Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10813/2003-7
Relator: VAZ DAS NEVES
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
DIREITO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2004
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa.


I. RELATÓRIO
*
SOFINLOC RENT – COMÉRCIO E VIATURAS DE ALUGUER, LDA., requereu contra CONSTRUÇÕES J. & VALÉRIO, LDA., ambas identificadas nos autos, providência cautelar não especificada pedindo a apreensão e entrega a fiel depositário da viatura da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula 44-...-PF.
No essencial, e em resumo, alega ter cedido a utilização dessa viatura à requerida por contrato de aluguer de veículo sem condutor entre ambas celebrado. A requerida deixou de pagar os alugueres e outras prestações devidas pelo contrato celebrado e a requerente resolveu o contrato mediante comunicação aos locatários. Dado que a requerida não lhe restituiu a viatura locada pede a apreensão da mesma com o fundamento de que o decurso do tempo e a utilização não titulada pela requerida é de molde a diminuir-lhe o valor, para além da requerente poder vir a ser responsabilizada civilmente por qualquer acidente que o veículo possa vir a causar.

Citada, a requerida deduziu oposição reconhecendo a existência do contrato e o incumprimento das obrigações dele emergentes, que servem de causa de pedir à requerente, mas questionando a eficácia da resolução contratual, já que a carta em que a mesma se terá concretizado foi remetida para uma morada diversa da sede social da requerida. Alega ainda que, em finais de Junho ou princípios de Julho de 2002, cedeu a sua posição contratual, com o assentimento da requerente, a (M), que passou, por via dessa cessão, a ocupar a posição de locatária do veículo acima identificado. E, no acto da cessão, a requerida entregou ao representante da requerente um cheque destinado a solver, além do mais, as prestações contratuais que haviam ficado em dívida.
A concluir pede a improcedência do procedimento cautelar.

O Mmo. Juiz da 1.ª Instância, considerando que os autos contêm todos os elementos necessários para decidir sobre o mérito do procedimento cautelar, proferiu decisão, sem necessidade da produção da prova testemunhal oferecida pelas partes, julgando improcedente a providência cautelar.
É desta decisão que a Requerente interpõe o presente recurso, o qual foi devidamente admitido como agravo.

A Agravante formulou, em resumo, as seguintes conclusões de recurso:

1. Provou-se, nomeadamente: que houve um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor entre a Requerente e a Requerida; que a Requerida deixou de pagar rendas e respectivas despesas de transferências bancárias; que a Requerente a interpelou para pagar ou não pagando entregar o veículo, considerando-se resolvido o contrato; que a Requerida a não a entregou; que a utilização de uma viatura automóvel deprecia e diminui o seu valor, o mesmo acontecendo com o mero decurso do tempo.
2. Para que seja decretada uma providência cautelar não especificada devem concorrer os requisitos constantes do n.º 1 e 2 do artigo 381.º do Código do Processo Civil e que sumariamente são: que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado; que haja fundado receio que o direito a defender esteja ameaçado de lesão grave e dificilmente reparável; que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos artigos 393.º a 427.º do Código de Processo Civil; que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
3. O Tribunal a quo ao dar como provada a matéria constante dos pontos 1.º a 12.º só podia concluir pelo preenchimento de todos os requisitos enunciados e que são os constantes do artigo 381.º do Código de Processo Civil.
4. O Tribunal a quo entendeu não existir fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito da requerente e indeferiu a Providência. Mas este entendimento é infundado: o Tribunal a quo, em vez de se centrar no perigo que assola o direito de propriedade do veículo em causa, cuidou de apurar, tanto quanto é possível perceber, da capacidade económica da Requerida para vir a indemnizar a Requerente pelo pagamento das rendas em atraso e pela não entrega do veículo depois da resolução contratual.
5. Depois de reconhecer a lesão em termos factuais, acaba por admitir que o prejuízo que advém para a Requerente do facto da Requerida usar o veículo até à sua apreensão em sede de execução para entrega de coisa certa (depois da acção declarativa e eventuais recursos) não lhe causa uma lesão de difícil reparação.
6. Este entendimento assenta no pressuposto que a Requerente pode vir a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da mora na entrega e pelo valor das rendas não pagas.
7. O periculum in mora tinha de ter sido apreciado em face da situação, relativamente à viatura objecto da Providência e não relativamente à possibilidade económica da Requerida vir a ressarcir a Requerente, pressuposto que se deve analisar em sede de arresto, mas que não está aqui em causa.
8. O que estava em causa era o direito de propriedade do veículo objecto dos autos: direito subjectivo da Requerente relativamente àquele veículo concreto.
9. Relativamente a este direito, é manifesto que o prejuízo para a Requerente, decorrente do facto da Requerida se encontrar na posse do veículo, sem legitimidade para isso, é de difícil reparação.
10. Um veículo automóvel está sujeito a um conjunto de vicissitudes físicas e jurídicas que não permitem que se possa concluir que o decurso de três ou quatro anos (tempo médio para se chegar à execução para entrega de coisa certa), não gera um prejuízo dificilmente reparável.
11. Tendo em conta a natureza do bem, os prejuízos dificilmente reparáveis para a Requerente começam no facto de um veículo de sua propriedade estar a circular em circunstâncias físicas e jurídicas que ela não controla.
12. Acresce que a natureza perecível do automóvel foi reconhecida pelo legislador no Decreto Lei n.º 54/75, de 24 de Fevereiro, e Decreto Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que regulou as providências que visam assegurar o não perecimento do direito de propriedade sobre automóveis, com dispensa da prova do periculum in mora, critério que tem estreito paralelismo com o caso em apreço.
13. A decisão recorrida fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 381.º e 387.º n.º 1 do Código de Processo Civil ao não analisar o periculum in mora face ao direito de propriedade mas sim face à capacidade de a requerida vir a indemnizar a requerente pelos prejuízos causados em função do incumprimento contratual.

Não houve contra-alegações de recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. OS FACTOS

Na 1.ª Instância foi dada como assente a seguinte matéria de facto:

1. A requerente exerce a actividade de comércio de viaturas de aluguer.
2. A requerente e a requerida celebraram, em 9/8/2000, o contrato de aluguer de veículo sem condutor n.º 72151, formalizado no documento de fls. 12 e 13.
3. Tal contrato teve por objecto a viatura da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula 44-...-PF, que foi entregue à requerida.
4. Para o efeito, tal viatura foi adquirida pela requerente a «Albucar – Comércio de Automóveis, Lda.», pelo preço de 4.000.000$00.
5. A propriedade da referida viatura foi registada em nome da requerente.
6. A requerida deixou de pagar os alugueres vencidos nas datas de 5/9/01, 5/12/01, 5/1/02 e 5/2/02, no valor unitário de 360,07 euros.
7. A esses alugueres acrescem as inerentes despesas com transferências bancárias vencidas em 5/12/01, 5/1/02 e 5/2/02, no valor unitário de 1,46 euros.
8. Em face desta situação, a requerente enviou à requerida, em 5/2/02, uma carta registada com aviso de recepção na qual a instava a pagar os montantes em dívida e lhe comunicava que, caso o não fizesse no prazo de 10 dias úteis a contar da data do seu recebimento, o contrato considerar-se-ia automaticamente resolvido, devendo então proceder à entrega do veículo na sede da requerente ou em qualquer das suas delegações.
9. A carta foi recebida em 7/2/02 na morada para onde foi endereçada.
10. A requerida não pagou os alugueres e as restantes quantias em falta nos dez dias úteis posteriores ao recebimento da missiva.
11. A requerida foi citada para os termos da presente acção na morada «Edifício Galeão, Antiga Discoteca, Urbanização Siroco, 8700 Olhão».

A Apelante não põe em causa a matéria de facto assente dizendo apenas que à mesma deve ser dada interpretação diversa daquela que foi dada na 1.ª Instância com consequência jurídica diversa.
Não há razões para este Tribunal da Relação modificar a matéria de facto considerada assente na 1.ª Instância.


III. OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Para o decretamento do procedimento cautelar invoca a Agravante a falta de pagamento das prestações acordadas e, em consequência, a resolução do contrato de aluguer. Por fim invoca que, a manter-se a viatura na posse da Agravada, sofre graves prejuízos de difícil reparação a que acresce a possível responsabilidade civil em caso de acidente, encontrando-se a viatura na posse daquela.
Funda a existência do risco de lesão dificilmente reparável em duas ordens de razões: por um lado, a depreciação da viatura decorrente do decurso do tempo e do seu uso; por outro lado, a eventualidade de a requerente vir a ser constituída em responsabilidade civil, ao nível da responsabilidade pelo risco, por qualquer acidente que a circulação da viatura possa causar.
O indeferimento do procedimento cautelar fundou-se no seguinte: não se provou que os prejuízos que a Agravante sofreu e está a sofrer com a não entrega do veículo, sejam de difícil reparação; quanto à responsabilidade pelo risco por qualquer acidente considerou-se na decisão recorrida que essa responsabilidade se encontra afastada.
O que se pretende com esta providência é a apreensão e a entrega da viatura da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula 44-...-PF que pela requerente foi cedida à requerida através de um contrato de aluguer de veículo sem condutor (fls. 12), contrato que se encontra resolvido.
No caso concreto não estamos perante uma situação de apreensão de veículo, regulada pelo Decreto-Lei n.º 54/75, de 24 de Fevereiro, nem perante o procedimento específico de apreensão e entrega de bens móveis objecto de locação financeira (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho).
Estamos antes perante uma situação em que a pretensão da requerente, quando exercida através de uma providência cautelar, só pode ser alcançada através do recurso ao procedimento cautelar comum previsto no artigo 381.º do Código de Processo Civil ficando a requerente sujeita às regras de que depende o seu decretamento: a alegação e prova da séria probabilidade da existência do direito (fumus bonni juris) e o fundado receio de que outrem cause uma lesão grave e dificilmente reparável a esse direito (periculum in mora).
São requisitos dos procedimentos cautelares comuns, previstos e regulados no artigo 381.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a séria probabilidade da existência do direito e o fundado receio de que outrem lhe cause uma lesão grave e dificilmente reparável a esse direito.
Para que o procedimento cautelar possa ser decretado, necessário se torna que estes dois requisitos se verifiquem, cumulativamente. Não basta a existência de um deles.
Quanto ao primeiro dos pressupostos (séria probabilidade da existência do direito) não há quaisquer dúvidas que o mesmo se verifica. Na verdade ficou sumariamente demonstrado que a requerente é a proprietária da viatura da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula 44-...-PF e que a deu de locação à requerida tendo esta deixado de pagar os alugueres devidos nos termos desse negócio e tendo aquele contrato de locação sido validamente resolvido pela Agravante.
Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 433.º n.º 1 e 289.º n.º 1 do Código Civil, a resolução contratual tem por efeito obrigar os locatários a restituírem o bem locado e assim tem a requerente o direito de reaver da requerida o veículo locado.
Mas, para o decretamento da providência, necessário é que se demonstre também o fundado receio de uma lesão grave a esse direito e que tal lesão seja dificilmente reparável.
E, com o devido respeito por opinião contrária, não resulta dos factos provados os elementos essenciais para que a providência seja decretada.
É certo que a não entrega da viatura constitui uma lesão grave do direito da requerente e que essa lesão lhe cause danos desde logo decorrentes da não utilização de um bem que lhe pertence e da depreciação desse bem resultante do seu uso por outrem e do decurso do tempo (uma viatura de dois anos não tem o mesmo valor que a mesma viatura com quatro anos). Tal constitui um facto notório, que não carece de ser demonstrado (artigo 514.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Mas não basta a verificação da lesão grave e dos danos dela resultantes. Necessário é que estejamos perante uma lesão grave, de difícil reparação para o direito do requerente. É que não podemos esquecer que estamos perante uma providência cautelar onde não é exigível a certeza do direito. Essa certeza só será eventualmente alcançada com a respectiva acção, a ser intentada.
No que respeita à alegação feita pela requerente quanto à possibilidade de vir a ser responsabilizada por danos decorrentes da circulação da viatura, com base na responsabilidade pelo risco e enquanto esta permanecer em poder da requerida, consideramos que não tem razão a requerente já que, em nosso entender, não poderá ser responsabilizada pelos danos decorrentes daquela responsabilidade.
Como muito bem se diz na decisão recorrida, nos termos do n.º 1 do artigo 503.º do Código Civil, a responsabilidade pelo risco emergente da utilização de um veículo de circulação terrestre tem como pressupostos que o responsável detenha a direcção efectiva do mesmo e que este seja utilizado no seu interesse. Ora, a partir da resolução do contrato de aluguer, e não tendo a requerida restituído a viatura, os pressupostos da responsabilização da requerente por danos emergentes da utilização da viatura em causa, com base no risco, mostram-se afastados uma vez que tal viatura permanece em poder da requerida contra a vontade e em detrimento do interesse da requerente.
No que respeita à lesão grave que a requerente sofreu e sofre no seu direito ao não lhe ser entregue viatura que lhe pertence, e cujo contrato de aluguer se encontra resolvido, entendemos que tal lesão não pode ser considerada de difícil reparação, como impõe o artigo 381.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
O que aqui está em causa são interesses de natureza exclusivamente patrimonial e, tendo em conta que o bem em litígio é apenas uma viatura automóvel, o prejuízo que a requerente tem e poderá vir a ter em consequência do prolongamento da detenção pela requerida não se apresenta caracterizado em termos de não poder ser inteiramente ressarcido por meio de uma indemnização pecuniária que a requerente poderá pedir na acção principal.
Refira-se que a requerente não alegou, e por isso não provou, quaisquer dificuldades em obter da requerida a reparação da grave lesão ao seu direito, designadamente, por exemplo, a insuficiência do património desta ou do receio objectivamente fundado do desaparecimento ou da diminuição relevante de tal garantia patrimonial.
Não resulta pois demonstrado que a lesão grave que a requerida causou e causa à requerente com a não entrega da viatura seja de difícil reparação.

Assim, sem necessidade de mais considerações, improcedem todas as conclusões de recurso formuladas pela agravante.
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso de agravo e confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pela Agravante.
Lisboa, 30 de Março de 2004.


(Luís Maria Vaz das Neves)
(António Santos Abrantes Geraldes)
(Manuel Tomé Soares Gomes)(Declaração de voto vencido)

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Declaração de voto

Votei vencido por considerar estar configurado o requisito de lesão grave e de
difícil reparação do direito invocado, exigido pelo n° 1 do artigo 381° do C.P.C.
Com efeito, estamos no âmbito de uma providência cautelar comum que visa a apreensão de veículo automóvel entregue ao requerido, no âmbito de um contrato
de aluguer de longa duração (ALD).
Tenho vindo a entender que é aplicável ao esse tipo de casos o disposto no artigo 17° do Dec.Lei n° 354/86, de 23-10, em particular, o preceituado no seu n° 4, segundo o qual "é lícito à empresa de aluguer sem condutor retirar ao locatário o veículo alugado no termo doo contrato, bem como rescindir o contrato nos termos da lei em incumprimento das cláusulas contratuais".
Dessa disposição decorre que a restituição imediata do veículo ali prevista, nomeadamente nas hipóteses de resolução do contrato, em caso de não ser efectuada espontaneamente, poderá ser actuada por via de procedimento cautelar comum, presumindo-se então juris et de jure a existência do periculum in mora.
De facto, só poderá ser esse, em meu entender, o sentido útil do preceituado naquele normativo, no que tange à faculdade de a locadora retirar o veículo ao locatário findo o contrato, já que o próprio direito à restituição do bem locado constitui um efeito típico do contrato de aluguer estatuído, em termos gerais para a locação, nos artigos 1038°, alínea i), e 1043°, n° 1, do CC, e que não carecia, por isso, de ser ali contemplado.
A base de tal presunção radica nos dados da experiência, segundo os quais a não devolução de veículo, nessas circunstâncias, é suficientemente indiciadora da forte probabilidade do desaparecimento ou da significativa depreciação do bem locado. De resto, são razões similares às que justificam o regime de apreensão imediata do veículo nos casos previstos no artigo 15° do Dec.Lei n° 54/75, de 12-2, e do bem dado em locação financeira, nos termos do artigo 21° do Dec-Lei n° 149/95, de 24-6.
Acresce que, sendo o contrato de aluguer de longa duração um instrumento dirigido à recuperação do capital investido pela locadora na aquisição do bem locado, mais ainda se justifica presumir o percutem ir mora, no caso da não entrega espontânea do veículo locado, quando o contrato caduque ou seja rescindido.
Em suma, estamos perante uma providência de tipo restituitório, ou até mesmo antecipatório, em que se presume o periculum in mora, seguindo-se, no mais, o regime do procedimento cautelar comum previsto nos artigos 381° e seguintes do CPC.

Daqui resulta também que a lesão grave e de difícil reparação relevante reconduz-se, em última análise, ao risco de perda do direito de propriedade sobre o próprio bem locado, coenvolvendo os mais diversos prejuízos potenciados por essa perda.
Ora, nessa perspectiva, salvo o devido respeito pela tese que fez vencimento, não se me afigura que, perante o risco de perda da propriedade do bem locado, se deva equacionar a difícil reparação do direito com o argumento formal de que essa perda pode ser integrada por via de indemnização pecuniária substitutiva, subvalorizando-se, desse modo, o direito à execução específica da prestação de entrega-do bem locado, que a requerente pretende exercitar por via da acção.
Na verdade, a lei confere à locadora, em primeira linha, o direito à restituição do bem locado, a que corresponde, por parte da locatária, o dever de efectuar a prestação de entrega em espécie. É esse direito que a ora requerente pretende fazer valer através da acção e que corre risco não apenas de lesão grave, mas do próprio aniquilamento. E não será o facto de lhe assistir o direito sucedâneo à indemnização dos prejuízos advenientes da perda do bem, que afasta a sua difícil reparabilidade, já que não está em causa a mera reintegração desse direito, mas evitar a sua perda.
Por tais razões, daria provimento ao recurso.
Lisboa, 30 de Março de 2004

(Manuel Tomé Soares Gomes)