Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
761/15.2T8CSC.L1-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
AUDIÇÃO DO MENOR
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A garantia do contraditório, enquanto princípio inderrogável por traduzir o direito fundamental das partes a um processo equitativo num estado de direito democrático, mantém-se no âmbito da jurisdição voluntária. A sua concretização, todavia, terá de ser adequadamente coadunada com os princípios específicos dos procedimentos no domínio desta jurisdição sempre que o postulado que norteia e fundamenta a intervenção do tribunal seja o superior interesse da criança.
II- O procedimento desencadeado pelo Ministério Público ao abrigo da Convenção de Haia sobre os aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, destinado a exigir o regresso da menor aos EUA face à deslocação e retenção ilícitas da mesma em Portugal, constitui processo do âmbito da jurisdição voluntária.
III- Não viola o princípio do contraditório o despacho que indefere pedido de audição da requerente do procedimento e de inquirição de testemunhas por ela indicadas (através de viodeconferência, porque residentes nos EUA) com fundamento em que tais diligências não se compadecem com a necessária tramitação célere do processo, se resultar dos autos que aquela deteve oportunidade (inicial e subsequente) de alegar, informar e defender a sua posição no processo, tendo junto elementos documentais por si considerados pertinentes.
IV- Fora das situações em que a lei considera obrigatória a audição do menor, cabe ao julgador, no âmbito do poder discricionário que lhe é atribuído por lei, avaliar da necessidade de dar à criança a oportunidade de ser ouvida no processo de modo a poder expressar as suas opiniões. Tal opção do julgador está dependente da maturidade e capacidade de compreensão e expressão dos respectivos interesses por parte da criança, encontrando-se igualmente dependente do critério do julgador decidir sobre a forma considerada adequada para realização dessa diligência.
V- Nesta ampla margem de manobra, tendo presente o fim que, de forma célere, se impõe acautelar – o supremo interesse da criança -, mostra total cabimento que o tribunal a quo, para fundamentar a decisão de ouvir a menor, se tenha socorrido de relatório elaborado pela psicóloga (escolhida pelo progenitor, que vem acompanhando a criança desde que esta se encontra em Portugal), que assegura as capacidades afectivas e de maturidade da menor para ser ouvida sobre a questão, qualidades que, de algum modo, necessariamente, sempre serão depois percepcionadas pelo contacto directo entre a criança e o juiz perante quem presta declarações.
VI- O imperativo da ordem de regresso ao país da residência habitual nas situações de retenção ilícita terá de ceder sempre que se considere existir grave risco de a criança, no retorno ao país da sua residência habitual, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.
VII- Na avaliação do preenchimento desta situação de excepção exige-se que seja feito um juízo de ponderação e de conformidade entre o regresso da criança e o seu interesse, ou mesmo a sua vontade (desde que a sua idade e maturidade justifique que se tenha em conta a sua opinião), e a mesma terá de se fundar, inequivocamente, na salvaguarda do interesse da criança, que constitui “a trave mestra” da Convenção.
VIII- Integra a excepção impeditiva do regresso imediato da criança aos EUA, a situação em que a menor, com seis anos de idade, evidencia estar inserida em Portugal, num ambiente familiar onde disfruta de estabilidade emocional e psicológica (residindo com o pai e avós paternos em Portugal, há mais de um ano; manifestar desejo de continuar a viver com o progenitor e não querer regressar aos EUA; revelar ser uma criança alegre, doce e tranquila, mantendo com o progenitor uma forte ligação afectiva, que constitui a sua referência securizante) e se mostrar com particular reserva o ambiente educativo onde a menor seria acolhida no país da sua residência habitual (perante a circunstância do companheiro da mãe ter registo por crimes de prisão e ter sido acusado por um crime de agressão agravada e por um crime de prostituição, ainda que tais crimes não tenham sido levados a julgamento por o arguido ter prestado trabalho a favor da comunidade).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I - Relatório:



1. Em 04-03-2015, relativamente à menor C. filha de V. e de T., na sequência de pedido formulado pela progenitora junto da Autoridade Central dos EUA, o Ministério Público instaurou acção especial, ao abrigo da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de Haia, de 25 de Outubro de 1980, visando o regresso imediato da menor aos Estados Unidos da América (país onde passou a residir a partir de Setembro de 2010, aí continuando a viver após a separação dos pais e por acordo entre ambos), com fundamento no facto do pai da menor, sem qualquer autorização da mãe da menor, ter viajado com esta para Portugal, ficando a viver com a mesma neste país.

2. Nos termos do artigo 7.º, alínea c), da citada Convenção, foram tomadas declarações ao Requerido que, fundamentalmente, referiu ter vindo para Portugal de férias com a filha, com autorização da mãe da menor, não tencionando cá ficar, mas que, ao tomar conhecimento (através de relatório elaborado por detective) de que a progenitora estava grávida do companheiro que se encontra acusado de prostituição e de que ambos se dedicavam ao tráfico de fármacos, levando pacientes a clínicas de dor, decidiu não regressar. Referiu ainda que a filha frequenta a escola em Portugal e está a ser acompanhada por psicóloga, mantendo contacto semanal com a mãe.

3. Em 26-03-2015, a mãe da menor veio aos autos juntar procuração com poderes especiais e requerer a aceleração processual do processo, invocando que se a filha não regressar aos EUA até 30-04-2015 perderá os seus direitos como residente legal desse país, por se encontrar a residir fora do mesmo há mais de um ano.

4. Na sequência do requerido pelo pai da menor e com fundamento no relatório de avaliação psicológica junto aos autos no qual consta que a menor exprime os seus sentimentos com clareza, foi designado dia para tomada de declarações à menor (sem a presença dos pais e dos Srs. Mandatários) e para inquirição das testemunhas arroladas pelas partes – despacho de fls. 795.

5. No âmbito da conferência de pais realizada (em 25-11-2014) no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais relativo à menor (a correr termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª secção de Família e Menores – processo n.º … ) os pais requereram a suspensão da instância com vista a chegarem a acordo.  

6. Com fundamento em que a audição da menor colocará em causa a sua estabilidade emocional e psicológica e que não poderá ser prestado de forma livre e esclarecida, a mãe da menor veio requerer (requerimento de 12-05-2015 – fls. 832/839) a revogação da decisão que designa tal audição, tendo ainda requerido, com fundamento no cumprimento do princípio do contraditório, que se procedesse (por teleconferência) à sua audição e à inquirição das (9) testemunhas arroladas[1].

7. Após audição da menor e mostrando-se infrutífera a tentativa de conciliação, procedeu-se à inquirição de duas testemunhas arroladas pelo requerido e da testemunha (residente no país) arrolada pela mãe da menor.

8. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento das diligências requeridas pela mãe da menor por desnecessidade das mesmas, nos termos do artigo 986.º, n.º2, do Código de Processo Civil.

9. Por despacho de fls. 854/855 e com fundamento na desnecessidade de realização de tais diligências, foi indeferida a audição da mãe da menor e a inquirição das testemunhas (residentes nos EUA) por ela arroladas.

10. O Ministério Público considerou que, no caso, se verificava a situação de excepção prevista no artigo 13.º, alínea b), da Convenção de Haia, invocada pelo pai da menor, concluindo no sentido de que se não deveria determinar o regresso da menor ao país da sua residência habitual.

11. Em 09-06-2015 foi proferida decisão que não determinou o regresso da menor à Florida.

12. Pugnando por decisão que determine o regresso da menor aos Estados Unidos da América, a mãe da menor interpôs recurso da decisão proferida, concluindo nas suas alegações:

1. Vem a sentença do tribunal a quo determinar o não regresso da menor à Flórida.
2. A sentença do tribunal a quo enferma de várias nulidades.
3. A acção foi intentada ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980 que tem como finalidade a protecção da criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita e visa estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita.
4. O que deveria ter sido analisado pelo douto tribunal a quo era se a menor deveria estar em Portugal ou não.
5. Ficou amplamente provado que a menor ficou a residir em Portugal sem o consentimento da Progenitora mãe.
6. A Progenitora mãe não teve a oportunidade processual de efectuar cabalmente o contraditório quanto às graves acusações tecidas pelo Progenitor pai, totalmente infundadas e até caluniosas.
7. A sentença do tribunal a quo fundamentou a sua decisão no registo criminal do companheiro da Progenitora mãe, não se tendo preocupado o Tribunal em saber junto das autoridades do outro Estado contratante da Convenção, no caso os EUA, qual é completamente diferente do direito europeu, e como tal que consequências se poderiam daí extrair.
8. Se tivesse sido dada oportunidade processual à Progenitora teriam sido juntos os documentos que comprovam que o companheiro da Progenitora mãe tem a guarda legal dos seus filhos J. e S., sendo este que os leva à escola, ao médico, que presta a assistência necessária para o bem-estar dos menores, exercendo de forma plena todas as responsabilidades parentais.
9. Não poderia o tribunal a quo ter tirado as ilações que tirou, sem ter a Progenitora mãe exercido o direito ao contraditório, tendo no fim o Tribunal baseado a sua decisão em erróneas conclusões sobre as condições do companheiro da Progenitora, não tendo alguma vez colocado em causa a situação moral, sócio económica, ou outra da Progenitora, mas sim do companheiro desta.
10. Ao contrário das testemunhas arroladas pelo Progenitor pai, as testemunhas arroladas pela Progenitora mãe têm conhecimento de facto, conviveram com a menor durante a sua vida em Miami, de cerca de 4 anos, podendo testemunhar o bem-estar quer físico, quer afectivo, quer psicológico, quer sócio económico que a menor vivia com a mãe até ser subtraída pelo Progenitor Pai.
11. As testemunhas arroladas pelo Progenitor pai, conforme se pode comprovar pela gravação áudio, tiveram “conhecimento de ouvir dizer”, não estiveram presentes na vida quotidiana da menor, apenas relatam o que lhes foi transmitido pelo Progenitor pai, não podendo considerar-se portanto, e salvo melhor opinião, testemunhas idóneas.
12. Andou mal o tribunal a quo ao não ter procedido à audição das testemunhas arroladas pela Progenitora mãe para esclarecimento cabal da situação da menor.
13. A sentença da Meritíssima juiz do tribunal a quo levou em linha de conta um mero relatório de uma psicóloga apresentado pelo Progenitor pai e da confiança deste, para justificar a decisão da audição da menor, contudo não pode tal documento ser considerado um verdadeiro “parecer técnico”.
14. É certo que a mãe acedeu, por um período de 20 dias, pois considerou ser benéfico para a menor porquanto aquela estava debilitada e a menor tinha oportunidade de visitar Portugal e conviver com a família do pai.
15. Contudo, o documento que foi junto aos autos mais não é do que uma certificação de tradução de um documento “autorização para viajar para o estrangeiro”, não constando dos autos qualquer documento original, pelo que não se pode sequer averiguar se foi a assinatura da Progenitora reconhecida notarialmente, conforme exige a lei americana.
16. Não foi junto aos autos documento original comprovativo da autorização de saída da menor.
17. Andou mal o tribunal a quo porquanto se os E.U.A. requereram a entrega da menor à Progenitora mãe e à sua residência é porque reconhecem que a Progenitora mãe tem condições para ter a menor consigo, e que não existe qualquer perigo de ordem física ou psíquica para a menor.
18. Se o regresso aos E.U.A representasse algum perigo para a menor, não se percebe como o Progenitor pai, ora Recorrido possa ter deixado a sua filha por diversas vezes entregue aos cuidados da mãe e do companheiro desta.
19. Se efectivamente a Progenitora e/ou o seu companheiro não tinham capacidade para tratar da menor e/ou representassem algum perigo para a sua integridade física ou psíquica, não se entende como o pai deixou a menor entregue aos cuidados da mãe, e do seu companheiro nas várias deslocações que efectuou a Portugal.
20. Assim, não foi efectuada produção de prova que demonstre a excepção constante do artigo 13.º, alínea b) da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, que visa a retenção dos menores.
21. Atente-se ainda no teor do n.º 1 e do n.º4, do artigo 11.º do Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho Relativo à competência e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, aplicável ao caso em concreto: “1. Os n.ºs 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado-Membro uma decisão, baseada na Convenção da Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças (a seguir designada 'Convenção de Haia de 1980'), a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.(…) 4. O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua protecção após o regresso.”5. O tribunal não pode recusar o regresso da criança se a pessoa que o requereu não tiver tido oportunidade de ser ouvida. 6. Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, deve imediatamente enviar, directamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as actas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.” – facto que a Progenitora desconhece.
22. Determina o artigo 13.º da Convenção de Haia que regula esta matéria que, “ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.”
23. Ora, salvo o devido respeito mais uma vez andou mal o tribunal a quo porquanto não foi feita prova pelo Progenitor de que exista qualquer perigo grave de a criança no seu regresso ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer modo ficar numa situação intolerável, como alegou e não demonstrou.
24. Pelo que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada. “A menor quer continuar a viver com o pai”, “A mãe autorizou que a menor viesse com o pai de férias a Portugal”.
25. Não resultou provado que a Progenitora e o seu companheiro se dediquem a actividades criminosas, tráfico ilícito de fármacos, ou que alguma vez o companheiro da Requerida tenha sido condenado por tais crimes, - pelo que naturalmente não existe qualquer perigo para a criança.
26. Se atentarmos no depoimento dócil e inocente da menor, e em pormenores tais como não saber a idade do irmão, em contraposição com a circunstância da menor revelar saber de forma clara e precisa que o companheiro da mãe esteve preso, o que seria difícil a criança saber no contexto da relação que tem com a Progenitora e com o padrasto, se tal não lhe tivesse sido transmitido por terceiros.
27. Dúvidas não podem existir de que a menor não tem a sua vontade esclarecida, estando a ser claramente manipulada.
28. As afirmações da menor mais não podem ser do que ideias e formulações de um discurso recente que lhe foi inúmeras vezes repetido e inculcado na sua convicção de criança que ainda não tem capacidade total de discernimento, e que naturalmente acredita no que o Progenitor com quem convive - e providencia actualmente pela seu cuidado - lhe transmite, acrescido do facto de a menor se encontrar longe fisicamente da mãe.
29. Em face do depoimento da menor estamos, sem margem para dúvidas perante o designado Síndrome de Alienação Parental.
30. A deslocação da menor para Portugal, por um intervalo de tempo superior a 20 dias, é ilegítima e ilícita. Não só pela forma como a mesma foi subtraída, mas mais ainda pela sua retenção em Portugal, consumando-se assim a violação absoluta dos direitos da Progenitora mãe e da menor, por mera vontade unilateral do Progenitor pai.
31. A fundamentação ardilosa apresentada pelo Progenitor pai mais não é do que uma tentativa de justificar a subtracção ilícita da menor à mãe.
32. Razão pela qual, deve ser determinado o regresso imediato da menor a Miami.

13. Em contra alegações o pai da menor pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.

II - Apreciação do recurso.

Os factos:

A sentença recorrida deu como provado o seguinte factualismo:

1- T. e V. casaram um com o outro em Havana, Cuba, em 21.11.2003.
2- A menor C. nasceu em 16.1.2009, em Lisboa, e é filha de T. e de V..
3- Até Agosto de 2010, ambos os progenitores e a menor viviam em Portugal. Ambos os progenitores prestavam cuidados à menor.
4- Em Agosto de 2010, os progenitores e a menor foram viver para a Flórida, E.U.A..
5- Em 2012, os progenitores separaram-se, passando a viver em casas separadas.
6- A progenitora passou a viver com um companheiro, E..
7- A menor frequentava a escola ”S”, em Miami. Em Miami a menor tinha assistência médica gratuita.
8- Após a separação, a menor permanecia com o pai e com a mãe alternadamente em regime flexível acordado entre estes.
9- A menor mantinha relação de afecto com a mãe e mantinha boa relação com E..
10- Em 6.3.2014, V. intentou no Circuit Court In and For Miami-Dade County, Florida, Family Division acção de divórcio contra T. No supra referido processo de divórcio não foi proferida qualquer decisão, sequer provisória, quanto ao exercício das responsabilidades parentais referentes à menor dos autos.
11- A mãe autorizou que a menor viesse com o pai de férias a Portugal.
12- A menor chegou a Portugal em 30.4.2014.
13- A menor tem falado com a mãe através de telefone e via Skype.
14- Após a chegada a Portugal, a menor foi acompanhada pela Senhora Psicóloga, Dra H..
15- A menor é assistida por médica pediatra, Senhora Dra A., e por médica de família, Senhora Dra C..
16- No ano lectivo de 2014/2015 a menor frequenta o estabelecimento de ensino pré primário “J”, sito em Carnaxide.
17- Desde que está em Portugal a menor vive com o pai em casa dos avós paternos.
18- A menor convive com a restante família paterna, tios e primos, habitualmente todas as semanas.
19- A menor é uma criança alegre, doce e tranquila.
20- A menor mantém com o pai forte ligação afectiva e este constitui a referência securizante da menor.
21- A menor quer continuar a viver com o pai.
22- A menor gosta da escola que frequenta onde se sente integrada.
23- Quando chegou a Portugal, a menor falava da mãe com carinho e dizia que gostava da praia de Miami e da água quente do mar. Em data não apurada, ao telefone, a mãe disse à menor que viria buscá-la e, a partir de então, por vezes, a menor recusa-se a falar ao telefone com a mãe.
24- O companheiro da mãe, E. tem registo por crimes de prisão e foi acusado por um crime de agressão agravada (a mulher grávida) e por um crime de prostituição sendo que tais crimes não foram levados a julgamento por o arguido ter prestado trabalho a favor da comunidade.
25- A progenitora foi titular da licença de condução nº . Tal licença de condução foi suspensa pela prática de contravenção estradal e falta de pagamento da multa.

O direito:

Questões submetidas pela Apelante ao conhecimento deste tribunal: (delimitadas pelo teor das conclusões do recurso[2] e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil[3], aplicáveis ex vi dos artigos 33.º, n.º1 e 32, n.º 3, ambos da Lei n.º 141/2015, de 08/09[4]{RGPTC}, com correspondência no artigo 161.º da Organização Tutelar de Menores {OTM])
ð Nulidades (da sentença e processuais)
ð Erro na fixação da matéria de facto
ð Verificação dos pressupostos para o deferimento do regresso da menor aos EUA.

O tribunal a quo, acompanhando o posicionamento do Ministério Público, decidiu no sentido de não determinar o regresso da menor C. aos EUA (país onde residia habitualmente e conforme havia sido inicialmente requerido pelo Ministério Público ao abrigo da Convenção de Haia, de 25-10-1980, sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças), alicerçando-se em raciocínio que, resumidamente, expomos sob as seguintes premissas:

ü- Tendo a menor residência habitual nos EUA (Estado da Florida), há que considerar aplicável o direito vigente nesse Estado, cabendo ao pai e mãe, casados entre si, em conjunto, as responsabilidades parentais;
ü- Inexistindo decisão judicial que, após o divórcio, tivesse atribuído a um dos progenitores, o exercício, em exclusivo, das responsabilidades parentais, nenhum deles pode tomar individualmente a decisão de alterar o lugar de residência da filha, porquanto se trata de questão de particular importância, que apenas pode ser decidida por ambos, ou por um deles com autorização do outro e, em desacordo ou na falta de autorização, por decisão judicial;
ü- Tendo a mãe da menor autorizado a deslocação da filha a Portugal para férias, há que considerar lícita tal deslocação;
ü- Tendo o pai alterado, por sua iniciativa e sem autorização da mãe, a residência da filha, trazendo-a para Portugal, incorreu em comportamento ilícito que, à partida e nos termos do artigo 13.º, da Convenção de Haia de 25-10-1980, determinaria o imediato regresso da menor aos EUA.
ü- A Convenção de Haia ao estabelecer medidas que garantam o regresso imediato da criança ao país da sua residência habitual, pretendendo proteger a criança dos efeitos de uma mudança de residência ou de uma retenção ilícita, tem por subjacente a salvaguarda do interesse superior da criança, interesse esse que se manifesta nas excepções ao regime de recondução para o país da residência habitual, que se encontram consignadas nas alíneas a) e b) do artigo 13.º da Convenção;
ü- Encontrando-se a menor a viver em Portugal, plenamente integrada no meio escolar e familiar, em ambiente afectivo e securizante, não querendo regressar aos EUA, e mostrando-se o pai como figura de referência da mesma, o regresso da mesma a este país poderá causar desequilíbrio afectivo e sofrimento profundo, lesando o seu bem-estar de ordem psíquica;
ü- As características do agregado familiar da mãe, particularmente no que toca às acusações referentes ao companheiro desta, que colocam em causa as capacidades educativas de uma criança, criam reserva, porquanto o regresso aos EUA poderia colocar em perigo o desenvolvimento são e harmonioso da criança.
      
A mãe da menor insurge-se quanto à decisão focalizando a sua discordância nos seguintes aspectos:

1. Cometimento de nulidades processuais com influência no exame e decisão da causa:

a) violação do contraditório (falta de oportunidade processual para contraditar as graves acusações que lhe foram dirigidas pelo Requerido: não audição da Requerente; impossibilidade de juntar prova documental no sentido de demonstrar que o companheiro tem a guarda legal dos respectivos dois filhos; não audição das testemunhas arroladas conhecedoras directas da vivência da menor nos EUA);
b)  inadequação do meio de prova que justificou a audição do menor e ausência de formalidade essencial na respectiva tomada de declarações;
c)  não realização de perícia psicológica à menor;  

2. Erro na fixação da matéria de facto (retirar-se dos factos provados os elencados nos n.ºs 11, 21; desvalorizar o depoimento da menor por resultar do mesmo que se mostra adulterado pela influência dos adultos com quem convive, revelando estar-se perante o síndrome de alienação parental, que deveria ter sido detectado por exame psicológico isento da menor);

3. Não se mostrarem verificados os pressupostos justificativos da retenção da menor em Portugal (ilicitude da deslocação da menor a Portugal por inexistência de consentimento válido por parte da mãe e por estar em causa um acto premeditado do pai; não ter sido feita prova pelo progenitor da menor de que exista qualquer perigo grave de a criança regressar à sua residência; ocorrerem graves consequências ao nível da formação da sua personalidade e da auto-estima da menor face a uma injustificada subtracção da mesma aos cuidados e convívio da mãe).

1.Das nulidades.

1.1 Da sentença:

Sem concretizar o tipo de vício a que se quer referir, a Recorrente considera a decisão recorrida nula entendendo que o tribunal a quo, ao invés do que lhe competia - analisar apenas a questão da (i)legalidade da permanência da menor em Portugal -, “prendeu-se com questões que são do âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais”.
Mostra-se legítimo inferir que a Apelante tem em vista a nulidade da sentença prevista no artigo no artigo 615.º, n.º1, alínea d), in fine, do CPC (O juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
Conforme se evidencia do teor da decisão proferida, o tribunal a quo, por forma a proceder à análise da questão que se lhe impunha decidir ao abrigo da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças - determinar o regresso da menor à Florida e fazer respeitar os direitos de guarda aplicáveis – não podia deixar de analisar juridicamente a situação da menor em Portugal aos cuidados do pai, à luz das orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais[5], analisando e apreciando todos os factores relevantes de forma a acautelar os superiores interesses da criança, como aliás, decorre dos poderes inerentes aos princípios específicos dos processos de jurisdição voluntária[6] – cfr. artigo 986.º, n.º2, do CPC.
Não se mostram, pois, extravasados os poderes de cognição do tribunal, não padecendo a decisão da nulidade apontada.       

1.2 Do processo.

Neste âmbito a Recorrente fixa-se em dois aspectos: violação do contraditório e inadequação dos meios de prova utilizados.

1.2.1 – Da violação do princípio do contraditório.

Defende a Recorrente que lhe foi cerceada a oportunidade processual de contraditar as graves acusações que lhe foram dirigidas pelo Requerido e de demonstrar a sua idoneidade enquanto mãe e a idoneidade do respectivo ambiente familiar, confinando tal limitação processual em duas situações:

- por não ter sido ouvida nos autos;
- por não ter podido produzir prova documental e testemunhal.

Constitui aspecto incontornável que o princípio do contraditório se configura como um dos princípios estruturantes do processo civil e que da sua efectiva aplicação deve resultar a igualdade de tratamento dos litigantes.

Na verdade, na exacta medida da sua relevância, vem sendo tradicionalmente consagrado na lei o dever de o tribunal não poder resolver o conflito de interesses posto à sua apreciação por uma das partes, sem que a outra seja chamada a formular a sua oposição, querendo, em termos tais, que a actividade desenvolvida por uma das partes possa ser sempre controlada pelo respectivo oponente, permitindo uma interacção propícia à melhor realização da Justiça - artigo 3.º, n.º 1, do CPC.

A garantia do contraditório no âmbito processual, reconduzida à não proibição ou limitação do direito de defesa da parte perante o órgão judicial junto do qual se discute questão que lhe diga respeito, enquanto decorrência de um processo equitativo, mostra-se reflectida em diversos preceitos e concretiza-se, na sua essencialidade, no decurso do processo, na garantia de uma discussão dialéctica entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo[7]e tem vindo a ser objecto de uma concepção mais ampla de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o processo por forma a nele poderem influir em todos os seus elementos – factos, provas[8], questões de direito[9] - e que se encontra plasmada no CPC no n.º 3 do artigo 3.º (O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem).

E se não há dúvida de que o contraditório constitui princípio inderrogável por traduzir o direito fundamental das partes a um processo equitativo num estado de direito democrático, há que coadunar adequadamente a sua concretização com os princípios específicos dos procedimentos do domínio da jurisdição voluntária[10], sempre que o postulado que norteia e fundamenta a intervenção do tribunal seja o superior interesse da criança, onde não se discutem os direitos disponíveis dos progenitores.

No caso sob apreciação está em causa procedimento desencadeado pelo Ministério Público ao abrigo da Convenção de Haia sobre os aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, destinado a exigir o regresso da menor aos EUA face à deslocação e retenção ilícitas da mesma em Portugal.

Entende a Recorrente que não teve oportunidade de ser ouvida e de produzir prova documental e testemunhal no âmbito do processo.

No que toca à pretensão em ser ouvida, a Apelante, segundo interpretamos o respectivo posicionamento, reporta-se ao facto do tribunal a quo ter indeferido o (seu) pedido para lhe serem tomadas declarações (despacho de 29-05-2015, fls. 854/855 dos autos).

Realce-se que, quanto às possibilidades/oportunidadeds de intervenção da Apelante nos autos, evidenciam os mesmos que no decurso do processo foi dado conhecimento à Progenitora dos respectivos trâmites, sendo que a mesma teve a sua primeira intervenção processual em 26 de Março de 2015 (o início do processo data de 04-03-2015), através da junção de procuração forense com poderes especiais e, no decurso do processo, foi tendo várias intervenções com junção de documentação, sendo que, até 12-05-2015, nunca havia arrolou testemunhas nem requererido a sua audição.

Constata-se dos autos que, tendo sido designado o dia 22-05-2015 (por despacho de 5.5.2015) para audição da menor e realização de tentativa de conciliação e eventual audição de duas testemunhas que haviam sido arroladas pelo progenitor, a Apelante, por requerimento de 12-05-2015, veio pedir para que, por videoconferência, se procedesse à sua audição e à inquirição de diversas testemunhas (8) residentes nos EUA. 
           
Por despacho de fls. 854/855, de 29-5-2015 e após audição da menor, das duas testemunhas arroladas pelo progenitor e de uma das testemunhas arroladas pela aqui Apelante (residente em Portugal), foi indeferida a pretensão de produção dos restantes meios de prova visados por esta (declarações da mesma e inquirição das restantes testemunhas, todas residentes nos EUA) com fundamento em se mostrarem desnecessárias  por:

-a Requerente já ter tido oportunidade de, nos autos, alegar a sua situação;
-a prova constante dos autos (e no que toca às audição das testemunhas) se mostrar suficiente;
-a respectiva inquirição constituir diligência que não se compadecia com a necessária tramitação célere do processo.

Ainda que se ultrapasse as questões formais referentes à falta de cumprimento, pela Apelante, de regras processuais cuja observância assume também justificação no âmbito da jurisdição voluntária (cumprimento do n.º2 do artigo 452.º do CPC ex vi do artigo 466.º, do mesmo Código, quanto à tomada das declarações; não interposição do recurso que indeferiu as diligências de prova nos termos do artigo 644.º, n.º2, alínea d), do CPC), carece a mesma de razão quanto ao que defende.

Conforme se mostra apontado pelo tribunal a quo no despacho de indeferimento dos meios de prova requeridos pela Progenitora, ao longo do processo (desde logo por ter tido a iniciativa de despoletar o procedimento tendente a obter o regresso da menor aos EUA), a mesma teve oportunidade (inicial e subsquentemente, como demonstram os autos) de alegar, informar e defender a sua posição[11], tendo, aliás, junto elementos documentais que no seu entendimento considerou pertinentes[12]. Nesse sentido, a sua audição nada poderia acrescentar ao que já constava do processo (sendo que a Requerente também não informou, como já salientado, sobre a factualidade/matéria a que pretendia ser ouvida). Acresce que tal diligência, nos termos em que foi requerida (a menos de dez dias da data fixada para a produção da prova testemunhal), de modo algum era coadunável com as exigências de um procedimento expedito inerente ao processo em causa.

No mesmo sentido se enquadra o requerimento de produção de prova testemunhal que, a ser deferido, teria como consequência impedir uma resposta célere ao pedido de entrega da menor, tanto mais que o tribunal a quo entendeu que a prova produzida no processo mostrava desnecessária a produção de outros meios de prova, isto é, da prova testemunhal pretendida.                             

1.2.2 Da inadequação dos meios de prova utilizados e da ausência de perícia.

Defende a Apelante que o tribunal levou em conta para audição da menor o parecer ínsito num relatório de psicóloga da iniciativa do progenitor, sem ter realizado prova pericial efectuada por psicólogo isento nomeado pelo tribunal.Trata-se de questão impropriamente considerada pela Recorrente como nulidade processual, por não estar em causa qualquer violação de regras de procedimento, designadamente omissão de formalidade que a lei imponha para o acto, antes do âmbito da eventual violação das regras de direito probatório que, todavia, se adianta, não ser o caso.

Conforme referenciado, a lei não impõe qualquer formalidade para a audição do menor.

O direito da criança em ser ouvida no âmbito dos processos judiciais em que sejam tomadas decisões atinentes ao seu futuro constitui um princípio que, de modo algum, se assume incontroverso, não tanto no que toca ao reconhecimento legal de um direito de participação da criança nas decisões que lhe dizem respeito[13], mas quanto às formas da sua concretização.

E se é certo que seria desejável que, normativamente, fossem adoptados critérios uniformes relativamente aos pressupostos e metodologia necessários ao exercício do direito de audição da criança (capacidade, definição de um patamar etário mínimo, circunstâncias que devem determinar o tribunal a recusar a audição do menor, entidade responsável pela audição, lugar e método de audição, possibilidade da criança se fazer acompanhar por pessoa da sua confiança, forma de registo das declarações da criança, entre outros), tais procedimentos são levados a cabo casuisticamente[14].

Com efeito, fora das situações em que a lei considera obrigatória a audição do menor[15], é a prática judiciária que assegura, no âmbito do poder discricionário que é atribuído ao julgador, a necessidade de fazer funcionar esse direito, concedendo (ou não) à criança a oportunidade de expressar as suas opiniões, tendo em conta a respectiva maturidade e capacidade de compreensão e expressão dos seus interesses. Igualmente é ao juiz que cabe, em cada situação, decidir a forma que considera adequada para realização dessa diligência[16]

Pertencendo o processo em causa ao âmbito da jurisdição voluntária, onde predominam os princípios do inquisitório, da equidade, da conveniência e da oportunidade, podia o tribunal a quo ordenar as diligências que, no seu critério e tendo por subjacente as finalidades do processo, se mostrassem convenientes.

Nesta ampla margem de manobra, tendo presente os fins que, de forma célere, se lhe impunha acautelar – o supremo interesse da criança -, mostra total cabimento, face aos elementos constantes do processo, que o tribunal a quo, socorrendo-se de um meio probatório documental junto aos autos[17] (perante o qual a Recorrente teve oportunidade de se pronunciar), e nada existindo no processo que o infirmasse ou que pudesse colocar em dúvida a seriedade das observações técnicas nele produzidas, optasse por ouvir a menor, audição levada a cabo em condições que não contrariam os princípios que, nestes casos, deverão estar por subjacentes por forma a que das respectivas declarações se possa captar a efectiva opinião da criança.

Assim sendo, porque neste âmbito o tribunal não se encontra sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar, em cada caso, pela solução que julgue mais conveniente e oportuna, há que concluir que não só a audição da menor nos termos levados a cabo se mostra adequada e não contraria qualquer regra do direito probatório, como se revelaria de todo inadequada, atenta a urgência do processo, a realização de uma perícia oficiosa para efeitos de avaliação da condição psicológica da menor.

2. Do erro na fixação da matéria de facto.

Discordando do julgamento da matéria de facto a parte pode impugná-la em recurso com observância dos ónus impostos no artigo 640.º, do CPC, aplicáveis também nos processos de jurisdição voluntária (especificação dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados; indicação dos concretos meios probatórios {ou registo de gravação} constantes do processo que impunham decisão diversa e da decisão de facto que deveria ser proferida face aos meios probatórios invocados).

Nas conclusões do recurso (n.º 24)[18] a Apelante limita-se a pugnar pela alteração da matéria dada como provada na decisão recorrida sob os n.ºs 11 (A mãe autorizou que a menor viesse com o pai de férias a Portugal) e 21 (A menor quer continuar a viver com o pai), sem indicar os elementos de prova em que sustenta o seu entendimento, omitindo, nessa medida, um dos requisitos exigidos na lei para que se possa conhecer da sua pretensão.

O desígnio que a lei quis atribuir às conclusões do recurso (plasmado no disposto no n.º1 do artigo 639.º, do CPC, nos termos do qual “O recorrente deve apresentar na sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”) leva a considerar que nelas se deva fazer constar, de modo conciso, as especificações legais relativas à impugnação da matéria de facto fixada pela 1ª instância (traduzidas na menção concreta dos pontos de facto que merecem discordância e dos meios probatórios que impunham decisão diversa), por estarem em causa elementos necessários à delimitação do objecto do recurso e, por consequência, também, aos poderes de apreciação do tribunal de recurso (embora o seu desenvolvimento expositivo e argumentativo assuma lugar próprio no corpo das alegações).

Temos vindo a defender que a mera deficiência na explicitação e concretização das especificações inerentes à impugnação da matéria de facto não constituirá questão formal inultrapassável, que justifique, por si só, a rejeição do recurso, sempre que o recorrente tenha destacado, no corpo das alegações, de forma suficiente e perceptível para o tribunal de recurso e para a contraparte, o objecto e o fundamento do seu desacordo relativamente à decisão fáctica da 1ª instância e tenha cumprido os restantes requisitos legais que a lei lhe impõe – cfr. alínea a) do n.º2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.

No caso sob apreciação, a Apelante, no corpo das alegações, alude, ainda que de forma algo dispersa, aos elementos probatórios que, em seu entender, determinariam conclusão diferente da encontrada pelo tribunal a quo. Nesse sentido entendemos que, relativamente a tal factualidade, se mostram minimamente cumpridas as prescrições legais que se lhe impunham por forma a não ver comprometido o conhecimento do recurso.

Vejamos.

No que se refere à matéria dada como provada sob o n.º 21 (A menor quer continuar a viver com o pai), a Apelante, transcrevendo excerto das declarações prestadas pela menor, considera que do respectivo teor (nas referências negativas que fez relativamente a Miami, à mãe e também ao companheiro desta) se evidencia que a vontade da mesma não se mostra esclarecida porque manipulada pelos adultos com quem neste momento convive, concluindo no sentido de se estar perante uma situação de alienação parental.

Na análise ao depoimento e na importância do mesmo na formação da convicção do julgador cabe salientar que o tribunal a quo não fundamentou a sua decisão de não determinar o regresso aos EUA na oposição da menor[19]. Por outro lado, a factualidade provada em causa não se fundamenta apenas nas declarações da menor, como claramente resulta explicitado do despacho de fundamentação, mas em outros meios de prova que corroboraram o referido depoimento (relatório de avaliação psicológica e nos depoimentos das testemunhas S e M)[20]. Diga-se ainda que pela forma como foram tomadas as declarações à menor[21] – através do contacto directo com a criança, em absoluto respeito pelo princípio da imediação – e não podendo o tribunal ser alheio ao facto de existir uma reconhecida tendência da criança poder ser influenciada pelo progenitor com quem se encontrar a residir, sempre se imporia desconsiderar a posição da menor se tivesse sido percepcionado que a preferência da criança era produto de manipulação efectuada sobre a mesma. Tal, porém, não foi o caso.

Cabe pois manter a matéria de facto nos termos consignados na sentença.
   
Relativamente ao facto consignado em 11 (A mãe autorizou que a menor viesse com o pai de férias a Portugal) refere a Recorrente que, não obstante ter dado o seu consentimento para que a filha se deslocasse a Portugal com o pai, não se encontra junto aos autos o original do documento contendo tal autorização, nem tão pouco o reconhecimento notarial da sua assinatura. Verifica-se assim não estar em causa qualquer discordância quanto à veracidade da factualidade dada como provada, mas a invocação de aspectos de ordem meramente formal quanto a documento junto aos autos e, no caso, sem qualquer relevância na demonstração do facto apurado.

Improcedem, por isso, também nesta parte, as conclusões do recurso.

3.Dos pressupostos para a não determinação do regresso da menor.
 
A apreciação do presente processo, destinado a exigir o regresso da menor C. aos EUA com fundamento em deslocação e retenção ilícitas em Portugal por parte do progenitor, incluído no âmbito da jurisdição voluntária,[22] realiza-se segundo as regras específicas constantes da Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (aprovada pelo Decreto n.º 33/83, de 11-05), igualmente aplicável aos Estados Unidos da América enquanto Estado Contratante.

A Convenção, que tem como objectivos assegurar o retorno imediato das crianças ilicitamente transferidas para outro Estado ou neles retidas indevidamente, e fazer respeitar, nos Estados contratantes, os direitos de guarda e de visita neles existentes – cfr. alíneas a e b) do artigo 1.º - , tem por subjacente dois postulados:

-a subtração ilícita gera uma ruptura negativa na vida da criança;
-as autoridades do país da residência habitual da criança são as que, em princípio, se encontram em condição mais favorável para decidir sobre a guarda e o local de residência da menor.

Nesse sentido, considera ilícita a deslocação ou retenção do menor (artigo 3.º) nas situações em que:

a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção;
b) esse direito estivesse a ser exercido de maneira efectiva, individual ou conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

Decorre do preceituado nos artigos 12.º e 13.º, alínea b), da Convenção, que nas situações em que seja verificada a ilicitude da deslocação ou retenção e tenha decorrido um prazo inferior a um ano entre tal deslocação ou retenção e o início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante, deverá ordenar-se o regresso imediato da criança, excepto nos casos em que se considere existir grave risco de a criança, no retorno ao país da sua residência habitual, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. Acresce que constitui igualmente condição para travar o regresso imediato a oposição da criança a tal, desde que tenha atingido idade e o grau de maturidade necessários para avaliar e emitir opinião sobre a questão.

Esta excepção ao imperativo da ordem de regresso exige que seja feito um juízo avaliativo de conformidade entre o regresso da criança e o seu interesse, ou mesmo com a sua vontade (desde que a sua idade e maturidade justifique que se tenha em conta a sua opinião), sendo que esta se terá de fundamentar na salvaguarda do seu interesse que, como vimos, constitui “a trave mestra” da Convenção.

No caso em apreciação, o tribunal a quo entendeu aplicar este regime de excepção[23], indeferindo o pedido de regresso da menor, considerando que o progenitor havia demonstrado ocorrer perigo para a menor caso a mesma regressasse ao país da sua residência habitual (EUA - Florida), quer porque lhe iria provocar desiquilibrio afectivo e sofrimento profundo, lesando o seu bem-estar de ordem psíquica, quer pela preocupação que causa o agregado familiar da progenitora (relativamente ao companheiro da mesma – em face do provado em 24) em termos de capacidade educativa, tendo em linha de conta que o companheiro da progenitora havia sido acusado de prostituição e de agressão a mulher grávida.

Perante a narrativa fáctica que resulta demonstrada nos autos não podemos deixar de concordar com o entendimento vertido na decisão recorrida.

Com efeito, resulta provado que a menor, chegada a Portugal em 30.4.2014, passou a viver com o pai em casa dos avós paternos, convivendo, habitualmente todas as semanas, com a restante família paterna (tios e primos). Encontra-se também demonstrado que a menor frequenta a escola onde gosta de estar e se sente integrada (no ano lectivo 2014/2015, o estabelecimento de ensino pré primário “J”, sito em Carnaxide); que se encontra a ser acompanhada por Psicóloga, médica de Família e Pediatra. Ficou apurado que a C. é uma criança alegre, doce e tranquila, mantendo com o pai uma forte ligação afectiva, constituindo este a sua referência securizante. Mais se apurou que a menor quer continuar a viver com o pai e que, ao tomar conhecimento, pela mãe (telefonicamente), de que esta a viria buscar, passou, por vezes, a recusar falar ao telefone com aquela.

Este circunstancialismo fáctico (que a Recorrente coloca em causa no recurso por o considerar “ardilosamente” construído pelo progenitor, mas que não logrou desmontar) evidencia que, efectivamente, o ambiente de estabilidade emocional e psicológica que a menor disfruta em Portugal (onde permanece há mais de um ano), e que se revela fundamental para o seu desenvolvimento harmonioso, iria ser colocado em causa com o seu regresso imediato aos EUA.

Por outro lado e sendo ainda de assumir relevância, no caso, a oposição da menor ao seu regresso à Florida (conforme supra referido, nada nos autos permite inferir quanto à existência de vício de vontade da menor por síndrome de alienação parental), importará igualmente ter em conta as reservas que, com muita pertinência, foram invocadas pelo tribunal recorrido quanto à adequação do ambiente educativo em que a menor seria acolhida perante a circunstância do companheiro da mãe (E.) ter registo por crimes de prisão e ter sido acusado por um crime de agressão agravada (a mulher grávida) e por um crime de prostituição (ainda que tais crimes não tenham sido levados a julgamento por o arguido ter prestado trabalho a favor da comunidade).

As razões apresentadas pela Recorrente contra a decisão proferida, assentes na ausência de ponderação de elementos respeitantes à condição moral, social e económica da progenitora e na alegação de artifício construído pelo progenitor quanto à matéria fáctica dada como provada, não assumem, como vimos, consistência por forma a colocar em causa a adequação e a seriedade dos procedimentos levados a cabo pelo tribunal a quo nas diligências realizadas e no juízo probatório proferido.

Consequentemente, não pode deixar de soçobrar o posicionamento da Apelante, sendo, por isso, de manter a decisão proferida.

III – Decisão:

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Sem custas – artigo 26.º, da Convenção e artigo 4.º, n.º2, alínea f), do Regulamento das Custas Judiciais.


Lisboa, 17 de Novembro de 2015


Graça Amaral
Orlando Nascimento
Alziro Cardoso

[1]Oito testemunhas residentes na Florida. 
[2]Por se estar no âmbito da jurisdição voluntária, embora nas questões a decidir o tribunal tenha um amplo poder de conhecimento oficioso, encontra-se sempre restringido à delimitação dada pelo respectivo objecto da apelação por se entender que não se mostra legítimo desvios não previstos às regras vigentes no âmbito dos recursos – cfr. nesse sentido Acórdão do STJ de 05-11-2009, processo n.º 1735/06 OTMPRT.S1, acessível através das Bases Documentais do IGFEJ. 
[3]Doravante sob a nomenclatura CPC.
[4]A Lei n.º 141/2015, de 08/09, aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), tendo entrado em vigor a 8 de Outubro (de acordo com o seu artigo 5.º, aplica-se aos processos em curso à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos actos praticados na vigência da lei anterior) revogando o DL n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM).
[5]Contrariamente ao que a Apelante refere, a decisão sob censura, na esteira do que tem vindo a ser o posicionamento incontroverso da jurisprudência (de que o processo destinado ao regresso do menor com fundamento em rapto disciplinado na Convenção de Haia, de 1980, visa, unicamente, obter tal regresso sempre que apurada a ilicitude da deslocação ou retenção, não lhe cabendo discutir o regime do exercício das responsabilidades parentais, que terá de ser averiguado em sede própria – cfr. Acórdão do STJ de 09-10-2003, processo n.º 03B2507, acessível através das Bases Documentais do IGFEJ), não procedeu à análise nem colocou em questão a problemática do regime do exercício das responsabilidades parentais da menor (que, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, se encontra a ser discutido no âmbito de processo próprio para o efeito), tendo-se limitado a indagar, como se lhe impunha, qual o regime vigente quanto ao exercício das responsabilidades parentais no momento da deslocação da menor por forma a avaliar da (i)licitude da deslocação ou da retenção (esta noção assenta, precisamente, na violação do regime vigente relativamente ao exercício das responsabilidades parentais).    
[6]São processos organicamente jurisdicionais em que a finalidade da actividade do tribunal é sempre a de actuar, de forma activa, na prossecução do interesse da criança em causa.  
Mostra-se pacificamente aceite na jurisprudência que nos processos destinados a exigir o regresso da criança com fundamento em deslocação ou retenção ilícita, incluídos no âmbito da jurisdição voluntária (artigo 12.º, do RGPTC, artigo 150.º, da OTM), são aplicáveis regras e princípios específicos, diferentes da jurisdição contenciosa – cfr. entre outros Acórdão do STJ de 24-06-2010, Processo n.º 622/07.9TMBRG.G1.S1, acessível através das Bases Documentais do IGFEJ.
[7]Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, 2004.
[8]No que se refere ao aspecto específico da produção de prova, preceitua o artigo 415.º, do CPC, que salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência da parte a quem hajam de ser opostas.
[9]O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo” – J. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, 1996, pág. 96, citado por Lopes do Rego, obra citada.     
[10]Conforme faz salientar Maria dos Prazeres Beleza “na jurisdição voluntária não se espera do tribunal que resolva imparcialmente e segundo o direito pré-existente conflitos de interesses colocados em pé de igualdade; pretende-se, diferentemente, que controle o modo concreto de prossecução do interesse colocado a seu cargo – neste sentido, parcialmente -, subordinando os demais interesses envolvidos à defesa daquele que lhe cabe tutelar.” – JURISPRUDÊNCIA SOBRE RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS, Revista Julgar n.º 24, Coimbra Editora, pág. 69.    
[11]Realce-se que o progenitor, em 25.3.2015, prestou declarações no processo, sendo que após tal audição a progenitora juntou, em 26.3.2015, procuração com poderes especiais e também documentação.  
[12]Carece por isso de cabimento que, em alegações de recurso, venha referir da impossibilidade de não ter tido oportunidade de juntar documentos “que comprovem que o companheiro da Progenitora mãe tem a guarda legal dos seus filhos J e S (…) exercendo de forma plena todas as responsabilidades parentais.”. 
[13]A ordem jurídica alterou o paradigma passando a conceber a criança como sujeito de direitos, substituindo o tradicional que a encarava como objecto dos direitos dos adultos. Historicamente, o instrumento internacional que consagrou, pela primeira vez, expressamente, a temática da audição do menor foi em 1980, precisamente a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional, que entrou em vigor no nosso país em 1-12-1983 – cfr. artigo 13.º, da Convenção, que consignou a recusa da criança como um fundamento independente para a decisão judicial de oposição ao regresso.    
[14]Ainda que as práticas judiciárias variem, tem vindo a ser instituído um conjunto de linhas orientadoras, que assumirão ou não aplicação em função da situação específica de cada caso: definição de um patamar etário para audição do menor (que tem vindo a ser entendido a partir dos 8 anos, sem prejuízo de crianças mais novas terem oportunidade de expressar as suas opiniões, atendendo à respectiva maturidade e capacidade de compreensão e expressão dos seus interesses); serem os menores ouvidos directamente pelo juiz (ainda que numa fase prévia de tal procedimento as crianças possam ser avaliadas por um psicólogo ou técnico da segurança social) e num ambiente informal (utilizando-se linguagem simples e adaptada à maturidade de cada criança em concreto) e, sempre que solicitado, com o direito de serem acompanhadas por pessoa da sua confiança, mas não na presença dos pais (embora estes devam ser informados do teor das respectivas declarações, cabendo proceder ao respectivo registo das mesmas).  
[15]Cfr. artigos 1901.º, n.º3 do Código Civil,  4.º, n.º1, alínea c) da Lei 141/2015 de 08-09 e artigo 84.º, da LPCJP.
[16]Não sendo obrigatória que a audição da menor se realize na presença de psicólogo. 
[17]Relatório de psicóloga que vem acompanhando a criança e que assegura das capacidades afectivas e de maturidade da menor para ser ouvida sobre a questão, qualidades que, de algum modo, sempre serão depois percepcionadas pelo contacto directo entre a criança e o juiz perante quem presta declarações.
[18]Embora a Apelante tenha referido no corpo das alegações que o tribunal deveria ter dado como provado que “Após a separação a menor permanecia com o pai e com a mãe alternadamente em regime flexível e acordado entre estes” e que “a menor mantinha relação de afecto com a mãe e mantinha boa relação com E”, questionando ainda da relevância para o processo da factualidade dada como provada sob o n.º 25 (A progenitora foi titular da licença de condução n.º . Tal licença de condução foi suspensa pela prática de contravenção estradal e falta de pagamento de multas.), não levou estas matérias às conclusões das alegações deixando-as, por isso, cair do objecto do recurso e, por conseguinte, da apreciação deste tribunal.
[19]De acordo com o 2.º parágrafo do artigo 13.º da Convenção “A autoridade judicial ou pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.”.
[20]Nesse sentido consta da sentença “No que toca aos art. 20º a 23º atendeu-se a uma apreciação critica e conjunta o relatório de avaliação escolar, do relatório de avaliação psicológica, do depoimento da menor e dos depoimentos das testemunhas de nomes S e M  firmes e isentos. Do teor dos supra referidos relatórios decorre que a menor mantém forte ligação afectiva com o pai, que está bem integrada em Portugal, na família paterna e na escola. A menor alegou, no seu depoimento, querer ficar em Portugal e com o pai. A menor disse à Senhora Psicóloga, à tia e à testemunha de nome S que quer ficar em Portugal com o pai. No seu depoimento, a menor fez referências negativas à mãe e a Miami. A testemunha de nome A afirmou que nunca a menor lhe disse que não gostava da mãe nem que esta a tratava mal. E, a testemunha de nome Sofia Loureiro, afirmou que, quando chegou a Portugal, a menor falava da mãe com carinho e gabava as praias de Miami. Mais afirmou esta testemunha que, recentemente, a menor lhe relatou que a mãe lhe disse que viria buscá-la a Portugal para levá-la para Miami mas que não queria ir. Afirmou ainda tal testemunha que e que, após tal facto, a menor nem sempre quer falar com a mãe. Ora, esta situação referida por esta última testemunha explica as referências negativas que, no seu depoimento, a menor fez à mãe e a Miami. Por fim, entende este tribunal que a menor não estaria serena e tranquila, como o relatório escolar afirma que está, se estivesse privada da sua figura de referência.”.
[21]Designadamente pelo teor das perguntas que lhe foram feitas e pelo encadeamento das mesmas.
[22]Que, conforme já realçado, se pauta pela aplicação de regras e princípios específicos diferentes dos da jurisdição contenciosa pois que, conforme já sublinhado, “não se espera do tribunal que resolva imparcialmente e segundo o direito pré-existente conflitos de interesses colocados em pé de igualdade; pretende-se, diferentemente, que controle o modo concreto de prossecução do interesse colocado a seu cargo – neste sentido, parcialmente -, subordinando os demais interesses envolvidos à defesa daquele que lhe cabe tutelar. (…). No caso dos processos relativos ao exercício das responsabilidades parentais, como se sabe, é o superior interesse da criança que norteia e fundamenta a intervenção do tribunal (…) Esta prevalência não implica de forma alguma a desconsideração dos interesses dos progenitores; mas significa a respectiva subordinação ao interesse da criança e a indisponibilidade dos direitos e deveres de que são titulares, que o tribunal deve ter em conta quando regula directamente ou homologa regimes de exercício das responsabilidades parentais, ou quando decide questões relacionadas com esse exercício – como é o caso das que ao rapto se referem.” – A JURISRPUDÊNCIA SOBRE RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS, Maria dos Prazeres Beleza, Revista JULGAR, n.º 24, 2014, pág. 69.
[23]Embora a decisão tenha considerado que a deslocação da menor a Portugal se mostra lícita (em face da autorização concedida pela mãe para a filha passar férias), concluiu que a permanência da mesma no país era ilícita, por estar em causa uma decisão (unilateral) do progenitor que carecia de autorização da mãe para esse efeito (autorizar a mudança de residência da menor), por consubstanciar decisão de particular importância.