Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
728/12.2TYLSB-G.L1-6
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O prazo previsto no art. 146º, nº2, b) do CIRE dever-se-á considerar um prazo processual e não um prazo substantivo.
- O desconhecimento do direito de crédito pelo requerente não configura um evento não imputável à parte susceptível de configurar justo impedimento para a prática do acto processual (reclamação de créditos).
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório:
O Ministério Público veio, por apenso aos autos de insolvência de A, deduzir acção para verificação ulterior de créditos contra “ Massa Insolvente de A”, credores da massa insolvente e A, alegando:
- O prazo para a reclamação do presente crédito, nos termos do art. 146º, nº2, b), parte final do CIRE, expirou em 08.08.2015;
- A notificação da conta de custas cuja cópia ora se junta e serve de suporte à presente reclamação, relativa ao processo nº 5172/12.9YYLSB-A, que corre termos na Comarca de Lisboa, Instância Central- 1ª Secção de Execução- J2, foi junta ao processo de insolvência, em 24.04.2015, pela Srª Administradora de Insolvência;
- Apenas nesta data, em 13/10/2015, no âmbito da intervenção no apenso de prestação de contas, teve o Ministério Público conhecimento da sua existência;
- Tal circunstância, não imputável ao ora requerente, impediu a prática atempada do acto a que se destinava, ou seja, a propositura da presente reclamação, constituindo, assim, justo impedimento que se invoca;
- O crédito reclamado perfaz o montante de €612 ( correspondente ao montante das custas da responsabilidade da insolvente no processo 5172/12.9YYLSB-A - 1ª Secção de Execução- J2);
- Apenas por meio desta acção podem ser os créditos reclamados, uma vez que já decorreu o prazo fixado para o efeito na sentença que declarou a insolvência da requerida.
Concluiu, requerendo que a presente acção seja considerada procedente e, consequentemente, os créditos reclamado sejam reconhecidos e graduados no lugar que lhes competir.
Em 01.04.2016 a Exmª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
« Vem o Ministério Público, por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de A , intentar a presente acção comum pedindo a verificação ulterior do crédito no montante de €612,00, referente a custas em dívida no processo nº 5172/12.9YYLSB-A da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1º Secção de Execução, J2.
Fê-lo por requerimento de 13.10.2015, já depois de decorrido o prazo previsto no art. 146 nº2 al. b) do CIRE para pedir a verificação ulterior do crédito (que expirou em 8.08.2015), invocando justo impedimento.
Alega em síntese que a conta de custas que serve de fundamento para o pedido de verificação do crédito foi junta pela Sra. Administradora da insolvência ao processo de insolvência em 24.04.2015, mas que só em 13.10.2015 o Ministério Público teve incidentalmente conhecimento da sua existência, no âmbito da sua intervenção no apenso de prestação de contas. Circunstância que não lhe é imputável e que impediu a prática atempada do acto.
A questão que se coloca nesta sede é precisamente, a da caducidade do direito à acção, e a apreciação do impedimento invocado pelo A.
Considera-se justo impedimento, de acordo com o disposto no art. 140 nº1 do CPC, o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Ora, no caso não ocorreu qualquer evento que obstasse à prática atempada do acto. Tão só o desconhecimento por parte do A., antes do termo do prazo legalmente para pedir a sua verificação ulterior, da existência do invocado crédito sobre a insolvente. O que porventura terá ficado a dever-se a falta de comunicação, circunstância que, contudo, não constitui um evento que obste à prática atempada do acto enquadrável na figura do justo impedimento tal como definido no citado art. 140 nº1 do CPC.
Pelo que, tudo visto e ponderado, por ter sido intentada já depois do termo do prazo previsto no art. 146 nº2, al. b) do CIRE para o efeito, sendo manifesta a caducidade do direito à acção, ao abrigo do disposto no art. 590 nº1 do CPC indefere-se liminarmente a petição inicial.
Sem custas.»
O Ministério Público recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
1º - O Ministério Público intentou acção comum, por apenso ao processo de insolvência, nos termos do art.º 146.º do CIRE, para reconhecimento e graduação do crédito de custas judiciais, no próprio dia em que, incidentalmente, teve conhecimento da comunicação do crédito pela Sr.ª Administradora de Insolvência existente nos autos principais;
2º - Alegou o decurso do prazo de caducidade do direito à acção e invocou justo impedimento;
3º - A ocorrência do obstáculo – desconhecimento do crédito em causa – que impediu a prática atempada do acto não é devida a culpa negligência ou imprevidência da parte do requerente na acção;
4º - Nestas circunstâncias, o requerente pode beneficiar, nos termos do disposto nos art.ºs 139.º, n.ºs 3 e 4, e 140.º, n.º 1, do CPC, da excepcionalidade do conceito de justo impedimento e, consequentemente, a acção intentada, ainda que fora do prazo legalmente previsto, haverá que ser considerada tempestiva;
5º - O despacho impugnado violou as disposições constantes dos art.ºs 146.º, n.º 2, al. b), do CIRE, e art.ºs 139.º, n.ºs 3 e 4, e 140.º, n.º 1, do CPC.
Termos em que o douto despacho recorrido deverá ser revogado.
*
II- Importa apreciar no âmbito do presente recurso a natureza do prazo previsto no art. 146º, nº2, b) do CIRE e apurar se no caso concreto ocorre justo impedimento.
*
III- Apreciação
Vejamos, em primeiro lugar, a natureza do prazo previsto na alínea b) do nº2 do art. 146º do CIRE.
De acordo com este preceito legal, o direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior « só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente».
A jurisprudência não tem sido uniforme quanto à qualificação do referido prazo como de caducidade ou como prazo processual.
No Acórdão da Relação de Guimarães, de 15.11.2012- www.dgsi.pt foi defendida a seguinte posição : «O prazo estabelecido na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE para a propositura da ação de verificação ulterior de créditos é de caducidade, não sendo esta caducidade de conhecimento oficioso.»
Ora, conforme resulta do disposto no art. 328º do Código Civil, «o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine».
No sentido acima indicado, refere o Relação do Porto de 17.06.2014- www.dgsi.pt : «(…) Na verdade, durante a pendência do processo de insolvência os credores da insolvência apenas podem exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, como expressamente dispõe o seu artigo 90.º. O que significa que, enquanto pender o processo de insolvência, o credor reclamante não dispõe meio processual alternativo ao previsto no art.º 146.º do CIRE. Ora, prosseguindo após a declaração de insolvência, o processo de insolvência encerra-se, normalmente, com após a realização do rateio final (cfr. art.º 230.º, n.º 1, al. a)), uma vez satisfeitos os créditos reconhecidos na medida do produto da liquidação. O que equivale, em termos práticos, à impossibilidade de cumprimento de quaisquer créditos não reconhecidos e do remanescente dos créditos reconhecidos. É certo que o n.º 1 do artigo 233.º estabelece que, encerrado o processo cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência (al. a)), podendo os credores da insolvência exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º (al. c)), mas tais efeitos só têm consistência prática nos casos, menos frequentes, em que à declaração de insolvência se não siga a liquidação integral do património do devedor. Ora, a par dos sujeitos, do objecto e do facto jurídico, a garantia é também elemento da relação jurídica. “A garantia da relação jurídica é o conjunto das providências coercitivas, postas à disposição do titular activo de uma relação jurídica, em obter satisfação do seu direito lesado por um obrigado que o infringiu ou ameaça infringir. Trata-se da possibilidade, própria das relações jurídicas, de o titular do direito por em movimento o aparelho sancionatório estadual para reintegrar a situação correspondente ao seu direito, em caso de infracção, ou para impedir uma violação receada” (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pág. 147).»

Parte da jurisprudência tem, contudo, defendido que estamos perante uma prazo processual e não perante um prazo substantivo ( neste sentido vide designadamente, Acórdãos da Relação do Porto de 27.03.2014, de 10.04.2014 e Acórdãos da Relação de Lisboa de 28.04.2015 e de 07.06.2016- www.dgsi.pt)
De acordo com este último Acórdão: «Está-se aqui, manifestamente, perante um prazo de natureza processual (…) não havendo dúvida de que o seu incumprimento leva à extinção do direito de praticar o ato processual (…), e não à extinção do direito de crédito do reclamante, como aconteceria se estivesse em causa um prazo de caducidade.»
Concordamos com esta posição que sustenta que o prazo em causa não integra a relação jurídica obrigacional.
Conforme refere o citado Acórdão desta Relação de 28.04.2015 importa apreciar, oficiosamente, se a reclamação é extemporânea.
Invoca o recorrente o justo impedimento.
De acordo com o disposto no art. 140º, nº1, do CPC, « Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.»
Antes da entrada em vigor do DL nº 329-A/95, de 12.12., considerar-se-ia justo impedimento o evento normalmente imprevisível estranho à vontade da parte que a impossibilitasse de praticar o acto, por si ou por mandatário.
Face ao actual quadro legal, o núcleo do conceito de justo impedimento passa, conforme refere o professor Lebre de Freitas in “ Código de Processo Civil Anotado, pág. 258 ( em anotação ao pretérito art. 146º do CPC que corresponde ao artigo 140º do NCPC), «da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou mandatário.»
Neste contexto, o desconhecimento do direito de crédito pelo ora recorrente não constitui um evento ( no sentido de acontecimento), mas sim uma situação que poderia ter perdurado ainda mais tempo.
Concluímos, assim, que não ocorre um evento não imputável à parte susceptível de configurar justo impedimento.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.

IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se, embora com fundamentação diversa, a decisão recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 22 de Junho de 2017

Francisca Mendes

Eduardo Petersen Silva

Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: