Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4046/16.9T8OER-D.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (art. 663.º, n.º 7, do CPC – da exclusiva responsabilidade da Relatora)
I - São admissíveis as junções documentais efetuadas ao abrigo do art. 423.º, n.º 2, do CPC, desde que os documentos não sejam considerados impertinentes ou desnecessários (art. 443.º, n.º 1, do CPC).

II - O art. 423.º do CPC não se aplica quando o que se pretende é a notificação da parte contrária para juntar documentos, a qual deverá ser requerida ao abrigo do art. 429.º do CPC, no requerimento probatório ou na alteração a este requerimento oportunamente efetuada.

III - Quando pretendida pelo autor ou embargante, essa alteração é possível no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação ou na audiência prévia.

IV - Proferido despacho que, dispensando a audiência prévia, enuncia os temas da prova e programa os atos a realizar na audiência final, já não é admissível a alteração do requerimento probatório, salvo no quadro da adequação formal (art. 547.º do CPC).

V - Mas, ao abrigo do art. 411.º do CPC, o Tribunal pode oficiosamente realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados:

1. RELATÓRIO

JS..., Embargante na execução que lhe foi movida por C..., Lda., veio interpor recurso do despacho, proferido no apenso de oposição à execução, que não admitiu duas peças processuais e a junção de documentos apresentados por aquele após a prolação do despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Na sua alegação de recurso, o Embargante pugna pela admissão das referidas peças processuais e documentos, concluindo nos seguintes termos:
1. O recorrente apresentou nos autos dois requerimentos, pedindo a junção de documentos e a notificação da embargada, ora recorrida, para apresentar outros em seu poder e ainda para indicar os números das facturas definitivas correspondentes aos números das facturas pro-forma emitidas com vista a que o recorrente emitisse prèviamente os cheques de garantia de pagamento das importâncias referidas nas ditas facturas, e os entregasse à recorrida.
2. Fê-lo com anterioridade de mais de vinte dias relativamente à data agendada para a audiência de julgamento, no respeito pela norma do artigo 423º nº 2 do CPC.
3. Nos considerandos dos ditos requerimentos o sacador recorrente explicou as razões da pertinência da junção requerida e da notificação da recorrida para juntar aos autos documentos em seu poder, considerandos esses que se destinaram a justificar os pedidos feitos, dada a íntima relação do conteúdo dos mesmos com o tema da prova configurado pelo Tribunal no despacho de referência electrónica 111959916.
4. A recorrida, no seu requerimento executivo de referência electrónica 23697356 alegou que na relação comercial com a sociedade mexicana denominada “AC... IMPORS EXPORT SA de CV” esta lhe era devedora das facturas 1528, 1532 e 1564, e que o ora recorrente sacara e lhe entregara dois cheques sobre o BES para garantia de pagamento parcial da divida não paga pela AC....
5. A relação comercial da recorrida com a dita firma mexicana era apenas formal, uma vez que os fornecimentos de vinhos objecto das ditas facturas se destinavam a outra sociedade mexicana denominada “ GRUPO A... SA de CV, da qual um filho do recorrente era administrador. Daí os cheques de garantia sacados e entregues à exequente, ora recorrida, pelo embargante.
6. O despacho recorrido decidiu não aceitar os referidos requerimentos com os fundamentos de que os mesmos constituem “articulados” de resposta à contestação dos embargos de executado que o artigo 732º nº 2 do CPC não admite.
7. E o mesmo despacho recorrido não admitiu a requerida junção dos documentos juntos com os citados dois requerimentos, nem a notificação da recorrida ara juntar outros em seu poder, por entender que os mesmos nada têm que ver, nem com o objecto do litígio, nem com o tema da prova referidos no despacho saneador de referência electrónica 11195916.
8. No percurso mental do Meritissimo Juiz “a quo” perpassa a ideia de que a alegada ilegalidade de um articulado resposta do recorrente à contestação dos embargos de executado conduziria “ipso facto” à ilegalidade da junção de documentos e do deferimento do pedido de notificação da recorrida para apresentar documentos em sua posse, documentos intimamente relacionados com a questão de saber se o recorrente pagou os cheques dados à execução. Dir-se-ia que o Tribunal, qualificando erradamente os requerimentos do recorrente como articulados – resposta, referindo-se aos considerandos dos ditos requerimentos, daí concluiu que os documentos juntos e os impetrandos à recorrida por via da notificação indeferida, eram objecto também de ilegalidade. Ou seja, na óptica de tal raciocínio, o Tribunal considerou que o vício dos considerandos se estendia e inquinava os pedidos deduzidos nos citados requerimentos. Nada de mais errado na aplicação, manifestamente subjacente, do brocardo latino “ vitiatur et vitiat”.
9. Não tendo o Tribunal “a quo” apreciado o pedido de notificação da recorrida para juntar aos autos documentos em seu poder bem identificados pelo recorrente, o despacho está ferido de nulidade, nos termos do disposto no artigo 195º nº 1 do CPC.
10. Os documentos que o recorrente juntou com os questionados requerimentos, bem ao contrário do que se assevera no despacho recorrido, têm que ver com o tema da prova e o objecto da lide.
11. Na verdade são documentos que demonstram que os créditos invocados pela recorrida foram pagos.
12. A extinção de uma dívida tem a ver com documentos emitidos pelo credor dos quais conste que a divida foi paga. Mas tem a ver também com documento emitido por terceira pessoa de onde se deduza com toda a segurança que a divida foi extinta por pagamento. E insere-se no circulo destes documentos de terceiros o extracto bancário de uma conta do recorrente do qual resulte o pagamento da divida. É o que acontece no caso “sub-judice”, mas o Tribunal recusou a junção de tal extracto, Daí que o recorrente não entenda o conteúdo do despacho recorrido.
13. Por outro lado, e admitindo, sem conceder, que os requerimentos apresentados pelo recorrente constituem uma resposta à contestação dos embargos de executado, o ora recorrente contrapõe que a norma do artigo 732º nº 2 do CPC é materialmente inconstitucional.
14. Na verdade, o artigo 20º nº 4 da Constituição estabelece que todos têm direito a que uma causa em que sejam parte seja objecto de decisão mediante processo equitativo. A norma é reflexo do artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do artigo 15º do Pacto sobre Direitos Civis e Politicos da ONU.
15. O TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) tem vindo, na sua sábia e prudente Jurisprudência, a densificar e integrar o conceito normativo de “processo equitativo”, e nessa densificação elege, entre outros, o conceito de “princípio do contraditório”.
16. Ora, o artigo 732º nº 2 do CPC não permite a concretização ou o pleno direito do contraditório, que assim se assume de natureza constitucional.
17. Porquanto o exercício desse direito, mesmo que se admita que pode ser feito oralmente e de forma sintética em audiência preparatória ou de julgamento, aí perde força e sai enfraquecido pela supressão da segurança e rigor de uma alegação escrita estruturada em análise mais profunda de uma reflexão jurídica efectuada no silêncio e tranquilidade de um escritório de advogado
18. A Constituição da República assume-se aqui como “parâmetro directo” de apertado e rigoroso controle da constitucionalidade da norma do artigo 732º nº2 do CPC, uma vez que não pode deixar de se concluir pela existência de uma relação de desvalor directo, alicerçada também pela ideia evidente de que entre aquela norma processual e a norma constitucional existe uma antinomia insanável.

A Embargada, que se tinha pronunciado pelo desentranhamento destas peças processuais e documentos, não apresentou alegação de resposta.
*
Questões que importa decidir:
- Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por não se ter pronunciado sobre os pedidos de notificação da parte contrária para juntar documentos, e, na afirmativa, se estes deviam ter sido deferidos;
- Se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, por não ter admitido as junções documentais requeridas.
***

2. FUNDAMENTAÇÃO

Factos relevantes

Com relevância para a decisão do recurso, importa atentar nos seguintes factos do iter processual:
1. Em 06-10-2016, C..., Lda. veio intentar contra JS... ação executiva para pagamento de quantia certa, conforme requerimento executivo com a ref.ª 23697356, cujo teor se dá por reproduzido, alegando, designadamente que:
“1. A exequente é uma sociedade que se dedica à produção, comercialização de vinhos e seus derivados.
2. No exercício da sua atividade comercial celebrou com a AC... Impors Export SA de CV, sociedade de direito mexicano, vários contratos de fornecimentos de vinhos e vinhos espumantes, titulados pelas faturas nºs 1458, 1471, 1472, 1506, 1507, 1517, 1528, 1532 1564, que se juntam e se dão integralmente por reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente, quantidades, natureza, descrição e preços.
3. Essas mercadorias foram encomendadas pela compradora à exequente, tendo aquela recebido desta tais mercadorias, sem que houvesse qualquer reclamação ou reparo.
4. Os pagamentos do preço dessas mercadorias foram assumidos e efetuados pelo ora executado através de cheques de uma sua conta bancária sedeada no balcão de Paços de Arcos do Banco Espirito Santo S.A. com o nº 000700220000016009 que os preenchia, assinava e entregava à exequente para esse fim.
5. Acontece que dois desses cheques, emitidos assinados e entregues pelo executado à exequente, para pagamento de parte dos preços dessas faturas, não foram pagos por terem sido apresentados a pagamento fora do prazo, como deles expressamente consta.
6. Na verdade, o cheque nº 4903473849 e o cheque nº7403473857, preenchidos, assinados,
entregues pelo executado à exequente e sacados sobre a referida conta bancária do executado destinavam-se a pagar à exequente parte da dívida que a AC... Impors Export SA de CV tem para com a exequente proveniente de vendas de mercadorias, designadamente tituladas pelas últimas três faturas que acima se referiram e discriminam, visto que o saldo da conta corrente é favorável à ora exequente em €23.354,50:
- fatura nº 1528, datada de 10.05.2010, de montante de €13.173,10;
- fatura nº 1532, datada de 18.05.2010, de montante de €13.173,10;
- fatura nº 1564, datada de 22.07.2010, de montante de €5.025,00;
7. Sem prejuízo de terem sido apresentados a pagamento fora do prazo definido na LUCH, do que resulta a extinção da obrigação cartular incorporada nos cheques em apreço, mantêm os mesmos a sua natureza de títulos executivos, por se tratarem de documentos particulares que importam a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, atenta a relação subjacente supra descrita e porque assim ficou acordado entre executado e exequente.
8. Assim, os cheques supra identificados valem como quirógrafos da obrigação de pagamento assumida pelo ora executado perante a ora exequente, servindo de títulos executivos.
9. O preço daquelas faturas ainda não foi pago, pelo que se mantém como débito, como resulta do extrato de conta corrente que se junta e se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.”
2. Em 30-05-2018, o Executado/Embargante/Recorrente veio deduzir, oposição à execução, mediante embargos, aqui se dando por reproduzido o teor da petição de embargos, alegando designadamente que:
- Os cheques dados à execução “eram cheques de garantia de pagamento não das facturas que que a embargada junta ao processo executivo em nome da sociedade AC... IMPORT EXPOR SA DE CV, mas de outras facturas cujas datas se compaginam com a data de apresentação dos cheques a pagamento”;
- Os cheques juntos com o requerimento executivo “foram sacados pelo embargante/executado para garantia de pagamento de duas facturas constantes do documento de 11.05.2011 emitido e enviado ao Grupo A... SA de CV, concretizadamente as facturas pro-forma nº 110127 de 20.11.2011 e 110128 de 20.12.2011, com datas coincidentes com as datas dos saques dos cheques ora executados”;
- Os cheques “deixaram de titular qualquer relação material de crédito sobre o embargante, porquanto todas as referidas facturas foram pagas”.
3. A Embargada apresentou, em 30-10-2017, Contestação, cujo teor se dá por reproduzido, concluindo pela improcedência dos embargos, alegando, em síntese, que os cheques se destinavam ao pagamento da dívida do Grupo A... à Embargada; e que, como aquele grupo optou por pagar as referidas facturas pró-formas por transferência bancária, a Embargante e a Embargada chegaram a acordo que os referidos cheques não seriam devolvidos e ficariam em poder da Embargada para garantir o pagamento de parte do saldo da conta corrente da AC..., no montante de 23.354,50€, conforme extrato contabilístico que junta, podendo apresentar os cheques a pagamento caso a devedora não pagasse a sua dívida.
4. Foi proferido despacho que dispensou a audiência prévia, despacho saneador e despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, bem como de programação dos atos a praticar na audiência final, para cuja realização se designou o dia 26-04-2018, despacho cuja notificação foi efetuada às partes em 09-03-2018.
5. Os temas da prova consistem em saber se foi paga a quantia titulada pelos cheques dados à execução e se as partes litigam de má-fé.
6. Em 01-04-2018, o Embargante apresentou a peça processual, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta uma exposição em oito artigos, que começa com os dizeres: ““a) EXPONDO: Considerando, face ao teor da contestação da embargada””, seguindo-se um requerimento com dois pontos: o primeiro, para que a embargada seja notificada, ao abrigo do princípio da colaboração processual, para juntar aos autos dois documentos (“cópias das facturas definitivas e substitutivas das facturas pró-forma indicadas sob os nºs 110127 e 110128”); o segundo, para ser admitida a junção de dois documentos (cópias de duas cartas), o que requer pedindo que não seja condenado em multa por só agora terem, segundo afirma, chegado à posse do Embargante, vindos do México.
7. Em 02-04-2018, o Embargante apresentou a peça processual, cujo teor se dá por reproduzido, em que, começa por fazer uma exposição, em dez alíneas, alegando designadamente na al. a), que “o tema da prova foi configurado como a questão de saber se as quantias tituladas pelos cheques de garantia se tornaram inexigíveis devido a pagamentos efectuados pela sociedade mexicana Grupo A... SA de CV e pelo próprio embargante à exequente C....”
8. Mais alegando, nas últimas alíneas, que: “h) O extracto contabilístico junto à contestação dos embargos sob o nº 1 identifica os lançamentos do exercício de 2009, e, relativamente ao ano de 2010 identifica apenas os lançamentos até 31/07/2010; i) O referido extracto não mostra assim os movimentos relativos aos pagamentos feitos após 31/07/2010, designadamente os referidos na carta fax da embargada de 18/02/2010 (Doc. Nº 1); j) Como não reflecte a nota de crédito de € 10.000,00 mencionada pela embargada exequente na carta-fax de 22/07/2009 (Doc nº 2).”
9. Concluiu essa peça processual, requerendo: a junção de quatro cartas, ao disposto no art. 423.º, n.º 2, do CPC, sem condenação em multa por só agora terem, segundo afirma, chegado à posse do Embargante, vindos do México; a notificação da Embargada para juntar aos autos um outro documento, “o extracto contabilístico respeitante ao período de 31/07/2010 a 31/12/2010”.
10. Notificada destas peças processuais e documentos, a Embargada pronunciou-se, em 12-04-2018, por requerimento com a ref.ª 28811967, cujo teor se dá por reproduzido, pugnando pelo respetivo desentranhamento e, à cautela, impugnando os documentos.
11. Sobre estes requerimentos recaiu o seguinte despacho, de 17-04-2018:
 “As peças processuais em causa constituem uma inadmissível resposta à contestação (pois que, após a contestação segue-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo – art- 732º, nº 2, do CPC), não podendo por conseguinte ser admitidas.
O mesmo sucede com os documentos apresentados com tais peças processuais, de cujo conteúdo não se descortina relação com o objecto do litígio e temas da prova fixados.
Consequentemente, dá-se por não escritos os articulados apresentados pelo embargante a 01 e 02.04.2018, não se admitindo outrossim a junção aos autos dos documentos apresentados.
Notifique.”
*
Enquadramento jurídico

Da nulidade da decisão recorrida
Na interpretação das peças processuais apresentadas pelas partes são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado.
De salientar ainda que, conforme é jurisprudência pacífica, essa interpretação deve ser norteada, além do mais, pelo “princípio da prevalência do fundo sobre a forma”, de maneira a que incorreções ou excessos formais não obstem a que possa ser considerada a materialidade do que é efetivamente pretendido pelas partes no processo.
Veja-se, a este respeito o Acórdão do STA de 08-01-2014, no processo n.º 032/13, cujo sumário citamos:“(…) os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.” – www.dgsi.pt
Nas peças processuais em apreço, o Embargante começa por fazer uma exposição que, face ao seu teor e tendo em conta algumas expressões, como a que consta na parte inicial da primeira peça processual “a) EXPONDO: Considerando, face ao teor da contestação da embargada”, pode ser vista como uma resposta àquilo que consta da Contestação (como foi entendido pelo Tribunal Recorrido).
Mas as considerações desenvolvidas nessas peças processuais também podem ser entendidas como a fundamentação do que, a final, é requerido pela Embargante, designadamente a notificação da parte contrária para apresentar documentos em poder desta e a junção pelo Embargante de certos documentos.
Ora, sendo os requerimentos em apreço apresentados depois do despacho de enunciação dos temas de prova, estando ambos identificados como “Requerimento” e não como Resposta à Contestação, percebendo-se que a exposição feita em cada constitui um enunciado das razões pelas quais se requer a notificação da Embargada para juntar certos documentos, bem como a junção pelo Embargante de outros (sem condenação em multa), consideramos que não há razão para qualificar tais peças processuais como uma (inadmissível) Resposta à Contestação.
Ainda que fosse essa a qualificação a fazer, impunha-se, por força do princípio do aproveitamento dos atos processuais (de que o art. 195.º, n.º 2, do CPC constitui afloramento), valorar tudo o mais que aí constava atinente à produção dos efeitos pretendidos pela Embargante: notificação da parte contrária para juntar documentos e admissão de duas junções documentais.
Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 25-02-2016, no processo n.º 634/14.6T8VRL-B,G1), cujo sumário, pelo seu interesse, se passa a citar:
“I) Apresentando uma parte - em acção judicial - um articulado para responder a excepções invocadas pela parte contrária na respectiva contestação, e, bem assim, para exercer também o contraditório no tocante a prova documental, a impertinência/impossibilidade da prática do referido acto processual para efeitos de resposta a excepção não justifica inapelavelmente a prolação de despacho do seu imediato desentranhamento dos autos;
II ) É que, por aplicação da regra vertida no artº 195º, nº2, in fine, do CPC [utile per inutile non vitiatur], inspirada no princípio da conservação dos actos jurídicos, se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito (in casu, servir o acto para responder a excepções), mas, por outro lado, possibilitar a produção de um outro efeito diverso, não se vê como não lhe aplicar também a figura da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do acto processual na parte em que é ele lícito.” – disponível em www.dgsi.pt
Ou seja, não obstante as peças processuais em apreço não possam produzir os efeitos de um articulado de Resposta à Contestação (ou até o de impugnação dos documentos apresentados com a Contestação - cf. artigos 444.º e seguintes), podem e devem ser apreciadas enquanto requerimentos para admissão de meios de prova, designadamente as junções documentais e a notificação da parte contrária para apresentar documentos.
Ainda que a sua tempestividade possa estar em causa, como adiante se apreciará, não deviam ter sido considerados não escritos (ou desentranhados, como defendeu a Embargada), mas sim apreciados, para ser (ou não) admitido o que foi requerido.
A decisão recorrida, ao considerar “não escritos os articulados”, qualificando-os como uma inadmissível resposta à contestação, enferma, pois, de erro de julgamento.
Não se trata de nulidade processual prevista no art. 195.º, n.º 1, do CPC, normativo invocado pelo Recorrente, nem sequer de nulidade do despacho, nos termos dos arts. 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, mas de erro de julgamento.
A nulidade, por omissão de pronúncia, ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Ora, de acordo com a referida decisão, não tinha o Tribunal recorrido que se pronunciar sobre o conteúdo dos requerimentos apresentados, pois considerou o que deles constava como não escrito.
Em face da decisão, que deve ser revogada, impõe-se, todavia, a regra da substituição ao tribunal recorrido, apreciando se deve ou não ser ordenada a requerida notificação (art. 665.º, n.º 2, do CPC).

Não sem antes esclarecer que, como os requerimentos em causa não configuram uma inadmissível Resposta à Contestação, antes se tratando de requerimentos cuja apreciação se irá fazer, mostra-se prejudicada a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 732.º, n.º 2, do CPC, invocada na alegação de recurso.
No entanto, sempre se dirá, não nos parecer que o preceito em causa padeça do vício de inconstitucionalidade material invocado pelo Recorrente, pois a lei processual civil consagra o princípio do contraditório, prevendo, no art. 3.º, n.º 4, do CPC, a faculdade de resposta à matéria das exceções na audiência prévia ou, na falta desta, no início da audiência final, o que nos parece suficiente para assegurar que o princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito de acesso ao direito (cf. art. 20.º da CRP), não fica afetado, de forma desproporcional, pela inadmissibilidade de articulado de resposta escrito.
Mas se, por mera hipótese, uma tal inconstitucionalidade se verificasse, a inelutável consequência seria a da admissibilidade de articulado de resposta, desde que apresentado no prazo geral de 10 dias previsto no art. 149.º do CPC após a notificação da contestação (ou, quando muito, de 30 dias, por aplicação analógica do art. 585.º do CPC). Ora, o Embargante apresentou os seus requerimentos muito para além desse prazo, pelo que nunca poderiam ser admitidos como Articulados de Resposta, já que seriam, obviamente, intempestivos.

Da notificação da parte contrária para juntar documentos
O Embargante, para fundamentar a sua pretensão, no requerimento de 01-04-2018 alude ao princípio da colaboração e no requerimento de 02-04-2018 limita-se a referir o art. 423.º, n.º 2, do CPC. Este preceito legal diz respeito à apresentação tardia de documentos pela parte, não sendo aqui aplicável, antes se trata de situação expressamente prevista no art. 429.º do CPC.
Ora, nada tendo sido requerido a este respeito no requerimento probatório apresentado pelo Embargante na petição de embargos, o lugar e o momento próprios para requerer a notificação da parte contrária para apresentar documentos teria sido a alteração do requerimento probatório, no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (artigos 551.º, 552.º, n.º 2, e 733.º, n.º 2, do CPC).
Naturalmente, se tivesse sido realizada audiência prévia, por iniciativa do tribunal ou por uma das partes pretender reclamar dos despachos previstos nas alíneas b) a d) do n.º 2 do art. 593.º do CPC, ainda teria sido possível fazê-lo nessa diligência (cf. artigos 593.º, 598.º e 733.º, n.º 2, do CPC).
Tal como poderia ter tido lugar se o juiz, no despacho que, além do mais, dispensou a realização da audiência prévia e enunciou os temas da prova, tivesse considerado formalmente adequado, ao abrigo do disposto no art. 547.º do CPC, convidar as partes a alterarem, querendo, o requerimento probatório, fixando um determinado prazo para o efeito.
Mas nesses casos, meramente hipotéticos, ambas as partes beneficiariam dessa faculdade, com respeito pelo princípio da igualdade (art. 4.º do CPC).
Em nosso entendimento, não havendo previsão expressa para a alteração do requerimento probatório, a única via possível para a sua admissibilidade fora do contexto dos articulados e da audiência prévia (e ressalvados os casos de justo impedimento) encontra arrimo no princípio da adequação formal, conjugado com os princípios do contraditório e da igualdade de armas (artigos 3.º, 4.º e 547.º do CPC), dentro dos condicionalismos do caso concreto.
O Código contém diversos preceitos legais que permitem “compensar” esta limitação temporal à alteração do requerimento probatório, designadamente o art. 423.º, quanto aos documentos, o art. 466.º, quanto às declarações de parte, o art. 510.º, quanto à substituição de testemunhas, o art. 598.º, n.ºs 2 e 3, quanto ao aditamento ou alteração do rol de testemunhas. Acima de tudo, releva a consagração do princípio do inquisitório, no art. 411.º do CPC: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lício conhecer.”
Neste contexto, a interpretação que fazemos dos referidos artigos 552.º, n.º 2, e 598.º, n.º 1, ambos do CPC, no sentido da inadmissibilidade da alteração do requerimento probatório depois de proferido o despacho que, dispensando a audiência prévia, identifica o objeto do litígio, enuncia os temas da prova e programa os autos a realizar na audiência final, não afronta o direito (constitucional) à prova, incluído no direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo (artigos 20.º da CRP e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
A respeito da alteração do requerimento probatório, pronunciaram-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, explicando que a faculdade aberta no n.º 1 do art. 598.º do CPC é uma “concessão do legislador à dificuldade dos profissionais forenses se adaptarem ao novo processo”, referindo ainda que “(A) possibilidade de alteração permitida no n.º 1 não se destina a adequar o requerimento probatório aos temas da prova enunciados (art. 696.º, n.º 1). Os factos já alegados carecem de prova. A instrução não visa prova de temas. Quando a parte alega o facto, sabe que tem o ónus de o demonstrar. Os desenvolvimentos processuais na fase intermédia da ação – fase onde não são introduzidos novos fundamentos de facto na causa – não agravam este ónus, exigindo que se conceda à parte oportunidade de reforçar ou alterar os meios probatórios por si indicados (…)” – in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Volume I, 2.ª edição, Almedina, Coimbra 2014, pág. 360.
De igual modo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, tomaram posição, nos seguintes termos: “Face aos termos inequívocos do n.º 3 do art. 593.º, em conjugação com o n.º 1 do art. 598º, quando a audiência prévia seja dispensada pelo juiz, as partes não podem requerer a sua realização só com o propósito de proceder a alterações nos requerimentos probatórios. E também não podem introduzir sem mais alterações a tais requerimentos probatórios. A alteração do requerimento probatório fora do contexto da audiência prévia, além de não estar prevista na lei, implicaria que ficasse prejudicado tudo quanto tivesse sido definido para a tramitação subsequente do processo, em especial quanto à programação e ao agendamento da audiência final, nos termos do art. 593.º, nº 2, al. d)(sublinhado nosso) – in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, pág. 692. No mesmo sentido, já Paulo Pimenta se pronunciara anteriormente, “Processo Civil Declarativo”, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 327, nota 748).
Não vemos razão para defender, como faz Lebre de Freitas, que, não havendo audiência prévia, as partes podem alterar o requerimento probatório, no prazo (geral) de 10 dias, após notificação do despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova, ainda que tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final, embora restringindo a possibilidade de alteração do requerimento probatório à prova constituenda. Segundo este autor, “não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia”, posição preconizada em duas obras,“Código de Processo Civil Anotado”, em coautoria com Isabel Alexandre, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, págs. 644 e 675, e A acção declarativa comum”, 4.ª edição, Gestlegal, 2017, págs. 206-207, e nota de rodapé 25. Nesta nota, justifica ainda que “(A) faculdade de alteração dos requerimentos probatórios é concedida nesta fase por só nela o juiz enunciar os temas da prova e a enunciação deles fora da audiência prévia equivaler à sua enunciação dentro dela.”
Muito menos nos parece defensável admitir uma alteração do requerimento probatório no prazo de 20 dias, por aplicação analógica do art. 598.º, n.º 2, do CPC (posição de M. Teixeira de Sousa, citado por Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, na obra acima referida).
Não obstante o respeito, que é muito, que nos merecem estes ilustres Mestres, não podemos concordar com esta tese, que poderá ser uma solução interessante no plano do Direito a constituir, mas enfrenta as objeções já acima expostas. Na verdade, temos por seguro que, na falta de base legal, não se pode afirmar que existe “o direito das partes à alteração do requerimento probatório”. Apenas por via da analogia se poderia admitir a existência de tal faculdade, mas aqui encontramos o óbice da inexistência de lacuna.
É para nós manifesto que o legislador pretendeu que os requerimentos probatórios fossem apresentados nos articulados acima referidos, limitando a alteração desses requerimentos nos termos expressamente previstos na lei. A enunciação dos temas de prova não pode constituir a razão de ser da atribuição da faculdade de alteração do requerimento probatório, já que os temas da prova correspondem a um enunciado sintético dos factos controvertidos, factos para cuja prova ou contraprova as partes podem apresentar e alterar os seus requerimentos probatórios nos termos previstos na lei. O autor ou embargante, patrocinado por mandatário judicial, uma vez notificado da contestação, não poderá deixar de alcançar quais os factos que estão plenamente provados e quais os factos controvertidos ou necessitados de prova e que, de forma mais ou menos sintética, serão reconduzidos aos temas da prova. Por isso mesmo, poderá ainda, no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação, alterar o seu requerimento probatório. Se o despacho que enuncia os temas da prova não corresponder à análise que a esse respeito oportunamente fez, certamente será caso para reclamar do referido despacho, o que apenas poderá fazer em sede de audiência prévia, onde terá oportunidade, ainda que não seja atendida a reclamação, de alterar o requerimento probatório.
Não vemos, pois, razão para acolher uma tese que não encontra apoio na interpretação literal e teleológica dos citados preceitos legais (artigos 552.º, n.º 2, e 598.º do CPC) e introduz até um tão significativo fator de insegurança jurídica, com a divergência quanto ao prazo para as partes exercerem uma tal faculdade (10 ou 20 dias).
Mas isto não significa que o Tribunal não possa, oficiosamente, realizar ou ordenar uma qualquer diligência probatória (incluindo a notificação de uma das partes para juntar certos documentos), ao abrigo dos princípios do inquisitório e da cooperação, desde que a considere necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (artigos 7.º, 411.º e 417.º do CPC). Como poderá, por exemplo, não obstante ter previamente indeferido o aditamento ao rol de testemunha requerido sem observância do disposto no n.º 2 do art. 598.º do CPC, ordenar oficiosamente, durante a audiência final, que a mesma preste depoimento por tal se mostrar indispensável ao apuramento da verdade.

No caso concreto, não tendo sido proferido qualquer despacho do juiz com fundamento na adequação do processado e dirigido a ambas as partes, não se mostra tempestiva a alteração do requerimento probatório.
O Embargante, através do seu ilustre mandatário, no momento processual próprio, designadamente no prazo de 10 dias a contar da notificação da Contestação, não alterou (por aditamento) o requerimento probatório, requerendo a notificação da parte contrária para apresentar tais documentos, tanto mais que os documentos em causa, ainda que em poder da parte contrária, já existiam, ao que tudo indica, no momento processual em que o Embargante podia ter requerido a notificação da Embargada para os apresentar.
No entanto, importará ainda analisar se, ao abrigo dos princípios da cooperação e do inquisitório, se justifica (ou não) a requerida notificação, considerando as razões que foram aduzidas pelo Embargante, nos seus requerimentos, e contrariadas, de forma veemente, pela Embargada.
Tudo ponderado, pensamos que a resposta deve ser afirmativa.
Com efeito, na versão do Embargante, os cheques dados à execução destinavam-se, apenas e só, a garantir o pagamento de duas faturas pró-forma, cujas datas, sublinha, coincidem com as datas em que os cheques foram emitidos, faturas essas cujo pagamento diz ter sido efetuado.
A Embargada, na Contestação, alega que a Embargante e a Embargada chegaram a acordo que os referidos cheques não seriam devolvidos e ficariam em poder da Embargada para garantir o pagamento de parte do saldo da conta corrente da AC..., no montante de 23.354,50€, conforme extrato contabilístico que junta.
O tema da prova consiste em saber se foi paga a quantia titulada pelos cheques dados à execução, o que, inclui, naturalmente, os factos atinentes à relação subjacente à emissão dos cheques.
Nessa medida, os documentos indicados (faturas substitutivas das faturas pró-forma e extrato contabilístico referente a período temporal que abranja o respetivo pagamento) mostram-se úteis para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, justificando-se, assim, ordenar a notificação da Embargada para os juntar, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da cooperação (artigos 7.º, 411.º e 417.º do CPC).
Destarte, conclui-se que os referidos requerimentos, na parte atinente à notificação da Embargada para juntar documentos, deviam ter sido deferidos, o que agora se decide em substituição do tribunal recorrido.

Quanto às junções documentais
O Tribunal Recorrido decidiu não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados, por não descortinar relação com o objeto do litígio e os temas da prova fixados (tanto mais que considerou não escrito o que fora alegado para justificar essas junções).
Cumpre, agora, apreciar se decidiu corretamente.
A lei permite a apresentação de documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte condenada em multa, a menos que prove que os não pôde oferecer com o articulado (art. 423.º, n.º 2, do CPC).
A lei prevê também, quanto aos documentos tardiamente apresentados, que o juiz, se verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, os mande retirar do processo e restitui-los ao apresentante, condenando este no pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais – art. 443.º, n.º 1, do CPC.
Sobre o sentido deste preceito legal, decalcado do art. 543.º do CPC de 1961, veja-se, a título exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26-03-2009, no processo n.º 2687/05.9TBALM.L1-6, cujo sumário, pelo interesse que continua a ter, se passa a citar:
“I. Consideram-se impertinentes os documentos que, por sua natureza, não possam ter qualquer influência na decisão da causa, ou por dizerem respeito a factos que lhe sejam estranhos, ou por representarem factos irrelevantes para a decisão, ou ainda por o seu conteúdo ser de tal modo inócuo que dele nada possa resultar.
II. Consideram-se desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, nada sejam susceptíveis de acrescentar no bom desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostrem devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constem do elenco a apurar na discussão da causa, ou ainda por os autos já se mostrarem instruídos por documentos de igual ou superior relevo (por ex. juntar a fotocópia do original já nos autos).” – disponível em www.dgsi.pt
A decisão recorrida, pese embora não indique o art. 443.º do CPC, nem condene o apresentante em multa, contém, a nosso ver, um juízo de impertinência ou, pelo menos, de desnecessidade dos documentos em causa, na medida em que se afirma expressamente não se descortinar que o conteúdo desses documentos tenha qualquer relação com o objeto do litígio e os temas da prova fixados.
Como resulta, além do mais, do art. 410.º do CPC, a instrução tem por objeto a matéria (de facto controvertida) dos temas da prova ou, na falta destes, “os factos necessitados de prova”. Se o juiz considerou que os documentos em causa não têm nenhuma relação com o objeto do litígio (isto é, o pedido e a causa de pedir juridicamente enquadrados), nem com os temas da prova, é claro que os considerou impertinentes.
O Recorrente sustenta, na alegação de recurso, que:
“10. Os documentos que o recorrente juntou com os questionados requerimentos, bem ao contrário do que se assevera no despacho recorrido, têm que ver com o tema da prova e o objecto da lide.
11. Na verdade são documentos que demonstram que os créditos invocados pela recorrida foram pagos.”
O tema da prova consiste em saber se foi paga a quantia titulada pelos cheques dados à execução. Na versão do Embargante, esses cheques destinavam-se, apenas e só, a garantir o pagamento de duas faturas pró-forma, cujas datas, sublinha, coincidem com as datas em que os cheques foram emitidos, faturas essas cujo pagamento diz ter sido efetuado.
A Embargada, na Contestação, alega que a Embargante e a Embargada chegaram a acordo que os referidos cheques não seriam devolvidos e ficariam em poder da Embargada para garantir o pagamento de parte do saldo da conta corrente da AC..., no montante de 23.354,50€, conforme extrato contabilístico que junta, podendo apresentar os cheques a pagamento caso a devedora não pagasse a sua dívida.
Com as junções documentais em causa o Embargante pretende, face ao que afirma, fazer contraprova dos factos alegados pela Embargada, demonstrando que certas quantias constantes do extrato contabilístico como em dívida foram pagas.
Os documentos em causa estão relacionados com esse propósito, não sendo exato afirmar que não dizem respeito aos temas da prova. A relevância probatória desses documentos será oportunamente avaliada, mas não se justifica um juízo da sua impertinência ou desnecessidade.
Considerando a antecedência com que foram requeridas ambas as junções documentais, devem ser admitidas, embora com condenação do Embargante em multa (art. 423.º, n.º 2, do CPC), já que não demonstrou que não pôde oferecer tais documentos com o articulado da petição de embargos ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da Contestação (artigos 551.º, 552.º, n.º 2, e 733.º, n.º 2, do CPC).
Estando em causa duas junções documentais e considerando o número dos documentos em causa e o mais acima exposto, tendo ainda em atenção o preceituado no art. 27, n.ºs 1 e 4, do RCP, mostra-se adequado fixar em duas UC a multa devida por cada junção.
*
Quanto a custas processuais, tendo em atenção o disposto nos artigos 527.º e 529.º do CPC, a Embargada, embora não tenha apresentado alegação de resposta, é responsável pelo pagamento das custas do recurso, uma vez que pugnou pelo desentranhamento dos requerimentos em apreço e documentos juntos com os mesmos, no que ficou vencida.
***

3. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente:
a) Revogando-se o despacho recorrido na parte em que considerou “não escritos os articulados apresentados pelo embargante a 01.04.2018 e 02.04.2018” e decidindo-se, em substituição, ordenar a notificação da Embargada/Recorrida para juntar os documentos indicados nos requerimentos de 01-04-2018 e 02-04-2018 (cópias das faturas definitivas e substitutivas da faturas pró-forma n.º 110127 e 110128, bem como extrato contabilístico do período de 31-07-2010 a 31-12-2010);
b) Revogando-se o despacho recorrido na parte em que não admitiu cada uma das junções documentais requeridas pelo Embargante/Recorrente nos requerimentos de 01-04-2018 e 02-04-2018, que se substitui pela decisão de admissão das duas junções documentais requeridas e condenação do Embargante no pagamento de multa, no valor de duas UC, por cada junção documental;
c) Condenar a Embargada/Recorrida no pagamento das custas do recurso.

Lisboa, 4 de outubro de 2018

Laurinda Gemas

Gabriela Cunha Rodrigues

Pedro Martins

Voto vencido [4046/16.9T8OER-D] quanto à não admissão, a título próprio, daquilo que se pode apresentar como uma alteração do requerimento probatório (na parte em que o embargante requer – a 02/04/2018, isto é, no segundo requerimento - a notificação da exequente para juntar aos autos o extracto contabilístico relativamente a um período posterior a um outro de que já apresentou o extracto):
I. Seguindo a lição do Prof. Lebre de Freitas (A acção declarativa comum, 4.ª edição, Gestlegal, Junho de 2017, págs. 206-207; CPC anotado com Isabel Alexandre, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, págs. 674-675 e 644-645), entendo que a parte pode alterar o requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados do despacho em que lhe é dado conhecimento da fixação dos temas de prova com dispensa da audiência prévia (embora Lebre de Freitas recomende que, à cautela, a parte conte o prazo da notificação do conhecimento desta dispensa se preceder aquele despacho).
Como Lebre de Freitas explica: “não se justificaria que que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia” [e em nota: “Normas como as que fazem coincidir a preclusão com a prática dum acto ou com o termo, ou certo momento, duma diligência determinada (exs.: art. 3-4; art. 198-1; art. 199-1, l.ª parte; art. 200-2; art. 358-1; arts. 588-3, 611-1 e 729-g; art. 423-2) revestem carácter específico. Na falta duma norma dessas, nenhuma norma processual geral impõe a preclusão. No caso considerado, ela traduzir-se-ia numa desigualdade entre a parte que é convocada para a audiência prévia e a que não é, tido em conta que a pretensão de alteração do requerimento de prova não pode fundar reclamação que leve à realização da audiência dispensada. A faculdade de alteração dos requerimentos probatórios é concedida nesta fase por só nela o juiz enunciar os temas da prova e a enunciação deles fora da audiência prévia equivaler à sua enunciação dentro dela.”]
Admitir que a dispensa da audiência prévia levasse à perda do direito de alterar o requerimento de prova, sem qualquer norma que o diga, levaria a que as partes fossem apanhadas de surpresa pelas consequências – potencialmente graves - que se retiravam de um acto que nada parecia ter a ver com essa preclusão; o embargante, no caso, ao ser notificado da dispensa não tinha que perceber que estava a perder também o direito de alterar o requerimento de prova se, em nome da celeridade e da economia processual, ou por outras razões, concordasse com aquela dispensa.
No mesmo sentido, veja-se o post do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, colocado em 01/03/2014 no blog do IPPC, sobre Questões sobre matéria de prova no nCPC, que é lembrado pelo acórdão a que anexo este voto:
[…]
3. Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final.”
Aliás, a não se entender assim, as partes mais avisadas começarão a usar o expediente de, ao abrigo do art. 593/3 do CPC, requererem uma audiência prévia potestativa para poderem alterar aí o requerimento probatório, fazendo-o com o pretexto de uma pretendida reclamação contra o despacho de fixação dos temas de prova, já que não o poderiam fazer apenas para nela vir a alterar o requerimento de prova. O que levará a reclamações artificiais, ao atraso dos processos provavelmente por mais meio ano, a um trabalho desnecessário do tribunal, juiz e advogados e a gastos para as partes (para pagarem a comparência dos advogados na diligência processual).
Posto isto, ressalve-se que o Prof. Lebre de Freitas restringe a possibilidade de alteração do requerimento probatório só à prova constituenda; mas a razão de ser dessa restrição não é aplicável ao caso da prova por documentos em poder da parte contrária, já que aqui não se pode dizer, como no caso em que os documentos estão em poder da própria parte, que eles podem ser apresentados ao abrigo do art. 423/2 do CPC.
                                   *
II. Podendo o requerimento probatório ser alterado no prazo geral de 10 dias (seguindo-se a posição de Lebre de Freitas; seguindo-se a posição de Miguel Teixeira de Sousa a dificuldade que se segue nem sequer se colocaria no caso) depois da notificação da fixação dos temas de prova, no caso coincidente com o conhecimento da dispensa da audiência prévia, o requerimento do embargante podia ser admitido, porque ele foi feito antes ainda do 2.º dia útil depois do termo do prazo, se o embargante/recorrente, pagasse a multa e a penalização previstas no art. 139, n.ºs 5-b e 6, do CPC, depois de notificado pela secretaria para o efeito.
Com efeito, tem de se descontar o período de férias judiciais da Páscoa, que ocorreram de 25/03/2018 a 02/04/2018, inclusive; a notificação foi feita através de carta elaborada a 09/03, considerando-se feita a 12/03/2018: art. 248 do CPC; o termo do prazo ocorreu pois a 22/03/2018; o primeiro dia útil foi 23, uma sexta-feira; o 2.º dia útil ocorreria a 03/04/2018.
Lisboa, 04/10/2018
Pedro Martins