Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8324/2008-9
Relator: MARGARIDA VELOSO
Descritores: VIDEOVIGILÂNCIA
PROVAS NULAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 - É pacífico que a licitude da videovigilância se afere pela sua conformidade ao fim que a autorizou.
O fim visado pela videovigilância instalada na escola, um local público, por um cidadão, só poderia ser exclusivamente o de prevenir a segurança do estabelecimento, mas devendo conter o aviso aos que lá se encontram ou se deslocam de que estão a ser filmados e só, nesta medida, a videovigilância é legítima.
2 - Não basta, como refere o recorrente, que as referidas imagens tenham sido colhidas numa escola pública, em local público, de não terem sido obtidas às ocultas e de não visarem o contexto da vida privada dos arguidos, enquanto autores do crime de furto qualificado, para se concluir, que a utilização dessas imagens não viola a intimidade ou a esfera privada dos arguidos.
3 - Na verdade, como entendeu e bem, o Mmo juiz da 1ªinstância, as imagens oferecidas como meio de prova pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e destinado a fazer prova de factos imputados aos arguidos, não obedeceram aos requisitos impostos por lei, ou seja, o cidadão não estava autorizado para o fazer e o sistema de videovigilância não se encontrava devidamente assinalado, sendo que, nestas circunstâncias as imagens constituem, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem dos arguidos.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 9ª secção do tribunal da Relação de Lisboa:

(...)

Vejamos então se assiste razão ao Tribunal recorrido.
O regime de proibições de prova no âmbito do processo penal, encontra-se essencialmente regulado pelo preceituado nos art. 125.º, 126.º, do Código Processo Penal, os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa, consagradas no art. 32.º, CRP, mormente a injunção imposta pelo seu n.º 8, bem como, com as disposições específicas que disciplinam a obtenção do meio de prova de que pretende se fazer uso.
Deste regime podemos destacar que a realização da justiça penal, num Estado de Direito Democrático, como pretende ser o nosso, deve sempre assentar no respeito e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, mormente da preservação da dignidade humana.
Assim, logo o citado art. 32.º, n.º 8 da CRP, é claro ao preceituar que "São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações."
No mesmo sentido, se situa o estatuído no art. 126.º, ao enunciar discriminatoriamente no seu n.º 2, quais são as provas "ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas".
Nesta conformidade, podemos desde já concluir que o regime da legalidade da prova, enquanto "imperativo de integridade judiciária", que tanto versa sobre os meios de prova, como os meios de obtenção de prova, vem assim comprimir o princípio da livre apreciação da prova decorrente do art. 127.º, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou de valoração de prova.
Por outro lado e como segunda conclusão, tratando-se de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como autênticas nulidades insanáveis, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do art. 119.º.
Os arguidos no inicio da audiência vieram questionar a validade das provas indicadas contra si, designadamente o CD junto aos autos, por aquela gravação de imagens ter sido obtida de forma ilegal, sem consentimento dos visados e por isso em violação do art. 126.° do Código de Processo Penal, tendo sido relegada para a decisão final o conhecimento desta questão.
Quanto à valoração da prova obtida por reproduções mecânicas, na qual se inserem as relativas aos sistemas de vigilância, importa reter o disposto no art.º 161º, do CPP, podendo ler-se no seu n.º 1, “ só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas nos termos da lei penal”. Acrescentando o n.º 2, que: “não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no n.º anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no titulo III deste livro.”
E por concordarmos com o teor do despacho recorrido, exaustivamente fundamentado, dispensamo-nos de tecer outras considerações sob pena de estarmos a ser repetitivos.
Nele a este propósito escreve-se:
“Deste modo, existe uma clara influência do direito penal no regime de proibição das provas. E o regime da legalidade da prova, tanto versa sobre os meios de prova, como sobre os meios de obtenção de prova, em compressão do princípio da livre apreciação da prova, decorrente do artigo 127º, do Código de Processo Penal…Mais abaixo uma citação de Leal Henriques e Simas Santos em anotação ao CPP, que dá a solução para o caso em análise:
“Significativa, desde logo, a prevalência expressamente reconhecida ao critério da ilicitude penal substantiva: será inadmissível e proibida a valoração de qualquer registo fonográfico ou fotográfico (fílmico, vídeo, etc.) que, pela sua produção ou utilização represente um qualquer ilícito penal material, à luz do disposto no artigo 192º, do Código Penal, (…). Os interesses tutelados pelo processo penal, como, a realização da justiça, a estabilização contrafáctica das normas, a restauração da paz jurídica, por razões de economia, a eficácia da justiça penal, não bastam, por si só enquanto tais, para legitimar a danosidade social da produção ou utilização não consentidas de gravações ou fotografias. Ou seja, o mero propósito de juntar, salvaguardar e carrear provas para o processo penal não justifica o sacrifício do direito à imagem em que invariavelmente se transformam a produção ou utilização não consentida destas reproduções mecânicas.
Na verdade, só se poderá justificar a sua produção ou ulterior valoração processual contra a vontade de quem de direito, quando forem indispensáveis como meios necessários e idóneos à protecção de superiores interesses, transcendentes ao processo penal. Só neste contexto e com esta específica direcção preventiva pode emergir um relevante estado-de-necessidade probatório” (ANDRADE, Manuel da Costa; - Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 238- 239)”
È de resto, esta a única interpretação a dar, ao art. 12º do Decreto-Lei nº 231/98, de 22 de Julho, onde se pode ler:
1 - As entidades que prestem serviços de segurança privada previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º podem utilizar equipamentos electrónicos de vigilância e controlo.
2 - As gravações de imagem e de som feitas por sociedades de segurança privada ou serviços de auto protecção, no exercício da sua actividade, através de equipamentos electrónicos de vigilância visam exclusivamente a protecção de pessoas e bens, devendo ser destruídas no prazo de 30 dias, só podendo ser utilizadas nos termos da lei penal.
3 - Nos lugares objecto de vigilância com recurso aos meios previstos nos números anteriores é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso com os seguintes dizeres: “Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagens e som”.
Na verdade estamos perante a situação de saber se existe uma violação de um direito constitucionalmente protegido e, na negativa, se de alguma forma está justificada a utilização do sistema de videovigilância instalado na referida escola.
Comecemos, por isso, por verificar se existe uma violação de um direito constitucionalmente protegido.
É pacífico que a licitude da videovigilância se afere pela sua conformidade ao fim que a autorizou.
O fim visado pela videovigilância instalada na escola, um local público, por um cidadão, só poderia ser exclusivamente o de prevenir a segurança do estabelecimento, mas devendo conter o aviso aos que lá se encontram ou se deslocam de que estão a ser filmados e só, nesta medida, a videovigilância é legítima.
Não basta, como refere o recorrente, que as referidas imagens tenham sido colhidas numa escola pública, em local público, de não terem sido obtidas às ocultas e de não visarem o contexto da vida privada dos arguidos, enquanto autores do crime de furto qualificado, para se concluir, que a utilização dessas imagens não viola a intimidade ou a esfera privada dos arguidos.
Na verdade, como entendeu e bem, o Mmo juiz da 1ªinstância, as imagens oferecidas como meio de prova pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e destinado a fazer prova de factos imputados aos arguidos, não obedeceram aos requisitos impostos por lei, ou seja, o cidadão não estava autorizado para o fazer e o sistema de videovigilância não se encontrava devidamente assinalado, sendo que, nestas circunstâncias as imagens constituem, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem dos arguidos.
No mesmo sentido, o aresto citado no despacho recorrido: “Do que se deixa dito resulta, em suma, que “destinando-se as gravações feitas por particulares e sem consentimento do visado a ser utilizadas para efeitos probatórios, estamos perante provas proibidas, provas nulas”, o mesmo sucedendo com os casos em que tais gravações não se encontram a coberto de uma decisão judicial ou disposição legal que as prevejam ou as legitime (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1999, CJ, Acs. STJ, tomo I, pág. 179).
Daí que, aqui tal como na 1ª instância, se entenda que o modo de obtenção das imagens constantes do CD junto aos autos, constituem prova nula e em consequência, não podem ser consideradas ou valoradas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos nos artigos 118º, 125º, 126º, do CPP.

Decisão
Pelo exposto, os juízes desta secção, julgam improcedente o recurso e em consequência mantêm o despacho recorrido nos seus precisos termos.
Sem custas.

Lisboa, 30 de Outubro de 2008
Margarida Veloso
José Martins