Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21227/17.0T8LSB-A.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: AÇÃO ESPECIAL PARA A TUTELA DA PERSONALIDADE DO TRABALHADOR
LEGITIMIDADE PASSIVA
ROL DE TESTEMUNHAS
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I.Tanto uma diretora financeira, quanto um diretor de recursos humanos, relativamente aos quais se alega terem praticado atos violadores do dever de respeito para com uma trabalhadora, são partes legítimas na ação especial para a tutela da personalidade do trabalhador.

II.As normas atinentes à instrução, constantes dos Artº 63º e ss. do CPT, são aplicáveis a esta ação especial.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, A. nos autos à margem mencionados, por não se conformar com o despacho neles proferido a fls 199 a 200, de que foi notificada, dele vem recorrer.

O Recurso é interposto das partes que:
- Indeferiu o pedido de pagamento de subsídio de transporte;
- Indeferiu o pedido de pagamento de indemnização por danos não patrimoniais;
- Indeferiu o pedido de abstenção da prática de atos ofensivos;
- Rejeitou a parte referente aos factos anteriores à colocação da A. no Serviço de Higiene, Segurança e Medicina no Trabalho;
- Absolveu da instância os R.R. BBB e CCC.

Pede que se ordene que o Processo siga os seus normais termos para apreciação e decisão de todos os pedidos que contém e contra todos os Réus contra quem foram dirigidos.

Formulou as seguintes conclusões:
“A aprovação de um Código do Trabalho em 2003, bem como as novas realidades jurídico laborais introduzidas com a revisão desse Código operada pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, implicam o ajustamento dos meios processuais existentes no atual Código de Processo do Trabalho para garantir a exequibilidade do direito laboral substantivo” – consta expressamente da Exposição de Motivos da respetiva Proposta de Lei (nº 284/X).
“Nessa medida, a presente autorização legislativa para alteração do Código de Processo do Trabalho tem por finalidade dar maior celeridade, eficácia e funcionalidade a um processo que acompanhe as novas realidades das relações de trabalho, em nome da rapidez de resposta que a conflitualidade laboral exige, em benefício da segurança jurídica, dos trabalhadores, dos empregadores e da economia em geral” – consta também da Exposição de Motivos.
Na mesma linha consigna o Preâmbulo do diploma legal que aprova essas alterações, o Dec. Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, que, para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo Código do Trabalho, é criado o processo especial de tutela da personalidade do trabalhador.
Disso resulta necessariamente que o processo especial de tutela da personalidade do trabalhador, criado dessa forma, tem, na matéria que regula, o âmbito e amplitude próprios e necessários para responder às necessidades para que foi criado.
O douto despacho recorrido faz uma aplicação meramente linear do processo especial de tutela da personalidade do trabalhador, trata-o como meramente residual, despreza por completo os atrás referidos propósitos de maior celeridade, eficácia e funcionalidade na decisão das novas realidades das relações de trabalho, trata-o de forma artificial, confere-lhe conteúdo meramente residual, quase que “a régua e esquadro” e por exclusão de partes.
E com isso confere-lhe uma dimensão inexplicável e redu-lo a mera “contabilização” de factos isolados, “escolhidos” de entre os alegados de forma desgarrada, olvidando por completo que no nosso ordenamento jurídico o assédio moral no trabalho implica comportamentos do empregador real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados a mais dois elementos: certa duração e determinadas consequências.
Pelo que, por atentarem contra a natureza do processo especial de tutela da personalidade do trabalhador, são incorretas e ilegais as partes da decisão recorrida que indeferiu o pedido de pagamento de subsídio de transporte, indeferiu o pedido de pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, indeferiu o pedido de abstenção da prática de atos ofensivos, rejeitou a parte referente aos factos anteriores à colocação da A. no Serviço de Higiene, Segurança e Medicina no Trabalho e absolveu da instância os R.R. BBB e CCC.
Contrariamente ao dito no despacho recorrido quanto ao subsídio de transporte, não se trata apenas do ressarcimento de danos patrimoniais sem qualquer relação com direitos de personalidade – antes tem tudo a ver com a ofensa dos seus direitos de personalidade cuja reparação a A. pretende com esta ação. E é consequência disso.
O pedido de indemnização por danos não patrimoniais é fundado na prática dos factos e comportamentos alegados que, no entender da A. consubstanciam violação dos seus direitos de personalidade e o assédio moral de que se queixa.
10ªDeve, assim, como jurisprudencialmente se vem entendendo, o pedido de indemnização por danos não patrimoniais emergente de factos consubstanciadores de ofensa aos direitos de personalidade, assédio moral, discriminação, ser formulado neste processo próprio.
11ªSe, como diz a decisão recorrida, tudo o que resulta da lei que não pode ser praticado não tiver uma forma de, através do processo próprio, ser objeto de recurso ao Tribunal precisamente para este obrigar o incumpridor da lei a cumpri-la, então tudo seria inócuo (para usar a palavra do despacho). Ou seja, se a previsão da lei fosse o bastante e suficiente…então estaria inviabilizado, por inócuo, o recurso ao Tribunal.
12ªContrariamente ao que diz o despacho recorrido, o que a A. pede na vertente de abstenção da prática de atos ofensivos constitui uma providência concreta, como aliás já bem o entendeu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2017, ao condenar a aí Ré exatamente nesses termos.
13ªNa sua Petição Inicial o que a A. faz é alegar os factos e comportamentos, todos eles, que considera terem os Réus praticado para consigo e que constituem assédio moral e ofensa aos seus direitos de personalidade.
14ªSão esses factos e comportamentos, todos eles, que dão unidade ao pedido que faz e são esses factos, todos eles, que permitem ao Tribunal apreender toda a situação e aplicar a justiça que lhe é pedida.
15ªDividir os factos entre anteriores a isto ou aquilo versus posteriores a isto ou aquilo é retirar ao quadro a decidir a unidade que é imprescindível à sua apreensão e conhecimento, é no fundo medir o âmbito do processo especial “a régua e esquadro” e fazer dele uma aplicação restritiva, que nada, mas mesmo nada, valida.
16ªPelo que, reiterando, atento os elementos caracterizadores, todos eles com assento na realidade autêntica e substancial assumida pelo próprio legislador, quer na consagração dos direitos de personalidade do trabalhador no direito laboral substantivo quer na criação de um processo especial ao nível do direito adjetivo, o processo especial de tutela da personalidade do trabalhador abrange no seu âmbito todos os factos alegados pela A..
17ªNão é verdade que em relação à 2ª R. e ao 3º R. a A. não tenha alegado factos relativos ao período posterior à colocação da A. no Serviço de Higiene, Segurança e Medicina no Trabalho (“o único pedido que resta”, no dizer do despacho recorrido).
18ªBasta ler os Artigos 138º, 139º, 140º, 141º, 142º, e confrontá-los com os Artigos 86º e 88º, todos da PI, para ver que isso não corresponde à verdade.
19ªDaí que, sendo falso o fundamento invocado, carece desde logo e por aí de sentido a decisão, que é incorreta e ilegal.
20ªTambém é ilegal e incorreta essa parte da decisão por decorrência e consequência da atrás apontada ilegalidade da “redução” do processo especial de tutela da personalidade do trabalhador ao âmbito ínfimo em que o “torna” a decisão recorrida.
21ªComo determina o art. 186º-D do CPT a ação especial de tutela da personalidade do trabalhador deve ser intentada contra o empregador e contra o (s) autor (es) da ameaça.
22ªTrata-se, como consiga o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-06-2016, de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, em que a lei exige a intervenção de ambos na lide, sob pena da falta de qualquer deles determinar a sua ilegitimidade (art. 33, nº 1 do CPC).
23ªPortanto, ao propor a ação contra também a 2ª R. e o 3º R., a A., por imperativo legal, não podia ter agido de outra forma.
24ª – Ao decidir como decidiu violou a douta decisão recorrida os artigos 186º-D a 186º-F do Cód. Proc. Trabalho.

Não foram apresentadas contra-alegações.

§§§

AAA, A. nos autos à margem mencionados, por não se conformar com o despacho que não admitiu o Aditamento da Testemunha (…)  ao Rol apresentado com a Petição Inicial, de que foi notificada, dele vem RECORRER.

Pede que seja admitido o aditamento ao Rol indicado na P.I. da Testemunha (…), prosseguindo o Processo seus normais termos.

Apresentou as seguintes conclusões:
Na Petição Inicial a Recorrente indicou o Rol composto por cinco Testemunhas ((…),(…),(…),(…),(…)) e, em cumprimento da parte final do douto despacho de fls 199 a 200, aditou ao seu Rol a Testemunha (…).
O douto despacho recorrido decidiu não admitir esse aditamento.
Tentando perscrutar os motivos fundamentadores que estarão implícitos na douta decisão recorrida, uma vez que ela não fundamenta minimamente porque é que recorre ao nº 1 do artigo 294º do CPC, julgamos não errar ao concluirmos que eles radicam no conceito residual e redutor que faz do processo especial de tutela da personalidade do trabalhador (aspeto que já foi pela Recrte apreciado e exposto em Recurso interposto do já referido despacho de fls 199 a 200) e na tese de que este processo especial tem a natureza de procedimento cautelar.
Porém, com o devido respeito, não é assim.
A natureza do processo especial de tutela da personalidade do trabalhador ressalta de forma bem vincada quer da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 284/X, quer do Preâmbulo do Dec. Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, que alterou o CPT criando este processo especial.

Com efeito, aí se escreve:
6ª.A“A aprovação de um Código do Trabalho em 2003, bem como as novas realidades jurídico-laborais introduzidas com a revisão desse Código operada pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, implicam o ajustamento dos meios processuais existentes no atual Código de Processo do Trabalho para garantir a exequibilidade do direito laboral substantivo” – Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 284/X.
6ª.B“Nessa medida,a presente autorização legislativa para alteração do Código de Processo do Trabalho tem por finalidade dar maior celeridade, eficácia e funcionalidade a um processo que acompanhe as novas realidades das relações de trabalho, em nome da rapidez de resposta que a conflitualidade laboral exige, em benefício da segurança jurídica, dos trabalhadores, dos empregadores e da economia em geral” – consta também da Exposição de Motivos.
6ª.CNa mesma linha consigna o Preâmbulo do diploma legal que aprova essas alterações, o Dec. Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, que, para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo Código do Trabalho, é criado o processo especial de tutela da personalidade do trabalhador.

Daí resulta necessariamente que o processo especial de tutela da personalidade do trabalhador, criado dessa forma, tem, na matéria que regula, o âmbito e amplitude próprios e necessários para responder – em definitivo, não provisoriamente como é próprio dos procedimentos cautelares – às necessidades para que foi criado, constituindo um verdadeiro processo especial e não outra coisa, maxime um procedimento cautelar.
É claro e concludente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Maio de 2012 (Proc. 4889/11.0TTLSB.L1-4), apreciando decisão de 1ª Instância que concluíra haver litispendência, ao consignar expressamente que “o presente processo não tem natureza de providência cautelar, antes configurando um processo especial previsto no diploma em causa”.
Ora, não sendo o procedimento especial de tutela da personalidade do trabalhador um procedimento cautelar e não estando nos preceitos do CPT que o criam e regulam previsto qualquer regime específico quanto ao limite de Testemunhas diferente do previsto no art. 64º do CPT, é este limite de 10 Testemunhas o aplicável – não há qualquer base legal para aplicação do limite previsto no art. 294º do CPC.
10ªPelo que, ao rejeitar o aditamento da sexta Testemunha, é ilegal o despacho recorrido.
11ªAo decidir como decidiu violou a douta decisão recorrida os artigos 64º e 186º-D a 186º-F do CPT e os artigos 294º, nº 1, e 365º do CPC.
12ªResulta da alínea d) do nº 2 do art. 644º do CPC e da alínea i) do nº 2 do Art. 79º-A do CPT, interconjugados e por força da remissão do segundo preceito legal para o primeiro, que cabe recurso autónomo de apelação da decisão de recusa de meios de prova, a interpor de imediato e de conhecimento imediato (isto é, a interpor e a subir de imediato e não com o recurso da decisão final).
13ªÉ, assim, o presente recurso o próprio, que deve subir de imediato.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Já nesta Relação foram proferidos dois despachos pela Relatora dos quais consta:
…decido não conhecer do objeto do recurso na parte em que o mesmo se detém sobre o 1º ponto do decisório do despacho de indeferimento.
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Os autos prosseguem para conhecimento dos recursos no mais não afetado pela decisão acima proferida: absolvição da instância dos dois RR. e indeferimento do aditamento ao rol.
§§§

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual ambos os recursos merecem provimento, devendo ser revogadas as decisões.
§§§

AAA requereu que sobre o despacho da Relatora (que não conhece do objeto do recurso) recaia acórdão, afirmando que o caso se enquadra no disposto no Artº 79ºA/2 do CPT.
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O PEDIDO DE CONFERÊNCIA:
Iniciaremos a discussão pelo conhecimento da questão submetida à conferência – o recurso interposto subsume-se ao disposto no Artº 79ºA/2-h) do CPT?
Para cabal compreensão transcrevem-se ambos os despachos proferidos pela Relatora.

No primeiro consignou-se:
“Mostram-se interpostos dois recursos de apelação – um incidente sobre o despacho de indeferimento liminar parcial da petição inicial e outro sobre o despacho que indeferiu um aditamento ao rol.
Quanto a este não se colocam obstáculos ao respetivo conhecimento, dado o disposto no Artº 644º/2-d) aplicável ex vi Artº 79ºA/2-i) do CPT.
Relativamente ao primeiro, o mesmo não pode conhecer-se em toda a sua extensão.
Se, relativamente à decisão que se traduz na absolvição da instância de dois dos RR. também não se regista obstáculo a que dele conheçamos, visto o disposto no Artº 79ºA/2-d) do CPT, já quanto ao indeferimento restante o regime atualmente vigente impede a apelação autónoma.
Na verdade, a decisão em causa, sendo recorrível, não se integra em nenhuma das espécies tipificadas no Artº 79ºA/1 e 2.
No requerimento de interposição de recurso a Apelante recorre invocando o disposto no Artº 79ºA/2-h) – decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que apenas existe absoluta inutilidade do recurso retido nas situações em que da retenção decorra a inexistência, no processo, de qualquer eficácia, na hipótese de o mesmo vir a proceder. É, assim necessário, que se evidencie que, ainda que a decisão do tribunal superior seja favorável ao recorrente, este não possa aproveitar-se dela, não se incluindo aqui os casos em que a procedência possa conduzir à inutilização ou reformulação de atos processuais entretanto praticados.
Na verdade, uma das normais decorrências do recurso é a inutilização de atos processuais.
No caso, afigura-se-nos claro que a decisão em causa é uma daquelas que só com a impugnação da decisão final poderá vir a ser impugnada, não se registando absoluta inutilidade na retenção da impugnação.
Configura-se, assim, como prematuro o recurso de apelação na parte respetiva porquanto, por força do que se dispõe no Art.º 79ºA/3 do CPT, a decisão pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Nesta medida entendo que não há lugar ao conhecimento do objeto do recurso nessa parte – 1º ponto do decisório do despacho de indeferimento.

E no segundo, proferido após prolação de parte incidente sobre a proposta de decisão constante daquele:
AAA, veio, na sequência do despacho anteriormente proferido, pronunciar-se quanto ao provável não conhecimento do objeto do recurso na parte em que o mesmo incide sobre o 1º ponto do decisório do despacho de indeferimento.
Manifesta-se contrária a tal entendimento, em resumo, porque, embora reconhecendo o entendimento jurisprudencial que ali se veicula, entende que se devem ter em conta as características muito próprias e específicas deste processo e ainda porque, implicitamente, o despacho recorrido contém uma absolvição da instância.
Não se regista pronúncia da parte contrária.
Cumpre decidir.
A argumentação ora tecida não põe em causa os fundamentos que invocámos para não conhecer do objeto do recurso na medida em que o regime processual civil aplicável lhe reserva um regime especial de acordo com o qual a apelação não é imediata. Ou seja, não se cerceia o direito ao recurso. Antes se remete para um outro tempo a possibilidade de o conhecer – o tempo em que se conhecerá da impugnação da decisão final.
Com o que as características deste ou de outro processo em nada alteram o regime aplicável.
Relativamente à implícita absolvição da instância a questão é falaciosa, porquanto do que se trata é do objeto do processo. Não dos seus sujeitos. E o despacho é claro quando refere que não há conhecimento do objeto do processo na parte atinente ao 1º ponto do decisório do despacho de indeferimento.
Deste modo, pelos fundamentos invocados, decido não conhecer do objeto do recurso na parte em que o mesmo se detém sobre o 1º ponto do decisório do despacho de indeferimento.

Reanalisadas ambas as decisões, subscreve-se quanto ali se consignou. Razão pela qual se mantém.
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O RECURSO:

É o seguinte o teor da 1ª decisão recorrida:
- Indefiro liminarmente o requerimento inicial na parte relativa a factos ofensivos anteriores à colocação da requerente no Serviço de Higiene, Segurança e Medicina no Trabalho e no que toca aos pedidos formulados sob os nºs 2 e 3;
- Absolvo BBB e CCC da instância.
Sendo o da 2ª:
Admito o rol de testemunhas apresentado pela requerente no requerimento inicial e não admito o aditamento ao mesmo apresentado a 29/12/2017, por exceder o limite legal (artigo 294º, nº 1, do CPC).
***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, e considerando ainda a restrição operada ao conhecimento do objeto dos recursos interpostos, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
A)Da 1ª apelação: - Não é verdade que em relação à 2ª R. e ao 3º R. a A. não tenha alegado factos relativos ao período posterior à colocação da A. no Serviço de Higiene, Segurança e Medicina no Trabalho (“o único pedido que resta”, no dizer do despacho recorrido)?
B)Da 2ª apelação: - Não sendo o procedimento especial de tutela da personalidade do trabalhador um procedimento cautelar e não estando nos preceitos do CPT que o criam e regulam previsto qualquer regime específico quanto ao limite de Testemunhas diferente do previsto no art. 64º do CPT, é este limite de 10 Testemunhas o aplicável – não há qualquer base legal para aplicação do limite previsto no art. 294º do CPC?
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O DIREITO:
Conforme emerge do relatório que antecede foi proferido, após os articulados, um despacho de indeferimento, do qual emerge a absolvição da instância de dois dos RR.
A ação em presença é a Ação Especial de Tutela da Personalidade do Trabalhador prevista nos Artº 186º-D a 186º-F do CPT.
Tal ação vem interposta contra DDD), (1ª R.), Dra. BBB, Diretora Financeira da LAHGO, (2ª R.) e Dr. CCC, Diretor Recursos Humanos da (…), (3º R.).

Foi formulado o seguinte pedido:

serem os R.R. condenados a:
1)Atribuir à A. as funções profissionais correspondentes à categoria de Gestora, que é a sua categoria contratual desde início, com toda a relevância que tem na estrutura da LAHGO;
2)Abster-se de praticar para com a A. atos ofensivos, discriminatórios, hostis, humilhantes, vexatórios, ou persistir direta ou indiretamente nos praticados;
3)Pagar à A. a importância de € 38.379,14 (trinta e oito mil, trezentos e setenta e nove euros e catorze cêntimos) sendo € 37.500,00m a título de danos não patrimoniais e € 879,14 por quantias não pagas, importância a que acrescem os juros de mora à taxa legal a partir da citação quanto aos danos morais e desde as datas em que deveriam ter sido pagas as restantes quantias, até efetivo pagamento.

A anteceder a formulação do pedido a A. alegou, em síntese, a celebração de contrato individual de trabalho com a 1ª R., as funções, local, horário e retribuição, um comportamento de perseguição por parte da 1ª R. – descrito nos Artº 15º a 23º - , que culminou com a comunicação da intenção de a despedir por extinção do posto de trabalho, situação a que a A. não se opôs. Mais alega que lhe foi comunicado, telefonicamente, que o seu despedimento ficava sem efeito. No regresso ao trabalho foram-lhe atribuídas funções não coadunáveis com a categoria de gestora – Artº 38º a 43º - , vindo a ser colocada num gabinete fechado, por represália – Artº 44º a 46º. Continuou, alegando nova comunicação da intenção de despedir efetuada pela 1ª R., tendo continuado ao serviço, até que em Janeiro de 2016, passou a desempenhar funções na tesouraria – Artº 55º. Nos artigos seguintes, a A. invoca faltas de pagamento de complementos salariais por parte da 1ª R., falta de permissão para gozo de descansos. Mais adiante, volta a referir-se à 1ª R. e às férias que veio a gozar, tendo-a esta impedido de retomar as funções no regresso – Artº 72º- e nova atitude impeditiva de acesso aos meios informáticos e diferenciadora relativamente a colegas, bem como a colocação em distintas funções sem atribuição dos meios necessários ao respetivo exercício. Prossegue enunciando os danos que está a sofrer pela situação criada pela 1ª R. – Artº 122º a 132º.

A ação, tal como vem configurada, está, pois, centrada no comportamento da 1ª R..

Pelo meio – Artº 64º a 66º - aparece uma referência à 2ª R., para alegar que, tendo pedido uns dias de descanso, esta lhe comunicou a desnecessidade de continuar a fazer horas extra e que passaria a gozar mensalmente duas semanas por conta das horas extra efetuadas, gozo esse que não poderia ser nem na 1ª nem na última semana do mês.

No Artº 113º da PI aparece nova menção ao conjunto das RR. para afirmar que as mesmas bem sabem que pôr a A. pura e simplesmente a ver legislação de higiene e segurança, sem qualquer enquadramento e objetivo, representa para ela em termos profissionais, e mesmo pessoais, um autêntico massacre.

E, por fim, nos Artº 134º, 136º, 137º, 138º, 140º e 141º alega-se:

134º - A 2ª R. é a Diretora Financeira e o 3º R. é o Diretor de Recursos Humanos da 1ª R.. Pela sua posição hierárquica em relação à A., bem como pelo lugar que ocupam na estrutura orgânica da 1ª R., os atos em causa foram, em representação da 1ª R. praticados pelo 2º e 3º R.R..
136º - Enquanto autores materiais, em representação da 1ª R., a 2ª e o 3º R.R. violaram frequentemente os deveres de tratar a A. com o respeito que, enquanto trabalhadora e mesmo pessoa, lhe é devido.
137º - Fizeram-no e fazem-no com uso, por escrito e oralmente, de tom ríspido e desrespeitoso, uso de tom e palavras ríspidas, em tom intimidatório e ameaçador.
138º - Como exemplo, entre 21 e 28 de Março o 3º R. dirigiu à A. e recebeu a sequência de e-mails que se anexam, a propósito do Relatório Único a enviar à ACT, em que lhe dá ordens e faz afirmações erradas e, quando ela, diligentemente, verifica o regime legal aplicável e indica o prazo legal, passa-lhe reprimendas em termos pelo menos inadequados e indevidos, tendo-se depois vindo a verificar, conforme consta desses mesmos e-mails, que ela estava certa.

Usou, entre outras, a propósito de um mail que lhe ordenou que enviasse para os Serviços a expiar um erro que ela afinal não cometera, o 3º R. as expressões: “Por lapso SEU”, “não indicou que a falha não foi dos RH, mas antes apenas e só SUA”, “transmitindo uma ideia errada de que teriam sido os R. Humanos a errar, quando efetivamente o erro foi apenas SEU” (com maiúsculas para melhor acentuar a humilhação), “...faça exatamente aquilo que lhe é indicado fazer e não proceda, como é o caso, a correções à sua chefia...o Relatório Único é para apresentar até 30 de Abril, como lhe afirmei, já por mais que uma vez” – e não era, mas sim até 15 de Abril, como a A. dissera – “, “No lugar de andar a perder tempo, tentando confirmar as instruções que lhe são transmitidas e das quais é mera executante, melhor seria...”.

Nesses mesmos e-mails questiona a A. sobre aspetos específicos da Reclamação que ela apresentara na ACT, a que ela recusou responder face à confidencialidade da mesma.

Como consta desses documentos – que, apenas por razões de economia processual, aqui se dão por expressamente reproduzidos, mas com a relevância processual da integral reprodução – os termos usados são claramente ofensivos, intimidatórios, ameaçadores. Doc. 26.

140º -Também como exemplo, em e-mail de 12 de Julho de 2017 (que nos mesmos termos do anterior também aqui se dá por reproduzido) o 3º R., a propósito da distribuição e afixação de convocatórias a que a A. procedera por indicação do Dra. (…), a Técnica do Departamento de Higiene e Segurança em que a A. está colocada, nos mesmos tons ameaçadores, intimidatórios e injustificados diz que “...tudo o que é informação a afixar dentro das instalações da Instituição, são habitualmente como sabe, tarefas dos rececionistas, devendo as mesmas serem efetuadas com o meu conhecimento...porque razão não me informou, como cabe que seria S/obrigação, de que iria eventualmente, proceder a essas afixações? A mando de quem e quando, lhe foram dadas indicações para que o fizesse? Tendo procedido a essa tarefa, porque razão não me deu da mesma indicação, mesmo depois de a ter efetuado?...apesar da S/presente situação, enquanto se mantiver ao serviço da (…), continua a ter obrigações e hierarquias a quem tem o dever e obrigação de respeitar e prestar justificações, não podendo arbitrariamente e sem a devida autorização, ou conhecimento, proceder e fazer o que muito bem entende”. Doc. 28.

141º - Ainda como exemplo, em e-mail de 17 de Fevereiro de 2017 a 2ª R. envia à A. um e-mail colocando uma pergunta a que, perante a resposta dela, escreveu: “Não foi isso que perguntei, mas como sempre não sabe!!! Obrigado pela não resposta”.
Como se vê, os termos usados são claramente humilhantes, de desprezo, prepotentes e arrogantes. Doc. 29.”
A fundamentar a absolvição da instância o Tribunal recorrido ponderou “No que toca aos requeridos BBB e CCC, a seu respeito não são alegados quaisquer factos relativos ao único pedido que resta – atribuição de funções fora da categoria de gestora -, pelo que terão de ser absolvidos.

Cumpre aqui lembrar que no mesmo despacho o requerimento inicial foi indeferido na parte relativa a factos ofensivos anteriores à colocação da requerente no Serviço de Higiene, Segurança e Medicina no Trabalho e no que toca aos pedidos formulados sob os nºs 2 e 3. Deste despacho foi interposto recurso que, contudo, não pode ser objeto de apelação autónoma e cujo conhecimento foi rejeitado.

Mantém os RR. legitimidade para ser demandados no que toca ao pedido formulado em 1), a saber, atribuição à A. das funções profissionais correspondentes à categoria de Gestora, que é a sua categoria contratual desde início, com toda a relevância que tem na estrutura da (…)?

Considerando quanto vem alegado nos Artº 113º e 134º da PI a resposta é positiva.

Na verdade, a legitimidade é uma posição de parte que permite que determinado autor ou determinado réu se ocupe em juízo de determinado objeto do processo.

De acordo com o disposto no Artº 30º do CPC o o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, sendo que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que da procedência da ação advenha.

Por outro lado, ainda de acordo com a mesma disposição legal na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Acresce ainda que dispõe o Artº 186ºD do CPT que o pedido de providências destinadas a evitar a consumação de qualquer violação dos direitos de personalidade do trabalhador ou atenuar os efeitos da ofensa já praticada é formulado contra o autor da ameaça ou ofensa e, igualmente, contra o empregador.

Tanto basta para, dado o alegado naqueles concretos artigos da petição inicial, se concluir pela legitimidade dos RR. absolvidos da instância.

Procede, assim, a apelação.
*

Passamos a conhecer do objeto da 2ª apelação – o limite de testemunhas previsto no Artº. 64º do CPT, é o aplicável ao caso concreto?
No despacho recorrido entendeu-se não admitir o aditamento ao rol apresentado a 29/12/2017, por exceder o limite legal (artigo 294º, nº 1, do CPC).
Nos Artº 186ºD a 186ºF do CPT, que enformam o Capítulo VI do Título VI – Processos Especiais - foi introduzida uma ação especial, tendo em vista a tutela da personalidade do trabalhador.
Este novo processo foi introduzido pelo DL 295/2009 de 13/10, tendo-se então consignado na exposição preambular que “Inovadoramente, são também criados outros três novos processos especiais, com natureza urgente, que dão exequibilidade, uma vez mais, às inovações do regime substantivo:

ii)- O que se destina a tutelar os direitos de personalidade, inspirado no processo especial de tutela da personalidade, do nome e da correspondência confidencial previsto no CPC, em razão da semelhança dos valores em presença…


Sobre o número de testemunhas nada se dispõe neste campo específico de regulamentação.

No que toca a espécies de processo, o Artº 48º/3 do CPT dispõe que o processo especial se aplica nos casos expressamente previstos na lei e que o processo comum é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial.

Por seu turno, não existe no Código de Processo de Trabalho norma equivalente à do Artº 49º que rege para o processo comum declarativo.

Sabe-se, contudo, por força de quanto se dispõe no Artº 1º/2-a) do CPT que nos casos omissos se recorre à legislação processual comum, civil ou penal, que diretamente os previna.

O Artº 549º/1 do CPC dispõe que os processos especiais se regulam pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver previsto numas e noutras, observa-se o que se ache estabelecido para o processo comum.

Donde, serão as normas atinentes à instrução, consignadas nos Artº 63º e ss. do CPT, que terão de ser aplicadas nesta forma de processo especial.

Na petição inicial indicaram-se cinco testemunhas.

De acordo com o disposto no Artº 63º/2 o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. Por seu turno, o limite de testemunhas é de dez (Artº 64º/1 do CPT).

Estando a audiência agendada para 23/01/2018, não se vê que o aditamento oferecido em 29/12/2017 ofendesse o regime aplicável. Como também não se vê como justificar o indeferimento tendo por base o disposto no Artº 294º/1 do CPC, aplicável aos incidentes da instância.
Termos em que procede a apelação.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
A)Manter o despacho reclamado e
B)Julgar ambas as apelações procedentes e, em consequência, revogar os despachos recorridos, declarando partes legítimas os 2ª e 3º RR. e deferindo ao aditamento do rol.
Custas das Apelações pelos Apelados.
Notifique.
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LISBOA, 2018-09-12 



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES