Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB-BW.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
DURAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228º, nº 1, do CPP [disposição legal inserida no Título III do Livro IV, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe "Das medidas de garantia patrimonial"] é uma medida de garantia patrimonial e não se encontra consagrado na lei qualquer prazo máximo para a vigência da medida de garantia patrimonial em causa, contrariamente ao que expressamente sucede quanto a algumas medidas de coacção.
- Não tem, assim, qualquer fundamento legal / constitucional considerar aplicável ao arresto preventivo o regime do artigo 215.° do CPP relativo aos prazos de duração máxima da prisão preventiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No processo de procedimento cautelar – arresto preventivo - nº 324/14.0TELSB-AO, da Secção única do Tribunal Central de Instrução Criminal, no qual é arguido, para o que ora nos importa, J., por despacho de 31 de Julho de 2018, foi decidido o seguinte:
Do requerimento apresentado por J..
Pelos fundamentos constantes no requerimento de fls. 338 a 344, veio J., a douto punho, requerer, em síntese, que seja declarada a caducidade do arresto que actualmente impende sobre os seus bens e, consequentemente, seja determinado o levantamento do arresto.
A fls. 354 e ss., pronunciando-se, o MºPº pugna pelo indeferimento de tal pretensão.
Cumpre apreciar e decidir:
Por despacho proferido em 20-06-2017, nos termos das disposições conjugadas no artº 110º e 111º, nº. 2, 3 e 4 do CP, artº 228º do CPP e artsº 391º a 393º do CPC, foi determinado o arresto de bens pertencentes ao Requerente e a MF, para garantia do pagamento de 3.346.764,90€.
O decretamento do arresto teve por base a existência de fundados indícios de que os valores recebidos pelo Requerente, designadamente entre os anos de 2010 e 2014, provindos de contas tituladas pelas entidades ES e AM, constituiu a recompensa pela actuação do mesmo na actividade criminosa indiciada, susceptível de integrar a prática do crime de corrupção activa no comércio internacional, p. e p. pelo artº 2º, al. a) e 7º da Lei 20/2008, de 21/04 e o crime de branqueamento, p. e p. pelo artº 368ºA do CP.
Do mesmo modo, foi considerado existir fundado receio de que o património ainda existente na esfera do requerente pudesse vir a dissipar-se, frustrando, assim, o efeito prático da sua possível condenação nos presentes autos, receio esse, espelhado na forma como o mesmo partilhou património imobiliário com a sua ex-cônjuge.
Com efeito, o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e da existência de justo receio de que o devedor inutiliza, oculte, ou se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor.
Certo é que o arresto preventivo, a que alude o artigo 228º do CPP, seja decretado “nos termos da lei do processo civil”, o certo é que se lhe aplicam as regras do processo penal em tudo o que não tenha especificidade própria.
Como bem ressalva o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, consultável em http://www.trc.pt/processocivil/ap_948_03_0tbtnv-d_c1.html, “…) para que o arresto possa ser decretado, basta que sumariamente (“summaria cognitio”) se conclua pela séria probabilidade da existência do crédito (“fumus boni iuris”) e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio conduza à perda da garantia patrimonial (“periculum in mora”).”.
Em suma, o arresto preventivo é decretado com vista a assegurar o confisco das vantagens do crime e as regras aplicáveis ao caso concreto são precisamente aquelas que, no seu âmbito normativo próprio, in caso, o processo penal, regulam o regime substantivo e processual.
Assim, em processo penal, a aplicação das regras do processo civil assume-se como mecanismo meramente subsidiário, constituindo uma simples importação de algumas normas relativas a um procedimento já sedimentado em matéria civil, designadamente no que tange a garantir a inexistência de lacunas – vide artº 4º do CPP.
Consequentemente, o procedimento adoptado mantem a sua intrínseca natureza processual penal, pois é nesse âmbito e segunda as regras próprias que o arresto preventivo foi requerido e decretado.
Face ao aduzido, indefere-se a pretensão manifestada pelo Requerente.
Notifique.
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2. Não se conformando com esta decisão o arguido dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
“1. O arresto sub judice não partilha da natureza mista de garantia patrimonial e meio de preservação da prova, que é costume associar-se à medida; constitui uma garantia patrimonial pura e simples.
2. Foi decretado por despacho do dia 22 de junho de 2017 e executado no dia 22 de junho de 2017.
3. Até hoje, o Recorrente continua sem ter conhecimento dos exatos termos em que foi ordenado o arresto, pois o despacho de arresto ainda não lhe foi notificado, nem lhe foram facultadas cópias, adrede requeridas,
- do douto despacho que ordenou a medida;
- do auto ou autos que tenham sido lavrados em execução da mesma;
- dos despachos fundamentados porventura proferidos ao abrigo dos n°s 3 e/ou 5 do art° 192° CPP.
4. No dia 24 de julho de 2017, o Recorrente, além de solicitar tais cópias, arguiu a nulidade do arresto, nos termos do art° 192°, 4, CPP.
5. No dia 27 de julho de 2017, o douto despacho de fls 174 dos autos indeferiu a suscitada nulidade e nada disse quanto às solicitadas cópias daqueles despachos.
6. No dia 29 de agosto de 2017, o Recorrente interpôs recurso deste último douto despacho.
 7. No dia 3 de julho de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu acórdão e decidiu "dar provimento ao recurso interposto pelo arguido/ arrestado [...], revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que reconheça como tempestiva a arguição de nulidade e que, em seguida, aprecie o requerimento de 25]ulho17".
8. Este douto acórdão não admite recurso ordinário, mas pode não ter ainda transitado em julgado e não foi cumprido, como terá de ser.
9 Dele resultará a jusante que, por estar ferido de nulidade, o douto dessto — seja qual for o seu exato conteúdo, por enquanto não facultado ao Recorrente - será revogado.
10. Sem que o Recorrente desconsidere esta hipótese — mas sem, de igual modo, aceitar ou conceder que possa vir a decidir-se o contrário, nem renunciar, em tal emergência, ao eventual recurso -, o certo é que o arresto caducou.
11. Neste processo, há muito tempo foram excedidos os prazos de duração máxima do inquérito estabelecidos no art° 276°, CPP, sem que tenha sido proferido despacho de arquivamento e/ou acusação, o que determina a caducidade do arresto.
12. Desde logo, por uma razão de direito ordinário.
13. O art° 228°, CPP, prescreve que o arresto de que se trata é decretado "nos termos da lei do processo civil'.
14. Ora, um dos princípios estruturantes das providências cautelares no processo civil é a sua dependência duma ação principal, que, sob pena de caducidade, tem de ser proposta num prazo improrrogável — efr art° 373°, 1, a), CPC.
15. O arresto preventivo penal tem de respeitar, no mínimo, esse princípio básico estruturante das providências cautelares: a dependência duma ação ou dum ato que, na realidade processual penal, lhe corresponda.
16. Por aplicação do regime processual civil para onde remete o art° 228°, CPP, tem de haver um prazo para a prática do ato correspondente à acção definitiva de que a providência cautelar é dependência.
17. No processo penal, esse ato só pode ser a acusação, quando o arresto a anteceder.
18. A falta de dedução de acusação no prazo máximo de duração do inquérito importa a caducidade do inquérito.
19. A natureza ordenadora que vem sendo adstrita aos prazos de duração máxima do inquérito, não afasta a caducidade do arresto, que se justifica na provisoriedade intrínseca da medida e não na natureza ordenadora ou perentória de tais prazos.
20. Trata-se duma questão que se coloca — tem de colocar-se — num plano diferente dessa qualificação, tão imanente e circunscrita à natureza cautelar do arresto, como, por exemplo, os períodos máximos de duração das medidas de coação (em relação às quais ninguém defende que o prazo para deduzir acusação seja apenas ordenador).
21. A estas, acrescem razões do plano constitucional.
22. Considerando a função exclusiva de garantia patrimonial adstrita ao arresto subjudice, a solução sufragada pelo Acórdão n° 294/2008 do Tribunal Constitucional não lhe é aplicável.
23. É insustentável uma interpretação do regime jurídico do arresto penal que ilida por completo a imposição dum prazo perentório para consolidar a pretensão cautelar da medida mediante um pedido definitivo assente no direito acautelado.
24. Não está em causa saber se a indisponibilidade dos bens arrestados se pode manter até ao trânsito da sentença penal.
25. Está em causa, muito diversamente, saber se o bloqueio dos poderes contidos no direito de propriedade se pode manter indefinidamente, sem limites temporais, c sem que o titular da ação penal (ou os lesados, se for caso disso) deduza o pedido formal definitivo que justifica a apreensão.
26. Esse pedido terá de ser, no limite, a acusação, a deduzir no respetivo prazo máximo perentório.
27. Se, também para essa finalidade, os prazos previstos no art° 276°, CPP, fossem ordenadores, o arresto perderia a sua natureza de providência cautelar e fecharia a porta ao exercício dos direitos mais elementares de defesa do arguido.
28. Assim sendo, o conjunto normativo integrado pelos arts 227° e 228° do CPP, interpretado no sentido de que o arresto penal preventivo pode manter-se sem que tenha sido deduzida acusação nos prazos máximos de inquérito estabelecidos no art° 276° do mesmo diploma, maxime quando a apreensão dos bens não se justifique por razões de prova dos crimes sob investigação, é inconstitucional, por ofensa do direito à propriedade, consagrado no art° 62° da CRP, dos princípios da proporcionalidade e adequação (art° 18o, 2, CRP) e do direito a um processo célere (art° 31°, 1, CRP).
29. Ao decidir o contrário, o douto acórdão recorrido ofendeu, entre outros, o disposto no art° 228°, 1, CPP, no segmento em que remete para a lei do processo civil, pelo que deve ser revogado”.
Terminou, pedindo que, pela procedência do recurso, se revogue o despacho recorrido e se declare que o arresto sub judice caducou.
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3. Foi admitido o recurso com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, tendo o Digno Magistrado do Ministério Público ao mesmo respondido, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões:
1) O arresto preventivo decretado nos termos do artigo 228.° do CPP é uma medida de garantia patrimonial que, apesar de seguir a tramitação do arresto previsto no processo civil, com esta providência cautelar não se confunde no que concerne às suas finalidades e consequências, o mesmo é dizer quanto ao seu regime material;
2) Quando o arresto preventivo é decretado com vista a assegurar o confisco das vantagens do crime, as regras aplicáveis são precisamente aquelas que, no seu âmbito normativo próprio - o processual penal - regulam o regime substantivo e processual destes institutos;
3) Apenas nos casos em que não exista regulação específica nestas matérias será legítimo aplicar as normas processuais civis, fazendo-o todavia em conformidade com os pressupostos e exigências do processo penal;
4) Em caso algum essa importação das normas do ordenamento adjectivo civil impede que o procedimento mantenha a sua intrínseca natureza processual penal, pois é no âmbito deste processo, e segundo as suas regras próprias, que o arresto preventivo será requerido, decidido e executado;
5) A importação das normas relativas ao processo civil existe unicamente por via das semelhanças que existem relativamente aos efeitos de ambas medidas, uma vez que quer o arresto preventivo quer a providência cautelar de arresto implicam limitações ao pleno iits utendi, fruendi et abutendi;
6) Pelo que não possui qualquer arrimo legal considerar aplicável ao arresto preventivo o regime da caducidade da providência cautelar previsto no artigo 373.°, n.° 1, al. a) do CPC;
7) Também não possui qualquer arrimo na Lei ordinária e na Lei fundamental a consideração como peremptórios dos prazos para encerramento do inquérito previstos no artigo 276.° do CPP;
8) Igualmente não tem qualquer fundamento legal e constitucional considerar aplicável ao arresto preventivo o regime do artigo 215.° do CPP relativo aos prazos de duração máxima da prisão preventiva;
9) Entender de uma outra forma - concedendo provimento ao recurso -significaria aplicar uma norma que não existe;
10) Não resulta da aplicação do arresto preventivo, com convocação da regra que determina que o mesmo se mantenha até final, qualquer violação ao direito de propriedade, quer na sua formulação prescrita no artigo 60.° da CRP, quer convocando os instrumentos normativos supranacionais que protegem este direito, designadamente o artigo 1.° do protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos tio Homem ou o artigo 17.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
11) A privação da propriedade nestes casos não poderá deixar de considerar-se uma medida proporcional e adequada a garantir o restabelecimento da ordem patrimonial dos bens face ao direito vigente, e com isso corrigir a perturbação produzida no ordenamento jurídico pelo incremento patrimonial resultante da prática do crime.”
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4. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Ex.mº Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu fundamentado parecer no sentido da improcedência do recurso, ao que o arguido respondeu, reafirmando os argumentos e considerações que expôs na motivação do mesmo.
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5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
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6. O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação do despacho de 31 de Julho de 2018, que julgou improcedente o pedido de caducidade do arresto preventivo decretado nos autos.

Sustenta o recorrente, em síntese:
- Encontrando-se decorrido o prazo de duração máxima do inquérito, estabelecido no art. 276º do CPP, sem que tenha sido deduzida acusação ou pedido de indemnização cível, este quadro forçosamente acarreta a caducidade do arresto, desde logo por uma razão de direito ordinário, já que o art. 228º do CPP prescreve que o arresto é decretado nos termos da lei do processo civil. Um dos princípios estruturantes das providências cautelares no processo civil é a sua dependência duma acção principal que, sob pena de caducidade, tem de ser proposta num prazo improrrogável (30 dias), sendo que, no caso, por estarmos perante uma realidade processual penal, o limite de tal prazo há-de ser o prazo máximo do inquérito.
- Razões no plano constitucional impõem a mesma solução, questionando se o bloqueio dos poderes contidos no direito de propriedade se pode manter indefinidamente, sem limites temporais, sem que o titular da acção penal deduza o pedido formal definitivo que justifica a apreensão, pedido esse que terá de ser, no limite, a acusação, “a deduzir no respectivo prazo máximo peremptório”.
Concluiu, sustentando que o conjunto normativo integrado pelos arts. 227º e 228º do CPP, interpretados no sentido de que o arresto penal preventivo se pode manter sem que tenha sido deduzida acusação nos prazos máximos de inquérito estabelecidos no art. 276º do CPP, máxime quando a apreensão dos bens não se justifique por razões de prova dos crimes sob investigação, é inconstitucional, por ofensa do direito à propriedade, consagrado no art. 62º da CRP, dos princípios da proporcionalidade e adequação (art. 18º nº 2 da CRP) e do direito a um processo célere (art. 31º nº 1 da CRP).

Cumpre apreciar:
Por despacho de 20 de Junho de 2017, lavrado no Tribunal Central de Instrução Criminal, alicerçado nos arts. 110º e 111º nº 2, 3 e 4 do CP,  228º do CPP e 391º a 393 do CPC, foi decretado o arresto em bens pertencentes ao recorrente e a Maria Veiga França, para garantia do pagamento de 3.346.764,90 euros.
O decretamento do arresto teve por base a existência de fundados indícios de que os valores recebidos pelo arguido, designadamente entre os anos de 2010 e 2014, provindos de contas tituladas pelas entidades ES e AM, constituiu a recompensa pela actuação do mesmo na actividade criminosa indiciada, susceptível de integrar a prática do crime de corrupção activa no comércio internacional, p. e p. pelo artº 2º, al. a) e 7º da Lei 20/2008, de 21/04, e o crime de branqueamento, p. e p. pelo artº 368ºA do CP.
Do mesmo modo, foi considerado existir fundado receio de que o património ainda existente na esfera do requerente pudesse vir a se dissipar, frustrando, assim, o efeito prático da sua possível condenação nos autos em apreço, receio esse, espelhado na forma como o mesmo partilhou património imobiliário com a sua ex-cônjuge.

Na decisão ora recorrida considerou-se não ser de aplicar ao arresto preventivo o regime da caducidade dos procedimentos cautelares em matéria civil, desde logo por o arresto preventivo ser decretado com vista a assegurar o confisco das vantagens do crime e as regras aplicáveis, ao caso concreto, serem precisamente aquelas que, no seu normativo próprio, in caso, o processo penal, regulam o regime substantivo e processual, ali se concluindo que, em processo penal, a aplicação das regras do processo civil assume-se como mecanismo meramente subsidiário, constituindo uma simples importação de algumas normas relativas a um procedimento já sedimentado em matéria civil, designadamente no que tange a garantir a inexistência de lacunas – art. 4º do CPP.

Nenhuma censura nos merece o despacho recorrido.
Com efeito:
O arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228º, nº 1, do CPP [disposição legal inserida no Título III do Livro IV, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe "Das medidas de garantia patrimonial"] é indubitavelmente uma medida de garantia patrimonial, como refere Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 2ª edição, II vol., pág. 309; “um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal – e não um arresto ‘civil’ no quadro de um processo civil com fins distintos”, como se pode ler no Ac. do Tribunal Constitucional nº 724/2014, de 28/10/2014, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
O seu decretamento é feito “nos termos da lei do processo civil”, o que significa, em primeira linha, que a remissão funciona em termos de requisitos de aplicação mas, para todos os efeitos, estamos no domínio da jurisdição processual penal, ainda que, no dizer do mesmo Ac. do Tribunal Constitucional “o meio cautelar aplicado não tem em vista as finalidades próprias do processo criminal – cujas garantias não podem deixar de ter em vista a possibilidade de uma condenação em face da comprovação da prática de um ilícito penal que poderá determinar a aplicação de uma pena (máxime privativa da liberdade) – mas antes, por força das suas específicas finalidades, vise a tutela (cautelar, provisória, urgente) dos direitos patrimoniais invocados pelos credores em face do perigo de dissipação ou alienação dos bens patrimoniais do devedor.”
E como medida de garantia processual penal, a tramitação do arresto preventivo, pese embora a remissão para as regras do processo civil, ocorrerá no âmbito do processo penal, sujeita aos princípios e à ortodoxia próprias deste ordenamento jurídico, ou seja, sempre em conformidade com pressupostos e exigências do processo penal, apenas se aplicando "as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal", nos termos do que dispõe o artigo 4.° do CPP. O processo civil só se aplica àquilo que não tenha sido regulado pelo processo penal. A remissão feita pelo art. 228º nº 1 do CPP acata as condicionantes processuais penais prévias. Só as normas que se harmonizem com elas e as respeitem podem ser aplicadas. Está em causa resolver os casos omissos e não revogar o processo penal – neste sentido “Apreensão ou arresto preventivo dos proventos do crime? - estudo da autoria do Senhor Procurador da República, Doutor João Conde Correia, publicado no n.º 25 (2015) da Revista Portuguesa de Ciência Criminal; sobre a aplicação analógica das normas processuais civis, Santiago, Rodrigo, “Sobre o artigo 4º do Código de Processo Penal”, Scientia iuridica (1995), p. 125 e ss).
Manuel da Costa Andrade e Maria João Antunes, “Da natureza processual penal do arresto preventivo" in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 27, Janeiro/Abril 2017, referem que: «as normas do processo civil terão de operar circunscritas ao âmbito de complexidade de antemão reduzido pelo direito processual penal, constitucional e ordinário. As normas da lei processual civil terão, noutros termos, de ser aplicadas sem pôr em causa nem contrariar as imposições do direito processual penal. Direito a que cabe: definir o lugar do arresto preventivo na topografia dos meios coercivos, em geral, e das medidas de garantia patrimonial, em particular; precisar a sua intencionalidade e programa político-criminal e desenhar o travejamento basilar do respectivo regime jurídico-normativo. (...) Brevitatis causa, o arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial de natureza processual penal, aplicada de acordo com o disposto no CPP, sendo subsidiariamente aplicável a lei do processo civil em tudo o que este Código não preveja e se harmonize com os princípios gerais do processo penal».
Nestes termos, e considerando as especificidades próprias do processo penal, assim como os fins que se visam aqui alcançar, não é viável sustentar, como faz o recorrente, que o arresto preventivo, que visa assegurar o confisco das vantagens do crime, possa ser uma providência cautelar em tudo idêntica às previstas no Código de Processo Civil, que visam acautelar uma pretensão de natureza jurídico-civil ou creditícia, designadamente a providência cautelar de arresto prevista no artigo 391.°, do Código de Processo Civil, termos em que não se não se pode considerar aplicável ao arresto preventivo o regime da caducidade da providência cautelar civil, previsto no artigo 373.°, n.° 1, al. a) do CPC, ou fazer qualquer adaptação ao processo penal e sustentar que tem de haver um prazo para a prática do acto correspondente à acção definitiva de que a providencia cautelar é dependência, o que, no caso, só poderia ser a acusação, quando o arresto a anteceder.
Relativamente à extinção das medidas de garantia patrimonial previstas no CPP, convém notar que o artigo 227.°, n.° 5 do CPP, dispondo para a caução económica, preceitua que a mesma «subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das obrigações», numa solução aplicável, também, ao arresto preventivo previsto no artigo 228.° do CPP, conforme realçado por Paulo Pinto de Albuquerque ("Comentário do Código de Processo Penal", UCP, p. 602) e Eduardo Maia Costa ("Código de Processo Penal Comentado", Almedina, p. 919).

É sabido, igualmente, que os prazos para encerramento da fase de inquérito, previstos no artigo 276.° do CPP, possuem uma natureza meramente ordenadora, não se podendo configurar como peremptórios, pelo que não assiste razão ao recorrente quando sustenta que, encontrando-se decorrido o prazo de duração máxima do inquérito estabelecido no citado preceito legal, sem que tenha sido deduzida acusação ou pedido de indemnização civil, tal quadro acarreta forçosamente a caducidade do arresto.
Não se encontra consagrado na lei qualquer prazo máximo para a vigência da medida de garantia patrimonial em causa, contrariamente ao que expressamente sucede quanto a algumas medidas de coacção.

O sustentado pelo recorrente, também, não possui qualquer apoio no plano constitucional, tendo o Tribunal Constitucional considerado, no Acórdão nº 294/2008, pelo mesmo citado, que a restrição ao direito de propriedade decorrente, no caso, da apreensão, constitucionalmente justificada pela realização de um interesse superior na realização da justiça, “não é equiparável às restrições de direitos pessoais, nomeadamente da liberdade, caso em que a Constituição prevê a existência de prazos (artigo 29.°, n.° 4, da CRP), determinados no artigo 215.° do CPP e cujo decurso, só por si, conduz à extinção da medida restritiva da liberdade.».
Não tem, assim, qualquer fundamento legal / constitucional considerar aplicável ao arresto preventivo o regime do artigo 215.° do CPP relativo aos prazos de duração máxima da prisão preventiva.
O princípio expressamente consagrado na lei é o de que o arresto se mantém até que seja proferida decisão final absolutória - tal como previsto no artigo 227.º n.° 5 e 228.° do CPP, mas que, igualmente, se consagra no âmbito da perda ampliada, nos termos do artigo 11º n.° 3 da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, e que significa precisamente que o arresto não é afectado por qualquer vicissitude processual que não a sentença, ou acórdão absolutório, ou a decisão de não pronúncia – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/04/2015 proferido no processo n.° 539/ 11.2PBMTS.
Assim, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não se observa a invocada violação ao direito de propriedade, quer na sua formulação prescrita no artigo 62.° da CRP, quer convocando os instrumentos normativos supranacionais que protegem este direito, designadamente o artigo 1.° do protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou o artigo 17.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ou dos princípios da proporcionalidade e adequação (art. 18º nº 2 da CRP) e do direito a um processo célere (art. 31º nº 1 da CRP), pois, como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público na resposta ao recurso, “a privação da propriedade nestes casos não poderá deixar de se considerar uma medida proporcional e adequada a garantir o restabelecimento da ordem patrimonial dos bens, face ao direito vigente, e, com isso, corrigir a perturbação produzida no ordenamento jurídico pelo incremento patrimonial resultante da prática do crime”.
No contexto do confisco das vantagens do crime, essa limitação do direito de propriedade estará naturalmente justificada – cf., entre outros, Acórdão do TEDH Lavrechov v. Czech Republic, Abril de 2010, onde se refere que "a tramitação própria do processo penal, e no geral o combate e prevenção do crime preenche indubitavelmente o interesse público previsto no artigo 1.° do protocolo n.° 1".
Não assiste, pois, qualquer razão ao recorrente ao pretender que se declare a caducidade do arresto preventivo decretado nos autos, quer pela inaplicabilidade do artigo 373.°, n.° 1, al. a) do CPC, quer pela inexistência de razões que, no plano constitucional, o imponham.

- Decisão:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso do arguido, J., e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS.

(Texto revisto e elaborado em suporte informático)
Lisboa, 23 de Outubro de 2018
                
Relatora: Anabela Simões Cardoso
           
Adjunto: Cid Geraldo