Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13375/18.6T8LSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS
BANCO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
PERFIL DO CLIENTE
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA PRESUMIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização de obrigações tinha este o essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, por parte do Cliente.
II - Decorre do nº2 do art.º 314º do CVM, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
III - O intermediário financeiro constitui-se, pois, em responsabilidade civil quando viole deveres respeitantes ao exercício da sua actividade que lhes sejam impostos por lei, presumindo-se a sua culpa, quando o dano seja originado pela violação de deveres de informação.
IV - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
MH… e outros vieram intentar a presente acção declarativa sob a forma comum contra:
 Banco BIC Português, S.A., todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação da Ré  “a restituir e a pagar aos autores a quantia de €109.348,62 (cento e nove mil trezentos e quarenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal, contados sobre €100.000,00, desde a citação e até integral e efectivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna.”
Para tal alegam, em suma, que são a viúva e filhos do falecido AH.
A Ré é um banco que girava anteriormente sob a denominação de “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”. Até à nacionalização do seu capital a Ré era também intermediário financeiro em instrumentos financeiros o que abrange valores mobiliários sendo que o falecido  e a primeira autora sempre foram considerados perante a Ré, como investidores não qualificados.
O falecido … e a primeira autora eram simples aforradores que tinham dois depósitos a prazo no Banco, na agência de Cabaços.
No início do mês de Outubro de 2004, o falecido marido da primeira autora recebeu um telefonema do seu gestor de conta, funcionário do Banco réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior e no dia 22 de Outubro de 2004 subscreveu o boletim de subscrição de duas obrigações SLN -Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 cada uma e global de €100.000,00.
Alegam que o documento foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, já preenchido à mão, tendo aquele se limitado a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.
No dia 25 de outubro de 2004 foram regatados dois depósitos a prazo da primeira autora e do seu falecido marido, um de € 51.000,00 e outro de €51.063,83, tendo sido aplicados na sua quase totalidade na compra dos dois títulos aqui em causa.
O falecido marido da primeira autora só se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.
O falecido marido da autora e estão eram pessoas simples, humildes e que sempre viveram apenas do seu trabalho e eram, por natureza, avessos a qualquer tipo de jogo ou de risco.
Não foi dada ao falecido marido da primeira autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data.
Mais, foram dadas ordens aos operacionais do Banco para não mostrarem tal nota informativa aos clientes.
Apenas foi dada ao falecido marido da primeira autora a palavra de todos os funcionários do Banco, que actuaram em representação e sob as ordens do réu, de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura.
Foi assegurado ao falecido marido da primeira autora que, não obstante tratar-se de obrigações a dez anos, este poderia, querendo, resgatá-las a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.
Os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.
Tanto assim é que, da nota interna junta como doc. 7, constava que “o Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações subordinadas a dez anos, denominada SLN Rendimento Mais 2004 (…) a total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo”. – Doc. 9
Assim o dinheiro do marido e pai dos autores ficou no próprio banco a título de capitais próprio ao subscreverem as obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
Mais juntam um mail alegadamente escrito pelos trabalhadores do BPN junto como documento 14 no qual consta que “ era claramente assumido, internamente e junto dos clientes, a segurança dos produtos (idêntica à de um depósito a prazo.)
O falecido marido da primeira autora, para além de não pretender especificamente subscrever qualquer aplicação que comportasse risco, ainda que mínimo, apenas estava disposto a aceitar subscrever uma aplicação em que a recuperação do valor fosse segura a 100%, além de poder ser resgatada a qualquer altura.
Estes factos eram do pleno conhecimento de todos os funcionários do Banco que com ele lidavam.
De facto, todos os funcionários do Banco que lidavam com o falecido marido da primeira autora sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa, não costumava adquirir a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo.
E também tinham perfeita consciência de que o falecido marido da primeira autora, devidamente informado, nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos.
O falecido marido da primeira autora tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.
Os funcionários do Banco réu não informaram o falecido marido da primeira autora de que, ao subscrever aquele produto, deixava pura e simplesmente de ter o mínimo controlo sobre o seu dinheiro e, nomeadamente, perdia a possibilidade de o movimentar, levantar ou até gastar dali para a frente.
Ao subscrever aquele produto, nunca passou pela cabeça do falecido marido da primeira autora – nem tal lhe foi alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014.
Nas suas relações com o Banco, o falecido marido da primeira autora deixou sempre transparecer a preocupação em ter o dinheiro sempre disponível, para fazer face a qualquer aperto financeiro súbito.
Nunca o falecido marido da primeira autora teria aceitado subscrever duas obrigações SLN Rendimento Mais 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhes tivesse sido mostrado o documento n.º 8, nomeadamente nos capítulos “reembolso antecipado”; “liquidez” e “subordinação”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição.
Apesar de inúmeras vezes ter o falecido marido da primeira autora exigido que lhe fosse dada informação, nomeadamente, documento escrito com as condições de aplicação de tal quantia, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação, e demais informação relevante e legalmente exigida para esse tipo de operações, a mesma nunca lhe foi fornecida. Muitos gestores de conta do Banco réu aconselharam os seus clientes a subscrever o novo produto que lhes era oferecido sem terem a exacta noção do que se tratava.
Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes á organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Ou seja, quando se reporte à violação de deveres de informação pelo intermediário financeiro, trata-se sempre de uma presunção juris et de jure.
Sucede que em Novembro de 2008, na sequência da crise do subprime e da consequente falência do Banco norte- americano Lehman Brothers, a qual teve efeitos cataclísmicos sobre os mercados financeiros mundiais, rebentou o “escândalo do BPN”  que culminou numa corrida aos depósitos e na sua posterior nacionalização.
A primeira autora e o seu falecido marido, como os outros depositantes do BPN também participaram na “corrida aos depósitos”, mas sem sucesso.
A partir dessa data, começou a “via – sacra” da primeira autora e do seu falecido marido, aguardando pelo retorno das quantias confiadas ao Banco, mas nunca lhe foram devolvidas tais quantias.        
Violando os deveres de conduta a que estava obrigado, a Ré actuou ilicitamente e deverá ser condenado no pedido.

Devidamente citada a Ré contestou, defendendo-se por excepção e impugnação.
Alega que os autores e o falecido tinham perfeito conhecimento do tipo de transacção por este efectuada, auferindo uma remuneração muito acima da média nunca tendo reclamado de ter efectuado tal subscrição. Ao longo de vários anos receberam tal remuneração sem se interrogarem nem indagarem junto do Banco o porquê de tais remunerações. Os autores aceitaram o contrato celebrado e só o puseram em causa quando perceberam que não há probabilidade de reembolso integral da entidade emitente, incorrendo em manifesto venire contra factum proprium.
Considera  também que actuam assim com abuso de direito ao interpor a presente acção. Alega que o negócio celebrado com a primeira autora e o seu falecido marido foi um acto de intermediação financeira pelo qual a ré cumpriu ordens dadas pelos seus clientes no sentido de subscreverem Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 tendo sido prestadas todas as informações que no momento detinham sobre o produto.
O de cujus desde logo soube que tinha subscrito obrigações da SLN na medida em que nos extractos mensais apareciam descriminadas e separadas de acordo com a sua natureza o que lhe permitia perceber que tinham produtos diferentes de depósitos a prazo e produtos consubstanciados em títulos e valores mobiliários.
Qualquer direito sobre o intermediário financeiro por eventual responsabilidade em transacção em que tenha intervindo prescreve no prazo de 2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação. Considera, assim, a ré que o direito dos autores há muito que prescreveu.
A ré defendeu-se ainda por impugnação alegando, em suma, que as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 foram emitidas pela SLN SGPS, S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco réu, participação que deteve de forma permanente, até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.
Alega que qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador com um risco normalmente reduzido indexado à solidez financeira da sociedade emitente, que no caso concreto era “ mãe” do banco réu.
O produto subscrito pelo falecido marido e pai dos autores era efectivamente seguro, sendo o seu incumprimento resultado de circunstâncias imprevisíveis e anormais.
O falecido marido e pai dos autores foi efectivamente contactado pelo seu gestor de conta dando-lhe conta da possibilidade de subscrever o produto em causa constituído por valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente. Disse-lhe que se tratava da sociedade mãe do Banco pelo que se tratava de um produto seguro e apresentou-lhe as condições de subscrição bem como a remuneração mais vantajosa, o prazo de 10 anos e as condições de reembolso, bem como da obtenção de liquidez ao longo do prazo de dez anos que apenas seria possível por via do endosso.
O falecido foi totalmente esclarecido sobre as condições do produto o qual era acompanhado de ficha técnica, ficando ciente que nada tinha que ver com um depósito a prazo.
A ré nunca disse ao falecido que o Banco garantiria algo, caso a SNL incumprisse.
A ré sempre explicou todos os formulários dados a assinar ao falecido não tendo sido sujeita a qualquer contrato de adesão, sendo antes um contrato entre o falecido e a SLN.
Por último, alega que os juros, a terem de ser liquidados o serão à taxa aplicável aos créditos civis.

Os Autores vieram responder à matéria das excepções alegando que, por diversas vezes, interpelaram o banco réu no sentido de lhes serem devolvidas as quantias que lhe foram confiadas, o que sempre foi recusado.
Quanto à prescrição, não se verifica o disposto no artigo 324º, do C.V.M. porque a actuação do Banco réu é qualificada por dolo ou culpa grave, o que afasta a aplicação de tal artigo, aplicando-se o prazo de 20 anos previsto no artigo 309º, do Código Civil.
Alega ainda que, nem o banco réu, nem a SLN podiam validamente celebrar negócios como os dos autos, uma vez que esta última sendo uma sociedade gestora de participações sociais, estava por lei impedida de exercer a actividade de intermediação financeira.   

Foi realizada audiência prévia na qual foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que apreciou as seguintes questões, ali identificadas:
-Do direito dos autores a serem reembolsados do capital subscrito em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 pelo seu falecido marido e pai.
-Saber de a Ré cumpriu com o seu dever de informação.
-Da prescrição do direito dos autores.
- Do abuso de direito
A sentença julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido formulado pelos Autores.

Inconformados com a decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A.Não é aceitável e nem sequer é defensável que se considere que um Banco presta informação verdadeira, atual, clara e objetiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, obrigações subordinadas, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.
B.Reputa-se como um facto público e notório (que dispensa alegação e prova), o  modus operandi do Banco réu, o qual consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
C.E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
D. Atenta a prova produzida nos autos, deveriam ter sido dados por “provados” os factos não provados: “- Que o falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido”; “- O documento de subscrição das obrigações referido em 6 foi apresentado ao autor sem qualquer numeração, em mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, que mais bem remunerado”; “- O falecido marido da primeira autora se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características”; “- Não foi dada ao falecido marido da primeira autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data”; “- O banco réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros”; “- A autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN -Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição” e “- Os funcionários do Banco réu, sabiam que a Autora e o seu falecido marido, tinham preocupação em ter o dinheiro sempre disponível para fazer face a alguma necessidade imprevista”, uma vez que foram carreadas para os autos provas inequívocas e irrefutáveis que impunham resposta nesse sentido.
E.O facto não provado: “- Que o falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido”, deveria ter sido dado por provado, atento o depoimento da testemunha F...
F.O facto não provado: “- O documento de subscrição das obrigações referido em 6 foi apresentado ao autor sem qualquer numeração, em mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, que mais bem remunerado” deveria ter sido dado por provado, pois resulta do depoimento da testemunha (…) e da observação da letra constante do preenchimento do Boletim de Subscrição (Doc. 16 da p.i.) e da letra aposta no local destinado à assinatura do mesmo, as quais não são coincidentes.
G.Além de que, em momento algum, o Banco réu afirmou ou demonstrou que foi o falecido marido da primeira autora quem preencheu e assinou o boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
H. Também o facto: “- O falecido marido da primeira autora se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características” deveria ter sido dado como provado.
I.Efetivamente, dado que a ficha técnica do produto não foi entregue ao falecido marido da primeira autora, aquando da subscrição do produto dos autos, que não lhe foi explicada a característica da subordinação, que o produto lhe foi apresentado como um produto do Banco, garantido pelo Banco, tendo-lhe sido garantido pelos funcionários do Banco réu que o capital investido era garantido, facilmente se aquilata que nunca o falecido marido da primeira autora teria aceitado a sugestão do funcionário do Banco réu de subscrever duas obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respetiva.
J.Recorde-se que a testemunha (…), que vendeu as obrigações dos autos ao falecido marido da primeira autora, nem sequer sabia o que eram obrigações, por nunca lhe ter sido ministrada qualquer formação nesse sentido.
K.O mesmo se diga do facto não provado: “- Não foi dada ao falecido marido da primeira autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data”, atentas as declarações prestadas pelas testemunhas (…).
L.Em momento algum se fez prova de que a ficha técnica das obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” tivesse sido entregue ao falecido marido da primeira Autora , ou a algum dos autores, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data.
M.Sendo certo, segundo as regras da repartição da prova, competia ao Banco réu demonstrar que tinha entregue tal documento ao falecido marido da primeira autora, na altura da subscrição.
N.O facto não provado: “- O Banco réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros” deveria ter sido dado como provado, atento o depoimento da testemunha ...
O.Por último, também os factos não provados: “- A autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN -Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido estaria disponível decorridos dez anos após a subscrição” e “- Os funcionários do Banco réu, sabiam que a Autora e o seu falecido marido, tinham preocupação em ter o dinheiro sempre disponível para fazer face a alguma necessidade imprevista” deveriam ter sido dados como provados, atento o que foi dito pelas testemunhas (…).
P.O modus operandi, do Banco réu, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comumente praticada por outros operadores financeiros.
Q.E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
R.Basta reler os documentos juntos pelos autores em sede de audiência prévia para se perceber que já em 2004, na data da subscrição das obrigações dos autos, a situação do grupo SLN/BPN se encontrava em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estavam viciados e não traduziam a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.
S.O corolário desta conclusão é que, ao contrário do entendimento do Mmo.Juiz a quo, afinal não foi a crise financeira do SUB PRIME que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou além do mais, na rutura do mercado financeiro Islandês, que esteve na origem na rutura e no buraco financeiro do grupo SLN/BPN.
T.Foi antes sim, uma conduta premeditada desde o início de 1998, considerada como ilícita, criminosa e assente em práticas fraudulentas que originaram à intervenção do Banco de Portugal junto do governo da altura, que culminou como todos sabemos, com a nacionalização do BPN em 2008 e a insolvência da holding SLN posteriormente.
U.Daqui se conclui, sem a mínima possibilidade de dúvida razoável, que afinal o Banco, através dos seus principais gestores de topo e em especial do presidente do grupo SLN/BPN, forneceu informações falsas do ponto de vista contabilístico e financeiro, que de forma fictícia se encontravam relevadas nas contas, que serviram de suporte à emissão e venda junto da rede comercial do BPN SA, das obrigações de caixa subordinadas da “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, que sabiam nunca viriam a ser pagas na data do vencimento!
V.Com esta prática fraudulenta, ocultando o buraco financeiro de muitas centenas de milhões de euros e conforme decorre dos autos, premeditada pelos seus gestores de topo, desde o início, o Banco réu induziu toda a estrutura comercial do Banco acreditar e a confiar que estaria a vender produtos, como as obrigações da SLN, de um grupo sólido e rentável e, assim, captou os fundos necessários dos clientes com a promessa de boa rentabilidade e segurança absoluta que era transmitida pela rede comercial aos seus clientes.
W. Foi neste enquadramento, sabemo-lo hoje, que, afinal as poupanças investidas pelos clientes através de aplicações de obrigações subordinadas da SLN, que eram vendidas como seguras e com capital garantido, afinal eram um embuste, e que a crise financeira de 2008 não pode nem deve ser chamada para justificar a atuação do Banco réu.
X.Dado que a ficha técnica do produto não foi entregue ao falecido marido da primeira autora, aquando da subscrição do produto dos autos, que não lhe foi explicada a característica da subordinação, que o produto lhe foi apresentado como um produto do Banco, garantido pelo Banco, e dado ainda que o falecido marido da primeira autora apenas aceitaria subscrever um produto inteiramente seguro, tendo-lhe sido garantido pelos funcionários do Banco réu que o capital investido era garantido pelo Banco, facilmente se aquilata que nunca o falecido marido da primeira Autora teria aceitado a sugestão do funcionário do Banco réu de  subscrever duas obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, na parte relativa ao “reembolso antecipado”, “liquidez”, “remuneração”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição.
Y.A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente releva, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário, ao nível habitualmente atingido pela prestação, no âmbito da relação estabelecida.
Z. No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
AA. Quando o Banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes.
BB. Tendo em conta a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que o falecido marido da primeira autora não foi enganado ao subscrever o produto “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, convencido que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
CC. Os depoimentos das testemunhas (…) e os factos dados por provados evidenciam um incentivo descarado do cliente a efetuar operações que tinham objetivos contrários aos seus interesses, por um lado, e um flagrante conflito de interesses entre o falecido marido da primeira autora, por um lado, e o BPN e a SLN, por outro.
DD. A informação prestada pelo BIC ao falecido marido da primeira autora acerca do produto financeiro obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, responsabiliza o Banco, enquanto intermediário financeiro.
EE. A informação prestada pelo BPN, através dos seus funcionários da agência de Cabaços (Alvaiázere), ao falecido marido da primeira autora, acerca do produto financeiro obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, foi enganosa, defeituosa, imperfeita e inexata, porque não foi explicitado ao mesmo que a aquisição do produto financeiro comportava risco, não sendo reconduzível à figura de um puro depósito a prazo.
FF. No caso sub judice cremos que ficou cabalmente demonstrado que os funcionários das agências do BIC tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo e que esses funcionários estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004” constituíam um produto financeiro seguro e que não ofereciam risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram ao falecido marido da primeira autora que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado, o que se recolhe da factualidade consignada no mail junto como Doc. 14 da petição inicial.
GG. O tribunal a quo estava obrigado a atentar nos documentos n.º 13 e n.º 14 da petição inicial .
HH. O mail junto como Doc. 13 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco: seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse.
II. O tribunal a quo não procedeu ao exame crítico das provas e deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar.
JJ. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
KK. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de  indemnizar o credor se demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhe possa ser censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.
LL. Os Bancos devem ter funcionários altamente preparados e especializados, com elevada formação e profundo conhecimento na área dos mercados de valores mobiliários, de modo a proporcionarem aos clientes a melhor e a mais completa informação possível acerca dos produtos financeiros nos quais pretendem investir.
MM. Na informação prestada ao falecido marido da primeira autora acerca do produto financeiro obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, exigia-se ao BIC uma atuação caracterizada por um elevado grau de diligência, prudência, zelo e cautela.
NN. Faz parte do referido dever a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respetiva estrutura organizativo-funcional, em ordem da execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à atividade bancário-financeira.
OO. Mesmo que não exista norma expressa a orientar o intermediário financeiro na resolução do conflito de interesses com o cliente, o princípio da proteção dos legítimos interesses deste não deixa de estabelecer um dever de conduta a adotar.
PP. Atenta a diversidade entre investidor e intermediário financeiro, este como profissional do mercado, não há fundamento para que se estabeleça uma igualdade formal civilística entre as partes, por sobressair a tendencial debilidade do cliente individual e a experiência profissionalizada do intermediário financeiro.
QQ. O BIC não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, pois não fez prova de que agiu com toda a diligência que lhe era exigível e de que atuou de acordo com o grau de zelo, de cautela, de responsabilidade e competência técnica que a situação exigia.
RR. Resulta cristalino dos documentos n.º 9, n.º 10, n.º 13 e n.º 14 da petição inicial e dos depoimentos das testemunhas (…) que o BIC, ao invés de informar o falecido marido da primeira autora do risco inerente à aquisição das obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, enganou-o sobre as características do dito produto financeiro, depois de já ter feito o mesmo aos seus funcionários.
SS. Os autos demonstram que o falecido marido da primeira autora só adquiriu as obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004” dos autos por ter sido convencido, pelos funcionários do Banco réu que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantido pelo próprio Banco, e que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, com características semelhantes a este.
TT. Ficou provado que o falecido marido da primeira autora nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do BIC o tivessem previamente informado acerca das suas características.
UU. Ocorreu uma gritante violação dos deveres de informação a que o BIC estava vinculado na atividade que desenvolveu junto do falecido marido da primeira autora, enquanto intermediário financeiro.
VV. Sendo o BIC responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários, conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdada e transparência a que estava adstrito.
WW. O Banco réu atuou de forma ilícita e não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impedia.
XX. A falha de informação inicial do BIC acerca das características das obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004” projetou-se negativamente na esfera patrimonial dos autores, os quais, após o vencimento das aplicações, não foram reembolsados pela emitente SLN.
YY. O comportamento do BPN foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pelos autores, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que o falecido marido da primeira autora deu o seu acordo na aquisição de duas obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”.
ZZ. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do falecido marido da primeira autora foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.
AAA. É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o BIC estava adstrito e os danos que os autores reclamam nesta ação.
BBB. O dano corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento das aplicações.
CCC. O mail junto como Doc. n.º 14 da petição inicial, é revelador de uma narrativa e de um padrão comportamental por parte do Banco réu, coerente e em sintonia com os depoimentos das testemunhas, supra reproduzidos, que se traduz num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.
DDD. O ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu.
EEE. Os autos revelam um ostensivo conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, consubstanciado no simples facto de o BPN e a SLN terem por Presidente do Conselho de Administração o mesmo JC … .
FFF. Revelou-se também uma intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
GGG. Está demonstrado nos autos e é um facto notório (o que dispensa esforço de alegação e prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.
HHH. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2004 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.
III. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.
JJJ. A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Central Cível de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados em Leiria, pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 6543/16.7T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
KKK: O entendimento pelo qual pelejamos tem sido perfilhado por este Venerando Tribunal, nos acórdãos de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt e nos acórdãos prolatados em 20/09/2017 ( Maria do Rosário Gonçalves), processo n.º 753/16.4T8LSB.L1 da 1.ª secção. em 10/10/2017 (Carlos Oliveira), no processo n.º 4042/16.6T8LSB.L1 da 7.ª secção e em 28/11/2017, no processo n.º 6295/16.0 T8LSB.L1 da 8.ª secção (Ilídio Sacarrão Martins).
LLL. Tal entendimento foi acompanhado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em dois acórdãos de 12/09/2017 (Moreira do Carmo e Luís Cravo), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
MMM. Também o Supremo Tribunal de Justiça perfilha o mesmo entendimento, nomeadamente, nos acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva), de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor) e de 10/04/2018 (Fonseca Ramos), todos disponíveis. em www.dgsi.pt .
NNN. Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem o capital investido era garantido.
OOO. Demonstrados o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
PPP. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1, 76.º e 77º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 227º, 309.º; 323.º, n.º 1; 342.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 376.º; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 412º, nº1, 574.º, n.º 1 e n.º 2; 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M..
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, assim, ser revogada a douta sentença ora recorrida e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada, com o que será feita, como é timbre deste Venerando Tribunal, a costumada JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra alegações pela sociedade Ré, na qual se pronunciou pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida. Junta dois pareceres de dois Jurisconsultos.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II-OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A ré é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”. – (cfr doc. 4)
2. De facto, até à entrada em vigor da Lei n.º 62-A/2008, de 11-11 – pela qual o Estado Português procedeu à nacionalização da totalidade das ações por que se encontrava representado e repartido o seu capital social – o Banco réu era, além de uma sociedade comercial dotada de personalidade jurídica – havia adoptado o tipo de sociedade anónima e tinha o contrato pelo qual foi constituída definitivamente registado na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º de matrícula 503.159.093 – uma instituição de crédito da espécie Banco, estando para tanto autorizada a exercer a sua actividade pelo Banco de Portugal.
3.Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.”, operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11-11, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”.
4. Até Novembro de 2008 a ré era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua actividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro.
5. A primeira autora e o seu falecido marido tinham, em dois depósitos a prazo do Banco réu, em Outubro de 2004, uma quantia superior a €102.000,00 (cento e dois mil euros)
6. No dia 22 de Outubro de 2004, o falecido marido e pai dos autores subscreveu boletim de subscrição de duas obrigações SLN -Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 cada uma e global de €100.000,00. – ( Cfr . doc. 16)
7. No dia 25 de Outubro de 2004 foram regatados dois depósitos a prazo da primeira autora e do seu falecido marido, um de € 51.000,00 e outro de €51.063,83, tendo sido aplicados na sua quase totalidade na compra dos dois títulos aqui em causa. – (Cfr docs. 15 e17).
8. Ao falecido marido e pai dos autores era enviado mensalmente um extracto onde constavam as suas aplicações financeiras devidamente descriminadas e separadas, o que lhe permitia distinguir entre produtos financeiros e depósitos a prazo, entre as quais vinham as supra referidas.
9. A título de juros das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 foram pagos pelo Banco Réu ao falecido marido e pai dos autores, o valor ilíquido de €29.242,07.
Foram considerados “ não provados” os seguintes factos:
- No início do mês de Outubro de 2004, o falecido marido da primeira autora
recebeu um telefonema do seu gestor de conta, funcionário do Banco réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior.
- Que o falecido marido e pai dos autores actuou da forma descrita em 6. Seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido.
- O documento de subscrição das obrigações referido em 6 foi apresentado ao autor sem qualquer numeração, em mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.
- O falecido marido e pai dos autores bem com a autora eram pessoas simples e humildes e que sempre viveram apenas do seu trabalho, a primeira autora e o seu falecido marido eram, por natureza, avessos a qualquer tipo de jogo ou de risco.
- O falecido marido da primeira autora só se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.
- Não foi dada ao falecido marido da primeira autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data.
- O banco réu deu instruções aos seus funcionários para não entregarem aos clientes a nota informativa constante de fls. 71 a 87.
-O Banco réu deu conhecimento à Autora e ao seu falecido marido que, ao subscrever obrigações da SLN Rendimento Mais 2004 deixavam de ter controlo sobre o dinheiro investido, não o podendo movimentar, levantar ou gastar e que a subscrição de tal produto implicava um risco de perda do capital.
-O banco réu informou a Autora e ao seu falecido marido de que só poderiam ser reembolsados do capital investido em outubro de 2014.
- O falecido marido e pai dos autores por várias vezes se dirigiu ao balcão do Banco réu solicitando informações e a entrega de documento escrito do qual constassem as condições da subscrição efectuada, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação e tal não lhe foi dado.
- O banco réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros.
- A autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN -Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido só estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição.
- Os funcionários do Banco réu, sabiam que a Autora e o seu falecido marido, tinham preocupação em ter o dinheiro sempre disponível para fazer face a alguma necessidade imprevista.
- O falecido marido da primeira autora sabia que tinha subscrito obrigações da SLN, sendo-lhe enviado mensalmente um extracto onde constavam as suas aplicações financeiras devidamente descriminadas e separadas, o que lhe permitia distinguir entre produtos financeiros e depósitos a prazo.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1-Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
2- Verificação dos pressupostos do dever de indemnização dos Autores por parte da Ré.
1-Os Apelantes concluem que deveriam ter sido dados como provados um conjunto de factos que a 1.ª instância julgou como “não provados” e que são os seguintes:
Que o falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido”; “- O documento de subscrição das obrigações referido em 6 foi apresentado ao autor sem qualquer numeração, em mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, que mais bem remunerado”; “- O falecido marido da primeira autora se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características”; “- Não foi dada ao falecido marido da primeira autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data”; “- O banco réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros”; “- A autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN -Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição” e “- Os funcionários do Banco réu, sabiam que a Autora e o seu falecido marido, tinham preocupação em ter o dinheiro sempre disponível para fazer face a alguma necessidade imprevista”.
Desde logo, quanto ao facto “Que o falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido”, os Apelantes invocam o depoimento da testemunha F…, bancário, actualmente reformado, e que trabalhou no BPN desde 2002, até 2016, ( posteriormente EUROBIC).
Exercia as funções de responsável do Balcão de “Cabaços”, onde o falecido marido da Autora subscreveu as duas obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”. Cabe referir que embora do Boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004, junto aos autos a fls. 117, conste como “gestor de Cliente”, JG, a verdade é que este, ouvido como testemunha, esclareceu que o Sr. AH.. “pertencia à carteira de clientes do Sr. F…”. Daqui resulta pois que o depoimento da testemunha F… é especialmente relevante para esclarecer os factos em apreço.
Referiu esta testemunha que contactava os clientes pelo telefone ou pessoalmente. Admite que o contacto que fez com AH…deverá ter sido pessoal, pois este Cliente deslocava-se à Agência, semanalmente e às vezes, mais do que uma vez por semana. Perguntado sobre qual o argumentário que utilizava para convencer os Clientes, designadamente o Sr. AH, no sentido de subscrever a aquisição do produto aqui em apreço, a testemunha referiu que “havia dois argumentos: a remuneração superior àquela que era paga por um depósito a prazo, e tratar-se de um produto sem risco, equivalente a um depósito a prazo.” Esclareceu que esta era a mensagem que lhes era transmitida pelos Dirigentes do BPN e que devia ser transmitida aos Clientes.
Afigura-se-nos que a testemunha ouvida depôs com bastante convicção e, atentas as funções exercidas e decorrente conhecimento sobre a matéria, idónea a fundamentar a convicção sobre a forma como o falecido AH, marido e pai das Autoras foi “seduzido” a subscrever o produto financeiro em causa. Foi-lhe efectivamente assegurado que o produto não tinha risco, equivalia a ter um depósito a prazo, mas mais rentável. Tal como a testemunha referiu: “os clientes acreditavam nas informações que o Banco lhes passava”.
“O notório pouco à vontade das testemunhas (…)” a que se refere o Tribunal a quo, e que aliás não se notou na gravação, não afecta, a nosso ver, a credibilidade das testemunhas. O “pouco à vontade”, de resto, a ter existido, seria perfeitamente compreensível, face às circunstâncias que constituem facto notório, que acompanharam a falência do BPN, a prisão e condenação pela prática de crimes, designadamente de burla, do Presidente do Conselho de Administração do BPN – Oliveira e Costa – e a lesão dos interesses patrimoniais dos clientes do Banco, designadamente os Autores.
Cremos que não há margem para dúvidas sobre a forma como actuava o Banco, neste aspecto, pelo que deverá ser dado como provado o facto supra transcrito.
Quanto ao facto não provado seguinte:
O documento de subscrição das obrigações referido em 6 foi apresentado ao autor sem qualquer numeração, em mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, que mais bem remunerado”.
Quanto a esta matéria, cumpre referir que, aparentemente, a parte manuscrita do documento de subscrição das obrigações, não foi escrita pelo punho do respectivo subscritor. (vide doc.16 da p.i). Contudo, também é habitual, na prática bancária, os funcionários bancários, designadamente gestores de conta, preencherem os formulários que apenas são assinados pelos Clientes. Essa prática é entendida como fazendo parte do serviço prestado ao Cliente. Esse não é um facto relevante. O que importa é que preenchido ou não pelo Cliente, este esteja perfeitamente ciente das características e das condições do negócio corporizado no documento que subscreve. Contudo, no caso em apreço, tal pormenor não resultou da prova produzida pelo que apenas deverá ser dado como provado que:
O documento de subscrição das obrigações referido em 6. foi apresentado ao falecido marido da Autora que o assinou, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.”
Atento o depoimento da testemunha ouvida e decorrendo daquilo que já se entendeu dar como provado, julgamos demonstrado que:
O falecido marido da primeira autora se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.”
A testemunha ouvida que era o responsável da Agência bancária de Cabaços, onde foi subscrita a aquisição das obrigações, por parte do falecido marido da Autora afirmou claramente que a ficha técnica do produto em causa “ não era entregue aos Clientes. Os clientes acreditavam nas informações que lhes passava o Banco … ou dobravam em quatro e levavam para casa”.
Como, claramente, se depreende do depoimento da testemunha, ao descrever o comportamento do Banco a este propósito, em regra, a ficha técnica não era entregue aos clientes. Porém, admitindo existirem casos em que ela pudesse ser entregue, o efeito prático era equivalente, pois “dobravam em quatro”, ou seja, não era explicado o respectivo conteúdo nem era lido pelos Clientes.
Cremos, pois, haver base probatória suficiente para fundamentar convicção segura de que:
Não foi dada ao falecido marido da primeira Autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse posteriormente.”
A testemunha ouvida foi muito clara e afirmou de forma segura e convicta que “ o que era enfatizado era que o produto era equivalente a um depósito a prazo. O capital era garantido pelo Banco.”
Foi, pois, a nosso ver, demonstrado que:
O Banco Réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros”.
Por fim, a testemunha referiu que não era colocado o problema do risco do produto em causa. Até de forma muito espontânea a testemunha disse: “ se colocássemos a possibilidade de o capital não ser pago, com certeza que os Clientes não subscreveriam o produto.”
Ora esta afirmação da testemunha é claramente reveladora de que, por um lado, o Banco não informava os clientes das verdadeiras características do produto que estava a vender, e por outro, enganava-os, transmitindo-lhes a informação errada de que se tratava de um produto sem risco e com mais rendibilidade que um depósito a prazo.
A testemunha … corroborou o depoimento anterior tendo referido que também foi “enganado” por este Banco (BPN) e que também tem uma acção a correr termos conta o Banco. Também ele referiu ter ficado convencido de que tinha subscrito um produto semelhante a um depósito a prazo com uma taxa “muito boa”. E também afirmou que não lhe entregaram a ficha técnica relativa ao produto que subscreveu. Tendo-lhe sido perguntado como foi possível tal acontecer, visto que a testemunha é Técnico Oficial de Contas, sendo portanto uma pessoa especialmente informada na área, o mesmo respondeu “ nós confiamos nas pessoas”. Na verdade, as técnicas agressivas de marketing que sabem manipular as emoções humanas, explicam a forma como os Clientes foram convencidos a tomar as decisões como aquela que é referida nestes autos, investindo as poupanças que vieram a perder.
Cremos, pois, ter sido feita prova suficiente de que:
A Autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN – Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido só estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição.”
Quanto ao facto de que “ os funcionários do Banco Réu sabiam que a Autora e o seu falecido marido, tinham preocupação em ter o dinheiro sempre disponível para fazer face a alguma necessidade imprevista”, não foi a prova produzida suficiente para se concluir mais do que já consta do facto anteriormente dado como provado.
Procede, pois, no essencial, a pretensão dos Recorrentes ao nível da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto:
Aditam-se, assim, os seguintes factos à matéria provada:
O falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido.
O documento de subscrição das obrigações referido em 6. foi apresentado ao falecido marido da Autora que o assinou, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.”
O falecido marido da primeira autora se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.
Não foi dada ao falecido marido da primeira Autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse posteriormente.
O Banco Réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros.
A Autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN – Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido só estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição.
2-Face à factualidade dada por assente e agora aditada, importa analisar a questão de saber se os Autores têm direito a ser indemnizados pelo Banco Réu.
Desde logo, importa ter em atenção o que dispõe o art.º 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo D. L nº 298/92, de 31/12.
Nos termos do referido preceito legal, sob a epígrafe “outros deveres de conduta”
Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
Prevê-se igualmente no art.º 76.º do mesmo diploma que:
os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores
Ainda quanto aos deveres de informação, estabelece o art.º 77.º n.º1 do RGICSF que “as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”. 
Ora, tal como está provado:
“6. No dia 22 de Outubro de 2004, o falecido marido e pai dos autores subscreveu boletim de subscrição de duas obrigações SLN -Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 cada uma e global de €100.000,00. – ( Cfr . doc. 16)
O falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido.
O documento de subscrição das obrigações referido em 6. foi apresentado ao falecido marido da Autora que o assinou, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.”
O falecido marido da primeira autora se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.
Não foi dada ao falecido marido da primeira Autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse posteriormente.”
Perante esta matéria de facto, pergunta-se:
Cumpriu o Banco o dever de diligência, lealdade e respeito consciencioso pelos interesses dos Autores que lhes estavam confiados? Informou o Banco com clareza os seus clientes, sobre os elementos caracterizadores do produto oferecido?
Afigura-se-nos que a resposta para estas perguntas não pode ser outra que um evidente “não”.
O Banco não explicou aos Autores que o produto financeiro que lhes propôs constituía uma obrigação, mas antes lhe comunicou tratar-se de um produto idêntico a um depósito a prazo.
Ao contrário do que a Apelante alega, houve efectivamente por parte do Banco uma informação falsa. O Banco não se limitou a omitir informação, prestou uma informação falsa, com vista a convencer os clientes a adquirirem aquele produto financeiro. A informação constituiu sim um artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso, apto a enganar os Autores.
Não pode deixar de se concluir pela ilicitude da conduta do Banco.[1]
Há que ter em atenção o facto de o BPN ter actuado, neste negócio, como intermediário financeiro, tal como refere a sentença de 1.ª instância.
Haverá, assim, que ter em conta o disposto no Código de Valores Mobiliários (versão do DL nº 486/99, de 13/11, aplicável à data) que impõe aos intermediários financeiros especiais deveres de informação e publicidade (artºs 312º e 323º), que se destinam a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, devendo possuir os requisitos de completude, verdade, actualidade, clareza, objectividade e licitude (artº 7º nº 1) .
O art. 304.º do CVM determina que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1). Além disso, devem conformar a sua atividade aos ditames da boa - fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).
De novo, perante os factos supra sublinhados, cumpre perguntar: conformou o Banco a sua conduta de acordo com os supra citados deveres de verdade, diligência, lealdade, transparência e boa-fé?
Mais uma vez cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, o Banco, aqui Réu, intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas, já tinha, ao tempo dos factos, o «primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”,[2] dever esse que, manifestamente, não cumpriu, em violação do disposto no art.º 312.º n.º1 a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável.
Tenha-se em conta ainda que o critério em função do qual se deverá aferir o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro será o seguinte: «quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação»[3] (Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86).
Foi efectivamente alegado que a primeira autora e o seu falecido marido eram pessoas de humilde condição social e com pouca instrução escolar, não tendo, qualquer deles, mais do que o ensino primário completo. Contudo, não resultaram provados esses factos. De qualquer modo, no caso, é irrelevante a questão do maior ou menor detalhe da informação, pois que não só não houve qualquer informação, como claramente existiu uma intenção de induzir os Clientes em erro, relativamente às características do produto financeiro que foi vendido e que o Marido da Autora foi induzido a subscrever, convicto de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto sem risco.
Em face dos factos provados, cremos que é clara a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil contratual:
Quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, dispõe o artº 314º do CVM, sob a epígrafe “Responsabilidade Civil”: 1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro, perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade. No n.º2 estabelece-se uma presunção de culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais, como foi o caso e seja originado pela violação de deveres de informação.
Ora, como já referido, está demonstrada a violação dos deveres respeitantes ao exercício da actividade de intermediário financeiro do BPN, designadamente o dever de informação. Nesta situação, a culpa do agente presume-se, nos termos do disposto no art.º 314.º n.º 2 do CVM. Tal presunção não foi ilidida.
O dano dos Autores concretiza-se na perda do capital correspondente à aquisição das duas obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, no valor total de € 100.000,00 (cem mil euros) que não foi pago na data do vencimento, em 24 de Outubro de 2014.
Conforme resulta do disposto no art.º 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. A este propósito, cabe convocar o disposto nos artigos 562.º, 566.º, 564.º e 578.º, todos do Código Civil.
Está provado que o falecido marido da Autora aplicou certas quantias em obrigações convencido que estava a subscrever um produto equivalente a depósitos a prazo. O dano deve traduzir-se na diferença entre a situação que o lesado ficou e a situação em que o mesmo estaria se o dever de informação tivesse sido cumprido.[4] Assim, as herdeiras do subscritor das obrigações, ora Autoras e Apelantes têm direito a ser investidas no valor de €100.000,00, acrescido de juros moratórios, à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados (22 de Outubro de 2014). Ou seja, tal como sucederia se estivéssemos perante um depósito a prazo, caso em que o Banco devolve o capital mais os juros remuneratórios que se foram vencendo). Existe, pois, um dano directo derivado de ter sido aplicado aquela quantia e de não a ter recuperado na data em que a mesma deveria ter sido disponibilizada.
No caso concreto, tal como se encontra provado, no ponto 9, da factualidade fixada, a título de juros das obrigações SLN Rendimento Mais 2004, foi paga a quantia de € 29.242,07. 
Por outro lado, também é verdade que as Autoras são titulares das obrigações em causa, sendo certo que as mesmas terão algum valor, apesar da insolvência da SLN- Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.
Desconhecemos o valor que as obrigações adquiridas pelo falecido AH.. ainda poderão representar.
“Ora, na indemnização devida ao autor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo”[5].
Porém, nos autos não existem elementos que nos permitam, com segurança, efectuar tais operações contabilísticas, pelo que não é possível determinar o concreto prejuízo ou dano dos ora Apelantes. Não sabemos nem o valor que as obrigações podem ainda alcançar, nem quais os juros remuneratórios que o autor auferiu e que não auferiria, se tivesse aplicado o capital num depósito a prazo. Impõe-se, assim, condenar o Banco Réu a pagar a quantia que se vier a liquidar nos termos do art.º 609.º n.º 2 do CPC.
Cotejando os preceitos legais aplicáveis, com a matéria de facto apurada, parece-nos evidente que se verificam todos os requisitos legais da responsabilidade civil contratual (o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre este e o facto), e por consequência, impende sobre o Banco Réu o dever de indemnizar os Autores.
A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art.º 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa»[6]
Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa[7].
O art. 304.º do CVM determina que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1). Além disso, devem conformar a sua atividade aos ditames da boa- fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).
O Banco assegurou aos clientes que o produto financeiro proposto tinha “capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior.”
A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade.[8]
Como se pode ler no supracitado acórdão do STJ de 10-01-2013, em caso semelhante ao dos autos:
«(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)»
“A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica”.[9]
Também neste Tribunal da Relação de Lisboa, existe abundante jurisprudência a decidir neste sentido em casos semelhantes relativamente a outros tantos cidadãos que podem designar-se de “vitimas” deste procedimento do BPN em que se concluiu “não haver dúvida que [ o BPN] se constituiu como responsável pela confiança transmitida sem base fáctica aos clientes[10]. Ou em que não se suscitaram dúvidas quanto ao “comportamento doloso” do BPN[11].
Em face do exposto, consideramos parcialmente procedentes as conclusões dos Apelantes pelo que devendo ser revogada a sentença recorrida, condenando o Banco Réu no pagamento da peticionada indemnização, o respectivo valor terá de ser fixado em liquidação de sentença.
IV-DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência, revogando a sentença recorrida, condenar o Banco BIC Português, SA a pagar aos Autores a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença (a qual deverá ter em consideração que os Autores têm direito ao valor investido (€ 100.000,00, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado (22.10.2014). A este valor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo).
Custas pelos Autores e Réu apelado, na proporção do respectivo decaimento, de 1/10 para os primeiros e 9/10 para o segundo, provisoriamente, relegando-se igualmente o apuramento da medida do decaimento efectivo, para o momento da liquidação.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
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[1] O caso que nos ocupa nestes autos é em tudo idêntico a um outro  decidido nesta secção e subscrito pela ora Relatora e 1.ª Adjunta no processo n.º 73/17.7Lnlsb.L1, não publicado.
[2] Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2017 – Processo 986/16.3T8GRD.C1, disponível em www.dgsi.pt sobre caso idêntico ao dos presentes autos.
[3] Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86
[4] Vide a este propósito e neste sentido, num caso idêntico, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2018, Processo 18331/16.6T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[5] Idem.
[6] Menezes Cordeiro, Direito bancário, 5.ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp 431-432.
[7] Idem, p.433.
[8] Vide neste mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2013 e de 17-03-2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[9] Idem.
[10] Vide Acórdão do TRL de 15-09-2015, disponível em www.dgsi.pt
[11] Vide Acórdão do TRL de 10-10-2017, disponível em www.dgsi.pt.