII. Também neste sentido, o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa no processo 11378/16.4T8SNT.L1-2 datado de 9.02.2017 e no processo n.º 1464/08.0TVLSB-A.L1-2, e sem prejuízo dos mencionados no acórdão citado.
XIII. Deste modo, a cláusula 16.ª do contrato de utilização de loja em centro comercial não observa os limites impostos pelos artigos 20.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa; 1.º do CPC, 405.º, n.º 1; 280.º, n.º 1 e 2; 294.º e 292.º do CC, pelo que deve ser considerada nula, sendo um acto ilícito de justiça privada.
XIV. Sendo a actuação das apelantes nula, tendo o reconhecimento efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, nos termos do artigo 286.º e 289.º do CC.
XV. Mais se dirá que, as apelantes tiveram oportunidade de fundamentar a inutilidade superveniente da lide aquando da oposição da providência cautelar e não o fizeram, ficando aí precludido o direito de defesa, pois, no direito processual civil português, é fundamental o princípio do contraditório, o qual se traduz na possibilidade de cada parte tem de contestar e controlar a actividade da outra ao longo de todo o processo, através da apresentação da contestação ou de oposição.
XVI. Caso as apelantes não considerassem que existia um direito por parte da apelada, deveriam ter expressado e justificado essa posição na oposição, pois, a contestação ou oposição é a peça processual através da qual o réu ou os requerentes respondem à petição inicial tomando posição perante os factos ali apresentados, e manifestando oposição ao pedido formulado pelo autor.
XVII. É, assim, absurdo as apelantes referirem que viram o seu direito de defesa coartado por terem de se defender dos factos apresentados pela apelante, pois esse é um princípio fundamental do direito processual civil.
XVIII. Nesta senda, a inutilidade superveniente da lide apresentada pelas apelantes, não faz qualquer sentido, pois, a actuação que suporta a situação de inutilidade superveniente da lide está manchada pelo vício da nulidade, e simultaneamente foram as apelantes que, sabendo da presente providência actuaram ainda assim sob a figura de acção directa.
XIX. Mais, efectivamente, e ao contrário do considerado pelas apelantes existe efeito útil na decisão do tribunal a quo, na medida em que as apelantes não podem continuar a considerar o contrato caducado, não o podendo continuar a considerar como terminado até junho de 2021 e negociar ou contratar com terceiros, caso contrário, desrespeitam a autoridade do tribunal e a figura do caso julgado.
XX. Do mesmo modo, apesar de as apelantes terem reassumido a loja, ainda que de forma ilícita, a douta sentença obriga-as a restituir a mesma a apelada de modo que esta restabelece o seu estabelecimento comercial.
XXI. A confissão das apelantes nas suas alegações de que durante o litígio negociaram com outro lojista, é reconhecedor do desrespeito pelo tribunal, da confirmação da lesão ao direito da alegada de ver os efeitos da caducidade suspensos, agindo as apelantes em clara má-fé!
XXII. Por fim, dir-se-á que as apelantes trazem factos novos ao processo que não constam da matéria de facto apresentada e discutida em sede de audiência de julgamento
XXIII. Não podem as apelantes, em sede de recurso, apresentar factos novos que, à data da interposição da presente providência cautelar, tinham conhecimento e não foram apresentados em sede de oposição, ficando precludido o direito de o fazer mais tarde no processo.
XXIV. Não deve ser assim admitido o facto novo trazido pelas apelantes, quando referem que “(…) nunca a Apelada poderia beneficiar da suspensão do prazo de caducidade não só porque não deduziu oposição à não renovação dentro do prazo como tinha dívida à data de fevereiro de 2021.”
XXV. Vêm igualmente as apelantes juntar documentos novos em sede de recurso, que à data da apresentação da oposição tinham deles conhecimento, bem como estavam na sua posse.
XXVI. Não tendo as apelantes apresentado os documentos em sede própria, estando possibilitadas de o fazer, não podem vir apresentar em sede de recurso, pois não são admissíveis nos termos dos artigos 651.º e 425.º do CPC.
XXVII. Deste modo, não podem ser admitidos os documentos n.º 4, 5 e 6 ora juntos pelas apelantes em sede de recurso.
XXVIII. Nestes termos, reque-se que seja julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão de procedência do procedimento cautelar.
Nestes termos e nos melhores de direito (…) requer-se que seja julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão de procedência do procedimento cautelar, (…)”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir – e vamos identificar as questões prévias por referência a cada recurso – são:
No recurso da requerente:
Questões prévias: das conclusões da alegação, da falta de interesse em agir, nos termos do artigo 631º, nº 1 do CPC.
Questões do recurso:
- saber se o segmento condenatório “autorização da permanência da Requerente C…, S.A. na loja n.º …, sita no piso 1 do Centro Comercial …, enquanto perdurar a causa de suspensão da caducidade do contrato de utilização de loja em centro comercial” deve ser rectificado de modo a incluir a condenação imediata na restituição da loja e estabelecimento comercial;
- saber se deve ser deferido o pedido de reconhecimento do direito da requerente à renovação do contrato de utilização da loja no centro comercial até ao termo do PER;
- saber se deve ser deferida a exoneração da requerente do pagamento às requeridas da remuneração mínima correspondente aos meses de Março e Abril de 2020.
Recurso das requeridas:
Questão prévia: - da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
Questões do recurso:
- Da nulidade da decisão recorrida;
- Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Da improcedência da providência decretada e da falta de requisitos para a declaração de inversão do contencioso.
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III. Matéria de facto
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“III – FACTOS
Mostram-se indiciariamente demonstrados os seguintes factos, com base na admissão por acordo das partes e nos documentos juntos aos autos:
1. A requerente explora a marca de artigos de vestuário de homem, mulher e acessórios M…. – conforme documento junto a fls.18v a 38 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2. A primeira Requerida S…, S.A. é a sociedade gestora do Centro Comercial …, gestão que também exerce noutros centros comerciais – conforme documentos juntos a fls. 18v a 38 e 116 a 127 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
3. A segunda requerida V… – CENTRO …, S.A. é proprietária do Centro Comercial com o mesmo nome – conforme documentos juntos a fls. 18v a 38 e 128 a 138 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
4. Por acordo celebrado com a segunda requerida, a primeira requerida assumiu a responsabilidade de gerir o referido Centro Comercial, incluindo a organização, administração, promoção, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do mesmo – conforme documento junto a fls.18 v a 38 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
5. Em 06 de Novembro de 2014 a requerente celebrou com a primeira requerida um acordo denominado “Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial”, nos termos do qual aquela lhe cedeu a utilização da loja n.º … com 81,12m2, sita no piso 1 do Centro Comercial … destinada à actividade comercial de venda ao público de artigos de vestuário feminino, masculino e acessórios e calçado da marca M…, por um período de 5 anos, com início a 1 de Janeiro de 2015 até 31 de Dezembro de 2020. – conforme documento junto a fls.18 v a 38 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
6. Em contrapartida, a requerente obrigou-se, no âmbito do referido acordo, ao pagamento de uma retribuição periódica mensal resultante da soma de duas parcelas: uma remuneração mínima pré-determinada no valor de 9.563,64€ e uma remuneração percentual correspondente à aplicação da percentagem de 7% ao valor da facturação mensal bruta da loja, sem IVA. – conforme documento junto a fls.18 v a 38 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
7. A 19 de Novembro de 2020, por aditamento ao acordo referido em 5, requerente e requeridas procederam à alteração da data do término daquele, ficando convencionado o dia 28 de Fevereiro de 2021. – conforme documento junto a fls. (doc. 1 oposição) cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8. Resulta do ponto 3 da cláusula quarta do aditamento as partes fizeram constar:  “As partes declaram ainda que o Contrato caducará no dia 28 (vinte e oito) de Fevereiro de 2021 e que as partes não celebrarão novo contrato de utilização de loja em centro Comercial para a loja … (…) do Centro Comercial …, obrigando-se a SEGUNDA CONTRAENTE a entregar à PRIMEIRA a referida loja livre e devoluta de pessoas e bens na indicada data de (vinte e oito) de Fevereiro de 2021”. – conforme documento junto a fls. (doc. 1 oposição) cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9. Resulta da cláusula 17.ª do acordo referido em 5. que “4 - Resolvido o contrato nos termos previstos no número anterior, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da LOJA para reassumir a detenção da LOJA, ou de, não lhe tendo aquela chave sido entregue, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma loja”   “10 – O disposto nos números 2, e 4 a 8 supra é também aplicável quando a extinção dos efeitos do presente contrato proceda de qualquer outra causa, nomeadamente quando resulte da revogação ou da caducidade estipuladas no n.º 4 da cláusula 2.ª e no n.º 1 da cláusula 3.ª, respectivamente se a SEGUNDA CONTRAENTE não proceder atempadamente à entrega da LOJA”. – conforme documento junto a fls.18 v a 38 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
10. A requerente apresentou um Plano Especial de Revitalização em Agosto de 2019 no âmbito do processo n.º 2576/19.0T8STS, a correr termos no Juízo de Comércio de Santo Tirso – J4. – conforme documento junto a fls. 42 a 63 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
11. As requeridas votaram favoravelmente tal plano, que tem prevista uma duração de 10 anos. – conforme documento junto a fls. 42 a 63 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
12. No âmbito do PER ficou estipulado quanto aos credores fornecedores de espaço, a realização de “Acordos de pagamento ad-hoc, em função da imperatividade de ter o valor de rendas em dia, sob pena de as lojas próprias não poderem desenvolver a actividade de comercialização”.
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IV. Apreciação
Recurso da requerente:
Questões prévias:
Em primeiro lugar, notar que embora tenha sido interposto recurso em 8.6.2021 pela requerente no qual, efectivamente, não foram formuladas conclusões da alegação, logo no dia seguinte, pela referência Citius 39117180 foi junto recurso cujo corpo não difere do submetido no dia anterior e que já apresenta as conclusões do recurso devidamente formuladas. Verifica-se ainda que em 9.6.2021 o recurso continuava a ser tempestivo. Assim, não procede a questão prévia suscitada pelas recorridas nas suas contra-alegações.
Em segundo lugar, sustentam as mesmas recorridas que falta interesse em agir à recorrente quando pretende, relativamente ao segmento condenatório, a inclusão da condenação na restituição imediata da loja. Essa falta resultaria de a requerente não ter pedido a restituição da loja e, portanto, de não ter ficado vencida numa decisão judicial que a não concedeu.
É facto que a requerente não pediu a restituição, à inicial mantendo, de facto, a loja, e depois que na oposição foi assumido que a loja tinha sido reassumida, também não veio formular uma alteração do pedido nem pediu sequer ao tribunal que este não se restringisse ao pedido e antes decretasse a providência mais adequada, mas também não é desse modo que vem formulado o recurso. Na verdade, a recorrente pretende que o tribunal disse menos do que queria dizer, que só por lapso não disse o que queria dizer, pois que se queria dizer que a requerente estava autorizada a ficar/tinha direito de ficar na loja pelo tempo da suspensão da caducidade originada nas leis da pandemia, então, e perante a evidência da reassunção da loja – que aliás foi alegada (artigos 125º e seguintes do requerimento inicial) como o perigo e receio que o tribunal devia acautelar com a providência (impeça a acção directa que é a operacionalização da cláusula 16ª do contrato) – devia o tribunal ter condenado na sua restituição, para que a autorização concedida fosse efectiva, fosse plena de sentido e não uma mera declaração sem repercussão possível na realidade dos factos. Neste sentido, embora a requerente tenha visto deferido (parcialmente) o seu pedido, esse deferimento equivale, segundo ela, a nada e, portanto, ela está materialmente vencida, logo tem interesse em recorrer.
Das questões do recurso:
Por uma questão de ordem prática, vamos inverter o seu conhecimento.
Quando a recorrente pretende que a decisão recorrida de “indeferimento da exoneração da requerente do pagamento às requeridas da remuneração mínima correspondente aos meses de Março e Abril de 2020, a decisão é manifestamente contrária ao disposto no número 5 do artigo 168.º-A, da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, aditado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Junho, com a clarificação do regime excecional aplicável aos contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centro comerciais da Lei n.º 4-A/2021, de 1 de Fevereiro”, e que este tribunal a deve reverter, a resposta é apenas a que a recorrente, enquanto requerente, não formulou este pedido no petitório final do seu requerimento inicial, pelo contrário, apenas pediu que seja “autorizada a permanência na loja do centro comercial … até ao levantamento de todas as restrições impostas ao comércio a retalho pelos sucessivos Estados de Emergência, bem como a renovação do contrato até à conclusão do Plano Especial de Revitalização” e ainda a inversão do contencioso. Não estamos em matéria de conhecimento oficioso e aplica-se a regra do artigo 3º nº 1 do CPC. O tribunal não pode decidir o que lhe não foi pedido.
Mesmo que assim se não entenda – porque pelo meio do requerimento inicial (artigo 66º) a requerente afirmou “pelo que devem ser emitidas notas de créditos referente a esses valores, anulando assim as facturas erradamente emitidas, o que desde já se requer” (o que parece muito claramente nem se dirigir ao tribunal) – o argumento usado pela recorrente é uma mera repetição da afirmação legal – “sim, há uma norma que diz que eu tenho direito, o tribunal não mo dá, então errou” – que todavia esquece a natureza cautelar – artigos 362º nº 1 e 368º nº 1, ambos do CPC da acção intentada, que o tribunal assinalou – não está demonstrado o fundado receio de lesão – e ao qual argumento a recorrente nada opõe, sendo certo que os recursos servem para combater as decisões dos tribunais recorridos segundo os argumentos que as sustentaram.
Improcede assim o recurso nesta parte.      
Relativamente ao recurso da decisão que indeferiu a “providência cautelar não especificada de renovação do contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre requerente e requeridas até à conclusão do PER” fundamentado, segundo a decisão, em “não se encontra qualquer fundamento ou suporte no próprio plano. E só o que constar expresso do PER devidamente homologado é que tem a virtualidade de vincular a empresa e os credores”, a argumentação da recorrente é a de que se “o objecto do PER é o de permitir à requerente, ora recorrente, uma estratégia de crescimento, garantir desde logo que as lojas permaneçam abertas permitindo que esta funcione e continue com a sua actividade, sem as quais de outro modo seria impossível, é, salvo melhor opinião, um contrassenso considerar que as requeridas, ora recorridas, não estão vinculadas ao espírito do mesmo e somente ao seu conteúdo literal”. E pode-se decidir por uma interpretação pelo espírito porque nem é verdade que essa vinculação ignorasse ou desrespeitasse qualquer prazo de caducidade quando na realidade somente implicava a renovação do contrato, pois que de “outra forma todos e quaisquer fornecedores de espaços, poderiam não renovar os contratos e/ou considerar os mesmos caducos, ficando o PER comprometido no seu fim e objectivo, e consequentemente comprometida a viabilidade da ora recorrente, na medida em que ficaria limitada na prossecução da sua atividade”, o que poderiam fazer com relativa facilidade, proferindo declarações não sérias ou com reserva mental ou em abuso de direito. E porque assim era do conhecimento ou da obrigação de conhecimento das requeridas, então assim decidir, por uma interpretação não apenas literal, não era desproporcional, tanto mais que não havia créditos por pagar.
E as recorridas alinham que a primeira Apelada a nada se obrigou no PER, pois somente é gestora do centro comercial, que foi já na pendência do PER que foi feita a prorrogação do contrato por mais dois meses e portanto a aceitação do seu termo na mesma pendência, constituindo até abuso de direito a pretensão da renovação dum contrato que se aceitou terminar em 28.2.2021.
Da matéria de facto provada resulta que a recorrente apresentou o PER em Agosto de 2019 (facto provado 10), que o plano, com duração de dez anos, foi votado favoravelmente pelas requeridas (facto provado 11) e que “12. No âmbito do PER ficou estipulado quanto aos credores fornecedores de espaço, a realização de “Acordos de pagamento ad-hoc, em função da imperatividade de ter o valor de rendas em dia, sob pena de as lojas próprias não poderem desenvolver a actividade de comercialização”.
Mais vemos de fls 41 verso dos autos que o requerimento com a declaração de votação favorável entrou em juízo em 17.12.2019, e vemos do Plano, a fls. 52 verso, e quanto às derrogações ao CIRE e concretamente à igualdade de credores, que “No que respeita aos créditos dos fornecedores (…) Assim, para os fornecedores de espaço serão propostos acordos de pagamento por forma a garantir a manutenção de cada contrato de arrendamento, porque sem esta condição o plano não teria qualquer viabilidade, porque os proprietários iriam acionar as garantias existentes e denunciar os contratos”.
Não resulta da decisão sobre a matéria de facto, que a recorrente não impugna, que o acordo de pagamento ad-hoc tenha sido celebrado e cumprido, mas muito mais que isto, não resulta também do espírito do PER que os contratos de utilização de espaço em centro comercial não pudessem caducar durante o prazo de duração do PER: - o trecho que citámos sobre a importância da manutenção do contrato para a viabilidade do PER, liga a manutenção do contrato ao pagamento (acordo de pagamento) enquanto a falta de pagamento ou de acordo de pagamento poderia levar à resolução dos contratos e ainda mais que isso, e previamente a isso, ao acionamento das garantias bancárias, o que agravaria a posição económica e financeira da revitalizanda. Já, num universo de várias lojas, em centro comercial e fora dele – cfr. PER, contextualização, 1. A Empresa, “o parque de lojas físicas a dezembro de 2019 apresenta-se (…)” conforme fls. 45 verso dos autos – não é absolutamente nada claro que uma loja em contrato, em centro comercial, ou que todas elas, fossem indispensáveis para a viabilidade do PER, e muito menos por um período de dez anos.
Mas, além disto, não há realmente como fugir a que já depois de ter sido apresentado o PER, a recorrente, consciente da cessação do contrato por caducidade para o fim de Dezembro de 2020, contratou expressamente o termo de caducidade, estendendo-o por mais dois meses – factos provados 5 e 7 – em tal aditamento fazendo constar que “As partes declaram ainda que o Contrato caducará no dia 28 (vinte e oito) de Fevereiro de 2021 e que as partes não celebrarão novo contrato de utilização de loja em centro Comercial para a loja … (…) do Centro Comercial …, obrigando-se a SEGUNDA CONTRAENTE a entregar à PRIMEIRA a referida loja livre e devoluta de pessoas e bens na indicada data de (vinte e oito) de Fevereiro de 2021” – conforme documento junto a fls. (doc. 1 oposição) cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido”.
Donde, não resulta literalmente do texto do PER nenhuma menção a que os contratos relativos ao espaço das lojas houvessem de perdurar pelo mesmo tempo da duração do PER, assim se significando que os prazos de caducidade desses contratos fossem estendido até ao termo do PER, não resulta do espírito do PER que esse fosse também o resultado a que os credores se quiseram vincular, nem resulta sequer que a revitalizanda tivesse entendido que era isso (extensão da caducidade dos contratos em vigor para o termo do PER) que resultava do PER, e quanto às afirmações sobre a facilidade de produção de declarações não sérias e a frustração da teleologia do PER, pois então deve dizer-se que no caso concreto, e em face do adiamento celebrado e dos considerandos feitos por ambas as partes a propósito do mesmo, a revitalizanda teria então participado na própria frustração do seu plano de recuperação.
Improcede, pois, esta questão do recurso, não se encontrando nenhum erro na decisão recorrida que não reconheceu o direito a renovação do contrato até ao termo do PER.
Em suma, e do recurso da requerente, temos ainda por decidir se o tribunal quando decidiu autorizar a continuação em loja até Junho de 2021, se devia também ter decidido condenar as requeridas a restituírem a loja. Como as requeridas impugnaram, mediante recurso próprio, a decisão recorrida na parte em que deu provimento ao primeiro pedido da requerente, entendemos que é metodologicamente mais correcto entrar agora no conhecimento do recurso das requeridas, e se afinal improceder o mesmo, então analisar esta questão que sobra do recurso da requerente (porque como é claro, se o recurso das requeridas for procedente, o conhecimento sobre se a decisão devia ter condenado na restituição fica prejudicado).
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Recurso das requeridas:
Questão prévia: - da junção de documentos, relativamente à qual a requerente apelada se pronuncia expressamente no sentido de não poderem ser admitidos os documentos 4, 5 e 6 juntos com o recurso.
As requeridas juntaram os seguintes documentos:
- em sede de contra-alegações, o contrato de utilização de loja em centro comercial referente à mesma loja …, celebrado entre o Centro Comercial … e a T…, S.A.;
- em sede de recurso próprio, o mesmo contrato com a T…, S.A., uma sentença proferida pelo juiz 10 do Juízo Local Cível de Lisboa no processo 2570/21.0T8LSB (para demonstrar de que nos factos elencados como provados nestes autos constam menções de factos provados naquele outro processo), um certificado de facto elaborado por notária presenciando assinatura de declaração proferida por trabalhadora da requerente sobre o recebimento ou entrega de bens da requerente que se encontravam até então na loja, bens esses descritos em anexos, uma factura de remuneração emitida pelo Centro …, identificada como remuneração de acordo com OE 2021 – Fevereiro 21, o extracto de conta Centro … – Requerente relativo ao período 1.1.2020 a 28.2.2021, um parecer do Professor Pinto Monteiro intitulado “A Covid-19 e os contratos de utilização de loja em centro comercial”.
Nas contra-alegações, a Requerente menciona que “as apelantes trazem factos novos ao processo que não constam da matéria de facto apresentada e discutida em sede de audiência de julgamento. (…) Deste modo, não podem as partes, em sede de recurso, apresentar factos novos que, à data da interposição da presente providência cautelar, tinham conhecimento e não foram apresentados em sede de oposição, ficando precludido o direito de o fazer mais tarde no processo. Não deve ser assim admitido o facto novo trazido pelas apelantes, quando referem que “(…) nunca a Apelada poderia beneficiar da suspensão do prazo de caducidade não só porque não deduziu oposição à não renovação dentro do prazo como tinha dívida à data de fevereiro de 2021.” Por outro lado, vêm igualmente as requeridas juntar documentos novos em sede de recurso, que à data da apresentação da oposição tinham deles conhecimento, bem como estavam na sua posse. Não é permitido às partes a apresentação e junção de documentos em sede de recurso, exceto em situações excecionais, nomeadamente documentos que a sua apresentação não tenha sido possível até aquele momento, nos termos dos artigos 651.º e 425.º do CPC. Ora, as apelantes vêm agora apresentar documentos que se encontravam já na sua posse à data da sentença, pelo que não foi junto por aquelas até a presente data porque não o quiseram, não o podendo fazer em sede de recurso”.
No processo em suporte de papel os documentos não estão numerados, e no processo electrónico não conseguimos encontrar mais do que correctamente identificado o documento nº 4, relativo a uma factura em dívida à data de Fevereiro de 2021. Nestes termos, não conseguimos saber quais são os documentos 5 e 6 que a Requerente apelada entende que não podiam ter sido juntos. Em todo o caso, o que nos interessa verdadeiramente é, em face das regras sobre junção de documentos em recurso e em vista do elenco dos documentos que acima fizemos, saber, relativamente a cada um deles, se pode ou não ser junto.
Dispõe o artigo 651º do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância (nº 1 do preceito), sendo a junção de pareceres de jurisconsultos livre até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão (nº 2).
Deste modo, quanto ao parecer do Professor Pinto Monteiro, admite-se a sua junção ao abrigo do nº 2 do artigo 651º do CPC.
Quanto à decisão proferida no processo 2570/21.0T8LSB, junta para evidenciar um erro do tribunal recorrido na sua decisão, não tendo a previsão da “necessidade em face do julgamento proferido em 1ª instância” exactamente este sentido, não deixamos porém de poder integrar a junção do documento nesta possibilidade legal (651º nº 1 parte final), o que se decide.
Quanto aos documentos relativos à celebração de novo contrato para o mesmo espaço com outra entidade utilizadora, eles são anteriores (30 de novembro de 2020) à dedução da oposição, e não são justificados pelo julgamento proferido em 1ª instância – a inutilidade superveniente com base na verificação da lesão que se pretendia acautelar, esteve presente, enquanto possibilidade de defesa, já na altura da oposição – tanto mais que o facto que realmente interessa é a reassunção da loja e não propriamente saber se foi celebrado outro contrato com terceiro relativo a ela.
Na lógica da contra-alegação, a junção do contrato com terceiro rebate a alegação no recurso da requerente que a demora do tribunal fez com que as requeridas se aproveitassem desse tempo para reassumirem a loja e para celebrarem contrato com terceiro já depois de deduzida a oposição – cfr. fls. 381 dos autos. E em boa verdade, rebate o salto que a partir da alegação da morosidade do tribunal com este aproveitamento, a requerente pretende levar à conta de fundamento, de mais fundamento, para que o tribunal não só autorize a continuação na loja como determine a condenação na sua restituição, e se lhe some depois a permanência que resulta da pendência do PER.
Na lógica do recurso das requeridas, conclusão 19, a junção do contrato com a T… serve para sublinhar a inutilidade superveniente da providência, pois as requeridas recorrentes não conseguem “ver” como conciliarão a decisão proferida com o facto de já não terem a posse da loja, ou seja, a junção do documento destinar-se-ia a justificar a “impossibilidade” de cumprimento da decisão.
Para nenhuma destas lógicas interessa a junção do contrato celebrado com terceiro. Uma decisão judicial não é, não deve ser, revogada, porque o condenado afirma que não a pode cumprir. O artigo 651º nº 1, parte final, do CPC prevê a junção determinada pelo julgamento em 1ª instância mas não a junção determinada apenas para responder a qualquer alegação não verdadeira da contraparte.
Estes documentos (aliás a mera repetição já constitua acto inútil e por isso proibido no processo, segundo o artigo 130º do CPC) não podem ser admitidos.
Pela indevida junção vão aos requeridas (ora recorridas e recorrentes, simultaneamente) condenadas em 2 (duas) UC de multa, nos termos dos artigos 443º nº 1 do CPC e artigo 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Quanto aos documentos relativos à entrega dos bens existentes em loja após a reassunção da mesma, sendo um dia posteriores à oposição e não havendo momento processual subsequente segundo a tramitação do procedimento cautelar comum, e visto até que o tribunal dispensou qualquer actividade probatória e proferiu de imediato sentença, isto é, sem avisar as partes, os documentos em causa acabam a dever ser considerados como tempestivos segundo o artigo 425º do CPC. Portanto, podem ser admitidos.
Relativamente aos documentos extracto de conta e factura, que as requeridas juntaram para demonstração de que, à data de caducidade, não poderia proceder a suspensão nos termos das leis emergenciais, porque subsistia dívida da requerente para com elas no valor de €6.088,98, não havendo dúvida que os documentos são anteriores à oposição, as requeridas fundamentam a junção na necessidade sobrevinda por força do julgamento proferido em 1ª instância – ou seja, artigo 651º nº 1 parte final, do CPC.
O tribunal recorrido, e vamos sumariar, entendeu que o contrato não havia caducado porque as leis que previam a suspensão da caducidade dos contratos de arrendamento (habitacional e comercial) por via das medidas decretadas a propósito das medidas destinadas a combater a propagação do vírus (art. 8º, nº 1, al. b) da Lei 1-A/2020 de 19 de março, com a redacção introduzida pela Lei n.º 58-A/2020, de 30 de setembro) se aplicavam, por interpretação extensiva, aos contratos para utilização de espaço em centros comerciais, e porque não se podia entender da renovação concretamente acordada entre as partes, por via da qual se estendera a caducidade para 28.2.2021, uma não oposição à caducidade. O tribunal não considerou, porque tal facto não estava no processo, se, nos termos da mesma lei que entendeu aplicável, o “inquilino” tinha dívida pendente – dívida essa cuja inexistência, legalmente, é condição de suspensão da caducidade.
Referem aliás as requeridas que foram surpreendidas pela decisão, e não conseguiram assim fazer a prova que as defenderia de tal decisão.
Na decisão lê-se: “Considerando quer as particularidades do contrato em causa, o prazo de caducidade do contrato estipulado (28 de Fevereiro de 2021), e a data de instauração do presente procedimento (01.03.2021), impõe-se aferir se existe algum fundamento para a suspensão da caducidade do contrato em causa, de acordo com os diplomas legislativos aprovados para fazer face ao contexto epidemiológico gerado pela Covid-19. Importa analisar a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março que estabelece medidas excepcionais e provisórias para dar resposta à situação epidemiológica vivida no país, procurando reforçar e assegurar os apoios, nomeadamente, aos arrendatários e senhorios habitacionais e não habitacionais”.
Percorrido o requerimento inicial, não se encontra a menção nem ao dispositivo legal concretamente aplicado, nem à questão/alegação/fundamento da suspensão da caducidade.
Com efeito, e resumidamente, o que se lê no requerimento inicial é que a situação pandémica e as medidas restritivas do comércio que foram impostas, inviabilizando aliás que as requeridas cumprissem as suas obrigações, dão, ou devem dar, direito à renovação do contrato, até ao fim da pandemia e de quaisquer restrições ligadas a ela, quer atinentes ao comércio quer à livre circulação das pessoas (essencialmente, leia-se, clientes). O fundamento invocado encontra-se nos artigos do requerimento inicial transcritos abaixo em nota de rodapé, onde, com o devido respeito, a maior proximidade à invocação de alguma legislação são as declarações do Senhor Presidente da República[2].
Certo é que a requerente não sustentou a providência pedida na suspensão da caducidade, mas sim em diversos modos pelos quais lhe adviria o direito a renovar o contrato, desde os termos do próprio contrato, à tradição da sua relação comercial de décadas e à sua oposição à não renovação do contrato, e finalmente à renovação do contrato nos termos do PER e à renovação do contrato por causa da impossibilidade de gozo que as medidas pandémicas geraram.
É assim muito claro que o percurso de investigação jurídica realizado pelo tribunal não correspondeu àquele que o requerimento inicial indicava e, por conseguinte, a decisão tomada foi efectivamente uma decisão surpresa, que se resolve, em matéria de junção de documentos, na necessidade de juntar aqueles que contrariam o raciocínio autónomo e não anunciado e, portanto, não discutido, do tribunal recorrido.
Nestes termos, e nos do artigo 651º nº 1 parte final do CPC, admite-se a junção dos mencionados documentos.
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Questões do recurso:
Nulidade de sentença:
As recorrentes sustentam a nulidade de sentença nos termos do artigo 195º nº 1 e 615º nº 1 al. c) ambos do CPC, na medida em que da sentença constam factos provados que não respeitam a estes autos, antes a menção deles resulta duma colagem do teor das cláusulas do contrato em discussão no processo 2570/21.0T8LSB. Se assim se não entender, então que, ao abrigo do artigo 614º do CPC, se rectifiquem os factos provados para corresponderem aos destes autos.
O elenco das nulidades de sentença é taxativo e não existe qualquer ambiguidade ou obscuridade na decisão recorrida em si, considerada intrinsecamente. O que se passa é que o tribunal, que afirmou basear-se, para a sua decisão de facto, no acordo das partes e nos documentos juntos aos autos, acabou, seguramente por lapso, a dar como provados factos que não foram alegados nem por isso estão provados por acordo das partes, e que também não constam dos documentos juntos e pertinentemente invocados pelas partes, embora se tenham verificado relativamente a contrato e aditamento similar referente a outra loja e centro comercial.
Está em causa o facto provado 9 e o facto provado 7.
Neste, a referência às duas requeridas enquanto partes no aditamento ao acordo referido em 5.
A menção, no mesmo facto provado 7 “conforme documento junto a fls. (doc. 1 oposição) cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido” mostra que neste mesmo documento não constam os nomes das duas requeridas, mas da Centro … – Centro Comercial S.A. (aliás mais adiante no documento expressamente se mencionando que a S… S.A. transmitiu a sua posição contratual – no contrato entre a S… e a requerente que veio a ser aditado – à Centro … – Centro Comercial S.A. em 25.11.2015), donde é claro que o aditamento não foi celebrado entre aqui requerente e aqui requeridas mas sim apenas com a segunda requerida Centro ….
Altera-se assim a redacção do facto provado nº 7, identificando-se ainda as folhas dos autos que não foram indicadas, para:
“7. A 19 de Novembro de 2020, por aditamento ao acordo referido em 5, requerente e aqui segunda requerida procederam à alteração da data do término daquele, ficando convencionado o dia 28 de Fevereiro de 2021. – conforme documento junto a fls. 174 e seguintes (doc. 1 oposição) cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido”.
Relativamente ao facto provado nº 9, quando no mesmo se escreveu que: “9. Resulta da cláusula 17.ª do acordo referido em 5. que “4 - Resolvido o contrato nos termos previstos no número anterior, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da LOJA para reassumir a detenção da LOJA, ou de, não lhe tendo aquela chave sido entregue, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma loja”   “10 – O disposto nos números 2, e 4 a 8 supra é também aplicável quando a extinção dos efeitos do presente contrato proceda de qualquer outra causa, nomeadamente quando resulte da revogação ou da caducidade estipuladas no n.º 4 da cláusula 2.ª e no n.º 1 da cláusula 3.ª, respectivamente se a SEGUNDA CONTRAENTE não proceder atempadamente à entrega da LOJA”, o tribunal baseou-se no acordo referido em 5, e em 5 remeteu-se para o documento junto a fls. 18 verso a 38 dando-se o seu conteúdo como reproduzido, e neste documento, que é o nº 1 com o requerimento inicial, a cláusula 17ª não tem o teor referido no facto provado nº 9, antes esse conteúdo está na cláusula 16ª, e relativamente ao nº 10 da cláusula 16ª não se lê “quando resulte da revogação ou da caducidade estipuladas no n.º 4 da cláusula 2.ª e no n.º 1 da cláusula 3.ª, respectivamente” mas sim “quando resulte da revogação estipulada no nº 4 da cláusula 2ª ou da caducidade estipulada no nº 1 da cláusula 3ª supra, se a”.
Aplicando o mesmo raciocínio, de vinculação do tribunal pelo documento no qual se baseou e que expressamente declarou dar como reproduzido, altera-se a redacção do facto provado nº 9 para:
9. Resulta da cláusula 16.ª do acordo referido em 5. que “4 - Resolvido o contrato nos termos previstos no número anterior, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito de utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da LOJA para reassumir a detenção da LOJA, ou de, não lhe tendo aquela chave sido entregue, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma loja”   “10 – O disposto nos números 2, e 4 a 8 supra é também aplicável quando a extinção dos efeitos do presente contrato proceda de qualquer outra causa, nomeadamente, quando resulte da revogação estipulada no nº 4 da cláusula 2ª ou da caducidade estipulada no nº 1 da cláusula 3ª supra, se a SEGUNDA CONTRAENTE não proceder atempadamente à entrega da LOJA”.
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Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Pretendem as requeridas ora recorrentes que se adite à matéria de facto provada a data de entrada do procedimento cautelar ora sob apreciação, e que se adite que “Como a Requerente não entregou a loja, a Segunda Requerida, no dia 04/03/2021 reassumiu a posse da loja com fundamento na cláusula 16ª do contrato”.
As vicissitudes processuais não são factos, e o tribunal seleciona os factos, em sede de princípio dispositivo, a partir dos alegados pelas partes. A data de entrada em juízo dum requerimento inicial não é um facto e não tem de ser aditada, pois em qualquer caso, como é do conhecimento oficioso do tribunal, por ele deve ser considerada sempre que for necessário para a decisão de alguma questão suscitada pelas partes. Não se adita, pois, a data de entrada do requerimento inicial, que garantidamente é a de 01.03.2021 – refª Citius 33163375.
Por outro lado, no artigo 139º da oposição que as requeridas fizeram dar entrada em 22.3.2021, é referido que, como a Requerente não entregou a loja no prazo de 48h mencionado na missiva junta como doc. 15 com o requerimento inicial, não restou à Segunda Requerida (Centro … – Centro Comercial S.A.) senão “reassumir a loja no dia 04/03/2021, conforme auto de reassunção com fundamento na cláusula 16ª do contrato, que adiante se junta como doc. nº 25, tido por reproduzido (…)”. Este documento 25 é uma declaração notarial da notária que assistiu à reassunção da loja e no documento 26 vemos a carta datada de 5.3.2021 emitida pela Centro … e endereçada à C…, a comunicar precisamente a reassunção da loja … no dia anterior, e a conceder um prazo de 30 dias para levantamento dos bens constantes do inventário em anexo.
Esta reassunção foi considerada como um perigo iminente pela requerente – requerimento inicial artigo 134º e é reconhecida, como tendo ocorrido, nas contra-alegações ao recurso das requeridas. O facto é objectivo, o que se pretende com ele é diverso: - para a requerente, a cláusula 16ª é nula por ser uma forma de acção directa, proibida e ilegal, para as requeridas o facto demonstra a inutilidade superveniente do procedimento cautelar, que a decisão recorrida devia, segundo elas, ter declarado.
Adita-se assim aos factos provados que:
“Como a Requerente não entregou a loja no prazo de 48h mencionado na missiva junta como doc. 15 com o requerimento inicial – na qual se invocou a cláusula 16ª do contrato de utilização de loja em centro comercial – a Segunda Requerida (Centro … – Centro Comercial S.A.) reassumiu a loja … do Centro Comercial …, no dia 04/03/2021”.         
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Da improcedência do procedimento cautelar quanto à providência deferida:
A vários títulos defendem as requeridas que a providência deferida não o devia ter sido, a saber, porque as providências se destinam a prevenir um perigo mas o perigo já se tinha concretizado, com a reassunção da loja; que a caducidade já tinha ocorrido quando o procedimento foi intentado; que não resultando literalmente da lei relativa à suspensão dos prazos de caducidade a sua aplicação aos contratos de utilização de espaço em centro comercial, não podia a lei ser interpretada como o foi, de resto porque em contrário do que resulta da própria evolução legislativa, porque em contrário do que se tem firmado doutrinariamente e jurisprudencialmente quanto à atipicidade do contrato que não permite a sua equiparação a um arrendamento, e também por via de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, e, mais especificamente, que em concreto a negociação do aditamento de extensão do termo da caducidade vale como oposição à renovação, sendo aliás que foi negociado em plena pandemia, e que havia dívida pendente.
A decisão recorrida considerou:
“Atenta a factualidade provada, verifica-se que, entre as partes foi celebrado um contrato de utilização de loja em centro comercial.  Trata-se de um tipo contratual inominado, que se caracteriza pela cedência do gozo de um espaço, uma loja, para o exercício de uma actividade comercial ou de prestação de serviços, inserida num complexo imobiliário colectivo, composto por diversas lojas, com comércios e serviços variados, e por espaços comuns de lazer. Desde logo, o facto de estar inserida no âmbito de um complexo imobiliário colectivo, determina, consequentemente, a sujeição a uma organização colectiva, com regras de funcionamento gerais do próprio centro comercial. Não obstante, é pressuposto que cada lojista realize individualmente a exploração do respectivo espaço e da actividade comercial que nele desenvolve, por sua conta e risco. Como contrato atípico e inominado que é, rege-se pelo regime resultante das respectivas cláusulas acordadas, bem como pelas regras gerais do direito das obrigações, e, subsidiariamente, pela disciplina das figuras contratuais que lhe são mais próximas, como o contrato de arrendamento urbano e o contrato de prestação de serviços.
Considerando quer as particularidades do contrato em causa, o prazo de caducidade do contrato estipulado (28 de Fevereiro de 2021), e a data de instauração do presente procedimento (01.03.2021), impõe-se aferir se existe algum fundamento para a suspensão da caducidade do contrato em causa, de acordo com os diplomas legislativos aprovados para fazer face ao contexto epidemiológico gerado pela Covid-19.
Importa analisar a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março que estabelece medidas excepcionais e provisórias para dar resposta à situação epidemiológica vivida no país, procurando reforçar e assegurar os apoios, nomeadamente, aos arrendatários e senhorios habitacionais e não habitacionais.
Pese embora a abundância de “legislação Covid”, que entre alterações, revogações e inovações tornou a teia legislativa ainda mais complexa, verificamos que o art. 8.º da Lei n.º 1A/2020, de 19 de Março, com a redacção introduzida pela Lei n.º 58-A/2020, de 30 de Setembro e que ainda se mantém em vigor, pese embora o fim do estado de emergência, prevê, na al. b) do seu n.º 1: “1 -Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de Junho de 2021: (…) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação”.
Este regime no art. 8.º é indistintamente aplicável a contratos de arrendamento habitacional e não habitacional. Contudo, nada vem referido na disposição legal quanto às outras formas de exploração de imóveis e estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais, nomeadamente contratos de utilização de loja em centro comercial, razão pela qual, importa analisar a possibilidade de aplicação deste regime provisório a estes outros tipos contratuais inominados.
Analisando de forma sistemática e integrada a legislação produzida por força e no âmbito da pandemia, encontramos referências concretas e expressas à aplicabilidade de determinados regimes concebidos para as relações arrendatícias aos contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, como, por exemplo, se verifica no n.º 2 do art 1.º da Lei n.º 4-C/2020 de 6 de Abril que regula as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional. Outro exemplo decorre do art. 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, aditado pela Lei n.º 27A/2020, de 24 de Julho, que, dispondo sobre os apoios ao pagamento das rendas habitacionais e não habitacionais, estabelece no seu n.º 5 um regime aplicável aos contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais. 
Aliás, na própria epígrafe do art. 8.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 14/2020, de 09 de Maio, pode ler-se “Efeitos sobre contratos de arrendamento e outras formas de exploração de imóveis”. 
Ora, neste périplo pela “legislação Covid” compreendemos, então, que o legislador tem abarcado sempre nos regimes transitórios e excepcionais destinados à protecção do arrendatário e do senhorio, os titulares de contratos que prevêem outras formas (atípicas) de exploração de imóveis.
Por conseguinte, não faz sentido considerar que no caso do art. 8.º a que se vem aludindo, o espírito da norma não tenha também essa abrangência, ainda que a letra da lei tenha ficado aquém.  Logo, tratando-se o contrato de utilização de loja em centros comerciais de um tipo contratual com grandes similitudes ao contrato de arrendamento, cujas normas, aliás, lhe são aplicáveis subsidiariamente; e atendendo a que, por mais que os tipos contratuais sejam distintos, as restrições impostas pelas medidas implementadas por força da pandemia, na prática, afectam de modo idêntico tanto o lojista de rua como o lojista de um centro comercial, não faz qualquer sentido conceber que o regime previsto no art. 8.º não é extensível aos utilizadores de loja em centro comercial. Inexiste, na verdade, qualquer fundamento para que ambas as realidades sejam tratadas de forma tão distinta, colocando mesmo em crise o próprio princípio da igualdade material (art. 13.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa). Neste sentido, tratando-se o art. 8.º de uma norma excepcional, verificando-se existir uma falta de coincidência entre o texto e o espírito da lei, tal como explanado, e encontrando-se a realidade do lojista que explora uma loja num centro comercial, ainda que não seja titular de um contrato de arrendamento mas sim de um contrato atípico, coberta pelo espírito da norma, terá que lhe ser aplicável a mesma através de uma interpretação extensiva, ao abrigo do art. 11º do Código Civil.
Em suma, entendemos ser aplicável ao contrato aqui em causa a suspensão ditada pela al. b) do n.º 1 do art. 8.º. Razão pela qual se conclui estar verificado o direito da Requerente em permanecer na loja em virtude de ter ocorrido a suspensão do efeito da caducidade do contrato celebrado com as requeridas, nos termos das medidas excepcionais e transitórias ditadas pela situação pandémica.
Acresce que, não entendemos que, o que as partes fizeram constar no acordo de prorrogação (ou aditamento) na qual declararam que o contrato caducaria a 28 de Fevereiro de 2021 e que nenhum outro contrato de utilização de loja em centro comercial para aquela específica loja do Centro Comercial … seria celebrado entre as mesmas, constitua uma não oposição à cessação (art. 8º, nº 1, alínea b, in fine da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), por esta ter necessariamente de se verificar no momento da cessação e não em momento anterior. 
Repare-se que, a mera apresentação do presente procedimento cautelar revela uma clara oposição à cessação, não podendo, portanto, a aceitação daquele aditamento pela requerente obviar ao decretamento da providência agora em análise.
Posto isto, encontrando-se preenchido o primeiro pressuposto da providência cautelar em causa, a probabilidade séria da existência do direito, importa aferir da existência ou não de fundado receio de lesão. 
Atento o facto de que a caducidade do contrato estava prevista ocorrer em 28 de Fevereiro de 2021, e considerando que as requeridas não reconhecem a existência de qualquer causa de suspensão, vieram já exigir a entrega da loja por considerarem já estar o contrato caduco, tendo também já feito uso da faculdade contratualmente prevista de reassumir a loja através de meios coercivos de ocupação, tal como admitem na oposição deduzida.
Verifica-se que, esta circunstância causa sérios prejuízos à requerente por não poder continuar a desenvolver a sua actividade comercial, a vender a sua mercadoria e a gerar receita, quando, na verdade tem direito a fazê-lo.
Tal situação não é, porém, irreversível, pois as requeridas podem, a qualquer momento, permitir a reinstalação da requerente na loja.
Sabendo-se, também, que essa ocupação pelas requerida ocorreu em momento posterior à instauração do presente procedimento, não se pode dizer que a ameaça da violação do direito não fosse iminente, pelo que o receio da lesão está demonstrado e é passível de ser evitado com o decretamento da presente providência.
Por conseguinte, conclui-se que está também verificado o segundo pressuposto, o fundado receio de lesão, não se vislumbrando que a providência a decretar seja desproporcional nos termos do n.º 2 do art. 368.º do CPC.
Não obstante, a requerente pede ainda que seja autorizada a permanecer na loja até ao levantamento de todas as restrições impostas ao comércio a retalho pelos sucessivos Estados de Emergência. Tal condição, cremos, mostra-se vaga e sem suporte legal, apenas se encontrando justificada a permanência da requerente na loja das requeridas enquanto perdurar a causa de suspensão da caducidade prevista no art. 8.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção introduzida pela Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro, e que está prevista ter termo a 30 de Junho de 2021. Acresce que, o estado de emergência se mostra já cessado, sem, contudo, ter havido qualquer outra alteração à mencionada lei ou ao seu período limite, pelo que se impõe que a providência a decretar tenha esse limite temporal definido. Estando preenchidos todos os pressupostos deverá a providência cautelar requerida ser decretada e ser a requerente autorizada a permanecer na loja do centro comercial …, até ao levantamento da suspensão da caducidade prevista no art. 8.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção introduzida pela Lei n.º 58-A/2020, de 30 de Setembro”. (fim de citação).
Se bem percebemos, o tribunal deu conta, quer de que o receio invocado se prendia com a possibilidade contratual de reassunção da loja quer de que efectivamente, já tendo o procedimento cautelar sido instaurado, a loja tinha mesmo sido reassumida, resolvendo então que nada obstava a que as requeridas reinstalassem a requerente, e decidindo que a caducidade ocorreria no fim do prazo de suspensão legalmente previsto, a 30 de Junho de 2021, então sobre esta questão da autorização para continuar na loja, pois nada mais havia a decidir, o direito era certo e claro, e podia-se inverter o contencioso.
A questão porém é que a requerente não pediu a suspensão da caducidade – e haverá de convir-se que os benefícios outorgados pelas leis emergenciais serão recebidos e implementados se os beneficiários assim quiserem – e o que pediu foi que fosse autorizada a permanecer na loja até ao fim da pandemia e até ao fim do PER, pois tinha direito a renovar o contrato até estes limites (ou seja, assumindo claramente que a não operação da caducidade resultava dum direito à renovação do contrato), e em face destes direitos (que a decisão recorrida não lhe reconheceu) que eles – o gozo da loja em função deles – estavam a ser ameaçados por um perigo, que era o de que no contrato existia uma cláusula de acção directa por isto mesmo legalmente inadmissível, e que tudo indicava que as requeridas iam usar dessa cláusula e retomar, reassumir e portanto privar a requerente da utilização da mesma loja.
Nos termos em que o procedimento cautelar foi intentado, a iminência da lesão era seguramente requisito constitutivo do decretamento da providência requerida – artigo 362º nº 1 do CPC. Já havendo essa lesão sido consumada – e repare-se que é indiferente o tempo pelo qual perdura a lesão – não haveria que ter sido decretada a providência. Dificilmente aliás se acredita que o tribunal o tivesse feito (apreciando sumariamente e julgando sumariamente) se considerasse que havia um direito à renovação do contrato até ao fim da pandemia e do PER, por quase dez anos, selando o deferimento da providência com a inversão do contencioso. Se este direito à renovação do contrato nestes termos fosse evidente, o prazo de duração do contrato bem daria para resolver uma acção definitiva, quer nesta se pedisse (o que aqui em 1ª instância não foi pedido) a restituição da loja quer a indemnização pelos danos causados pela reassunção da mesma, situação que levaria a dar mais relevância ao requisito da iminência da ameaça versus lesão concretizada.
Relativamente à verificação da caducidade à data de interposição do procedimento, não se aplica a regra do artigo 279º al. e) do Código Civil porque no caso concreto não havia dúvida que a caducidade ocorria e o contrato terminava no dia 28.2.2021, dia em que estava também acordado que a loja devia ter sido entregue. A questão do artigo 279 º citado aliás não foi sequer aflorada pelas partes. A interposição do presente procedimento em 01.03.2021 porém não indicia, em função dos fundamentos invocados (tenho direito à renovação) que não se verificasse sumariamente a existência do direito (à utilização da loja).
Relativamente à legislação produzida na contingência da pandemia, e mais concretamente ao entendimento do tribunal recorrido acima citado, uma primeira nota.
O contexto que explica e baliza historicamente a produção legislativa encontra-se bem expresso no DL 10-A/2020 de 13.3, que “Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19”.
Lê-se:
“Atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020, importa acautelar, estrategicamente, a previsão de normas de contingência para a epidemia SARS-CoV-2, e, bem assim, assegurar o tratamento da doença COVID-19 no Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de um regime legal adequado a esta realidade excecional, em especial no que respeita a matéria de contratação pública e de recursos humanos.
A situação excecional que se vive no momento atual e a proliferação de casos registados de contágio de COVID-19 exige a aplicação de medidas extraordinárias e de caráter urgente. Neste sentido, no domínio da saúde, é prioritário que se garanta às entidades prestadoras de cuidados de saúde do SNS a possibilidade de aquisição, com a máxima celeridade, dos equipamentos, bens e serviços necessários à avaliação de casos suspeitos e ao tratamento de sintomas e complicações associadas ao COVID-19, e, ainda, a tomada de outras medidas consideradas urgentes e imprescindíveis, designadamente em matéria de gestão de recursos humanos.
Importa, igualmente, adotar os mecanismos processuais que permitam, de forma atempada e responsável, assegurar a disponibilidade de produtos essenciais num quadro de uma generalizada e acrescida procura a nível mundial destes produtos num contexto de diminuição de produção e de constrangimentos à circulação dos bens.
Na verdade, face à urgência na execução das medidas de contenção recomendadas pelos vários serviços integrados no Ministério da Saúde, de que depende a sua eficácia, importa assegurar, com caráter urgente e inadiável, um regime excecional que permita a implementação célere das medidas propostas.
Para tal, torna-se necessário estabelecer um regime excecional em matéria de contratação pública e realização de despesa pública, bem como em matéria de recursos humanos, conciliando a celeridade procedimental exigida com a defesa dos interesses do Estado e a rigorosa transparência nos gastos públicos.
Por outro lado, o Governo considera que é necessário aprovar um conjunto de medidas, atentos os constrangimentos causados no desenvolvimento da atividade judicial e administrativa. Importa, por isso, acautelar estas circunstâncias através do estabelecimento de um regime específico de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais e procedimentais sempre que o impedimento ou o encerramento de instalações seja determinado por decisão de autoridade de saúde ou de outra autoridade pública.
De igual modo, considerando a eventual impossibilidade dos cidadãos em renovar ou obter documentos relevantes para o exercício de direitos, decorrente do encerramento de instalações, importa prever a obrigatoriedade de aceitação pelas autoridades públicas da exibição de documentos, cujo prazo de validade expire durante o período de vigência do presente decreto-lei.
Importa, por último, promover medidas que aumentem as possibilidades de distanciamento social e isolamento profilático, cuidando da perceção do rendimento dos próprios ou daqueles que se vejam na situação de prestar assistência a dependentes”.
Em coerência, a suspensão das actividades lectivas e não lectivas e formativas e dos centros de dia (artigo 9º), a interdição de viagens de finalistas e a limitação de acesso a espaços frequentados pelo público, ou seja, prevenção de aglomerações e contactos presenciais, limitações à liberdade de circulação, e redução das necessidades de circulação por via de compromissos oficiais, judiciais ou perante outras formas de autoridade, e ainda perante o próprio trabalho presencial, sempre que possível (artigo 29º) – instituição de formas alternativas de trabalho.
Em suma, a situação epidemiológica, para ser combatida, exigia limitação dos contactos presenciais, que se procuraram restringir àqueles que de todo em todo não podiam deixar de ser mantidos – designadamente, trabalho essencial insusceptível de ser realizado à distância. Nesse tempo inicial, também, o encerramento de todas as lojas fornecedoras de bens não essenciais, medida cujo efeito evidente é o de tornar desnecessárias saídas da residência para a população em geral, e impedir os contactos, toda a cadeia de contactos que o funcionamento de uma loja acarreta. 
A 19.3.2020, é publicada a Lei nº 1-A/2020, que adverte instituir medidas “excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”. Tanto estamos, ou melhor, ao longo das diversas versões da legislação produzida a propósito da pandemia, vamos estando quer no combate à propagação do vírus, quer nas medidas de apoio à luta contra o mesmo, quer na luta, compensação ou mitigação dos efeitos das medidas introduzidas, quer ainda em medidas de controlo social em vista do impedimento de surgimento de mais “problemas” do que aqueles que o vírus e a doença já traziam – é o caso do artigo 8º-A da Lei 1-A/2020 introduzido pela Lei 14/2020, de 9 de Maio.
A Lei 1-A/2020, na sua primeira versão, depois de estabelecer no nº 10 do artigo 7º, a suspensão das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos “processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria”, estabeleceu no artigo 8º, epigrafado “Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários”, que:
Até à cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública, fica suspensa:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado”.
Na versão da Lei nº 4-A/2020 de 6/04, o preceito passou a ter a seguinte redacção:
Durante a vigência das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade de saúde pública e até 60 dias após a cessação de tais medidas nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da presente lei, ficam suspensos:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado”.
O preceito voltou a ser alterado pela Lei 14/2020 de 9 de Maio, passando a ter a seguinte redacção:
Ficam suspensos até 30 de setembro de 2020:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado”.
Esta mesma Lei nº 14/2020 aditou um artigo 8º-A, sob a epígrafe “Efeitos sobre contratos de arrendamento e outras formas de exploração de imóveis” e no qual se lê:
O encerramento de instalações e estabelecimentos ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia provocada pela doença COVID-19 não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados”.
Já a Lei nº 58-A/2020 de 30.9 deu ao artigo 8º a seguinte redacção:
1 - Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto no artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril.
3 - O disposto no n.º 2 aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020”.
A Lei n.º 4-C/2020, de 2020-04-06 estabeleceu um “Regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de
arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19
”, mencionando:
1 - A presente lei estabelece um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, atendendo à situação epidemiológica provocada pela
doença COVID-19.

2 - O disposto na presente lei é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis”.
No artigo 10º da mesma Lei, sob a epígrafe “Outras formas contratuais”, lê-se:
1- O disposto no presente capítulo aplica-se, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior:
a) O presente capítulo não se aplica aos estabelecimentos inseridos em conjuntos comerciais que beneficiem do regime previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho;
(…)[3]”.
O nº 5 do artigo 168º-A da Lei nº 2/2020 de 31.3 na redação dada pela lei 27-A/2020 de 24.7 determina:
5 - Nos casos em que sejam aplicáveis formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, não são devidos quaisquer valores a título de rendas mínimas, até 31 de dezembro de 2020, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável da renda, calculada sobre as vendas realizadas pelo lojista, mantendo-se ainda a responsabilidade, da parte dos lojistas, pelo pagamento de todas as despesas contratualmente acordadas, designadamente as referentes a despesas e encargos comuns”.
A Lei nº 1-A/2021 de 13 de janeiro veio dar nova versão ao artigo 8º da Lei nº 1-A/2020, segundo a qual:
Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
2 - O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto nos artigos 8.º ou 8.º-B da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, na sua redação atual.
3 - O disposto no número anterior aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020 e de janeiro a junho de 2021.
4 - No caso de contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo a estabelecimentos que, por determinação legal ou administrativa da responsabilidade do Governo, tenham sido encerrados em março de 2020 e que ainda permaneçam encerrados a 1 de janeiro de 2021, a duração do respetivo contrato é prorrogada por período igual ao da duração da medida de encerramento, aplicando-se, durante o novo período de duração do contrato, a suspensão de efeitos prevista no n.º 1.
5 - A prorrogação prevista no número anterior conta-se desde o termo original do contrato e dela nunca pode resultar um novo período de duração do contrato cujo termo ocorra antes de decorridos seis meses após o levantamento da medida de encerramento e depende do efetivo pagamento das rendas que se vencerem a partir da data de reabertura do estabelecimento, salvo se tiverem efetuado o respetivo diferimento.
6 - A suspensão de efeitos prevista no n.º 1 e a prorrogação prevista no n.º 5 cessam se, a qualquer momento, o arrendatário manifestar ao senhorio que não pretende beneficiar das mesmas ou se o arrendatário se constituir em mora quanto ao pagamento da renda vencida a partir da data da reabertura do estabelecimento, salvo se tiverem efetuado o respetivo diferimento”.
A decisão recorrida apreciou a natureza jurídica do contrato de utilização de espaço em centro comercial, salientando a sua atipicidade e a final, a aplicação subsidiária das normas típicas do arrendamento comercial, para depois concluir que, não sendo o caso - contrato de utilização – omisso, podia fazer interpretação extensiva do artigo 8º, tanto que não havia qualquer razão para distinguir a caducidade dum arrendamento comercial, de loja de rua, da caducidade do contrato relativo a uma loja integrada em centro comercial.
O próprio legislador indicou, como vimos, a natureza excepcional das (de todas as) medidas que tomou, e, portanto, a natureza excepcional das regras que instituiu, e para o que nos interessa, do artigo 8º da Lei 1-A/2020. As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva – artigo 11º do Código Civil. Convém ainda lembrar o artigo 10º do mesmo Código: - os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável a casos análogos (nº 1) e há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (nº 2). Sabemos ainda que na interpretação da lei, não nos devemos cingir à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado o pensamento legislativo que não tenha no texto o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, e presumindo-se que na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – artigo 9º do Código Civil.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª edição, 1982, vol I p. 59, “O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que, na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que efectivamente pretendia dizer. Mas o caso está contemplado. Não há omissão”.
Se a primeira versão do artigo 8º da Lei 1-A/2020 é puramente omissiva no que toca à sua aplicação aos contratos de utilização de espaço em centro comercial, podemos aceitar que as referências que surgem posteriormente a outras formas de exploração de imóveis nos indicam não um caso omisso, mas a possibilidade de inquirir se o legislador queria estender as regras constantes do artigo 8º também aos contratos que têm por objecto outras formas de exploração de imóveis, tendo-lhe porém faltado as palavras.
A dois títulos se nos revela difícil aceitar a afirmação, na decisão recorrida, do princípio da igualdade, entre lojistas de rua e lojistas de centro comercial, como justificativa simultaneamente do espírito do legislador e da unidade do sistema.
Primeiro, não há de facto essa igualdade: - não a há desde logo porque os contratos são diferentes, o que determina que quem está na posição de parte nesses contratos está em posições (integradas por feixes de direitos e obrigações e perspectivas ou objectivos) diferentes. Desde logo, tal como debatido nos autos, a vantagem do comércio integrado que justifica tantas restrições e condicionamentos ao comerciante, é a inclusão da sua loja, digamos, num espaço gerido por terceiro, garantidamente organizado de modo apelativo, com a presença de outros comércios e facilidades altamente atraentes, e por isso, em última análise, uma enorme mais valia resultante do afluxo de visitantes. E neste modelo, como é claro, se há uma relação directa do comerciante à proprietária do centro e ou empresa de gestão, também não deixa de haver uma ligação – para bem e para mal – indirecta (portanto, de interferência) aos outros comerciantes que têm loja no mesmo espaço. As relações directas e indirectas reflectem, e até em concreto, esquemas de equilíbrio contratual negociados (mais ou menos profundamente) que a todos envolvem. No comércio de rua, ao invés, há uma única relação entre senhorio e arrendatário, e é no domínio dessa relação e do equilíbrio das posições das suas partes, que se inserem os benefícios/sacrifícios das medidas de protecção que o legislador decidiu introduzir. O legislador não ignorava que as medidas, tanto as restritivas como as de protecção, interferiam nos equilíbrios contratuais e que, no caso dos centros comerciais esses equilíbrios se aferem em função do todo, do comércio integrado.
Mas a igualdade, dir-se-á, é em função da pandemia e das medidas de restrição tomadas, e em função desse conjunto “agressivo” ao normal desenvolvimento da actividade, e como compensação dele, como protecção relativamente a ele.
Se é claro o propósito da suspensão da caducidade e do travamento de qualquer outra forma de cessação contratual no caso do arrendamento habitacional – garantir que as pessoas que devem ficar em casa, não fiquem sem casa – já a natureza preventiva estritamente associada à saúde não é tão evidente. Pareceria que, relativamente aos arrendamentos comerciais, “fiquem em casa” se garantia pela proibição de exercício da actividade que atingiu a maior parte dos estabelecimentos comerciais. Só que estas restrições de actividade não excluem o trabalho ou actividade que não é de atendimento ao público, e por isso, não excluem, na vida de uma empresa, a necessidade de, em função da caducidade dum contrato de arrendamento, em função da denúncia, revogação ou oposição à renovação, ter de despejar-se uma loja e ter de se ir procurar outra. Então, a protecção do referido artigo 8º aos arrendatários comerciais cobria este adicional de actividade – se não quiserem (isto é, se não tiverem já à mão uma solução adequada e rápida e simples de executar) não têm de sair de casa para irem despejar a vossa loja e para irem à procura de outra loja compatível, num universo de muitas lojas e muitos senhorios diferentes em vários pontos da mesma cidade ou em cidades diferentes. A protecção de algum modo tem o mesmo sentido da protecção relativa a trabalhadores dependentes e independentes, ou seja, se nos é permitida a imagem, a instituição dum estado de “Bela Adormecida” até ao fim de pandemia e das medidas que para a combater se tomassem.
A suspensão da caducidade dos arrendamentos comerciais, tal como a não produção de efeitos das denúncias, revogações e oposições à renovação, não tinha assim essencialmente por propósito compensar os arrendatários comerciais com tempo suplementar para se recomporem das perdas de receita económica que a proibição de actividade ou a restrição de actividade haveriam de determinar. Dessa compensação se encarregaram precisamente outros dispositivos, concretamente os que regularam em matéria de mora do arrendatário devedor, de apoios financeiros, e no caso dos centros comerciais, a exoneração do pagamento de rendas básicas, de acordo com o preceito acima transcrito. De resto, como também transcrito, note-se a compensação em tempo estabelecida a favor dos comerciantes arrendatários cujas actividades estiveram suspensas/proibidas por mais tempo, sejam discotecas e bares.
Tudo isto sugere então que cada regulamentação, resolvendo-se em imposição de alteração de equilíbrios contratuais, foi especificamente pensada para cada caso, e que não foi por acaso que na versão em que o artigo 8º-A foi introduzido e se usou a expressão “outras formas de exploração de imóveis”, a equiparação foi feita entre estas e os arrendamentos referidos no artigo 8º para combater o que poderia/tenderia eventualmente a ser um aproveitamento dos senhorios do pretexto da pandemia para porem fim aos contratos, mas muito estranho então seria que o legislador, se quisesse aplicar a disciplina dos arrendamentos comerciais (artigo 8º) às outras formas de exploração de imóveis, não tivesse aproveitada a lei que aditou o artigo 8º-A para corrigir o artigo 8º, introduzindo-lhe ou esclarecendo ou aditando que as mesmas previsões se aplicavam a outras formas de exploração de imóveis.
Se circunscrevermos o essencial da disciplina do artigo 8º à protecção contra o vírus e a propagação da doença, no amplificado modo “fiquem em casa” salvo estrita necessidade – e não é estritamente necessário despejarem lojas e irem à procura de novos locais – então a pergunta é, apesar da diferente natureza jurídica do contrato de utilização de espaço em centro comercial, em que é que a situação da caducidade destes contratos é diferente?  A resposta é: - no número reduzido de centros comerciais, todos conhecidos dos comerciantes, todos dispondo de plantas e de documentação facilmente acessível de modo não presencial, isto é, se o contrato da requerente caducou no Centro Comercial …, a hipótese de a pensarmos obrigada a procurar novo centro comercial para se instalar de facto não lhe exige grande movimentação física nem grande contacto presencial. E quanto a retirar produtos e equipamentos de loja, na realidade os centros comerciais foram os que mais restrições tiveram e menor aglomeração de pessoas neles existiu.
Então, não há realmente uma igualdade situacional que o legislador quisesse proteger e sem dúvida tendo tido hipótese de corrigir a falta de extensão da disciplina do artigo 8º aos utilizadores de lojas em centros comerciais, se falta involuntária fosse, teve várias hipóteses (revisões e aditamentos) de o fazer e não o fez. Em boa verdade não ignorando o legislador as interferências e desequilíbrios contratuais – porque a norma não é de protecção ao arrendatário e ao senhorio, mas apenas ao primeiro – que ia impor aos senhorios, não poderia também ignorar, no caso dos centros comerciais, que a intromissão na vida contratual que não fosse estritamente necessária em função da protecção da saúde, poderia ter como consequência, no alívio das restrições, uma alteração ou interferência na capacidade de gestão do centro no sentido da conservação dum alto nível de qualidade, em sentido lato, que permitisse ao centro, ao seu proprietário, à empresa de gestão, e a todos os lojistas, como é fundamento e desiderato contratualmente aceite, a melhor recuperação. Faz parte da gestão do centro comercial a duração limitada dos contratos, para que ao fim de cada duração possa ser identificada a bondade ou o não aconselhamento da celebração de novo contrato, em vista da satisfação dos interesses envolvidos. Interferir com a caducidade do contrato tem o potencial de inibir/alterar este instrumento de gestão, que pode ser decisivo na pós-pandemia.
Aliás, em bom rigor, este era o assunto: - “considere sumariamente que eu tenho direito à “renovação” porque a minha marca é de prestígio e vende muito bem – ao contrário do que me deram como desculpa para não haver mais celebração de novo contrato a seguir a esta caducidade – e por isso deve integrar o tenant mix dum centro comercial de referência, e apesar das dívidas que sempre fui tendo, elas nunca foram impeditivas da celebração dos contratos desde há 20 anos. E para assegurar a continuação, autorize-me, isto é, vede antecipadamente o recurso que querem fazer a uma cláusula de acção directa”.
Não encontramos assim que o legislador tenha querido equiparar a situação dos utilizadores de espaço em centro comercial à dos arrendatários comerciais e se tenha porém esquecido de introduzir o correspondente texto. Não encontramos, pelo acima exposto, justificação para interpretar extensivamente o artigo 8º al. b) da Lei 1-A/2020.
Mesmo que assim se não entenda, vejamos as outras razões pelas quais essa mesma aplicação não devia, segundo as recorrentes, ser feita em concreto.
A decisão recorrida considerou “(…) não entendemos que, o que as partes fizeram constar no acordo de prorrogação (ou aditamento) na qual declararam que o contrato caducaria a 28 de Fevereiro de 2021 e que nenhum outro contrato de utilização de loja em centro comercial para aquela específica loja do Centro Comercial … seria celebrado entre as mesmas, constitua uma não oposição à cessação (art. 8º, nº 1, alínea b, in fine da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), por esta ter necessariamente de se verificar no momento da cessação e não em momento anterior. 
Repare-se que, a mera apresentação do presente procedimento cautelar revela uma clara oposição à cessação, não podendo, portanto, a aceitação daquele aditamento pela requerente obviar ao decretamento da providência agora em análise”.
Já sem falar que a data de caducidade era, pacificamente, a de 28.2.2021 e que a requerente queria a renovação do contrato – que por acaso contratualmente apenas estava previsto a possibilidade de encetamento de negociações com vista à celebração de novo contrato e não a pura e simples renovação – ou seja, que a requerente na realidade ao interpor o procedimento cautelar não se estava a opor à caducidade, e que portanto precisávamos de ter um modo de equiparar a cessação por caducidade à não renovação do contrato para podermos afirmar essa oposição que o tribunal considerou que a interposição do presente procedimento cautelar fazia, como interpretar o contrato (que diz precisamente que não há renovação mas que as partes podem encetar negociações para novo contrato – podem e não devem, note-se, deixando-se contratualmente um momento de livre ponderação do interesse de cada parte em manter uma relação comercial) e a prorrogação por dois meses, acompanhada da declaração expressa de que o contrato vai mesmo acabar, declaração acordada e declaração emitida na vigência da lei pandémica, da lei que estabelece a suspensão da caducidade para os arrendamentos comerciais? Como defender que a requerente se opôs à caducidade, que era, segundo a decisão recorrida, um direito que lhe assistia já no momento em que acordou prorrogar o contrato por mais dois meses mas não mais do que isso, sem simultaneamente considerar estarmos em presença dum abuso de direito por conduta contraditória, já que o legislador também não forçou os arrendatários comerciais à subsistência dos contratos? O argumento do tribunal de que a não oposição se tem de dar no momento da caducidade não é correcto, não só porque não se deu nesse momento, não impedindo a operação da caducidade no dia anterior, como o que é relevante, salvo o devido respeito, é o conhecimento que se tem da legislação de protecção e das faculdades que ela confere, e já na vigência desta lei e já neste conhecimento se declara e contrata voluntariamente declarando-se expressamente algo que é contrário à faculdade de beneficiar da suspensão da caducidade.
Entendemos, pois, que mesmo a aplicar-se o artigo 8º b) da Lei 1-A/2020, teria então a requerente proferido declaração da qual resultava que não se oponha à cessação do contrato por caducidade.
Assim, e em conclusão, o que nos resulta é que a requerente não tem o direito que pediu fosse reconhecido, sumariamente e depois selado com inversão de contencioso, nem tem o direito que não pediu mas que a decisão recorrida lhe afirmou.
Como tal, necessariamente, e por força do artigo 368º nº 1, 1ª parte, do CPC, o procedimento cautelar tem de improceder em toda a linha, devendo revogar-se a decisão condenatória, o que implica ficar prejudicado o conhecimento da extensão da decisão condenatória a incluir a condenação das requeridas a restituírem a loja, questão que havia ficado pendente no recurso da requerente, e implica do mesmo modo ficar prejudicado o conhecimento da questão relacionada com não ser devida a inversão do contencioso. Fica de resto prejudicado o conhecimento dos demais argumentos usados por cada das partes para defesa das suas posições.
Em suma, improcede integralmente o recurso da requerente e procede integralmente o recurso das requeridas.
Tendo ficado vencida no seu recurso e igualmente no recurso das requeridas, é a requerente C… S.A.  responsável pelas custas, – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo:
-  negar provimento ao recurso da requerente C… S.A.;
- conceder provimento ao recurso das requerentes S…, S.A. e V… – Centro Comercial, S.A.,
- e em consequência revogam a decisão recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão que julga improcedente o procedimento cautelar intentado pela requerente, dos pedidos nele formulados absolvendo as requeridas.
- mais acordam condenar em custas a requerente.
- mais acordam condenar as requeridas (ora recorridas e recorrentes, simultaneamente) pela indevida junção dos documentos (contrato com T…) condenadas em 2 (duas) UC de multa, nos termos dos artigos 443º nº 1 do CPC e artigo 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.

Lisboa, 04 de Novembro de 2021
Eduardo Petersen Silva
Manuel Rodrigues
Ana Paula Albarran Carvalho

[1] Com aproveitamento do relatório da decisão recorrida.
[2] 96. º Todavia, e conforme supra referido o contrato de utilização de loja caducava a 31 de Dezembro de 2020, tendo a requerida sido informada pelo director do centro comercial, P…, quando questionado sobre o assunto a 29 de Outubro de 2020, que por questões relacionadas com “uma reorganização do mix” de marcas naquele centro comercial, não pretendia renovar o contrato existente, não respeitando um prazo razoável da confirmação da caducidade do contrato, ou permitindo negociações conforme prevê o contrato celebrado, conforme Documento n.º 10 e 11 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
97. º Confrontados com a oposição da requerente à não renovação do contrato, pois não concorda com a mesma, por não haver económica ou financeiramente razão para a não renovação do contrato, a directora da 1.ª requerida, C.., indicou que a aquela decisão tinha sido da proprietária do centro comercial, com vista à alteração dos tenant mix, conforme troca de e-mails que ora se juntam como Documento n.º 12 se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
98. º Sucede que tal não corresponde à verdade, conforme a requerente informou a 1.ª requerida, na medida em que é da responsabilidade daquela a gestão, promoção e exploração do centro comercial da 2.ª requerida, usufruindo de “diversos estudos técnicos que envolvem procura de locais, escolha e pesquisa de mercado, estudo de viabilidade económico, de projectos e de distribuição de “tenant mix”, os quais possibilitam a criação de um estrutura adequada ao funcionamento do daquele, vindo a 1.ª requerida continuamente a aperfeiçoar essa estrutura que constitui factor decisivo na valorização do centro comercial e de toda e cada uma das lojas nele integradas no âmbito do respetivo mercado.”, conforme indicado no considerando G do contrato, vide doc. 1 e 12.
99. º É claro que a responsabilidade da decisão de alteração do mix de lojas no centro comercial é da própria empresa de gestão, isto é a 1.ª requerida, não admitindo esta a sua posição e escudando-se atrás de inverdades e de uma entidade a quem responde, mas que não tem a competência operacional de decisão, vide doc. 12.
100. º Porém, como é evidente, a requerente não pode concordar com a não renovação do contrato existente pelas razões apresentadas pela 1.ª requerida, pois, por diversas vezes durante a relação contratual de 21 anos, houve diversas situações em que a requerente teve problemas financeiros mais significativos tendo sempre havido renovação dos contratos, tendo transmitido a sua posição e razões da sua posição à, procuradora e diretora da 1.ª requerida, C….
101. º Tanto assim é que a 1.ª requerida tem vindo a renovar os contratos celebrados com a requerente nos centros comerciais geridos e administrados pela mesma ao longo de todos estes anos.
102. º A requerente não vê justificação plausível para a não renovação do contrato uma vez que a marca apresenta ótimos resultados de venda, crescendo cerca de 31% nos últimos 6 anos naquele centro comercial.
103. º No ano de 2020, apesar de todas as restrições e contingências impostas para a mitigação e contenção da pandemia a requerente em Janeiro vendeu mais 5% do que no período homólogo do ano anterior, e após a reabertura dos centros comerciais em Julho andou acima dos 30%.
104. º Como é evidente, devido à chegada da pandemia, uma situação excecional e anormal, dos sucessivos estados de emergência, das regras de distanciamento social, das limitações de número de cliente por loja, do fecho total ou parcial das lojas por diversos períodos, da instabilidade emocional dos clientes os centros comerciais não puderam fornecer os serviços tal qual acordados e previstos nos contratos celebrados com os lojistas, vide doc. 10 e 12.
105. º Ficando as requeridas, numa primeira ocasião total, e posteriormente parcial e temporariamente impossibilitadas de prestar a sua obrigação, não pode a requerente, nem qualquer outro lojista, usufruir na plenitude das condições contratadas, nem tão pouco amortizar o investimento em capital fixo realizado com a nova loja.
106. º Inclusive, foi afirmado pelo Presidente da República Portuguesa, e por diversos outros governantes que os contratos que terminassem durante este período de situação de força maior, deveriam ser prolongados por períodos que pudessem confortar as partes, e manter o retorno dos investimentos realizados.
107. º  Apesar da falta e lentidão de resposta legislativa nesta matéria, não deixa de ser relevante a posição manifestada pelo Presidente da República.
108. º Uma vez que se prevê que a presente pandemia se arraste até ao final de 2021, mesmo com o pressuposto do sucesso da vacinação que se iniciou em 2021, mantendo o país em recessão técnica por todo este período, é previsível que apenas em 2022 seja possível considerar que existem plenas condições para utilizar e gozar da plenitude do contrato.
109. º Deste modo, a requerente considera que tem o direito de renovar o referido contrato, pelo menos por um período de mais 3 anos, considerando que 2020 e 2021 foram e serão anos afetados pela pandemia, durante os quais não pode e não poderá usufruir na plenitude do bem contratado (loja, espaço comum do centro comercial, tráfego de cliente de forma livre e espontânea), apenas podendo garantir um exercício de sobrevivência da actividade.
110. º Devido a diversos estudos realizados e divulgados pelas principais consultoras internacionais que apenas em 2022 seria possível usufruir do bem contratado, apesar das condições económicas a nível mundial e os hábitos de consumo deverão alterar, devendo este ser considerado o último ano do presente contrato, prevendo-se valores de vendas adequados, deverá, nessa altura, ser possível a renovação do contrato, pelo menos até ao final do plano PER, conforme compromisso e obrigação assumida pelos credores de espaços.
[3] Redacção dada pela Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro.