Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8073/11.4TBOER-D.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: VENDA EXECUTIVA
TERMO DE PROTESTO
AGENTE DE EXECUÇÃO
DECISÃO
RECLAMAÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 – A regra da irrecorribilidade dos despachos proferidos pelo juiz sobre as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 723º do Código de Processo Civil deve ser objecto de interpretação restritiva, de modo a dela excepcionar as decisões sobre a suspensão, extinção ou anulação da execução e, bem assim, quando estejam em causa actos ou decisões do agente de execução vinculados, desde que verificados os demais pressupostos de admissibilidade do recurso, pois que a irrecorribilidade absoluta colide com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
2 – Tendo sido proferida pela agente de execução uma decisão pela qual determinou a remoção da recorrente do cargo de fiel depositária, cuja impugnação foi julgada improcedente por decisão judicial, que a confirmou e decorrendo dos autos que aquela nunca foi investida no exercício das funções de fiel depositária dos imóveis penhorados, tal decisão não pode subsistir por falta do pressuposto fáctico fundamental em que assentou.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A e B apresentaram requerimento executivo, com data de 26 de Agosto de 2011, que deu origem aos autos de execução n.º 8073/11.4TBOER para pagamento de quantia certa contra C com base em título executivo constituído por sentença judicial proferida no âmbito do incidente de liquidação promovido no processo n.º 546/1997 que correu termos no 5º Juízo Cível de Oeiras, que condenou a sociedade D no pagamento àqueles da quantia de € 214 400,00, a título de indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do contrato-promessa celebrado entre as partes, referentes a um lote de terreno que esta havia prometido vender; mais referem que registaram hipotecas judiciais sobre os prédios da sociedade que, após o respectivo registo, os vendeu à sociedade executada (cf. Ref. Elect. 2812472 dos autos de execução).
Com data de 27 de Outubro de 2011 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre os seguintes imóveis, da titularidade da executada:
. Prédio misto denominado Vale da Torre, com a área total de 3850 m2, composto por pavilhão destinado a oficina de automóveis, logradouro e barracão destinado a arrecadação e parte rústica composta por cultura arvense, oliveiras e figueiras, situado no Alto do Pintado, em Casais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 2013 da freguesia de Casais, inscrito na matriz sob os artigos urbanos 2910 e 3489 e artigo rústico 30 secção P, da referida freguesia;
. Prédio urbano em regime de propriedade total, denominado Vale da Torre, composto por edifício destinado a armazém com arrecadação, casa de banho e garagem, sito em Casais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 2766 da freguesia de Casais, inscrito na matriz urbana sob o artigo 3377 (cf. Ref. Elect. 2911187 dos autos de execução).
Em 4 de Fevereiro de 2013, a agente de execução proferiu decisão determinando a venda dos bens penhorados mediante abertura de propostas em carta fechada, fixando o valor dos bens (cf. Ref. Elect. 3769727 de 6-02-2013), posteriormente alterada para venda mediante leilão electrónico e, bem assim, com rectificação do valor dos imóveis (cf. Ref. Elect. 9202475 de 17-02-2017 dos autos de execução).
Em 7 de Agosto de 2017, os exequentes dirigiram aos autos de execução um requerimento dando conta que, tendo tomado conhecimento do teor do anúncio de venda dos bens imóveis penhorados, constataram que se mantém como fiel depositária F [ Maria …..], constituída nessa qualidade em 8 de Setembro de 2014, mãe de Micael ….. e Victor ……, que deduziram embargos de terceiro, já julgados improcedentes, assim como foi julgada improcedente a acção de reivindicação tendo por objecto os imóveis penhorados, que estes também intentaram, pelo que a referida F ocupa os imóveis sem qualquer título, não podendo manter-se no cargo de fiel depositária e requereram a remoção do cargo da fiel depositária (cf. Ref. Elect. 10453358 de 7-08-2017 dos autos de execução).
Com data de 18 de Setembro de 2017, a agente de execução remeteu aos autos o relatório de diligência (cf. Ref. Elect. 10670105 de 18-09-2017 dos autos de execução) com o seguinte teor:
“No dia 16/09/2017, pelas 13:00 horas, na morada dos imóveis penhorados, denominados Vale da Torre, sito em Alto do Pintado, Casais, onde, na qualidade de Agente de Execução no processo supra identificado, me desloquei, a fim de obter os elementos necessários para, cabalmente, decidir quanto ao requerido pelo exequente a 07/08/2017, apurei os seguintes factos, que passo a descrever:
- a Senhora Maria ….., a fiel depositária, continua a residir no local;
- uma vez mais não facultou o acesso ao interior dos imóveis penhorados, nem a mim, nem ao Colega que me acompanhou na diligência, o AE Carlos de Matos, C.P. 1603, em clara violação dos deveres inerentes ao cargo que ocupa de fiel depositária;
- impossibilitou, desta forma, a verificação do estado de conservação dos mesmos, não se logrando obter fotografias do interior, as quais são essenciais para disponibilizar no anúncio de venda por leilão electrónico;
- teceu ameaças graves à minha integridade física e à de qualquer outra pessoa que me acompanhe na diligência para tomada efectiva da posse dos imóveis penhorados, depois de ser removida do cargo conforme lhe expliquei, passando a citar :”Ninguém me tira daqui, que isto é tudo meu! Venha quem vier, leva um tiro nos cornos, porque eu não saio daqui”.
Nestes termos, mercê das ameaças feitas e em virtude dos imóveis penhorados configurarem uma única propriedade, toda ela vedada com gradeamento, composta por vários armazéns, com muitos portões, entreabertos, vou, na presente data, requerer a presença de força pública para me acompanhar na diligência acima melhor indicada.”
A agente de execução expediu notificação a Maria ……, com data de 18-09-2017 dando conta que, nos termos do art.º 761º do Código de Processo Civil[1], é removida do cargo por ter incumprido o dever de mostrar os bens, informando-a de que, querendo, se poderia opor, no prazo de dez dias – cf. Ref. Elect. 10670180 de 18-09-2017 dos autos de execução.
Maria Fernandes Henriques recebeu a aludida notificação em 21 de Setembro de 2017 – cf. Ref. Elect. n.º 10752057 de 28-09-2017 dos autos de execução.
Com data de 31 de Outubro de 2017 foi proferido despacho a autorizar a requisição do auxílio da força pública para efeitos de tomada de posse efectiva dos imóveis pela agente de execução (cf. Ref. Elect. 109036002 de 4-10-2017 dos autos de execução) com o seguinte teor:
“Req. com refª 9202475 com esclarecimentos sob a refª 0782856:
Com vista à entrega a que a Srª AE possa tomar posse efectiva dos imóveis penhorados à ordem dos presentes autos atento o facto de desempenhar, actualmente, a função de fiel depositária do mesmo defere-se ao requerido e, em consequência, autoriza-se a requisição do auxílio da força pública para os efeitos solicitados se necessário com arrombamento e substituição das fechaduras devendo, porém, a Srª. AE atender ao disposto no artigo 757º do CPCivil e dando prévia nota às autoridades policiais da atitude anterior da fiel depositária destituída.
Notifique.”
Em 29 de Novembro de 2017, Maria …… apresentou nos autos termo de protesto (cf. Ref. Elect. 11209507 de 29-11-2017 dos autos de execução), com o seguinte teor:
“TERMO DE PROTESTO
Nos termos e para os efeitos do art.º 840 n.º 1 e 2 do C.P.C., em virtude de os bens imóveis penhorados não serem, nem nunca terem sido propriedade da executada C, mas sempre e só propriedade da herança do falecido ANTÓNIO ….., falecido em 20 de Janeiro de 2003, como já se reclamou nos autos, e também da ora protestante, imóveis por si habitados e possuídos, e nos quais sempre viveu e seus filhos, pretendendo sempre pelo exposto, e ainda, através de acção judicial declarativa competente ou embargos de terceiro, nestes autos, reivindicar para si tais bens imóveis, ou parte deles, ou as benfeitorias neles existentes, e onde por isso, peticionará se reconheça a nulidade da compra e venda inscrita nas respectivas descrições prediais, e ainda se reconheça que os mesmos bens imóveis já identificados nos autos também lhe pertencem pelo menos em parte, ou ainda em alternativa ser ressarcida do valor das invocadas benfeitorias, porque alguns dos imóveis aí existentes foram por si construídos e os obreiros por si pagos, entre os quais o telheiro de metal e anexos existentes à entrada dos imóveis do lado norte, e as paredes do barracão situado a nascente também foram totalmente construídas por si e os mesmos obreiros também por si pagos.
Nestes termos requer-se sejam tidos em conta os efeitos do presente nos termos do disposto no art° 840 n° 1 e 2 do C.P.C..”
Em 30 de Novembro de 2017, Maria ……… dirigiu um requerimento aos autos de execução requerendo que fosse declarada a nulidade do despacho proferido em 31 de Outubro de 2017 e da decisão da agente de execução de 20 de Setembro de 2017, que determinou a sua remoção do cargo de fiel depositária, conforme notificação que lhe foi efectuada em 21 de Setembro de 2017, alegando, em síntese, o seguinte:
= no dia 28 de Novembro, foi demandada na sua habitação sita em Alto do Pintado N.º 4 - B- 2305- 300 Casais - Tomar, domicílio onde vive com os seus dois filhos, com a presença da Agente de Execução, acompanhada de agentes da Guarda Nacional Republicana para a remover de fiel depositária dos bens penhorados nos autos, desalojando-a, e arrombar e mudar as fechaduras dos imóveis, diligência entretanto suspendida pela agente de execução;
= a requerente nunca vedou o acesso a quem quer que seja à sua habitação, estando disponível para o fazer, quando lhe explicitam os motivos;
= apesar de ter recebido a notificação de remoção do cargo não a entendeu, nem os motivos que a fundamentam, que não constavam da notificação;
= a requerente e seus filhos ali vivem há mais de vinte anos, ali têm a sua habitação, os seus móveis, ali têm implantado um pequeno negócio de flores, máquinas, veículos automóveis, animais, e qualquer remoção não poderá ser efectivada sem que previamente se determine o destino de tais bens e máquinas e se defina quem será o seu fiel depositário, e para onde vão viver a requerente e seus filhos, pois os mesmos não possuem qualquer outro imóvel com condições para tal.
Em 5 de Dezembro de 2017 a agente de execução remeteu aos autos de execução um auto de diligência dando conta das diligências empreendidas para tomar posse efectiva dos imóveis penhorados relatando a recusa da fiel depositária removida em sair do local, que acabou por abrir o portão, tendo comparecido, a dada altura, o ilustre mandatário dos filhos desta que tentou opor-se à concretização da diligência, que acabou por não se realizar face à existência de inúmeros animais no local e à necessidade de prover ao seu acondicionamento – cf. Ref. Elect. 11242047 de 5-12-2017 dos autos de execução.
Em 7 de Dezembro de 2017, os exequentes pronunciaram-se sobre os requerimentos de 29 e 30 de Novembro de 2017 nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 11262699 dos autos de execução):
ü Maria …… apresentou “termo de protesto” pela reivindicação dos imóveis objecto de penhora, sendo que os seus filhos, Micael e Victor …, em 30 de Dezembro de 2011, já haviam efectuado idêntico protesto nos exactos termos e com os fundamentos agora aduzidos;
ü Quer os embargos de terceiro deduzidos nos autos, quer a acção de reivindicação instaurada em 2012 com o mesmo objecto pelos filhos de Maria ……, foram julgados integralmente improcedentes com as respectivas decisões finais já transitadas em julgado;
ü Uma nova acção de reivindicação implicaria a discussão e prolação de decisão sobre a mesma matéria de facto;
ü O protesto pela reivindicação por parte da interveniente Maria ….. configura claro abuso de direito, desde logo porque o fez decorridos, pelo menos, cinco anos sobre o conhecimento de que os imóveis cuja propriedade reclama se encontravam penhorados à ordem do presente processo;
ü A interveniente Maria ….. não era casada com o Sr. Vítor …., pai de Victor e Micael ….., pelo que nunca herdaria coisa nenhuma ou teria qualquer direito sobre os imóveis penhorados nos autos;
ü Em todo o caso, um protesto pela reivindicação válido não implica a suspensão da instância executiva, nem a paralisação das diligências tendentes à sua venda, pelo que deve ser ordenado o prosseguimento dos autos no sentido da concretização da diligência de tomada de posse efectiva dos imóveis penhorados, com vista à concretização da venda executiva dos referidos imóveis.
ü Desde, pelo menos, a data em que o mandatário da interveniente Maria ……. teve conhecimento da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a revista excepcional por si interposta na acção de reivindicação, que aquela e os filhos sabiam e tinham o dever de desocupar os referidos imóveis, que vinham utilizando sem título e, portanto, ilicitamente;
ü A interveniente Maria …. também não poderia deixar de saber que, estando a correr a execução e estando os imóveis penhorados, a sua venda iria necessariamente avançar, sendo para tal necessário o respectivo acesso, pelo que é falso que não tenha percebido os motivos de tal pretensão pela agente de execução.
Pugnam pelo indeferimento do protesto e que prossigam os autos, designadamente com todas as diligências necessárias à venda dos imóveis penhorados e, bem assim, pelo indeferimento da arguição de nulidade da decisão proferida pela agente de execução de remoção do cargo de fiel depositária e do despacho proferido em 31 (identificado como sendo a 4) de Outubro de 2017.
Em 10 de Janeiro de 2018, Maria ….. juntou aos autos de execução cópia da petição inicial relativa à acção que intentou contra A, B, C e D onde formulou os seguintes pedidos (cf. Ref. Elect. 11463742 dos autos de execução):
1 A declaração de nulidade, por simulação absoluta do negócio de compra e venda do prédio identificado no artº 18º da petição inicial e formalizado pela escritura pública junta sob o Doc. Nº 20, nos termos do artº 240, 286, 289 do C.C. E,
2 Consequentemente ser declarada a nulidade do negócio de compra e venda do prédio identificado no artº 8º desta petição inicial, e também junto sob o documento nº 21, nos termos do artº 240, 286, 289 e s.s. do C.C.
3 Ser consequentemente decretado o cancelamento de todos os registos de aquisição posteriores à aquisição registada em 2/2/94, a favor do falecido António ….., pela apresentação G.2, e nomeadamente os registos:
a) Da descrição Nº 3766 – C. R. de Tomar – a Hipoteca Judicial com a AP 10 de 23/04/2007, a favor dos 1º e 2ºs R.R, e a constante ainda da AP nº 1736 de 24/04/2009, e a penhora de € 214.400,00, com Apresentação Nº 155 de 18/10/2011, sendo sujeitos activos os mesmos R.R
b) Da mesma descrição nº 3766 – da Conservatória do Registo Predial de Tomar – o registo constante da Apresentação nº 1289 de 1/02/2010, aquisição a favor da 3ª Ré Imobiliária.
c) Da descrição Nº 2013 da Conservatória do Registo Predial de Tomar – A Hipoteca Judicial com a apresentação Nº 1736 de 23/04/2009, a favor dos 1º e 2º R.R, e a constante ainda da apresentação Nº 1555 de 18/10/2011, e da penhora de € 214.400,00, sendo sujeitos activos os mesmos R.R.
d) Da mesma descrição – 2012 da Conservatória do Registo Predial de Tomar o registo de aquisição constante da apresentação Nº 1289 de 1/02/2012 e a favor da 3ª Ré Imobiliária.
4 Todos os R.R condenados a reconhecerem ser reconhecida à A. a legitimidade e interesse no pedido de reconhecimento das atrás mencionadas nulidades, uma vez que a mesma é titular do direito de uso e habitação do imóvel identificado no artigo 8º, e assim, do direito de usufruto ao mesmo expressamente adquirido por usucapião (artº 286, 1439, 1440, e 1484 C.C.)
E assim
5 Serem os R.R condenados a reconhecerem à A. o direito vitalício ao uso e habitação do imóvel identificado no artigo 8º desta petição, e assim ao seu usufruto vitalício adquirido por usucapião, tudo nos termos dos artº 286, 1439, 1440 e 1484 do C.C, e com as legais consequências, nomeadamente também,
6 A serem consequentemente também cancelados os registos identificados no ponto 3 deste pedido.
E ainda assim, caso tal não se mostre deferido, subsidiariamente, serem os R.R condenados a
7 A pagarem à A., o montante dos € 64.500,00 (sessenta e quatro mil e quinhentos euros), referente ao valor das benfeitorias úteis e necessárias executadas pela A . de boa fé no imóvel identificado no artº 8 e descritas no artº 78 desta petição, valor acrescido de juros legais vincendos e contados a partir da citação dos R.R.
E ainda assim
8 A reconhecerem o direito de retenção sobre o imóvel identificado no mesmo artigo 8º da petição, enquanto tal montante relativo às benfeitorias, não se mostrar pago à A. (artº 754 e 759 C.C.) E
9 A reconhecerem que a área do imóvel é de 5508 m2, sendo assim inexistente a penhora dos autos, em pelo menos 228 m2, e assim a mesma nula com as legais consequências.”
Em 20 de Março de 2018 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 110751864 de 16-01-2018):
“Req. com refª 1209507 [requerimento de Maria ….. de 29-11-2017]:
Sopesada a concreta acção interposta por Maria …….. e a causa de pedir e pedidos ali formulados – não se tratando de acção de reivindicação tal como prevista no artº 1311º do CCivil - os quais se reconduzem ao reconhecimento de um alegado direito de usufruto vitalício adquirido por usucapião por banda da ali Autora (cfr. refª 1463742), ora requerente, indefere-se o requerido protesto porquanto o que ali é peticionado não colide com a venda dos sobreditos imóveis na medida em que, ainda que venha a ser reconhecido o direito de usufruto vitalício da ora requerente o mesmo não colide e/ou obsta à venda dos sobreditos imóveis os quais serão vendidos onerados com tal direito de usufruto, o qual terá que ser suportado – caso venha a ser, efectivamente, reconhecido - pelos adquirentes ou pelos executados adjudicantes e, em consequência, haverão os presentes autos de prosseguir os seus normais termos.
Notifique e dê conhecimento à Srª AE.
*
Req. com refª 1218393 [requerimento de Maria ….. de 30-11-2017]:
Maria ……. vem arguir a nulidade do despacho proferido em 04.10.2017 invocando, para tal e em síntese, não ter compreendido a notificação que anteriormente à prolação daquele lhe havia sido expedida para, querendo, pronunciar-se sobre o pedido formulado de destituição do cargo de fiel depositária com fundamento no incumprimento dos seus deveres.
Os exequentes pronunciaram-se pelo indeferimento de tal pretensão.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
*
A requerente não nega ter recepcionado a notificação para, querendo, pronunciar-se acerca da destituição da função que até ali exercia de fiel depositária afirmando apenas e tão só que deveria ter sido informada que, caso fosse destituída, teria que entregar o bem.
Com o devido respeito que sempre nos merece a opinião contrária a ora requerente, caso não tivesse compreendido o alcance da notificação que recepcionou deveria ter diligenciado por ser esclarecida quanto ao conteúdo da mesma, fosse por advogado ou por qualquer pessoa que elegesse como capaz de o fazer.
Se o não fez apenas a si própria pode assacar tal responsabilidade não tendo o Tribunal incorrido na prática de qualquer nulidade ao proferir o aludido despacho após notificação daquela.
Mais se refira que aquando da sua investidura no cargo de fiel depositária foi a mesma esclarecida dos seus deveres, enquanto tal, sendo um deles a de apresentação dos bens sempre que tal lhe fosse solicitado, pelo que, é bom de ver, que ao não facultar o acesso aos imóveis de que era fiel depositária bem sabia a mesma que incorria na violação de um dos deveres que lhe incumbia e que, certamente, tal violação haveria de acarretar consequências, entre as quais, a sua destituição como, aliás, veio a suceder.
Face ao exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, julga-se improcedente a invocada nulidade do despacho de destituição da requerente do cargo de fiel depositária.
Custas do incidente anómalo a suportar pela requerente as quais se fixam em 1UC.
Notifique. […]
*
Reqs. com refªs 1713289 e 1769018:
Notifique a Srª AE de que pode continuar a levar a cabo diligências tendentes à venda dos imóveis penhorados à ordem dos presentes autos.”
É destas decisões que vem o presente recurso interposto pela autora do protesto e da arguição de nulidade, Maria ……., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1 – Deve sempre ser atribuído ao presente recurso efeito suspensivo, quanto à suspensão dos presentes autos de execução que deve ser determinada, tendo em vista a não realização de actos processuais inúteis e desnecessários, passíveis de tal não suceder, de realização dupla, o que sempre, a fixação da suspensão da instância executiva, e de tal efeito sempre evitará.
2 – O protesto efectuado nos autos nos termos do artº 840 do C.P.C. deve ser deferido, e os efeitos previstos neste artigo, publicitados nos presentes autos como requerido.
3 – De verdade a acção judicial instaurada, invoca direitos incompatíveis com a transmissão dos imóveis, por parte da recorrente, donde não pode julgar-se indiferente a realização de tal protesto na presente execução.
4 – O protesto tem por efeito garantir ao seu autor, se não for a restituição do bem, pelo menos a entrega do seu valor para efeitos de compensação.
5 – Qualquer venda executiva, efectivada será sempre ineficaz em relação à recorrente caso, se mostre procedente a acção judicial instaurada, e constante dos autos.
6 – Mostra-se assim violado o disposto no artº 840º nº 1 do C.P.C, no despacho primeiramente impugnado.
7- A notificação para a remoção da recorrente do cargo de fiel depositária, viola o disposto nos artº 761, 818, 861 nº 6 e 863 nº 5 do C.P.C.
8 – A ora recorrente é terceira nos presentes autos e não executada.
9 – A recorrente só em 28 de Novembro se apercebeu e tomou consciência dos efeitos da notificação efectuada pela Ex.ª Agente de Execução em 21-09-2017.
10 – Existe falta de fundamentação da decisão da Exmª Srª. Agente de Execução, uma vez que da mesma não consta quais os efeitos e modos de efectivação da notificada remoção.
11 – Tal notificação não é explícita quanto ao modo de realização efectiva de tal remoção, nomeadamente quando se não refere ao recurso à força, o que viola as mais elementares regras de boa fé processual, por falta de justificação dos factos concretos que levam aquela decisão, o que constitui nulidade nos precisos termos do disposto no artº 615 nº 1 alínea b) do C.P.C.
12 – Assim face ao exposto as decisões dos despachos impugnados de 4-10-2017 e 20-03-2018, são nulas, e devem ser substituídas por outra que mantenha a recorrente como fiel depositária. Se assim se não entender,
13 – Não consta dos autos, qualquer investidura da Exmª Srª. Agente de Execução como fiel depositária dos bens penhorados, contrariamente ao fundamentado no referido despacho de 4-10-2017, o que aqui se alega para os devidos efeitos,
14 – No caso dos autos a recorrente não é executada, mas sim terceira, sendo-lhe inaplicável o disposto no artº 757 do C.P.C., quanto à entrega dos bens imóveis penhorados.
15 – Donde, arguindo-se a nulidade, mostra-se legítima a ora actuação da recorrente, reclamando para o cumprimento do disposto nos artºs 861 nº 6 e 863 nº 3 a 5 do C.P.C.. E que
16 – A realidade criada nos autos atinge contornos de coação moral quanto à recorrente e seus filhos, no sentido de serem observados aqueles procedimentos e mecanismos, se conseguir fazer com que a recorrente e seus filhos deixem os imóveis, libertando-os de pessoas e coisas suas, prejudicando e ofendendo os seus direitos fundamentais, constitucionalmente defendidos, para melhor se conseguir compradores e interessados na venda executiva, o que a lei imediatamente não permite.
17 – É que qualquer entrega dos bens imóveis penhorados, no caso de a recorrente não ser mantida como fiel depositária, deve observar em relação à recorrente, e seus filhos, o disposto nos artºs 859 e ss do C.P.C., citando os mesmos nos precisos termos de tais artigos.
18 – Tal execução para entrega de coisa certa só pode ser deduzida, eventualmente pelos actuais proprietários inscritos, ou pela Exmª Agente de Execução quando legitimamente investida nos autos em fiel depositária, situação que até ao momento não existe, até por consequência da dedução do presente recurso.
19 – Donde nesse entendimento, violam assim manifestamente os despachos impugnados de 4-10-2017 e 20-03-2018 o disposto nos artº 859 e ss do C.P.C.
20 – Assim, os despachos agora impugnados violam além do mais o disposto nos artºs 195, 761, 818, 861 nº 6 e 863 nº 3 a 5 do C.P.C. e os artigos 20, 27, 64 e 65 da C.R.P.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se os despachos impugnados, e substituindo-os por outro que mantenha a recorrente como fiel depositária, ou quando assim se não entender, se declare aqueles despachos nulos por falta de fundamentação, e manifesta violação do disposto nos artigos 859 e S.S do C.P.C. ordenando-se sempre o cumprimento do prescrito nestes artigos. (Execução para entrega de coisa certa).
Os exequentes/recorridos contra-alegaram suscitando a inadmissibilidade do recurso, seja na parte atinente ao indeferimento do protesto por se tratar de decisão não abrangida na previsão dos art.ºs 852º e 853º e 644º, n.º 2 do CPC, e, a considerar-se aplicável o n.º 3 do art. 644º do referido diploma legal, o direito a recorrer seria sempre num momento posterior, seja no que diz respeito ao despacho que se pronuncia sobre a arguição de nulidade, pois que se trata de decisão não recorrível, tal como resulta do art. 630º, n.º 2 do CPC.
No mais, pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, há que apreciar as seguintes questões:
a) Questão Prévia – a admissibilidade do recurso;
Se admitido o recurso em toda a sua extensão:
b) A admissibilidade do termo de protesto;
c) A nulidade da decisão de remoção do cargo de fiel depositária.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda os seguintes factos:
1. O auto de penhora lavrado em 27 de Outubro de 2011 que incidiu sobre os imóveis acima identificados não contém qualquer indicação quanto ao fiel depositário nomeado (cf. Ref. Elect. 2911187 de 9-11-2011 dos autos de execução).
2. O edital de imóvel penhorado elaborado em 9 de Novembro de 2011 não contém qualquer indicação no espaço destinado à identificação do fiel depositário (cf. Ref. Elect. 2912184 dos autos de execução).
3. O auto de diligência editável de 9 de Novembro de 2011 intitulado “Constituição de Fiel Depositário – 839º do CPC” alude à constituição da agente de execução Alexandra ……. como fiel depositária do imóvel penhorado nos autos, a quem competiria a guarda e administração e teriam sido entregues as chaves deste, mas na parte atinente à data e hora em que a diligência em causa teria tido lugar encontra-se em branco (cf. Ref. Elect. 2912279 dos autos de execução).
4. Em 17 de Março de 2015, a agente de execução juntou aos autos fotografias onde consta a certificação de afixação de edital no imóvel penhorado, com data de 8 de Setembro de 2014, onde não é identificado o fiel depositário nomeado, fazendo menção apenas à circunstância de residir no local Maria ….. e que “a residente no local recusou identificar-se, assinar qualquer documento e não permitiu o acesso ao prédio(cf. Ref. Elect. 2337832 dos autos de execução).
5. Do histórico do processo electrónico relativo aos autos principais de execução com o número 8073/11.4TBOER consultado na plataforma informática Citius não consta qualquer indicação ou referência à nomeação da recorrente como fiel depositária relativamente aos bens imóveis penhorados nos autos de execução.
6. Em 28 de Novembro de 2017 a agente de execução, com auxílio da Guarda Nacional República, dirigiu-se ao local dos imóveis penhorados para deles tomar posse efectiva, o que não se concretizou atenta a existência de inúmeros animais no local e a falta de meios técnicos veterinários para os recolher (cf. Ref. Elect. 11242047 de 5-12-2017 dos autos de execução).
7. Em 19 de Abril de 2018, Micael ….., Victor …… e Maria ……. dirigiram aos autos de execução um requerimento em que solicitam a suspensão da instância executiva, nos termos do art.º 269º e seguintes do Código de Processo Civil, ou assim se não entendendo, que seja dada sem efeito a diligência marcada para o dia 28 de Maio de 2018, para tomada efectiva dos imóveis, mandando-se, se for caso disso, dar cumprimento, a quem se mostrar com legitimidade para tal, ao disposto no art.º 859º e seguintes do CPC, face à pendência do presente recurso e ao facto de habitarem no imóvel penhorado (cf. Ref. Elect. 12199497 dos autos de execução).
8. Em 20 de Abril de 2018 a agente de execução comunicou aos autos ter agendado a data de 28 de Maio de 2018 para a tomada de posse efectiva dos imóveis penhorados, solicitando que o tribunal informasse se tal diligência deveria prosseguir (cf. Ref. Elect. 12210882 dos autos de execução).
9. Em 18 de Maio de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Req. com refª 2210882 (e refªs 2199497 e 2279606 da Srª AE) tomando em consideração a posição da exequente vertida na refª 2276209:
Os intervenientes acidentais mais bem identificados no requerimento ora em apreço requerem a suspensão dos presentes autos até que se mostre decidido o recurso que interpuseram do despacho proferido em 20.03.2018.
Porém, aquando da fixação do efeito de tal recurso atribuiu-se-lhe efeito meramente devolutivo sendo certo que inexiste qualquer motivo e/ou circunstância ulterior que justifique seja alterado o efeito atribuído a tal recurso.
Mais se refira que, nos termos do no n.º 1 do artigo 840.º do CPC, sob a epígrafe “Cautelas a observar no caso de protesto pela reivindicação” “Se, antes de efetuada a venda, algum terceiro tiver protestado pela reivindicação da coisa, invocando direito próprio incompatível com a transmissão, lavra-se termo de protesto; nesse caso, os bens móveis não são entregues ao comprador e o produto da venda não é levantado sem se prestar caução ”, pelo que, somos de entendimento que a execução não haverá que ficar suspensa por força do protesto pela reivindicação devendo, pelo contrário, a mesma prosseguir os seus trâmites normais – cfr. neste sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 27.11.2012 (Relator RUI MOREIRA), disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que, a requerida suspensão da instância executiva ao abrigo do artigo 269.º do CPC não tem aplicação nas acções executivas, admitindo-se apenas a sua concretização nalgumas das fases declarativas enxertadas no processo executivo, pelo que, a suspensão de uma execução ao abrigo daquela norma é, via de regra, inadmissível.
Por fim, refira-se que não é aplicável aos presentes autos o procedimento previsto nos artigos 859.º e ss. do CPC (execução para entrega de coisa certa).
Embora os requerentes não sejam, efectivamente, os executados nos presentes autos os mesmos serão, quanto muito, meros possuidores dos imóveis penhorados no âmbito dos presentes autos – sendo certo que a posse dos mesmos não é titulada, conforme já decidido por sentença transitada em julgado – devendo os mesmos, em consequência, ter já desocupado os aludidos imóveis.
Assim, à guisa de conclusão, não dispondo os requerentes de título legítimo que justifique a posse dos imóveis penhorados à ordem dos presentes autos, devem os mesmos obediência ao já decidido e, em consequência, têm que os desocupar e permitir à Srª AE levar a cabo a diligência agendada, ao abrigo do disposto no artigo 757.º, nº 1 do CPC, a qual, se necessário, poderá solicitar o auxílio das competentes autoridades policiais até porque não será o facto de os aludidos imóveis serem detidos pelos ora requerentes que obstará à sua venda.
Face ao exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, indefere-se o requerido porquanto carece de fundamento legal.
Notifique.” (cf. Ref. Elect. 112938611 de 4-05-2018).
10. Em 22 de Maio de 2018 a agente de execução requereu a comparência da Guarda Nacional Republicana para a realização da diligência de tomada de posse efectiva dos imóveis penhorados agendada para o dia 28 de Maio de 2018 (cf. Ref. Elect. 12415368 dos autos de execução).
11. Em 29 de Maio de 2018 foi junto aos autos um auto de constituição de fiel depositário que dá conta que, em 28 de Maio de 2018, foi constituída fiel depositária dos imóveis a agente de execução Alexandra Cidades (cf. Ref. Elect. 12475864 dos autos de execução).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Questão Prévia – Admissibilidade do Recurso
A apelante insurge-se contra o despacho proferido em 20 de Março de 2018.
Este despacho contém dois segmentos decisórios que se mostram abrangidos pelo âmbito do presente recurso:
1) A apreciação da admissibilidade do termo de protesto apresentado por Maria …. em requerimento de 29 de Novembro de 2017;
2) A apreciação do requerimento apresentado pela recorrente em 30 de Novembro de 2017, em que argui a nulidade da decisão da agente de execução sobre a sua remoção do cargo de fiel depositária e consequente nulidade do processado subsequente, designadamente da autorização para recurso ao auxílio da força pública, com vista à tomada efectiva da posse dos bens imóveis penhorados.
Os recorridos sustentam que a primeira parte da decisão não integra qualquer uma das situações elencadas nos art.ºs 852º e 853º do CPC que versam sobre o regime dos recursos no processo executivo, nem tão-pouco as identificadas no n.º 2 do art. 644º daquele diploma legal, para a qual remete a alínea a) do n.º 2 do art. 853º.
Na sequência de despacho proferido pela relatora, a recorrente foi notificada para se pronunciar sobre a inadmissibilidade do recurso, o que fez por requerimento de 10 de Fevereiro de 2020 (cf. Ref. Elect. 475391), onde pugna pela sua admissibilidade invocando o estatuído no art. 853º, n.º 1 do CPC, considerando estarem em causa decisões de natureza declaratória quanto aos seus direitos substanciais (requerimento no qual suscitou ainda a declaração de nulidade de todo o processado, o que, como é evidente, é questão que não foi apreciada nas decisões impugnadas no âmbito deste recurso, extravasa o conteúdo do próprio requerimento de interposição de recurso e não compete a esta Relação apreciar, pois que o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo - cfr. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Conforme resulta do relatório supra, a primeira parte do despacho impugnado apreciou o requerimento apresentado por Maria …. em 29 de Novembro de 2017 através do qual apresentou nos autos termo de protesto, nos termos do art.º 840 n.º 1 e 2 do CPC, anunciando a intenção de intentar acção judicial para reivindicar os imóveis penhorados, onde sempre viveu, juntamente com os seus filhos.
Em 10 de Janeiro de 2018, Maria …… juntou aos autos de execução cópia da petição inicial relativa à acção que intentou contra A , B, C, e D. onde formulou, entre outros, o pedido de declaração do seu direito de usufruto, adquirido por usucapião e uso e habitação (sic), relativamente aos imóveis identificados na acção e penhorados nesta execução.
Analisada a petição inicial, a senhora juíza a quo entendeu que não estava em causa a interposição de uma acção de reivindicação, pois que a ali autora apenas pretendia o reconhecimento de um alegado direito de usufruto vitalício e, considerando que tal não colidia com a venda dos imóveis, indeferiu o requerido protesto.
No que diz respeito aos recursos no processo executivo, o art. 852º do CPC efectua uma ampla remissão para o regime recursório do processo declarativo.
No entanto, tal remissão implica que se distinga entre o regime dos recursos de actos decisórios integrantes do procedimento executivo stricto sensu e o regime dos recursos de decisões proferidas em incidentes declarativos, pois que os primeiros têm momentos de preclusão e momentos decisórios diferentes dos segundos.
Acresce que, destinando-se os recursos a impugnar uma decisão judicial, há que ter em atenção que em sede de procedimento executivo stricto sensu estas não assumem grande relevo, quer porque as competências decisórias do juiz são exíguas, quer porque as decisões do agente de execução são objecto de reclamação para o juiz – cf. art. 723º do CPC.
Assim, como refere Rui Pinto, in A Acção Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 970:
“Dos poucos despachos judiciais proferidos na execução há uns a que a lei veda o recurso expressamente – assim, o despacho que julga a reclamação de ato de agente de execução (cf. artigo 723º n.º 1 al. c)) e o despacho que julga a reclamação da decisão do agente de execução que determina a modalidade de venda e o valor base dos bens agente de execução (cf. artigo 812º n.º 7) – e há outros que serão irrecorríveis, por discricionários (cf. artigo 630º n.º 1), como o despacho autorizativo da abertura perante o juiz de propostas de venda de estabelecimento em carta fechada (cf. artigos 800º n.º 3 e 829º n.º 2), o despacho de redução ou isenção de penhora de rendimento periódico (cf. artigo 738º n.º 6), e o despacho de autorização da venda antecipada (cf. artigo 814º nº 1) De fora, por recorríveis, ficam todos os demais despachos, como o despacho liminar, o despacho sucessivo do artigo 734º e outros que, de resto, encontramos no artigo 853º n.º 2.”
A lei delimitou expressamente nos n.ºs 2 e 3 do art. 853º do CPC quais os despachos do procedimento executivo stricto sensu que admitem apelação, de tal modo que esta não tem lugar quanto a despacho que não se possa subsumir naqueles números.
Relativamente aos despachos sobre a instância executiva, caberá recurso do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo e do despacho de indeferimento superveniente do art. 734º do CPC – cf. art. 853º, n.º 3.
Quanto às decisões com eficácia sobre a instância executiva é admitida a apelação, conforme as alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 853º do CPC, ou seja, quanto a decisões atinentes a vicissitudes da instância (suspensão, extinção ou anulação – cf. alínea b)) e ainda quanto às decisões que caibam no art. 644º, n.º 2 quando aplicáveis à acção executiva, incluindo as decisões cuja impugnação a final seria absolutamente inútil.
Já quanto aos despachos relativos à execução dos bens regem as alíneas c) e d) do n.º 2 do art. 853º do CPC, pelo que é admitida apelação da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda e da decisão sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
Não estando em causa uma decisão proferida em incidente declarativo (como as decisões proferidas no incidente de liquidação, na verificação e graduação de créditos, na oposição à execução ou oposição à penhora), não tem aqui aplicação o disposto no art. 853º, n.º 1 do CPC.
Ainda que se trate de decisão proferida no âmbito da instância executiva, não está em causa qualquer decisão que tenha determinado a suspensão, a extinção ou a anulação da execução.
A decisão de indeferimento do termo de protesto seria, contudo, recorrível se se pudesse enquadrar na previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 853º do CPC, o que não sucede, porquanto não tem aqui aplicação qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art. 644º do CPC, e não a tem, em concreto, seja a alínea e) convocada pela senhora juíza a quo aquando da admissão do recurso, porque não está em causa a aplicação de qualquer sanção processual, assim como não a tem a alínea b) invocada pela apelante, pois que, como é evidente, não foi apreciada qualquer questão atinente à competência absoluta do tribunal.
Como tal, a decisão será recorrível se for possível enquadrá-la nas alíneas c) e d) do n.º 2 do art. 853º do CPC, atinentes aos recursos de despachos relativos à execução dos bens.
O termo de protesto, previsto no art. 840º do CPC, configura um mecanismo de protecção do terceiro reivindicante que, através desse incidente cautelar destinado a assegurar o efeito útil de acção de reivindicação, já proposta ou a propor, o deduz antes da venda executiva do bem, invocando a titularidade de direito próprio incompatível com a transmissão – cf. Rui Pinto, op. cit., pág. 775.
Se se atender à integração sistemática da norma vertida no art. 840º do CPC, verifica-se que se encontra incluída na Secção V – Pagamento, Divisão IV – Da invalidade da venda, do Capítulo destinado ao processo executivo ordinário, pelo que deve ser considerada como integrada no procedimento executivo estritamente relacionado com a execução dos bens.
Ora, o acto de venda judicial pode ser impugnado por invalidade material, invalidade processual e por ineficácia superveniente, em função de um vício de violação de lei substantiva, violação de lei processual ou uma ausência de efeitos que não corresponda a uma específica violação normativa, sendo que na apreciação da validade desse acto importa, entre os demais, atentar no estatuído nos art.ºs 838º a 841º do CPC.
Os art.ºs 840º e 841º do CPC reportam-se a uma situação em que a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada.
Se a acção de reivindicação for procedente, o terceiro proprietário requererá a anulação da venda, conforme decorre da previsão do art. 839º, n.º 1, d) do CPC, sendo que, ainda que não tenha existido protesto prévio à venda, se a acção tiver sido intentada antes do levantamento do produto da venda, é aplicável a disciplina do art. 840º do CPC.
Daqui se retira que tendo a decisão ora colocada em crise se limitado a indeferir o termo de protesto apresentado pela recorrente, não tendo sido proferida qualquer decisão sobre a validade da venda, não está tal despacho abrangido pela previsão da alínea c) do n.º 2 do art. 853º do CPC (assim como não o está pela da alínea d) que se reporta ao exercício do direito de preferência ou de remição), pelo que não cabe aqui a apelação.
Devendo prosseguir a execução dos bens e vindo a ocorrer a venda, dado que a recorrente já intentou a acção de reivindicação, caso esta proceda, sempre poderá lançar mão do estatuído no art. 839º, n.º 1, d) do CPC e, eventualmente, discordando da decisão que venha a ser proferida nessa sede, dela recorrer.
Resta, pois, concluir que a pretensão recursória da apelante, no que a este segmento decisório diz respeito, não encontra acolhimento em nenhuma das situações tipificadas no art. 853º, n.ºs 2 e 3 do CPC, pelo que não admite recurso autónomo, verificando-se, assim, uma circunstância obstativa do conhecimento do mérito do recurso (cf. art. 652º, n.º 1, b) do CPC).
Pelo exposto, não sendo a decisão recorrida, na parte atinente ao indeferimento do termo de protesto, passível de recurso autónomo, não se admite a presente apelação, apenas no que concerne à impugnação dessa decisão, resultando prejudicada a apreciação do vertido nas conclusões 2 a 6.
*
O presente recurso incide ainda sobre o segundo segmento do despacho proferido em 20 de Março de 2018 que apreciou o requerimento de Maria ….., deduzido em 30 de Novembro de 2017, onde, invocando a sua qualidade de fiel depositária, arguiu a nulidade do despacho judicial proferido em 31-10-2017 e da decisão da agente de execução de 20-09-2017, de que foi notificada em 21-09-2017, com fundamento no facto de não ter compreendido que a remoção do cargo de fiel depositária implicava ter de sair do local e que, sendo aquele o seu local de residência, pretende continuar a exercer o cargo, o que deve determinar a nulidade do processado subsequente, onde se inclui o despacho de 31 de Outubro de 2017, dando sem efeito a remoção do cargo de fiel depositária.
O despacho impugnado julgou improcedente a arguição de nulidade da decisão da agente de execução de remoção do cargo de fiel depositária considerando que incumbia à recorrente, não tendo compreendido o teor da notificação que lhe foi dirigida pela agente de execução, diligenciar no sentido de ser esclarecida, para além do que, estando obrigada a apresentar os bens enquanto fiel depositária, não podia deixar de saber que a violação desse dever acarretaria a sua destituição, pelo que não se mostra afectado o despacho de 31 de Outubro de 2017 que autorizou a tomada efectiva de posse dos bens pela agente de execução.
Entendem os exequentes/recorridos que, também nesta parte, o recurso não é admissível porque, tendo a decisão apreciado uma arguição de nulidade deduzida nos termos do art. 195º, n.º 1 do CPC, trata-se de decisão não recorrível, nos termos do art. 630º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
Foi concedida a oportunidade de a recorrente se pronunciar, o que esta fez nos termos acima descritos.
Com efeito, estatui o art. 630º, n.º 2 do CPC: “Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”
Não obstante a recorrente ter invocado o disposto no art. 195º, n.º 1 do CPC - que se reporta à arguição de nulidade de actos com fundamento na prática de acto que a lei não admite ou omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei determina a sua nulidade ou quando sejam susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa -, certo é que, no caso concreto, no requerimento de 30 de Novembro de 2017 a recorrente, invocando a qualidade de fiel depositária dos bens penhorados, argui a nulidade de decisão da agente de execução que a removeu de tal cargo.
Trata-se, assim, da impugnação de uma decisão da agente de execução que, nos termos do art. 723º, n.º 1, c) do CPC, cabe ao juiz do processo de execução julgar, como sucedeu no caso concreto.
Com efeito, a reclamação de actos executivos e a impugnação de decisões do agente de execução configura-se como um incidente, o que conduz à aplicação do estatuído nos art.ºs 293º e seguintes do CPC, com as necessárias adaptações.
O fundamento da reclamação/impugnação reside na ilegalidade processual ou material (onde se incluem as nulidades decisórias do art. 615º, n.º 1, b) a e) do CPC) ou no erro de julgamento de facto (valoração incorrecta dos factos ou não consideração de factos introduzidos no processo) do acto executivo ou decisório do agente de execução.
Tal incidente depende da iniciativa do interessado, que o deve deduzir no prazo de 10 dias a contar da notificação do acto ou do seu conhecimento (cf. art. 149º, n.º 1 do CPC), podendo o arguente arrolar meios de prova, quando tal se revelar pertinente – cf. art. 293º, n.º 1 do CPC.
Ouvida a parte contrária e produzida a prova que seja necessária, terá lugar a prolação da decisão, a qual pode ter um dos seguintes conteúdos: revogação do acto executivo praticado pelo agente de execução, sendo-lhe ordenado que pratique o acto processual com um determinado conteúdo material ou que o substitua pela prática de outro acto decisório; prolação pelo próprio juiz de despacho substitutivo da decisão revogada do agente de execução (por exemplo, declarando extinta a execução nos termos do art. 849º, n.º 1, a) do CPC).
Se o interessado não reclamar do acto ou não impugnar a decisão, no prazo de 10 dias após ser notificado ou dela ter tomado conhecimento, a decisão do agente de execução forma caso estabilizado, tornando-se definitiva por já não ser susceptível de impugnação perante o juiz – cf. Rui Pinto, op. cit., pág. 124.
Decorre da alínea c) do n.º 1 do art. 723º do CPC a irrecorribilidade do despacho judicial que aprecie a reclamação de acto ou a impugnação de decisão do agente de execução.
Porém, nos termos do art. 853º, n.º 2, b) do CPC cabe recurso de apelação da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução, o que significa, como aduz Rui Pinto, que a norma da alínea c) do n.º 1 do art. 723º não se aplica aos despachos que, com esse teor, o juiz profira em sede desse normativo legal – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 493.
Assim, propõe aquele autor que se faça uma interpretação restritiva no sentido de não se aplicar aquela regra da irrecorribilidade quando os despachos proferidos pelo juiz, ao abrigo da al. c), tenham esse teor (suspensão, extinção ou anulação da execução).
No entanto, afigura-se que essa interpretação restritiva deverá ser ainda mais abrangente, de modo a que a decisão judicial proferida na sequência da reclamação de acto ou impugnação de decisão do agente de execução admita recurso desde que o acto ou decisão do agente de execução sejam vinculados, verificados que estejam os demais pressupostos de admissibilidade do recurso (art. 629º, nº 1 do CPC).
Isto porque a irrecorribilidade absoluta colide com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva (cf. art. 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) quando se verifica que a direcção e gestão do processo de execução está cometida ao agente de execução, havendo que atender também ao regime do art. 630º ex vi art. 551º, n.º 1 do CPC.
Assim, deve admitir-se a impugnação da decisão judicial sempre que subjacente a esta esteja uma decisão vinculada do agente de execução, pois que, a não ser assim, considerando que o regime da acção declarativa, segundo o qual as decisões interlocutórias são impugnáveis, nos termos do art. 644º, n.ºs 3 e 4 do CPC, não se aplica na acção executiva por esta não findar por decisão judicial (cf. art.ºs 849º e 853º), a preterição do recurso da decisão judicial incidente sobre reclamação de acto ou decisão vinculado do agente de execução, designadamente quando estes actos são susceptíveis de agredir o património das partes, constituiria uma restrição desproporcional ao direito de recorrer – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019, relator Jorge Leal, processo n.º 13644/12.9.YYLSB-C.L1-2 acessível na Base de Dados Jurídico- documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt.[2]
Estando em causa decisão que colocou termo ao incidente de impugnação de decisão do agente de execução de remoção do cargo de fiel depositário e porque esta remoção depende da verificação de pressupostos legalmente estabelecidos, tratando-se, como tal, de um despacho vinculado, e porque tal decisão implica a perda pelo depositário da posse efectiva dos bens, afectando, eventualmente, direitos patrimoniais e/ou direitos fundamentais do visado, deve admitir-se a sua recorribilidade, pelo que, neste caso concreto, da decisão em referência cabe recurso de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos previstos nos art.ºs 852º, 853º, n.º 1, 644º n.º 1, a), parte final, 645º n.º 2 e 647º n.º 1 do CPC.
Admitido o recurso, nesta parte, passa a conhecer-se do seu objecto.
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Da nulidade da decisão do agente de execução de remoção do cargo de fiel depositária
Decorre do acima explanado que a arguição de nulidade suscitada pela recorrente e apreciada pela decisão de 20 de Março de 2018, assentou no facto de aquela não ter compreendido a notificação que lhe foi efectuada em 21 de Setembro de 2017 e as razões da sua remoção do cargo de fiel depositária, nem que dela resultasse a desocupação dos imóveis penhorados.
O despacho impugnado julgou improcedente a arguição de nulidade por entender que competia à recorrente, não tendo compreendido o teor da notificação, diligenciar no sentido de ser esclarecida, para além do que, estando obrigada a apresentar os bens enquanto fiel depositária, não podia deixar de saber que a violação desse dever acarretaria a sua destituição.
Nas suas alegações de recurso a recorrente argumenta do seguinte modo:
ü A notificação de 21 de Setembro de 2017 não indica quando é que a recorrente violou os seus deveres de fiel depositária;
ü Também não indica as consequências da remoção do cargo;
ü A decisão do agente de execução não está fundamentada, por falta de enunciação dos factos concretos que determinam a remoção e por não aludir à possibilidade de se utilizar o auxílio da força pública para tomada de posse dos prédios;
ü A recorrente não é executada, mas terceira em relação à execução, os imóveis penhorados constituem a sua habitação e na acção judicial que interpôs contra A, B, C e D .[3] invocou o direito de retenção, pelo que deve ser mantida no cargo de fiel depositária;
ü O procedimento de remoção coloca em causa os seus direitos fundamentais de inviolabilidade do domicílio, direito à habitação, direito à saúde, direito à liberdade e segurança e acesso ao direito e tutela jurisdicional, nos termos dos art.ºs 34º, 65º, 64º, 27º e 20º da Constituição da República Portuguesa;
ü Porque a recorrente não é executada não são aplicáveis as normas dos art.ºs 756º e 757º do CPC e a entrega dos imóveis só pode ter lugar nos termos do art. 859º e seguintes do CPC.
Como é evidente e decorre de toda a exposição que acima se deixa efectuada, a decisão da agente de execução quanto à remoção da recorrente do cargo de fiel depositária, a respectiva impugnação deduzida perante o juiz de 1ª instância e a própria decisão judicial ora impugnada que manteve tal decisão tiveram como pressuposto que a recorrente foi nomeada para o exercício do cargo de fiel depositária dos bens imóveis penhorados nos autos, conforme auto de penhora de 27 de Outubro de 2011.
Pressuposto de facto de tal decisão é, assim, a nomeação de Maria …… (ou Henriques, como múltiplas vezes surge indicada nos autos, sendo que assinou duas procurações a favor do seu ilustre mandatário, usando quer o nome Marques, quer o nome Henriques, usando o primeiro para lavrar o termo de protesto e o segundo para deduzir o incidente de arguição de nulidade – cf. Ref. Elect. 11209507) como fiel depositária, pois que a sua remoção do cargo apenas pode subsistir se previamente tiver existido uma investidura em tal cargo.
Ora, tal como se afere quer do relatório supra quer do enunciado fáctico que se deixou acima elencado, a recorrente Maria ….. não foi em momento algum investida no cargo de fiel depositária dos imóveis penhorados nos autos ou pelo menos os autos de execução não revelam essa nomeação, pelo que em termos processuais ela nunca existiu.
Não estando demonstrado nos autos que a recorrente alguma vez tenha exercido as funções de fiel depositária, ou que para tanto tenha sido nomeada ou que lhe tenham sido, nesse âmbito, transmitidos os deveres e obrigações que lhe assistem nessa qualidade, conforme resulta do estatuído nos art.ºs 756º, 760º e 771º do CPC, é manifesto que o despacho proferido em 20 de Março de 2018, que manteve a decisão da agente de execução de remoção daquele cargo assentou em pressupostos fácticos que não se verificavam nem se verificam.
Assim, independentemente da indicação ou não na decisão da agente de execução dos fundamentos para a remoção do cargo de fiel depositária, da indicação ou ausência dela quanto às consequências da remoção do cargo ou falta de alusão à possibilidade de se utilizar o auxílio da força pública para a tomada de posse dos prédios é de meridiana clareza que tal decisão não pode subsistir, porque apenas pode ser removido do cargo quem alguma vez nele haja sido investido.
Logo, porque não se verifica um pressuposto de facto prévio e fundamental à decisão de remoção do cargo de fiel depositária tal decisão não pode subsistir, impondo-se revogar a decisão judicial de 20 de Março de 2018, na parte em que julgou improcedente a impugnação da decisão da agente de execução proferida em 18 de Setembro de 2017 e notificada à recorrente em 21 de Setembro de 2017, que determinou a remoção desta do cargo de fiel depositária.
Todavia, a revogação da decisão de remoção do cargo de fiel depositária não conduz, como é óbvio, à procedência da pretensão recursória de ser a recorrente mantida no exercício de tais funções.
Uma vez que a apelante nunca foi investida em tais funções, não exerceu ou exerce a posse efectiva dos imóveis na qualidade de fiel depositária, ou seja, enquanto pessoa através de quem o tribunal exerce a posse sobre os bens que pela penhora foram colocados sob o poder público.
Assim, a revogação daquela decisão revela-se inócua quanto ao prosseguimento dos autos, pelo que dela não decorre qualquer reposição de uma situação anterior que nunca se verificou, mas apenas a subsistência nos autos, àquele momento, da realização de uma penhora sem que tenha ainda sido nomeado fiel depositário.
Improcede, deste modo, a pretensão da recorrente de se ver reconduzida ao exercício de tal cargo.
Para além de pretender ver revogada a decisão da agente de execução em referência, pretende a recorrente, por via dessa revogação, alcançar também a revogação do despacho proferido em 31 de Outubro de 2017, que teria por pressuposto a sua remoção do cargo de fiel depositária, que por via da revogação da decisão deixa de subsistir.
Com efeito, em 31 de Outubro de 2017 foi proferida decisão judicial que, com vista a que a agente de execução tomasse posse efectiva dos imóveis penhorados, autorizou, para o efeito, o recurso ao auxílio da força pública, com observância do estatuído no art. 757º do CPC.
Cumpre afastar, desde já, toda a argumentação aduzida pela recorrente a propósito da não aplicabilidade da norma em referência e da necessidade de dedução de execução para entrega de coisa certa, nos termos do art. 859º e seguintes do CPC, porquanto se trata de questão não suscitada no requerimento de 30 de Novembro de 2017 e não apreciada na decisão proferida em 20 de Março de 2018, pelo que se trata de questão nova apenas introduzida em sede de recurso não passível de conhecimento por esta Relação, pelas razões já acima aduzidas.
A decisão de 31 de Outubro de 2017 foi proferida na sequência da decisão da agente de execução quanto à modalidade de venda dos bens penhorados (cf. Ref. Elect. 9202475 de 17-02-2017 nele mencionada) e face à necessidade de estes estarem disponíveis para serem mostrados a potenciais interessados na aquisição executiva, ainda que tenha surgido na sequência da decisão de remoção da fiel depositária, decisão cuja revogação ora se determinou.
No entanto, esta revogação não inquina necessariamente a valia da autorização para tomada de posse efectiva dos bens penhorados por parte da agente de execução.
Como se disse, o que os autos evidenciam é que à data da prolação desse despacho não tinha ainda existido qualquer nomeação para o cargo de fiel depositário, sendo que, necessariamente, a agente de execução se perfilava como a pessoa que o deveria exercer, para o que tinha de tomar posse efectiva dos bens penhorados.
Na verdade, a penhora de bens imóveis faz-se, de acordo com o disposto no art. 755º, n.º 1 do CPC, por comunicação à conservatória do registo predial competente, com o valor de apresentação registal (cf. os art.ºs 41º, 48º, n.º 1 e 60º do Código de Registo Predial), pelo que a penhora e o acto de apresentação confundem-se.
Com esse acto ocorre uma transferência de posse meramente jurídica, à qual se segue a elaboração do auto da penhora (cf. art.ºs 753º, n.º 1 e 755º, n.º 3 do CPC), a afixação dum edital na porta ou noutro local visível do prédio penhorado (art. 755º, n.º 3) e a tradição material da coisa para o depositário (art. 757º do CPC) – cf. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, pág. 283.
É sabido também que a penhora implica, em regra, um depositário.
No caso da penhora de coisas imóveis o depositário é o agente de execução ou, quando as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, pessoa por este designada, salvo se o exequente consentir que seja depositário o próprio executado ou outra pessoa designada pelo agente de execução ou se ocorrer alguma das circunstâncias enunciadas no n.º 2 do art. 756º do CPC – cf. n.º 1 do referido art.º 756º.
Ou seja, apenas no caso de o bem penhorado constituir a casa de habitação efectiva do executado, o bem estar arrendado ou ser objecto de direito de retenção, em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, é que será depositário o executado, o arrendatário ou o retentor.
É através do depositário que o tribunal exerce a posse sobre o bem que para si foi transmitida por via da penhora – cf. cf. José Lebre de Freitas, op. cit., pág. 292.
Com efeito, a penhora, com apreensão e remoção, implica a transferência para o tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do executado, perdendo este o poder de fruição da coisa derivado do direito de propriedade – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, pág. 270; mesmo que o executado não seja privado da posse do bem o seu poder de fruição sobre os bens penhorados sofre restrições pois que passa a detê-los como fiel depositário, com todas as limitações que decorrem do exercício dessa função de direito público (cf. pág. 271).
Neste caso, tal como a própria recorrente afirma, esta não é executada nos autos e, por outro lado, não é titular do direito de propriedade sobre os bens penhorados (direito cujo reconhecimento, aliás, não pediu na acção judicial que intentou contra os exequentes e D ), sendo terceira face aos termos da presente execução.
Não sendo executada, ainda que habite nos imóveis penhorados, nunca se verificaria a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 756º do CPC que lhe permitiria ser nomeada fiel depositária, não se configurando também nos autos, por ora, qualquer uma das demais situações mencionadas nas alíneas b) e c) daquele normativo legal.
Assim, ainda que a agente de execução não tivesse sido então investida no cargo de fiel depositária, certo é que, penhorados os bens imóveis em referência, competia-lhe, por regra, esse cargo, pelo que deveria diligenciar pela tomada efectiva dos imóveis – cf. art.ºs 756º, n.º 1 e 757º, n.º 1 do CPC.
O executado e o terceiro detentor estão legalmente obrigados a entregar o imóvel.
Ainda que o imóvel se encontre ocupado por um terceiro, que se arrogue titular de um direito real ou pessoal de gozo sobre o bem, a não ser que este deduza embargos de terceiro contra a penhora e requeira, simultaneamente, o diferimento da desocupação do imóvel ou a não entrega efectiva do mesmo ao fiel depositário, a tomada efectiva de posse deve ter lugar – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 344; Rui Pinto, A Ação…, pág. 568.; no sentido de que penhorado o imóvel ocupado por terceiro, o meio processual adequado para obter o diferimento da desocupação e a não entrega efectiva ao fiel depositário são os embargos de terceiro, cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2003, relator Durval Morais, processo n.º 0222487.
Por outro lado, anteriormente à reforma de 2003, o art. 840º, n.º 4 do CPC de 1961, permitia, por remissão para o disposto no art. 930º-A e, por via deste, para o art. 61º do Regime do Arrendamento Urbano, a sustação da penhora incidente sobre a casa de habitação onde o executado residisse, quando colocasse em risco, por razões de doença aguda, a vida de pessoa que se encontrasse no local. Contudo, essa remissão deixou de subsistir, não havendo razões para se entender que colham aqui aplicação, por analogia, as normas dos actuais art.ºs 863º, n.º 3 e 864º do CPC, quando seja penhorada casa de habitação na execução para pagamento de quantia certa – cf. neste sentido, Rui Pinto, A Ação…, pág. 569.
Assim, porque à data da prolação do despacho de 31 de Outubro de 2017 se impunha assegurar a tomada efectiva dos bens penhorados, ainda que a agente de execução não tivesse sido então formalmente constituída fiel depositária, quer porque a revogação do despacho de remoção do cargo de fiel depositária não faz subsistir a ocupação do cargo pela recorrente porque nele nunca foi investida e aquela revogação nenhum efeito produz na marcha subsequente do processo, pois que dela apenas decorre a eliminação de uma decisão que pressupunha um facto que nunca existiu nos autos, não há que determinar, em consequência dessa revogação, a anulação da decisão proferida em 31 de Outubro de 2017.
Assim, procede apenas parcialmente o recurso, na parte atinente à revogação da decisão judicial que manteve a decisão da agente de execução de remoção da recorrente do cargo de fiel depositária.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que o recurso de apelação foi parcialmente rejeitado e na parte admitida mereceu parcial provimento, decaindo a apelante parcialmente na sua pretensão recursória, as custas (na vertente de custas de parte) devem ser suportadas por ela e pelos apelados, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a. Rejeitar o recurso atinente à decisão de indeferimento do termo de protesto;
b. Julgar parcialmente procedente a apelação revogando a decisão proferida em 20 de Março de 2018, apenas na parte em que manteve a decisão da agente de execução que removeu a recorrente do cargo de fiel depositária.
As custas ficam a cargo da apelante e dos apelados, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.
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Lisboa, 5 de Maio de 2020[4]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigle CPC.
[2] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se acessíveis na Base de Dados Jurídico- documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt.
[3] Que corre termos com o número 105/18.1T8STR e cuja decisão do Tribunal da Relação de Évora consta a fls. 5 a 13 destes autos.
[4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.