Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2997/17.2T8VFX-B.L1-1
Relator: PAULA CARDOSO
Descritores: SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
LEI 4-A/2020
DE 19.3
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– A redação do artigo 7º., dada pelo Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que veio introduzir na ordem jurídica portuguesa «Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19», foi alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, dali resultando que os processos urgentes continuariam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, actos ou diligências, apenas salvaguardando, nas suas três alíneas seguintes, condições respeitantes à realização de diligências presenciais.

II– Em face daquela sobredita alteração, no que aos processos urgentes concerne, a regra passou a ser então a da não suspensão ou interrupção dos prazos processuais, actos ou diligências, que deveriam continuar a ser tramitados (artigo 7.º, n.ºs 7 e 8, nova versão), com produção de efeitos em 07/04/2020 (artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, ambos da Lei n.º 4-A/2020).

III– O artigo 7º, nº 7, al. c) da referida Lei 4-A/2020, não se reporta aos recursos, cujo acto processual de interposição é praticado através do sistema Citius, pelo que, com a referida alteração, o prazo para o mesmo reiniciou-se em 07/04/2020.

IV– Havendo indicação legal para a tramitação dos processos urgentes por meios de comunicação à distância, se bastasse alegar o confinamento obrigatório, para suspender o prazo do recurso, a orientação da lei não faria sentido.

V– Se o confinamento obrigatório impedia e tornava inadequada uma reunião presencial, entre cliente e mandatário a fim de se poder elaborar a peça processual em causa, e se a mesma fosse, em abstracto, imprescindível e necessária no caso concreto, para permitir elaborar as alegações de recurso, outros mecanismos legais poderiam ter sido usados, e que não deixaram de estar em vigor no nosso ordenamento jurídico, como o justo impedimento, dependendo, claro está, da justificação avançada.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I.– Relatório:


António (…), Recorrente nos presentes autos, notificado do despacho proferido pela aqui Relatora em 08/03/2021, que não admitiu o recurso por si interposto (por considerar o mesmo extemporaneo), veio, ao abrigo do disposto pelo artigo 652.º n.º 3 do Código de Processo Civil requerer a submissão à conferência, com os seguintes fundamentos, que se transcrevem:

«A)- O Recurso é tempestivo, dado que:
B)- Ao prazo de interposição do Recurso é aplicável o disposto no art. 7.º n.º 7, al.c), da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, norma que dispõe que: «Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de actos nos termos previstos nas als. anteriores, aplica-se também a esses processos (os urgentes) o regime de suspensão referido no nº. 1»;
C)- Para "assegurar a prática de atos" referidos em B) supra, não pode fazer-se uma interpretação restritiva, dado que, para "assegurar" a "prática do ato", o Recurso em causa, deverá atender-se à palavra "assegurar" e não apenas à expressão "prática do ato" — sendo que este sempre o seria via Citius... - , mas para "assegurar" a "prática do ato" é necessário que o Mandatário se reúna antes com o seu Cliente, como, aliás, salvo o devido respeito, nos parece óbvio;
D)- Ou seja, o Despacho ora Reclamado, não atendeu a todo o procedimento necessário que tem de preceder a decisão de recorrer, e que exige reunião presencial entre o Mandatário e seu Cliente, a fim de analisar a Sentença e fundamentos da mesma com vista a eventual recurso, explicá-la, e após, saber se o Cliente pretende ou não recorrer da mesma;
E)- O Despacho ora reclamado, não teve em conta que o Mandatário age em nome e por conta do seu Cliente, pelo que ao considerar apenas "a prática do ato", a que podemos chamar "questão a jusante", não apreciou a "questão a montante", fazendo por isso errada interpretação dos fatos reais, da vida em concreto bem como da elevada perigosidade resultante da pandemia que, aqui sim, o Legislador pretendeu salvaguardar, mesmo com a Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril, cujo objetivo se manteve;
F)- Sendo de presumir que o Legislador conhecia e teve em conta tal perigosidade de contágio, e que o Vírus não escolhe infetar Mandatários e Clientes em processos urgentes e não urgentes, o qual tanto atinge Mandatários e Clientes nos casos de processos urgentes e não urgentes, dado que tal distinção sempre violaria a o princípio da igualdade do art°. 13.º da Constituição da R.P., pelo que diferente entendimento violou tal norma, cuja inconstitucionalidade desde já se invoca para todos os devidos efeitos.
G)- Ao decidir como decidiu, o douto Despacho ora reclamado violou os arts. 7°, n.º 7 e 8, nova versão, e arts. 6°, n.º 2, e 7°. nº. 7 al.c), da Lei n°. 4-A/2020,de 6 de Abril; o art°. 652°, 1,b), do C.P.C.; os arts. 88°, n°. 2, 89°, 97°, n°. 2 e 100° 4, als. a) e b), do Estatuto da Ordem dos Advogados; o art°. 1161° e ss. do C. Civil e o art. 13° da Constituição da R.P.».

Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.

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II.–Questões a decidir.

A única questão que agora importa decidir consiste em saber se é de admitir ou não o recurso interposto, aferindo da sua alegada tempestividade.
                                                                         
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III.–Factos a considerar:

1-No âmbito do presente incidente de qualificação de insolvência, foi proferida sentença em 13/02/2020.
2-A notificação da referida sentença ao recorrente foi elaborada no Citius em 17/02/2020, 2ª feira.
3-Com data de 05/05/2020 o agora reclamante interpos recurso da aludida decisão.
4-Por despacho proferido em 17/09/2020 foi admitido o aludido recurso, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, à luz dos artigos 14.º, n.º 6, al. b), do CIRE e 627.º, n.º 2, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 2, 637.º, 638.º, n.º 1, todos do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE, e artigo 7.º, n.º 7, al. c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, alterada pela Lei n.º 4 A/2020, de 06/04.
5-Distribuidos os autos já neste Tribunal da Relação, por despacho proferido pela aqui Relatora em 20/01/2021, foi determinado, com vista ao cumprimento do contraditório, que fossem notificados o apelante e o MP, que apresentou contra-alegações nos autos, para, de forma sintética e querendo, tomassem posição sobre a eventual extemporaneidade do recurso objecto destes autos, tal como equacionado pelo dito despacho.
6-No dia 03/02/2021, via Citius, o requerente tomou posição, pugnando pela tempestividade do recurso interposto.

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IV–Enquadramento jurídico:

A questão que se submete à conferência é a de apreciar se é ou não tempestivo o recurso interposto pelo agora requerente.

Analisados os presentes autos, cumprido que foi o contraditório, ponderada a questão e examinando os argumentos aduzidos pelo recorrente na defesa da tempestividade do seu recurso, entendeu a aqui Relatora que o mesmo fora intentado fora do prazo legal.

Para tanto, afirmou que:

«No âmbito do processo de insolvência têm natureza urgente o processo de insolvência e todos os seus incidentes, apensos e recursos (artigo 9.º do CIRE), o processo especial de revitalização (artigo 17.º-A, n.º 3, do CIRE), e o processo especial para acordo de pagamento (artigo 222.º-A, n.º 3, do CIRE).
No presente caso, estamos no âmbito de um incidente de qualificação de insolvência, que culminou com a sentença proferida em 13/02/2020, datando de 05/05/2020 a interposição do presente recurso.
A notificação da referida sentença ao recorrente foi elaborada no Citius em 17/02/2020, 2ª feira, pelo que se presume feita no terceiro dia posterior ao da sua elaboração (artigo 248.º n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE), ou seja, no dia 20/02/2020, iniciando-se a contagem do prazo de 15 dias para interpor o recurso (artigo 638.º n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE) no dia 21/02/2020, pois que não se incluiu o dia da notificação (artigo 279º al. b) do CC).
Tal prazo terminaria assim no dia 06/03/2020, 6ª. feira, podendo o acto ser praticado, com o pagamento da multa do artigo 139º n.º 5 do CPC, até ao 3º dia útil posterior, ou seja, até ao dia 11/03/2020, 4ª feira.

Por despacho proferido em 17/09/2020 foi admitido o recurso interposto pelo requerido António (…), como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, à luz dos artigos 14.º, n.º 6, al. b), do CIRE e 627.º, n.º 2, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 2, 637.º, 638.º, n.º 1, todos do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE, e artigo 7.º, n.º 7, al. c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, alterada pela Lei n.º 4 A/2020, de 06/04.

Apreciando então.

Em face da pandemia que, entretanto, o nosso país, e o mundo, enfrentou e ainda enfrenta, na sequência do estado de emergência que veio a ser decretado, foi publicado o Dec. Lei nº. 10-A/2020, de 13/03/2020, destinado, segundo o seu sumário, a estabelecer «medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – Covid 19», seguido posteriormente pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03/2020, que entrou em vigor no dia seguinte, dia 20, ainda que com efeitos produzidos partir de 13/03/2020 (artigo 10.º), que determinou, no que ao caso aqui interessa, que aos actos processuais que deviam ser praticados no âmbito dos processos que corriam termos nos tribunais judiciais se aplicava o regime das férias judiciais, sendo que tal regime excepcional cessaria em data a definir por decreto-lei que declarasse o termo dessa mesma situação excepcional (artigo 7.º nºs. 1 e 2).
Assim, em conformidade com o regime estabelecido no CPC para as férias judiciais (artigos 137.º e 138.º do CPC), e sem prejuízo de actos realizados de forma automática, dita a lei que não se praticam actos processuais durante o período de férias judiciais, com excepção de citações e notificações, registos de penhora e actos que se destinem a evitar dano irreparável e que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, se suspende durante as férias judiciais, salvo se a duração for igual ou superior a 6 meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
Não obstante, e no que concerne aos processos urgentes, o n.º 5 do aludido artigo 7.º da Lei 1-A/2020, ditava que os prazos se suspendiam, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9 da mesma norma.
Verificava-se assim uma clara contradição entre o n.º 5 e o que constava no n.º 1 daquele artigo 7.º, que tinha equiparado, como princípio geral, este período de excepção ao regime de férias judiciais, donde, conforme se retira do disposto no artigo 138.º, n.º 1, do CPC, a regra é a da continuidade dos prazos nos processos urgentes, que correm em férias judiciais.
Tal contradição permitia, quanto a nós, que ficasse ao critério do intérprete e aplicador do direito a tramitação e prática, ou não, de actos processuais no âmbito dos processos urgentes.

A Lei n.º 1-A/2020, veio depois a ser alterada pela Lei nº. 4-A/2020, de 06/04, que veio abolir a suspensão dos prazos nos processos urgentes.
Com efeito, a aludida lei determinou que esses processos continuariam a ser tramitados sem suspensão ou interrupção de prazos, actos ou diligências, apenas se salvaguardando, nas três alíneas do n.º 7 do seu artigo 7.º, condições respeitantes à realização de diligências processuais presenciais, o que não está, de todo, aqui em causa.
Por aquele n.º 7 do artigo 7.º foi, sem dúvida, abolida a suspensão dos processos urgentes, tendo ainda o legislador resolvido considerar ainda urgentes para efeitos da não suspensão dos prazos (artigo 7.º, n.º 8, da Lei n.º 1-A/2020, na redacção da Lei n.º 4-A/2020): a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, na sua redacção atual; refere-se ao direito de acesso aos tribunais para reagir contra providências inconstitucionais e ilegais praticadas a coberto do estado de emergência; b) O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, na sua redacção atual; abrange o previsto no Código de Processo Penal, na Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria penal, na Lei de Saúde Mental, na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e no Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do território nacional; c) Os processos, procedimentos, actos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
Todos estes processos deviam assim ser tramitados durante este período, tramitação que obedeceria às regras especiais enunciadas naquele artigo 7.º, n.º 7.
Donde, e em resumo, em face daquela sobredita alteração, no que aos processos urgentes concerne, a regra passou a ser então a da não suspensão ou interrupção dos prazos processuais, actos ou diligências, que deveriam continuar a ser tramitados (artigo 7.º, n.ºs 7 e 8, nova versão), com produção de efeitos em 07/04/2020 (artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, ambos da Lei n.º 4-A/2020).
Assim sendo, o artigo 7º, nº 7, al. c) da referida Lei 4-A/2020, a que faz apelo o recorrente, não tem, quanto a nós, aplicação no caso aqui em causa, pois que se reporta apenas a actos e diligências processuais, prevendo a possibilidade da sua suspensão – até publicação de decreto lei que declare o termo da situação excepcional - caso não seja possível, nem adequado, assegurar a sua prática através de meios adequados de comunicação à distância.
O acto processual aqui em causa - recurso – é praticado através do sistema Citius, pelo que, com a referida alteração, o prazo para o mesmo reiniciou-se em 07/04/2020, não tendo aplicação o referido dispositivo ao acto a que faz referência o recorrente - reunião presencial entre o mandatário e cliente - a fim de poder elaborar o presente recurso.
Havendo indicação legal para a tramitação dos processos urgentes por meios de comunicação à distância, se bastasse alegar o confinamento obrigatório, para suspender o prazo do recurso, a orientação da lei não faria sentido.
Foi opção legislativa, em situação de estado de emergência, e, não obstante este, não parar os processos urgentes, podendo até serem realizados julgamentos com inquirição de testemunhas à distância, não bastando, pois, para justificar agora a interposição tempestiva do presente recurso, alegar simplesmente o confinamento e a não possibilidade de reunião presencial.
Se o confinamento obrigatório impedia e tornava inadequada a aludida reunião presencial, a fim de se poder elaborar a peça processual em causa, tal não significa, quanto a nós, e contrariamente ao pretendido pelo recorrente, que esse recurso não pudesse ser interposto.
Com efeito, nem sempre estará inerente ao acto de recorrer uma necessária e obrigatória reunião presencial com o cliente. Dependendo da questão pode mesmo resolver-se por contacto telefónico, por correio eletrónico ou plataforma virtual, ou tratar-se de simples questão jurídica, cuja explicação não implica uma presença física.
Diz o recorrente que a elaboração do recurso pressupõe a necessidade de uma prévia conferência pessoal com o cliente, sendo que a decisão de recorrer não cabe apenas ao mandatário, impondo-se sobre o advogado o dever de informação, tal como resulta do artigo 100.º n.º 1 al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Estatuindo tal preceito como dever de o advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, não vemos que tal possa, sem mais, obrigar a uma reunião presencial, e certamente muitas vezes não o será.
Com isto não pretendemos, de forma alguma, ignorar ou desvalorizar a necessidade de conferência e o trabalho do advogado, apenas questionamos a necessária presença física.
Mas mesmo que assim não fosse, e tal reunião presencial no escritório do mandatário, se impusesse, o que aceitamos e até compreendemos, se a mesma fosse, em abstracto, imprescindível e necessária no caso concreto, para permitir elaborar as alegações de recurso, outros mecanismos legais poderiam ter sido usados, e que não deixaram de estar em vigor no nosso ordenamento jurídico, como o justo impedimento, dependendo, claro está, da justificação avançada.
O que não pode é ser descurado que, por força legislativa, e ope legis, os prazos reiniciaram-se, sendo que a lei faz alusão a prazos, actos ou diligências. Se não temos dúvidas que, em termos gerais, o prazo processual será o período de tempo concedido pela lei para que um determinado acto seja validamente praticado (ex. prazo de 15 dias para interpor recurso), e que as diligências serão aquelas que estão previstas na lei em obediência a determinada tramitação legal (ex. audiência prévia, um julgamento, etc) já o acto poderíamos dar-lhe um sentido mais alargado, podendo a suspensão dos prazos processuais acarretar consigo a suspensão da própria tramitação do processo, quando os prazos processuais em curso pudessem implicar o contacto entre as pessoas e a eventual difusão do vírus que a lei visava evitar. Não obstante, e ainda assim, mesmo nessa leitura, não vemos que a aludida reunião possa ser considerada como um acto processual por definição da lei.
Donde, não nos suscitam dúvidas que a alteração processada pela Lei 4/2020 implicou que a partir do dia 07/04/2020, os prazos suspensos recomeçaram a correr.
 
Ver neste sentido, ainda que noutra matéria, o Acórdão desta Relação de Lisboa, de 07/10/2020, relatado por Graça Santos Silva, disponível na dgsi, assim sumariado:
«Considerado o elemento literal da excepção à suspensão dos prazos referida no ponto 8 do artigo 7ª da Lei 1-A/2020, de 19/03, por si e em conjugação com o número seguinte, temos claramente uma disposição relativa a actos e diligências presenciais.
A Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, veio alterar a redacção do normativo, em momento de maior surto da doença, determinando expressamente que «os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências».
A rectificação não pode ser considerada meramente interpretativa da norma anterior, pelo que só a partir da entrada em vigor desta segunda lei (a 7/4/2020) é que se pode considerar que os prazos suspensos recomeçaram a correr».

Ainda que o principal objectivo do Legislador com a legislação publicada seja combater a propagação da pandemia, provocada pelo COVID-19, tal não impede que a opção legislativa fosse a de fazer correr os processos urgentes, não existindo, quanto a nós, ponderados todos os interesses e direitos em jogo, nenhuma violação do princípio Constitucional da Igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.

Donde, reiniciado que foi o prazo de recurso em 07/04/2021, o recurso interposto em 05/05/2020 é manifestamente extemporâneo.

Nestes termos, e sem mais, por força do disposto nos artigos 652º nº 1 alínea b-) e 655º do Código do Processo Civil, não se admite o recurso interposto, não se conhecendo assim do objecto do mesmo.
Custas pelo apelante/recorrente».

Mantém-se integralmente o que aí se afirmou.

Com efeito, analisados os fundamentos apresentados na reclamação para a conferência, não vê este Colectivo razões para alterar o decidido no âmbito da decisão singular, que já em si rebateu os argumentos agora trazidos aos autos pelo reclamante, esclarecendo as razões pelas quais discorda dos mesmos.
Com a Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, dúvidas não há, a regra, nos processos de natureza urgente, passou a ser a da não suspensão ou interrupção dos prazos processuais, actos ou diligências, que deveriam continuar a ser tramitados a partir de 07/04/2020. Nada sendo então invocado que impedisse que a prática do acto em causa, recurso, não poderia ser assegurada pelo mandatário por qualquer razão, não podemos afirmar a tempestividade de um recurso entrado apenas nos autos em 05/05/2020 com a alegada justificação de um confinamento obrigatório (veja-se que o final do prazo para recurso terminava no dia 06/03/2020, e que apenas com os três dias de multa poderia ser praticado o acto até ao dia 11/03/2020, suspendendo-se assim o prazo em curso no dia 09/03/2020, que recomeçou, ope legis, em 07/04/2020).
E tal decisão, que resulta da clara aplicação da lei, não implica, quanto a nós, nenhuma violação do princípio Constitucional da Igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, dado que é hoje pacifico que tal princípio não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, apenas proibindo discriminações e distinções sem qualquer fundamento (Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 128). A opção legislativa de, ainda que em situação pandémica, fazer tramitar os processos que, pelas suas especificidades e características, o legislador entendeu serem urgentes, afirmando essa natureza diferenciada dos mesmos, não acarreta consigo a violação de qualquer princípio constitucional nos termos pretendidos pelo recorrente, pois que o mesmo não veda à lei a realização de distinções que se fundam em razões objectivas.

E porque assim é, é totalmente improcedente a reclamação agora deduzida, impondo-se, portanto, a este Tribunal, agora em Colectivo, sufragar e manter, na íntegra, a decisão singular da Relatora, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação, corroborando este Colectivo a fundamentação expressa na decisão de não admissão de recurso.
Improcede pois, a presente reclamação para a conferência.

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IV.–Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a reclamação apresentada pelo Apelante, confirmando, em consequência, a decisão proferida pela aqui Relatora, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso por extemporâneo.
Pela reclamação não são devidas custas, fixadas que foram já as custas devidas em sede de recurso por decisão singular.
Registe e notifique.


Lisboa, 11/05/2021
Paula Cardoso
Rosário Gonçalves
Manuel Marques